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1 TERRA, ÁGUA E TERRITÓRIO: CONFLITOS NA BACIA DO RIO PARAÍBA i Rodrigo Brito da Silva ii Universidade Federal da Paraíba-UFPB [email protected] Maria Franco Garcia iii Universidade Federal da Paraíba-UFPB [email protected] Resumo A luta pela terra e pela água na Paraíba não é um fenômeno recente, ela é concomitante ao processo de formação territorial do próprio estado. Hoje, a concentração de terras e capitais e o acesso a água nas mãos de uma minoria junto à existência de uma grande quantidade de famílias de trabalhadores rurais, sem terras, camponeses e posseiros é a expressão da luta de classes e dos conflitos territoriais no estado. Nos municípios que configuram a Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba essa disputa não é diferente. Neste trabalho apresentamos uma análise dos conflitos no campo nos 85 dos municípios desse território, a partir dos dados fornecidos pelos relatórios anuais da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no período de 2002 a 2010, do CENSO Agropecuário de 2009 e da Base de dados Cidades@ do IBGE de 2011. Palavras- chave: Bacia hidrográfica. Conflito territorial. Questão agrária. Questão da água. Paraíba. Introdução A pesquisa que apresentamos na continuação nos coloca diante de diferentes formas que os conflitos sociais assumem no território. O recorte dessa manifestação é a Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba, no estado homônimo. Ocupa o segundo lugar em extensão no estado com uma área total de 20.071,83 Km², o que representa 38% do seu território. A bacia está composta pela sub-bacia do Rio Taperoá e dividida em três regiões: Alto Paraíba, Médio Paraíba e Baixo Paraíba. Uma das características deste território é a sua alta densidade demográfica, já que nela estão incluídas as cidades mais populosas do estado, como a própria capital, João Pessoa e Campina Grande, o segundo maior centro urbano. Trata-se de uma bacia estadual que tem toda sua rede de drenagem nos limites político-administrativos do estado. Os 85 (oitenta e cinco) municípios que configuram seu território se localizam nas mesorregiões da Borborema, do Agreste e do Litoral, por isso é considerada uma das mais importantes do Semi-árido nordestino (AESA, 2008). Nossa proposta é compreender a dinâmica das ocupações de terra protagonizas pelos movimentos sociais de trabalhadores rurais; o significado da constituição de

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TERRA, ÁGUA E TERRITÓRIO: CONFLITOS NA BACIA DO RIO PARAÍBAi

Rodrigo Brito da Silvaii Universidade Federal da Paraíba-UFPB

[email protected]

Maria Franco Garciaiii Universidade Federal da Paraíba-UFPB

[email protected]

Resumo A luta pela terra e pela água na Paraíba não é um fenômeno recente, ela é concomitante ao processo de formação territorial do próprio estado. Hoje, a concentração de terras e capitais e o acesso a água nas mãos de uma minoria junto à existência de uma grande quantidade de famílias de trabalhadores rurais, sem terras, camponeses e posseiros é a expressão da luta de classes e dos conflitos territoriais no estado. Nos municípios que configuram a Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba essa disputa não é diferente. Neste trabalho apresentamos uma análise dos conflitos no campo nos 85 dos municípios desse território, a partir dos dados fornecidos pelos relatórios anuais da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no período de 2002 a 2010, do CENSO Agropecuário de 2009 e da Base de dados Cidades@ do IBGE de 2011. Palavras- chave: Bacia hidrográfica. Conflito territorial. Questão agrária. Questão da água. Paraíba. Introdução A pesquisa que apresentamos na continuação nos coloca diante de diferentes formas que

os conflitos sociais assumem no território. O recorte dessa manifestação é a Bacia

Hidrográfica do Rio Paraíba, no estado homônimo. Ocupa o segundo lugar em extensão

no estado com uma área total de 20.071,83 Km², o que representa 38% do seu território.

A bacia está composta pela sub-bacia do Rio Taperoá e dividida em três regiões: Alto

Paraíba, Médio Paraíba e Baixo Paraíba. Uma das características deste território é a sua

alta densidade demográfica, já que nela estão incluídas as cidades mais populosas do

estado, como a própria capital, João Pessoa e Campina Grande, o segundo maior centro

urbano. Trata-se de uma bacia estadual que tem toda sua rede de drenagem nos limites

político-administrativos do estado. Os 85 (oitenta e cinco) municípios que configuram

seu território se localizam nas mesorregiões da Borborema, do Agreste e do Litoral, por

isso é considerada uma das mais importantes do Semi-árido nordestino (AESA, 2008).

