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TERMODINÂMICA METALÚRGICA COMPUTACIONAL Nestor Cezar Heck – NTCM – PPGEM / UFRGS 1 Unidade Um Termodinâmica ... computacional ? 1. INTRODUÇÃO Trataremos de termodinâmica – ou termoquímica – pela via da computação. Isso é conhecido internacionalmente pelo nome de 'computacional thermodynamics'. Na verdade, o melhor título para essa forma de estudo seria: termoquímica metalúrgica assistida pela computação. A computação contribui – mas também atrapalha, com as suas necessidades intrínsecas de capacidade e com a veloz obsolescência dos meios físicos e virtuais... entre outros problemas. FÍSICO-QUÍMICA I. Histórico Há muitos anos atrás, acreditava-se que as reações rápidas eram aquelas que procediam até a sua finalização. Cedo, porém, se descobriu, que estas eram propriedades independentes entre sí: o ‘grau de finalização’ ou de ‘extensão’ que uma reação pode atingir é dado pelo valor da sua constante de equilíbrio – um conceito introduzido em 1864 pelos químicos noruegueses Cato Maximilian Guldberg e Peter Waage – enquanto que a taxa de conversão da reação é determinada pelo grau de contato íntimo entre os reagentes, na presença ou não de um agente catalisador – entre outras variáveis. Josiah Willard Gibbs (18391903) http://www.aip.org/history/gap/Gibbs/Gibbs.html A primeira lei da termodinâmica – segundo a qual o calor e o trabalho são mutuamente e totalmente interconversíveis – foi definida de forma clara, pela primeira vez, pelo físico alemão Julius Robert von Mayer, em 1842. A segunda lei da termodinâmica – pela qual os processos espontâneos ocorrem com o aumento do grau de entropia do sistema – foi enunciada pelo físico e matemático alemão Rudolf Julius Emanuel Clausius e pelo físico e matemático britânico William Thomson Kelvin, em 1850-51. Mas foi o trabalho de Nicolas Léonard Sadi Carnot “Réflexions sur la puissance motrice du feu...”, publicado em 1824, que ilustrou – com uma série de processos hoje conhecidos pelo nome de ciclo de Carnot – as relações entre o trabalho e a energia mecânica, mostrando que mesmo em condições ideais, um motor não pode converter em energia mecânica todo o calor que lhe é fornecido – antecipando, assim, também a segunda lei da termodinâmica. Importantes contribuições no campo da físico-química foram feitas ao final do século dezoito pelo químico francês Comte Claude Louis Berthollet, que estudou a taxa e a reversibilidade das reações. A aplicação da primeira e da segunda lei da termodinâmica para as substâncias heterogêneas, em 1875, pelo físico e matemático norte-americano Josiah Willard Gibbs, e a sua descoberta da regra das fases, deitaram as bases teóricas da físico-química. Gibbs publicou a primeira parte do trabalho – pelo qual ele se tornou famoso: Sobre o Equilíbrio das Substâncias Heterogêneas – em 1876; já a segunda, foi publicada em 1878. A palavra físico-química parece ter sido 'forjada' somente em 1881, com a publicação do primeiro fascículo da revista Zeitschrift für Physikalische Chemie 1 , devotada a esse tema. Em 1906, o físico-químico alemão Walther Hermann Nernst enunciou a terceira lei da termodinâmica; além disso, ele também fez importantes contribuições estudando as propriedades físicas, estruturas moleculares e taxa das reações químicas. Em 1923, o químico norte-americano Gilbert Newton Lewis fez profundas contribuições para o esclarecimento dos princípios da termodinâmica química enunciados por Gibbs. II. Subdivisões da físico-química As principais subdivisões de estudo da físico-química são: a termodinâmica química; a cinética química; o estado 1 É interessante observar aqui, que o adjetivo é ‘física’, ou seja, a química é observada sob o ponto de vista da ‘física’...

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TERMODINÂMICA METALÚRGICA COMPUTACIONAL Nestor Cezar Heck – NTCM – PPGEM / UFRGS 1

Unidade Um

Termodinâmica ... computacional ?

