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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ANA CLÁUDIA ALVES DE AQUINO GARCIA O RASTRO E O LAÇO: O CONTRABANDO DO BOI NO SERTÃO DOS GOYAZES (1830-1870) Goiânia 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

ANA CLÁUDIA ALVES DE AQUINO GARCIA

O RASTRO E O LAÇO:

O CONTRABANDO DO BOI NO SERTÃO DOS GOYAZES

(1830-1870)

Goiânia

2009

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Termo de Ciência e de Autorização para Disponibilizar as Teses e Dissertações Eletrônicas (TEDE) na Biblioteca Digital da UFG

Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal

de Goiás–UFG a disponibilizar gratuitamente através da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações – BDTD/UFG, sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei nº 9610/98, o documento conforme permissões assinaladas abaixo, para fins de leitura, impressão e/ou download, a título de divulgação da produção científica brasileira, a partir desta data.

1. Identificação do material bibliográfico: [ x ] Dissertação [ ] Tese 2. Identificação da Tese ou Dissertação

Autor(a): ANA CALUDIA ALVES DE AQUINO GARCIA CPF: 601 424 641-04 E-mail: [email protected] Seu e-mail pode ser disponibilizado na página? [ X ]Sim [ ] Não

Vínculo Empre- gatício do autor

Agência de fomento: Sigla: País: Brasil UF:GO CNPJ: Título: O rastro e o laço: o contrabando do boi no sertão dos Goyazes (1830-1870) Palavras-chave: Contrabando, História de Goiás, coletorias, tropeiros. Título em outra língua: The trace and the lasso: cattle smuggling in Goyazes’ backland

(1830-1870) Palavras-chave em outra língua: smuggling, Goiás History, collector’s office, leaders of animal

caravans Área de concentração: CULTURAS, FRONTEIRAS E IDENTIDADES Data defesa: (26/06/2009) Programa de Pós-Graduação: História – Faculdade de História Orientador(a): Dr. Noé Freire Sandes CPF: E-mail: [email protected] Co-orientador(a): CPF: E-mail: 3. Informações de acesso ao documento: Liberação para disponibilização?1 [ ] total [ X ] parcial Havendo concordância com a disponibilização eletrônica, torna-se imprescindível o envio do(s) arquivo(s) em formato digital PDF ou DOC da tese ou dissertação. O Sistema da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações garante aos autores, que os arquivos contendo eletronicamente as teses e ou dissertações, antes de sua disponibilização, receberão procedimentos de segurança, criptografia (para não permitir cópia e extração de conteúdo, permitindo apenas impressão fraca) usando o padrão do Acrobat. ____________________________________ Data: ____ / ____ / _____ Assinatura do(a) autor(a)

1 Em caso de restrição, esta poderá ser mantida por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo suscita justificativa junto à coordenação do curso. Todo resumo e metadados ficarão sempre disponibilizados.

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ANA CLÁUDIA ALVES DE AQUINO GARCIA

O RASTRO E O LAÇO:

O CONTRABANDO DO BOI NO SERTÃO DOS GOYAZES

(1830-1870)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Stricto Sensu, da Faculdade de História, da Universidade Federal de Goiás como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em História, Área de concentração: Culturas, Fronteiras e Identidades. Linha de Pesquisa: História, Memória e Imaginários Sociais. Orientador: Prof. Dr. Noé Freire Sandes

Goiânia 2009

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

(GPT/BC/UFG)

Garcia, Ana Cláudia Alves de Aquino. G216r O rastro e o laço [manuscrito]: o contrabando do boi no sertão dos

Goyazes (1830-1870) / Ana Cláudia Alves de Aquino Garcia. – 2009. 253 f. : il. Orientador: Prof. Dr. Noé Freire Sandes. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Facul-

dade de História, 2009.

Bibliografia: f. 215-224. Anexos.

1. Goiás – História 2. Contrabando – Gado 3. Tropeiro – Goiás 4. Tropeiros I. Sandes, Noé Freire II. Universidade Federal de

Goiás, Faculdade de História III. Título.

CDU: 94(817.3) “1830-1870”

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ANA CLAUDIA ALVES DE AQUINO GARCIA

O RASTRO E O LAÇO:

O contrabando do boi no sertão dos Goyazes (1830 - 1870) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, da Faculdade de História, da Universidade Federal de Goiás, como requisito para a obtenção do Título de Mestre em História. Área de Concentração: Culturas, Fronteiras e Identidades. Linha de Pesquisa: História, Memória e Imaginários Sociais.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________

Prof. Dr. Noé Freire Sandes (UFG) (Presidente)

_________________________________________________________ Profª. Drª. Márcia Regina Berbel.

(Arguidora)

_________________________________________________________

Prof. Dr. Barsanufo Gomides Borges (UFG) (Arguidor)

_________________________________________________________ Prof. Dr. Luis Antônio Estevam (UCG)

(Suplente)

Goiânia, ______ de _____________ de 2009

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Tempos atrás vi meus burros caírem n’água. Era noite fria, de tempestade e

solidão. Percebi então que toda a tropa se perderia levada pela força das águas. Atônita,

em meio à escuridão, pude ver um velho condutor de tropas, antigo companheiro de

tropeadas, tomar a canoa deixada na margem e se lançar à correnteza junto com os

animais.

Experiente em ajudar a salvar “os burros dos outros”, aproximou-se da burrada e

pacientemente foi conduzindo-os para a margem oposta, ora gritando, incitando os

animais a lutarem contra a correnteza, ora acalmando-os ao iluminar a margem já

próxima e ora apenas acariciando-os, estimulando-os, com sua presença, a não

desistirem. Assim fazendo, conseguiu levá-los com segurança até o outro lado do rio.

Este trabalho é inteiramente dedicado ao condutor de tropas, meu pai, Adilon

Alves de Aquino, a quem devo essa e tantas outras travessias.

Ana Cláudia

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AGRADECIMENTOS Nos dois últimos anos, especialmente no decorrer do Mestrado, tornei-me

devedora de diversas pessoas que não posso deixar de mencionar. Agradeço à Beatriz (Bibi) de Oliveira, minha mãe, por esse, outros e todos os

apoios. E, principalmente, por ter “firmado o golpe” quando os burros caíram n’água. A Márcio Pacheco Magalhães e Silvia, pela presença amiga e solidária na “noite

de tempestade e solidão”. A Enir P. Braga e Jussara Ferreira por terem, há sete anos, traçado o plano desse

Mestrado. À Maria Augusta Sant’Ana de Moraes, pelo valioso auxílio na execução deste

trabalho. A Edimo Pereira da Cunha e Cristiane (Pipa) Perfeito, por saberem que eu o

faria, mesmo não tendo esperado para vê-lo pronto. À Rossana Cardoso, com quem tenho aprendido muito sobre amizade, por não

ter me deixado; a Laura de Oliveira, por ter chegado – com ambas tenho discutido muito sobre a história das estórias ou vice-versa.

À Silvana Abdalla, por ter-me feito enxergar a biblioteca que tinha em casa. À Gilka de Oliveira, pelo caloroso incentivo. À Geraldina de Oliveira e à Diva Dutra, pelo carinho e amizade há muito

dispensados a mim e a minha família. À Maria Terezinha de Amorim, pelo suporte financeiro. A Jerônimo Amorim, Adilon Amorim, Gilberto Amaral e Wilma Garcia, por

anos de compreensão. Às queridas Luciana Amorim e Laura Lions, pelo incondicional apoio aos meus

filhos. Aos sobrinhos Kelen e José Cardeal, pelos presentes “fora de hora” e que me

faltavam. A Chris de Oliveira e Reginaldo Ribeiro por terem “acreditado”, quando

poucos, muito poucos, o fizeram. Às amigas kamayurinas, Luciene Azeredo, Betina Santos e Silvinha de Castro,

pelo cafezinho cotidiano. Além, é claro, dos Red´s e Black’s. À CAPES, pela concessão da bolsa de mestrado. Ao Arquivo Histórico Estadual de Goiás, nas pessoas de Maria Carmem Lisita,

Sávia Barros Diniz e Alaíste Pereira, pelo auxílio durante essa pesquisa. À Edna Lúcia, pelo minucioso trabalho de revisão.

A Noé Freire Sandes, pelo apoio constante ao longo desses anos e, sobretudo, pela enorme paciência dispensada a portadores de “síndrome da história do mundo”; sua orientação atenta e instigadora tornou este trabalho melhor.

A Nilson Garcia, “que há anos transita pela minha vida com força particular”, pelo companheirismo infinito e por acreditar que meu caminho é bem mais longo do que eu o vislumbro.

E, finalmente, aos meus filhos, Adilon Vitor, Ana Beatriz e Valentina: vida, luz

e coração. Sempre perdoando a Ana para poderem continuar amando a mãe. A todos, o meu muito, muito obrigada!

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“Então, registrar o passado não é falar de si; é falar dos que participaram de uma certa

ordem de interesses e de visão do mundo, no momento particular do tempo que se

deseja evocar.” (Antonio Candido)

“[...] a história jamais nos deu o exemplo de um movimento social que não contivesse

os germens de sua negação – negação essas que se faz, necessariamente, dentro do

mesmo âmbito.” (Sergio Buarque Holanda)

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RESUMO

Na consolidação da matriz interpretativa da formação brasileira, o dualismo litoral/sertão cristalizou-se hierarquicamente, a partir da sobreposição do primeiro sobre o segundo. No entanto, novas pesquisas indicam que a compreensão da dinâmica do mundo colonial e imperial passa necessariamente pela elucidação das chamadas “atividades subsidiárias”, cuja importância e pujança assumiram muitas vezes o papel principal na economia. Em Goiás, elas se converteram no meio pelo qual se deu a lenta reconversão da economia regional no pós-declínio da extração aurífera. Esta pesquisa não se centrou apenas nesse processo de reconversão econômica, instituído através das marchas de boiadas rumo aos currais da Bahia e às invernadas mineiras e paulistas, mas, principalmente, nos mecanismos pelos quais se deu grande parte desse movimento: o contrabando. Tal processo se tornou claro a partir da análise da passagem das tropas e boiadas pelas coletorias, recebedorias e agências fiscais da província goiana durante o decorrer do século XIX. O estudo dos códices fiscais e dos ofícios enviados pela Fazenda às agências fiscalizadoras goianas revelou a circulação e tributação do boi, a resistência de tropeiros e boiadeiros em pagarem as taxas e uma política tributária diretamente relacionada com a ordenação de uma região e, consequentemente, com o estabelecimento do poder do Estado. No tocante à resistência manifestada por tropeiros e boiadeiros, evidenciam-se a ineficiência e impossibilidade de o poder oficial se impor adequadamente em regiões periféricas, bem como o fato de ser essa resistência alimentada pela descrença em uma ordenação de poder pautada na concessão de privilégios e na proteção negociada, bem como pela conscientização de que os principais representantes do poder estavam, não raras vezes, envolvidos em fraudes e contravenções. PALAVRAS-CHAVE: Contrabando, História de Goiás, coletorias, tropeiros.

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ABSTRACT

While consolidating the interpretative source of the Brazilian formation, the littoral / arid interior dualism hierarchically assumed a definite form, having the former superposing the latter. Therefore, new researches have shown that the understanding of the colonial and imperial world development needs to pass over the elucidation of those elements called “subsidiary activities”, which importance and power has been taken for granted several times, in economy. In Goiás, during the post decadence of the auriferous extraction, these activities became the means in which the slow regional economy reconversion happened. This research did not only work on this process of economical reconversion, established through cattle journeys heading to Bahia and to the winter pasture of Minas Gerais and São Paulo, but also, on the mechanisms in which smuggling took place. This process has become clear after the analysis of the passage of the caravan of pack animals and the herd of cattle through the tax collector’s office of Goiás, treasury and controlling agencies during the 19th century. The study of the fiscal and trade records sent by the public finances to the fiscal agencies of Goiás revealed some data about the cattle circulation and taxation, about the resistance of those who led the packed animal caravans in paying the taxes and about how tax stratagems are direct related to the process of a region law and, consequently, to the Estate power settlement. In regard to the resistance of these leaders, it is evident the inefficiency and impossibility of the official authority in commanding adequately the surrounding regions, as well as the fact that this resistance is sustained by the incredulity, since the law of power is made through some privilege concessions and some dealing protections, as well as through the knowledge that the most important agents of the Estate were, not rarely, involved in smugglings and infractions.

KEY-WORDS: smuggling, Goiás History, collector’s office, leaders of animal caravans

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................1 1. TROPEIROS E BOIADEIROS NOS SERTÕES DO BRASIL ................................12

1.1 Por entre rotas e conquistas ..................................................................................13 1.2 O ciclo do tropeirismo no Brasil ..........................................................................22 1.3 O papel socioeconômico das feiras de muares.....................................................23 1.4 Tropas e boiadas na economia do Brasil Central .................................................24 1.5 Os testemunhos dos viajantes Pohl, Saint-Hilaire e do tropeiro Guimarães ........28 1.6 A pecuária como setor produtivo por excelência .................................................32 1.7 Os tropeiros-boiadeiros ........................................................................................40 1.7.1. Os tropeiros-boiadeiros e o contrabando de boi ........................................55

2. COLETORIAS E TRIBUTOS EM GOIÁS ENTRE OS SÉCULOS XVIII E XIX: PERSEGUINDO OS RASTROS DE UMA ECONOMIA QUASE INVISÍVEL.....61

2.1 Tributos na Colônia e o legado às coletorias .......................................................66 2.2 Tributos e contratos .............................................................................................82 2.3 Contratos de dízimos ...........................................................................................95 2.4 Contratos de passagens e outros tributos ...........................................................109 2.5 D. Pedro I e os tributos ......................................................................................119

3. O ADVENTO DAS COLETORIAS IMPERIAIS E O CONTRABANDO DO BOI...........................................................................................................................127

3.1 A Fazenda Pública e as elites provinciais no Primeiro Reinado ........................127 3.2 Acertando as contas: o difícil diálogo entre a Província e o Império ................129 3.3 A Regência e a ordenação local .........................................................................142 3.4 Elites provinciais, tributo e pacto abrilista .........................................................149 3.5 O rastro do boi: isenções, impostos e fraudes ....................................................154 3.6 As coletorias .......................................................................................................164 3.6.1. As coletorias existentes em Goiás (1830-1840) ......................................169 3.7 As recebedorias ..................................................................................................174 3.8 Contrabando: o encontro de coletores, tropeiros e boiadeiros em Goiás na segunda metade do século XIX em Goiás .....................................................180

CONCLUSÃO..............................................................................................................199 REFERÊNCIAS ...........................................................................................................207 ANEXOS......................................................................................................................217

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1

INTRODUÇÃO

A história do sertão – que é um lugar situado para “além de”, onde barbárie, anomia

e atraso contrapõem-se a civilidade, ordenação e progresso – se manteve articulada ao

mundo litorâneo, como se fosse sua contraface. Na primeira obra sobre o Brasil, de autoria

de Frei Vicente do Salvador, está posto esse dualismo, que ainda viceja em textos atuais,

evidenciando a força dessa imagem que impôs um corte. Formaram-se, com isso, dois

mundos: o sertão, já em parte adentrado, mas insistentemente mitificado sob o signo do

isolamento, em relação à integração econômica do litoral.

A partir desse dualismo surgiu uma matriz interpretativa da formação brasileira: o

que importa é o litoral civilizado, conhecido e português; a lei, consubstanciada na

ordenação dos engenhos, não é mito; a administração, amparada por um frenético vaivém

de provisões e ofícios, tem sua eficácia comprovada pelas cifras de exportação; as terras de

beira-mar, acariciadas pelos braços transoceânicos do reino, vertem um ouro adocicado e

abundante, mas incapaz de saciar a gula de seu senhor.

O sertão, por sua vez, habitado por diferentes gradações de “medeias” e colonos

“sem peias”, compôs um hino à violência, cuja letra, entremeada por grunhidos inteligíveis,

não pôde ser ainda inteiramente conhecida. Por longuíssimos anos, decifrar esses sons foi

irrelevante para a história, pois até então parecia melhor silenciá-los, esquecê-los.

No entanto, rejeitando as matrizes interpretativas que veem no plantation a chave

para se pensar o Brasil, pesquisas recentes revelaram uma outra face: a de um sertão

integrado a um circuito comercial distinto, portanto não tão distante, nem tão isolado como

se queria representá-lo. É certo que a distância teimava em afastar; que densas matas

eficazmente acolhiam os que não queriam ser encontrados; que conflitos interétnicos

adubaram o solo com o sangue dos homens; que, segundo o fiel relato de um cronista,

diversas foram as atrocidades cometidas pelas enciumadas mulheres do sertão; que os

regimentos perdiam-se antes mesmo de serem expedidos e que somente a esquálida mão do

reino conseguira “alcançar” essas terras, no entanto fora incapaz de impedir que diversas e

abundantes riquezas esvaíssem-lhe por entre os dedos. É preciso, contudo, que se perceba

também que este foi o lócus de “uma grande parte da cultura brasileira, em suas diferentes

expressões regionais e locais” (LEONARDI, 1996, p. 307). E que aqui se encontra uma

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2

chave a ser ressaltada: o local e o regional firmavam-se como expressão de um movimento

próprio, com envergadura suficiente para indicar sentido. Na contramão da percepção dual

que transformava distância em isolamento, cabia dar visibilidade aos nexos internos da

região sertaneja que, tropeando bois, reorganizava a região e os fluxos econômicos.

Quando se trata da existência material da colônia, cuja razão era a produção em

larga escala para o mercado externo, enxerga-se apenas uma economia que, ao se organizar

em função do “outro”, propicia a desacumulação. Tem-se, assim, um sentido colonial que

transforma essa economia em economia complementar, que pauperiza e explora a terra, ao

retirar toda sua riqueza e enviá-la para fora. Aceitar essa “História” de colônia espoliada

versus metrópole espoliadora, composta por mocinhos e bandidos em uma terra

desterritorializada, leva-nos a acreditar que todos os que aqui estavam não buscavam

estabelecer vínculos, mas apenas enriquecer e ir embora. Criava-se, com isto, a percepção

de um tempo que não se organizara internamente.

Embasar a economia colonial nos pilares da grande propriedade monocultural

trabalhada por escravos e destinada a fornecer gêneros tropicais ao comércio europeu − em

que “tudo mais que nela existe, e que aliás é pouca monta, subsidiário e destinado

unicamente a amparar e tornar possível a realização daquele fim especial” (PRADO JR.,

2004, p. 119) − impede que se veja o sentido de acumulação interna que se atribuiu à

Colônia. Ao se fixar na extroversão do sentido colonial, deixa-se de captar, sob a alegação

de tratar-se de um “cipoal de incidentes secundários” (PRADO JR., 2004, p. 119), uma

estrutura complementar que adquiriu importância inaudita. Ancorando-se na ideia de que as

atividades subsidiárias, complementares, existiam apenas como fenômenos das atividades

centrais, não é possível compreender a dinâmica do mundo colonial: um mundo onde

grande parte da riqueza produzida era destinada ao exterior, mas onde a pujança das

“atividades subsidiárias”, muitas vezes, assumiu o papel principal na economia.

Por outro lado, nessa sociedade dividida entre senhores e escravos não é possível

encontrar, como aponta Laura Mello e Souza (1986), o homem pobre e livre, o desprovido

de dinheiro, o revoltoso, o criminoso, o contrabandista, o infrator, o ladrão, o

desclassificado social. Este, ao se tornar um ônus ao sistema, teve um relevante papel na

estrutura colonial, transmutado que foi de elemento oneroso, inútil e ameaçador em

indivíduo integrado e útil ao sistema. Foi partícipe das entradas que irrompiam os sertões,

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3

dos corpos de guarda, de defesa e de manutenção dos presídios, da polícia privada, da

construção de obras públicas, do trabalho nas lavouras de subsistência e na abertura e

povoamento das áreas de fronteira.

Lançar luz sobre os engenhos permite corroborar com grande parte do que foi

consagrado pela historiografia clássica sobre a extroversão da economia colonial. No

entanto, já não se pode silenciar o sertão. A mineração “acordou-o” e fê-lo gritar. Foi, como

assevera Caldeira (1999), a grande revolução brasileira. Com a crise desse setor, tal

revolução teria permanecido sinalizada na rápida reconversão da economia mineira, que só

se tornou possível porque havia uma economia subsidiária de “grosso trato”. Nesse sentido,

questiona-se se o que antes era tido como subsidiário poderia não se enquadrar tão

perfeitamente nesse setor, assim como também não o pôde ser o que era visto como

principal.1

Ao ler os processos de ordenação das regiões do sertão, bem como os de

acumulação interna, funda-se uma outra compreensão – ainda não totalmente clarificada –

sobre o Brasil. Em parte, pela tradição do dualismo, e, em parte, pela necessidade de

estudos historiográficos regionais mais amplos, nos quais as lacunas sejam preenchidas e os

nexos sociais, políticos e econômicos elucidados. Nessa elucidação, já se evidenciam

manchas de ocupação no sertão: portanto, homens coloniais não estariam, a exemplo dos

caranguejos de Frei Vicente do Salvador, arrastando-se apenas pelo litoral brasileiro.

Os registros de viagens, como os de Cunha Mattos, traçam um quadro aterrador de

Goiás no início do século XIX, o que indica a necessidade do olhar cuidadoso sobre essa

nova matriz interpretativa do Brasil. Claro está que havia um certo grau de organização e

exploração do interior, mas enxergar a sua dinâmica própria requer ainda um exaustivo

trabalho de pesquisa nos arquivos. Existem pistas específicas sobre a organização interna

do mundo goiano, mas isenta de uma organização própria, de uma dinâmica de fluxos

contínuos (SANDES, 2001).

A exemplo das fotografias aéreas que permitem a visualização de fendas e ranhuras

no solo das planícies americanas formando figuras indecifráveis, é possível reconhecer no

solo do Planalto Central do Brasil ranhuras que indicam os importantes “caminhos do

1 Ver Fragoso (2001).

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4

sertão”. Ali, por estradas de mão dupla, transitaram afoitos homens e mulheres setecentistas

em direção às minas, seguidos de perto por tropas de bois e mulas, que, além do

abastecimento, também escoavam a produção. No sentido inverso, percorreram a mesma

estrada – no entanto, sem a euforia anterior – os atores do oitocentos: migrantes em busca

de nada ou do que quer que fosse, perdidos em meio à miséria e às nuvens de poeira

levantadas com a passagem das boiadas. Por ali o boi também fazia o caminho de volta.

Aquela marcha em direção às invernadas mineiras e paulistas, ou aos currais da Bahia,

tangida por boiadeiros, condutores e peões, consistia numa forma de resistência ao

isolamento e à “decadência” que se instalara na região com o declínio das minas. Era o que

restara depois das malfadadas tentativas de integração com as regiões setentrionais.

No tropel lento, longo e solitário das tropas e boiadas é possível enxergar fluxos

econômicos que, apesar de frequentes, não foram capazes de dar sustentabilidade à

economia goiana do século XIX. É também possível de ouvir, em meio às aboiadas, aos

“causos” contados nos pousos ou aos queixumes de boiadeiros e coletores de impostos que

saltam das fontes fazendárias, parte da história de uma região construída entre “a fé e a

blasfêmia”, situada no limiar entre o fato histórico e a lenda, em que a brutalidade não

eliminou totalmente a cordialidade (LEONARDI, 1996), em que o isolamento foi vencido

pelo boi antes de tê-lo sido pelo trem. Trata-se, portanto, de uma história de bois, mulas,

homens, contrabando e solidão.

Diante desse quadro, em que se dá o encontro entre coletores de impostos, tropeiros

e boiadeiros que transitaram pelo sertão goiano do século XIX, busquei compreender não

apenas a comercialização das boiadas – principal fonte de receita orçamentária pós-declínio

da mineração – e seus agentes, tropeiros-boiadeiros, mas, sobretudo, o meio pelo qual

grande parte dessa circulação se efetivou: o contrabando. Para além disso, busquei

evidenciar que a política tributária implantada – desde os primeiros regimentos do reino até

o estabelecimento das Mesas de Rendas e Coletorias advindas com a reforma do sistema

tributário de 1830-1832 – está diretamente relacionada com o processo de ordenação das

distintas regiões provinciais e, consequentemente, com o estabelecimento do sistema de

poder do Estado. O contrabando – institucionalizado em toda a nação – e o extravio do boi,

discutidos aqui especificamente na região goiana, são a expressão desse movimento.

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5

Espacialmente, o universo de análise desta pesquisa centra-se na Província de Goiás.

No entanto, é preciso considerar que a delimitação político-administrativa a ela atribuída

sofreu significativas alterações durante o século XIX, fato evidenciado pelos mapas –

confeccionados especialmente para este trabalho – que determinam a localização dos postos

de fiscalização e de cobrança de impostos dos períodos colonial e imperial.

O recorte temporal escolhido abrange desde a terceira década do século XIX –

momento em que a reforma tributária instituída pela Regência implantou o sistema de

arrecadação de impostos via coletorias e em que o boi passou a se firmar como sustentáculo

da economia goiana – até a década de setenta do mesmo século, quando a guerra do

Paraguai e a grande crise da Fazenda Pública de Goiás expuseram uma desordenação ainda

maior do débil sistema de cobrança de impostos.

A principal justificativa para a delimitação espaço-temporal reside no argumento de

que, paradoxalmente ao fato de tratar-se de um período apontado pela historiografia goiana

como caracterizado pela decadência econômica, pelo isolamento da região, pela ruralização

da sociedade e pela economia de trocas, instalam-se cada vez mais agências fiscais

arrecadadoras – as coletorias –, para tributar a única mercadoria capaz de romper as

fronteiras provinciais e a estagnação econômica da região: o boi. No período enfocado por

este trabalho, os tropeiros e condutores de bois dirigiam-se aos mercados de Minas Gerais,

São Paulo e Bahia, tangendo suas boiadas e produtos destinados ao comércio de

abastecimento interno, enquanto os comerciantes e boiadeiros mineiros, paulistas e baianos

adentravam as fronteiras goianas em busca do gado vacum. Ciente da importância desse

movimento social e econômico, busca-se contextualizar como se deu a articulação desses

agentes comerciais na comercialização e na circulação do boi.

A dificuldade em encontrar fontes específicas sobre o movimento de tropas e

boiadas no Goiás do século XIX acabou por conduzir-me a uma inédita documentação

fazendária referente às agências de tributação e arrecadação das rendas públicas. Ao

dialogar com os códices fiscais de coletorias e recebedorias provinciais, além dos ofícios

cotidianamente endereçados pela Fazenda Pública a essas agências, percebi ter encontrado

meu universo de análise. Na vasta documentação consultada foi possível localizar não

somente apontamentos sobre o cotidiano de tropeiros e boiadeiros, mas, sobretudo, os

desafios e expedientes usados por eles ao passarem pelos postos de arrecadação fiscal rumo

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às fronteiras provinciais. E, com base nessas descobertas, estruturei este trabalho em três

capítulos.

No primeiro capítulo, apresento o tropeirismo, com suas origens, seu

desenvolvimento e suas características, destacando como se deu a transposição desse

fenômeno para a América hispânica e posteriormente para a América portuguesa.

Evidencio, no Brasil, seus distintos ciclos, a diferenciação entre tropas e boiadas e a

constatação de que, em Goiás, a primeira acompanhava a segunda. Além de ressaltar a

importância do tropeirismo no desenvolvimento econômico e cultural do Brasil, de modo

geral, e de Goiás, em particular, procuro deixar claro que ambos estão diretamente

relacionados com a prática do contrabando. Junto com o movimento tropeiro, apresento os

atores históricos partícipes desse ciclo: o tropeiro e o boiadeiro. A análise sobre o uso

dessas nomenclaturas no Brasil revelou-me que, além das variações regionais, ambas

ganharam abrangência no decorrer dos quatro últimos séculos. No século XIX, a circulação

das tropas pelo sertão goiano, registrada pelos viajantes e pelos presidentes de província,

rareou-se. Esse fato relaciona-se não somente com o quadro de refluxo econômico e

comercial pós-declínio do ouro, mas, sobretudo, com as características da sociedade da

época.

No segundo capítulo, enfatizo as características e o manancial de comportamentos e

políticas administrativas e tributárias que contribuíram para legitimar o ilegítimo (GIL,

2007). Apesar de enfocar a província de Goiás, sua estrutura administrativa e tributária

insere-se no quadro geral da Administração Fiscal Colonial, logicamente subordinado às

normas da coroa. Com isso, torna-se possível compreender um pouco mais, não apenas

sobre o perfil da tributação em Goiás, sua regulamentação, sua débil arrecadação e os

mecanismos políticos que nortearam a administração pública goiana, mas, sobretudo, a

sonegação fiscal e o contrabando como resposta a uma ordenação político-administrativa

que extrapolou as fronteiras locais. Além disso, por se tratar de um fenômeno que envolve

diversos setores da sociedade, o trabalho instrumental sobre a tributação permite, nas

palavras de Tessitore (1995, p. 13), “que aflorem as relações entre a administração

tributária e a sociedade, abrindo perspectivas de análise para campos diferenciados do

conhecimento histórico”.

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Convém declarar também que, na busca de fontes sobre o movimento tropeirista em

Goiás, encontrei vasta documentação sobre a existência de tensões e conflitos entre os

tropeiros e boiadeiros e os agentes fiscais estabelecidos nas coletorias e recebedorias

provinciais –um fenômeno cujas implicações são determinantes para a compreensão da

sociedade e da economia da época. A procura pelos rastros de tropas e boiadas indicou-me

que eles, apesar de terem existido, eram tidos como quase invisíveis, por terem deixado

poucas marcas na tributação e, consequentemente, por terem revertido pequenos valores

aos cofres públicos. Esses fatos agravaram ainda mais o quadro de decadência provincial.

Cabe, todavia, ressaltar que o adensamento da decadência em Goiás é visto, neste

trabalho, como conclusão secundária. Aqui, interessou-me evidenciar que, apesar de

economicamente significativo, o movimento das boiadas deixara seus rastros, sobretudo

nos ofícios internos endereçados pela Fazenda Pública de Goiás às suas agências

arrecadadoras. Nas queixas e denúncias cotidianamente oficiadas, foi possível encontrar o

contrabando do boi e a incapacidade de o Estado montar um aparato tributário que

efetivamente acompanhasse o movimento das boiadas. Nesse quadro de irredutibilidade do

contrabando subjaz uma prática maior que o próprio Estado. Apesar de frequentes, as

queixas e denúncias não promoveram uma melhor ordenação fiscal na região. No processo

de tributação do boi, estão duas pontas que nunca se encontram: por um lado, o poder

central disposto a tributar todo movimento comercial com magnitude suficiente para

render-lhe dividendos; por outro, as elites políticas locais, representadas, em grande parte,

por grupos agrários portadores de um débil interesse em efetivamente alcançar esse

movimento. No jogo convencionado entre ambos percebe-se não somente a mistura entre o

público e o privado, mas, principalmente, a sobreposição do segundo sobre o primeiro.

As tensões decorrentes do sistema de arrecadação de impostos via coletorias, o

contrabando e as isenções fiscais, as concessões de privilégios e a cumplicidade de estratos

sociais junto com o extravio do boi, a “proteção negociada” por parte das elites locais e,

como lembra Tiago Gil (2007), a tática da dissimulação empregada pelos administradores

da Fazenda Pública diante dos comportamentos ilegais de seus agentes coletores indicam

não somente a incapacidade do poder central em implantar um adequado sistema de

arrecadação de impostos, mas, principalmente, o jogo estabelecido entre o centro e as elites

locais para manter a ordem social. Todas essas características permeiam o sistema de

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tributação, circulação e comercialização do boi no século XIX em Goiás e constituem a

base da documentação e discussão apresentada no terceiro capítulo.

Todavia, ao tentar compreender o sistema de cobrança de impostos via coletorias,

deparei-me com a enorme dificuldade de compreensão do quadro fazendário provincial –

esse sim um cipoal de alvarás, resoluções e alterações de políticas tributárias. A

impossibilidade de encontrar material historiográfico específico sobre a ordenação e

funcionamento das coletorias provinciais, a ausência, inclusive, nos órgãos fazendários

atuais de material bibliográfico e explicativo sobre esse sistema, ou mesmo constituintes da

“memória fazendária da nação”, obrigaram-me a retroceder na temporalidade pesquisada.

As variações na terminologia empregada, a confusa hierarquia espalhada por uma

infinidade leis, decretos de lei e ofícios mostraram-me que só seria possível entender a

instituição do sistema de coletorias da terceira década do século XIX a partir da

compreensão da ordenação tributária colonial.

Apesar de extrapolar a temporalidade escolhida para esta pesquisa, julguei

importante discutir aspectos da malha tributária colonial, a qual, legada ao Império,

constituiu-se na base sobre a qual se fundamentou toda a ordenação tributária do século

XIX. Assim, busquei elucidar a estrutura e os mecanismos de funcionamento do sistema

tributário colonial em seu conjunto, desde o primeiro regimento trazido por Tomé de

Souza, as alterações tributárias advindas com a chegada da Corte ao Brasil, a confusão

fiscal do Primeiro Reinado até a reforma tributária advinda com a Regência, em face da

separação efetiva entre rendas gerais e provinciais. Assim, foi-me possível perceber a

permanente debilidade da Coroa em fiscalizar e arrecadar as rendas públicas, a

problemática da organização administrativa provincial, os conflitos entre os poderes

central, provincial e municipal, frequentemente em desacordo, o contrabando como prática

institucionalizada, os mecanismos de dissimulação e, sobretudo, a permanência, no

Império, do sistema de sobreposição do poder privado sobre o público, com a consequente

“patrimonialização do poder do Estado”. Ali estavam também os mesmos expedientes

utilizados pela Coroa para garantir sua hegemonia em regiões distantes do centro e difíceis

de serem ordenadas.

Para recompor a estrutura e o funcionamento das coletorias em Goiás, tema inédito

na historiografia regional, vali-me das normas básicas dos métodos da história heurística,

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assim como dos procedimentos de crítica interna e externa aos documentos. As fontes

abrangem a legislação provincial e geral, os ofícios da Tesouraria Provincial e do

Ministério da Fazenda, relatórios dos presidentes da Província e dos diretores da Tesouraria

Provincial, obras jurídicas de caráter teórico, regimentos e legislações de caráter normativo

e um grande número de arquivos pertencentes às coletorias e recebedorias provinciais, além

dos ofícios expedidos a essas agências pela Fazenda Pública provincial. Trata-se de fontes

documentais ainda pouco exploradas em Goiás e que em muito contribuem para a

elucidação da malha tributária provincial, além de evidenciar os tributos cobrados, a

estrutura administrativa montada para arrecadá-los e as dificuldades de execução. Por se

tratar de uma documentação serial, que mantém certa regularidade de informações durante

um tempo contínuo, foi-me possível apresentar parte do que foi a malha tributária goiana

do século XIX, tanto no que se refere à sua dinâmica interior quanto às implicações em

diversos estratos sociais. Não resta qualquer dúvida de que tais fontes têm forte vinculação

econômica. Todavia, mesmo tendo um lastro na recomposição do mundo econômico da

comercialização do boi, seu centro encontra-se na forma pela qual se efetivou grande parte

da circulação das boiadas pelo sertão goiano no século XIX: o contrabando.

Ao debruçar-me sobre as fontes, percebi também a conotação política existente na

tensão entre coletores, tropeiros e boiadeiros, razão pela qual a metodologia da presente

pesquisa adentra os quadros da História Social e Política. A partir da circulação das tropas e

boiadas pela província goiana do século XIX, é possível detectar elementos da cultura e de

um código pautado na violência e no protecionismo por parte das elites locais.

Outro aspecto discutido refere-se ao processo de transformação da região: o sertão

goiano, “decadente”, insular, ensimesmado, será recomposto a partir da passagem de tropas

e boiadas. A instalação de um número cada vez maior de coletorias e recebedorias

provinciais evidencia o lento processo de reordenação da região, feito, em grande medida, a

partir da reordenação administrativo-tributária instituída pela Regência. Trata-se, sem

dúvida alguma, de medida articulada pelo poder central para alcançar as regiões periféricas,

onde tal ordenação só seria possível através da cooptação das elites locais. Essa constatação

lança luz sobre dois pontos: primeiro, o interesse do centro em ordenar e tributar uma

região estaria, evidentemente, relacionado com um grau de circulação comercial que

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justificasse essa medida; segundo, a tensão que permeou o encontro entre os poderes locais

e a autoridade administrativa central foi paulatinamente se impondo na região.

O encontro entre os atores sociais deste trabalho – coletores, tropeiros e boiadeiros –

está intimamente vinculado às relações de poder forjadas pelo entrelaçamento do poder

pessoal com a burocracia imperial. A região, enquanto espaço econômico, tem no rastro do

boi seu esboço, mas adquire maior visibilidade como uma região política que demanda, por

um lado, o braço do Estado com sua capacidade integradora, e que, por outro, foge desse

mesmo braço no momento em que estende a mão em busca de tributos.

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CAPÍTULO 1

TROPEIROS E BOIADEIROS NOS SERTÕES DO BRASIL

Neste primeiro capítulo, este trabalho se propõe a discorrer sobre os tropeiros e

boiadeiros, percorrendo suas rotas mais conhecidas, especialmente as que conduzem às

famosas feiras de muares da época − feiras que tiveram um papel socioconômico de

destaque. Ao buscar em documentos e na literatura as tropas e boiadas, vê-se que há relatos

oficiais e impressões dos viajantes europeus que as encontram nos inóspitos caminhos do

Brasil Central. Em razão da produção de gado, em época do esgotamento das minas

auríferas, os tropeiros-boiadeiros tornaram-se os atores principais, mesmo quando se

envolvem no contrabando de gado.

1.1 Por entre rotas e conquistas

Por tropa entende-se rebanho ou agrupamento de homens ou de animais.2 Palavra de

origem francesa, apresentando-se também na forma latina tropus, o vocábulo “tropas”

corresponde a um grupo de amimais ou pessoas em marcha. A análise sobre o uso do

termo, no Brasil, revela que, além das variações regionais, ele ganhou abrangência no

decorrer dos quatro últimos séculos. 3 Do vocábulo “tropas” derivam-se tropeirismo e

tropeiro. O primeiro relacionado a um fenômeno universal, presente desde tempos pré-

históricos, corresponde ao transporte terrestre via quadrúpedes domesticados. O segundo

refere-se aos atores históricos partícipes dos diferentes ciclos do tropeirismo. Portanto, por

tropeirismo entende-se o processo econômico relacionado à exploração de tropas de

animais, sejam estes muares, cavalares ou vacuns.

2 Grande número de soldados de qualquer arma; conjunto de forças militares; o exército. Aglomeração de gente; bando; multidão. Rebanho de gado vacum ou cavalar. Caravana de animais de carga (http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php); conjunto de bestas de carga ou de gado vacum destinado à matança (www. priberam.pt/). Tropa: monte de gente, grupo de soldados, bando de animais, especialmente de carga. 3 Segundo Almeida (1971), no Rio Grande do Sul o termo “tropa” é empregado para cavalos, bois, muares, porcos, cabritos etc. No Centro e no restante do país, o significado restringe-se aos rebanhos de equinos, muares e asininos, acepção corroborada pelo escritor e folclorista goiano Bariani Ortencio (1983, p. 441).

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Mesmo sendo pouco estudado, o tema é de suma importância para a compreensão do

processo de ocupação e consolidação dos núcleos coloniais na América portuguesa, não

podendo ser analisado como um fenômeno único, pois é possível identificar, no Brasil,

diferentes ciclos a partir do século XVII.4 Conforme Vera Lúcia Barroso (2004), durante o

século XVIII, o muar foi o centro das transações mercantis. Nesse ciclo, o gado vacum era

preado para consumo ao longo dos caminhos ou tangido em direção às minas, para servir

como fonte de abastecimento. Como as mulas eram a principal mercadoria comercializada,

estabeleceu-se, no seu processo de venda e consumo, uma teia de comércio que interligava

as regiões meridionais da América portuguesa e espanhola com as demais regiões da

Colônia do Brasil, principalmente o Centro-sul.

A premente necessidade de víveres, as possibilidades de ganhos com o

abastecimento das minas, a distância em que essas se encontravam dos centros produtores,

além do grande contingente populacional que para lá se dirigiu quando das primeiras

descobertas do ouro, desencadearam essa rede de abastecimento através do muar. Esse

quadro fez surgir um sistema de transporte voltado para conduzir gêneros básicos ou artigos

de luxo em direção às minas. O muar, centro do sistema de transporte, provinha da região

Platina.

Segundo o antropólogo e folclorista peruano Juan J. García Miranda, no século XVI,

a administração colonial espanhola, ao chegar à América, deparou-se com uma

infraestrutura viária bastante desenvolvida e transitada por camelídeos (llamas e alpacas),

que se constituíam no principal meio de transporte entre Lima, Potosí e Buenos Aires,

mesmo não suportando longas marchas.