Nossa proposta é compreender a dinâmica das ocupações de terra protagonizas pelos

movimentos sociais de trabalhadores rurais; o significado da constituição de

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acampamentos de famílias sem terra em luta pela Reforma Agrária na Bacia; as formas

de violência contra os trabalhadores rurais, seja pelo próprio aparelho do Estado por

meio de despejos e desocupações, seja pelas milícias armadas a serviço dos grandes

proprietários de terras e latifundiários; as relações de trabalho e exploração dos

cortadores de cana-de-açúcar nos grandes empreendimentos do agronegócio na Zona da

Mata no Baixo Curso do Rio Paraíba e; as tensões e disputas pelo uso e acesso á água

na Bacia. Para isso, nos apoiamos no levantamento de dados secundários e na

construção de uma base que nos possibilite a criação de um Sistema de Informações

Geográficas (SIG) voltado para a análise dos conflitos territoriais na Bacia. Um dos

resultados parciais deste trabalho é a produção de mapas temáticos e cartogramas com a

espacialização dos conflitos.

Segundo a CPT-Nacional (2011) os conflitos por terra e água, desde a perspectiva do

trabalho, ou seja, dos trabalhadores rurais e camponeses, são ações de restistencia e

enfrentamento pela posse, uso e propriedade da terra e da água e pelo seu acesso.

Analisar o impato dos conflitos sobre o território e, nomeadamente, na vida das famílias

de trabalhadores e camponeses envolvidos é o desafio final da pesquisa na que está

inserido este trabalho.

Água, terra e trabalho: dimensões da questão agrária na Bacia do Rio Paraíba Água e terra são elementos vitais. A água, e o seu ciclo, estão intimamente ligados ao

nascimento e conservação das diferentes formas de vida que configuram o espaço

geográfico, entre elas a vida humana. Todavia, as barreiras físicas, político-

administrativas e econômico-sociais que impossibilitam o acesso socialmente justo a

esse recurso vital, tornam fenômenos de origem natural, tais como as enchentes ou a

ocorrência de secas, fatos sociais.

Atendendo a essas condições, neste trabalho concordamos com os autores que defendem

que a análise da “questão da água” para uma determinada região, não pode se restringir

ao balanço entre a sua oferta e a sua demanda (REBOUÇAS,1997). Deve, no entanto,

colocar á luz da leitura crítica as relações que se estabelecem entre os diferentes

recursos hídricos presentes nesse território com outros recursos vitais, como a própria

terra, e com determinações sociais e históricas que se materializam nesse recorte

territorial, todavia tramadas em escalas espaço-temporais outras (SMITH, 2003).

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Da mesma forma a “questão da terra” ou se preferimos a “questão agrária” nos remete a

uma problemática social em volta de um recurso natural limitado. Mas sobretudo, de

uma forma da natureza primeira, ou originária, útil ao desenvolvimento da vida em uma

mercadoria com um valor de troca no mercado capitalista de terra. Troca esta que, por

ser capitalista, essencialmente é uma troca desigual e injusta, reflexo de uma sociedade

organizada em classes desiguais e injustas. Essa constatação leva-nos a refletir sobre a

natureza da propriedade privada da terra no Brasil, que tem a sua origem na forma de

propriedade histórica do capitalismo.

A divisão social do trabalho e a propriedade privada são expressões idênticas para Marx

e Engels (2007). A divisão inicia-se na família, com a diferencia de tarefas por gêneros,

prossegue na distinção entre agricultura e pastoreio, entre ambas e o comercio,

conduzindo á separação entre o campo e a cidade. Todavia, em cada uma das distinções

operam novas divisões sociais do trabalho. Quando Marx se refere á divisão do trabalho

não se reduz a uma simples divisão de tarefas, senão que chama a atenção sobre a

separação entre as condições e os instrumentos de trabalho, ou meios de produção, e o

próprio trabalho, ou forças produtivas. Assim as diferentes formas de propriedade que

se desenvolveram na historia da humanidade, remetem as diferentes formas de relação

entre os meios de produção e as forças produtivas, ou seja, as diferentes formas de

divisão social do trabalho. A propriedade privada capitalista é uma dessas formas

históricas que realiza uma separação radical entre proprietários dos meios de produção e

os despossuídos desses meios, os trabalhadores. A sociedade para Marx (2004) se

constitui a partir de condições materiais de produção e da divisão social do trabalho.