1. INTRODUÇÃOTrataremos de termodinâmica – ou termoquímica – pela via da computação. Isso é conhecido internacionalmentepelo nome de 'computacional thermodynamics'. Na verdade, o melhor título para essa forma de estudo seria:termoquímica metalúrgica assistida pela computação.A computação contribui – mas também atrapalha, com as suas necessidades intrínsecas de capacidade e com aveloz obsolescência dos meios físicos e virtuais... entre outros problemas.

FÍSICO-QUÍMICAI. Histórico

Há muitos anos atrás, acreditava-se que as reações rápidas eram aquelas que procediam até a sua finalização.Cedo, porém, se descobriu, que estas eram propriedades independentes entre sí: o ‘grau de finalização’ ou de‘extensão’ que uma reação pode atingir é dado pelo valor da sua constante de equilíbrio – um conceito introduzidoem 1864 pelos químicos noruegueses Cato Maximilian Guldberg e Peter Waage – enquanto que a taxa deconversão da reação é determinada pelo grau de contato íntimo entre os reagentes, na presença ou não de umagente catalisador – entre outras variáveis.

Josiah Willard Gibbs (18391903)http://www.aip.org/history/gap/Gibbs/Gibbs.html

A primeira lei da termodinâmica – segundo a qual o calor e o trabalho são mutuamente e totalmenteinterconversíveis – foi definida de forma clara, pela primeira vez, pelo físico alemão Julius Robert von Mayer, em1842. A segunda lei da termodinâmica – pela qual os processos espontâneos ocorrem com o aumento do grau deentropia do sistema – foi enunciada pelo físico e matemático alemão Rudolf Julius Emanuel Clausius e pelo físicoe matemático britânico William Thomson Kelvin, em 1850-51. Mas foi o trabalho de Nicolas Léonard Sadi Carnot“Réflexions sur la puissance motrice du feu...”, publicado em 1824, que ilustrou – com uma série de processos hojeconhecidos pelo nome de ciclo de Carnot – as relações entre o trabalho e a energia mecânica, mostrando quemesmo em condições ideais, um motor não pode converter em energia mecânica todo o calor que lhe é fornecido –antecipando, assim, também a segunda lei da termodinâmica.Importantes contribuições no campo da físico-química foram feitas ao final do século dezoito pelo químico francêsComte Claude Louis Berthollet, que estudou a taxa e a reversibilidade das reações.A aplicação da primeira e da segunda lei da termodinâmica para as substâncias heterogêneas, em 1875, pelo físicoe matemático norte-americano Josiah Willard Gibbs, e a sua descoberta da regra das fases, deitaram as basesteóricas da físico-química. Gibbs publicou a primeira parte do trabalho – pelo qual ele se tornou famoso: Sobre oEquilíbrio das Substâncias Heterogêneas – em 1876; já a segunda, foi publicada em 1878.A palavra físico-química parece ter sido 'forjada' somente em 1881, com a publicação do primeiro fascículo darevista Zeitschrift für Physikalische Chemie 1, devotada a esse tema.Em 1906, o físico-químico alemão Walther Hermann Nernst enunciou a terceira lei da termodinâmica; além disso,ele também fez importantes contribuições estudando as propriedades físicas, estruturas moleculares e taxa dasreações químicas.Em 1923, o químico norte-americano Gilbert Newton Lewis fez profundas contribuições para o esclarecimento dosprincípios da termodinâmica química enunciados por Gibbs.

II. Subdivisões da físico-químicaAs principais subdivisões de estudo da físico-química são: a termodinâmica química; a cinética química; o estado

1 É interessante observar aqui, que o adjetivo é ‘física’, ou seja, a química é observada sob o ponto de vista da ‘física’...

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gasoso; o estado líquido; o estado sólido; as soluções; a eletroquímica; a química dos colóides; a fotoquímica; e atermodinâmica estatística.O ramo da termodinâmica química, ou termoquímica, estuda a energia nas suas mais variadas formas relacionando-as com a matéria. Ela examina os modos pelos quais a energia interna, a entropia e a habilidade de produzirtrabalho útil, estão relacionadas com a temperatura, com o calor emitido ou absorvido, com a mudança de estado(por exemplo, do gasoso para o líquido, ou do líquido para o sólido), com o trabalho feito sobre ou pelo sistema naforma de fluxo de corrente elétrica, com a formação de interfaces e de modificações na tensão superficial, commudanças no volume ou na pressão, e com a formação ou desaparecimento de espécies químicas.