4 Como exemplo cita-se o movimento referente ao século XVII: tropeirismo de gado vacum, levado pelo padre Cristóvão, de Corrientes para a região das missões; tropeirismo de gado muar e cavalar, tangidos de Entre Rios para a região missioneira, pelos índios cavaleiros; tropeirismo Guarani de Vacaria do Mar, promovido pelos guaranis que levavam o gado de Vacaria do Mar para a banda oriental do Uruguai. (VELHO et al., 2008, p.24). No século XVIII: tropeirismo em que os tropeiros de Laguna buscam o gado de Vacaria do Mar para povoar as fazendas da região; tropeirismo paulista relacionado ao envio de muares que, deixando as regiões meridionais, dirigiam-se à feira de Sorocaba de onde eram posteriormente distribuídos para toda a colônia, principalmente para a região das minas − tropeirismo de vacuns para abastecimento das minas. No século XIX, movimento intenso, tanto no que se refere ao tropeirismo paulista de mulas xucras quanto ao movimento de mulas cargueiras na região do sudeste cafeeiro e demais províncias do Império; tropeirismo de boiadas da região do Brasil Central; tropeirismo de mulas cargueiras que, partindo de Minas Gerais, promoviam o abastecimento da Corte no Rio de Janeiro e também de vacuns que, partindo das invernadas mineiras, dirigiam-se às regiões de abate; tropeirismo gaúcho regional: de gado e de mulas cargueiras. No século XX, a chegada dos trens e caminhões fez com que gradativamente fosse diminuindo o movimento das tropas; no entanto, em Goiás, estas permaneceram até meados do século XX.

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Na Península Ibérica, principalmente na Espanha, havia uma grande criação de

muares condutores de cargas. No século XVI, tropas cargueiras foram transplantadas para a

Hispano-América. Vinham de Portobelo, cidade portuária próxima à zona do canal do

Panamá, e eram embarcadas em direção ao Vice-Reino do Peru, ou seguiam por terra em

direção a Santa Fé, na Colômbia (JOB, 1999, p. 17). 5 As grandes distâncias e as

dificuldades de tráfego pelas cordilheiras peruanas fizeram com que a mula se tornasse o

principal meio de transporte de carga.6

Com o objetivo de estabelecer comércio de animais, que chegou a ser “o segundo

ramo produtor de riqueza entre os povos do Prata” (ROCHA, 2004, p. 220), iniciaram-se as

viagens regulares. Os animais deixavam os pampas de Buenos Aires, os campos

entrerrianos e dos arredores de Santa Fé, e invernavam nas pastagens de Córdoba e Salta,

nas regiões intermediárias. Dali empreendiam viagem para as províncias do Alto e Baixo

Peru (Figura 1). Em Salta, acontecia a famosa feira de Sumalao e, em Jujuy, a de La

Tablada, ambas frequentadas pelos muleiros e comerciantes de Córdoba, San Juan,

Tucumán, Santiago del Estero, Catamarca, Assunção e de outras cidades. A maior parte dos

animais era arrematada pelas províncias do Baixo Peru, para trafegar pelo chamado

Caminho Real (Figura 1).

5 É importante salientar que o criatório de muares é uma atividade dirigida, pois resulta da cruza do jumento (espécie Equus asinus) com a égua (espécie Caballus). Tal cruzamento dificilmente ocorre de forma espontânea, sendo necessário o manejo desses animais para se conseguir a mula (fêmea) ou o burro (macho), animais híbridos e inférteis. Da cruza do cavalo com a jumenta, tem-se o(a) bardoto(a), também híbrido e mais difícil de se conseguir devido ao pequeno porte da fêmea, que, ao gerar crias grandes, dificilmente sobrevive à parição. 6 Tal fato está relacionado à sua enorme capacidade para vencer os ásperos caminhos do norte peruano e para

atravessar a nado os diversos rios do território sul-americano. Além disso, possui grande força física e é capaz de resistir a temperaturas baixas. Tais características foram determinantes para a crescente demanda exigida pelas províncias do norte peruano, que, não podendo suprir a necessidade de animais, passa a requisitá-los dos campos de Santa Fé e Entre Rios, na atual Argentina, regiões criatórias que dispunham de excelentes condições naturais.

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FIGURA 1 - Rota das regiões criatórias de muares e dos centros consumidores.

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Apesar de sua importância, esse comércio foi paulatinamente entrando em

decadência devido ao esgotamento das minas peruanas e aos ataques indígenas que

obstruíam os negócios com as províncias do Norte. Isto resultou em prejuízos para os

criadores, em razão do excesso de mulas nos campos e da queda de movimento nas feiras

anteriormente citadas.

Na colônia portuguesa da América, no século XVII, segundo Ruy Ruchel (2000), a

formação de rebanhos e a intensa movimentação de gado tiveram importantes

consequências sociais. Em 1634, o padre Cristóvão de Mendoza levou 3 mil cabeças de

gado vacum e equino7 de Corrientes para as reduções jesuíticas localizadas no atual Rio

Grande do Sul. Na mesma ocasião desenvolveu-se ali, na parte meridional e na chamada

Banda Oriental (Uruguai), um outro movimento de tropas, predominantemente cavalar e

muar.8

Os bandeirantes invadiram as reduções jesuíticas em busca de mão-de-obra

indígena. Os guaranis, anteriormente expulsos do atual Rio Grande do Sul, migraram para a

margem oposta do Rio Uruguai. No entanto, consideravam-se legítimos donos dos

rebanhos deixados para trás, os quais, ao se deslocarem, formaram os rebanhos de Vacaria

do Mar e Vacaria dos Pinhais. Como se achavam no direito de explorar o gado deixado

para trás, os índios recolhiam milhares de cabeças de gado bovino, equino, asinino e muar,

para conduzi-las até suas comunidades de origem. Os tropeiros de Buenos Aires e de Santa

Fé também se achavam no mesmo direito. Tangiam o gado de Vacaria do Mar para as

estâncias do outro lado do Rio Uruguai.

7 Houve também um importante movimento de consolidação e expansão do rebanho bovino em São Vicente e Bahia. Dessas capitanias sairam, posteriormente, significativo número de vacuns, os quais não somente abasteceram, mas também formaram os rebanhos do Brasil Central. 8 No que se refere à tropa de muares, o historiador e folclorista Sérgio Coelho de Oliveira esclarece que estas

se diferenciam, conforme o tipo de exploração, em tropa xucra ou arriada: A) Tropas xucras ou soltas: transporte de gado-em-pé, solto e em grande número, guiados pela égua madrinha; deslocam-se do centro criador, ao centro consumidor, ou até às fazendas intermediárias. Durante o percurso ou nas regiões de campos próximas às feiras, esses animais são domados, ficando aptos para serem utilizados em tropas cargueiras. B) Tropas cargueiras ou arreadas: formada por animais domesticados (para transportarem, presas às cangalhas, diversos tipos de mercadorias a serem comercializadas); o conjunto de homens que conduziam os animais eram chamados de tropeiros e peões (ou camaradas) (OLIVEIRA, 1999, p. 51).

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Em 1676, com a criação da colônia de Sacramento, 9 os vizinhos espanhóis

impuseram restrições à circulação dos portugueses. O alcance de Laguna até o Rio da Prata

era feito via litoral (Figura 2). Os lagunistas também retiravam rebanhos de Vacaria do

Mar, tangendo-os pelo litoral, até chegar às fazendas na região de Laguna. Dessa forma,

começou a ser “definida a ocupação portuguesa do futuro Rio Grande de São Pedro do Sul”

(SILVA, 2004, p. 238). Depois, por via marítima, os lagunistas exportavam carne-seca,

para as demais províncias da colônia, e muares para Santa Catarina, que os embarcava para

São Paulo e Rio de Janeiro.

Na época, o Rio Grande português “consistia numa estreita faixa de terra entre

Laguna e Sacramento, onde passavam as tropas na Estrada da Praia” (MATTOS, 1999, p.

26). Na região, os tropeiros eram vistos como chefes de bandos armados que faziam

arriadas − matança para extração de couro −, ou busca de gado solto, que era arrebanhado

em invernadas e depois enviado às minas. O gado, xucro ou chimarrão (selvagem), era

capturado e levado até Laguna para o embarque. Logicamente tais arriadas eram marcadas

por confrontos com castelhanos e índios que se sentiam roubados em suas terras, uma vez

que o gado fora levado para a região pelas missões jesuíticas.

9 Segundo Buarque de Holanda (1985, p. 19), “Tordesilhas é uma linha teórica; a ocupação efetiva, a posse, é

que determinava os limites do Brasil”. Durante a União Ibérica intensificou-se o tráfico português na região do Prata. O atrativo da região era o couro e a prata. Posteriormente à Restauração, o rei outorgou capitanias “nas terras [...] até a boca do Rio da Prata” e criou o bispado do Rio de Janeiro, estabelecendo a fronteira do sul no estuário. Além disso, os portugueses fundaram Laguna e Sacramento. Os castelhanos não aceitaram uma colônia em frente a Buenos Aires e revidaram, tomando a região em 1680. Diante da ameaça de rompimento com Madri, por parte da Coroa portuguesa, deu-se a intervenção de Roma e a assinatura de um tratado provisório no qual se estipulou a devolução de Sacramento a Portugal. “Ninho de contrabandistas” nas palavras de Capistrano de Abreu, a Colônia passou às mãos de castelhanos e portugueses, até 1777, quando foi atacada e vencida pela última vez. Mesmo assim serviu como entreposto de povoamento do Rio Grande de São Pedro.

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FIGURA 2 – Rota de deslocamento de rebanhos

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Com o estabelecimento de Sacramento, criou-se uma rota de contrabando, por onde

transitavam escravos, mulas e prata. Os escravos chegavam ao Brasil e eram

contrabandeados para a Argentina em troca de prata. E assim foi que os tropeiros luso-

brasileiros conheceram as regiões criatórias de muares do Prata e para lá, posteriormente, se

dirigiram, quando o ciclo do ouro brasileiro impôs a necessidade de animais de carga.

Paralelamente, as autoridades portuguesas, visando assegurar seus interesses e

impedir o avanço castelhano, incentivaram a fundação de novas povoações nas terras do

atual Rio Grande do Sul. Para isso, distribuíram sesmarias a tropeiros e militares

aposentados, para que nelas se fixassem. Usando inicialmente os animais contrabandeados,

formou-se então o primeiro criatório de muares no Rio Grande português a serem enviados

para as Gerais.

Em uma análise sobre o contrabando de mulas na fronteira meridional da colônia

portuguesa, Tiago Gil (2007) explicita que as tensões entre lusos e castelhanos, iniciadas

com a criação de Sacramento, se acirraram nas décadas finais do século XVIII,

permanecendo até o primeiro quartel do XIX. Quando em 1764, a Coroa portuguesa proibiu

o comércio de muares com os espanhóis, o negócio passou a ser visto como contrabando.

Todavia, a proibição real não obstou sua continuidade, ancorada que estava em

“importantes postos do governo, envolvendo espanhóis, portugueses e minuanos, que

garantiam a circulação dos bens proibidos” (GIL, 2007, p. 26). Prosseguindo, esclarece que

as autoridades lusas, cientes do tráfico ilegal, toleraram tal comércio “por sua saliência

econômica e social” e por ser liderado pelo representante de uma das principais famílias da

região. Segundo esse autor, tratava-se de concessões concedidas pela Coroa a particulares

em troca da defesa dos territórios lusos:

Era um território instável, sujeito a ocupação dos espanhóis. Destaca-se a importância econômica e social do contrabando não apenas porque era um negócio vantajoso, que trazia benefícios materiais, mas também porque, por meio dele, a rede de relacionamentos se mantinha e se multiplicava, agregando diferentes qualidades de homens ao grupo. (p. 26)

Assim, o contrabando auxiliava na manutenção da ordem social. Através da

exclusão, hierarquia social e da barganha com as elites locais, garantiam-se a ordem e a

unidade territorial.

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Mantida a circulação de muares na fronteira entre os dois impérios, além do

estabelecimento dos primeiros criatórios na colônia lusa, surgiram diferentes rotas com o

objetivo de encurtar as distâncias entre as regiões fornecedoras e a feira de Sorocaba, centro

distribuidor de muares para toda a colônia do Brasil. Foi o comerciante português Cristóvão

Pereira de Abreu quem reuniu a primeira tropa de muares. Cerca de 1.300 animais, partindo

de Vacaria do Mar, foram tangidos para o centro do Brasil, visando abastecer as minas. Foi

ele também o responsável pela abertura do Caminho do Sul, que se iniciava em Viamão,

próximo à atual Porto Alegre. Com a abertura dessa rota, as tropas passaram a ser tangidas

da Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul para a cidade de Sorocaba (Figura 3), que

passou a ser o centro de onde partiam inúmeras outras rotas em direção a Minas Gerais, Rio

de Janeiro, Mato Grosso, Goiás. Estava aberto o grande ciclo do tropeirismo.

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FIGURA 3 – Rotas utilizadas para se chegar a Sorocaba.

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1.2 O ciclo do tropeirismo no Brasil

No Brasil, esse ciclo iniciou-se, de fato, no segundo quartel do século XVIII, quando

a descoberta do ouro das Gerais impôs a necessidade de um meio de transporte capaz de

abastecer e escoar a produção das minas. A ascensão da mineração brasileira coincidiu com

a decadência da mineração espanhola. Nesse sentido, a partir do século XVIII, a Argentina

e o Uruguai passaram a fornecer muares, estabelecendo um ciclo de comércio de grande

importância por articular um mercado integrador do Cone Sul e também dos distantes

núcleos populacionais brasileiros, funcionando, assim, como um dos elementos

estruturadores da unidade territorial.

Segundo Geraldo Bonadio (1999), o ciclo do muar se manteve até a implantação e

consolidação da rede rodoviária no país. As tropas saíam do Rio Grande do Sul ou das

regiões fronteiriças em direção a São Paulo, onde seriam comercializadas na feira de

Sorocaba. Dali se espalhavam para diversas regiões do país.10 Ellis Jr. (1950, p. 79) afirma

que o muar possibilitou

os ciclos econômicos do ouro, do açúcar paulista e da Baixada Fluminense, bem como do café. [...] sem o muar platino ou gaúcho, não teríamos tido esses motins econômicos [...], não teríamos tido toda a economia central brasileira, e não teria sido possível o Brasil.

Excessos à parte, é notória a importância da economia do muar: nas minas, mais

premente que escoar o ouro extraído era abastecer de víveres um enorme contingente

populacional que para lá se transferiu após as primeiras descobertas. Impelidos pela busca

do ouro, dedicavam-se basicamente à procura do metal, embora pesquisas recentes apontem

para a existência natural de um setor de subsistência ao lado das zonas de mineração.

Todavia, vale registrar que o lombo do burro não transportou somente a produção das

regiões mineiras, paulistas ou fluminenses, mas também as importações que abasteciam

estas e as demais regiões coloniais. Posteriormente, com declínio do ouro, foram o açúcar

10 No decorrer do ciclo, houve mudanças na economia nacional, mas, com relação às tropas de mulas, não se registrou, no final do século XVIII − com a decadência das minas −, um retraimento da procura de muares ou de gado de corte. O ciclo do tropeirismo permaneceu em ascensão e, mesmo com a declínio do ouro, continuou a crescer, impulsionado por acontecimentos políticos, relativos, então, à expansão da economia agrícola.

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platino, a Baixada Fluminense e o café os “alimentadores do ciclo econômico do muar”

(ELLIS JR., 1950, p. 76). 11

Logicamente, o intenso movimento das tropas não passou despercebido aos olhos da

Coroa, que viu, na criação dos registros, uma forma de aumentar a arrecadação para os

cofres reais. Os impostos sobre os animais vindos do Sul e os negociados em Sorocaba

aumentavam seu valor de venda. Em face disso, havia uma grande procura por rotas

alternativas que estivessem fora do controle fiscal da Coroa. Essa, por sua vez, ciente do

contrabando de animais, tratou de instalar diversas barreiras ao longo das rotas tropeiras.

Certo está que tais barreiras funcionaram como fator de

ocupação e desenvolvimento da província, pois, além de permitir a ligação e a comunicação entre lugares distantes, e até então isolados, também possibilitaram o surgimento de inúmeras vilas e cidades que se desenvolveram junto a elas. (STRAFORINI, 2001, p. 58)

1.3 O papel socioeconômico das feiras de muares

Para o historiador Sérgio Coelho de Oliveira (1999, p. 55), “a história consagrou a

Feira de Muares de Sorocaba como o mais importante evento do gênero do país, durante os

séculos XVIII e XIX”. Ali acontecia a feira onde os muares vindos do Rio Grande do Sul e

da bacia do Prata ficavam à espera dos compradores de diferentes partes do Brasil.

Não se sabe com precisão a data da primeira feira realizada em Sorocaba, mas

acredita-se que esta tenha acontecido entre 1750 e 1790. Há registros, porém, de que

camaradas, caboclos, peões, tropeiros e capatazes reuniam-se ao pé do fogo, em torno da

viola e, sem nada gastarem pelo uso dos pastos, ali permaneciam esperando para

comercializar milhares de burros. Convém ressaltar que, na época, o muar, era considerado

o motor do país: puxava bondes, carruagens, carroças, mas principalmente transportava

pessoas e mercadorias através dos sertões e do litoral (ALMEIDA, 1971).

Segundo Almeida, por ocasião da feira, os compradores, sempre acompanhados

pelos camaradas, saíam da cidade à procura das melhores tropas. No momento que se

11 Concomitantemente ao ciclo do muar, é possível analisar o ciclo do boi no século XIX, que possibilitou a incorporação do Brasil Central como área fornecedora de gado para as invernadas de Minas Gerais e São Paulo, posteriormente destinado a atender à alta demanda de carne verificada com a chegada da Corte.

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realizava o primeiro negócio, logo corria a notícia: “Rebentou a feira!”. A mulada então

descia pela Rua das Tropas; na ponte, o comprador retirava os bilhetes para passagem no

registro, apresentava a guia de passagem pelo registro de Rio Negro e, geralmente, assinava

a carta de crédito.12 Os soldados que guardavam a ponte abriam o portão e deixavam passar

a tropa, que era contada cabeça a cabeça. Dali em diante seguia pela Rua da Contagem.

Quando a última tropa passava, acabava a feira, e moradores, tropeiros, compradores e

vendedores voltavam para suas regiões à espera do encontro do ano seguinte.

No decorrer do século XIX, o movimento de muares continuou intenso, tanto no que

se refere às tropas xucras, tangidas do Sul em direção a Sorocaba, quanto no que diz

respeito às tropas arreadas, responsáveis pelo abastecimento e escoamento da produção de

diversas províncias da Colônia do Brasil.

Posteriormente, as tropas cederam espaço ao trem. Todavia, os muares não

desapareceram como meio de transporte porque continuavam fazendo o escoamento da

produção de café e açúcar até o tronco principal da ferrovia (STRAFORINI, 2001) e

também porque as ferrovias não alcançavam todas as regiões produtoras. O trem não foi,

portanto, o causador do esvaziamento da feira de Sorocaba. Este veio, em 1897, com o

primeiro surto de febre amarela.

1.4 Tropas e boiadas na economia do Brasil Central

Mesmo tendo sido efêmera (FUNES, 1986), a mineração em Goiás deve ter

proporcionado algum acúmulo de capitais. No início do século XIX, com a extração em

declínio, o ouro era ainda a principal mercadoria nas cifras de exportação, o que indica que

− ao contrário de Minas Gerais − não houve, na época, outra atividade econômica capaz de

dar sustentabilidade à economia. Há muito as autoridades governamentais já haviam se

apercebido do irremediável esgotamento das minas e da urgente necessidade do fomento de

um novo setor econômico. Nas instruções enviadas ao governador da capitania de Goiás,

José de Almeida Vasconcelos e Sobral Carvalho,13 a Coroa informa, ainda em 1771 que

12 O comprador primeiramente iria vender sua mercadoria no Rio de Janeiro ou Minas e só depois pagaria ao Tesouro Provincial. 13 AHG − Documentação manuscrita, datilografada e impressa, 1722-1973. Livro 15, ofício de 1771.

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[...] de um Payz summante fertil, com excellentes Pastos e capaz de produzir com grande abundancia, muitos e diferentes generos, nao só necessários para a vida, sustento e comodidade dos seus habitantres; mas ainda para lhe procurar, por meyo do gyro e do troco, hum util Comercio: Auxiliando estas vantagens [que são entre todas as que constituem a mais sólida riqueza, e prosperidade de um Estado] existiam as minas.14

No entanto, continua o documento,

o que se podia esperar era a certeza de ser a capitania de Goyazes humma das mais importantes colônias de toda a América portuguesa; ao contrário porém, o que consta da mesma conta, he que a dita capitania se achava pobre, e na mayor parte inculta e inabitada.

Examinando a causa dessa situação, as autoridades concluíam tratar-se dos vícios,

iniquidades e prostituições, que já haviam provocado a ruína dos mais florescentes

impérios, e com os quais nenhuma sociedade poderia subsistir. A decadência da região se

devia “às extorsões, desordens, descaminhos e violências praticadas” na capitania “por

aquelles mesmos a quem o governo dos Povos e a Administração da Justiça e da Fazenda se

tinham confiado”. 15 Além da condenável conduta dos governadores e das extorsões

praticadas na Provedoria e na Intendência da Capitania de Goiás, constatavam-se a falta de

recenseamento anual das contas dos tesoureiros, os abusos e desordens praticados pelos

contratadores de impostos que não pagavam devidamente seus contratos, nos tempos e nas

condições firmados. A conduta das autoridades provinciais levou os particulares a se

pautarem pelos mesmos códigos de ética, crentes que estavam na impunidade que grassava

naqueles sertões.

Diante das dificuldades da Coroa em ordenar uma capitania do sertão, a legislação

imposta, desde a instalação da produção extrativa, impediu o desenvolvimento de

atividades produtivas concomitantes. A ausência de um regimento específico para a

capitania − tópico a ser discutido no próximo capítulo − e, sobretudo, a política tributária

embasada no mercantilismo obstavam o desenvolvimento da agricultura e pecuária. Em

ofício de 1780, o capitão Luiz da Cunha Menezes denuncia a impraticabilidade do imposto

de entrada cobrado sobre o gado vacum. Mesmo tendo sido estabelecido no início da

corrida às minas − há mais de meio século, portanto, da data daquele documento −, não 14 Idem. 15 Idem.

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haviam sido consideradas as circunstâncias da época que o tornava inviável e “muito

excessivo”.16

Apesar das denúncias, as medidas tomadas – ou não –, visando ao fomento de uma

nova atividade produtiva, levaram a Capitania, no início do século XIX, a uma situação

crítica. Nos relatos dos viajantes abundam descrições de um quadro sombrio, para

representar a decadência de que haviam se revestido os grandes centros mineradores, bem

como a “preguiça” característica dos povos daquele sertão.

O comércio, onde tudo era vendido a prazo, estava profundamente comprometido, e

o mineiro falido havia se transmutado em lavrador desanimado ou em criador pobre. O

governador das Armas, Cunha Mattos, alertou, em carta ao ministro da Guerra, que na

província inexistiam homens ricos; e que, sem a intercessão do governo, ela seria legada a

feras e índios. Segundo sua análise, as questões determinantes da decadência da região

centravam-se na má administração e na impraticabilidade das estradas e caminhos públicos.

Em diversas passagens de sua Chorographia cita a desastrosa quebra das pontes dos rios

Uru e Almas. Destarte, arraiais como Ferreiro, Meia Ponte, Córrego do Jaraguá e Corumbá

estavam em declínio devido ao afastamento das tropas e comboios de Cuiabá e dos

negociantes da cidade de Goiás, que se encontravam impedidos de transitar por aquelas

localidades.

Aqueles que se arriscavam no comércio interno geralmente perdiam cargas e

utensílios transportados pelos lotes de mulas, especialmente ao atravessarem as pontes. Nos

períodos chuvosos, as estradas ficavam intransitáveis devido ao lamaçal e à falta de sol. Em

consequência dessa situação, a população sofria por falta de viveres.17

A comparação entre o período que Cunha Mattos testemunhava e “um outro tempo”

− quando havia pontes sobre os rios e córregos mais notáveis da comarca − levou-o à

conclusão de que a decadência das minas e do comércio da província trouxera consigo

16 No estabelecimento da capitania, quando havia um pequeno número de vacuns, estes alcançavam, na venda, a soma de 24$000 réis, pelo qual se pagava o imposto de 1$500 réis por cabeça de direito de entrada. No entanto, em torno de 1780, cada animal era vendido por 3$600 réis, permanecendo o pagamento dos 1$500 réis de entrada, acrescidos do novo imposto do Subsídio Literário referente a $346 réis e mais $300 réis pagos à Câmara. Sobravam ao criador $854 reis para custeio da produção, escravaria, perdas etc. (AHU – Ofício de 22 de março de 1780). 17 Discurso que o vice-presidente da Província de Goiás, Antonio de Pádua Fleury, fez na abertura da Sessão Ordinária de 1848 (Memórias Goianas,v. 4. p. 132).

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a ruína das pontes; e as que não escaparam ao peso das águas extinguiram-se pela voracidade das chamas: as queimadas dos campos e matas alcançaram a madeira das pontes e destarte ficando reduzidas a cinzas, condenaram os homens a passarem caudalosos rios a vau. (CUNHA MATTOS, 1979, p. 46)

Portanto, fazia-se mister que o governo tomasse providências, pois, caso

continuasse “a ser desleixado, demolir-se-hão as pontes públicas da comarca de Goiás. Não

se pode fazer perfeita ideia da desgraça da comarca, naquela parte que respeita a passagem

dos rios caudalosos e que não há pontes [...]” (p. 46).

A análise do movimento das tropas pela região permite compreender quão delicada

era a situação do comércio na província. Em ofício de março de 1825, o presidente Caetano

Lopes Gama retrata a situação, segundo a qual o imposto do quinto tornara-se praticamente

nulo, isto porque o ouro em pó saía, em sua grande maioria, contrabandeado para as

províncias de beira-mar, “onde quem os leva tem um lucro bem proporcionado a aumentar

este tráfico, sem que haja um meio rigoroso que o possa vedar”. 18 Contra a ação de

interesses particulares, permanentes e poderosos, a lei era ineficaz. Na Província não havia

uma única casa erguida graças à mineração que se pudesse chamar rica.19

Anteriormente, o governador Manuel Inácio Sampaio, ciente da impossibilidade de

restaurar o rendimento do quinto, bem como dos frequentes extravios em direção à Corte,

São Paulo e Bahia, quis atraí-lo para as casas de fundição. Para tal, promoveu o

estabelecimento da Companhia de Anicuns, elaborando um plano que impedia que o ouro

dali extraído escapasse das malhas do fisco. Além disso, introduziu, na Junta da Fazenda, o

pagamento da grande dívida ativa, através de bilhetes ou créditos.20 No entanto, essa

medida não correspondeu às expectativas do seu propositor, pois logo se estabeleceu a

agiotagem, que reduziu 75% do valor dos bilhetes; mesmo assim, havia poucos que

queriam fazer uso deles. Um empregado público a quem a Fazenda devia $200 ou $300 réis

de ordenados atrasados poderia requerer o pagamento em créditos junto à Fazenda. Com

isso, aquela repartição desonerava-se daquela dívida logo que o empregado assinava o

conhecimento. Porém, como não dispunha de ouro para ser fundido, ele vendia os bilhetes a

18 AHG − Documentação manuscrita, datilografada e impressa 1722-1973. Livro 132, ofício 2, de 23 de maio de 1825, p. 4. 19

Idem. 20 Idem.

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quem os tinha, recebendo a quantia de $075 réis pelos $300 que lhe era devido. Como a

Fazenda era a responsável pelo pagamento dos funcionários, o deságio deixava muito

pouco para o giro no comércio.21

Mesmo em se tratando de uma região privilegiada, onde em “se plantando tudo

dava”, mas onde a política tributária implantada “tudo tirava”, o lavrador de Goiás

não se atreveu de ordinário a plantar senão o que era absolutamente necessário para o sustento da sua família, a fim de não sacrificar (como pessoalmente ouvi a muitos) o pouco dinheiro que possuíam, e os ornatos de sua mulher e filhas que, na falta de pronto pagamento [do imposto do dízimo], eram arrebatados a fim de só terem o valor de ouro em pó.22

Sem dinheiro que promovesse o giro do comércio, as tropas de mulas xucras e as

cargueiras, abastecidas com mercadorias variadas, foram escasseando sua passagem pela

região. A quem vender mulas e como seriam comercializadas as mercadorias por elas

transportadas? A comerciantes que negociavam tudo a prazo, a agricultores em

dificuldades, a mineiros falidos ou a negociantes desonestos?

1.5 Os testemunhos dos viajantes Pohl, Saint-Hilaire e do tropeiro Guimarães

Esse quadro foi claramente percebido e abordado pelos viajantes do primeiro

quartel do século XIX, Pohl e Saint-Hilaire. Durante suas viagens pela província, eles

registraram os esporádicos encontros com tropas xucras e arreadas.23

21 Como uma rede que se alastra, comprometendo todos os estratos sociais, a questão do “pagamento em bilhetes”, proposta para solucionar os problemas da Fazenda, causava-lhe ainda maiores embaraços. Um contratador de dízimos, impossibilitado de quitar seus débitos para com a Fazenda Real, depois de ter todos os seus bens sequestrados, suplicava ao presidente da província que o pagamento do restante de seu contrato fosse feito nos referidos bilhetes do quinto. Ao apresentar a súplica à Coroa, o presidente declarou que, já tendo sido tomadas todas as providências cabíveis para sanar os débitos junto à Fazenda Real, restava aceitar o pagamento em bilhetes, ou proceder contra os fiadores do contrato. Estes, por sua vez, seriam despojados de seus estabelecimentos de agricultura para poderem pagar a referida quantia “porque nesta província são raros os agricultores que têm dinheiro (AHG − Documentação manuscrita, datilografada e impressa, 1722-1973. Livro 132, ofício 5, p. 2; AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, 1722-1973. Ofício de 30 de dezembro de 1825). 22 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, 1722-1973, Ofício de 29 de novembro de 1821, emitido pelo governador Manuel Inácio de Sampaio. 23 Ao examinar esses relatos, pretendia-se encontrar o rastro das tropas pelo sertão dos Goyazes, a regularidade e sazonalidade do movimento, bem como as características que pudessem elucidar um pouco

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No relato escrito por Pohl, referente à viagem que fez de Paracatu, no princípio de

dezembro de 1818, até Vila Boa, há pouquíssimas referências ao movimento de tropas. O

percurso foi empreendido na estação chuvosa, época em que os imprevidentes ou

desavisados permaneciam invernados à espera da melhoria do tempo para dar

prosseguimento à jornada. Mesmo viajando com uma tropa, guiado por um bom tropeiro,

as referências de Pohl são esparsas. Nas filigranas de seu relato, lê-se o encontro com o

“extraordinário” povo cigano, tangendo cavalos e burros, que, na opinião de Pohl, eram de

procedência duvidosa. Menciona, por exemplo, as “numerosas caravanas de burros que

chegavam com víveres das mais longínquas regiões e que mal davam para cobrir as

necessidades” (POHL, 1976, p. 128) da população. Porém, revela tratar-se de um fluxo de

movimento já extinto, no período da chamada “idade do ouro de Goiás”, um tempo

encoberto pela poeira do sertão.

Na sua passagem por Anicuns, Pilões e Rio Claro, Pohl não economiza adjetivos na

descrição das intempéries da viagem: caminhos escorregadios, escavados pelas fortes

chuvas, estradas pedregosas com as margens cobertas por matos, que eram abertos a golpe

de machado. Nesse trecho, surpreendentemente, pela primeira vez, desde que adentrara o

sertão goiano, depois de meses de viagem, ele encontrou uma tropa de burros tangidos que

seriam vendidos, na Bahia, por altos preços. O encontro com os tropeiros rendeu animação,

notícias e conselhos sobre a grande carência de víveres em Cuiabá, a flagrante miséria da

região e o desincentivo de prosseguimento de viagem para além de Rio Claro.

Na viagem empreendida ao Norte da província, mantém-se a narrativa de

decadência, aridez e abandono. A criação de gado no arraial de São Félix − assim como a

total escassez de milho − e em São João da Palma merece destaque: um considerável

rebanho de 4 mil cabeças de gado seria enviado à Bahia. Nesse percurso é constante o

relato de fazendas criatórias de gado, além da existência de reses soltas pelos campos. No

retorno a Vila Boa, Pohl registra o encontro, próximo a Cavalcante, com uma solitária tropa

de burros.

Saint-Hilaire empreendeu viagem em 1819 e adentrou Goiás depois de ter

percorrido Minas, província que usa como padrão de comparação com as demais regiões, o

mais sobre o tropeirismo goiano. Tanto Pohl quanto Saint-Hilaire descreveram regiões marcadas pela decadência e pelo isolamento.

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que logicamente é desfavorável a Goiás. O que de início chama a atenção em seu relato é a

observação feita logo que adentra a região goiana: o livro de registros acusa um período de

três meses sem nenhuma passagem de viajantes pelo local. Mesmo que se considere a

possibilidade da existência de caminhos alternativos, para evitar o pagamento de impostos,

é preciso reconhecer que, por tratar-se da estrada que fazia a ligação com o Rio de Janeiro,

passando por Minas Gerais, três meses era um tempo suficiente para se constatar o

isolamento da região. Imediatamente vem a pergunta: por onde andavam as tropas?

O viajante cita esparsos encontros com turmas de tropeiros e com uma numerosa

tropa de burros próxima aos arraiais de Jaraguá e Ouro Fino. Vila Boa é descrita como uma

região com considerável quantidade de lojas e vendas abastecidas por tropas vindas do Rio

de Janeiro. Outra referência a tropas é feita meses depois, quando, de volta a São Paulo,

cruzara com caravana de cem burros carregados de mercadorias variadas, vindas

diretamente da cidade de São Paulo em direção a Mato Grosso. Tratava-se da “primeira,

naquele ano” e avistada depois de meses de andanças pelo sertão goiano. Posteriormente,

no percurso de Meia Ponte, em direção ao Sul da província, Saint-Hilaire narra o encontro

com três tropas, a maioria dirigindo-se a Cuiabá.

A ausência das tropas pelo sertão goiano − ou, quando muito, o registro de suas

“passagens” em direção às províncias vizinhas − não se devia somente às dificuldades

impostas pelo comércio regido a vendas a prazo, ou aos caminhos e pontes intransitáveis. A

ordenação da região nas mãos de poderes locais e a forma como, por vezes, as elites locais

empregavam esse poder faziam por afastar ainda mais os tropeiros da região.

Senhor Redator do Matutina, Sou morador em Congonhas de Campos, Provincia de Minas, e

tenho a minha tropa de bestas muares, que conduzem cargas de aloguel da Corte do Rio de Janeiro para minha Provincia; e neste gênero de negocio a annos tenho adquerido a minha subsistência, exforçando-me por alcançar tão bem aquelle credito, e reputação pelo que almejão e aspirão os homens de bem. [...] aconteceu que em dias de abril do ano pretérito [1830] encontrei-me em o registro de Matias Barbosa com Antonio Nicolau da Silva, filho do Capitão João Nicolau da Silva, negociante e morador no Arraial de São José da Provincia de Goyaz, cujas cargas conduzia da corte Jose de Souza Vasconcellos; e como este não quizesse trazer as ditas cargas até esta Provincia, por ser a sua carreira somente a da Matta: aquelle se dirigiu pessoalmente a mim instando mesmo com súpplicas para lhas conduzir até aquele Arraial pelo preço de 20$ reis em prata por costal; quando se lhe dificultasse naquela espécie de moeda, sogeitou-se a pagar-me em moeda de cobre com o cambio, que corresse relativo a prata,

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o qual presentemente He de 50 por 100. Assim convencionados passei-lhe o recibo das cargas, as quais se achavam ainda em parte na Casa do dito Condutor, emprestando-lhe além disto dinheiro para pagar a José de Souza Vasconcellos, e para os seus arranjos, e despezas d’aquelle lugar ate a sua caza, de que me passou uma clareza de 600$ réis.

Chegando eu a São Jose com as cargas, depois de uma longa e penivel jornada, depois de ter sofrido mil incômodos pessoais, faltas gravíssimas de mantimentos, e prejuízos consideráveis, fui recebido com tiros de roqueiras e todas aquelas outras bazobas próprias de caloteiros; fui obzequiado, e tratado com grandeza, o que penhorou certamente minha gratidão, convencendo-me todas estas demonstrações de estima, de que tinha servido a hum homem muito de bem.

Porém, Senhor redactor, todas estas scenas agradáveis desapareceram, e cahiu por terra todo o bom conceito, que eu tinha formado do senhor capitão João Nicolau da Silva, logo que chegou o momento de ajustarmos as contas. Aqui, como lá dizeem, torce a porca o rabo. O celebérrimo Capitão João Nicolau da Silva, por desgraça Juiz de Paz da Freguesia de São José, homem cego, física e moralmente,a quem eu já tinha entregue as suas cargas (que tanto mal fiz) tendo já o seu coração envenenado pela negra e vilissima fraude, chama-me de parte, e com toda a miluria que lhe é própria, passando-me incivilmente as mãos pelos hombros me diz: “meu amigo, vossa mercê não ignore talvez os prejuízos, que tive neste negocio: meu filho os maiores empregos que fez na Corte, foram de partes, porque o nosso foi o mais limitado e diminuto; isto aqui para nós; realmente eu não tenho, nem sou o que inculco nessa terra: e portanto vamos aqui fazer hum cambalaxo vantajoso para nós ambos. Olhe, pago-lhe em cobres por não ter prata com o cambio de 20 por 100, fazendo certo em nossas contas que vossa mercê receber o emporte das Cargas em cobre com o cambio de 40. Ora, sendo eu o principal figurão desse lugar, e trazendo fexadas nas mãos, e dispondo a minha vontade as Justiças de Trahiras, qual será o temerário, que se anime a duvidar, que não seja isto verdade, hindo as contas assignadas por mim? Ei-los todos meu bom amigo pagando a vossa mercê pelo mesmo preço que eu declaro ter-lhe satisfeito.” Santo Deus! Que eu ouço da boca de um Magistrado, que deve ter a justiça, a equidade, e a inteireza por Norte de suas ações? Da boca de hum Negociante, que deve ser o symbolo da lizura, e da verdade? Cheio de espanto [...] respondi-lhe: “ Sr. Capitão, não posso convir em semelhante convenção vil, injusta e aladroada. Quando eu ajustei com seu filho o transporte de suas cargas, tratamos que o que elle devia pagar-me, isso me pagarião as outras partes, e nisto estou: e essa proposição desairoza que V. m. avança, além de ser imprópria á hum Juiz de Paz, ultraja-me, pois me considera tão velhaco como quem a propõe.

Assanhou-se o cego com essa resposta, e todos os testemunhos de estima, que elle antes dizia, se converterão logo em ódio, prometendo todas as maneiras de vingar-se e prejudicar-me já querendo que eu lhe pagasse fazendas molhadas em três dias mas sem avaria, ou algum dano; já mandando-me convidar para a sua meza a fim de insultar-me de palavras, ao que correspondi da mesma forma [...] finalmente pagando-me como quis a 20$ reis por volume em cobres sem cambio algum.

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32

Eis aqui Sr. Redactor, o bom homem que serve de Juiz de Paz em São José, e já foi Juiz de Orphãos, Ordinario, e não sei mais em o julgado de Trahiras; eis aqui o Despota, o Papellão daquelle lugar infeliz. Saibão todos que Pythio se acha em hum dos arraias dessa província. Saibão e acautelem-se. Outros e muitos fatos semelhantes a este poderia referir, se as maldades, injustiças de hum homem tão imoral não estivesse tão acima das minhas forças. Rogo[...] inserir na sua bem acreditada Folha, essas mal traçadas linhas[...]. Jose Soares de O. Guimarães.24

O relato do tropeiro Guimarães evidencia que o afastamento das tropas do sertão

goiano não deveu-se apenas ao refluxo econômico da região. Ao pequeno comércio, às

estradas intransitáveis, às privações de alimentos, acresce-se a dificuldade de estabelecer

acordo com os potentados locais. Nas minúcias do relato acima citado, percebe-se que

Antonio Nicolau da Silva, que negociara os víveres na Corte, não possuía tropa particular.

Além disso, não conseguira que o tropeiro que transportara a mercadoria até Matias

Barbosa seguisse viagem pelo sertão goiano. Ainda sem receber pelo serviço prestado, esse

tropeiro retivera parte da mercadoria em sua casa, de onde o dono da mercadoria só pôde

retirá-la depois de conseguir empréstimo com o novo tropeiro que contratara, obtendo,

inclusive, empréstimo para empreender a viagem volta para casa.

Feito o acordo sobre o preço a ser pago por costal25 transportado e o percentual na

troca de prata por cobre, Guimarães enfrentou diversos problemas e privações, todavia

pequenos, se comparados ao acerto final com o recebedor da mercadoria.

O relato evidencia que o juiz de paz de São José, detinha o poder jurídico e

comercial na região. Depois de suprimir o acordo anteriormente firmado, pagou como e

quanto quis. A divulgação do ocorrido no Matutina Meiapontense, nos pousos e centros

comerciais logicamente serviu como alerta a tropeiros que faziam a rota Corte-Minas-

Goiás-Cuiabá. Um quadro, entretanto, que os viajantes não retrataram.