Assim, mudanças históricas dessas condições de produção ou dessas formas de

propriedade, dependem da ação concreta dos homens no tempo. A origem da

propriedade privada da terra no Brasil é decorrente do processo de formação territorial

colonial, que submeteu á terá sob a lógica da exploração econômica capitalista. Seu

marco jurídico foi a Lei de Terras de 1845 que legitimou a compra e venda como forma

de acesso à terra. Todavia, no caso brasileiro a constituição da propriedade privada da

terra se fundamenta na concepção de que o desenvolvimento e avanço do capitalismo no

campo se faz de forma desigual, combinada e contraditória e tem na sua raiz o caráter

rentista (MARTINS, J.S: 1994). Isto quer dizer que a concentração privada da terra no

Brasil atua como processo de concentração de riqueza e, portanto, de capital. Para este

autor, no Brasil:

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(...) o capital transformou-se em proprietário da terra [...] agora e aqui estamos diante de um modelo antidemocrático de desenvolvimento capitalista, apoiado num pacto político, gestado durante a ditadura militar, que casou numa só figura única latifundiários e capitalistas (1994, pág.15)

Diante dessas condições, no nosso estudo concordamos com Oliveira, A. U. (2009)

quando nos alerta sobre a necessidade de entender os novos mecanismos usados pelo

capital para sujeitar a renda da terra aos seus desígnios, sem, necessariamente, ter que se

apropriar de forma direta da propriedade da terra.

Recapitulando, água e terra são discutidas neste trabalho, nem como recursos naturais

nem como apenas recursos econômicos e sim como condições de existência social.

Entretanto, reforçamos a idéia de que para entender como ambas se relacionam é

necessário colocar em discussão a própria sociedade. Assim, desde o ponto de vista

metodológico recusamos as determinações físico–ambientais que servem de base para

discursos da “cultura da seca” para a região Nordeste no Brasil, onde se localiza a nossa

área de pesquisa, e nos amparamos nas análises que procuram compreender a relação

homem – natureza a partir da mediação do trabalho. Por ser a forma histórica

contemporânea o capitalismo é no seu contexto que a relação social entre o capital e o

trabalho é estudada, e esta relação social em relação ao desigual uso e acesso à terra e

água das classes envolvidas. Relações sociais que entendemos constituem o motor dos

conflitos territoriais em curso já que, se bem que as condições físico-climáticas que

predominam no Nordeste, e especificamente na Bacia do Rio Paraíba no seu Alto e

Médio curso, podem, relativamente dificultar a vida, não entanto, não podem ser

responsabilizadas pelo quadro de pobreza, exclusão, espoliação, exploração e

manipulação de um grande número de famílias de trabalhadores do semi-árido

paraibano.

O semi-árido na Bacia do Rio Paraíba A zona de incidência das secas foi regionaliza por primeira vez pela Superintendência

do Desenvolvimento do Nordeste, SUDENEiv, na década de 1950 e definida como o

Polígono das Secas. Tal delimitação foi modificada no decorrer do tempo com o

objetivo de incluir municípios que apresentavam características similares e que não

foram contemplados, mas que demandavam o mesmo tratamento nas políticas de

crédito e benefícios fiscais conferidos ao semi-árido. Para muitos autores a delimitação

desse polígono respondeu, na sua origem, a critérios mais políticos do que ecológicos

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(REBOUÇAS, 1997). A última modificação dos municípios do semi-árido foi feita em

2005 pelo Ministério de Integração Nacional (MI), quem assumiu essa atribuição depois

da extinção da SUDENE em 2001. Essa nova delimitação está representada na Figura

02 (pág.07). Uma das questões que levaram ao MI a modificar esse perímetro

ampliando-o foi a constatação da insuficiência do índice pluviométrico como critério

exclusivo de seleção de municípios, como tinha sido considerado até o momentov.

Segundo o relatório do MI sobre a Nova Delimitação o semi-árido Brasileiro da

Secretaria de Políticas e Desenvolvimento Regional (2006): (...) conhecimentos acumulados sobre o clima permitem concluir não ser a falta de chuvas a responsável pela oferta insuficiente de água na região, mas sua má distribuição, associada a uma alta taxa de evapotranspiração, que resultam no fenômeno da seca, a qual periodicamente assola a população da região (grifo nosso).