Material extraído principalmente de:Lewin, S. Z. Universidade de Nova Iorque, EUA"Chemistry, Physical," Microsoft® Encarta® Online Encyclopedia 2001 (http://encarta.msn.com) © 1997-

2001 Microsoft CorporationO'Connor, J.J. Robertson, E. F. Escola de matemática e estatística, North Haugh St. Andrews, Escócia

III. EpílogoA termodinâmica química tem qualidades – que a tornam tão poderosa – que se originam, em parte, na formasimplificada como a natureza é vista: macroscópica, sem a passagem do tempo e sem geometria! Não devemosesquecer, contudo, que problemas do mundo ‘real’ requerem soluções que incorporam vários aspectos da questão,especialmente dos estudados no ramo da ciência denominado fenômenos de transporte! Sejam eles de qualqueruma das três grandes áreas: massa, calor ou momentum; sejam eles de natureza 'macro' (como a convecção, etc.)ou ‘micro’ (como a cinética ‘química’, etc.).

NATUREZA DA TERMODINÂMICAOs resultados obtidos com a termodinâmica – por meio de simulações com base na teoria que a fundamenta – sãocapazes de predizer o futuro estado de um determinado sistema (veja definições, adiante). Daí advém a suaimportância! Para isso, ela necessita de uma descrição matemática das propriedades daquilo que forma ou constituia 'natureza' – ou, melhor dito, a matéria – por meio de algumas funções termodinâmicas.A termodinâmica clássica é um ramo da ciência com base no empirismo – como tantos outros o são: por acaso nãonecessitamos saber apenas o valor da viscosidade de um fluido em função da temperatura para calcular a força dearraste sobre uma partícula que o atravessa? Quem está interessado – nesse momento – em saber o real motivopelo qual a viscosidade mostra tal valor naquela temperatura?2

Construir modelos capazes de prever a viscosidade de um fluido a partir das moléculas (ou de seus modelos) é umtrabalho difícil, e leva muito tempo. Ao invés disso – embora possa sair caro –, pode-se montar experimentoscapazes de medir esse comportamento. À primeira aproximação, microscópica, damos o nome de termodinâmicaestatística, à segunda, macroscópica, termodinâmica clássica.

BANCOS E ARQUIVOS DE DADOSSem dados não há Termodinâmica!A descrição – macroscópica – da natureza é, portanto, fruto de muita experimentação em laboratório e está apenasparcialmente disponível em livros ou revistas. Como resultado, a termodinâmica computacional depende dos (caros)bancos de dados (data bank) para exibir toda a sua pujança. Nem todos os dados estão à disposição (dospesquisadores); além dos aspectos financeiros, outros motivos são: indisponibilidade por inexistência de pesquisana área (se o interesse é muito específico, ou se o assunto é muito ‘novo’ – não existirão dados), ou até mesmo pelomotivo de que são secretos – portanto, nem sequer à venda, estarão!Pelo outro lado, aplicativos computacionais capazes de usar as bases teóricas da termodinâmica para realizarsimulações têm todos as suas limitações (matemáticas e físicas). Por causa disso, um problema pode serfocalizado, reduzindo-se o número de variáveis que o descrevem. A simplificação é concretizada fazendo-se uso deconjuntos menores de dados, muito menores do que os descritos por um banco de dados inteiro. Ganha-se ‘emcomputação’, mantendo-se a relação custo / benefício dentro do razoável. Ao conjunto seleto de dados, damos onome de arquivos de dados (data file).

APLICATIVOSOs principais programas comerciais – dentro da termodinâmica metalúrgica – estão listados na página (na internet)do Núcleo de Termodinâmica Computacional para a Metalurgia: http://www.ct.ufrgs.br/ntcm.