1.6 A pecuária como setor produtivo por excelência

Diversas dificuldades, capitaneadas por fatores como impossibilidade de

escoamento da produção, política tributária, má administração, resistência dos lavradores

em produzirem além do necessário para subsistência, contrabando do pouco ouro extraído e 24 Correspondência publicada na Matutina Meiapontense, n 143, v. 2, p. 2-3, 26 fev. 1831. 25 Costal: carga dos burros. Cada costal levava um certo numero de arrobas (ORTENCIO, 1983, p.132).

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apatia do comércio, levaram à diminuição das rendas provinciais e ao escasseamento das

tropas de muares − o que, por sua vez, deixou a província em estado crítico. Tais fatores

suscitaram o afastamento dos comerciantes, tropeiros etc., ocasionando uma situação de

“caos, permanente e irreversível até que [...] os Administradores não forem pessoas

revestidas de alguma Auctoridade, e capazes de conciliar o respeito desses povos [...]”.26Na

província goiana, contrariamente ao ocorrido em Minas, a crise da mineração

desestabilizou o mercado interno, incapaz de se fortalecer por meio de atividades agrícolas

e comerciais. Diante desse quadro, restou à pecuária assumir o papel de geradora de riqueza

e acumulação de capitais.

Segundo Luiz Antônio Estevam (2004, p. 59), a interseção entre agricultura e

pecuária no Goiás oitocentista não pode ser vista como a de “setores produtivos em franca

contraposição”. Para esse autor, as duas atividades coexistiram no interior da fazenda

goiana, cuja unidade básica era a criação extensiva de bovinos, amparada pela

autossuficiência na produção de alimentos. Ainda que fossem atividades de subsistência,

elas se envolveram em especificidades que acabaram por hierarquizá-las. A precariedade de

vias de escoamento e a distância dos grandes mercados consumidores inviabilizavam a

produção em grande escala de produtos agrícolas para mercado. Por outro lado, na

pecuária, além de o boi autotransportar-se, havia maior liquidez do negócio.27

Ainda que não tenha sido capaz de promover um expressivo acúmulo de capitais em

Goiás, a mineração, segundo Estevam (2004, p. 29), abriu possibilidades aos negócios

internos, “ao engendrar um circuito interno regional de comércio”. Esse autor defende a

necessidade de analisar caso a caso o processo de acumulação interna na colônia, de modo

geral, e nas regiões mineiras, de modo específico. Isto porque, “nas minas mais

distanciadas – face o custo elevado do transporte –, lavoura e pecuária foram exploradas

26 AHG − Documentação manuscrita, datilografada e impressa, 1722-1973. Livro 132, ofício 4, de 28 de setembro de 1824, p. 12. 27 A submissão da agricultura à sazonalidade, além da necessidade de maiores investimentos financeiros e humanos, fez com que esta atividade não apresentasse “durante o processo produtivo, mercadorias que pudessem ser negociadas antes da colheita” (ESTEVAM, 2004, p.60). Contrariamente, a pecuária possibilitava ao criador, devido à existência de mercados intermediários e finais para o produto, a negociação de sua mercadoria em qualquer etapa do processo produtivo. Esses fatores seriam, na visão de Estevam, os causadores da primazia da segunda sobre a primeira. No entanto, cabe ressaltar que a agricultura goiana esbarrou, conforme será discutido no segundo capítulo, em uma política tributária por demais rigorosa, que funcionou como desincentivo à produção, além da enorme dificuldade de escoamento. Mesmo que dispusesse de mercados intermediários, a agricultura goiana teria de enfrentar uma política tributaria mais rigorosa que a mineira e a paulista, bem como o alto custo dos transportes para escoamento da produção.

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como atividades complementares, obrigando mineradores ao deslocamento de parte da

força de trabalho para o rodízio no setor” (ESTEVAM, 2004, p. 37). No entanto, ao se

examinar a situação do comércio, do ethos do minerador, do comerciante e da existência de

uma massa “de desclassificados sociais”, Estevam ressalta que, embora a extração aurífera

se mantivesse nos mesmos índices alcançados no apogeu do ouro, com a renovação da

escravaria, com o aumento da população da província em decorrência do crescimento

vegetativo e da imigração, ainda assim a agropecuária se manteria como atividade de

subsistência, permanecendo o comércio inter-regional de mercadorias nos mesmos níveis.

Mesmo que a extração aurífera não declinasse, esse setor produtivo estaria condenado em

função do seu modo de produção escravista. Para Estevam, esse fator impediu a

diversificação econômica e limitou o mercado interno.

Todavia, considerando-se as especificidades de Goiás e Minas Gerais, como analisar

a rápida reconversão econômica empreendida por Minas Gerais concomitante ao declínio

da mineração? Como avaliar, segundo Chaves (1999), o crescimento dos núcleos

produtores mineiros em período de franco declínio de extração aurífera? Como

compreender que a maior província escravista da colônia empregava a mão-de-obra escrava

em atividades outras que não “aquelas que davam sentido” à existência material da colônia

e ao próprio sistema mercantilista? Trabalhos como os de Alcir Lenharo, João Luiz Fragoso

e Claudia Maria Chaves podem auxiliar na resposta.

Lenharo (1979) enfoca a diversificação da economia interna mineira concomitante

ao abastecimento da Corte. Ressalta que a integração do mercado interno trouxe

implicações sociais, como a ascensão de grupos de produtores mineiros. Ao apresentar o

processo de abastecimento, engendrado em Minas por via de tropas, a organização dessas

empresas, como a complementação entre fazenda, rancho, vendas e pastagens que se

integram em serviço, esclarece que desse movimento surgiu o novo setor social oriundo da

produção e distribuição de gêneros, que se articulou politicamente e se projetou na Corte do

Rio de Janeiro.

Fragoso (2001) é também parte da corrente de autores que tenta retirar a dimensão

da plantation como chave para se pensar o Brasil. Mesmo com a reinserção do país no

comércio internacional por meio do café, esse autor enfoca a economia mercantil de

pequeno fluxo, situada dentro do circuito interno regional, mostrando a complexidade do

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cenário econômico e a dimensão de sua reprodução de forma mercantil. Uma das principais

questões debatidas por esse autor é a existência de um número cada vez maior de homens

livres e pobres que poderiam ser usados como mão-de-obra. Nesse sentido, a opção pelo

escravismo não decorre da ausência de mão-de-obra, mas da autorreprodução desse

sistema. Uma vez dada a ordenação escravista, os homens se comprometiam a defendê-la.

E, com base nessa perspectiva, a questão do escravismo foi menos de lucratividade e mais

de ordenação do sistema. A estabilidade das famílias escravas mineiras indica que o grande

número de escravos já não mais girava em torno da grande produção. Ao se tornarem

complexas, as relações revelam uma mudança no sistema de produção: na grande

propriedade, tal estabilidade não se fazia possível já que o escravo masculino era o único

que interessava.

Ao analisar as especificidades de Minas Gerais, vê-se que essa província se

especializa como centro de abastecimento e faz surgir uma economia fundada no mercado

interno. É uma nova forma de ordenação do mundo, embasada na malha de integração

interna, na organização da produção em pequenas propriedades, na diversidade da produção

e em uma nova forma de trabalho que mescla escravos, homens livres e trabalho familiar.

Ao despontar como região que porta um sistema de produção específico, o estudo de sua

economia é um convite que se estende às regiões próximas, como Goiás, por exemplo.

Considerando-se as diferenças regionais, ao se analisar a pujança mineira, questiona-se o

isolamento goiano. No entanto, esbarra-se novamente na questão das fontes. Os dados que

situam Minas Gerais como a maior província escravista do país, onde o maior contingente

de escravos não estava ligado ao sistema exportador cafeeiro, mas sim ao mercado interno,

apontam para o fato de que, apesar da hegemonia da produção escravista-exportadora, o

país não estava limitado à plantation. O convívio da produção escravista com outras formas

de produção indica que o abastecimento interno era feito, segundo Fragoso, por meio da

economia pré-capitalista.

Goiás, por sua vez, apresentava um reduzido número de escravos, mesmo

persistindo a cultura escravista. A abolição não havia extinto o modo como esses homens se

relacionavam, fazendo com que a lógica escravista reproduzisse sua dinâmica longe das

relações da plantation. É o que reforça Fragoso (2001, p. 132):

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Por sua vez, as formas de produção não-capitalistas [...] podiam estar ligadas entre si e com a agricultura escravista exportadora. Essas ligações, além de apontarem para a existência de um mercado interno de caráter pré-capitalista, podiam influir nas próprias condições de reprodução da agroexportação escravista, já que parte dos insumos e alimentos desta última eram produzidos em condições não capitalistas.

As interligações indicam que, em dada medida, a compra da farinha produzida no

mercado interno estava relacionada ao mercado externo. Essa interdependência afetava o

custeio do produto exportado e seu comportamento diante das flutuações do mercado

internacional. É a partir daí que se entendem as assincronias entre a economia escravista

interna e as variações internacionais de preços. O significado disso é que, em um dado

momento, poderia existir uma economia interna com um grau de rentabilidade maior do

que a externa, e o preço da farinha poderia estar afetando o preço e as condições de

produção do café. Tem-se aí um quadro de profunda complexidade. Esse mercado pré-

capitalista interno, suas relações entre si e com a empresa escravista exportadora, somadas

às demais relações decorrentes dos mecanismos de reprodução da agroexportação, criam

um amplo espaço para a realização de acomodações endógenas e propiciam, em dada

medida, uma acumulação interna, em razão da variação de ritmo e do nível de concentração

de riquezas (FRAGOSO, 2001).

A heterogeneidade do sistema, a lenta adequação entre as demandas de

modernização e as formas pré-capitalistas de produção, de certo modo, conferiam

resistência e autonomia ao setor exportador. Externamente havia crise e queda dos preços,

mas os homens continuavam produzindo e subsistiam porque estavam vinculados a

diversas outras formas de relações, na maioria das vezes não monetárias, que permitiam a

ordenação, o ganho e a reprodutividade do sistema (FRAGOSO, 2001).

Na análise que empreende sobre a economia mineira, Claudia Maria Chaves

apresenta dados que desmentem a ideia do fausto existente na primeira metade do século

XVIII em contraste com a decadência da segunda metade. Isso porque naquele momento

Minas experimentava o crescimento de seus núcleos produtores.

Segundo Chaves, desde o inicio da extração aurífera, já existia uma agricultura

mercantil vinculada ao abastecimento interno. Citando José F. Graziano da Silva esclarece

que, inicialmente, eram as pequenas roças que foram implantadas para dar sustentabilidade

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aos primeiros descobridores e mineradores. Posteriormente, surgiram as grandes fazendas

de abastecimento, que, frente à crise da mineração, passaram por grande expansão.

Seria impossível pensar que a capitania mineira tivesse sido abastecida pelas capitanias vizinhas até o momento em que a mineração entrou em declínio, e que a partir daí houvesse surgido uma agricultura capaz de reverter esse processo. Ou seja, que tivesse existido uma agricultura que abastecesse não só a própria capitania, mas também os seus antigos centros abastecedores como Rio de Janeiro e São Paulo. (CHAVES, 1999, p. 37)

Chaves acrescenta ainda que características peculiares possibilitaram a Minas o

surgimento de um grupo social, os tropeiros/proprietários de terras que promoveram

investimentos no setor de produção. Tal fato fez com que a crise do ouro não representasse

o declínio das atividades econômicas, mas sim uma nova etapa no crescimento da economia

mineira, mais voltada para o mercado interno e desvinculada da mineração.

A princípio, a comparação entre Minas e Goiás aponta para regiões mineiras que,

salvo a proporção dos índices de extração, compartilharam especificidades que permitem

um olhar para o conjunto. No entanto, a diferença existente entre a distância dos maiores

centros consumidores foi, indubitavelmente, um dos determinantes no processo de

reconversão econômica seguido por cada uma. A distância, a política tributária, por vezes

diferenciada, e sobretudo o sistema de arrecadação fiscal corrente em cada uma devem ser

considerados como elementos de grande relevância nos “caminhos” seguidos por cada qual,

no pós-declínio do ouro. Em comparação com a situação de Minas Gerais, os estudos

econômicos sobre o século XIX não deixam de mencionar os números de exportação de

gado. Embasado nas estatísticas do governador Caetano María Lopez, de 1825, Funes

(1986, p. 79) cita 4.800 cabeças exportadas por Goiás em detrimento das 67.731 cabeças

exportadas por Minas Gerais, em direção ao Rio de Janeiro.

Mesmo sendo atividade subsidiária à mineração, a pecuária desenvolveu-se em toda

a província goiana, especialmente na Comarca do Norte. Com o declínio das extrações

auríferas, o gado vacum tornou-se a principal mercadoria na pauta de exportação, mesmo

não chegando diretamente aos centros consumidores, devido à longa distância a ser

percorrida e à própria lógica da produção, em que ficava claro que as perdas de peso eram

significativamente menores caso o gado fosse tangido até as invernadas mineiras e

paulistas. Esse fato levou a Província de Goiás e a de Mato Grosso a se especializarem em

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produção e fornecimento de gado magro para Minas Gerais e São Paulo, onde, depois de

um período de engorda de aproximadamente um ano, era então enviado aos mercados

consumidores. Esse é mais um indicativo de que, tendo em vista as cifras exportadas por

Minas Gerais, e mesmo considerando o plantel mineiro, sabe-se que parte do gado

exportado para a Corte fora importado de Goiás.

No entanto, apesar do crescente número de bois anualmente exportados, para Minas,

São Paulo e Rio de Janeiro, a receita obtida com o imposto de exportação nunca foi

suficiente para equilibrar a balança comercial goiana, sempre deficitária e recorrente ao

poder central. A centralidade de Goiás e o fato de estabelecer limites com diversas regiões

poderiam ter-lhe angariado posição satisfatória no comércio interprovincial e,

consequentemente, na arrecadação de impostos de exportação, não fossem suas fronteiras

abertas que inviabilizavam o controle fiscal. Ali, o contrabando constituiu-se em prática

institucionalizada. Nas províncias beira-mar, diversas foram as medidas tentando obstá-lo;

nas do sertão, isto era praticamente impossível.

A documentação evidencia que os problemas com o contrabando foram recorrentes

durante todo século XIX.28 A saída de bois da comarca do Sul em direção aos mercados de

Minas e São Paulo fazia-se constantemente através de caminhos “não oficiais”. Do mesmo

modo, as tropas conduzindo os bois que deixavam a Comarca do Norte, geralmente em

direção à Bahia e Minas Gerais, dificilmente eram tributadas. No relatório de 1804,

apresentado pelo governador Francisco de Assis Mascarenhas (apud FUNES, 1986), consta

a exportação de 3.093 reses pela Comarca do Sul e 12.295 pela do Norte. Com as fronteiras

abertas e com as dificuldades de tributação no Norte, pode-se imaginar os números

exportados pela província durante todo o século XIX, e mesmo anteriormente, pelas vias do

contrabando.

No relatório da diretoria das rendas provinciais de Goiás, apresentado pelo diretor-

geral João Nunes da Silva em 1863, lê-se a extrema dificuldade de tributação e as

consequências do precário sistema de fiscalidade. Ao relacionar o número de coletorias e

recebedorias devidamente providas nas duas comarcas, a par da dificuldade em encontrar

homens “probos” dispostos a aceitar as nomeações para os respectivos postos de

28 Estevam cita a abertura de uma estrada pelo governo do Pará no final do século XIX, por meio da qual desciam boiadas do Maranhão e de Goiás sem que fosse possível controlar as mercadorias exportadas.

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administradores e coletores, o diretor-geral traça um quadro desanimador sobre a

fiscalidade na província. Informando ao presidente sobre o atraso de salário dos

empregados provinciais, em razão de circunstâncias diversas, evidencia a falta de

destacamento nas recebedorias e coletorias provinciais. Segundo ele, a retirada dos

destacamentos estava sendo prejudicial à província, pois, “de alguma sorte, evitavam a livre

entrada e saída dos criminosos e reprimia o contrabando que presentemente se faz na maior

escala”. 29 Os destacamentos eram pagos pelos administradores e coletores. O não

cumprimento por parte de muitos agentes fiscais impedia que os cofres provinciais

dispusessem de saldos para efetivar os pagamentos.

Se não se desse o contrabando do gado, essa verba de receita seria muito importante, pois é incontestável que a província exporta annualmente o duplo d’aquelle que é escripturado pelas estações arrecadadoras do respectivo imposto.30

Dez anos antes, a mesma justificativa fora usada por Felippe Antonio Cardoso de

Santa Cruz, provedor da Fazenda que assinou o relatório enviado ao presidente Francisco

Marianne:

Diz-se geralmente que, se as nossas rendas fossem bem fiscalizadas, a Receita da Província seria suficiente para fazer face às suas despesas; porém deve-se attender que as causas, que embaração a fiscalisação não podem ser de prompto destruídas, pois que nos corpos sociaes, como no corpo humano, quando o mal é inveterado, os mais heróicos remédios não produzem prompta cura, e assim apenas se pode esperar um melhoramento lento e gradual.31

Mesmo trazendo parcas receitas para a Fazenda goiana, a pecuária foi uma atividade

importante sobre a qual muitos documentos fazem referência. Mas quem eram os

tangedores dessas boiadas? Qual era sua denominação e que papel exerceram na formação

econômica e social da província de Goiás?

29 AHG. Documentação Avulsa. Atos – Decretos – Estatutos – Regimentos – Leis – Mensagens e Constituições. Caixa 1. Relatório da Diretoria das Rendas Provinciais de Goiás. 30 Idem. 31 AHG – Documentação avulsa. Atos – Decretos – Estatutos – Regimentos – Leis – Mensagens e Constituições. Caixa 1. Relatório da Diretoria das Rendas Provinciais de Goiás – 1853.

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1.7 Os tropeiros-boiadeiros

As tropas construíram uma história mais abrangente do que se julga. No comércio,

nas relações interpessoais, na implantação de cidades a partir de precários pousos existentes

ao longo das rotas estabelecidas − ou não −, na divulgação de notícias e costumes etc., os

tropeiros-boiadeiros de Goiás conheceram e percorreram palmo a palmo esses sertões. E, ao

fazerem-no sequencialmente aos bandeirantes, proveram a região com os mais variados

víveres e mercadorias imprescindíveis à sobrevivência nas minas. Além, é claro, de

cuidarem do escoamento do ouro aqui extraído. Posteriormente, foram também eles que

tangeram as boiadas rumo às invernadas de Minas Gerais, São Paulo e Bahia. Montados no

lombo de burros, pacientemente conduziram bois, transportaram fumo, marmelada,

algodão, couro, sal, ouro, ideias, notícias, costumes, moda e culinária. Ao incrementarem o

comércio, aperfeiçoaram o contrabando, mas, acima de tudo, romperam o isolamento da

região e encurtaram as distâncias.

Tendo como eixo central as variações de sentido específico e genérico do termo

“tropeiro”, ao estabelecer os diferentes tipos de funções, bem como a ampliação do

conceito no decorrer do século XIX, busco elucidar a maneira como esse ator é configurado

na documentação do Arquivo Histórico de Goiás, no relato dos viajantes e na cultura

popular. Quero compreender também o emprego do termo “tropeiro-boiadeiro”, em seu

sentido histórico ou contraventor, com um recorte espaço-temporal. Afinal, o transporte, na

época enfocada, era feito exclusivamente através das tropas de muares, e a receita

provincial tinha no boi a principal mercadoria de exportação, razão pela qual considero

relevante a discussão sobre os atores imiscuídos nessas transações.

Tropeiro ou boiadeiro? Condutor de tropas ou exportador de bois? Negociante ou

contrabandista? Essas dúvidas perpassam a historiografia e a mente do pesquisador que, ao

lidar com a diversidade de fontes – orais e escritas –, se depara com uma gama de

substantivos e adjetivos. Com isso, forma-se um mosaico de representações e

autorrepresentações que envolve esse ator histórico e determina a produção de identidades,

estereótipos e preconceitos.

Moacir Flores (2000), citando a edição de 1861 do dicionário de Eduardo de Farias,

define “tropeiro” como o homem que viaja com cavalgaduras de carga, o mesmo que

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recoveiro ou almocreve.32 No dicionário de regionalismos do Rio Grande do Sul, tropeiro é

o condutor de tropas de gado, de éguas, de mulas ou de cargueiro; aquele que ajuda a

conduzir a tropa. Na verdade, o tropeiro é um agente comercial que utiliza o muar para

transportar mercadorias variadas (cargas secas e molhadas); em outros casos, o muar é a

mercadoria. No início da extração aurífera, o tropeiro fazia o abastecimento das minas,

comercializando gêneros importados, vindos principalmente dos portos do Rio de Janeiro e

São Paulo. Segundo Chaves (1999, p. 51), posteriormente, quando se deu a estabilização da

produção agropecuária e do abastecimento interno, “os grandes proprietários rurais

passaram a contar com suas próprias tropas de muar”. Os tropeiros/proprietários dispunham

de tropas particulares e empregados incumbidos do transporte de suas produções. Os

pequenos e médios proprietários faziam eles próprios a condução de suas produções.

No livro de registros do presídio de Rio Grande, datado de março de 1739, os

tropeiros Diogo Correia e Francisco Cunha solicitam a D. Luís de Mascarenhas, governador

da capitania de São Paulo, licença para transportar cavalarias e gados para São Paulo e

Minas Gerais. Em tal documento, o termo “tropa”33 refere-se ao rebanho de equinos e

vacuns, sendo “tropeiro” empregado para designar o proprietário da tropa. Por sua vez,

aqueles que conduziam os animais eram os peões (FLORES, 2000, p. 203). Em outro

documento datado de outubro de 1739, também citado por Flores, o termo “tropa” refere-se

ao rebanho de potros e bestas, enquanto tropeiros seriam os proprietários que despachariam

os animais.

Cabe lembrar que Pohl diferenciava as atribuições do tropeiro e do arrieiro durante a

organização de sua viagem exploratória: o tropeiro estava sob as ordens do arrieiro. Cabia a

este último governar toda a caravana, montado a cavalo atrás de todos. Era o arrieiro quem

cuidava das cargas, das ferraduras, da forragem dos animais, da organização das jornadas e

da indicação das passagens. Geralmente mulatos, eram guias que já tinham pousadas certas,

não aceitando alterações nas rotas. O naturalista ressente-se por não poder contratar um

32

Recoveiro:aquele que recova; que transporta mercadorias ou bagagens de um lugar para outro;almocreve. Almocreve: homem que aluga e conduz bestas de carga; arrieiro. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx>. 33 No Uruguai e nas províncias de Entre Rios e Corrientes, o termo “tropas” designava um conjunto de animais que se transportava de uma parte para outra ou que levava a carga. É quase exclusivamente usado para gado vacum, tangido para as invernadas ou para o matadouro. Na região andina, o termo designava as mulas carregadas de mercadorias; em Tucumã e no interior da Argentina, referia-se às carretas que viajavam juntas.

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desses guias, sendo obrigado a formar ele próprio sua caravana na qual estavam presentes

um criado europeu, um tropeiro, dois nativos assalariados que se encarregavam de cuidar

das bagagens e de três muares.

Saint-Hilaire, por sua vez, refere-se ao seu arrieiro José Mariano, descrito por suas

esquisitices e seu temperamento insuportável, deixando frequentemente de cumprir suas

obrigações. Homem de habilidade fora do comum e bastante inteligência, mereceu certa

estima por parte do francês, que, no entanto, reclama ser impossível encontrar no Brasil um

arrieiro que se apegasse ao seu patrão. Em razão de serem mestiços, esses homens tinham,

na visão de Saint-Hilaire, a inconstância inata dos negros e dos índios. Faltavam-lhes

princípios morais básicos, e a maioria não tinha família. Nômades, não conseguiam

sujeitar-se às imposições, preferindo mudar constantemente de trabalho.

O francês narra que, nas proximidades de Rio Claro, os diamantes ali encontrados

eram vendidos aos comerciantes de Vila Boa e, mais frequentemente, aos tropeiros que

faziam a rota Mato Grosso e Bahia, bastante habituados a esse comércio. A administração

provincial fechava os olhos a esse contrabando, e o próprio governador fingia ignorar que

existissem riquezas no Rio Claro. Tudo o que aparentemente se exigia dos contrabandistas

era um pouco de prudência. A extração de ouro era inteiramente livre e, ao procurá-lo, os

garimpeiros encontravam diamantes. Como a região não produzia víveres, esses eram

geralmente levados de Vila Boa por negociantes que os revendiam por preços exorbitantes.

Saint-Hilaire relata também a passagem pela região do comendador Joaquim Álvares de

Oliveira, que havia acabado de enviar o genro a Cuiabá com uma numerosa tropa carregada

de variadas mercadorias. Produtor de açúcar e cachaça, vendia a produção em Meia Ponte e

Vila Boa. No entanto, o algodão por ele produzido era exportado para o Rio de Janeiro.

Refere-se também a um encontro com mercadores que percorriam as fazendas levando

cobertores, chumbo e outros artigos, para serem trocados por boi. Os objetos eram

comprados todos os anos, no distrito de Araxá. Ali, o gado adquirido nas transações

comerciais era posto a engordar e depois vendido aos mercadores da comarca de São Paulo.

Flores (2000) relata a viagem do príncipe Maximiliano ao Brasil, no período de

1815 a 1817, quando precisou contratar um tropeiro ou arrieiro, para carregar e descarregar

as mulas em cada pouso. Freyiss, em 1814, empregou o termo “tropeiro” para designar

tanto o condutor e alimentador dos animais quanto aquele que carregava e descarregava as

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mercadorias, além de andar pelos campos em busca das mulas fugidias (FLORES, 2000, p.

205). Ainda segundo esse autor, Debret usou o termo “tropeiro” e comerciante nômade,

para designar aqueles sujeitos que conduziam tropas de mulas em Minas Gerais, São Paulo,

Goiás, Cuiabá e Curitiba, levando o abastecimento para as lojas do Rio de Janeiro.

Nas tropas de mulas cargueiras, os proprietários eram os grandes fazendeiros e os

tropeiros profissionais. Muitos fazendeiros mantinham um número suficiente de muares

para o transporte de sua produção – basta lembrar na historiografia goiana o comendador

Joaquim Álvares de Oliveira e o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes –; outros

contratavam tropeiros profissionais. Cada tropa tinha seu capataz, que acompanhava a

viagem e fazia as transações comerciais. João Cezimbra Jacques, em 1883, descreveu o

tropeiro quando tratou da formação da tropa de gado que seguia em direção a uma

charqueada. O tropeiro contratava um capataz e seguia para as fazendas onde comprava

novilhos e vacas gordas, acertava o preço, apartava os animais, formando tropas de

quatrocentas a setecentas reses. Percorria várias fazendas até completar a tropa. Ao chegar

à charqueada, recebia o salário do patrão charqueador (FLORES, 2000, p. 203).

O depoimento de Getúlio Vargas de Castro, filho de boiadeiro, que em torno de

1945 acompanhava o pai na compra de bois para as charqueadas de Araguari (MG), é

bastante esclarecedor:

Meu pai era chamado de Boiadeiro, mas o que é que ele fazia? Ele, na maior parte do tempo, mascateava tourinho, boi Gyr. Na outra parte, ele fazia o trabalho de adquirir bois para a charqueada de Araguari. Araguari era muito importante nesta época, mais importante que Uberlândia [...]. Araguari tinha duas ou três charqueadas. A gente chamava de charqueada, mas eram frigoríficos, esses frigoríficos que hoje nós temos aí né? Matavam muito, muito gado, sabe? Eram centros que industrializavam a carne para vender. A industrialização era por um processo primário ainda, mas eles já não vendiam a carne simplesmente retalhada não. Eles tinham algum processo de industrialização, de conservação e tal. [...] Essas charqueadas davam um movimento muito grande ali. Então o meu pai comandou, por algum tempo, essa aquisição de gado para as charqueadas de Araguari. Os donos davam o dinheiro, meu pai saía comprando o gado e depois entregava, prestava conta, ganhava ali a comissão que ele tinha que ganhar; eu, já era menino assim de uns 10, 12 anos naquela época e nas épocas de férias eu saía com meu pai. Ia a cavalo. Eu ficava doidinho para chegar as férias para sair com meu pai. E meu pai era um homem muito sensato, um homem que, apesar de não ter estudado, ele tinha sabedoria da experiência da vida.

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[...]Ele comprava os tourinhos que vinham normalmente de Uberaba. Uberaba era o centro de raças zebu e que ofereceu muito boi reprodutor para formar o rebanho de Goiás. Meu pai era uma dessas pessoas que comprava lá e vinha vender aqui. Agora, nessa outra atividade que eu te falei, meu pai comprava gado de corte, comprava boi de boiada, que era diferente. Aí comprava nessa região de Corumbaíba pra frente, nessa região aqui em Goiás e levava pra Araguari. Normalmente, chegava lá e ficava ainda um seis meses no pasto pra ganhar caixa, porque os bois eram levados assim, não estavam em condição de morrer. Mas a charqueada tinha os pastos preparados, aguardando a boiada. [...] depois de ser abatido, essa carne saía do Estado através de caminhões, [que] nessa época já existiam, já tinha esse transporte lá. [...] mas para Araguari, onde eles iam ser abatidos, o boi ia mais por tropa.[...]O trem não levava mais do que 20%. Não era mais que isso. (GARCIA, 2006)

Em Mangaratiba, Moreira Filho (1994, p. 35) refere-se à “tropa que ia andando por

aquelas gerais sem fim. As bruacas batendo! Os ipês floridos!...Eh! tropa boa!”. Ali fica

claro que os tropeiros levavam sal e ferramentas para a fazenda. Seguiam pelo sertão onde

“às vezes não se ouvia nada![...] Apenas aqui, acolá [...] um aboio triste e plangente de um

vaqueiro: Eêêê!... Bô-ôi [...]”. Por essa descrição entende-se que o grupo tangia bois,

também levava medicamentos e sal nas bruacas. Os sujeitos que seguiam na tropa eram os

tropeiros; quando, porém, se refere aos aboios, credita-os aos vaqueiros.

O que parece claro é que, em Goiás, as boiadas eram tangidas por condutores, peões

ou vaqueiros. Porém, junto aos bois seguia a tropa de muares carregada de mercadorias que

abasteciam a fazenda, ou mesmo de víveres e utensílios de cozinha para a manutenção dos

peões durante a viagem. Tropa e boiada seguiam juntas, daí a referência à figura do

“tropeiro que levava boi” feita por João Bernardino Sobrinho:

Meu pai era tropeiro de Alfenas (MG) e levava boi pra Mendes (RJ). Veio pra Goiás e começou a levar boi pra Barretos.[...] Eu comecei acompanhar meu pai com 7 anos e com 15 já tinha minha tropa e comitiva.[...] O que eu tenho, ganhei com isso.

O ex-comissário relata que começou acompanhar o pai aos 7 anos de idade:

Tinha muito boi. Não tinha lavoura. Aqui era gado só. Meu pai não comprava só aqui, mas também em Paraúna, Goiás Velho, por aí tudo e muitas vezes comprava no Norte de Goiás.[...] Com 15 anos já tinha meu negócio de tropas. O boiadeiro vinha de São Paulo, comprava a boiada do produtor e vinha na gente, que era comissário, e ajustava pra levar os bois. Com isso eu aprendi e passei a comprar o boi. Comprava a prazo, mil, dois mil bois e levava pra vender em São Paulo.Comprava boi com 3

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anos de idade e vendia pros invernistas que ficava com ele mais seis a oito meses pra depois matar.[...] Chegava lá, entregava a boiada e ajustava um caminhão pra trazer nóis. Aí vinham tocando a tropa. Os peão vinha de caminhão e ficava um que vinha trazendo a tropa de burros. Gastava oito dias pra chegar. Nisso já tinha outra tropa pronta pra sair. Não ficava esperando aquela tropa chegar. (GARCIA, 2006)

Os depoimentos do ex-comissário referem-se às boiadas que deixavam Goiás em

direção a Minas e São Paulo em meados do século XX, No entanto, trata-se de uma

atividade já em uso desde meados do século XIX.

Em Tipos e aspectos do Brasil, Elza Coelho de Souza aborda algumas regiões

produtoras de gado vacum: o Triângulo Mineiro, o Norte de São Paulo, o Sul de Mato

Grosso e Goiás. Nessas regiões, o boiadeiro era figura constante, por ser o comerciante de

gado, o intermediário entre os fazendeiros criadores e os invernistas. Esses homens

promoviam constantes viagens até as zonas criatórias de Goiás e Mato Grosso, Paracatu,

Sul e sudoeste de Minas Gerais em busca de gado com três anos de era. Por vezes

efetuavam a compra e contratavam homens especializados para conduzir as boiadas. É aí

que aparecia a figura do condutor de tropa ou de boiada.

O gado comercializado era vendido pelos boiadeiros aos invernistas, pois, “após os

dias de longa e penosa caminhada, não se encontra em condições econômicas de ser

abatido” (SOUZA, 1975, p. 457). Assim sendo, permaneciam nas invernadas de dez a doze

meses quando, findo o tempo de engorda, eram vendidos aos matadores, frigoríficos e

charqueadas. A variação de preço do gado decorria do peso: quando negociado magro, o

preço variava de acordo com “a caixa”, capacidade de engorda do animal, ou era

determinado por cabeça. De abril e maio, devido à abundância de pastos, esse comércio era

intensificado, o que aumentava consideravelmente o movimento das boiadas pelas

“estradas boiadeiras goianas e mato-grossenses”.

Às vezes, o boiadeiro era o recriador de gado. Depois de comprar os animais,

geralmente com um ano de era, levava-os até suas próprias invernadas, recriava-os por três

ou quatro anos, quando então vendia-os aos mercados consumidores. Souza salienta

também uma outra atividade dos boiadeiros: a compra de reprodutores zebu, diretamente

dos criadores de gado fino do Triângulo Mineiro, para vendê-los aos criadores mato-

grossenses e goianos. Esses homens dirigiam-se às fazendas do interior tangendo

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reprodutores e de lá retornavam conduzindo grandes boiadas para corte. O depoimento de

Getulio Vargas de Castro, anteriormente citado, corrobora com essas informações.

No início do século XIX, o boi já havia se firmado como importante fonte de receita

provincial. Funes (1986) cita as vilas de Flores, Conceição, Arraias e São João da Palma

como as únicas onde as exportações superavam as importações. Eram regiões produtoras de

boi cuja exportação era destinada à Bahia. No entanto, ainda no primeiro quartel do século

XIX, as áreas cultiváveis de Minas Gerais já haviam sido ocupadas, o que levou os

criadores a cruzarem a fronteira goiana e a se estabelecerem principalmente no Sul e

sudoeste da província, sendo logo seguidos pelos paulistas. Essas regiões passaram a

manter um vínculo comercial com Minas e São Paulo, o que alterou significativamente o

processo de comercialização do boi.

No século XIX já se encontra em Goiás a figura do boiadeiro, comercializando e

conduzindo os animais até a região de abate.34 A exemplo do ocorrido em Mato Grosso, os

boiadeiros do século XIX foram sucedidos pelos condutores do século XX. Além desses

dois atores históricos, havia também comissários e peões, todos envolvidos nas viagens,

tangendo boiadas.

As fazendas no Sul e sudeste goiano organizaram sua produção em função da cria e

revenda de boiadas. Nesse processo de produção fez-se necessária a ordenação das

comitivas responsáveis pela condução dos rebanhos até as invernadas de Minas Gerais e

São Paulo. Em decorrência das péssimas condições das estradas, os comerciantes de

animais enfrentavam inúmeras dificuldades tanto para alcançar as regiões produtoras

quanto para dali tanger os animais comercializados. À medida que a atividade criatória foi

se estabelecendo, configuraram-se, a exemplo de Mato Grosso, as estradas boiadeiras. No

estudo sobre o crescimento da pecuária mato-grossense, relativa ao primeiro quartel do

século XIX, Goulart (1965, p. 43) ressalta que

a falta de compradores levava a que os fazendeiros mato-grossenses organizassem grandes boiadas de – mil a quatro mil cabeças – que

34 Citando um trecho de Visconde de Taunay referente à guerra contra o Paraguai, Fernando Leite (2003, p. 79) indica a presença dos boiadeiros em Mato Grosso e Goiás: “só tínhamos notícia do resto do mundo por algum boiadeiro de Goiás, pois a correspondência oficial e particular se estava acumulando, malas e malas, em Santana do Paranaíba pela economia que o governo julgara devia fazer suprimindo o estafeta encarregado de servirem às forças" (apud LEITE, 2003, p. 79).

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tangiam em lotes espaçados, para o leste, a fim de negociá-las em Minas Gerais. As levas tomavam o caminho de Uberaba, através de Santana do Paranaíba, ou mais ao Norte cortando por Jataí [...].

Devido à dificuldade de escoamento do boi e às grandes perdas durante a viagem,

fica evidente que somente os criadores mais abastados e possuidores de grandes rebanhos

tinham condições de promover esse comércio. É aí que entra a figura dos boiadeiros que se

dirigiam aos currais de onde retiravam o gado e o levavam, por sua conta e risco, até os

mercados mais próximos. Em Goiás se firmou a figura do boiadeiro que se dirigia até os

produtores nas fazendas ou nas feiras, realizadas anualmente em Bonfim e Taguatinga, para

aquisição do gado.

O gado produzido na Comarca do Norte seguia em direção aos mercados da Bahia,

Pará e Maranhão. O Sul recebeu criadores do Triângulo Mineiro, que se instalaram na

região e passaram a enviar os seus rebanhos para os centros consumidores. Paulatinamente

toda a região tornou-se produtora de gado magro para as invernadas de São Paulo e Minas

Gerais e, a exemplo de Mato Grosso, como salienta Leite (2003), caracterizou-se como

região exportadora periférica do sistema capitalista, pelo menos até o início do século XX.

À medida que as transações comerciais intermediadas pelos boiadeiros aumentaram,

esses comerciantes deixaram de conduzir pessoalmente as boiadas por eles adquiridas. Para

isso, passaram a contratar os condutores, homens oriundos das fazendas criatórias e das

comitivas treinados para conduzir as boiadas. Tal função não implicava a posse de grandes

capitais para a aquisição dos animais por eles conduzidos.

Em O Brasil do boi e do couro, Goulart cita um documento datado de 1865, em que

os boiadeiros são classificados em quatro classes: os de primeira classe dirigiam-se com

suas tropas até os criadores onde compravam de quinhentas a mil cabeças destinadas a

Uberaba, Paracatu, Araxá, Desemboque etc.; os de segunda classe compravam os animais

nos centros produtores, tangiam-nos até as invernadas onde permaneciam até um ano para

engorda; os boiadeiros de terceira classe adquiriam o gado de dois invernistas e o vendia

nas zonas de abate; os de quarta classe adquiriam os animais dos boiadeiros de terceira

classe e vendiam a carne aos açougues (GOULART, 1965, p. 156).

Conforme esclarece Goulart (1965, p. 157),

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o boiadeiro era um intermediário, quer como vendedor, quer como comprador. Não se pode ver nele o homem da lida do gado, permanente nos afazeres dos estabelecimentos de pastoreio, como o vaqueiro, o peão. Nas suas andanças fazia-se acompanhar de auxiliares, os chamados tangerinos, executores das tarefas menores como as de tanger as manadas, levá-las às aguadas, fiscalizá-las nos pousos etc.

Os tropeiros também são classificados, segundo Maria Sylvia de Carvalho Franco

(1983) em duas categorias: os negociantes de animais e os condutores de tropas. Os

primeiros possuíam um certo patrimônio e atuavam na busca de animais nas zonas

criatórias para vendê-los nas feiras, nos mercados urbanos ou diretamente nas fazendas. A

ligação entre esse tipo social e o fazendeiro era, portanto, uma relação de mercado, mas a

autora chama a atenção para a dependência que se estabelecia entre as partes: durante o

processo de abertura da fazenda, o fazendeiro era a parte dependente, devido à necessidade

de fornecimento de animais a preços acessíveis. À medida que a fazenda se estruturava, era

o tropeiro que se tornava dependente, pois, vindo de regiões distantes, necessitava de pastos

e alojamentos para os animais. Assim, solicitava ao fazendeiro pastagens e acomodações na

fazenda durante sua estada na região. Enquanto ali permanecia, negociando seus animais, o

tropeiro ensinava a amansar animais, além de servir de escudeiro nas viagens. Vendida a

tropa, o tropeiro voltava a readquirir sua autonomia, mas, no ano seguinte, retornava àquela

região, refazendo seus laços de dependência e suas obrigações para com o fazendeiro. Para

Carvalho Franco, esse vínculo era necessário para a subsistência e realização das metas

propostas pelo tropeiro.