A nova delimitação além dos 1.031 já existentes passaram a fazer parte 102 novos, o

que representa um acréscimo de 8,66% da área total, que passou a ser de 969.589,4

Km2. Entre outros benefícios concedido aos municípios do “novo semi-árido” está a

disposição de crédito com juros de 1% ao ano, com prazo de pagamento de 10 anos e

carência de 03, para os pequenos agricultores familiares contemplados pelo Programa

Nacional de Assistência à Agricultura Familiar (PRONAF).

Na Paraíba dos 223 municípios que compõem o território estadual, desde a antiga

delimitação, 170 municípios se encontram no semi-árido, o significa 76,3 % do número

de municípios do estado e 86,6% dos Km2 de área total. Desses 170 municípios 61

encontram-se na Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba, repartidos entre a Sub-bacia do

Taperoá e o Alto e Médio Paraíba.

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Figura 02: Nova delimitação do semi-árido brasileiro, 2005

Fonte: MI, 2006

A importância territorial da região semi-árida na Bacia fica clara na Tabela 01 e no

Gráfico 01 a seguir:

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Tabela 01: Municípios da bacia hidrográfica do rio Paraíba segundo a sua localização na região semi-árida e zona da mata

MUNICÍPIOS LOCALIZADOS NO SEMIARIDO MUNICÍPIOS

LOCALIZADOS NA ZONA DA MATA

Alcantil Junco do Seridó Teixeira Araçagi

Amparo Lagoa Seca Tenório Bayeux

Areial Livramento Umbuzeiro Cabedelo

Aroeiras Massaranduba Zabelê Caldas Brandão

Assunção Mogeiro TOTAL 61 Cruz do Espirito Santo

Barra de Santa Rosa Montadas Gurinhém

Barra de Santana Monteiro João Pessoa

Barra de São Miguel Natuba Juarez Távora

Boa Vista Olivedos Juripiranga

Boqueirão Ouro Velho Lucena

Cabaceiras Parari Mari

Cacimba de Areia Pocinhos Mulungu

Cacimbas Prata Pedras de Fogo

Camalaú Puxinanã Pilar

Campina Grande Queimadas Riachão do Poço

Caraúbas Riachão do Bacamarte Santa Rita

Caturité Riacho de Santo Antônio Santo André

Congo Salgadinho São João do Cariri

Coxixola Salgado de São Félix São José dos Cordeiros

Cubati Santa Cecília São José dos Ramos

Desterro São Domingos do Cariri São Miguel de Taipú

Fagundes São João do Tigre Sapé

Gado Bravo São Sebastião do

Umbuzeiro

Serra Redonda

Gurjão Seridó Sobrado

Ingá Serra Branca TOTAL 24

Itabaiana Soledade

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Grafico 01: Número de municipios da bacía hidrográfica do río paraíba segundo a sua localização na região semi-árida e zona da mata

Fonte: MI, 2006 Org.: SILVA, R.B.

A Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba recorte territorial de pesquisa A Paraíba é um dos menores estados em extensão territorial do Brasil, todavia está

dividido em onze bacias hidrográficas: Rio Paraíba, Rio Abiaí, Rio Gramame, Rio

Miriri, Rio Mamanguape, Rio Camaratuba, Rio Guaju, Rio Piranhas, Rio Curimataú,

Rio Jacu e Rio Trairi. As cinco últimas são de domínio federal o que significa que a

sua gestão não se corresponde com nenhum dos estados por onde passam, que no

mínimo são dois (PARAÍBA, 2006).

A Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba está dividida, como apontamos anteriormente e

podemos observar na Figura 03 a seguir, na sub-bacia do Rio Taperoá e em três regiões

hidrográficas: Alto, Médio e Baixo Paraíba. Nesse recorte ocorrem, predominantemente,

dois sistemas aqüíferos: o sistema Paraíba-Pernambuco no Baixo curso e o sistema

cristalino no Médio e no Alto curso, ambos na região semi-árida do estado.

No que se refere á regionalização da gerencia das bacias hidrográficas no estado, o

território foi dividido em quatro áreas. A bacia do Rio Paraíba é contemplada, no curso

Baixo, pela atuação da Área I, que tem a sua sede em João Pessoa e pela Área II, com

sede em Campina Grande, que contempla as ações de gestão das águas no Alto e Médio

Paraíba.