2 A existência de uma equação – por mais simples ou complexa que seja – não tira o caráter empírico da viscosidade, se aequação resulta apenas da sua medida em laboratório ou em campo!

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2. LÉXICOOs termos aparecem – a princípio – numa ordem lógica.

SistemaSistema é a porção do universo que isolamos do restante para estudar. É o foco da nossa atenção! O sistema estáseparado da vizinhança (o restante do universo) por uma fronteira. O sistema pode interagir com a sua vizinhança,ou permanecer isolado. O sistema que interage trocando apenas energia é dito fechado; o que troca energia emassa é denominado aberto.

EstadoO estado é uma determinada situação ou condição do sistema. O estado de equilíbrio termodinâmico (veja adiante)pode ser um dos estados do sistema. O estado é caracterizado pelas variáveis do sistema.

ProcessoSe o sistema passa de um estado para outro, dizemos que houve um processo. Esse processo pode, por exemplo,ser isotérmico – se ocorrer a uma mesma temperatura.

VariávelA tudo o que é mensurável no sistema damos o nome de variável. O valor de algumas variáveis (como o nome jáindica) pode se modificar se o sistema passar de um estado para outro. Se o valor de uma variável não muda apósum ciclo fechado de processos, dizemos que ela é uma variável de estado! Nesse caso, a variação –freqüentemente descrita pela letra grega ∆ – independe do processo, mas só do valor no estado ‘final’ diminuídodaquele no estado ‘inicial’. Exemplos de variáveis de estado importantes são: energia interna, U, entropia, S, eentalpia, H.Se o valor de uma variável aumenta (ou diminui) com a escala ou extensão do sistema – pequeno ou grande –dizemos que ela é uma variável extensiva, no caso contrário, é uma variável intensiva. A temperatura do sistema éum exemplo de variável intensiva e a massa do sistema é um exemplo de variável extensiva. Já a massa específica,dada em termos de massa por volume, é uma variável intensiva – pois independe da extensão do sistema!

FaseSó existem fases formando o sistema.A definição de fase é algo 'virtual'. Em que pese a sua aparente simplicidade, pode ser complicada e é importante:fase é uma porção homogênea da matéria e forma necessariamente uma interface com as outras fases. Notea perigosa semelhança com a definição de sistema! A fase gasosa, quando presente no sistema, é única – pois éincapaz de estabelecer uma fronteira (interface) com 'outra' fase gasosa!As fases podem ser de composição fixa – que são: substâncias ou compostos estequiométricos – ou, ao contrário,de composição variável – as soluções e misturas (gasosas, líquidas e sólidas). Exemplo do primeiro caso é acementita 3 e, do segundo, a liga Fe-C no estado líquido contendo 6,67 % de carbono em massa.Note que a fase cementita pode ser escrita como: Fe3C – o que é irrelevante mas comum quando se trata decompostos estequiométricos. Essa fórmula mínima só serve para lembrar que existe uma proporção entre osátomos Fe e C. As fases alotrópicas da sílica – quartzo, cristobalita e tridimita – podem ser todas escritas comoSiO2! As fases alotrópicas do ferro puro – entre elas a ferrita e austenita – são descritas normalmente pelossímbolos: α e γ – contudo, na termodinâmica computacional, é freqüente se associar a estas fases os nomesBCC_A2 e FCC_A1 (a primeiro termo é a abreviação do tipo de rede cristalina na língua inglesa e o segundo – osímbolo Pearson4 – consiste de uma letra para o sistema cristalino: A, M, O, T, H ou C, uma letra para a rede deBravais: P, C, F, I ou R, e do número total de átomos na célula unitária).

Espécie químicaNa termodinâmica, chamamos, tipicamente, espécie química a um composto (e aos íons, também). A espéciequímica possui propriedades termodinâmicas. Ela pode ser medida e estudada em experimentos.Usamos esse elemento unitário de duas formas: 'misturada' – formando soluções – e 'pura' – na forma decompostos estequiométricos. O N2 pode estar na forma 'pura', formando uma atmosfera de nitrogênio, ou'misturada', formando a mistura ar! Algumas espécies químicas são virtuais como, por exemplo, o composto Fe:Va !