O condutor de tropas é descrito, como aquele que transporta a mercadoria e se

apresenta tanto como aquele que mantém a tropa de aluguel (mais ligado às cidades e vilas)

quanto como camarada da fazenda (integrante do quadro de pessoal da fazenda, ficando a

maior parte do tempo nas estradas). O fazendeiro entregava o café aos agentes

intermediários, negociava com as casas comissárias ou contatava diretamente as firmas

estrangeiras. Essa é a razão pela qual os condutores de tropa faziam pequenas viagens, ou

então levavam grandes caravanas por longos caminhos. A eles poderia ser atribuída

também a função de realizar as transações com os consignatários. Depois de entregarem a

mercadoria, retornavam para a fazenda munidos de suprimentos.

Mesmo nos casos em que eram donos do próprio negócio de aluguel de tropas, o

laço de dependência que se estabelecia com o fazendeiro dava-se em função da própria

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profissão de tropeiro. Afinal, era ele quem conhecia os caminhos, podendo, conforme a

necessidade, desaparecer com rapidez. Era também o elemento apto a fazer “serviços” sem

deixar vestígios, razão pela qual era escolhido para atividades de pistoleiro.

Os comissários eram contratados por fazendeiros locais para “levar” as boiadas −

formadas por mil a 1.500 bois − até o local de abate ou para os invernistas (que ficavam

com o boi, durante um ano, para engorda). No decorrer do ano eram realizadas

aproximadamente dez a doze viagens, nas quais os “pousos” eram previamente definidos.

Um dos entrevistados desta pesquisa, o goiano Israel Júlio da Cunha, 77 anos,

iniciou o trabalho com as tropas como capataz e aos 15 anos adquiriu uma tropa de burros e

formou sua própria comitiva. Tropeou até por volta de 1960, levando boiadas do Sul de

Goiás até Barretos (22 marchas), Araçatuba (40 marchas), Presidente Prudente, Pereira

Barreto (45 marchas). Esse comissário também buscava bois em Goiás Velho para levá-los

a São Paulo. Israel conta:

[...] eu mentia tanto, o número de boi, pra pagar aluguel de pasto barato, que um dia tinha um dono da terra onde nós paramos que falou: “Olha, xará, daqui uns dia vocês vêm lá de Goiás passear aqui em São Paulo, sem nenhum boi”.

Quanto ao relacionamento de comissários e peões, Israel considerava-o tenso:

Tinha briga sim. Eu falava duro. [...] uma vez contratei um cozinheiro que só fez uma viagem comigo. Depois prenderam ele e eu fiquei fornecendo ele de dinheiro na cadeia. Porque fui eu que informei ele pra matar um. Porque “eles” falô que precisava matá e eu falei: “Não dá conta. Quem dá conta é só o Jerômo. Tem de chamá ele”.[...]Eu informei dele e “eles” contrataram ele. Ele custou a matar, mas matou. Depois foi preso. Na cadeia, quando precisava de dinheiro, procurava era eu, que conhecia ele e eu pegava e arrumava porque ficava com medo.[...] Nessa lida precisava ter uns peão bravo.

Tal depoimento não é corroborado pelo também ex-comissário João Bernadino

Sobrinho, para quem o ambiente das tropas era sadio, de gente direita e honesta: “Em todo

lugar tem confusão.Tem o que presta e o que não presta. Tem o bom e o treteiro. Tem os ladrão. Era

só não emaná [irmanar] com eles”.

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Na discussão sobre a probidade do tropeiro e do boiadeiro, cabe ressaltar que a

historiografia tropeira enaltece seus feitos e atribui-lhe aura de herói. Suas estórias são,

frequentemente, acompanhadas pelos adjetivos “corajoso” e “honrado’; seu espírito

aventureiro e desbravador eleva-o à categoria do bandeirante ou do cowboy Norte-

americano. Pela própria lida era-lhe imperativo que dispusesse da confiança de fazendeiros

ou produtores para os quais fornecia animais, conduzia víveres, ou escoava a produção,

quer se tratasse do ouro, do boi, de mulas ou algodão. Em suas mãos eram depositados altos

valores a serem transportados. Porém, há documentos em que os tropeiros e boiadeiros são

tratados como persona non grata pelas autoridades governamentais.

Por ocasião da “Rebelião” pernambucana de 1817, em documento enviado para a

Secretaria de Negócio do Reino, o então governador da Província de Goyaz, Ferando D.

Freire de Castilho, informa que, ciente da rebelião, tomara todas as medidas para serem

“aprehendidas quaisquer pessoas das que suspeitassem fugidas da Rebelião [...]”. Já havia

inclusive remetido o Real Aviso ao governador de Mato Grosso informando-lhe sobre o

ocorrido. Segundo o governador, mesmo estando “sem esempulo sobre algum dos

criminosos, que podesse passar antes da recepção do dito Real Aviso” e convencido da

fidelidade dos povos que governava, havia expedido a ordem que deixava ver a cópia

inclusa,

tanto para obstar as noticias, que podessem chegar, transmittidas por pessoas mal intencionadas, como por aquellas, que não tem critério algum, quais são todas as que andam com Tropas, que ordinariamente seguem dos Portos de Mar para esta Capitania; [...].35

O Matutina Meiapontense traz a decisão do Conselho do Governo, datada de março

de 1831, em que, atendendo ao pedido do juiz de paz de Natividade, o governo enviaria

para a região a Companhia de Porto Real, não somente para fortificar os registros, mas,

sobretudo, impor maior respeito e obstar a entrada dos “tropeiros que cruzavam as

fronteiras procedentes do Piauhy e Pernambuco”. Vindo em busca da compra do gado,

entravam nas povoações armados de bacamartes e pistolas, tramando, fazendo desordens e

35 AHG − Documentação manuscrita, datilografada e impressa, 1722-1973. Livro 63, ofício 5, p. 15.

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sem nenhum respeito às autoridades. As providências faziam-se necessárias por estar “o

extremo da Comarca do Norte, assaz exposta”.36

Os atravessadores e condutores de víveres também eram vistos com certa restrição,

e contra eles, por vezes, foram expedidas medidas precatórias para evitar a carência de

alimentos em Vila Boa. Os atravessadores adquiriam gêneros dos agricultores e dos

tropeiros para revendê-los posteriormente. Em uma sociedade com escassez de

mantimentos, a estocagem forçava a alta dos preços. A Assembleia Legislativa Provincial

de Goiás, sob proposta da Câmara Municipal de Vila Boa, decretou, em 1838, medidas que

impediam a carestia ou a falta dos gêneros comestíveis e outros objetos. Em face dessa

situação, expediram-se leis contra a ação dos atravessadores e condutores de gêneros

comestíveis – tropeiros –, segundo as quais todos aqueles que conduzissem mantimentos e

objetos de abastecimento público, logo que chegassem à cidade, deveriam dar parte ao juiz

de paz sobre a quantidade e qualidade dos mantimentos que portavam, bem como sobre o

preço de venda do produto.37

As penas impostas contra atravessadores e condutores de viveres que praticavam a

especulação, além da recompensa – de 50% da multa a ser paga pelo contraventor –

oferecida aos denunciantes, são mostras de que as autoridades, como evidencia também o

documento anteriormente citado, não viam sempre com bons olhos esses homens “mal-

intencionados” que transmitem notícias e que “[...] andam com Tropas, que ordinariamente

seguem dos Portos de Mar para esta Capitania;[...]”. Apesar das restrições, é evidente que

também dispunham de certa confiança por parte das autoridades, visto serem eles também

condutores responsáveis pelo transporte dos dinheiros enviados da Corte para os governos

provinciais.

36 Ver Matutina Meiapontense, n. 148, v. 2. 37 Diante disso, o juiz expediria ordem por escrito para expô-los à venda por 48 horas perante o fiscal. Findo esse tempo, a autorização poderia ser renovada pelo mesmo período, “se as circunstâncias permitissem [...] para, no caso de assim lhes aprouver, fazê-los vender, ou vendê-los então por atacado”. A vendagem dos gêneros comestíveis, mormente nas faltas urgentes, seria feita com “proporção entre os compradores, que perante o Juiz de Paz poderão reclamar a desigualdade, e então será o Fiscal responsável pela falta de cumprimento do seu dever”. Os contraventores seriam multados em 20$000 réis e oito dias de prisão, sendo tais penas agravadas diante das reincidências. (AHG – Documentação avulsa, caixa 24, 1838 – Artigos 2° e 3° contra os contraventores).Tentava-se, com isso, obstar a ação dos atravessadores que adquiriam toda a mercadoria transportada pelas tropas antes mesmo que essas alcançassem as vilas e arraiais. A mercadoria era comercializada nas rotas ou fazendas por onde passavam as tropas.

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Conforme atestam os documentos de 1833 e 1834, Araújo Viana, o presidente do

Tribunal do Tesouro Público Nacional, emitiu ofícios ao presidente da província de Goiás

informando ter sido entregue ao negociante José Antonio Moreira a quantia de doze contos

de réis para serem trocados por moedas de prata pelo ágio corrente. Posteriormente

deveriam ser remetidas à província goiana, onde, depois de reduzida à moeda de cobre

corrente na dita província, deveria ser entregue à respectiva tesouraria para suprimento das

“suas urgentes despesas, levando 15% pelas despesas em geral de condução, comissão e

segurança da entrega na referida Thesouraria”.38

Decorridos cinco meses, um novo ofício remetido pelo mesmo presidente do

Tesouro Público informa ao presidente da província que ao negociante Joaquim Mendes

Matheiros foram entregues os livros-mestres, diários e caixas pelos quais seria debitada, em

conta de suprimentos feita à dita província, a quantia de 156$600 réis relativos à sua

despesa. Foram-lhe também entregues os modelos dos livros de talões para que o inspetor

da Tesouraria Provincial de Goiás mandasse imprimir na referida província.39 O mesmo

negociante também transportou, posteriormente, até Goiás as cédulas e conhecimento dos

que deveriam servir para troco da moeda de cobre.40

Artigos bélicos também eram entregues aos cuidados de tropeiros. Estes, aos

passarem pelos registros, munidos de portaria expedida pelo Ministério da Guerra,

recusavam-se a pagar os direitos tributários estabelecidos pelas legislações provinciais.41

38 AHG – Documentação avulsa, caixa 18. Pacote 2; AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, 1722-1973. Livro 92, p. 48. 39 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, 1722-1973. Livro 143, p. 7. 40 Idem, p. 8. 41 Segundo o presidente da província mineira, em maio de 1848, o tropeiro Luiz G. Villaça, conduzindo 167 volumes de artigos bélicos destinados à província de Mato Grosso, ao passar pela barreira mineira de Ponte Alta, recusara-se a pagar a taxa de 24$000 réis de direitos provinciais. O presidente então dirigiu a reclamação à Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, onde se determinou que, nas fortalezas e nos registros de terra, não se pusesse embaraço algum ao livre trânsito de Luiz Gonzaga Villaça, que se destinava à província de Mato Grosso conduzindo os volumes contendo armamentos e mais artigos de guerra a serem entregues ao presidente daquela província. Determinou também que os administradores das barreiras, por onde houvessem de transitar os mencionados volumes, não exigissem pagamento algum dos impostos, por serem tais artigos pertencentes à Fazenda Nacional. No entanto, já havia sido declarado no parágrafo 8º do artigo 10 do Ato Adicional que era da competência das Assembleias Legislativas Provinciais legislarem sobre obras públicas, estradas e navegação no interior das províncias, as quais não pertenciam à administração geral do Estado. Como a Assembleia de Minas Gerais havia decretado as taxas itinerárias que deveriam ser pagas, transitando-se pelas estradas de comunicação daquela província e com as demais, e não havia lei geral que isentasse do pagamento de pedágio os objetos que estavam sendo remetidos pelo governo às províncias, sugeriu ser conveniente que a importância fosse paga pelo Tesouro Nacional. Tendo em vista ser do interesse geral a abertura de estradas e a sua conservação, tanto para comodidade dos povos, aumento do seu comércio, indústria e civilização, como para facilidade de comunicação entre as províncias, e destas com a Corte, não devia, por isso, suscitar-se embaraços, ou prejudicar tais empresas por

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Certo é que condutores de tropas, boiadas e mercadorias desfrutavam de certa

confiança dos fazendeiros e das autoridades, quer fosse para transportar armamentos ou

bois, dinheiros ou diários. E, nessa contextualização, não se evidencia a dimensão mítica

que a historiografia, a literatura e música regionais lhes conferem. Os condutores são, neste

trabalho, atores históricos, filhos de seu tempo e suscetíveis a atos nobres e a desvios de

conduta.

Antes de tratar do grande extravio de gado empreendido pelos boiadeiros e

condutores que transitavam pela província goiana durante o século XIX, vale elucidar que

os condutores, geralmente acusados pelo extravio do boi, surgiram em decorrência do

aumento das atividades comerciais empreendidas pelos boiadeiros (LEITE, 2003, p. 110).

Além disso, eram recrutados dentre os vaqueiros e peões já acostumados com a lida do

gado e provavelmente também dentre os membros das famílias dos produtores e

fazendeiros, como sugeriu Lenharo (1979).

Segundo Leite (2003), a partir do final do século XIX, o vaqueiro que trabalhava

com o gado nas fazendas foi feito peão-de-boiadeiro, ou condutor de tropa, passando a ser

figura de extrema importância na pecuária mato-grossense. Além da habilidade na lida com

o gado e da confiança angariada junto ao patrão, merece ressalva a questão financeira. Para

montar sua própria comitiva, o condutor deveria possuir tropa, arriatas, utensílios de

cozinha, alimentos e mesmo capital para custear a viagem e o pagamento dos peões. Apesar

de ser um dos tipos sociais caracterizados por uma maior possibilidade de integração com

os dois lados da sociedade, a relação dos condutores com os peões a eles subordinados era

também marcada pela diferenciação social e pela hierarquia. Em entrevista, Adomervil

Fernandes de Paula, 75 anos, natural de Morrinhos (GO), peão de boiadeiro que prestou

serviços como cozinheiro e condutor de tropas, a serviço do comissário, revelou que o

rancho

[...] não tinha parede, devia ter vinte metros, trinta metros de comprimento. Agora ali, cada um tinha um lugar de armar sua rede. [...]

qualquer modo que seja, mas antes animá-las por todos os meios possíveis. Além disso, evitar-se-iam os abusos que pudessem cometer os encarregados da condução de remessas do governo para as províncias, munidos de portaria, como a que autorizava os tropeiros a transitarem livremente pelas estradas sem serem obrigados a pagar os direitos nelas estabelecidos, em manifesto desfalque das rendas provinciais e prejuízo das empresas. Assim sendo, a Secretaria emitiu parecer, segundo o qual o governo imperial houvesse por bem deferir a reclamação do presidente de Minas, mandando satisfazer, pelo Tesouro Público, ao cofre daquela província, a quantia que o mesmo presidente solicitara por ofício (AHG – Relação de Documentação dos Poderes Executivo e Legislativo Império e República – Brasil. Decisões do Governo do Império do Brasil 1849, tomo XII, livro 99).

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Você não podia mandar a mão na panela sem a ordem do cozinheiro. Tem de ter a ordem. Tinha de ter uma hora de convidar: o almoço tá pronto! Vocês vêm almoçar? Tinha essa educação.

Em razão desse movimento tropeiro-boiadeiro, muitas foram as vilas que surgiram

margeando as estradas boiadeiras que interligavam os mercados consumidores de Minas,

São Paulo e Bahia, com as regiões produtoras goianas. Por essas estradas, as comitivas,

tangendo boiadas, saíam com os pousos previamente determinados, onde os boiadeiros

pudessem manter uma espécie de rotina:

Eu tinha três tropas. Era 73 burros. Então muita gente perguntava: “cê tem quantos burros?” e eu respondia: “Comigo somo 74”. [...]Era três comitiva sendo que uma delas ficava no Canal de São Simão só pra tocar boiada pro José Herculino. As comitiva saía de Morrinhos e ia pra Barretos. Era 23 dias. O primeiro pouso era Mimoso, depois Buriti Alegre, Santa Maria, Itumbiara...[...] Já tinha os pouso certo. O acordo era feito com o rancheiro, que era o dono da fazenda e já tinha os pastos de aluguel. Só não cobrava dos amigo. [...]Nos pouso a gente comprava frango, mas no almoço era carne assada que a gente levava nas bruaca. [...]Nós tinha viola, carregava viola e de noite cantava. Nos pouso encontrava outras comitiva, duas ou três e aí ia contar causo, tocar viola e dançar catira.A viola ia em toda viagem. O tocador era o Gerardo Paçoca. [...]Os pouso ficava sempre perto de cidade e toda cidade nós tinha nossos encontro. Eu tinha um irmão que dizia: “você no mundo, só veio pra duas coisas: pra contá boi e fazer filho”. E eu respondia: “e ocê quer coisa melhor do que isso meu irmão?” [...]Levantava cedo. Sete hora já tava tocando. Fazia o café, fritava ovo com farinha. Primeiro saía o cargueiro com a tropa que ia na frente pra fazer o almoço. Onze horas, meio dia chegava e o almoço tava pronto. O cozinheiro falava: “Boi não sopra meu fogo”. A boiada vinha e a comida já tava pronta. O tocador de berrante ia almoçar e o ponteiro ia na guia. Depois que ele almoçava, vinha e ia o ponteiro. A boiada não parava. Ninguém parava. Ia revezando. Às seis da tarde era hora de parar. [...]Agora quando a boiada dava aftosa era muito difícil.Atrasava tudo. Tinha de parar, tratar com querosene e gasolina. Tinha de falhar pra curar. Cortar a marcha. Uma viagem de 60 dias, gastava 90. Eu já toquei boiada de mil boi que morreram 350 com aftosa. Mas em geral, se não tinha aftosa, morria pouco. Daqui pra Barretos, perdia um ou dois bois. Teve vez de pegar boi aqui e entregar em Cornélio Procópio no Paraná: sessenta dias de viagem, mais ou menos 700 km. Eu peguei 1.226 boi e entreguei 1.226 boi. [...]pra Barretos, o lugar mais difícil de atravessar era o Rio Grande que não tinha ponte. Era balsa. Era 60 boi por vez. Vai e vem. Gastava um ou dois dias pra atravessar. Teve uma vez que caiu a ponte em Itumbiara e a boiada passou a nado. Os canoeiro tava lá, ajudando a passar. (GARCIA, 2006).

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Como ressalta o ex-condutor, os pousos eram conhecidos, geralmente situados em

fazendas próximas às cidades. No entanto, durante o século XIX, as comitivas seguiam pelo

sertão pedindo arranchamento nas fazendas, ou fazendo os pousos próximos às barreiras e

recebedorias provinciais. Isto quando a passagem ocorria formalmente, procedendo ao

pagamento da taxa de exportação dos bois. Havia contudo, as comitivas que buscavam

outros caminhos, abrindo picadas, para escapar à tributação do gado. É o que se verá no

próximo tópico.

1.7.1 Os tropeiros-boiadeiros e o contrabando do boi

Na documentação fazendária consultada, abundam documentos que tratam do

extravio de gado. Sendo esta a principal fonte de renda da província durante o século XIX,

é possível avaliar a tensão estabelecida entre os boiadeiros, condutores de boiadas e

comissários junto aos coletores e administradores das recebedorias provinciais, agências

fiscais responsáveis pela tributação do boi. No entanto, durante todo o século XIX, as

autoridades provinciais não conseguiram obstar o extravio do gado, insistentemente

denunciado.

Em ofício datado do primeiro quartel do século XIX, a Junta da Real Fazenda de

Goiás informava a todos os fiéis e contadores dos registros da capitania que enviassem,

todos os meses, à Contadoria, a relação das guias apresentadas nos registros. Segundo o

escrivão-deputado, a Junta recebera informações de que os fiéis de registro e contadores das

contagens não estavam cumprindo devidamente com suas obrigações. Em função disso,

ordenava que a partir daquela data todos os empregados enviassem as ditas relações,

informando as guias passadas, o nome do condutor ou tropeiro que deveria pagar os

direitos, a importância, o número da guia e os nomes dos fiéis estabelecidos nos registros.42

Sabia-se, na Provedoria da Fazenda, que os salários pagos aos agentes eram um

empecilho para a boa realização doa fiscalização. Para tanto, solicitavam-se providências

sobre os ordenados concedidos a esses empregados, principalmente dos que estavam a

serviço da Provedoria da Comarca do Norte. Em outro ofício enviado ao Imperador, datado

de 1825, o presidente da província dizia-se convencido de que o deplorável estado das

42 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, 1722-1973. Ofício de 7 de agosto de 1812.

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finanças não provinha apenas da falta de renda decorrente da suspensão de alguns tributos,

mas também do mau sistema da administração praticado na sua arrecadação. Sugeria o

urgente estabelecimento de uma Provedoria Comissária no Norte, conforme proposta

aprovada há vinte anos e nunca executada. Os ordenados estabelecidos eram tão diminutos

que se constituíam em um dos motivos pelos quais ainda não se conseguira encontrar quem

quisesse exercer os referidos empregos. Todos reclamavam da insalubridade do clima, da

carestia dos gêneros e do incessante trabalho. Fazia-se mister que se tomassem

providências, visto ser a comarca de São João das Duas Barras muito importante devido à

frequência de exportação do gado para a província da Bahia, ao seu comércio com o Pará e

à mineração do ouro. Porém, a grande distância da capital fazia com que o ouro ali extraído

fosse extraviado e os gêneros contrabandeados. Diante disso, solicitava ao Imperador que

se dignasse a autorizar a Junta da Fazenda daquela província a conceder ordenados

proporcionais aos trabalhos dos seus empregados.43

Além da escassez de homens habilitados e dispostos a aceitar os encargos de

agentes da Fazenda, havia os perigos que envolviam tal encargo e as possíveis mudanças a

que eram submetidos, dependendo dos novos caminhos cotidianamente abertos pelas tropas

e boiadas. Em ofício do diretor-geral da Fazenda ao administrador da recebedoria dos Baús,

informava-se sobre a existência de um novo porto – dos Martins – situado oito léguas

acima daquela recebedoria e sobre as vantagens que poderiam advir ao serviço público a

mudança para aquela localidade da agência, que por ora estava nos Baús. Diante disso,

autorizava o administrador a mudar-se para aquele porto e nele estabelecer a recebedoria a

seu cargo, a qual conservaria a antiga denominação (Baús). Para isso deveria fechar o porto

onde estava estabelecido e aguardar a chegada de dois praças que seriam enviados para

ajudá-lo: o cabo Mendonça e o soldado Vasconcelos, este último para suprir a falta do

soldado que ali havia sido assassinado.44

Medidas paliativas eram diariamente adotadas, mas sendo o “mal” inveterado, os

remédios não conseguiam produzir a pronta cura.45 Em outubro de 1850, a Provedoria da

43 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, 1722-1973. Ofício 1, de 29 de janeiro de 1825. Livro 132, p. 3. 44 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, 1722-1973. Livro 433, Ofício 195, p. 55. 45 AHG – Documentação avulsa. Atos – Decretos – Estatutos – Regimentos – Leis – Mensagens e Constituições. 1853 – Relatório que ao Exm. Sr. Dr. Francisco Mariani, presidente da Província, apresentou o provedor da Fazenda Fellipe Antonio Cardoso de Santa Cruz.

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Fazenda expediu ofício aos coletores de Cavalcante, Palma, Arraias, São Domingos,

Conceição, Natividade, Porto Imperial e Carolina informando que o presidente da província

“se achava impenhadissimo para fazer cessar o escandaloso extravio do gado vácum e

cavalar que mensalmente era exportado desta província sem o pagamento das taxas”, razão

pela qual ordenava aos coletores das ditas vilas que atuassem energicamente na fiscalização

e arrecadação das taxas

de cada uma das cabeças de gado vacum e cavalar que sahir de suas colletorias em direção a qualquer das Províncias limítrophes, requisitando, sempre que for indispensável, o auxilio da guarda Nacional em proteção das Authoridades territoriais em ordem a que os exportadores se convenção de que o Governo esta disposto a não tolerar a continuação de um procedimento, que sobre immoral e criminoso, tanto tem contribuído para o desfalque das Rendas. 46

Apesar da “empenhada” ação governamental, os coletores enviavam, quando muito,

respostas evasivas, informando que não estava sendo possível cessar o extravio de gado

vacum e cavalar para fora da província. Diante a morosa queixa de um deles – o coletor de

Flores –, o provedor respondeu que estava ciente da situação de contrabando que grassava

na região, porém,

enquanto o Corpo Legislativo não estabelecer as convenientes medidas e ordem a regular definitivamente o sistema de fiscalização e arrecadação do imposto de exportação a que está sujeito o gado vácum e cavalar, cumpri que V.M. por si e por meio dos seus agentes invide todos os esforços para que os expoartadores de tais gados não continuem abusar impunemente da Lei Goiana. 47

Ficam também expostas a debilidade da ordenação tributária implantada, a ciência

das autoridades quanto ao contrabando do gado e a própria limitação a que estavam

submetidos seus principais agentes. Em determinados momentos se divulga o envio de

ajuda da Guarda Nacional para assegurar a adequada tributação; em outro, “aconselha-se”

aos coletores agirem por si e por meio de seus agentes até que o Corpo Legislativo regule o

sistema de fiscalização e arrecadação dos impostos provinciais.

46 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, 1722-1973. Ofício de 23 de outubro de 1850. 47 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, 1722-1973. Livro 290 – Tesouraria da Fazenda – Ordem da Provedoria da Fazenda Provincial aos coletores das Rendas Provinciais. Ofício de 25 de abril de 1851, p. 22.

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Ofícios como os anteriormente citados evidenciam importantes questões com

relação à malha de arrecadação e fiscalização das rendas provinciais: (1) a falta de uma

legislação provincial que regulasse precisamente como deveria se proceder à cobrança das

taxas; (2) os baixos salários oferecidos aos agentes fiscais não se constituíam em atrativos

para o bom desempenho de suas funções; (3) a extensão territorial da província dificultava

que a Força Militar ali existente coibisse o contrabando; (4) aos agentes fiscais caberia

contar com a sorte e com seu código de “honra” e violência para desempenhar o serviço de

relevante importância aos cofres provinciais.

Ofícios também eram dirigidos aos agentes dos portos tratando de denúncias contra

suas más atuações. Datado de 1851, enviado ao coletor de Bonfim, o inspetor da provedoria

dizia ter sido informado pelo contratador das rendas provinciais do município de Santa

Cruz de que havia passado pelo portos do Baú e do Cassiano no rio Paranaíba, abaixo da

confluência com o Corumbá, há um ano, seguramente duas mil cabeças de gado vacum sem

que os respectivos exportadores pagassem a taxa. Como o mesmo contratador assegurava

ter comunicado o fato àquela coletoria (de Bonfim), a provedoria ordenava ao seu

respectivo coletor que procedesse, sem perda de tempo, às mais escrupulosas investigações

e remetesse à Provedoria “os esclarecimentos que podem colligir a respeito, declarando os

nomes dos exportadores, os lugares de seus domicílios e se possível for as datas que

efetivamente tiveram lugar as exportações”.48

Além disso, sugeria ao coletor que, segundo o conhecimento topográfico que ele

deveria ter do município onde estavam incluídos os portos citados, propusesse com

urgência as providências convenientes a fim de fazer cessar aqueles e outros extravios que

tanto prejudicavam as rendas provinciais.49 O exemplo evidencia o recurso da dissimulação

empregado pela Coroa no trato do contrabando e a impossibilidade do centro em

efetivamente ordenar a região. Surgem aqui algumas questões: caso se comprovasse que o

coletor de Bonfim tivesse sido avisado pelo contratador denunciante do extravio de dois mil

bois, por que não dera parte do ocorrido ao seu superior? Quais medidas efetivas o inspetor

esperava que o agente do porto tomasse decorrido um ano do extravio? Se havia dúvidas

quanto à conduta do agente, não teria sido a atitude do chefe da Fazenda muito “branda”,

48 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa 1722-1973. Ofício de 19 de fevereiro de 1851. 49 Idem.

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tendo em vista a importância desse agente diante da arrecadação fiscal e,

consequentemente, da receita orçamentária que deveria fazer frente aos gastos públicos

provinciais? Diante do caos fiscal e da indiferença da maioria dos agentes fiscais, quando

não de seus fraudulentos envolvimentos no extravio de gado, o que poderia ter sido

proposto e executado pela Provedoria provincial? Muito pouco ou talvez nada. Tão grande

quanto a carência de estradas, pontes e receitas era a carência de material humano. A

intolerância aos “desvios de conduta” de grande maioria dos agentes significaria agências

desprovidas de fiscais. Fronteiras abertas e nenhum tipo de controle sobre as exportações.

Nomear novos agentes fiscais não era tarefa fácil. Na verdade, o trabalho nas coletorias

envolvia riscos e baixa remuneração. Ninguém ignora também a existência de privilégios.

Muitos eram compensatórios somente quando permitiam a manipulação dos dinheiros

públicos e “acertos” com os extraviadores, além da “proteção negociada” com potentados

locais. Era um negócio de risco, embora muitos achassem por bem enfrentá-lo. Esse

assunto é o tema do próximo capítulo.

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CAPÍTULO 2

COLETORIAS E TRIBUTOS EM GOIÁS ENTRE OS SÉCULOS XVIII

E XIX: PERSEGUINDO OS RASTROS DE UMA ECONOMIA QUASE

INVISÍVEL

O presente capítulo tem por objetivo detectar o funcionamento da complexa rede

montada para a cobrança de impostos até o advento das coletorias. Compreender a estrutura

da malha tributária no século XIX – leis, tributos, mecanismos de arrecadação e destinação

das receitas – é uma estratégia que pretende dar visibilidade às atividades econômicas da

capitania de Goiás, bem como aos processos de resistência e protestos desencadeados por

tal sistema.

Feitas essas colocações, cabe-me apresentar como alguns aspectos da malha

tributária do século XIX incidiram sobre a economia goiana. Meu propósito é dar sentido

histórico ao tema das coletorias em Goiás e à sua atuação por meio de seus agentes, os

coletores. Essa empreitada vincula-se à necessidade de compreender como, a partir da ação

desses atores históricos e da documentação por eles produzida, deu-se a passagem de tropas

e boiadas pelas coletorias e recebedorias da Província. Além disso, busco compreender

como o ouro e, posteriormente, o boi – mercadorias que deram sustentabilidade à economia

goiana nos séculos XVIII e XIX – deixaram rastros na história goiana, rastros que, apesar

da dificuldade de serem encontrados, podem ser lidos na vasta e inédita documentação

fazendária de Goiás. Elucida-se, assim, o que considero o aspecto central e definidor da

economia e da sociedade goiana do século XIX: a ordenação administrativo-tributária da

região, o grau de interesse empreendido pela Coroa para alcançar tal intento e o

contrabando como resposta a esse movimento.

O expediente fundamental usado pela família real portuguesa para fazer com que

sua presença fosse percebida no extenso território colonial se deu pela cobrança de

impostos.50 A conjuntura impunha, com base em reformas tributárias que objetivavam um

50

Junto com os novos impostos vieram as isenções que visavam estimular algumas iniciativas: isenção de impostos de exportação a quem se dedicasse à cultura de árvores de especiarias finas, farmácia, tinturaria e artes – pelo período de dez anos, a começar da data proposta e se estenderia aos pagamentos do dízimo de produção; isenção do imposto da décima urbana para quem construísse em aterros ou terrenos pantanosos, por

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maior recolhimento aos cofres reais, alterações administrativas que favorecessem um maior

e mais efetivo ordenamento da região colonial. Tais medidas haviam sido postas em prática

quando se tornou evidente que o Reino dependia das riquezas do Brasil. A partir daí,

começou-se a arquitetar o plano que levaria o Príncipe a despedir-se das intermináveis

dobras de Mafra, para, sob forte chuva, embarcar, junto com sua família, rumo a seus

domínios americanos.

Data de abril de 1804 a provisão real que ordenava ao capitão-general da Capitania

de Goiás a remessa de cópias de todos os regimentos, ordens de alteração, bem como

reflexões pessoais do nobre destinatário sobre assuntos ali dispostos. Procedimentos como

estes eram frequentes e indicavam tentativas da Coroa portuguesa de conhecer, através de

seus funcionários-administradores, as especificidades, riquezas e possibilidades das regiões

administradas, além das medidas mais adequadas para aprimorar o sistema administrativo-

tributário.

A resposta proferida pelo então governador D. Francisco de Assis Mascarenhas

surpreende já no início:

Aos meus Antecessores nunca foi dado Regimento algum elles se regulavam pelo que tinha sido feito para o Governador do Rio de Janeiro antes de ser esta Cidade a capital do Estado do Brasil; não sei se porque forão authorizados para o seguirem interinamente por alguma Ordem Régia que não encontro registrada aqui, ou se por considerarem que sendo iguaes os poderes dos Governadores e Capitaes generaes da América era lícito na falta de Regimento próprio adoptar aquelle que tivesse sido dado a algum delles.

O governador ainda esclarece que

posto que n’este Regimento fossem omitidas algumas providências necessárias n’as quaes tem sido subsidiário o Regimento feito para o Governador da Bahia em 1667, [...] com tudo as minhas observações são feitas sobre o mesmo do Rio de Janeiro por ser mais genérico d’o que o da Bahia cujas disposiçoens são na maior parte meramente Municipais e tão particulares a quella Capitania que não se podem aplicar alguma outra.51

um período de dez ou vinte anos; isenção do dízimo para quem se estabelecesse às margens dos rios Doce, Tocantins e Araguaia, incentivando, assim, o povoamento dos presídios. 51 Documento Arquivo Ultramarino de Lisboa. Vila Boa de Goyaz, 1806.

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Para além dessas “reflexões” e das demais inerentes a cada um dos parágrafos do

dito Regimento de 1679,52 está a surpreendente revelação de que a capitania do sertão dos

Goyazes era regida pela mesma legislação enviada a uma capitania de beira-mar, emitida há

mais de um século, sem considerar as especificidades de uma região que, em parte,

contribuíra para dourar os adornos barrocos de Mafra.

Ainda pelo mesmo Regimento, o Rei recomenda “que se tenha particular cuidado

pelo serviço que se faz a Deus Nosso Senhor nas obras de caridade”, razão pela qual o

governador trata da necessidade de criar – pelo menos em Vila Boa – um hospital e uma

casa de expostos. No início do século XIX, não existiam, na capitania de Goiás, casas de

misericórdia, expostos ou hospitais. Ressalta que, na era do apogeu do ouro, essas

instituições não se faziam necessárias, visto que os mineiros ricos ou os negociantes

abastados e seus escravos eram cuidados em suas próprias casas e dispunham de recursos

para se curarem de suas enfermidades. Na comparação entre as capitanias de minas e as de

portos marítimos, lembra que nas últimas não faltavam hospitais, nem casas de

misericórdia, chegando algumas a dispor de “avultados fundos”.

Outra reflexão proposta pelo governador Assis Mascarenhas diz respeito aos

artilheiros que serviam nas capitanias. O 13º parágrafo do Regimento determinava que

esses oficiais praticassem exercícios físicos e alertava quanto aos gastos com pólvora e

balas, o que mereceu do governador a seguinte resposta:

A disposição deste parágrafo nenhuma prática tem aqui actualmente porque não há Artilheiros porém parece-me não deve ser omitida no Regimento do Governador d’esta Capitania pois logo que o permitir o estado de suas finanças será conveniente que venhão hum ou dois officiais Engenheiros instruir os Milicianos Pretos denominados Henriques no manejo da artilharia essa medida se reportara até necessária considerando-se que so esta Capitania poderá prestar prompto auxílio a de Mato Grosso em qualquer conflito que ela tiver com os espanhóis seus vizinhos.53

52 Regimento de 7 de janeiro de 1679, enviado ao governador do Rio de Janeiro. O mesmo documento foi enviado aos governadores da capitania de Goiás. 53

O documento não especifica como se constituíam, em 1806, as “Forças Militares” da capitania. No entanto, pelas instruções enviadas a José de Almeida Vasconcelos e Sobral Carvalho, em 1771, em momento anterior à sua posse como governador da capitania de Goiás, fica-se inteirado de que, em 1758, “[...] entendeu S. Mag. que a Capitania de Goyaz não podia conservar sem forças propoprcionadas para a Sua defença e Segurança; como também para accudir a Cuyabá e Matto Grosso, nas ocaziões de aperto [...]”. Ciente da insuficiência das tropas pagas, compostas de uma Companhia de Dragões e de outra de soldados pedestres, ordenou a criação de tropas auxiliares e ordenações. Porém, devido à “distância”, “às dilações dos comboyos” e à morte do ex-

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A questão de possível invasão de Mato Grosso pelos espanhóis foi sempre cara à

Coroa portuguesa. Em diversos ofícios trocados entre os capitães-generais dessas

capitanias, e destes com a Corte, percebe-se que a ameaça de invasão era frequente, uma

vez que a fronteira de Mato Grosso era vista como vulnerável. Daí a necessidade da

Capitania de Goiás de dispor de socorros a serem enviados para obstar a entrada de forças

inimigas. Havia também a possibilidade de invasão francesa pelo Pará, “cuja grandeza e

augmento”, segundo D. Rodrigo, “hé muito essencial por ser o primeiro ponto da segurança

do Brazil da parte do Norte”.54

Ainda pelo Regimento de 1679, no parágrafo que trata da doação de terras em

sesmarias e da obrigatoriedade de se cultivar e povoar essas terras, Assis Mascarenhas

expressa sua crença na agricultura e no comércio como meio de fazer prosperar uma terra

governador João Manuel de Mello, não foi possível receber as informações sobre a situação das forças da capitania. Como se tratava de assunto de extrema importância, o rei informava ao futuro governador que a Companhia de Dragões era formada por um capitão, um tenente, um alferes, um furriel, seis cabos, sessenta soldados e um tambor. O gasto com soldos, munições, fardamento etc. alcançava a despesa de 23:124$421 réis, quantia da qual não se tinha exemplo “em parte alguma do mundo conhecido, exceto nas Minas Gerais”. Informava também que havia muitas dúvidas quanto à composição, estado de fardamento, soldos etc. da Companhia de Pedestres, Cavalaria Auxiliar e Corpos Auxiliares e Ordenanças de Pé, o que necessitava da urgente ação de Sobral Carvalho para se inteirar do real estado das forças e imediatamente relatar à Coroa (AHG - Documentação manuscrita, datilografada e impressa. Livro 15). Posteriormente, em ofício de 1799, D. Rodrigo comenta que o rei considerara que o valor gasto com a tropa da capitania de Goiás era desproporcional à pequena Força Armada existente, manifestando a necessidade de se tomarem novas medidas por meio das quais se conseguisse, com um menor quantitativo, um maior número de tropas disponíveis, “sendo certo que esta capitania, pela sua situação média entre o Pará e o Mato Grosso” não necessitava de defesa própria, mas deveria achar-se sempre pronta para prestar os socorros que se lhe exigissem (AHG - Documentação manuscrita, datilografada e impressa. Livro 49, p. 4-5). 54 Em ofício enviado da capitania de São Paulo ao governador de Mato Grosso, através da capitania de Goiás, informa-se que, na colônia de Sacramento, “os castelhanos tem posto aquella praça em grande aperto, [...]. E como pode suceder que se elles nos abrirem a Guerra pelas partes do Sul [e] também nas Províncias do Norte; antecipo estes avizos [...] para que [...] vá formando as suas dispozições [...] ficando Vossa Excelência [de Goiás] juntamente informado do que se passa; por que como essa Capitania costuma dar os socorros a de Matto Grosso, possa Vossa Excelência com tempo hir ordenando todas as suas disposições [...]”. Dez meses depois, nova correspondência participa que os espanhóis passaram pelo Rio da Prata e poderiam pretender um estabelecimento que fosse prejudicial à capitania de Cuiabá. Para caso de possível invasão, D. Rodrigo enviou ofício datado de fevereiro de 1800 em que advertia sobre “algum motivo de temer que os Franceses procurem fazer alguma tentativa ou sobre as Costas do Brazil, ou [...] da África, e que até possão procurar fazer alguma surpreza servindo-se de Pavilhão, ou Embarcações espanholas”. Ordenou, em nome do Príncipe, que o governador da capitania de Goiás evitasse ser surpreendido e que “[...] se disponha para mutuamente se socorrerem no cazo de serem atacados [...] com todas as Forças a qualquer ponto que possa ser invadido, bem certo de Sua Alteza Real fica pronto a acudir com forças superiores suas, e dos seus aliados ao ponto que for atacado, logo que se saiba a partida de qualquer força naval da Europa [...].Vossa Sª fará causa com os Governadores do Pará, Maranhão e Mato Grosso [...]para que no caso de ataque acudão todos ao ponto invadido” (AHG – Documentação Avulsa, Cx. 5, 1800-18002; AHG – Documentação Avulsa, Cx. 2, Pacote 1, 1772; AHG – Documentação Avulsa, Cx. Nº 2, Pacote 1, 1770; AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro 35, p. 1-3; AHG – Documentação Avulsa, Cx. 2, Pacote 1, 1773 – Aviso de movimentação no MT; AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro 35, p.7).