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A Agencia Executiva de Gestão de Águas do Estado da Paraíba (AESA), criada em

2005, confere a essas áreas de gerencia as atribuições de administrar o uso, a oferta e a

preservação dos recursos hídricos; manter o cadastro atualizado dos usuários de água e

das obras hidráulicas; receber os processos de solicitação de outorga de utilização de

água e de implementação de obras e serviços de oferta hídrica; encaminhar processos

para penalizar infratores da legislação sobre utilização dos recursos hídricos; apoiar e

colaborar com a implantação de organizações de usuários de água e; fiscalizar os

serviços de manutenção e operação dos reservatórios de água. (PARAÍBA, 2006).

Figura 02: Bacia hidrográfica do rio Paraíba

Fonte: AESA, 2010

Os conflitos territoriais na Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba Para a Comissão Pastoral da Terra (CPT), fonte dos dados sobre os conflitos territoriais

que apresentaremos neste item, os conflitos são principalmente ações de resistência a

embates. Essas respostas sociais acontecem tanto no espaço agrário como no urbano. Os

sujeitos que protagonizam tais conflitos são tanto coletividades, como podem ser as

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classes sociais antagônicas (capitalistas x trabalhadores) quanto sujeitos que

individualmente protagonizam distensões, desencontros e brigas por interesses

individuais. Também os conflitos podem ser gerados a partir da ausência ou a má gestão

de política publica, como é o caso dos enfrentamentos entre posseiros e sem terras com

empreiteiras na transposição do Rio São Francisco. Todavia, para a CPT (2010) os

conflitos por terra são: (...) ações de resistência e enfrentamento pela posse, uso e propriedade da terra e pelo acesso quando envolvem posseiros, assentados, quilombolas, parceiros, pequenos arrendatários, pequenos proprietários, ocupantes, sem terra, seringueiros, quebradeiras de coco babaçu, castanheiros, faxinalenses, etc. (pág. 07)

No processo de pesquisa identificamos as seguintes ocorrências de conflitos territoriais:

ocupações de terras, ocupações de prédios e espaços públicos, acampamentos e

existência de áreas em litígio. As manifestações, ameaças de morte e os assassinatos de

trabalhadores e lideranças camponesas são desdobramentos do embate das classes em

conflito no campo. A categoria de conflitos por terra, ainda engloba ocupações e os

acampamentos, a primeira sendo classificada como ações coletivas de famílias sem

terra, reivindicam as terras que não cumprem a sua função social, e acampamentos, são

locais de luta fruto de ações coletivas, geralmente localizadas no campo, mas também

existentes em áreas urbanas, os as famílias sem terra, organizada em movimentos

sociais, reivindicam assentamentos. Também são registradas diversas formas de

violência praticadas contra trabalhadores e trabalhadoras dentre elas: assassinatos,

tentativas de assassinatos, ameaças de morte, prisões e outras.

Constrangimento, agressão física ou moral, exercida sobre os trabalhadores e seus

aliados é caracterizado como violência, que é encontrada em diferentes tipos de

conflitos sociais do campo. Nos municípios da bacia hidrográfica do Rio Paraíba essa

disputa acontece.

A ocupação do território brasileiro e conseqüentemente paraibano se deu historicamente

de forma desigual. Isso reflete no elevado índice de concentração de terra, e a sua

manutenção no decorrer das décadas, como mostra a Tabela 02 a seguir:

Podemos observar como o indicador de distribuição da terra em 15 anos apenas reflete a

“manutenção da desigualdade”.A análise do Índice de GINI, utilizado para medir os

contrastes na distribuição do uso da terra, permite observar as variações ocorridas entre

os anos de 1985 a 2006. Quanto mais próximo do um (1) este índice se encontra maior é

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a concentração de terra. Zero (0) indica que a distribuição é clara, sem concentração de

terra.

Tabela 02 – Evolução do índice de GINI no Brasil e na Paraíba – 1985/2006 1985 1995 2006

Brasil 0,857 0,856 0,872

Paraíba 0,842 0,834 0,822 Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 1985/2006. Org.: SILVA, Rodrigo Brito da.

Esses dados revelam a extrema concentração fundiária oriunda do processo histórico de

formação do espaço agrário paraibano. Uma estrutura fundiária concentrada em mãos de

poucos produtores e/ou proprietários significa a existência de um número enorme de

famílias sem terra ou com pouca terra onde viver e trabalhar. Diante dessa condição de

existência as famílias de trabalhadores se organizam em movimentos sociais, ou nas

comissões mais combativas da Igreja Católica, e ocupam terras improdutivas e/ou

devolutas visando a sua conquista e constituição de territórios de Reforma Agrária. A

ocupação de terras ocorre seguida de acampamentos. Entendemos que esses territórios

de luta almejam conquistar territórios de vida e trabalho, como os assentamentos de

Reforma Agrária, e não apenas o lucro.