Espécie atômicaEspécies atômicas – que são os elementos, na química – são apenas virtuais para a termodinâmica!Nesse escopo, o elemento químico ferro 'não existe' na natureza (ou melhor, no sistema) como tal. Quando ele estápresente, está necessariamente tomando parte em uma ou mais das fases ferrita, austenita, líquida ou gasosa. Parafixar o conceito, veja isso: as propriedades da fase sólida ferrita são diferentes da fase sólida austenita! Qual delasseria o elemento Fe?Espécies atômicas são freqüentemente utilizadas como elementos definidores (formadores), ou seja, como

3 Espécie química contendo 6,67% de carbono em massa.4 W.B.Pearson. A Handbook of Lattice Spacings and Structures of Metals and Alloys. Vol. 2, p. 1, Pergamon Press,Oxford, 1967

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componentes do sistema (veja adiante).Constituinte

O constituinte é o nome que damos às entidades que constituem a mistura – seja ele uma entidade virtual ou não.Pode ser o Cu de uma liga cobre-níquel ou o N2 do ar ou o íon H+ da água.O constituinte sempre será uma espécie química – mas o contrário não é verdadeiro! (Veja mais em fases soluçõese misturas.)

Componente do sistemaTipicamente, um sistema é composto (descrito) fundamentalmente por espécies atômicas como, por exemplo, osistema C-H-N.Grupos que são escritos como moléculas também podem – mais raramente – compor sistemas. Em certo momentosisso pode representar uma vantagem: lembra dos diagramas de equilíbrio tendo CaO e SiO2 como membros 'dasextremidades'? Outro exemplo seria um sistema composto pelos membros extremos o Fe e o Fe3C.O ferro e o carbono podem ser citados como componentes do sistema Fe-C. Uma questão intrigante: seria essecarbono a grafita?

Fases soluções e misturasAs fases soluções são muito importantes. Elas são constituídas por espécies químicas. A fase gasosa ar pode serrepresentada como sendo constituída pelas espécies químicas: O2 e N2 gasosos – nesse caso, os constituintes 5 dafase mistura 6.Algumas vezes os constituintes são menos visíveis como espécies químicas (mas nem por isso deixam de sê-lo!);uma fase solução sólida α do sistema Pb-Sn possui dois constituintes: o chumbo e o estanho. O fato de umconstituinte de uma fase solução lembrar o nome de uma espécie atômica é mera coincidência!Por outro lado, a fase solução ferrita, ou ferro-α, pode ser constituída pelos constituintes ferro, nitrogênio e carbono.Do mesmo modo que o constituinte Fe não é a espécie atômica Fe, o constituinte nitrogênio não é o N2 (ao contráriodo ar!), nem o constituinte carbono é a grafita.

Funções termodinâmicasAs funções termodinâmicas são descrições matemáticas das propriedades da matéria importantes para atermodinâmica. Elas podem ser funções simples – para as fases de composição fixa – ou muito complexas – paraas fases de composição variável.Tratam-se do calor específico, C, da entalpia, H, entropia, S, energia livre de Gibbs, G, entre outras, que são dadasem função da quantidade de matéria, temperatura, pressão, etc.As funções termodinâmicas – ou de estado – podem ser intensivas ou extensivas (algumas extensivas podem serconvertidas em intensivas) – dependendo do seu comportamento: se não variam com a extensão do sistema (com ovolume, por exemplo) são ditas intensivas e vice-versa.

5 Constituintes são sempre espécies químicas – por isso não podem ser elementos químicos!6 Conforme a IUPAC, uma fase de composição variável é denominada solução quando existe um solvente; denominamos

solvente ao constituinte cuja massa (ou matéria) excede em muito aquela dos outros constituintes da solução.

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3. O EQUILÍBRIO TERMODINÂMICOI. Condição do sistema

A condição de um sistema termodinâmico é descrito pela sua temperatura, pressão (ou volume) e composiçãomaterial. Um sistema está em equilíbrio termodinâmico quando essas variáveis têm o mesmo valor em qualquerponto do sistema. Isso é o mesmo que dizer: não há gradientes de espécie alguma, sejam eles de natureza térmica(temperatura), mecânica (pressão) ou química (potencial químico).