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exaurida pela exploração do ouro. Segundo ele, grandes eram as possibilidades de produção

de açúcar, algodão e café – gêneros de grande valor na Europa –, que poderiam ser

exportados através de rios navegáveis até o Amazonas. No entanto, ressalta que em ofícios

anteriores já havia apresentado ao Rei a necessidade de isenção de dízimos aos lavradores

que cultivassem gêneros exportáveis e àqueles que, nas margens dos grandes rios

provinciais, se estabelecessem em fazendas onde os viajantes pudessem abastecer-se dos

mantimentos necessários para a viagem:

[...] esses povos esperam da piedade de Vossa Alteza Real não só a concessão desses privilégios, mas a de todos os outros que forem necessárias para animar huma classe de homens tão útil ao Estado e tão pouco considerada nesta Capitania aonde não goza nem mesmo dos Privilégios concedidos aos Senhores de Engenho do Brazil em 1698 postos aqui não como porque razão em tal dezuso e esquecimento que nem aparece registrada n’esta Secretaria Ordem alguma em que se faça menção delles.

As ponderações de Assis Mascarenhas deixam claro, pois, questões centrais não

somente para o processo de reconversão da economia goiana no século XIX, como os

expedientes usados pela Coroa para manter a ordem social das distintas regiões coloniais: a

excessiva carga tributária – cujos principais impostos eram o quinto e o dízimo – e as

práticas da concessão de privilégios e da piedade.

Citando Maquiavel, Tiago Gil relembra que o florentino, ao apresentar os três

modos de preservação de um território conquistado – aniquilação dos poderes ali

estabelecidos, mudança da residência do príncipe ou certo grau de autonomia concedida aos

potentados locais −, aconselhava o emprego dos dois primeiros. Todavia, a Coroa lusa teve

na benevolência, sua principal estratégia de poder.

[...] No trato com as colônias, sempre agiram de forma muito contida, delegando poderes aos locais e contando com o apoio destes na conservação dos vastos territórios d’aquém e d’além-mar. Longe de uma possível inépcia das autoridades lusas, essa prática estava profundamente orientada pelo pensamento ibérico do século XVII, que, apesar de dialogar com a obra de Maquiavel, mantinha uma postura crítica em relação a este. (GIL, 2007, p. 63)

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Esse autor chama a atenção para a necessidade de a Coroa estabelecer e manter uma

rede de relacionamentos cujo suporte eram os potentados locais, além de implantar uma

administração oficial que se reportava diretamente ao centro. A política lusa era alimentada

e mantida por essa negociação “constante e diferenciada”. Quer fosse agindo em prol da

acomodação de revoltados estratos sociais, os quais clamavam ao rei a “defesa do bem

comum”, quer fosse atendendo à solicitação de particulares, mesmo que com isso

comprometesse o “bem comum”, ainda assim a justificativa apresentada era o “interesse

geral dos povos”. Prática comum, foi, segundo Gil (GIL, 2007, p. 67), “um argumento

bastante convincente e que, a sua maneira, também contribuiu para a manutenção da ordem

social do império português”. Por outro lado, o clamor à piedade real era mecanismo de

legitimação do poder do rei, visto com pastor e pai justiceiro.

Além de evidenciar essas questões, o governador Assis Mascarenhas acrescentou

mais um ponto no imenso repertório de queixas que formularam o discurso da decadência

de Goiás: a ausência de estradas que ligassem a região aos centros consumidores, fato que

justificava o quadro deplorável em que se encontrava a capitania. Noutra perspectiva,

pretendeu-se negar a crise sob o argumento da incapacidade de controle de uma economia

fundada na troca, no escambo. A interpretação do governador foi incorporada, como

verdade, pela historiografia, descortinando o espectro da crise do ouro como chave para a

leitura do passado. Entretanto tal perspectiva encobria o acompanhamento dos rastros de

uma atividade, quase invisível, que redefiniria os fluxos econômicos da região, a pecuária.

2.1 Tributos na Colônia e o legado às coletorias

“[...] você pode ter um Senhor, você pode ter um Rei, mas o homem para temer é o coletor de impostos [...]”. 55

Não é possível precisar a data em que se iniciou a cobrança de impostos, mas sabe-

se que, primitivamente, tributos designavam bens ou serviços que as tribos vencedoras

exigiam dos vencidos. A Lei Mosaica legislava aos hebreus o pagamento de tributos e

primícias para o culto divino; textos do Antigo e Novo Testamento traziam tanto a

legalidade do tributo quanto a representação daquele que o cobrava. Trata-se, portanto, de 55 Escrito em uma placa de argila encontrada na Suméria, datada de 2300 a.C. (apud BORDIN, 2002).

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uma prática antiga, instituída junto à necessidade de organização social, fato que,

provavelmente, fez com que deixasse de ser voluntária, para tornar-se obrigatória.

No século XIX, dentre o cipoal de alvarás, provisões e cartas régias que

compunham o sistema tributário imperial (este, por sua vez, tributário do sistema fiscal

colonial) inserem-se os coletores, agentes fiscais encarregados da cobrança de tributos.56

Do ponto de vista dos tributos, a Carta Régia de 28 de janeiro de 1808, que estabeleceu a

abertura dos portos às nações amigas, foi o indicativo da proporção e do alcance das futuras

reformas tributárias. Enquanto o Reino mergulhava na decadência, agravada pela saída de

seu soberano, a colônia do Brasil, imersa na euforia propiciada com a chegada da Corte,

ainda não se apercebera do arrocho tributário que lhe seria imposto.57

O período joanino no Brasil foi marcado por excessiva tributação, revoltas

antifiscais e, principalmente, pela necessidade de mudanças político-administrativas,

agora consubstanciadas com a chegada da família real. A nova conjuntura impunha,

junto às reformas tributárias que demandavam maior recolhimento aos cofres reais,

alterações administrativas que favorecessem um maior e mais efetivo ordenamento da

região colonial. Como esse processo fez-se, em grande medida, através da política

tributária implantada, são relevantes alguns aspectos da tributação portuguesa,

juntamente com as especificidades que, caracterizando-a na Colônia, foram legadas ao

Império. A impossibilidade por parte da Coroa de empreender uma política tributária

calcada em seus próprios recursos financeiros e humanos levou-a a compartilhar a

tarefa com poderes particulares. Isto, aliás, não era prerrogativa da Coroa portuguesa,

mas uma prática que se constituíra na base política dos Estados modernos. Na

capitania de Goiás, nos distintos períodos em que o ouro e o boi se articularam como

sustentáculos da economia, tais práticas tributárias e seus correlatos administrativos

56 O sistema tributário imperial foi profundamente marcado pelo colonial, do qual herdou não somente legislação, características, formas de arrecadação, mas principalmente seus vícios. Junto aos coletores, recebedores e fiscais do século XIX permaneceram atuando os rendeiros, dizimeiros, meirinhos etc., que, estabelecidos por antigas legislações, compunham, junto aos primeiros, a malha tributária imperial. 57 A Corte trouxe: a cobrança da décima urbana, décima de heranças e legados; sisa dos bens de raiz e meia sisa dos escravos; imposto de consumo sobre o gado e a aguardente; subsídio real ou nacional, correspondente aos direitos sobre a carne verde e couros crus ou curtidos; aguardente de cana e lãs grosseiras; subsídio literário; imposto do Banco do Brasil, que correspondia a 12.800 réis incididos sobre cada negociante; imposto sobre seges, também cobrado em benefício do Banco do Brasil, incidido sobre cada carruagem de quatro rodas que pagaria 12.000 réis e sobre as de duas rodas que pagaria 10.000 réis; taxa sobre engenhos de açúcar e destilação; novos direitos representados pela taxa de 10% cobrada sobre os salários dos empregados da Fazenda e Justiça.

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foram determinantes para a impossibilidade da reconversão econômica de uma

sociedade geográfica e estrategicamente central – e ainda assim isolada –, cuja

economia foi, até o primeiro quartel do século XX, marcada pelo estigma do atraso e

da decadência.

O Império português não se estruturou sobre um modelo único de administração. A

dispersão territorial e a diversidade de situações fizeram com que as conveniências e

especificidades locais influenciassem no processo. Tais determinantes promoveram

diversas formas de domínio, desde as mais tradicionais e formais (municípios e capitanias

donatárias), passando pelas formas menos institucionalizadas de administração (feitorias,

fortalezas, protetorados) até aquelas de poder indireto e informal (mercadores e

eclesiásticos). A indisponibilidade de recursos financeiros e humanos que promovessem,

nos domínios ultramarinos, a organização de um governo nos moldes tradicionais resultou,

segundo Hespanha (1972, p. 3), em um império pouco homogêneo, descentralizado,58 onde

centros políticos relativamente autônomos buscavam soluções específicas e onde a

“resistência do todo decorria de sua maleabilidade”.

Além da distância ao centro metropolitano, havia também a dimensão

continental da colônia americana, que inviabilizava a ordenação de um sistema

fazendário articulado e coerente. A essas questões somavam-se as especificidades

regionais da administração colonial e a sobreposição de poderes – que causava conflitos

entre oficiais – e tinham-se como resultado diferentes análises sobre a administração

implantada nas terras de Santa Cruz. Dentre os setores administrativos, cabia à Fazenda

a condução das finanças de um Estado cuja política econômica embasava-se no

mercantilismo. A política orçamentária portuguesa seguia os moldes dos Estados

absolutistas: uma grande incidência de tributos custeava as despesas públicas. O

controle era feito via registro contábil de receita e despesa, embasado em uma

legislação jurídica estruturada para alcançar os contraventores.

O Reino era dividido em circunscrições político-administrativas, cujas jurisdições –

fiscal, militar, jurídica – estavam estabelecidas em códigos escritos que disciplinavam e

58 A expressão “aparentemente descentralizado”, empregada por Vicente Tapajós (TAPAJÓS, 1983, p.29), talvez seja mais adequada. O próprio Hespanha refere-se à prática de autossustentação de cada domínio que se ligava ao centro através de longas viagens.

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ordenavam os trabalhos dos agentes da Coroa.59 As leis estavam dispostas nas Ordenações

Afonsinas, Filipinas e Manuelinas, além dos regimentos que determinavam e cerceavam a

área de atuação dos oficiais em seus respectivos cargos:

Tais diplomas legais eram baixados a cada um dos funcionários mais importantes, traçando minuciosamente as suas competências e as dos oficiais subalternos. Eram em sua maioria personalizados, em consonância com os critérios de lealdade e confiança, além de estritos mecanismos de vigilância e controle que marcavam as regras do poder absolutista [...]. (SALGADO, 1985, p 16)

No Império português, a administração era formada por diversas instâncias de poder

sem hierarquia bem definida, o que, constantemente, gerava conflitos e disputas pela

jurisdição. O Rei era a figura central e nem mesmo as Ordenações representavam um

obstáculo às suas determinações. O ordenamento jurídico-administrativo era completado

por alvarás, cartas régias, decretos e leis, que, quando transplantados às terras americanas,

sofreram os ajustes necessários à empresa colonizadora.

Além de zelar pelos interesses da metrópole, a Fazenda cuidava também do

recolhimento e administração dos dízimos eclesiásticos, que, em decorrência do sistema de

padroado, foi entregue à Ordem de Cristo. Os territórios não metropolitanos foram

oficialmente denominados “domínios ultramarinos” ou “conquistas”, sendo que “a Índia e

mais tarde o Brasil e o Maranhão constituíram Estados” (TAUNAY, 1984, p. 51), cujas

circunscrições administrativas chamavam-se capitanias-gerais.60

Logo após a conquista das terras americanas, o interesse português recaiu sobre o

conhecimento dos recursos naturais oferecidos, a defesa do território, o arrendamento de

terra a particulares e a criação de feitorias litorâneas. Conforme a mentalidade da época, aos

reinos ibéricos só interessava o comércio. Comércio e metal.

Com o Regimento dos Provedores da Fazenda Real nas Capitanias do Brasil, de

1548, concedido ao fidalgo Antônio Cardoso de Barros, foi instituído o regime fiscal

59Também chamados de funcionários régios ou oficiais. Mozart Menezes (2005) esclarece que o termo “funcionário”, associado ao serviço público, é do século XVIII. Até então o detentor de um ofício era o oficial que tanto poderia designar a ocupação de um tecelão como de cargo público. 60 Segundo Taunay (1984), o termo “colônia”, referindo-se aos domínios americanos, é encontrado na documentação somente nos séculos XVII e XVIII.

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fazendário na Colônia. A partir dali foram estabelecidas a alfândega61 e a casa de contos em

todas as capitanias onde era feita a escrituração dos forais e regimentos, dos direitos e

rendas e contratos de arrendamentos, bem como do pessoal das “armadas e navios”

(MENDONÇA, 1972, p. 89). Estabeleceu-se a cobrança do dízimo sobre mercadorias

exportadas e importadas, assim como a especificação do modo pelo qual seria feita a

arrecadação das rendas por particulares afiançados – os rendeiros.62

Junto ao Regimento dos Provedores, foi anexado outro que continha ordens e

instruções aos provedores dispostos em cada capitania.63 Ao ser criada a Provedoria da

Fazenda Real do Brasil,64 em cada capitania foram estabelecidas as Fazendas Reais, cujos

oficiais eram responsáveis pela escrituração, balanço e prestação de contas à Casa de

Contos da Bahia. Caberia ao governador-general inspecionar todas as capitanias, tomando

contas dos oficiais competentes. O provedor-mor teria os seguintes encargos: (a)

acompanhar o governador nas viagens; (b) nomear os provedores das capitanias, porteiros,

almoxarifes, aldeadores, escrivães, feitores e tesoureiros;65 (c) orientar a construção das

alfândegas e casas de contos, nos mesmos moldes das da Bahia; (d) fiscalizar e arrecadar

tributos; (e) enviá-los ao Tesouro da Coroa; (f) julgar as questões que excedessem a alçada

dos provedores-parciais.

Aos provedores-parciais, ou provedores de capitania, cabia: (a) fiscalizar e arrecadar as

rendas nas capitanias; (b) prestar contas ao provedor-mor; (c) punir as falhas dos funcionários a

ele subordinados; (d) arrecadar para os cofres da Coroa todos os bens dos falecidos que não

deixaram testamento ou indicação de testamenteiros; (e) providenciar a construção de navios

para a vigilância e defesa da capitania; (f) fiscalizar os engenhos de açúcar.

61 A Alfândega da Bahia foi uma das mais antigas do país. Em 1549, Tomé de Sousa instalou na Bahia a Provedoria-Mor da Fazenda Real, encarregada de coordenar e fiscalizar as atividades das provedorias das capitanias. Disponível em: < www.receita.fazenda.gov.br>. 62 Aquele que oferecesse o maior lance arremataria o contrato de cobrança de impostos. A fiança a ser paga correspondia a 10% da quantia avaliada para a renda. Com isso, instituiu-se o sistema de cobrança por particulares, que sempre cometiam abusos e vexações aos colonos. Em contrapartida, a Coroa instituiu uma jurisdição especial à Fazenda, onde o provedor-mor julgava os oficiais e rendeiros acusados de excessos. 63 Ver Mendonça (1972, p. 89-116). 64 Quando criada, a Provedoria da Fazenda Real do Brasil reportava-se aos Contos do Reino e Casa, em Lisboa, instituição que originou o Conselho da Fazenda, hierarquicamente superior. Com a criação, em 1642, do Conselho Ultramarino, todos os órgãos coloniais passaram a espelhar-se nele. Em 1761, criou-se o Erário Real, órgão que centralizaria todas as atividades financeiras do Império Português. Tais medidas fizeram com que as Provedorias da Fazenda existentes em cada capitania fossem extintas, ao passo que foram sendo criadas as Juntas de Fazenda. Ver Menezes (2005). 65 Mais detalhes sobre as Fazendas Reais ou provedorias, ver Anexo A.

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As provedorias-parciais estavam equipadas com livros escriturados, forais,

regimentos e provisões. Com base no livro Direitos e Rendas e Contratos de

Arrendamentos e o do Pessoal das Armadas e Navios, os funcionários régios

desempenhariam as seguintes atividades: (a) levantamento das mercadorias da alfândega;

(b) cobrança do dízimo do açúcar; (c) arrendamento dos bens da Coroa através de pregões;

(d) fiscalização dos contratos. 66 Esse sistema permaneceu por toda era colonial – no

Império, até meados do século XIX, ainda há registros de arrendamentos de cobranças de

impostos. Embora muitos cuidados fossem dispensados ao processo de arrematação, a

Coroa viu-se sempre às voltas com fraudes e conluios.

Na documentação fazendária do Arquivo Histórico de Goiás, encontram-se

documentos de 1801 a 1810 que exemplificam as dificuldades com o sistema de

arrematação, assim como as medidas adotadas pela Coroa. Em carta ao governador e

capitão-general da capitania de Goiás, o Príncipe Regente reclama da má atuação da Real

Fazenda; comenta sobre o contrato dos dízimos da Bahia que parecia ter sido arrematado

com vantagem, mas se reconheceu que a mesma renda, se administrada pela Real Fazenda,

alcançaria rendimentos mais vultosos. Caso semelhante ocorrera nas capitanias do Rio de

Janeiro, Pernambuco e Rio Grande de São Pedro, onde os contratos foram novamente

postos a “lanço”. Informado de conluios contra a Real Fazenda, ordenou que fossem

imediatamente postos a lanço todos e quaisquer contratos reais:

(...) o que executareis não só pelo que respeito a cada hum em totalidade mas ainda dividi-os em ramos ou pequenas porções, com a condição de prestarem os Arrematantes bons fiadores e de pagarem cada Quartel houver principiado; e no cazo que vejais, que por este modo ou pelo de huma Administração certa se pode augmentar a Minha Real Fazenda, e que esta caso de se Considerar que há lezão enorme contra ella devereis desde logo dar por acabado o mesmo Contracto ou Contractos, e manda-los entregar aos que novamente os arrematares. 67

66 Nas Capitanias, as rendas eram separadas em ramos e postas a pregão para serem arrematadas pelo maior lanço, que não poderia ser menor que o dos anos posteriores. Feita a arrematação, o rendeiro pagaria a fiança de 10% do valor do contrato. Nos anos subsequentes, o rendeiro deveria quitar sua divida junto ao almoxarife, que prestaria contas ao provedor da capitania, e este, quinquenalmente, ao provedor-mor na Bahia. Caso não houvesse nenhum interessado no contrato, o provedor nomearia pessoa da terra, idônea e abonada, para proceder à arrecadação (MENEZES, 2005, p. 38). 67 AHG - Documentação avulsa, caixa 5.

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Das provedorias-parciais saíam também as licenças para o transporte de mercadorias

por mar68 e – com a anuência do capitão-donatário – para o deslocamento intracapitanias.

Na ampla jurisdição que lhes foi outorgada constava o impedimento aos capitães-donatários

de ingerência nos assuntos da Fazenda, sob pena de perda de suas mercês. Todo esse

aparato administrativo tencionava uma melhor arrecadação dos impostos e a promoção de

recursos que permitissem às provedorias arcarem com o ônus administrativo e controlarem

com mais rigor a arrecadação dos tributos e as fraudes cometidas contra as rendas reais.69

A jurisdição das provedorias regionais causava algumas confusões. Os limites

impostos aos agentes responsáveis pela arrecadação coincidiam com os limites territoriais

das capitanias. Em face disso, a mobilidade das fronteiras territoriais quanto ao fosso que

havia entre o que legislava o Regimento e o que se fazia na prática administrativa – nesse

caso, sob aprovação da Coroa – constituía-se num grande problema. Conforme Menezes

(2005), o pagamento, municiamento e abastecimento a que estavam obrigadas as

provedorias geralmente não respeitavam os limites territoriais, ou seja, umas pagavam ou

supriam as necessidades de outras. 70 Essa aproximação entre as capitanias desperta a

atenção do observador, em se tratando de um período cuja propalada falta de unidade entre

elas é tida como fato corrente. São documentos que indicam que a unidade territorial,

“alinhavada” na Colônia, foi “costurada” no Império.

Em ofício ao capitão-general da capitania de Goiás, datado de 1770, o capitão-general

da capitania de Mato Grosso comunica que, devido ao “estado da Fazenda desta capitania e

extraordinária penúria de mantimentos que este anno se experimenta, por causa das cheias,

rogo a V. Exª. suspenda por hora, a expedição dod° [do dito] socorro”, mas que, em caso de

necessidade, solicitará o envio do auxílio. No entanto, pede que lhe envie “quaisquer

68 Primeiramente os negociantes deveriam informar ao provedor da capitania quais mercadorias seriam transportadas, para que ele pessoalmente as conferisse nos navios. Se o informe estivesse correto, conceder-se-ia a licença; caso contrário, seria negada. Se o navio zarpasse sem a licença, estaria “perdida” toda a mercadoria, entrando como receita ao almoxarife do rei. 69

A autonomia e amplidão de poderes concedidos às provedorias constituíam-se nos maiores problemas enfrentados pela Coroa no combate às fraudes e à sonegação fiscal. Como medida precatória, a Coroa portuguesa exigia dos funcionários envolvidos na cobrança de tributos o pagamento de uma fiança, além da disponibilização dos seus bens pessoais para cobrir eventuais prejuízos causados. 70 Como exemplo, cita o imposto da Paraíba, que durante muito tempo foi arrecadado pela alfândega pernambucana.

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pessoas, metade Dragões, metade Pedestres, para recrutar as Companhias e limpá-las de

alguns velhos, inválidos, que ainda existem por falta de recrutas”. 71

As obrigações de algumas provedorias atenderem às necessidades de outras

permaneceram por todo o período colonial. Basta lembrar para isso o auxílio em ouro

enviado à capitania de Mato Grosso, devidamente expresso na provisão de 3 de abril de

1818 e remetido à Junta da Fazenda de Goiás:

El Rey [...], querendo quanto é possível, concorrer com as providências necessárias para a segurança, augmento e prosperidade da Capitania de Mato Grosso: foi servido determinar que a mesma Junta, a pesar da escassez das rendas dessa Capitania, tome a seu cuidado, como hum dos artigos da mais seria attençao, promover a cobrança da divida activa de sua Real Fazenda, afim de que, por uma regulação mais econômica das despezas della, se possa enviar para a dita Capitania de Mato-Grosso, annualmente, alguma porção de ouro à conta da contribuição [...]. 72

Segundo Menezes, no período que vai de fins do século XVII ao segundo quartel do

século XVIII, Ceará, Rio Grande e Itamaracá dependeram, sob diversos aspectos, da

capitania de Pernambuco, para o pagamento de soldos, bem como para manutenção e

construção de fortalezas. A comparação com a situação entre as capitanias de Goiás e Mato

Grosso, estabelecida em meados do século XVIII – momento de extração aurífera – e

prevalecida até as vésperas da Independência, evidencia que a ajuda entre as províncias,

não somente financeira, mas também em víveres e recursos humanos, foi de grande

importância na era colonial. Mais que isso: mesmo que na jurisdição das provedorias

definida nos regimentos de 1548 o limite das ações dos provedores das capitanias

coincidisse com seus limites territoriais, na prática não foi esse o ocorrido. Nas obrigações

paulatinamente estabelecidas entre umas e outras, encontrava-se o gérmen da futura

unidade nacional – um gérmen que, segundo Mello e Souza (2006), foi inicialmente

percebido pela Coroa.

Uma vez mais, a Coroa teve de lidar com as consequências de suas ações e

limitações: a busca por um melhor sistema tributário e arrecadador, através da grande

autonomia concedida aos provedores, fez por aumentar ainda mais as fraudes e abusos por

eles cometidos, além do uso frequente de violência contra os colonos. Na medida em que se

71 AHG - Documentação avulsa, caixa 2, pacote 1, 1770. 72 AHG - Relação da documentação dos poderes Executivo e Legislativo – Império e República – Brasil. Coleção das Leis do Império do Brasil. Provisão de 3 de abril de 1818.

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74

abriam novas frentes econômicas, lá estavam as estações de arrecadação, por vezes

aparelhadas com forças militares para garantir o pagamento dos tributos. A limitação de

recursos humanos e a opção pela cobrança dos impostos através dos rendeiros tornaram a

tributação ainda mais penosa aos contribuintes.73

Em ofício aos administradores e agentes das vilas de Pilar e Crixás, datado de 1813,

o deputado-escrivão da Tesouraria Geral relata que por diversas vezes havia lhes advertido

para não receberem ouro que não estivesse limpo. Apesar de todas as recomendações, tem-

se remetido ouro cada vez mais sujo, razão pela qual ordenava à Junta da Real Fazenda que,

pela última vez, repetisse os citados avisos. Daquela data em diante, haveria de se limpar,

por conta do exator, toda e qualquer adição apresentada na dita Tesouraria, abonando-se

somente a quantia equivalente ao ouro puro. Alerta ainda que o funcionário que recebesse

ouro impuro não esperasse nenhuma indulgência.74

Em uma economia com permanente escassez de moeda, artigos como açúcar, ouro

em pó, tabaco, algodão etc. constituíam-se em moeda-padrão de permuta. Cada um tinha

preço fixo corrente e servia como dinheiro. Quando o contribuinte propunha o pagamento

do tributo em espécie (no produto que havia produzido) e o arrematador não aceitava, a

cobrança era protelada até que os colonos fizessem a troca por mercadorias aceitas como

pagamento. O agravante é que o pagamento do tributo, pelo sistema de escambo, trazia o

problema da falsificação, especialmente do ouro em pó, o que causou graves transtornos

durante a era colonial e o Império. Se a Fazenda Real vivia às voltas com recebimentos,

envolvendo artigos fraudulentos, é possível imaginar o que esperavam os moradores de

uma capitania onde essa mercadoria constituía-se na quase totalidade da moeda circulante.

Segundo Madeira (1993), toda essa situação de dificuldades de produção, limitação

do escoamento – imposta pelo exclusivo metropolitano – e de pagamento de tributos, assim

como o conhecimento das fraudes e privilégios concedidos às elites locais, predispunha nos

73

Os problemas com as arrematações iniciavam-se já no momento das licitações, em que ocorriam fraudes com a anuência dos provedores. Os vitoriosos eram aqueles licitantes que melhor lhes convinham. Nesse período, as principais rendas advinham da tributação do açúcar, dos escravos, do couro e do tabaco. Algodão, cacau, cravo, canela, pimenta, anil etc. também representaram boa fonte de rendimento à Fazenda Real. O tumultuado sistema de recebimento de impostos, geralmente pago em espécie, foi alterado quando da introdução de moedas metálicas na colônia. Para Amed (2000), a cobrança de tributos em moeda trazia prejuízos aos colonos, em razão das desvalorizações nas moedas de ouro e prata; por outro lado, o pagamento em espécie não mais interessava à Coroa. 74 AHG -Documentação manuscrita, datilografada e impressa, livro 29, p. 379.

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75

colonos a resistência ao pagamento dos tributos. É sob essa perspectiva que a prática do

contrabando tornou-se, ainda na colônia, uma verdadeira instituição:

Muitas são as causas desta extraordinária diferença [entre receita e despesa] mas a principal hé a péssima administração dos Colletores, salvas as honrosas excepções. Senhores, eu não quizera que se opprimesse os Povos; [...], mais isso dista muito de huma [...] culpável indolência; isto dista muito de haver muitas vezes rigor com os pequenos, e condescendência com os grandes.75

Por via de regra os chamados poderosos, e ricos, são os mais remissos no pagamento dos impostos, assim como ha mais severidade contra os pobres, e fracos. É necessário convencer o povo, de que os sacrifícios que faz, reverte em seo benefício.[...] que os tributos que paga são aplicados para o seo bem-estar [...]. Se abusos se cometem na cobrança das rendas, [...] são crimes altamente reprovados pela moral e pelo governo.76

O envolvimento dos funcionários régios, nas fraudes de licitação de contratos, nos

abusos durante a cobrança de tributos, na concessão de privilégios às elites locais através da

isenção do pagamento de tributos em troca de favores e benefícios pessoais, constituía-se

em falta de extrema gravidade e, ainda que conhecida, jamais pôde ser evitada pela Coroa.

A indistinção entre o que pertencia ao Rei e ao Estado levava à concepção de que

fraudar ao Estado significava crime de lesa-majestade. No entanto, os funcionários

fraudadores, quando não eram nobres, tinham estreitas ligações com a aristocracia

portuguesa, o que lhes proporcionava certa impunidade. Os comportamentos ilícitos ou

duvidosos envolviam não apenas funcionários da Fazenda, mas também nobres reinóis,

como D. Rodrigo César de Meneses, D. Pedro de Almeida, D. Marcos de Noronha e D.

Álvaro José Xavier Botelho de Távora, governador da Província de Goiás em 1756, cuja

administração foi envolvida pelas brumas de ilícitas transações. Mesmo dispondo da

prerrogativa de dirigir-se a El-Rei em ofícios secretos e de poder tratá-lo de “amigo”, este

último não esteve imune à devassa, da qual muito se falou e pouco se comprovou.77

75 Relatório que à Assembleia Legislativa de Goiás apresentou na sessão ordinária de 1839 o Excelentíssimo Presidente da mesma Província D. José de Assis Mascarenhas. Memórias Goianas, v.3, 1986. p.165 76 Relatório que à Assembleia Legislativa de Goiás apresentou na sessão ordinária de 1845 o Excelentíssimo Presidente da mesma Província D. José de Assis Mascarenhas. Memórias Goianas, v. 4, 1986. p. 25 77 Ver Mello e Sousa (2006) e Palacín (1983).

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76

A solução para a sede de tributos estava nos pés dos bandeirantes portugueses, que,

abrindo picadas que avançavam lentamente pelo interior, alcançaram, em fins do século

XVII, as almejadas minas auríferas. A descoberta deu início a uma política severa e às mais

opressivas práticas fiscais implantadas até então. Para reforçar sua política centralizadora, a

metrópole instituiu, em fins do século XVII, o Conselho da Fazenda, órgão deliberativo dos

contratos da Fazenda Real. Com isso, restringiram-se os poderes do provedor-mor, que

passou a compartilhar suas decisões com os membros desse Conselho. Além disso, as

descobertas auríferas do Centro-Sul impuseram mudanças – na administração fazendária

das minas – que visavam facilitar a cobrança dos impostos e a contenção do contrabando.

Como a tendência do ouro era percorrer “diversos” e escusos caminhos, a

administração metropolitana criou, no início dos setecentos, as “alfândegas internas”, ou

registros de fronteira, 78 que dificultavam a circulação por caminhos não oficiais e,

consequentemente, tentavam impedir o contrabando de ouro, mercadorias e animais (Figura 4).

Inicialmente exploradas por particulares, essas barreiras foram posteriormente administradas

por funcionários régios, os provedores dos registros. Ali, viajantes, tropas e comitivas só

seguiam viagem, mediante apresentação das guias expedidas pelas autoridades. Em torno

desses postos de cobrança, surgiram casas, ranchos para os tropeiros, vendas etc., originando

daí cidades como Mogi-Mirim e Mogi-Guaçu (AMED, 2000, p 111).

Nos registros também se permutavam moedas provinciais por ouro em pó, recebido

nas transações mercantis. Ao saírem da capitania, trocavam o ouro por moedas. No entanto,

por tratar-se de mercadoria rara nas capitanias do interior, o ouro em pó poderia

permanecer em posse dos viajantes, desde que fosse declarada a quantidade e emitida a

guia para controle tributário.

FIGURA 4: Registros e contagens do Período Colonial – Goiás.

78 Em 1718 criaram-se os “registros” nas estradas que conduziam às minas. A arrecadação do tributo era, comumente, cedida a um “contratador”, que pagava ao fisco, em parcelas, uma quantia fixa, em troca do direito de cobrar o imposto em seu próprio proveito. Os registros que já haviam sido estabelecidos na “saída” das minas e nos portos, para fiscalizar a cobrança do “quinto” e para combater o contrabando de ouro e gado que vinha da Bahia, passaram a fiscalizar “as entradas” em todas as estradas e caminhos importantes. O sistema de registros das entradas foi implantado em Minas Gerais a partir de 1716; em Goiás, em 1732; em São Paulo, a partir de 1721. Geralmente eram instalados “numa estrada regular”, em um “vão de serra”, “fecho de morros” ou desfiladeiro, próximo a um curso de água, visando dificultar a passagem dos contribuintes. O pessoal dos registros se compunha de um administrador, um fiel, um contador e dois ou quatro soldados. Os prédios consistiam na casa do registro, nas residências do fiel e do administrador, no quartel dos soldados, num rancho para os tropeiros contribuintes e num curral para os animais. A estrada era fechada por um portão com cadeado. Disponível em: <www.receita.fazenda.gov.br>. Ver relação completa dos registros coloniais no Anexo C e D.

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77

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78

As “contagens”, por sua vez, mesmo tendo como encargo a tributação de animais

em marcha, também cobravam impostos sobre outras mercadorias.79 Apesar das diferenças

entre as legislações dos registros e das contagens, um documento do Arquivo Ultramarino,

de 1768, traz a relação desses catorze postos de cobrança da capitania, sem qualquer

distinção entre uns e outros.80

As contagens eram chefiadas pelos “contageiros”, ofício posteriormente unificado

ao fielado. Em 1798, por ordem de D. Maria I, determinou-se que esses cargos fossem

abolidos, e seus ocupantes, providos em outros postos. Apesar da ordem régia, em

documento datado de 1821, do Arquivo Histórico de Goiás, Manuel Ignácio de Sampaio,

em carta ao Conde da Louzaã, diferencia os registros que

só existem nas extremas da Capitania [...] e as contagens estabelecidas no interior da Capitania para a percepção de direitos, que, sem o apoio de Ordem Régia alguma, e com o maior escândalo se tem até agora exigido de certos gêneros, como tabaco, carne seca, marmelada, açúcar, sal da terra, rapadura, e outros semelhantes, quando se transportam de uns lugares da Capitania para outros, e que só o gado vacum deixou de pagar [...].81

A importância desse documento se deve ao fato de Sampaio ter “descoberto” no

Arquivo da Junta (o que revela a desorganização desse órgão que certamente não mantinha

provisões, alvarás, ordens régias etc. em ordenação cronológica e por matéria) a provisão

de 2 de setembro de 1808, na qual se manda cessar o pagamento referente ao direito

cobrado sobre o gado vacum nos registros da dita capitania. Segundo o relato, essa provisão

gerou a errônea interpretação

[...] de que tão somente se devia entender a respeito dos direitos que o gado também aqui pagava, quando se transportava de uns lugares da capitania para outros, apesar de que estes direitos nada tinham com os registros, que só existem nas extremas da Capitania e de que expressamente fala a Provisão de 1808 [...].

79 A palavra "contagem" foi usada pela primeira vez em Minas Gerais para designar o posto de fiscalização do ribeirão das Abóboras, que deu origem à cidade de Contagem (MG). Como em Goiás essas repartições existiram em maior número, o termo tornou-se mais comum na região. Ver a relação e localização dos postos de “contagens” no Anexo C. 80 AHU - doc. 395; AHU - Mato Grosso, cx. 39, doc. 51; AHU – ACL-CU -008, cx.5, doc. 395 Ver Anexo I. 81 AHG - Documentação manuscrita, datilografada e impressa, livro 88 – Correspondência da Presidência da Província para a Secretaria da Fazenda Pública Marinha e Ultramar, p. 1.

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79

Ora, percebe-se aí não só o erro de interpretação, mas também a ilegalidade dos

tributos cobrados pelas “contagens”, que, apesar da Ordem de 1798, continuavam sendo

feitos indevidamente. Conforme já foi dito, junto à mineração havia sido implantado um

sistema tributário diferenciado, rigoroso e violento, recebido em meio a resistências e

revoltas.82 As casas de fundição,83 para onde todo ouro era levado, causavam insatisfação

aos mineiros, devido aos longos percursos por estradas perigosas e em péssimas condições.

Além disso, a desconfiança quanto ao manejo do ouro, no momento da fundição, gerava um

clima de tensão entre mineiros e funcionários.

Tentando impedir a sonegação, foi instituído pela Junta da Fazenda de Vila Rica,

em 1710, o sistema de fintas (cotas de arrecadação) em substituição ao quinto. Para o ano

de 1713, foi proposta a quantia de trinta arrobas de ouro arrecadadas pelas câmaras,

mediante fintas lançadas aos mineradores.84 Em contrapartida a esse sistema, os mineiros

exigiam a extinção dos registros e a abolição das leis que impediam a circulação de ouro

para fora da capitania (ou a circulação mediante guia). Dessa forma, estariam suspensos os

pagamentos das entradas, o que não agradou à Coroa, ciente dos prejuízos advindos. Esse

sistema vigorou por cinco anos, quando se instituíram novamente o quinto e as casas de

fundição.

Como a sonegação fiscal grassava, a Coroa, insatisfeita com as casas de fundição,

criou, em 1735, as Intendências do Ouro,85 cuja função era arrecadar tributos e controlar a

82 Amed (2000) cita: em 1712, o motim em Vila do Carmo; em 1715, a revolta do Morro Vermelho; em 1716, a conspiração no Rio das Velhas; em 1718, a sedição de São Francisco; em 1719, a revolta dos paulistas instalados em Pitangui, dirigidos por Domingos Rodrigues do Prado; em 1720, a sedição de Vila Rica contra o funcionamento das casas de fundição. Sobre a sedição “capitaneada” pelo tropeiro de Cascais, Felipe dos Santos, ver Mello e Sousa (2006, p. 185-253). 83

Antigos órgãos de arrecadação de tributos sobre a mineração, as primeiras casas de fundição foram instaladas em São Paulo, depois de 1580. Ali todo o ouro extraído era recolhido e transformado em barras, nas quais era aposto um cunho que a identificava como "ouro quintado" de onde já fora deduzida a quinta parte pertencente à Coroa (Disponível em: < www.receita.fazenda.gov.br>). 84Quantias estipuladas de acordo com a localização das datas e com o número de escravos ali empregados (AMED, 2000, p.135). 85

A intendência foi criada pelo Decreto de 28 de janeiro de 1736, para arrecadar e fiscalizar a capitação, nova modalidade de tributação do ouro então instituída nas capitanias de Bahia, Minas Gerais e São Paulo. Em consequência, foram abolidas as casas de fundição existentes. As intendências mantiveram-se até o início do século XIX, quando foram abolidas pela lei de 25 de outubro de 1832. Em Goiás, foi criada em 1736 a Intendência de Santana, ou Intendência de Vila Boa, com uma casa de fundição anexa, em 1752, que foi extinta em 1809; a de São José do Tocantins, fundada em 1737, tinha jurisdição sobre todo o norte de Goiás. A partir de 1754, a Casa de Fundição em São Félix de Carlos Marinho aparece nos documentos como Intendência do Arraial e Distrito de Tocantins e São Félix das Minas de Goiás, A Intendência do Ouro de Traíras data de 1740 (Disponível em: <www.receita.fazenda.gov.br>).

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80

atividade mineradora e a Intendência dos Diamantes. Tal sistema de capitação favoreceu os

lucros da Coroa, mas causou danos à mineração, devido à frenética procura pelo ouro de

aluvião e ao soterramento dos veios subterrâneos. Adveio daí o rápido esgotamento das

minas. Por isso, em 1751, aboliu-se a capitação e instituiu-se mais uma vez o sistema do

quinto e das casas de fundição.86 Na capitania de Goiás, o quinto voltou a ser cobrado nas

Casas de Fundição de Vila Boa e de São Félix (Comarca do Norte), tendo sido esta última

posteriormente transferida para Cavalcante. Com o declínio da extração aurífera, passou-se,

em 1803, a cobrar a décima parte do ouro extraído na capitania.

Em 1761, com a criação do Erário Régio em Portugal, houve grandes mudanças não

somente na forma de arrecadação, mas sobretudo na contabilidade no Reino e na Colônia.

Com essas medidas, as antigas provedorias foram sendo substituídas pelas Juntas de

Fazenda,87 diretamente subordinadas ao Erário português e presididas pelo vice-rei, na

capital, e pelos respectivos governadores das capitanias. Tais juntas passaram a administrar

e arrecadar todas as rendas régias, além de efetuar os pagamentos das folhas civil,

eclesiástica e militar, o que provocou a extinção do Conselho da Fazenda e dos cargos de

provedor-mor e provedor das capitanias.