Caracterizados por uma grande confiança, os acampados constroem dia apos dia, com

suas relações políticas com o Estado, o desejo de conseguir sua terra. As famílias

acampam sem nenhuma estrutura, esperando que a terra seja desapropriada para que ela

possa cumprir o seu papel social com o seu trabalho garantir a subsistência da sua

família. Só nos municípios que compõe a bacia 640 famílias estavam vivendo, até o

momento desta pesquisa, em acampamentos com condições precárias. Podemos

observar a espacialização desses acampamentos e a quantidade de famílias segundo

município nos Mapas 01 e 02 a seguir:

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Mapa 01- Espacialização dos acampamentos nos municípios da bacia hidrográfica do rio Paraíba- PB, 2010

Fonte: CPT, 2010 Autor: SILVA, Rodrigo Brito da.

Famílias camponesas que resistem em abandonar a sua condição e forma de vida

continuam dia após dia na esperança de serem assentadas, e não só sair do barraco como

também de poder trabalhar, produzir o seu próprio alimento.

Durante a pesquisa, constatamos que o acampamento com maior número de famílias,

registrado segundo os dados da CPT, é o acampamento, ao lado da Fazenda Santo

André dos Angicos no município de São Miguel de Taipú- PB, com 280 (duzentas e

oitenta) famílias acampadas.

A espacialização das famílias sem terra em situação de acampamento pode se observada

no Mapa 02:

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Mapa 2 – Número de famílias acampadas segundo município na bacia hidrográfica do rio Paraíba- PB, 2010

Fonte: CPT, 2010 Autor: SILVA, Rodrigo Brito da.

Os conflitos por terra de vida e de trabalho acontecem de forma violenta. É constante a

tentativa de intimidação das lideranças que reivindicam melhores condições de trabalho,

tanto pelo próprio aparelho do Estado por meio de despejos e desocupações, como pelas

milícias armadas a serviço dos grandes proprietários de terra e latifundiários que não vê

limites para conseguir os seus objetivos chegando a usar de formas cruéis. Os que lutam

pela Reforma Agraria são corajosos, pois levam a vida sobre o risco de serem

assassinados, e são ameaçados famílias inteiras e também, todos os tipos de liderança,

dos sem terra, ao ex-superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (INCRA) no nosso recorte temporal, foi registrado a ameaça dentre muitos do

Frei Anastácio Ribeiro, ex-superintendente do INCRA-PB e hoje deputado estadual da

Paraíba, mostrando mais uma vez a audácia dos grandes proprietários e não ter limites

para conseguir seus objetivos. Comparecem na Tabela 03:

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Tabela 03 – Lideranças políticas e trabalhadores rurais ameaçados de morte nos anos de 2000 a 2010

MUNICÍPIO NOME DA VITIMA DATA OCUPAÇÃO Sobrado Antonio Epitácio da Costa 19/09/2000 Sem Terra Sobrado João Vitor de Oliveira Neto 19/09/2000 Sem Terra Sobrado Josenilton Carreiro de Melo 19/09/2000 Sem Terra Sobrado Manoel Paulo 19/09/2000 Sem Terra Sobrado Roberto Costa Araújo 19/09/2000 Sem Terra Itabaiana Almir Muniz da Silva 29/06/2002 Liderança Itabaiana Francisco Moreira da Silva 01/08/2002 Posseiro Itabaiana Francisco Moreira Filho 01/08/2002 Posseiro Itabaiana Genildo Alves 01/08/2002 Posseiro Itabaiana Moacir Muniz da Cruz 01/08/2002 Posseiro Itabaiana Pedro Muniz da Silva 01/08/2002 Posseiro Itabaiana Severino Inácio F. da Silva 01/08/2002 Posseiro

João Pessoa Frei Anastácio Ribeiro 18/06/2002 Politico João Pessoa Pe.Luiz Couto 23/08/2002 Politico Santa Rita Ivanildo Soares 13/06/2002 Posseiro Santa Rita José Gomes 13/06/2002 Posseiro Santa Rita Josias Pereira Nunes 13/06/2002 Posseiro

Ingá João Luiz da Silva Filho 13/06/2002 Posseiro Mogeiro Frei Anastácio 26/05/2003 Político

Santa Rita Ivanildo Soares da Silva 28/01/2003 Posseiro Ingá Severino Luiz da Silva 08/12/2007 Liderança Ingá José Luiz da Silva 09/12/2007 Assentado Ingá José Luís e família 01/01/2008 Posseiro Ingá Posseiro da Faz. Salgadinho 04/01/2009 Posseiro

Fonte: CPT Org.: SILVA, Rodrigo Britoda.