II. Equilíbrio multifásico O equilíbrio termodinâmico somente se dará entre as fases de um sistema. O equilíbrio (computacional) será constituído com as fases à disposição do aplicativo – que poderiam ser

denominadas elegíveis: aquelas presentes (descritas) no arquivo de dados; isso não acontece obviamente nanatureza.

O equilíbrio entre fases obedecerá a dois critérios: (i) o sistema irá se compor daquelas fases (dentre todas aselegíveis) que tornam mínima a sua energia livre de Gibbs total; e, (ii) será observada a lei de conservação damassa de cada espécie atômica que partícipa do sistema.

Nessa empreitada, as fases de composição variável poderão ter a sua composição alterada (dentro dos seuslimites).

Dentro dessa ótica, podemos identificar no sistema C-O-Si as características (ver Tabela 1) das principais faseselegíveis, que podem participar do equilíbrio termodinâmico.

Nome comumda fase

Estadofísico dafase

Tipo Constituintes(espéciesquímicas)

Grafia do SGTE* noarquivo de dadosCOSi.dat

Gás Gás Solução (mistura) C, C2, C3, CO,CO2, SiO2, O,O2, O3, Si, Si 2,Si 2C, Si 3, Si C,Si O

(Exemplos:)C/G/; CO2/G/ eSi3/G/

Silício Sólido 'Pura' (estequiométrica) - Si

Carboneto desilício

Sólido 'Pura' (estequiométrica) - SiC

Quartzo Sólido 'Pura' (estequiométrica) - SiO2(quartz)

Tridimita Sólido 'Pura' (estequiométrica) - SiO2(tridymite)

Cristobalita Sólido 'Pura' (estequiométrica) - SiO2(cristobalite)

Grafita Sólido 'Pura' (estequiométrica) - C

Líquido Líquido 'Pura' (estequiométrica) - SiO2(liquid)* Scientific Group Thermodata Europe

Tabela 1: Algumas características das fases do sistema C-O-Si, conforme dados da SGTE

Da observação da Tabela 1, algumas questões intrigantes podem ser levantadas, entre elas:

qual a semelhança entre a espécie química (constituinte da fase gás) SiO2 e a fase (espécie química) quartzo? E entre a fase líquido e a fase (espécie química) quartzo? Existem três " C' s " nesse sistema: (i) como espécie química a compor o sistema, (ii) como constituinte da fase

gasosa e (iii) como fase grafita! Poderemos diferenciá-las durante a execução de uma tarefa?

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4. AS LEIS DA TERMODINÂMICA7

ENUNCIADO SUSCINTOLEI ZERO

Se dois sistemas estão em equilíbrio térmico com um terceiro, então eles estão em equilíbrio térmico entre sí.PRIMEIRA LEI

Sobre a energia interna, U, de um sistema:PdVTdSwqdU −=−= δδ

q é o calor, w o trabalho, T a temperatura, S a entropia e V o volume, d é um diferencial exato e δ não, sendodependente do processo.

SEGUNDA LEIProíbe a construção de um mecanismo chamado moto-perpétuo (do segundo tipo).

TdSq ≤δTERCEIRA LEI

À medida que a temperatura absoluta tende ao valor zero, a entropia tende ao valor So.

COMBINAÇÃO DAS LEIS DA TERMODINÂMICACombinando-se a segunda com a primeira, obtém-se:

0≤+− PdVTdSdU ; introduzindo-se o conceito de entalpia8,0≤−TdSdH , e o de energia livre de Gibbs9:

0≤dG .Essa última é a expressão de um dos conceitos mais importantes da termodinâmica: a variação de energia livre deGibbs de um processo espontâneo é sempre menor do que zero e o sistema estará no equilíbrio termodinâmico se

0=dG .

7 http://scienceworld.wolfram.com/physics/ThermodynamicLaws.html (acessado em 2004)8 H ≡ U + PV9 G ≡ H – TS