Ainda que se apelasse para o direito divino do rei, para a consciência dos colonos,

para aparatos coercitivos ou para o ideário “de pecado e culpa” propagado pela Igreja

Católica, grande parte da produção de ouro escapava à fiscalização oficial. Além disso,

86 Madeira (1993) comenta que D. Rodrigo José de Menezes, governador da capitania de Minas Gerais entre 1780 em 1783, sugeriu em carta a Martinho de Melo e Castro a suspensão da cobrança do quinto nas casas de fundição e a da livre circulação do ouro em pó dentro da capitania. As casas de fundição seriam substituídas pela Casa da Moeda em Vila Rica, onde todo o ouro seria transformado em moedas, ao valor de 1$200 réis a oitava. Nesse preço já estariam descontados os 20% do quinto, já que o valor da oitava de ouro era de 1$500 réis. Essa medida traria economia e aboliria a circulação legal do ouro em pó, por ser uma grande fonte de contrabando. Em pleno vigor do exclusivo metropolitano, D. Rodrigo propôs a fundação de uma fábrica de ferro em Minas, que facilitaria a aquisição dos instrumentos de trabalho e diminuiria o custo de produção dos mineiros. Além disso, sugeriu a criação de um fundo de financiamento pela Fazenda Real, que ofereceria juros de 8% ou 9% ao ano, incentivando a produção de Minas e, consequentemente, uma maior arrecadação dos impostos. Obviamente, tais propostas não foram aceitas pelo ministro de Ultramar. 87 As Juntas da Fazenda, ou Tesourarias, instaladas em todas as capitanias brasileiras tinham cada qual uma jurisdição específica. Eram responsáveis pelos gastos e recibos remetidos regularmente, de maneira padronizada e exata. Os funcionários eram recrutados entre os homens abastados, geralmente comerciantes ricos que, estimulados por soldos atraentes, deveriam colocar os seus conhecimentos e práticas a serviço dos negócios públicos. Em Minas Gerais, a Junta da Fazenda respondia pela arrematação dos contratos da capitania que alcançavam direitos de entrada, dízimos, além de direitos de passagem. Para Amed (2000), foi a primeira vez que um órgão colonial responsabilizava-se diretamente pela tesouraria regional, bem como por todas as despesas e arrecadações, com exceção do quinto real que continuou sob a responsabilidade das casas de fundição. Ver relação das Juntas da Fazenda em Anexo B.

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81

havia o contrabando de produtos ingleses que, exportados para o Brasil, iam parar em

colônias espanholas, para serem trocados por prata, o que movimentava as transações

comerciais inglesas. Maxwell (1995) menciona o “contrabando oficialmente protegido”: a

prata que ia para a Europa nas frotas do Brasil e era reembarcada para a Inglaterra.

Ademais, havia as fraudes praticadas nas próprias minas:

Os mineiros não eram os principais responsáveis pelo grande fluxo ouro de contrabando de ouro: este se encontrava nas mãos dos proprietários rurais, dos funcionários, dos padres e, especialmente, das caravanas de mercadores que forneciam produtos manufaturados, cavalos, gado e ex-escravos às zonas de mineração. (MAXWELL, 1995, p. 26)

Segundo essa concepção, tropeiros de mulas xucras, ou arriadas, e boiadeiros

estavam fortemente inseridos nesse comércio ilegal. No entanto, todo esse quadro de

sonegação e contrabando era uma resposta à débil política estatal de meados do século

XVIII.

A administração pombalina, na Colônia, foi recebida com protestos antifiscais,

advindo um período de violência gerado pela cobrança de impostos. A política fiscal

baseava-se na tentativa de arrecadar, via tributos, somas que cobrissem os déficits da

balança comercial portuguesa. Além disso, catástrofes naturais que assolaram o reino

também deveriam ser custeadas por novos impostos, a exemplo do subsídio voluntário; a

educação na colônia, com o afastamento dos jesuítas, passou a exigir um novo imposto: o

subsídio literário. Havia ainda os donativos, terças partes e novos direitos dos ofícios de

Justiça e Fazenda, que eram cobrados dos funcionários reais.88A maioria desses tributos

eram recebidos pelos rendeiros, que, mediante contrato arrematado por um preço fixo a ser

pago à colônia, cobravam diretamente dos contribuintes.

88 Os ofícios de serventia eram arrematados em Lisboa ou oferecidos aos vassalos como mercês. No entanto, em agosto de 1760, por ofício enviado ao capitão-general da capitania de Goiás, João Manuel de Melo, o rei comunica ter mandado suspender as arrematações “das Serventias trienaes dos Offícios Publicos de Justiça e Fazenda do Estado do Brasil” por estarem devolutas ou que por terem sido dadas aos vassalos em mercês, estes não as serviam pessoalmente como estavam obrigados. Assim, ordenou que as serventias desta Capitania fossem arrematadas em praça pública e na Junta da mesma capitania, preferencialmente por “lançadores, que offerecerem mayor donativo para a Minha Real Fazenda e vos parecerem mais idoneos para bem servirem os referidos Offícios.” A fim de que o imposto sobre esses ofícios fosse rigorosamente arrecadado, o rei ordenou que se fizesse um cofre em separado no qual os valores ali depositados seriam anualmente remetidos à Casa da Moeda da cidade de Lisboa, acompanhados dos conhecimentos, e dirigidos ao Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos (AHG - Documentação manuscrita, datilografada e impressa - 1722-1973, Livro 15, ofício 24).

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82

2.2 Tributos e contratos

“[...] os contratadores eram a face privada e a Junta da Fazenda a face pública – a cara e a Coroa – do mesmo Estado.” (MADEIRA, 1993)

Ainda que o Regimento dos Provedores da Fazenda Real nas capitanias do Brasil de

1548 criasse o regime fiscal fazendário com todo o aparato burocrático de funcionários, a

Coroa, então aparelhada de forma incipiente, optou pelo sistema de arrendamento de

direitos e rendas do Rei. Tal arrendamento foi realizado por intermédio de agentes

privados: os contratadores ou rendeiros, geralmente comerciantes abonados ou capitalistas

que, via sistema de fiança, antecipavam aos cofres do erário a décima ou a quarta parte, ou

mesmo a metade do preço do contrato (MADEIRA, 1993).

O contrato estabelecido entre a Coroa e particulares embasava-se juridicamente na

instituição da regalia, a saber, o arrendamento dos direitos do rei a particulares que,

mediante prévio acordo, eram encarregados de exercer direitos reais, tais como cobranças

de tributos, exploração de estancos e monopólios. São os chamados rendeiros ou

contratadores, que, junto aos almoxarifes, recebedores, provedores, tesoureiros e fiéis de

registros, cobravam impostos e pagavam ao rei a parte que lhe era devida, por intermédio

dos almoxarifes. Segundo Madeira (1993), antes de ser taxado, o valor aduaneiro das

mercadorias era preestabelecido todos os anos pelos oficiais da Alfândega e da Fazenda,

com a participação dos comerciantes. Os oficiais da Fazenda Real administravam a Casa

dos Contos de cada capitania, os livros do fisco e os interesses da Fazenda Real, mas sua

principal atribuição era assegurar que os contratos de arrematação das rendas e direitos do

rei fossem levados à praça para arrematação. Feito isso, os rendeiros deveriam pagar a

fiança de 10% aos cofres da Fazenda Real, dispondo dos trinta primeiros dias após firmado

o contrato.89 Os contratadores, mesmo sob o controle dos oficiais da Coroa, montavam seu

próprio esquema administrativo através da contratação de empregados particulares e

representantes.

89 Em agosto de 1760, um ofício foi endereçado ao governador da capitania de Goiás, João Manoel de Mello, em que o rei concedia aos contratadores de dízimo os mesmos privilégios de que gozavam os contratadores de Minas Gerais, “[...] para fazerem os respectivos pagamentos, com a espera de hum Anno [...]”. Segundo o mesmo ofício, essas ordens já haviam sido passadas ao governador anterior dois anos antes (AHG –Documentação manuscrita, datilografada e impressa 1722-1973. Livro 15, ofício 27).

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83

Os contratos, com validade de três anos, eram arrematados em leilão, e o valor total a

ser pago aos cofres da Real Fazenda, relativo aos anos de sua validade, era fixo. Os rendeiros

contratavam os administradores dos registros, o caixeiro e os cobradores. As Juntas da

Fazenda de cada capitania nomeavam os fiéis e os provedores dos registros.90 Segundo

Madeira (1993), a contratação, pela fazenda, daquele já contratado pelo rendeiro como

administrador do registro era algo corriqueiro, conjugando, assim, as funções privada e

pública. Como administrador do registro, deveria zelar pelos lucros do patrão contratador e,

como funcionário público, deveria zelar pelos interesses da Coroa. Em diversas ocasiões, a

Real Fazenda desejava receber o valor dos tributos sem o ônus da manutenção de um corpo

de funcionários que acompanhasse o contratador na cobrança e no recebimento dos impostos,

além dos gastos com alojamento e manutenção. Madeira esclarece que geralmente a Coroa

nomeava como fiel o mesmo individuo que fora escolhido, pelo rendeiro, para o cargo de

administrador do registro; apresenta, inclusive, documento que exprime o desagravo do

contratador diante dessa situação, pois a ele interessava separar os custos e os lucros

privados, assim como toda a contabilidade das despesas e receitas que cabiam à Real

Fazenda. “Esse sistema de arrendamento privado do tributo foi causa e efeito da privatização

da coisa pública e da patrimonialização do Estado” (MADEIRA, 1993, p. 117).

Apesar da adoção de medidas para controlar o sistema de arrematação de contratos,

prestação de contas e envio de receitas, a Coroa esteve sempre às voltas com desordens na

Provedoria, mau desempenho e inadimplência de rendeiros. Em ofício dirigido ao rei D. José,

datado de dezembro de 1760, o capitão-general de Goiás João Manuel de Melo relata as

desordens da Provedoria da Fazenda Real daquela capitania, relativas ao contrato das entradas

administrado por João Alves Vieira. Segundo seu relato, em 1757, “por não comparecer o

rematante”, a administração do contrato de entradas foi entregue a João Vieira, que havia sido o

administrador dos contratos precedentes. No entanto, havia sido informado que o administrador

cobrava “os direitos a razão de 1$500 réis a cada oitava de ouro, mas prestava contas de seu

recebimento a razão de 1$200 réis, ficando em seu poder com cinco ou seis mil oitavas que

90 A principal atribuição do fiel consistia em trocar o ouro em pó pela moeda legal para todos aqueles que saíssem da capitania; além disso, juntamente com os soldados, deveria reprimir o contrabando e vigiar o pagamento do quinto do ouro O provedor do registro deveria enviar ao intendente uma lista mensal dos comboeiros e comerciantes que entrassem e saíssem de suas respectivas comarcas, juntamente com a relação do lugar de onde vinham, o número de negros que os acompanhavam e de animais e cargas que transportavam.

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acrescerão na diferença deste vallor para o que dera na Provedoria hua fiança para repor

depois”, e o rei deveria decidir se esta pertencia ao povo ou à Fazenda. O governador revelou

ainda que, em face do interesse desse administrador em manter a referida soma em seu poder,

alertou as autoridades sobre suas recentes prestações de contas, as quais “seriam menos legais,

pois o rendimento deste contrato havia sido diminuto”, bastando, para se averiguar a ocorrência

de “cavilação”, examinar os aumentos dos feitores dos registros das entradas e conferi-los com

a conta prestada pelo administrador.91

A leitura dos ofícios desse governador permite compreender um pouco mais o

século XVIII em Goiás, um período de contradições em que a abundante extração de ouro

impôs a necessidade de maior controle administrativo e tributário. As mudanças na

administração fazendária das minas – novos regimentos, a criação de órgãos cada vez mais

centralizadores como a Intendência das Minas, que reportavam diretamente ao Erário Régio

e às Juntas da Fazenda92 – tinham como objetivo central facilitar a cobrança dos tributos e

impedir o contrabando. No entanto, o controle dessas regiões era tarefa hercúlea em

decorrência das enormes distâncias e, sobretudo, como lembra Mello e Souza (2006), por

atraírem “homens que não cabiam em parte alguma” e que rumavam para as minas

“corridos da justiça”. Com isso, a Coroa viu-se ameaçada externa e internamente por

“colonos sem peias, senhores de sua vontade e determinação”.

O governador de Goiás João Manuel de Melo havia recebido, em 1758, instruções

sigilosas, nas quais estava estipulada a instauração de uma devassa na capitania de Goiás

que visava averiguar os desmandos e corrupções do governo de seu antecessor, D. Álvaro

Xavier Botelho de Távora, conde de São Miguel. Segundo Palacín (1983), as referidas

instruções envolviam não somente a administração do ex-governador, mas também a ação

dos jesuítas, os “dois objetos maiores do ódio de Pombal”.93 Os ofícios de João Manuel de

91 AHU – ACL – CU - 008, caixa 17, doc. 1019 92 Criada em Goiás em 1761, a Junta foi presidida pelo governador da capitania e integrada pelo ouvidor, pelo provedor da Fazenda e pelos vereadores mais antigos (SALLES, 1992, p. 140). 93 Segundo Palacín (1983), a devassa visava condenar o conde de São Miguel. Diversos estudos historiográficos trataram da conspiração dos Távora, nobre família portuguesa, cuja riqueza rivalizava com a do próprio rei. Havia parentesco entre o conde de São Miguel e Francisco Xavier de Távora, o marquês de Távora, nomeado vice-rei da Índia em 1751 e executado sete anos depois sob suspeita de conspiração contra o rei D. José I. Outros membros da família foram envolvidos, e alguns permaneceram presos por diversos anos. O próprio conde de São Miguel, ao deixar a capitania de Goiás e regressar a Lisboa, foi encarcerado em Limoeiro. Sobre o assunto ver Mello e Souza (2006, p. 175-253) e Palacín (1983).

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Melo revelam os abusos na administração da capitania, envolvendo ministros e

funcionários régios, considerados o maior obstáculo à administração colonial:

[...] os ministros que me haviam de ajudar para a reforma sam os mesmos que se interessaram na relaxação. Vossa Excelência bem sabe pela experiência que estes homens quando passam a linha se fervem, e são os mayores obstaculos que tem os Governadores que com favor de Deos conservão os mesmos intentos com que sahiram do Reino. Cá não querem ver hum Governador que dezeja o bem commum, e zelle a Fazenda Real. Espero da retidão de Vossa Excelência e do Ilmo. e Exmo. Sr. Conde de Oeiras a quem escrevo largamente sobre esta matéria que vejam com attenção as contas que dou, e que me mandem as providências que espero; pois eu não somente obro por satisfazer com a minha obrigação e consciência; mas também por mostrar que a [?] que Ilmo. e Exmo. Senhor Conde de Oeiras fez da minha pessoa he útil ao Real Serviço.94

Em outro ofício, o Governador retoma a metáfora da “passagem da linha e dos ares

da América”, que, no caso particular, não corromperam os bons intentos com os quais havia

deixado o reino. No entanto, afirma que, se soubesse o que o destino lhe reservava, “pediria

de joelhos ao Senhor Conde de Oeiras que me mandasse antes para o Japão. Esta capitania,

alem de ser malcreada, se lhe tem introduzido tão péssimos abuzos nestes últimos annos

que está totalmente pervertida”. Acreditava que, antes de chegar a Goiás, todos na capitania

estariam ansiosamente aguardando as mudanças do governo, impostas depois de revelada a

má administração de seu antecessor.

O povo sim; mas os magnatas não, que estes só querem que lhes de Liberdade para fazerem, ainda que seja com a penção de repartirem, nestas Minas só se cuida no modo porque se há de tirar ouro sem se cavar, que este trabalho só se deixa aos pobres mineiros, ainda os mesmos ministros que vem destinados dessa Corte para indagarem a verdade de que Vossa Excelência querem saber, são os mesmos que se empenham em lha encobrir, que a todos faz conveniência que as coisas fiquem como estavão.95

Certamente o governador fazia menção ao ouvidor Francisco Atouguia Lira, que o

acompanhara à capitania para promover a devassa, o qual, segundo Palacín (1983, p. 23),

94 AHU – ACL – CU - 008, caixa 17, doc. 984. 95 AHU – ACL – CU - 008, caixa17, doc. 985.

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não correspondeu às expectativas em razão de suas investigações não terem incriminado

devidamente o antigo governador:

De fato, o ouvidor sindicante deve ter ficado perplexo diante de uma situação que envolvia a todos os funcionários da capitania, e em que era muito difícil destacar culpas individuais, como o governo reclamava. Deve também ter percebido que muitas irregularidades, posteriormente apontadas, se deviam em primeiro grau ao sistema e ao próprio governo central, e só subsidiariamente aos funcionários locais.

Cabe declarar aqui que, quem se debruça sobre as fontes fazendárias do Arquivo

Histórico de Goiás e sobre a historiografia existente, percebe que os desmandos praticados

nas instituições fazendárias foram constantes e insistentemente denunciados nos ofícios

emitidos para e pelo Reino. Junto à malha tributária implantada na capitania, teceu-se uma

teia de frouxidões, negligências e condescendências, que faziam parte do jogo real. Aos

poucos, oficiais maiores e menores, tesoureiros da intendência, chefes da provedoria,

rendeiros e meirinhos foram desenvolvendo práticas que, a exemplo do tesoureiro Diogo de

Gouveia Osório de Castro, causavam imensos danos aos cofres reais. 96 Geralmente

tratavam-se de nobres reinóis, uma classe de homens idôneos agraciados com mercês,

arrematantes de ofícios ou administradores de El-rei que partiam do reino “por amor a Deus

e ao serviço de Sua Majestade”. Havia, contudo, a linha que, depois de transposta, fervia-

lhes o sangue, hormônios e humores, distanciando-os de seus nobres princípios e da

devoção ao seu rei.

Nos registros97, onde o rendeiro instalava seu administrador e a Fazenda nomeava o

fiel, aconteciam frequentes fraudes e vexações. Ali os agentes fiscais se encarregavam de

efetuar o lançamento ou a cobrança imediata do imposto através da formalização do crédito

tributário, em que uma nota promissória, ou título de dívida do comerciante, viandante ou

tropeiro, era emitida para quitação no local de destino ou de consumo da mercadoria

tributada.98 Para ajudá-los a arrecadar impostos, evitando o contrabando ou o extravio de

96 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, livro 15, ofício 15; AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, livro 15, ofício 16. 97 Postos onde se cobrava o imposto sobre circulação de mercadorias. O direito de cobrar o imposto de entrada era outorgado ao rendeiro mediante a arrematação do contrato. 98 Segundo Madeira (1993), o transportador, ao passar com suas cargas pelo registro, recebia do administrador um título de crédito do imposto de entrada a ser cobrado no local de destino das mercadorias ou no local da

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mercadorias, os registros geralmente contavam com uma patrulha policial militar (um cabo

e dois soldados).

Com base na documentação analisada, observa-se que, além dos problemas com

fraudes e vexações, esses postos eram motivo de prejuízo para a Coroa. Um ofício de

meados do século XVIII denunciava o prejuízo sofrido pela Real Fazenda em decorrência

da multiplicação dos registros estabelecidos pelos arrematadores de contrato das entradas.

Como aos rendeiros era facultado o estabelecimento de registros nos lugares que lhes

conviesse – os quais deveriam corresponder aos caminhos permitidos pelo rei –, gerou-se a

errônea interpretação de que poderiam abrir novos caminhos a seu bel-prazer e ali instalar

os postos. Em resposta, a Coroa ordenou que cessasse a multiplicação dos registros e

proibiu o surgimento de novos caminhos e picadas. Aos contratadores caberia decidir o

lugar a serem instalados os postos de arrecadação, contanto que seu número estivesse de

acordo com a lei.99Em junho de 1768, havia 29 postos na capitania de Goiás, o que

representou um aumento de 93% em vinte anos.100

Os rendimentos, tanto dos registros quanto das repartições fazendárias espalhadas

pela capitania, eram remetidos aos cofres da Real Fazenda em Vila Boa. Por ordem emitida

aos agentes da Real Fazenda da repartição do Sul, compreende-se que a entrega dos

rendimentos – em ouro ou dinheiro – ficava geralmente a cargo dos Dragões. Junto ao ouro

deveriam ser enviadas as relações em que “distintamente se declare as quantias de cada um

dos rendimentos”, incluindo o valor relativo a cada ano, os ofícios da justiça, os nomes das

repartições, serventuários de quem se cobrara e as quantias remetidas.

As falhas dos funcionários dos registros chegavam ao conhecimento das Juntas, que

os “ameaçava punir (mas punindo, efetivamente, muito pouco)”. A partir de informações

“de pessoas dignas de crédito e por alguns fatos posteriormente praticados”, o escrivão

deputado da Junta informou ao governador de Goiás que o fiel do registro de Arrependidos

não cumpria com seus deveres e fidelidade. Como a conclusão dos exames necessários para

residência do devedor. Posteriormente, este deveria remeter o dinheiro ou enviar os títulos de crédito para o contratador em Vila Rica, que se encarregava do controle financeiro e comercial de seus contratos. 99 AHG - Documentação manuscrita, datilografada e impressa. Livro 15 – Correspondência e Instruções diversas do reino. Ofício 17. 100 Ver Anexo J.

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procedimentos posteriores demandava tempo, era necessário suspender o fiel até que se

providenciasse uma nova nomeação.101

Dentre os grandes contratadores de tributos no Brasil colonial destaca-se João

Rodrigues de Macedo. Os contratos arrematados por ele extrapolaram os limites da

capitania de Minas, abrangendo também São Paulo e Goiás. No contrato de entradas

arrematado na Junta da Real Fazenda de Vila Rica, Macedo, presente à mesa da Junta,

arrematou contrato das entradas do Caminho Novo e Velho do Rio de Janeiro e de São

Paulo para as minas do sertão da Bahia e de Pernambuco, de Goiás, Cuiabá,

Paranaguá e Paranapanema, pelo tempo de seis anos – de 1° de janeiro de 1776 a

dezembro de 1781 – ao preço de 944:000$000 de réis livres para Fazenda, “pagos em

barras fundidas pelo vallor do seu toque, de que pertence a cada hum anno

157:333.$333 réis e um terço, além de 1% para a obra Pia, Ordinárias e Munições e

mais encargos do contrato [...]”.102

Mediante o contrato, ao contratador pertenceriam todos os direitos relativos aos

impostos de entrada das mercadorias que chegassem à capitania pelos caminhos de terra e

se destinassem a Minas Gerais, Goiás, Cuiabá, Paranaguá e Paranapanema. Qualquer

viajante, ao sair das minas, deveria declarar o número de escravos que o acompanhariam,

para que, na volta, não precisassem pagar o direito de entrada ou a fraude de introduzirem

outros escravos no lugar dos que saíram.

O contratador poderia arrendar alguns dos registros, desde que ficasse obrigado, junto

a seus fiadores, por todo o preço dos contratos. Poderia também nomear, durante o tempo

do contrato, feitores e meirinhos, com seus dois escrivães em cada uma das comarcas,

pagando o seu ordenado

a custa da sua fazenda a quem se passarão Provimentos pela respectiva Junta para poderem servir os ditos Officios, e somente Cazo de ser suspenso algum dos ditos oficiais que fizer vexações ao povo [...] poderá fazer novas nomeações. [...] e tanto ele Contratador, seus sócios ou arrendatários, como os officiais e Feitores que se ocuparem na dita administração, gozarão de todos os privilégios, isencoens e liberdades, que pela Ordenação do Reyno e Regimentos da Fazenda lhe são concedidos e em todas as suas cauzas civeis, e crimes em que forem

101

AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa. Livro 29, ofício 92. 102 Cópia das condições do contrato das entradas rematados na Junta da Real Fazenda de Vila Rica por tempo de seis anos (AHG – documentação avulsa, caixa 2, 1770-1778).

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Autores ou Reos, serão seus Juizes privativos os Juizes executores das Juntas da Fazenda dos respectivos districtos, que lhes passarão mandados gerais para cobrarem executivamente tudo quanto se lhe dever deste Contrato, ainda que o tempo delle esteja acabado, dando de suas determinaçoens, Appellam, e Agravo para o Juiz dos Feitos da Fazenda da Relação do Rio de Janeiro [...].103

O contrato estabelecia também que, “por nenhum pretexto que seja se tomarão por

força escravos, cavallos, ou outras cavalgaduras aos viandantes que conduzissem

fazendas às Minas [...] pelos prejuízos que do contrario se seguirá ao rendimento deste

Contrato e aos moradores das Minas”, mas a presença de soldados nos registros era

permitida a fim de facilitar a cobrança dos tributos. Para a arrematação do contrato, era

necessário “assegurar este Contrato com fianças suficiente que lhes serão aprovadas na

forma costumada”.104

Finalmente ficava determinado que o contratador não poderia alegar qualquer tipo

de perda, “ainda nos casos que se admitisse o Regimento da Fazenda”. Essa cláusula

referia-se provavelmente a possíveis alegações de acidentes naturais, como estiagens,

excesso de chuva e más colheitas, que dificultariam o pagamento dos tributos e,

consequentemente, o não cumprimento do pagamento aos cofres reais por parte do

contratador.

Madeira (1993) esclarece que João Rodrigues de Macedo controlava seus

funcionários, espalhados pelas capitanias sob a jurisdição do seu contrato, por meio de

cartas – uma tarefa complexa que, se fosse mal executada, acarretaria enormes

prejuízos, além da impossibilidade de quitação dos débitos do contrato e o consequente

confisco de bens pessoais. Apesar da dificuldade, as cartas manuscritas e transportadas

no lombo de burros constituíam o único meio de gerenciamento da administração,

ordenação e controle de que os rendeiros dispunham. São as cartas de Macedo que

esclarecem a importância do auxílio prestado pelas patrulhas policiais na arrecadação

dos impostos. Ali se evidencia sua habilidade de aproximação de alguns comandantes

de destacamento, que poderiam, caso quisessem, contribuir para o patrulhamento dos

caminhos e para o auxílio de cobranças.

103 Idem. 104 O documento cita as determinações expressas na Carta de Pombal de 8 de fevereiro de 1768, segundo as quais “este contrato se confira a Contratadores opulentos e bem afiançados [...]” (AHG).

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Todo o aparato administrativo montado pelos rendeiros e auxiliado por oficiais da

Coroa não impediu o contrabando. Tentando reduzir os prejuízos, Macedo, em carta ao

administrador da capitania de Goiás, esclarece:

[...] respeito a extravios espero de Vm. todo cuidado e zelo para que os não haja; [...] vossa mercê mandará pregar editais em meu nome em toda essa Capitania, nas partes mais públicas, dizendo neles que eu dou a qualquer pessoa, de qualquer sexo que for, forro ou cativo, que denunciar qualquer extravio que possa haver, tirados os direitos, a metade do confisco; a qualquer soldado, cabo, ou oficial, ou outra qualquer pessoa que tenha jurisdição para fazer confiscos, se lhe dará o mesmo, isto é, fazendo-os sem que lhe sejam denunciados, que o sendo será para o denunciante; e a outra metade será para o contrato. (MADEIRA, 1993, p. 125)

Se o controle sobre a arrecadação, realizado diariamente num frenético vaivém

de missivas – que pressionavam o envio das remessas para os cofres reais –, constituía

uma tarefa exaustiva, bem como o trabalho de controle e emissão dos dinheiros, ouro

em barra ou em pó (ambos com valores diferenciados por oitava), letras de câmbio,

promissórias e ordens de ouro (títulos de crédito a receber), maiores ainda eram as

dificuldades enfrentadas nos momentos de execução das dívidas dos inadimplentes.

Tratava-se do estágio de penhora de bens, que consistia em “rica fonte de ocupação e

renda” dos advogados coloniais. João Rodrigues de Macedo e Silvério dos Reis não

prescindiam dos serviços desses advogados e Cláudio Manuel da Costa atendia às

solicitações de ambos.

Os rendeiros empregavam todos os meios possíveis para evitar a inadimplência dos

contribuintes, mas queixavam-se também da forma de pagamento desses impostos: “se em

todas as alfândegas deste Reino e dos outros se pagam os direitos à vista, como é possível

que só nas minas não possa praticar se o mesmo”. Macedo admitia que essa solução excluía

a maioria dos pequenos negociantes e percebia a impraticabilidade da medida exigida no

registro do Caminho Novo, por onde entravam em Minas Gerais os escravos, as fazendas e

as mercadorias do reino: “não falo dos outros registros por onde entram boiadas, cavalos,

bestas, couros e outros gêneros, nos quais só podem negociar os homens robustos e capazes

de sofrer os incômodos dos sertões, dos matos, os quais sendo pobres, não é possível que

paguem à vista os direitos das entradas” (MADEIRA, 1993, p. 32). Essa impossibilidade

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passou a ser encarada com naturalidade e resignação pelos rendeiros que eram obrigados a

tolerar a cobrança.

Toda mercadoria era fiscalizada e registrada. Posteriormente, os deputados da

Junta da Fazenda Real revisavam todos os livros do contrato, sendo o rendimento de

cada registro lançado em um livro diariamente assinado pelo administrador. A relação

mensal era enviada à Junta da Fazenda Real, juntamente com os créditos e as

cobranças efetivas do administrador, que dedicaria aos cobradores as importâncias de

seus créditos e procuraria os devedores para justo recebimento. Uma importante

medida adotada pela Junta da Fazenda Real foi a penalidade imposta a qualquer

administrador ou cobrador que cometesse omissões ou faltas premeditadas. Aos

rendeiros, seus sócios e fiadores não se permitia transportar mercadorias em seu

nome, pois, se assim o fosse, eles seriam devedores de si mesmos ou do contrato do

qual eram arrecadadores. Essa medida surgiu devido ao fato de serem comerciantes

grande parte dos rendeiros e seus sócios, dispondo de um considerável número de

mulas cargueiras, as quais faziam o transporte das mercadorias por eles

comercializadas. Macedo comercializava também com a região do rio da Prata, de

onde seus tropeiros e condutores traziam mulas e burros a serem comercializados na

região das minas. Por isso, a Fazenda Real se prevenia da possibilidade de que esses

rendeiros, donos de tropas, ao passarem mercadorias em seu próprio nome, se

tornassem devedores de seus contratos, o que redundaria numa fraude contra a Coroa.

Casos como o Roiz de Macedo e Antonio Almeida Prado, barão de Iguape, ambos

edificadores de imensas fortunas coloniais, são a prova de que tanto a medida

preventiva quanto a penalidade imposta não foram suficientes para impedir negócios

paralelos por parte dos contratadores de impostos.

Imiscuídos em diferentes negócios, a maioria dos contratadores não conseguia

cumprir integralmente seus compromissos com o fisco. Muitos apenas pagavam a parte

pertencente à Real Fazenda, após as longas demandas judiciais que acabavam por

sequestrar-lhes os bens (MADEIRA, 1993). Os resultados alcançados pela Coroa com o uso

desse sistema evidenciam que, do total dos contratos analisados por Madeira, apenas 16%

foram integralmente quitados (Quadro 1):

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QUADRO 1– Resultados obtidos pela Coroa com o sistema de contratos

Inicio do Triênio

Contratador Contrato Arrematação Débito em set de 1786

10/1727 Francisco Ferreira de Sá Entradas 110:466/8 1:150$382

01/1747 Manuel Ribeiro dos Santos Dízimos 276:114$000 9:310$846

10/1751 Jose Ferreira da Veiga Entradas 591:718$802 145:005$529

10/1754 Jose Ferreira da Veiga Entradas 617:999$000 165:207$336

07/1756 João de Souza Lisboa Dízimos 214:010$040 18:903$802

07?1762 João de Sousa Lisboa Dízimos 261:635$040 119:835$005

07/1765 Adm. Pela real Fazenda Dízimos 261:300$665

01?1759 Domingos Ferreira Veiga Entradas 593:067$150 85:402$592

01/1762 João de Souza Lisboa Entradas 589:242$000 258:757$847

01?1765 Antonio Jose R Tenebres Passagens 6:615$500 2:242$897

1/1765 Antonio Jose R Tenebres Passagens 202$000 145$486

01/1765 Jose Nunes de Mello Passagens 156$550 83$288

07/1765 Tomás Ferreira Carvalho Dízimos - -

- - (Sertão) 16:160$000 11:434$749

01/1767 Manuel Gonçalves Heleno Passagens 578$329 379$235

01/1768 Luiz Caetano de Moura Passagens 1:616$000 1:076$114

01/1768 Luiz Caetano de Moura Passagens 8:080$000 742$061

07/1768 Ventura Fernandes Oliveira Dízimos 190:265$241 11:768$219

01/1771 Henrique Dias Vasconcellos Passagens 673$332 490$428

01/1776

a 12/81

João Roiz de Macedo

(dois triênios)

Entradas 766:726$612 466:454$840

08/1777

a 12/1783

João Roiz de Macedo

(dois triênios e 5 meses)

vencimento:31/07/1788

Dízimos 395:378$957 283:607$121

01/1784 Domingos de Abreu Vieira Dízimos 197:867$375 196:699$302

01/1778 Manuel Jose Barbosa Passagens 30$300 20$200

01/1783 Valentin Jose de Carvalho Passagens 909$000 710$960

01/1782 Joaquim Silvério dos Reis Entradas 355:612$000 220:423$149

01/1784 Bonifácio Pereira Veloso Passagens 1:212$000 1:212$000

01/1784 Francisco Nunes Braga Passagens 1:111$000 1:111$000

01/1784 Francisco Nunes Braga Passagens 31$805 31$805

01/1785 Jose Pereira marques

a vencer em 01/1789

Entradas 385:812$000 360:897$638

01/1786 Manuel Sá F. Nogueira Passagens 10:201$000 10:201$000

01/1786 Felizardo C. Barbosa Passagens 919$100 919$100

Fonte: Madeira (1993, p. 133).

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Nesse quadro, vê-se que o contratador, João Roiz de Macedo, ficou devendo ao

erário, só no que diz respeito ao contrato de entradas pelos dois triênios de 1776 a 1781, a

quantia de 466:454$840, relativa ao contrato de 766:726$612. Salles, ao analisar o mesmo

contrato, com base nos documentos da Revista do Arquivo Público Mineiro, explicita que o

contrato arrematado naquele triênio por João Roiz de Macedo, portanto o mesmo do qual

trata Madeira, totalizava 944:000$000 réis livres para a Fazenda Real. O contrato

englobava as capitanias de Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Cuiabá. O valor de

754:953$083 correspondia apenas ao pagamento a ser efetuado em Minas Gerais

(revelando, portanto, variação para os números citados por Madeira). Salles apresenta

também os seguintes valores a serem pagos nas demais capitanias: Cuiabá – 27:006$704;

São Paulo – 7:716$200 e Goiás 154:324$014. Somando-se todos esses valores chega-se a

944:000$000 réis livres para a Fazenda Real.

Um fato, todavia, merece ressalva: uma “cópia” do mesmo contrato de

entradas, feita em Vila Boa de Goiás três anos após ter sido assinado em Vila Rica, foi

encontrada pela autora deste trabalho no Arquivo Histórico de Goiás, em que foi

possível constatar que, durante o processo de escrituração da cópia em Vila Boa,

houve, intencionalmente ou não, adulteração dos valores citados. O documento

encontrado em Goiás esclarece que o dito contrato de arrematação englobava as

capitanias de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Cuiabá, alcançando a cifra total de

944:000$000 réis pagos à Fazenda Real, em seis parcelas anuais de 157:333$333 réis.

Mesmo tendo sido assinado em Vila Rica, na presença do contratador e das

autoridades locais, o contrato rezava que o pagamento deveria ser efetuado

“repartidamente”, ou seja, cada capitania receberia, anualmente, parte do pagamento

que lhe era devida. Assim, ainda segundo o que esta disposto na cópia de Goiás, em

Minas Gerais deveriam ser pagas seis parcelas anuais de 125:825$513 réis,

totalizando 754: 953$078; em Cuiabá, 6 x 4:501$117 réis, totalizando 27:006$704; na

Vila de Santos, 6 x 1:286$033 réis, totalizando 7:716$200 e em Goiás 6 x 5:720$669

réis, totalizando 34:324$014 réis. Pela soma de todos esses valores chega-se ao

montante de 823:999$992 réis e não de 944:000$000 do qual trata inicialmente a dita

cópia do contrato que também é citado por Salles.

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Há, assim, um déficit de aproximadamente 120 contos de réis, em prejuízo a

Fazenda Real. Ao comparar os números apresentados por Salles com os valores constantes

na cópia do contrato, percebe-se que durante o processo de escrituração da cópia feita na

Junta da Fazenda de Vila Boa, o escrivão-copista anotou corretamente todos os números,

com exceção dos correspondentes ao pagamento a ser efetuado em Goiás. O escrivão

registrou para Goiás a quantia de 6 x 5:720$669, as quais somadas alcançavam apenas

34:324$014 réis e não 154:324$014 como anuncia Salles a parti do documento por ela

consultado e referente ao mesmo contrato. Caso constasse, na cópia de Goiás, 6 x

25:720$669 réis, chegar-se-ia aos ditos 154:324$014 réis citados por Salles. Tal quantia

(154:324$014), somada aos demais valores constantes na própria cópia do contrato,

alcançaria a cifra de 944:000$000 réis.

Apesar de cansativos, os parágrafos anteriores evidenciam uma clara

possibilidade de fraude perpetrada na Junta da Fazenda de Goiás ou na de Vila Rica,

com prejuízo de 120 contos de réis para a Fazenda Real e para a Junta de Goiás. O

contrato assinado em Vila Rica por um dos maiores contratadores de impostos do Brasil

colonial, envolvendo um dos maiores lanços de arrematação de impostos, abriu, no

momento de sua inexata escrituração, a possibilidade para fraude. Por negligência do

escrivão-copista ou por acordo entre os membros da Junta da Fazenda de Goiás ou de

Vila Rica e o contratador – ou seus procuradores –, Sua Majestade fora acintosamente

lesada. Mesmo que anualmente tenha se dirigido até a Junta de Goiás munido dos

25:720$669 réis que aqui deveria pagar, o contratador deparar-se-ia com um contrato

que esperava dele apenas a quitação da quantia de 5:720$669 réis anuais. Caso no

contrato original − ainda não analisado − conste o valor de 5:720$669 réis, ficará claro

que a fraude ocorreu em Vila Rica, com prejuízo para a Coroa e para os cofres goianos.

Caso conste o valor de 25:720$669 réis, estará evidente que a fraude deu-se em Vila

Boa, também com prejuízo para a Coroa e para a Junta de Goiás. No entanto, haverá

uma pista sobre o destino dado aos outros vinte contos de réis, que, se pagos durante os

seis anos de vigor do contrato, somariam 120 contos de reis. Tão avultada soma, cujo

desvio é revelado pela simples leitura das cláusulas do contrato, não poderia ter passado

despercebida se não contasse com a possibilidade de acordo entre o contratador de

impostos e autoridades locais, sejam elas de Vila Rica ou de Vila Boa.

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2.3 Contratos de dízimos

Dízimo (do latim decimu, decem) é a décima parte de todos os frutos da terra, ou o

lucro pessoal cobrado por determinação da Igreja para o custeio das despesas do culto

religioso e dos ministros eclesiásticos. Era classificado em real, pessoal e misto.105

Os dízimos reais e mistos dividiam-se em:

� maiores (dízimos): décima parte dos produtos agrícolas como açúcar, algodão, anil,

azeite, banana, batata, café, cacau, canela, carne, couro, cravo, farinha, feijão, fava,

fumo, mandioca, milho, tabaco e do gado vacum e cavalar.

� menores (miúças ou miunças): décima parte de itens pequenos como galinhas,

frangos, leitões, cabrito, ovos etc.106

De oferta voluntária paga ao clero como um direito natural, o dízimo tornou-se

obrigatório depois de ser instituído como imposto eclesiástico no Concílio de Tours em 567

d.C.107

Durante toda a era colonial, os dízimos foram cobrados no Brasil como imposto

eclesiástico entregue à Coroa. Posteriormente, com a emancipação, Pedro I solicitou à

Santa Sé que os direitos do Rei de Portugal relativos às ordens militares deveriam continuar

em poder do novo Imperador. O Imperador do Brasil almejava a transferência da dignidade

de Grão-mestrado e dos direitos e privilégios da Ordem de Cristo, Santiago e Avis, e já se

105 Reais ou prediais: referentes aos produtos agrícolas, a décima parte dos produtos da terra que necessitassem ou não do trabalho do homem. Pessoais: provinham do trabalho pessoal, do lucro líquido de qualquer cargo ou ofício; dentre estes encontram-se as conhecenças – pagamento pelos sacramentos da confissão e da comunhão. Mistos: a décima parte dos frutos que exigiam o trabalho do homem; era a o tributo cobrado da caça, da carne de boi, da gordura, do queijo, do mel, da feira, dos animais, das artes e dos peixes. 106

O dízimo não era cobrado de metais e pedras preciosas, visto que a cobrança do quinto já recaía sobre esses itens. 107 A Ordem de Cristo foi criada em 1319 pelo Papa João XXIII, com a bula Ad ea ex quibus cultis augen tur

divinus etc., em substituição à antiga ordem dos Templários. Posteriormente, em 1455, o Papa Calisto III, através da bula Inter Caetera quae, concedeu ao Grão-Mestre da Ordem de Cristo a jurisdição espiritual sobre todas as terras ultramarinas portuguesas conquistadas e ainda por conquistar. Isto mostra que, anteriormente à Conquista, já estava estabelecido que as terras do Brasil pertenceriam à Ordem de Cristo. Como o título de Grão-mestrado foi concedido a D. Henrique como recompensa pelos serviços prestados à nação no domínio dos portos e praças marroquinas, ele também angariou o direito de receber os dízimos eclesiásticos nas terras estrangeiras. Em 1523, pela bula Eximiae devotiones afectus, o papa concedeu a D. João III o Grão-mestrado da Ordem de Cristo, tornando-se clara a passagem dos dízimos para o Rei, que poderia utilizar-se deles em obras públicas depois de ter satisfeito as necessidades da Ordem (promoção do culto divino, edificação e reparação de Igrejas). Dessa data em diante, todos os reis portugueses passaram a receber o Grã-mestrado da Ordem, bem como a atribuição de cobrança do dízimo e suas rendas substanciais (OLIVEIRA, 1964).