Nem todos que são ameaçados, são assassinados. no que tange a ocorrência de

assassinatos na Bacia, porém nenhum tipo de assassinato deve ser ignorado. Contudo

sabemos bem que esse tipo de prática é bastante ‘comum’ quando falamos de conflitos

territoriais, e que muitos processos ainda estão em andamento, além disso, os

camponeses que são assassinados vítimas de “acidentes”, pese a isso para mascarar os

dados foram registrados três (3) homicídios, em todos os municípios da Bacia. A

espacialização dos assassinatos no campo na Bacia pode ser observada no Mapa 03:

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Mapa 03 - Espacialização das ocorrências de assassinatos por município da bacia hidrográfica do rio Paraíba- PB

Fonte: CPT, 2010 Autor: SILVA, Rodrigo Brito da.

Na Bacia, como foi apresentado, os conflitos são muitos variados, colocando mais de

4.222 famílias que se encontra sem terra ou em situação de litígio, em confronto direto

com os grandes proprietários de terra, numa área de 22064 km² bem mais que isso, pois

a dificuldade em conseguir dados contínuos é muito difícil, além dos que não foram

registrados, a maioria dos dados fornecidos estão incompletos, impossibilitando a

visualização exata da real situação do campo na Paraíba, esses números em apenas 18

municípios, famílias sem terra, sem comida, sem educação, lutando pela necessidade e

para garantir sua reprodução social, tudo isto dentro de imensidões de terras

improdutivas que estão servindo apenas como forma de reserva de valor e para

especulação imobiliária, terra parada também gera lucro e como ela não morre, não

precisa se preocupar com o tempo, quanto mais a falta de terra para compra aumenta

mais valor as terras para venda tem. E mesmo quando o camponês, sendo obrigado a

trabalhar em fazendas para conseguir a subsistência dele e da família, as leis trabalhistas

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são esquecidas e dão lugar a leis internas da fazenda, os que detêm os meios de

produção estabelecem as leis e salários precários, muito abaixo do que é necessário

Mapa 04 – espacialização dos municípios com famílias em conflito na bacia hidrográfica do rio Paraíba- PB

Fonte: CPT, 2010 Autor: SILVA, Rodrigo Brito da.

Considerações Desde articulações com as formas primitivas, passando pelas colônias de produtos

tropicais, ao trabalho escravo na produção que o desenvolvimento capitalista no campo,

se deu voltado ao mercado internacional, e com a abolição da escravidão (1888) a

principal mercadoria agora era e é até hoje a terra, os produtos do tipo “exportação”

como café e a soja, plantados de acordo com as necessidades do mercado Europeu

provocou um prejuízo ao produtos “alimentícios” como o arroz e feijão, esse

“desenvolvimento” acelerado privilegiou poucos e penalizou os trabalhadores rurais, a

maneira como o país está se desenvolvendo tem causado vários danos aos níveis de

renda dos trabalhadores rurais com o desenvolvimento da produção capitalista na

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agricultura tende a haver a utilização de adubos, inseticidas e uma clara robotização, se

tornando a produção mais intensiva sobre o controle do capital. Só a terra não pode ser

produzida a livre arbítrio do capital por isso, que desde que o Brasil foi “descoberto” os

conflitos por terra constrói nossa história “manchada de sangue” e tão recente. No inicio

da colonização se fez grandes doações de terra, para a produção visando o exterior logo

a explicação para os latifúndios,

No inicio do século XIX, a extinção do regime de sesmarias aliada à ausência de outra

legislação regulando a posse das terras devolutas, provocando uma rápida expansão dos

sítios de pequenos produtores, agora interessada num mercado comprador para seus

produtos manufaturados, e não apenas interessado em vender escravos o Brasil proíbe o

tráfico negreiro em 1850, nesse mesmo ano uma nova legislação foi criada definindo o

acesso á propriedade a Lei de Terras, como ficaria conhecida, todas as terras devolutas

só poderiam ser apropriadas mediante a compra e venda e que o governo destinaria os

rendimentos obtidos nessas transições para financiar a vinda de colonos da Europa,

matavam-se assim, dois coelhos com uma só cajadada. (SILVA, J. G, 2007)

Nesse período o crescimento de pequenos proprietários de terra é grande, esses

pequenos produtores têm a escolha de produzir apenas para sua reprodução social, ou

com o desenvolvimento das indústrias no campo brasileiro, fornecer matérias primas a

essas indústrias nascente, uma vez que os latifúndios ainda detém o monopólio doa

produtos de exportação.

A Reforma Agrária só será realizada quando a economia brasileira entrar numa crise

profunda, e a classe dominante não tiver nenhuma saída para superar o desemprego e

conseqüentemente a falta de consumo, consumo esse que faz o sistema capitalista

respirar, hoje o protagonista desta luta tanto na Paraíba como no Brasil, é o MST

(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) desde sua fundação, o Movimento

Sem Terra se organiza em torno de três objetivos principais: Lutar pela terra, Lutar por

Reforma Agrária, Lutar por uma sociedade mais justa e fraterna. Buscam solucionar os

graves problemas estruturais do nosso País.Como também o CPT ( Comissão Pastoral

da Terra), com ação combativa, contra os latifúndios, a favor do acesso a terra para

trabalhar. Dentro do recorte e a partir dos dados, até o momento é possível perceber que

os municípios que compõem a bacia são organizados, no sentido dos movimentos

sociais e não estão acomodados, pois o numero de manifestações, por exemplo, mais de

150 divididos em vários tipos de reivindicações, como: reforma agraria, combate a

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injustiça e a violência, desapropriação, educação, saúde entre outros. Pelos dados

estimasse por volta de 109,633 entre camponeses e simpatizantes que foram as ruas para

reivindicar seus direitos, principalmente na capital do Estado João Pessoa-PB e em mais

27 estados, os manifestantes foram a diferentes locais, bloquearam estradas, marcharam,

e principalmente ocuparam locais de pode político como: Assembléia Legislativa,

Prefeitura, Centro Administrativo, Câmara Municipal. E os movimentos também tem

suas manifestações que estão em seus calendários e que acontece todos os anos,

exemplo: Romaria da Terra (MST) que luta por injustiças e violência, Protesto Sem

Terrinha (MST), Dia do Trabalhador Rural (CPT,MST) e vários outros que foram

registrados em nossa pesquisa.

Na fase de pesquisa que nos encontramos, e a partir da sistematização dos dados

apresentados neste trabalho, podemos considerar que a classe trabalhadora e camponesa

se expresa hoje na Paraíba, na condição de posseiros, meeiros, assentados de Reforma

Agrária, acampados sem-terra, pequenos arrendatarios, pequenos proprietarios e

ocupantes sem terras. Os dados mostram que, na última década, a incidência de conflitos

na bacia envolveu á classe trabalhadora e camponesa organizada, a partir dos movimentos

sociais e as facções combativas da Igreja Católica, frente aos interesses das oligarquias

rurais dos proprietários tradicionais de terra, junto aos seus aliados de classe, os grandes

grupos capitalistas proprietários do agro negócio da cana-de-açúcar na região da Mata

Paraibana. Todavia, isso não significa que os conflitos territoriais na Bacia estejam

restritos a esta região. O acesso e uso de água no semi-árido se configura um dos embates

de classe que envolve pequenos proprietários e assentados de Reforma Agrária e grupos

empresariais capitalistas voltados para o agro negócio monocultor de grãos.

Notas

______________ i Este trabalho forma parte do Projeto de construção do Laboratório de Estudos Integrados sobre Água e Território na Universidade Federal da Paraíba, Campus de João Pessoa, UFPB. Trata-se de uma parceria entre a UFPB e a Universidad de Sevilla (Espanha), US, financiada pela Agencia Española de Cooperación Internacional, AECI. ii Aluno do Curso de Graduação em Geografia da UFPB, bolsista da AECI e membro do CEGeT-PB iii Professora do DGEOC/PPGG da UFPB. Orientadora e Coordenadora do CEGeT-PB iv O Polígono das secas foi definido na seca de 1951-52 com 936.993 km2, como área de atuação do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) foi criada na seca de 1957-58, com área de atuação de 1.641.000 km2. A SUDENE

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representava uma forma de abordagem técnico-econômica, à medida que a solução hidráulica, perseguida desde a Colônia que consistiu em construir açudes e perfurar poços, tornou-se luta perdida devido ao seu manejo político clientelista, atendendo interesse específico de grupos dominantes. v A precipitação media anual deveria ser inferior a 800 milímetros.

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