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considerava de posse desses direitos, necessitando apenas da confirmação da Igreja.108 No

entanto, a comissão eclesiástica do Império do Brasil, da qual participavam Feijó, Bernardo

de Vasconcelos, Vergueiro e outros, deu parecer contrário à bula de transferência, pois a

Santa Sé, mesmo concedendo o padroado, exigia para si a apresentação de bispos e

párocos. Por isso, a bula foi rejeitada pela comissão e o governo determinou, em 1827, que

o direito de padroado fosse exercido pelo Imperador sem a necessidade de concessões

pontifícias: “ao Imperador compete nomear Bispos e prover os Benefícios Eclesiásticos”.109

Posteriormente, em 1843, um decreto imperial retirou o caráter religioso das ordens de

Cristo, Santiago e Avis, que passaram a ser consideradas somente como ordens políticas e

civis.110

O dízimo cobrado no Brasil consistia em um imposto eclesiástico (também

denominado dízimo real) que passou a ser cobrado como um direito real, sem distinção do

imposto civil.111 A ele, ninguém estava isento.112 Para evitar a inadimplência dos colonos,

os primeiros domingos de abril, agosto e dezembro eram reservados para a leitura da

Constituição da Bahia, na qual estava instituída a legislação do dízimo. Os sermões eram

usados para persuadir fiéis a pagarem esse imposto, sob pena de excomunhão ou de

pagamento do dízimo em dobro.

No Brasil, esse imposto foi instituído desde o início da colonização, época em que o

açúcar era a principal produção agrícola e a mais rentável fonte de receita.113 Maria de

Lurdes Lyra (1970) esclarece que nem sempre se cobrava a décima parte dos produtos

agrícolas que necessitavam do trabalho pessoal e da indústria manufatureira, como açúcar,

aguardente, farinha, telha, tijolo e tabaco; pagava-se a vigésima parte da produção. Essa era

a taxa dos dízimos dos produtos manufaturados de São Paulo, Goiás e Bahia. O mesmo

108

A confirmação solicitada pelo Imperador veio em 1827, quando o papa Leão XII o reconheceu como Grão-mestre das citadas ordens no Brasil, com o direito de apresentar benefícios e de arrecadar e administrar os dízimos mediante o emprego de suas rendas no custeio do culto divino, a execução de obras e a manutenção de seminários. 109 Artigo 102 § 2 da Constituição do Império de 1824. 110

Finalmente a República, num decreto redigido por Rui Barbosa, separou o poder civil do eclesiástico e extinguiu o padroado no Brasil, com todas as instituições, recursos e prerrogativas. 111 A legislação completa dos dízimos eclesiásticos do Brasil encontra-se na íntegra nas Constituições da

Bahia, publicadas no Sínodo Diocesano realizado em Salvador em 1707. 112 Estavam sujeitos ao pagamento sesmeiros, índios, religiosos, cavaleiros e comendadores das ordens militares, os senhores de engenho e a população em geral. Ver Oliveira (1964). 113 Ver no Anexo E a relação completa de todos os produtos agropecuários e manufaturados pelos quais se pagavam os dízimos no Brasil.

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ocorria no Rio de Janeiro, com exceção do açúcar, pelo qual se pagava uma arroba de cada

dez produzidas; contudo, o dízimo sobre a aguardente não era cobrado.

D. Oscar de Oliveira trata das condições a que estava sujeita a cobrança dos dízimos

da capitania de Goiás em 1778. Estabelecia-se que os lavradores deveriam apresentar

relações escritas de todas as suas produções, para que fossem feitas as avenças e os ajustes

com o dizimeiro. Em caso de desacordo, os lavradores seriam obrigados a pagar 4 vinténs

de ouro por cada membro de sua família, de sete anos ou mais – quer residissem na roça,

quer estivessem ausentes –, em compensação “do que gastam e comem em verde” (dízimo

sobre as verduras) e antes da colheita. Era notória a dificuldade de acesso dos dizimeiros

aos sítios dos lavradores, por isso estes eram obrigados a conduzir os mantimentos até a

vila ou o arraial mais próximo, podendo reter a quarta parte de sua contribuição por esse

trabalho.114 A cobrança poderia ser efetuada tanto pelos dizimeiros (agentes da Coroa)

quanto pelos rendeiros, os quais adquiriam esse direito através da arrematação de

contratos. 115 Até 1821, os contratos estipulavam a forma de pagamento, o preço, o

privilégio dos contratadores, o tipo de cobrança, as sociedades etc.116 A partir de então se

instituiu uma nova forma de cobrança desse imposto.117

No ano de 1776, o contrato do dízimo da capitania de Goiás foi arrematado pelo

triênio, ao valor de 60 contos de réis livres para a Fazenda Real, cuja metade deveria ser

paga em barras de ouro fundidas e a outra metade em ouro em pó. Além disso, 1% era

114

Caso se recusassem a levar as mercadorias, seriam obrigados a ficar com os mesmos frutos, pagando ao dizimeiro o seu valor pelo preço comum; se não cumprissem ou conduzissem as mercadorias, os lavradores deveriam pô-las no seu paiol, pagando mais 4 vinténs pelas verduras e meia pataca por pessoa. Contudo, caso o dizimeiro optasse por armazenar os mantimentos nesses paióis, os lavradores estariam desabrigados do pagamento da meia pataca. Em 1782 foram estabelecidas novas condições para a arrematação dos dízimos em Goiás: para a região de Vila Boa, o pagamento dos lavradores e senhores de engenhos seria de 0,1 (10%) de todos os frutos da terra, conforme as constituições e pastorais. 115 O governo promovia a arrematação das rendas dos dízimos de uma determinada área para o rendeiro que tomava para si o encargo de cobrança desse tributo, posteriormente pagando à Fazenda Real a quantia estipulada no contrato e ficando com os lucros excedentes. 116 Sabe-se que os “privilégios” dos contratadores variavam conforme a capitania onde iriam efetuar a cobrança. Em ofício datado de 1760, enviado ao governador da capitania de Goiás João Manuel de Mello, o rei concedeu aos “Contratadores dos Dízimos Reais dessa Capitania, em beneficio dos Povos, a mesma graça de que gozam os Contratadores dos Dizimos das Minas Geraes, na forma da Condição 5º do referido Contrato, para fazerem os respectivos pagamentos, com a espera de hum Anno” (AHG – Relação documentação manuscrita e impressa, livro 15, ofício 27). 117 O processo de arrematação dos dízimos iniciava-se com a ordem emitida pela Junta da Real Fazenda para a publicação do edital, conclamando aos interessados que comparecessem na Junta, com seus fiadores, para procederem ao “lanço” (AHG – Documentação manuscrita e impressa, livro 29. Livro das relações das guias de contrato de entradas 1794 a 1813).

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destinado a obras pias e a outros encargos do contrato. Estipulou-se também que o

pagamento seria processado em três parcelas de 20 contos de réis por ano.118 Pelo parágrafo

2° ficou determinado que o contratador Joaquim Pereira de Velasco Mulina estava obrigado

a pagar

o preço deste Contracto a quantia de trez em trez meses no decurso de trez annos que hão de principiar no 1°de Janeiro de 1777, e findar no ultimo de Dezembro de 1779 pela maneira seguinte. Passados os primeiros dois annos que se lhe concedem de espera para hir cobrando o rendimento do Contracto, se dicidirá o preço total delle nos referidos trez annos ou doze quantias de trez em trez meses, do qual pagará o primeiro quartel em o primeiro de Abril de 1779, e sucessivamente hirá pagando os outros de trez em trez meses até que inteiramente esteja satisfeita a Fazenda real no discurso dos ditos trez annos [...].119

Para efetuar o pagamento, o contratador, no tempo de seu contrato, receberia os

dízimos de “tudo aquillo que em direito lhe pertencer na forma das Constituicoenz porque

este Bispado se governa, e conforme as Leis, Alvarás e Provisoenz, por que se

estabeleceram estes direitos [...]”. Assim sendo, todos os lavradores, senhores de engenho e

demais pessoas que devessem os dízimos deveriam pagar ao contratador um de cada dez de

todos os futuros, efetivando a avença da produção.120 Aqueles que não avençassem eram

obrigados a recolher os dízimos e a guardá-los em boas condições, informando ao

contratador sobre a parte que lhe pertencia. Para isso deveriam ser feitas, durante o mês de

118 Em 1739, Manuel Martins da Costa, contratador das terras das Minas de Goiás, arrematou os dízimos das ditas minas pelo período de três anos, pelo valor de 150 mil cruzados e 345 mil réis, a ser pago em três prestações anuais de 50 mil cruzados e 105 mil réis, pagas em dinheiro ou ouro em pó de boa qualidade, ao preço de 1$500 réis a oitava. O pagamento seria feito em quartéis de três em três meses, a começar pelo segundo ano do contrato – 1º quartel: 30 de março, 2º quartel: 30 de junho e assim por diante (AHU – ACL – CU - 008, caixa 1, doc. 55). Em 1742, o maior lanço foi de 96 mil cruzados pelos três anos, referente a três parcelas de 32 mil cruzados. O rei ordenou que se levasse novamente à praça pública para nova arrematação. Nessa ocasião foi arrematado por Manuel Carvalho Pinto pelo valor de 132 mil cruzados, a ser pago em três parcelas de 44 mil cruzados por ano (AHU – ACL – CU -_008, caixa 2, doc. 159; AHU –ACL – CU -008, caixa 2, doc.108; AHU – ACL – CU - 008, caixa 2, doc.136; AHU – ACL – CU - 008, caixa 2, doc.79). 119 AHG – documentação avulsa - 1731-1973, caixa 2, 1778. Dízimos e condições. 120 Avença: processo pelo qual se fazia o levantamento da produção anual de cada produtor, estipulando-se a décima parte a ser paga como direito do dízimo ao contratador. Segundo Madeira (1993, p. 148), avença é uma “forma de lançamento do tributo, precursora do que hoje chamamos de lançamento com homologação onde o próprio fabricante calcula e decide, dentro dos parâmetros da lei, quanto deve pagar (IPI) – e também antecessora do auto-lançamento do contribuinte, quando recolhe o seu imposto de renda antes da declaração anual”. A avença constituía o meio pelo qual contratadores e pagadores estabeleciam um acordo prévio sobre o pagamento dos dízimos, o que não deixava de ser uma forma de antecipação do pagamento. Na impossibilidade de acordo com o contratador, o dizimeiro era chamado para arbritar. Ainda em caso de desacordo, apelava-se para os louvados. As próprias condições de vida da época inviabilizavam esse recurso dispendioso e demorado.

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agosto, relações por escrito nas quais estariam declaradas, “com individuação”, as espécies

e quantias dos frutos que cabiam ao contratador como pagamento do dízimo, sendo os

produtores posteriormente obrigados a “dar lhe conta delles em todo o tempo”. Se o

produto a ser entregue deteriorasse por falha dos pagadores, estes seriam obrigados a pagar

ao contratador o mesmo número de mantimentos ou seu justo valor pelo preço de mercado.

A dificuldade desse sistema está implícita na própria precariedade das estradas da

capitania nas quais se transportavam as mercadorias; além disso, os produtores ficavam

dependentes da visita dos agentes do rendeiro para procederem à avença e, posteriormente,

à entrega do tributo em espécie. Como se tratava de um imposto referente a 10% de todo o

fruto da terra, diversos gêneros sofriam inevitáveis deteriorações. Em casos em que a

avença não fosse efetuada, os produtores seriam obrigados a pagar “pelas verduras e

mantimentos que gastão antes da sua colheita, huma oitava de ouro por cada pessoa da sua

família”, e a declaração do que foi gasto seria feita “debaixo de juramento dos Santos

Evangelhos”.

Nas olarias que produziam telhas, tijolos e louças, de tudo se pagaria o dízimo como

fruto da terra, bem como das madeiras e lenhas. Os criadores de vacas de leite e de porcos

que não avençassem deveriam pagar ao contratador pelo dízimo das crias.121Para executar a

cobrança, o contratador nomearia meirinhos e seus escrivães, pagando-lhes por conta

própria somente a partir da nomeação feita pelo provedor da Fazenda, sendo-lhes passados

seus “provimentos para servirem às suas referidas ocupações”. Em seguida, o governador e

os ministros de Justiça estariam disponíveis para prestar auxílio e favor. Todas as despesas

do contrato correriam à custa do contratador, cabendo à Fazenda Real o pagamento dos

ordenados dos oficiais nomeados pelo rei que tivessem cartas, alvarás ou provisões.

Os poucos documentos referentes à quitação dos contratos junto à Fazenda Real

examinados durante esta pesquisa revelaram que a inadimplência de contratadores era um

fato comum. Talvez seja esse o motivo pelo qual os “lanços” oferecidos para arrematação

envolviam altas somas, sendo a exigência de fiança e fiadores o único meio de prevenir

prejuízos futuros, os quais, ao que parece, constituíam a regra. Em um documento foi

121 Se os criadores fossem cativos, caberia aos seus senhores a obrigação de satisfazer o pagamento dos dízimos, tanto de criações ou plantações que porventura possuíssem.

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100

possível constatar que a Coroa cumpria com as penalidades de sequestro dos bens de

contratadores inadimplentes.

Não se pode afirmar que o rigor das Ordenações atingia tanto reinóis quanto

colonos, ambos vassalos do rei. No entanto, D. Brittes Maria Leonor de Azeredo Coutinho

– viúva do contratador capitão João Leite Alves, um arrematador de dízimos – suplica “aos

reais e piedosos pés de V. Magestade”, alegando que, por não “vexar os povos, não tirou

delles com que pudesse solver o preço principal” do seu contrato, teve seus bens

“rematados” pela Real Fazenda, para completar o preço da rematação do dito contrato.122 A

suplicante, mãe pobre de sete filhos e avó de uma neta, esclarece que a súplica deve-se ao

fato de não poder contar com o auxílio dos filhos. O primogênito, cabo na Companhia de

Dragões, estava destacado para os registros da capitania, onde cobrava as rendas reais. O

segundo, havendo recebido mercês do governador e se tornado escrivão da nova

Intendência do Arraial do Cavalcante, com ordenado de 400$000 réis por ano, estava a

mais de cem léguas de distância de Vila Boa. O terceiro, já bacharel pela Universidade de

Coimbra, permanecia na Corte procurando receber do rei “a esmolla de algum lugar, para

nelle principiar a carreira da sua vida”. O último se achava empregado na contadoria da

Junta da Real Fazenda daquela capitania, ocupando o ofício de escrivão da matrícula,

armazéns reais e despesas miúdas, “confirmado por Vossa Majestade, só com o limitado

ordenado de 400$000 réis anuais” – este era o único que auxiliava a numerosa família da

suplicante. As filhas Francisca, Anna e Maria tinham em torno de 22, 25 e 30 anos, uma

das quais era viúva e havia perdido toda a herança aos credores. Por isso, a mãe suplicava à

rainha que as livrasse de sua mísera condição. Para tanto, pedia “a esmolla” de ampará-las

através do casamento de uma das filhas com um homem velho e viúvo da Corte ou da ida

para um convento.123

Na última década do século XVIII, Dom Rodrigo de Souza Coutinho, diante dos

graves inconvenientes e da diminuição de renda que resultava à Fazenda Real o atual

sistema de cobrança de arrendamento a uma única Corporação de negociantes de todos os

dízimos, “em grosso de cada capitania por uma série de anos”, sacrificando, a seu ver, as

rendas reais, as quais poderiam ser maiores caso se desse via arrecadação por uma “exata,

122 AHG – Relação da documentação manuscrita, datilografada e imprensa. Livro 35 – documentos diversos: instruções, portarias e outras ordens dadas pela Corte ao governo da capitania de Goiás. 123 Idem.

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fiel, e ativa administração”, composta de pequenos arrendamentos, ordenava ao governador

da capitania de Goiás que procurasse informar-se sobre a possibilidade de, no caso de se

dividirem os dízimos da capitania em freguesia ou distritos com posse de duas ou mais

freguesias, se encontrar um administrador ou rendeiro que fizesse entrar todos os quartéis,

no cofre da tesouraria geral da capitania, os rendimentos da freguesia e distrito que

estivesse a seu encargo. Deveria também tentar achar administradores que apresentassem

bons fiadores para essa mesma pequena administração, da qual fossem encarregados, de

maneira tal que as entradas por quartéis “não pudessem nunca sofrer demora ou falência”.

Recomendava ao governador que promovesse uma divisão geral das freguesias ou distritos

a fim de examinar quais foram os produtos dos dízimos e qual a soma total fornecida pelos

atuais contratadores. Além disso, deveria informar-se sobre como andava a administração e

finalmente examinar a possibilidade de haver na capitania uma sociedade entre abonados

negociantes que quisessem encarregar-se, sob fiança, da arrecadação dos dízimos, “a

condição de assegurarem a sua majestade a mesma renda que dão os atuais contratadores, e

de dividir o mais que ganhassem, ficando metade do lucro a sua majestade e metade a eles

contratadores”.124

As mudanças no sistema de cobrança dos dízimos indicam que o governo buscou,

por diferentes meios, diminuir as taxas de sonegação e adequar o sistema de forma a

garantir maiores valores aos cofres reais. Tornava-se evidente a dependência da metrópole

em relação às rendas do Brasil, mas a importância das atividades coloniais propiciava a

formação de “sociedades de abonados negociantes”, indicando o processo de enraizamento

dos interesses luso-brasileiros125 nos negócios internos da colônia. No entanto, o Estado

português continuava a exigir a prestação de contas dos dízimos cobrados em Goiás.126 Por

esse mesmo sistema de arrecadação, a Real Fazenda publicava editais destinados à

convocação dos lavradores, para que, devendo pagar os dízimos de suas lavouras, viessem

124 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa. Livro n° 35 - Documentos diversos: instruções, portarias e outras ordens dadas pela corte ao governo, 1799 125 Ver Dias (2005). 126

A Junta solicitava, em 1812, a prestação de contas do arraial de Flores, referente aos anos de 1808 a 1810; do arraial de São Félix, de 1808 a 1810; do arraial de Conceição, de 1810; do arraial de Arraias, referente a 1809-1810; do arraial de Natividade, referente a 1804, 1805, 1806, 1807, 1808 e1810; do arraial do Carmo, referente a 1804,1805 e 1810. Por esses dados é possível perceber que as medidas de D. Rodrigo não foram bem-sucedidas, pelo menos no que tange à capitania de Goiás.AHG-Documentação manuscrita, datilografada e impressa Livro 29.

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102

apresentar as contas de suas colheitas perante o juiz dos feitos para que estas fossem

dizimadas na forma estabelecida por lei. Nesses editais decretava o período de 25 de agosto

a 30 de setembro, para que os lavradores comparecessem a Vila Boa sob pena de prisão e

de sequestro de bens.127

Outra dificuldade dizia respeito à cobrança dos dízimos por parte dos contratadores.

Segundo o relato do presidente Caetano Maria Lopes Gama, o arrematante do contrato de

dízimos de Meia Ponte e Vila Boa não havia pago toda a quantia devida à Fazenda no

tempo estipulado, quantia esta referente ao contrato que findara em 1818. Diante do

sequestro e arrematação de seus bens em praça pública, restou-lhe apenas uma pequena

casa, para a qual não houve licitante. Como o procedimento não fora suficiente para a

solução do débito, procedeu-se à arrematação dos créditos de avenças que o contratador

ainda não havia cobrado e que permaneciam em seu poder. Muitas das pessoas obrigadas

por tais créditos eram miseráveis ou não residiam nos lugares onde anteriormente

possuíram lavouras sujeitas ao dízimo. Lopes esclarece que

nesta Província acontece ajuntarem-se alguns indivíduos para fazerem huma roça a que chamão = muxirum = armando huma caza de palha que abandonão logo que fazem, e repartem a colheita, e depois vão formar iguaes sociedades que não tem maior estabilidade, subtrahindo-se assim ao pagamento dos Dízimos, que naquelle tempo erão contratados, não podendo a Junta da Fazenda realizar a cobrança de todos os créditos [...].

Portanto, o contratador deixava de receber parte de seus direitos.128

Certamente o fracasso desses métodos exigiu um novo decreto, que regulamentou a

cobrança do dízimo em 16 de abril de 1821:

[...] E tendo chegado ao Meu Real conhecimento os gravíssimos inconvenientes, que resultam dos dous methodos até agora adoptados para a percepção dos dízimos deste reino do Brasil, ou por administração, ou por arrematação, e os inexplicáveis males, e vexames, que por qualquer delles soffrem Meus fiéis vassallos, sendo o primeiro summamente dispendioso pelos salários, [...] e raras vezes proficuo pela difficuldade de se encontrar em todos elles a indispensável probidade; e o segundo absolutamente intolerável pelos excessivos lucros, que accumullam em si e seus sócios os arrematantes, [...] sendo os povos [...] vexados e perseguidos por grande número de disimeiros e cobradores,

127 AHG - Livro 29, Documentação manuscrita, datilografada e impressa: ofício aos lavradores. 128 AHG - Documentação manuscrita, datilografada e impressa. Ofício de 30 de dezembro de 1825.

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que os forçam a avenças e transações fraudulentas ou excessivas, e os arrastam perante as justiças, fazendo-lhes execuções violentas e sobrecarregadas de custas exorbitantes pelas distâncias dos juízos [...] e tendo-me sido representado por pessoas instruídas, [...] que o meio de evitar tão graves inconvenientes, seria o de se perceber os dízimos dos gêneros [...] na entrada das cidades, villas, arraiais, e povoações deste Reino do Brasil, e na sahida para fora do mesmo Reino daquelles, que não tiverem sido collectados na entrada das ditas povoações [...].

As miunças passaram a ser recebidas na entrada das cidades, vilas, arraiais e

povoações. O dízimo pago sobre os gêneros exportados entre as províncias era arrecadado

nos registros ou alfândegas de portos secos, e seu produto era aplicado nas despesas das

respectivas províncias. O dízimo sobre o gado que saía das províncias também era pago nos

registros. Esse método de cobrança surgiu como uma experiência e tinha a duração limitada

a três anos.129

O dízimo de gêneros, como açúcar, algodão em rama, café, arroz, trigo e fumo,

passou a ser cobrado nos portos da colônia, o que constituiu o fim do “fraudulento e

intolerável uso das guias passadas por contratadores”.130 Caberia à Junta a arrecadação dos

dízimos, ficando os provedores e administradores dos registros encarregados de anotar o

número de arrobas dos referidos gêneros que saíam das capitanias em direção à Corte ou a

outros portos. Para isso, deveriam remeter dois exemplares da mesma nota, um para a Junta

da capitania e outro para o tropeiro, ou condutor de gêneros, até um administrador das

rendas situado na Corte, o qual arrecadaria em separado o respectivo dízimo e remeteria sua

importância para a Junta, como melhor conviesse.131 No caso de gêneros transportados por

mar, o dízimo deveria ser pago nos portos de embarque e acompanhado de um certificado

que declarava sua qualidade, peso, quantia paga pelo seu dízimo etc. Esse certificado

deveria ser emitido por um administrador nomeado pela Junta da província.

Os dízimos de gados e miunças deveriam seguir o decreto de 16 de abril e, para que

se evitasse o vexame anteriormente imposto pelos contratadores, caberia à Junta

providenciar a cobrança através de um “suficiente número de pessoas de conhecido crédito

e probidade”, às quais, em condição de administradores, seria oferecida comissão sobre o

rendimento arrecadado, comissão essa proporcional ao trabalho e às despesas da cobrança.

129 AHG - Relação da documentação dos Poderes Executivo e Legislativo Império e República - Brasil Livro 3; decreto de 16 de abril de 1821. 130 Idem. 131 Idem.

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O governador de Goiás, Manuel Inácio de Sampaio, ao comentar os efeitos do

decreto, expôs um quadro desanimador da miséria de sua capitania, o qual poderia ser

agravado pelo novo sistema de arrecadação do dízimo. Segundo ele, ao chegar à capitania,

encontrou a Fazenda Real com uma dívida passiva em torno de meio milhão de cruzados,

além das dívidas aos cofres das Juntas das outras capitanias. Para fazer frente às despesas e

liquidar a dívida, ele dispunha de uma receita anual de 38:000$000 de réis, dos quais

14:000$000 eram referentes à cobrança dos dízimos. Até então não havia medido esforços

para abater parte da dívida da Fazenda, mas

verá Sua Alteza Real que os 14 contos de réis de rendimento anual dos dízimos ficaram reduzidos a menos de 2, segundo o presente orçamento ali feito à vista das circunstâncias [...] este desfalque de mais de doze contos de réis he com effeito muito considerável, e não cabe nas minhas limitadas forças remediar por modo algum, o que tão-somente poderá ser providenciado por Sua Alteza Real ou Mandando supprir essa Capitania com as remessas de dinheiros das Capitanias de Beira-mar, aonde agora se vão pagar os dízimos, ou Estabelecendo algumas modificações na Legislação existente como parece que exigem as circunstâncias desta Capitania que apesar do grande estado de miséria, a que se acha reduzida, nem por isso deixa de ser muito interessante pelo ouro que fornece as de Beira-mar, e que ainda poderia tornar-se muito preponderante na balança do Comércio do Brasil se se facilitasse, e promovesse a navegação dos rios Araguaia, Maranhão com várias outras providências adequadas.132

O governador sugere ainda que, no caso de suprir o déficit das rendas dessa

capitania com alguma moeda remetida pelas capitanias de beira-mar, como ocorreu

algumas vezes na capitania de Mato Grosso,133 o repasse deveria ser feito em moedas de

cobre (provincial) para facilitar as pequenas transações mercantis. Pondera também que,

“sendo certo que a segurança e prosperidade dos Estatutos dependem em geral do

contentamento e completa a satisfação dos povos”,134 o novo sistema de arrecadação dos

dízimos “contenta por extremo a classe dos lavradores”, a qual já projetava aumentar suas

lavouras, mas descontentava profundamente os empregados públicos que de antemão já

“entrevêm a impossibilidade de serem pagos dos seus ordenados”. Além do mais, “a pouca

132 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa. Livro 88. Correspondência da presidência da província para a Secretaria da Fazenda Pública, Marinha e de Ultramar. Ofício 30 de julho. 133 O governador refere-se ao ouro que a capitania de Goiás remetia à de Mato Grosso. (AHG – Coleção de leis do império do Brasil, provisão 3 de abril de 1818). 134 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa. Livro 88. Correspondência da presidência da província para a Secretaria da Fazenda Pública, Marinha e de Ultramar. Ofício 30 de julho.

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civilização desses povos faz que a segurança da Capitania dependa por ora mais dos

Empregados Públicos do que dos lavradores”. Para esse governador, a solução só poderia

advir das mãos do rei, por isso suplicava-lhe que lhe contactasse a tempo.135

Passado um ano, o governador, em nova representação ao rei, comunicou que, em

decorrência de “notícias vagas transmitidas por pessoas mal-intencionadas dessa Corte”, os

povos daquela capitania estavam convencidos da existência de um indulto geral dos

dízimos e se recusaram a pagar não só os dízimos correntes como também as dívidas

antigas provenientes desse imposto. A situação causava grave descontentamento e,

posto na maior agitação os Empregados Públicos, particularmente a tropa de linha, que de certo vão deixar de ser pagos dos seus ordenados e soldos. [...] como, porém, deste estado de incerteza e descontentamento de huns e outros se devem necessariamente seguir funestas consequências, que dentro em mui breve tempo se tornarão inevitáveis [...].136

A leitura da correspondência trocada entre o governador da capitania e as

autoridades centrais permite concluir a existência desses esforços. Ao solicitar o parecer do

governador Ignácio de Sampaio sobre a melhor proposta de arrecadação do dízimo,

“conforme o espírito público desta capitania”, a Coroa buscava, ao mesmo tempo, um

método capaz de serenar o ânimo dos povos do sertão. Diante do pedido, o governador fez

considerações que – mesmo extrapolando o tema que lhe fora solicitado – não podiam ser

tratadas separadamente. Assim, questionou o motivo pelo qual, nos sertões do Brasil,

criadores e mineiros desprezavam o “desgraçado agricultor”, ao passo que negociantes e

artífices buscavam apenas o melhor meio de se apropriarem de todo o produto da criação,

da mineração e da agricultura, bem como dos ordenados dos empregados públicos,

representando todas as outras classes como suas feudatárias.137 As discussões envolvendo o

método de cobrança do dízimo, que desagradava profundamente aos empregados públicos

por beneficiar a classe dos lavradores, levaram-no a refletir sobre as causas do miserável

estado da capitania, bem como sobre a importância e consideração que deveriam receber as

diversas classes de cidadãos “que constituem a nação”. 135 Idem. 136 AHG – Documentação manuscrita datilografada e impressa. Livro 88. Correspondência da Presidência da Província para a Secretaria da Fazenda Pública, Marinha e de Ultramar. Ofício de 28 de setembro. 137 AHG – Relação da documentação manuscrita, datilografada e imprensa. Livro 88, ofício 9, de 29 de novembro de 1821.

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Nesse sentido, Ignácio de Sampaio relembra que, por ocasião da mudança da Corte

para o Brasil, a premente necessidade de se imporem novos tributos aos “brasileiros”

causou descontentamento geral, talvez “por ignorarem, que em Portugal ainda se pagava

muito maiores imposições”. No entanto, a questão determinante centrava-se no fato de que,

nas capitanias de beira-mar, o peso dos novos impostos havia sido até certo ponto

contrabalançado pela ampla liberdade de comércio com todas as nações. Ademais, havia

“outras franquezas” que, por sua natureza, não podiam se estender às capitanias do sertão,

onde tudo permanecera sem alteração, “à exceção do estabelecimento de novos impostos, e

do extravio do ouro, que se tornou geral, e que, sendo exclusivamente a favor do negociante

extraviador, concorreu para diminuir ainda mais as rendas dos Erários das três capitanias de

minas”. 138 Sobre estas, acrescia-se o pesado tributo das entradas de fazendas secas e

molhadas, pelo qual se pagava a razão de 9 réis por cada carga de 8 arrobas. Na capitania

de São Paulo, havia tributos de entradas que também eram cobrados em Goiás e Mato

Grosso, além do dízimo. Segundo as reflexões do Governador Sampaio, dentre todas as

quatro capitanias, a mais penalizada era a de Goiás. Bastava para isso lembrar que a

cobrança de 1$200 réis a ser pago por cada membro da família sobre as “verduras”

produzidas pelos lavradores, estipulada nos contratos de arrecadação, correspondia a $300

réis em Mato Grosso, a $150 réis em Minas Gerais e a R$080 em São Paulo. Afora tudo

isso, um imposto de $600 réis era cobrado sobre cada rês que saía da capitania.139

Dando sequência à exposição das dificuldades que “travavam” o desenvolvimento

da economia goiana, o governador enumerou ainda as arbitrariedades da Junta da Fazenda,

que, por meio de execuções judiciais, conseguira destruir a maior parte das fábricas de 138 Idem. 139 A tributação sobre o gado sempre envolveu profundas discussões e reclamações. Ainda em 1780, em ofício dirigido ao Ministério do Ultramar, o então governador da capitania, Luiz da Cunha Menezes, argumentou que, quando do estabelecimento das entradas, sabendo-se que um dos principais impostos correspondia ao direito do gado vacum, foi estabelecido que este pagaria 1$500 réis por cabeça. Porém, alteradas as circunstâncias de extração do ouro, aquele direito tornara-se insuportável. No tempo de estabelecimento da capitania, havia pouco gado e os criadores vendiam cada rês por 24$000 a 30$000 réis. No entanto, naqueles anos, cada rês alcançava no máximo o valor de 3$600 réis, ao que permanecia o imposto de 1$500 réis por cabeça. Além disso, o imposto do subsídio literário já havia sido instituído em 1780, correspondente ao valor de $346 réis e mais $300 réis pagos à Câmara por cabeça de animal. A soma alcançava 2$146 réis de imposto. Como cada animal era vendido por 3$600, restavam ao criador $854 réis, com o qual cobria as despesas de custeio e os prejuízos com a criação do gado. Para esse governador, aí residia uma das causas da sonegação do imposto sobre o gado. Acreditava, no entanto, que a redução desse direito levaria os criadores a “dar a entrada de mayor número de gado e por consequência aumentar-se por esta parte aquelle rendimento”. Tratava-se, portanto, de uma urgente necessidade de reformas tributárias (AHU - Ministério do Ultramar. Ofício de 22 de março de 1780).

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mineração e de agricultura da capitania. O que não havia sido destruído pela Junta não

escapou da cobiça do juízo dos ausentes.

Segundo Sampaio, a extensão da capitania e suas riquezas poderiam atrair novos

habitantes, principalmente da capitania de Minas Gerais, mas os tributos desestimulavam os

migrantes, como o de 1$200 réis de “verduras” e as avenças forçadas pelos contratadores

de dízimo. O fato desestimulava os lavradores de Goiás a não plantarem além do que era

absolutamente necessário para o sustento de suas famílias, a fim de não sacrificarem o

pouco dinheiro que possuíam “como pessoalmente ouvi a muitos”, pois, na falta de pronto

pagamento à Fazenda Real, perdiam tudo: “Faz horror, mas é pura verdade”.140

A nova proposta de cobrança dos dízimos agradaria lavradores e descontentaria

empregados públicos, pois “nem a tropa nem os outros empregados poderão continuar a

servir e a capitania deixará por assim dizer de existir, passando ao estado selvagem”. Diante

do impasse, propunha a conciliação: as contagens existentes no interior da capitania, onde

se cobravam impostos por todo o ferro e aço que entravam na capitania, deveriam ser

urgentemente abolidas. Ao ferro e aço caberia o mesmo indulto concedido ao sal.141 Além

disso, o imposto de $5 réis cobrado sobre cada libra de carne verde deveria ser restrito à

cidade de Vila Boa (pois se tratava do subsídio literário cobrado para promover a educação

na capitania). Os impostos sobre a carne,

se [...] não tem ainda destruído inteiramente todas as criações de gado do Brazil, é em razão do aumento que tem o preço do gado nas capitanias de beira-mar, por motivo do seu aumento de população e porque nas capitanias do interior os povos estão constantemente resistindo ao seu pagamento.142

Dentre todos os novos impostos, este teria sido o mais odioso e, se “Sua Alteza Real

não acudir aos criadores de gado dos sertões do Brasil minorando este imposto, em breve

tempo [ficarão] todos arruinados, ou se [aumentará] a rebeldia dos povos, quanto a esse

140 AHG – Relação da documentação manuscrita, datilografada e imprensa. Livro 88, ofício nº 9, de 29 de novembro de 1821. 141 O imposto do sal, correspondente a $750 réis por alqueire, cobrado na entrada e na passagem pelos registros, foi abolido pelo decreto de 29 de abril de 1821. A medida visava “attender as necessidades dos habitantes das províncias centraes deste Reino do Brasil, para que possam prosperar em seus estabelecimentos de agricultura, de criação, e de indústria, de que tanto depende a riqueza nacional” (AHG – Relação da documentação manuscrita, datilografada e imprensa. Livro 92, Decreto de 29 de abril de 1821). 142 AHG – Relação da documentação manuscrita, datilografada e imprensa. Livro 88, ofício 9, de 29 de novembro de 1821.

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pagamento”. Nesse contexto, o subsídio literário deveria ser cobrado somente nas grandes

cidades de beira-mar, abrangendo ao máximo as capitais das capitanias do interior. Com

essas medidas, chegar-se-ia ao meio termo com relação à cobrança do dízimo: o decreto de

16 de abril seria aplicado aos gêneros cultivados para exportação, ficando os demais

sujeitos ao pagamento do dízimo sob a forma proposta pela Junta da Fazenda.

Sabe-se que as discussões continuaram e pareciam intermináveis. No entanto, por

portaria expedida três anos depois, em 18 de dezembro de 1824, a Coroa se pronunciou quanto

ao sistema de cobrança do dízimo. Em resposta aos últimos ofícios enviados pelo presidente da

província de Goiás, nos quais representava seus esforços de “remediar o estado de apathia,

tanto dos empregados públicos em suas obrigações, como da paralisação e decadência das

rendas desta província”, o Imperador aprovou as medidas postas em prática pelo presidente,

relacionadas ao “arranjo dos assuntos econômicos da Contadoria da Junta da Fazenda”.

Naquela repartição, os negócios estavam há muito paralisados e as contas e balanços

encontravam-se em considerável atraso. Diante do quadro de paralisação dos funcionários da

Junta, o Imperador aprovou o expediente proposto para a arrecadação de diversas rendas da

província, principalmente na Comarca do Norte, em função da má administração e da confusão

das contas dos seus administradores. Para isso, determinou que os dízimos fossem cobrados

pelo método anterior ao decreto de 16 de abril, até que a Assembleia Legislativa regulasse sua

arrecadação, recomendando-se “o maior cuidado para que os exatores não pratiquem vexames

e se concilie o interesse da Fazenda Pública com o dos Povos”.143

Em inúmeros ofícios, discutiram-se os benefícios advindos com o decreto de 16 de

abril, pois este, ao satisfazer os lavradores do sertão, promoveria o incremento da

agricultura da província. No entanto, a cobrança realizada nos portos de beira-mar faria

diminuir consideravelmente os rendimentos desse imposto nas diversas vilas e arraiais da

província, fato que desagradava os empregados públicos e membros da Junta. A decisão do

Imperador evidenciou qual classe de cidadãos se fazia necessário acomodar.

Posteriormente, em 1831, Bernardo Pereira de Vasconcelos, presidente do Tribunal

do Tesouro Público, divulgou novo regulamento sobre a administração e a cobrança dos

dízimos nas províncias de São Paulo e Minas Gerais, ressaltando que as demais províncias

143 AHG – Relação da documentação manuscrita, datilografada e imprensa. Livro 92, 1821-1835: Correspondência da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda para o governo da Província. Portaria de 18 de dezembro.

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deveriam deliberar sobre sua adesão total ou parcial. Segundo esse regulamento, todos os

dízimos seriam pagos em dinheiro em duas prestações, a serem entregues nos locais

designados pelo coletor geral (nas coletorias ou residências dos coletores). Caso o

pagamento fosse efetuado em datas certas, os pagantes teriam descontos de 10% sobre o

total do dízimo, cabendo aos coletores a prévia avaliação de todas as fazendas, lavouras e

criações pertencentes a cada um dos habitantes dos seus respectivos distritos. A partir disso,

arbitrariam sobre a quantia dos dízimos a serem pagos, fazendo o lançamento em livros de

escrituração e posteriormente enviando-os à respectiva Tesouraria Provincial. Foi, portanto,

na tentativa de aprimorar o sistema de cobrança dos dízimos que se instituiu e se aprimorou

o sistema de coletorias chefiadas por seus agentes, os coletores.144

Os artigos de exportação seguiam com guias comprobatórias da quitação dos

respectivos dízimos, fazendo com que ficassem isentos de pagamento de imposto referente

ao dízimo na exportação. Tais guias seriam passadas pelos coletores dos distritos. Para que

se efetivasse a cobrança do dízimo, seriam dispostos três livros: o primeiro para o

lançamento da avaliação dos preços do dízimo, o segundo para o registro das guias, e o

terceiro para o lançamento da receita dos coletores. Não se falava mais em dízimos

“eclesiásticos”, pois estes haviam sido abolidos, em 1831, pelo padre Diogo Feijó e por

decisão do governo regencial. Tal medida não impediu que a tributação dos dízimos

continuasse efetiva. Com a divisão das receitas públicas em provinciais e gerais, os dízimos

foram designados como rendas públicas pertencentes à receita em geral, passando a

constituir um imposto estritamente civil.145

2.4 Contratos de passagens e outros tributos

O imposto de passagem sobre rios constituiu uma antiga forma de pagamento de

tributos que chegou ao Brasil no início do século XVIII, impulsionado pelo tráfico que se

144 O período compreendido entre 1830 e 1832 foi marcado por uma intensa reforma fazendária que aboliu a Erário Régio, substituindo-o pelo Tribunal do Tesouro Público e pelas Tesourarias Gerais. Além disso, foram criadas as Mesas de Rendas e as Coletorias – repartições arrecadadoras locais, chefiadas pelo coletor, auxiliado por um escrivão e um agente e subordinadas às Tesourarias de Fazenda das respectivas províncias, a quem competia criá-las ou suprimi-las, mediante aprovação do Tesouro Nacional. 145

Durante o governo de Pedro II, muitas províncias deixaram de cobrar o dízimo, que foi eventualmente substituído por novos impostos.

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estabeleceu em direção às minas. Em meio ao esplendor do ouro, para onde todos os

caminhos apontavam, e que, a despeito de Midas, fazia-se necessário abastecer, percebeu-

se que as “passagens” eram interessantes fontes de receita a serem cobradas de forma direta

pelos agraciados com mercês,146 ou por agentes do fisco, ou a serem arrematadas pelos

contratadores via licitação. Os processos de licitação eram promovidos pela provedoria da

Real Fazenda e posteriormente pelas juntas da Real Fazenda. Os arrematantes, mediante

comprometimento de pagamento de valor fixo à Fazenda, teriam seus gastos ressarcidos

através da cobrança de impostos aos viajantes que usassem as pontes ou barcos dos pontos

de travessia. A cobrança recaía sobre passageiros e cargas transportadas, cujo preço variava

de acordo com a região e a distância a ser percorrida. No entanto, seja por meio de pontes

ou de embarcações, as passagens só poderiam ser estabelecidas nos rios caudais.

No segundo quartel do século XIX, dependendo do movimento a que estavam

sujeitos determinados rios, os valores variavam: o contrato de passagem do rio Paranaíba

no Porto Mão de Pau foi arrematado por 259$000 réis;147 o do porto novo no rio Corumbá,

na estrada de Anicuns para Uberaba, por 153$000 réis;148 o do rio Maranhão, na estrada de

Trahiras para Vila Boa, por 70$050 réis;149 e o contrato das passagens dos rios Pilões e

Claro, pelo qual se pagou, à vista, a quantia de 60$500 réis, foi surpreendentemente

arrematado por uma mulher, Anna Joaquina do Espírito Santo.150 Trata-se de exemplos de

cobrança de tributo por meio de arrematação de contrato por particulares e legislado pelo

mesmo sistema: um empresário se encarregava da cobrança de um pedágio nas passagens

fluviais durante o período de três anos, comprometendo-se a pagar uma renda fixa e

previamente estabelecida pela Real Fazenda. A arrematação era feita mediante a publicação

de edital e oferta do maior lance.

Na extensão dos rios, excetuando o ponto da passagem, o contratador não poderia

ter nenhuma canoa, ao contrário dos moradores dos barrancos e mineradores do rio, que

poderiam usá-las conquanto dessem passagem apenas aos membros de suas famílias, sob

pena de pagarem 50 oitavas de ouro ao contratador. Essa medida obrigava todos os

viajantes a passarem pelo local onde o contratador mantinha o pedágio de passagem. Nos

146 Ver Campos (2005). 147 AHG – Documentação avulsa, caixa 23, ano 1837 B - passagem do rio Paranaíba. 148 AHG – Documentação avulsa, caixa 23, ano 1837 B – passagem do rio Corumbá. 149 AHG – Documentação avulsa, caixa 23, ano 1837 B – passagem do rio Maranhão. 150 AHG – Documentação avulsa, caixa 18, pacote 02.

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111

apontamentos sobre a cobrança deste imposto na capitania de Goiás, Salles (1992)

apresenta os seguintes números: $150 réis pela travessia de cada rês; $037 réis por

cangalha; 2$400 réis por boiada (independentemente do número de animais); $074 réis por

pessoa.

Conforme documentação do Arquivo Histórico de Goiás, datada de 1813, o

processo de arrematação iniciava-se com a publicação do edital expedido pela Junta da

Real Fazenda, que mandava

fazer publico que quem quizer lançar nas passagens do Rio Grande de estrito ou de vila boa caminho para Cuyabá, venhão, ou mandem por seus procuradores a mesma Junta dar o seus lanços que nella se ha dita arrematar a quem mais deve atté o fim de Dezembro do presente ano à vista, ou com fiadores idoneos debaixo das Condições com que atté agora se tem arrematado, que serão presentes. E para que chegue anot.ª a todos mandou a mesma real junta lavrar o presente que será publicado nos lugares costumados [...].151

Um documento que trata das condições do contrato das passagens dos rios da

capitania de Goiás explicita diversos aspectos da arrematação do contrato, como valor da

arrematação, formas de pagamento, cobrança etc.: trata-se do contrato arrematado em 1776

pelo tenente Joaquim Pereira de Velasco Molina, relativo à cobrança das passagens de

canoas pelos rios durante o triênio de janeiro de 1777 a dezembro de 1779. O tenente foi o

mesmo arrematador dos direitos do dízimo em igual período, que arrematou o contrato de

passagem por 1:080$000réis.152 O pagamento seria efetivado em ouro em pó na provedoria

da Fazenda da província de Goiás, além da aplicação de 1% para a obra pia e mais encargos

do contrato.153

Ao rendeiro era permitido também vender as passagens e, mesmo após a venda, ele

(juntamente com seus administradores e feitores) ainda gozava de todos os privilégios e

isenções concedidas aos rendeiros das rendas reais pelas ordenações do reino. Além disso,

151 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, livro 29, ficha 258, ofício 96, p. 376. 152 AHG – Documentação avulsa, caixa 2 (1770-1778). 153 Pela arrematação, todas as passagens dos rios daquelas minas passaram a pertencer ao contratador, de onde arrecadaria: 4 vinténs de ouro por cada cavalo que seguisse em canoa; 1 vintém para cada sela ou cangalha de cavalo que não passasse a canoa; 2 oitavas de ouro por cada boiada de qualquer número que fosse guiado pela canoa. O contratador seria obrigado a ter o porto limpo e um curral com pás para receber as ditas boiadas; a penalidade para qualquer pessoa que “se intrometesse nas ditas passagens ou as der sem as pedir ao contratador” seria de 50 oitavas de ouro pagos a ele (AHG – Documentação avulsa, caixa 2, 1770-1778).

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o rendeiro recebia, junto com o direito para a cobrança das dívidas do contrato durante o

tempo de vigência, “toda a ajuda e favor por parte da Coroa”.

A ele era dada a prerrogativa de nomeação de meirinhos e de escrivães para a

efetivação da cobrança, ficando os oficiais da justiça e da milícia obrigados a dar-lhes toda

a ajuda para a boa arrecadação do contrato. No entanto, era vetada a alegação de perdas ou

azar, mesmo nos casos admitidos pelo regimento da Fazenda. O arrematante teria

concessão de meia légua de terra em quadra em uma das bandas dos rios e “meya de huma

das ditas passagens”, para que ali pudesse plantar mantimentos, fazer ranchos para

passageiros e feitorias. Em face dessa concessão, diversas cidades se originaram a partir da

instalação de registros, contagens e postos de passagem, como se pode comprovar pela

historiografia tropeira.

A cláusula do contrato de arrematação esclarece as concessões que visavam

incentivar e favorecer o abastecimento das tropas e viandantes, o assentamento de futuras

vilas e o consequente povoamento do interior.154 Caso quisesse construir pontes sobre os

rios, o rendeiro receberia, pela passagem, o mesmo valor cobrado pela travessia em canoas.

Daí a pouca rentabilidade do investimento, pois comprar e manter uma canoa era mais

barato que construir uma ponte.

Como nos demais contratos, exigia-se fiança; as despesas cabiam ao contratador

durante o processo de arrecadação, ficando sob responsabilidade da Fazenda Real somente

os ordenados dos oficiais nomeados pelo rei, portadores de suas cartas, alvarás ou

provisões. Permitia-se ao contratador a cobrança executiva das dívidas do seu contrato

“como faz a Fazenda Real”. Nessa cláusula, mais uma vez, evidencia-se a privatização

fiscal do Estado e de poderes e prerrogativas concernentes ao Estado atribuídos a

particulares.155

Quanto à quitação dos contratos de passagem por parte dos rendeiros, sabe-se que

poucos eram os que conseguiam cumprir integralmente seus compromissos junto à

Fazenda, como evidencia Madeira (1993) no quadro anteriormente apresentado e no

documento do Arquivo Histórico de Goiás, que trata da quitação do contrato de

arrematação do rendimento de passagem do Porto Novo do rio Corumbá, na estrada de

154 AHG – Documentação avulsa, caixa 2 (1770-1778). 155 Idem.

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Anicuns para Uberaba. Em carta à Tesouraria Provincial datada de 1837, o contratador

alferes João José de Souza e Azevedo enviou àquela repartição, através de Antonio

Francisco Silva (?), a quantia de 153$000 réis, relativo ao “preço total da arrematação” que

fez à vista do rendimento da passagem.156

É pouco provável que casos como esses constituíssem exceções. Se assim o fosse,

por que a Coroa teria empregado por tanto tempo – três séculos – tal doutrina oficial de

cobrança de tributos? Não se pode creditar esse fato apenas à falta de recursos monetários e

humanos. Mesmo em épocas em que os Estados não dispunham de um aparelho burocrático

eficaz, é preciso perceber, como enfatiza Madeira, esse fato sob a ótica da exploração

colonial, com a institucionalização do sistema de arrendamento já no regimento do

provedor-mor e dos provedores de Fazenda trazidos por Tomé de Souza. Ali estava a opção

da Coroa pela cobrança de tributos via arrematação de contratos e não diretamente pela

Fazenda Real. Ali também estavam as bases do pacto colonial, que instituíra, numa

sociedade economicamente atrasada, a monocultura agroexportadora e a extração mineral

como pilares produtores de riquezas. Aquela era uma sociedade mantida sobre as curtas

rédeas do mercantilismo, que, em decorrência de seus estatutos próprios, obstaram na

colônia a “geração de um excedente econômico suficiente para satisfazer simultaneamente

à demanda do Estado, das camadas privilegiadas que adejavam o poder – inclusive os

contratadores – e de todo o resto da população que sobrevivia ao deus-dará” (MADEIRA,

1993, p. 180).

Por maiores que fossem os prejuízos causados pela inadimplência dos contratadores

junto à Coroa ou por mais constantes que fossem as reclamações dos contribuintes, a

permanência desse sistema, como adverte Madeira, vincula-se aos interesses financeiros de

uma burguesia emergente – portuguesa e posteriormente luso-brasileira – que tinha na

manutenção do sistema de arrendamento uma grande fonte de renda, poder e prestígio

social. Desde os primórdios da colonização, esse segmento social aninhou-se sob as asas do

Estado, firmando-se como “seu braço privatizante”, composto por mandatários privados,

portadores de isenções e privilégios e detentores do poder de usar armas e de empregar os

“meios necessários” para executar a boa cobrança do que lhes era de direito.

156AHG – Documentação avulsa, caixa 23, ano 1837B.

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É nesse sentido que se faz oportuno retomar as análises de Madeira sobre o contexto

econômico e social em que os contratadores se inseriam: o Brasil colonial onde o excedente

econômico transladado para a metrópole, na forma de açúcar, ouro, diamantes, tributos,

café etc., visava ocultar o rombo orçamentário causado pelo desequilíbrio na balança

comercial, além de servir de moeda de troca (no caso do tabaco) por africanos que

“possibilitariam a criação do próprio excedente” na colônia. Todavia, é preciso recordar

que a arrecadação de tributos também constituiu uma forma geradora de excedente

econômico e que, mesmo causando prejuízos aos cofres reais na forma de contratadores

insolventes, permitia aos rendeiros (em geral, súditos portugueses do rei)157 reencaminhar

total ou parcialmente suas riquezas ao reino, “ao se apropriarem de redito publico”.

A condenação do sistema veio na voz de Pombal, que, ao constatar o montante das

dívidas dos contratadores, instruiu o Visconde de Barbacena, governador de Minas Gerais,

a suspender as arrematações e passar a cobrança direta das entradas de dízimos através da

Junta da Fazenda Real. A partir daí, no fim do século XVIII, começaram a surgir insistentes

críticas ao arrendamento contratual de tributos, assim como ao exclusivo comercial e à

política metropolitana de colonização.

Efetivas propostas de mudança foram criadas pelos Rodrigos. Ao visionário dom de

Rodrigo José de Menezes deve-se a denúncia não só do sistema dos contratos, que deveria

ser suprimido em favor daquele administrado pelas Juntas da Fazenda da América, como

também do monopólio comercial. Suas constatações levaram-no a sugerir propostas

desenvolvimentistas ao mais férreo defensor do arrocho administrativo na colônia, tais

como a abolição de moedas provinciais e do ouro em pó circulante nas minas, a criação de

casas de permuta para câmbio de ouro dos mineiros, a criação da casa da moeda de Minas

Gerais e Goiás, a abolição do contrato do sal,158 a redução das alíquotas das alfândegas do

Brasil, a redução do pagamento do direito de entrada cobrado por escravo, a criação de uma

157 Durante muito tempo, as arrematações eram feitas no Conselho Ultramarino, basicamente por portugueses. Posteriormente, quando os contratos passaram a ser arrematados na Colônia, os contratadores eram, na grande maioria, portugueses. 158 Abolida a cobrança de $750 réis por alqueire de sal pelo decreto de 29 de Abril de 1821, visando “[...] attender as necessidades dos habitanyes da Províncias Centres deste reino do Brazil, para que possam prosperar em seus estabelecimentos de agricultura, de criação, e de industria, de que tanto depende a riqueza nacional [...]”(AHG - Relação da documentação dos Poderes Executivo e Legislativo Império e República – Brasil, livro 3; decreto de 29 de abril de 1821).

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fábrica de ferro na Colônia159 e de um fundo de assistência aos mineiros. Suas propostas

foram repelidas por Pombal, mas coube ao sucessor deste ultimo, Rodrigo Souza Coutinho,

a proposta efetiva de suspensão dos contratadores e a estruturação de um sistema

diretamente administrado pela Fazenda Real.

O sistema de arrendamento “parece ter sido a forma de convivência e harmonização

de interesses, até o final do século XVIII, entre mercadores, nobres da cúpula governante e

funcionários que a assessorava”. Percebe-se que “[...] a privatização fiscal do Estado –

através dos contratadores – era na verdade o seu aburguesamento patrimonialista, que

coexistia, havia séculos, com o domínio da nobreza e do alto clero, à sombra do rei”

(MADEIRA, 1993, p. 182). Ao ser trazido para a colônia, esse sistema plantou raízes,

germinando posteriormente em um tipo diferenciado de burguesia, que, aninhada sob as

asas do Estado, foi incapaz de aventurar-se no jogo capitalista sem a devida fiança do

Estado.

A partir de 1806, a administração pública dos impostos tornou-se regra geral. No

entanto, o sistema de arrendamento permaneceu por décadas, até mesmo no segundo

Reinado, quando ainda se encontram registros, em Goiás, do sistema de arrendamento de

passagens de rios. A abertura dos portos em 1808 transformou os direitos de importação e

exportação nas principais fontes de receita do reino. Os cofres necessitavam de urgente

reposição de rendas, e novas despesas exigiam novas receitas. Optou-se então pelo óbvio:

novos tributos.

A opção por novos impostos provocou insatisfação, principalmente das províncias

“que não viam nesses aumentos um correspondente incremento de obras públicas, como no

Rio”:

[...] a vinda da Corte para o Brasil foi a princípio em todo o país uma esperança, que mais tarde (na verdade, um a dois anos depois) se converteu em pesadíssimo fardo para o contribuinte brasileiro, pois não havia dinheiro que chegasse para satisfazer os compromissos do Erário Régio. (TESSITORE, 1995, p. 90)

A décima urbana foi um imposto instituído pelo alvará de 27 de junho de 1808, em

decorrência

159 Concedida por ocasião da vinda da Corte.

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das atuais circunstâncias em que é necessário e forçoso impor tributos para aumentar as rendas públicas, elevando-as até bastaram para satisfazer as previsões e despesas do Estado e considerando por uma parte, que os impostos dos bens de raiz são permanentes e seguros, e que por meio deles se vem a taxar o proveito e o trabalho muito mais geralmente; e por outra parte que não devem ser taxados os de lavoura por estarem já onerados com o dízimo.

Determinou-se, daquela data em diante, que os proprietários de todos os prédios

urbanos na Corte e em todas as demais cidades, vilas e lugares notáveis pagariam 10% do

seu rendimento líquido anualmente para a Real Fazenda. 160 Para efetuar a cobrança,

instituíram-se nas cidades e vilas as Juntas de Décima, compostas por pessoas nomeadas

para proceder aos lançamentos.

A partir de 1831, a Assembleia Geral aboliu as superintendências e Juntas do

lançamento da décima. Os lançamentos e cobranças desse imposto passaram a ser feitos

pelos coletores nomeados pelo Tribunal do Tesouro na província do Rio de Janeiro e pelas

Juntas ou administrações de Fazenda nas demais províncias. Esses agentes seriam assistidos

pelos escrivães de receita. Nas cidades e nas vilas onde não houvesse juntas ou

administrações de Fazenda, caberia às Câmaras Municipais a proposta de uma lista tríplice

composta por pessoas idôneas. Feito isso, caberia ao Tesouro, às Juntas ou administrações a

nomeação daqueles que julgassem mais aptos. O lançamento começava no mês de janeiro e

deveria terminar no mais curto prazo possível. Pelo trabalho de lançamento e cobrança, os

coletores e escrivães receberiam 5% de tudo o que entregassem aos cofres gerais da

Fazenda Pública. Deduzidas as despesas de livros e demais custos, 3% caberiam ao coletor

e 2% ao escrivão.

É inegável que a mudança da Corte acarretou aumento de impostos, mas é possível

perceber também alguns esforços no sentido de um melhor ordenamento da capitania,

através de medidas tributárias e político-administrativas.161 A necessidade de geração de

160 AHG – Coleção das leis do Império do Brasil. Livro 1. Alvará de 27 de junho. 161 Data de 1809 a criação da comarca de São João das Duas Barras, em decorrência da divisão da capitania de Goiás. O Príncipe Regente enumera, como causas desse ato, a necessidade de uma melhor administração da justiça em uma capitania tão extensa. Junto às autoridades centrais, permanecia a visão da década anterior de que, em decorrência da localização central desta capitania, ladeada pelas capitanias do Mato Grosso e do Pará, não era urgente o emprego de maiores gastos com destacamentos militares próprios. No tocante aos tributos, foi criada a Provedoria Comissária na comarca de São João das Duas Barras, estabelecida no arraial de Cavalcante. AHG – Atos e Decretos – Estatutos – Registros – Regulamentos – Leis – Mensagens – Constituições. Decretos Imperiais, Caixa n 1: 1802 -1808; decreto de 18 de março de 1809.

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receitas que atendessem às novas rotinas administrativas advindas da instalação da Corte no

Brasil levou à criação do Erário Régio162 em 1808, órgão cuja administração cabia à Mesa

do Erário, composta pelo ministro da Fazenda e por três contadorias gerais.163 Logo após a

criação do Erário foi criado o Conselho da Fazenda, que, mesmo compondo um núcleo

centralizado, não conseguiu implantar um sistema fazendário unitário e coerente.

A arrecadação de antigos e novos tributos permaneceu, no período joanino, a cargo

dos antigos agentes fiscais, os provedores da Fazenda da era colonial; a escrituração, antes

considerada precária, tornou-se caótica, impossibilitando ao Erário o devido controle de

suas receitas e despesas. Como algumas repartições coloniais permaneceram junto à

Alfândega, e outras estações locais de arrecadação e fiscalização foram criadas, logo

surgiram dúvidas sobre as hierarquias entre as instituições e, consequentemente, sobre os

conflitos junto às capitanias.

Além do Erário e do Conselho da Fazenda, a Coroa reorganizou a Casa da Moeda,

criou a Mesa do Despacho Marítimo e a Mesa do Consulado, registros fiscais e mesas de

inspeção, além da Real Junta do Comércio e Agricultura. Tratava-se de medidas

fragmentárias que visavam à criação de repartições especificas para atender cada tipo de

receita a ser arrecadada. Tais medidas acentuaram ainda mais o caráter confuso e

inconsistente dessa organização.

A volta de D. João para Portugal complicou ainda mais a administração

fazendária. A intervenção das Cortes, em sua tentativa de alterar a ordem fazendária ao

liberarem as capitanias da submissão ao Rio de Janeiro, agravou o quadro de tensão entre

poder local e poder central; entre as Juntas de Fazenda já estabelecidas e as Juntas

Provisórias instaladas nas províncias pelo Príncipe Regente, com competência civil,

policial, econômica e administrativa, os conflitos foram ainda maiores.164 Tal era o cenário

162

O Real Erário, em 1821, veio a se chamar Tesouro Nacional. Esse órgão passou a ter sob sua jurisdição as antigas Juntas de Administração da Fazenda nas províncias, que viram extintas suas antigas jurisdições e passaram a ter a função de escrituração da receita e despesa pelo sistema de partidas dobradas, além da elaboração dos balanços a serem examinados pelo Erário Régio. 163

A primeira contadoria abrangia o Rio de Janeiro; a segunda, as capitanias de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Mato Grosso, São Pedro, África oriental e Ásia portuguesa; a terceira, as capitanias da Bahia, Pernambuco, Maranhão, Pará, Ceará, Piauí e Paraíba, Cabo Verde, Açores e Madeira. O quadro de funcionários das contadorias era composto por escriturários, amanuenses, praticantes, porteiros e contínuos. Seus levantamentos eram confrontados com os do Erário, que também efetuava sua contabilidade de partidas dobradas. 164 Essas Juntas foram abolidas pela lei de 23 de setembro de 1823.

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administrativo-fazendário do ato da Independência. Em meio às dificuldades políticas, o

Primeiro Reinado buscou consolidar a emancipação política, além de promover seu

reconhecimento externo e interno. Diante desse quadro de insuficiência e impotência, a

cobrança dos impostos continuou sendo feita através das alfândegas, dos rendeiros ou de

coletores especiais. Tal insuficiência administrativa repercutiria diretamente, uma vez mais,

sobre as más condições das finanças públicas.165

Em Goiás, à urgente necessidade de remodelação administrativa e tributária foi

acrescido um quadro emoldurado pela decadência, cujas tintas ressaltavam a apatia dos

empregados públicos, a má administração provincial (marcada por fraudes e excesso de

propinas), o descontentamento da tropa com o atraso dos soldos, a desesperança de

lavradores e criadores diante dos altos impostos que inibiam a produção. Além disso, havia

os “desgraçados mineiros”, que há muito já haviam percebido que, nos novos tempos,

caberia à agricultura e à pecuária o que a mineração fora incapaz de promover.

A instalação do Governo Provisório em Goiás, com a subsequente saída de seu

presidente, o então governador Manuel Ignácio de Sampaio, não arrefeceu os ânimos entre

brasileiros natos e brasileiros adotivos. A secessão da Comarca do Norte não obteve a

aprovação de Pedro I e para lá se dirigiram as forças do general Cunha Mattos, em missão que

certamente extrapolava o apaziguamento da região setentrional. 166 Os portugueses

aproximavam-se das fronteiras goianas através de São Pedro de Alcântara, no Maranhão. Em

Goiás, como região de passagem – o “centro inatacável por ser inacessível” –, as invasões

Portuguesas oriundas do Pará alcançariam facilmente, pelo interior, a Corte do Rio de Janeiro.

Além das ameaças externas, Jose Bonifácio de Andrada e Silva, Ministro de D.

Pedro I, cuidava para que os “demagogos e anarchistas” não incutissem nos “cidadãos

incautos mal fundados receios do velho Despotismo”, intentando “romper o sagrado elo

165 O quadro tributário estava assim estabelecido: direitos aduaneiros de entrada; dízimos sobre gêneros de cultura e criação; imposto de exportação correspondente a 2% sobre todos os gêneros não sujeitos a qualquer outro subsídio ou direito de saída; décima urbana; sisa de bens de raiz; novo imposto de carne verde que constituía-se na cobrança de 5 réis por cada arrátel de carne fresca de vaca; subsidio literário: cobrança sobre cada arrátel de carne verde que se cortasse em açougues e dez réis em cana de aguardente; imposto sobre a aguardente de consumo; imposto sobre seges, lojas e embarcações; imposto sobre o tabaco de corda, correspondendo a 400 réis por arroba; novos e velhos direitos; direito sobre escravos que se despachava para as minas; imposto do selo de papel; décima das heranças e legados; meia sisa dos escravos ladinos; contribuições diversas como taxas dos correios, dízimos de chancelaria, terças de ofícios, direitos de postagem, pedágios, taxas de trânsito entre as províncias (AMED; CAMPOS NEGREIROS, 2000, p. 194). 166 Ver Lacerda (1970).

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que deve unir todas as Províncias deste grandioso Império ao seu centro natural e

comum”.167 Meses antes, pelo decreto de 7 de março, havia sido dada à Corporação Militar

do reino “huma prova da [...] Real Contemplação e Beneficência [...]” do Príncipe, o qual

lhe concedera aumento de soldos.168 Na antiga capitania goiana, agora uma província, a

orientação seguiu na direção oposta. Por ofício, a Junta Provisória enviou à Secretaria dos

Negócios do reino um “mapa” tratando do ordenado atual dos funcionários da Fazenda e da

melhor forma de reduzir os gastos. Segundo o parecer, o único recurso para reduzir o

estado de decadência da província era “a suspensão de empregados totalmente

desnecessários à mesma Província, e a diminuição dos vencimentos de outros [...]”.169 Com

essas medidas e a redução, pela metade, das despesas “extraordinárias”, os membros da

Junta acreditavam que ainda seria preciso vir o “socorro” da Corte, pois tinham consciência

de que naqueles anos a Fazenda Pública não dispunha nem da terça parte das antigas rendas

e era impossível aumentá-las diante da pobreza de seus habitantes.

2.5 D. Pedro I e os tributos

As transformações econômicas e sociopolíticas decorrentes da Independência

acarretaram algumas alterações no sistema fiscal, as quais foram impostas pelo aumento

das despesas com a administração pública. Em carta ao pai, o príncipe D. Pedro reclama:

[...] de parte nenhuma vem nada; todos os estabelecimentos e repartições ficaram; os que comem da nação são sem numero; o numerário do Tesouro é só das rendas da província [do Rio de Janeiro], e estas mesmas são pagas em papel. É necessário pagar tudo quanto ficou estabelecido [...] não há dinheiro [...] não sei o que hei de fazer. (apud TESSITORE, 1995, p. 56)

D. Pedro, dirigindo-se aos membros da Assembleia, afirma: “Um sistema de

finanças bem organizado deverá ser o vosso particular cuidado [...] pois o atual [...] não só é

mau, mas é péssimo e dá lugar a toda a qualidade de dilapidações”.170

167 AHG – Relação da documentação manuscrita, datilografada e imprensa. Livro 64, 1817-1825, p. 43. 168 AHG – Relação da documentação manuscrita, datilografada e imprensa. 1817-1825. Correspondência, decretos imperiais, estatutos e outros. Livro 64. 169 AHG – Relação da documentação manuscrita, datilografada e imprensa. Livro 88. 170 Fala do trono de 3 de maio de 1827 (apud BUESCU, 1984, p. 4).

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O que se percebe é que as concepções tributárias vigentes no fim do século XVIII

formaram a base para a instituição da Constituição de 1824. Em seu item 15, artigo 179,

adota como princípio, esclarecendo que “ninguém será isento de contribuir para as despesas

do Estado em proporção dos seus haveres”. A Constituição determina também, no artigo

171, que “todas as contribuições diretas, à exceção daquelas que estiverem aplicadas aos

juros, e amortização da dívida pública, serão anualmente estabelecidas pela Assembleia

Geral”. Ao Ministério da Fazenda coube a administração da receita arrecadada,

a despesa da Fazenda Nacional será encarregada a um Tribunal debaixo de nome de “Tesouro Nacional” aonde em diversas estações, devidamente estabelecidas por lei, se regulará a sua administração, arrecadação e contabilidade, em recíproca correspondência com as Thesourarias e autoridades das Províncias do Império.171

Tal fato não ocorreu, dando lugar a conflitos que não se resolveram ao longo do

período imperial. 172 À receita pública correspondia o total arrecadado pelo Erário,

proveniente de receitas ordinárias e extraordinárias, tributárias ou patrimoniais. 173 A

incumbência de administrar receitas levou a pasta da Fazenda a ter grande projeção

política: distribuía recursos, controlava empréstimos de verbas internas e recebia a maior

dotação orçamentária – exceto nos períodos de guerra, quando os maiores orçamentos eram

destinados aos ministérios militares.174

171 Art. 170 da Constituição do Brasil de 1824. 172

Os problemas entre poder central e local são anteriores à Independência, tendo sido agravados pela mudança da Corte para a colônia e pela consequente sobreposição da organização metropolitana sobre o sistema fazendário colonial. À relativa autonomia e descentralização das antigas capitanias sobrepor-se-ia um sistema centralizado, cujo centro decisório estava no Rio de Janeiro, sede da monarquia. Além disso, as novas despesas originadas com o incremento do quadro administrativo necessitavam das contribuições vindas das capitanias, o que obviamente gerava descontentamento e resistência por parte dos órgãos provinciais. Buescu (1984) cita o relatório de 24 de maio, em que a comissão encarregada de tratar dos problemas financeiros do Brasil queixa-se da ausência de remessa das sobras provinciais, tema recorrente nas falas do trono e na carta do Imperador ao pai. 173

Receitas ordinárias: “rendas que provêm da cobrança regular das contribuições e dos rendimentos dos bens nacionais, cujo pagamento se faz na conformidade das leis por uma tarifa estabelecida, em tempo, em ocasião pré-fixa, em casos ou por motivos certos e determinados, [...] que se formam das contribuições de rendimento já de tempo conhecidos e usados com a aplicação as despesas ordinárias” (TESSITORE, 1995, p 27). Receitas extraordinárias: “rendas que provêm de cobrança irregular, independente de tarifa ou época fixada em lei. São estabelecidas em ocasiões especiais ou urgentes visando atender despesas extraordinárias que não podem ser atendidas com as rendas ordinárias. Receitas patrimoniais: derivadas das rendas dos próprios nacionais, das cotas de arrendamento das empresas industriais do Estado e dos lucros e juros obtidos pela aplicação de capital em empresas particulares” (TESSITORE, 1995, p. 36). Receitas tributárias: derivadas da arrecadação de impostos, tributos e multas tributárias, são permanentes e regulares. 174 Buescu (1984) comenta que a presidência do conselho de ministros era sempre reservada ao titular da pasta da Fazenda.

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É preciso considerar inicialmente que a atuação desse Ministério enfrentou, desde

sua criação em 1824 e durante todo o período imperial, dificuldades decorrentes da herança

colonial, das limitações impostas à ordenação de um país novo e da insuficiência de

recursos financeiros, mas, sobretudo, da carência de recursos humanos, ou seja, de

profissionais habilitados para a administração fazendária.

Não se tratava, portanto, apenas de escolher a melhor política a ser seguida, mas

principalmente da adaptação e renovação do sistema administrativo e tributário herdado da

Colônia, que necessitava de ajustes na medida em que novos desafios iam surgindo. É

preciso considerar também a extensão territorial do Império do Brasil como entrave para a

fiscalização a partir de um órgão central.

A questão do Desemboque é ilustrativa das necessidades de reformas fiscais. Em

1824 arrastava-se a questão dos julgados do Desemboque e Araxá, regiões inicialmente

pertencentes à capitania de Goiás que passaram a pertencer à capitania de Minas Gerais e à

comarca de Paracatu.175 Anteriormente, em uma representação, os povos da Companhia do

Araxá (que compreendia as freguesias de São Domingos e Desemboque) expuseram os

grandes incômodos a que estavam sujeitos por estarem sob jurisdição da capitania de Goiás,

cuja capital distava mais de 150 léguas. Além de serem parcos, “os recursos de que

frequentemente necessitam”, acreditavam que, estando sujeitos à capitania de Minas Gerais

e à ouvidoria de Paracatu, poderiam ser socorridos em suas necessidades e “também mais

desembaraçados e prontos para se entregarem” ao Real Serviço.176

Diante disso, o Príncipe Regente ordenou a desanexação dos dois julgados e

freguesias com todo o território que lhes pertencia, passando estes a integrar a capitania de

Minas Gerais. No ano seguinte, o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, o conde

da Barca, enviou um ofício ao governador goiano determinando que a Junta da Fazenda de

Goiás arrecadasse os rendimentos dos dois julgados, os quais, pelo decreto anterior, haviam

sido anexados à capitania de Minas Gerais apenas nas pastas civil e militar. Dessa forma, os

registros de Desemboque e Araxá voltaram a pertencer a Goiás. Assim sendo, a

arrematação dos dízimos das plantações foi feita por contratadores particulares. Estes foram

à Junta da Fazenda goiana a fim de pagarem as propinas provenientes do contrato, mas,

175 AHG – Relação da documentação manuscrita, datilografada e imprensa. Livro 63. 176 AHG – Documentação avulsa, caixa 9, pacote 1, 1817-1819.

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considerando-as abusivas, dirigiram-se ao presidente da província, que imediatamente

exigiu do escrivão deputado da Junta a apresentação do regimento da Fazenda, que

determinava o valor das propinas. Em resposta ouviu que não havia regimento algum e que

a cobrança fora regulamentada “na prática constante observada por esta Junta desde a sua

criação”. O presidente de Goiás solicitou então à Corte “a urgente necessidade de se prover

esta Junta do mencionado Regimento”.177

Posteriormente devido ao insucesso do sistema de administração das rendas

públicas da província, optou-se por conservar a arrecadação das rendas dos dois julgados

“no mesmo pé em que se achava quando estas erão percebidas pela Província de Minas

Gerais”.

A reordenação da administração provincial, ocorrida no inicio da década de vinte,

determinara a criação do cargo de presidente e vice-presidente provinciais, além de seus

respectivos conselhos. Ao presidente, nomeado pelo Imperador, caberia a administração

dos negócios que não estivessem sob a jurisdição do conselho. No entanto, a ambos fora

vetada a competência tributária, atribuição exclusiva da Câmara dos Deputados.178

Em 1829, a Secretaria da Fazenda baixou as instruções a serem observadas pelas

repartições do Tesouro Nacional – órgão que passou a regular a administração, arrecadação

e contabilidade – e pelas Juntas de Fazenda provinciais.179 Esse Ministério apresentaria

anualmente à Câmara dos Deputados, através do ministro de Estado da Fazenda,180 um

balanço geral da receita e despesas do Tesouro Nacional do ano antecedente, assim como o

orçamento geral contendo as despesas públicas do ano seguinte e a importância de todas as

contribuições e rendas públicas. Mesmo com a primazia do poder legislativo no

estabelecimento dos impostos e na direção das finanças públicas, o Ministério da Fazenda

tinha papel preponderante na formulação e aplicação das políticas orçamentárias, tributárias

e monetárias.

177 AHG – Relação da documentação manuscrita, datilografada e imprensa. Livro 132 – Ofício 11, de 30 de dezembro de 1824. 178

A Constituição Outorgada, de março de 1824, em seu art. 36, estabeleceu que à Câmara dos Deputados caberia a função de estabelecer impostos. A Assembleia Geral definiria os impostos, a forma de captação da receita e sua distribuição para os governos provinciais. 179 AHG – Coleção das Leis do Império do Brasil desde a Independência, v. II, livro 4. 180 A nomeação deste ministro estava sujeita ao jogo das forças e interesses políticos ou diretamente ligada às conveniências políticas, fatores que resultaram na frequente mudança de seus titulares. Foram 74 ministros – sem incluir os interinos – em 67 anos de Império. Para Buescu (1984), essa descontinuidade administrativa gerou empreguismo e, consequentemente, aumento da despesa pública.

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A Constituição de 1824 havia estabelecido as normas políticas e administrativas que

conduziriam o país e fixado as obrigações e os direitos fazendários provinciais e centrais,

mas não fora capaz de precisar os campos de ação de cada um, o que gerou problemas e

confusão. Portanto, as propostas reformistas do Primeiro Reinado só se efetivaram com a

lei de 4 de outubro de 1831. Somente em 1832, a lei orçamentária discriminou as fontes de

receita geral e provincial, assim como a conceituação dessas receitas. Este foi o primeiro

passo na tentativa de se auferirem maiores receitas através de práticas de arrecadação mais

efetivas.

Em Goiás, depois de sucessivas baixas na extração aurífera e de infrutíferas

tentativas de desenvolvimento da agricultura, que esbarrava sempre na dificuldade de

escoamento de produção e na política tributária implantada, restou à pecuária − como a

única atividade econômica com capacidade de dinamizar o comércio e de romper com o

relativo isolamento da região − a tarefa de reconversão econômica. No entanto, consistia

em um processo moroso, permeado por políticas inoportunas, por vezes contraditórias.

Desde a segunda metade do século XVIII até o primeiro quartel do século XIX,

Goiás viveu o refluxo da economia, entremeado por pequenos fluxos incapazes de

promover, a exemplo de Minas Gerais, a reconversão da economia (SANDES, 2001).

Segundo Funes (1986), somente com a expansão da fronteira agrícola em direção ao Sul e

sudoeste da província, já na segunda metade do século XIX, tornou-se possível o

desenvolvimento da agricultura e da pecuária em Goiás.

Conhecidas são as medidas proibitivas implantadas pela Coroa durante o apogeu da

extração aurífera, no sentido de concentrar todos os recursos para uma maior produtividade

das minas e de obstar a sonegação do quinto. A proibição de atividades que pudessem

desviar a mão-de-obra empregada na extração impediu o desenvolvimento, em larga escala,

da agropecuária e o consequente progresso de um setor da economia voltado para o

abastecimento interno e para a exportação interprovincial. Assim sendo, quando o

irremediável esgotamento das minas se tornou evidente, não havia, na província, uma

atividade econômica que pudesse dar prosseguimento ao fluxo econômico do ouro. Para

Funes, a duração efêmera da economia aurífera não promoveu o acúmulo de capitais nem o

desenvolvimento da região. Esgotadas as minas, os gêneros importados e indispensáveis

para a sobrevivência da população passaram a ser comprados a crédito e a preços mais

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altos, fato que agravou ainda mais a crise do último quartel do século XVIII. A isso se

somou a emigração em larga escala e a ruralização da sociedade, voltada para a produção

de subsistência.181

Dentre as possibilidades vigentes – escoamento via tropas ou via navegação –, a

escolha recaiu sobre a última, sem, no entanto, como salienta Funes (1986), considerar o

pequeno mercado a ser contemplado com essa medida. Todo o comércio externo da

comarca do Sul era estabelecido com os mercados do Rio de Janeiro e São Paulo e o da

Comarca do Norte, basicamente com a Bahia. A promoção do escoamento e o

abastecimento da capitania através do Pará não motivaram os goianos nem mesmo os

paraenses.

A análise de documentos anteriormente citados evidencia que, diante de um

mercado estagnado, a opção pela ligação comercial com o Pará, via navegação, esteve

consideravelmente relacionada com a segurança da Colônia, por tratar-se, segundo D.

Rodrigo, do “primeiro ponto da segurança do Brazil da parte do Norte”:182

Não era outra a concepção de intima conexão do centro inatacável por inacessível, inexplorado e ubérrimo, com o extremo Norte ameaçado pelos franceses de caiena, que D. Rodrigo acariciava por motivos de defesa nacional antes de fazê-lo por motivos de grandeza nacional, e já convencidamente manifestara em 1801 ao insinuar ao príncipe regente a nomeação de um vice-rei em lugar de um simples governador do Pará, com o predomínio efetivo na administração do Maranhão, Mato Grosso e Goiazes, ao mesmo tempo que sugeria uma série de medidas defensivas e econômicas. (LIMA, 2006, p. 107)

Por outro lado, o escoamento terrestre da produção esbarrava na carestia das mulas

e nas péssimas condições das estradas. Contudo, considerando-se o volume de transações

comerciais efetuadas com esses mercados, o incremento e a abertura de novos caminhos,

tanto para o Sudeste quanto para a Bahia, constituiriam a saída mais viável rumo à

“prosperidade” (FUNES, 1986).

Nos relatórios dos presidentes da província de Goiás, publicados em Memórias

Goianas, são constantes as queixas sobre as péssimas condições das estradas em Goiás,

181 Utilizo aqui o conceito de Funes (1986) de economia de subsistência, na qual a pequena produção destinada ao mercado não era suficiente para satisfazer às necessidades da província, nem para promover excedente na balança comercial. 182 AHG – Relação da documentação manuscrita, datilografada e imprensa.

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razão pela qual a pecuária se tornou a única alternativa econômica para a região. Alguns

dados fornecidos pelos presidentes de província no primeiro quartel do século XIX

mostram a relevância do boi na exportação, que, entretanto, não foi suficiente para

promover o equilíbrio na balança comercial. Apesar de significativa, a exportação do boi

não fora capaz de promover uma receita tributária que fizesse frente aos investimentos

necessários nas obras de utilidade e benefício público. A exemplo do ouro, inúmeras foram

as boiadas que deixaram a província via contrabando. Nas queixas e acusações trocadas

entre “tropeiros contrabandistas” e “coletores corruptos”, é possível encontrar o rastro dos

bois que deixaram a província em direção às invernadas de Minas Gerais e São Paulo ou

aos currais da Bahia. Parte da documentação fazendária que trata desse assunto constitui o

tema do capítulo a seguir.

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CAPITULO 3

O ADVENTO DAS COLETORIAS IMPERIAIS

E O CONTRABANDO DO BOI

Este capítulo se propõe a esclarecer os mais variados conflitos: desde o descaso

demonstrado pelo governo central em relação à província de Goiás até os subterfúgios

utilizados pelas elites provinciais para safarem-se do pagamento de impostos; desde a

impossibilidade de manter registros corretos do que entrava nos cofres provinciais até as

dificuldades de escolha de pessoas idôneas para as coletorias. Em meio a tal desordem, o

contrabando do boi e de ouro passa a reunir os atores históricos que compõem este

trabalho: tropeiros, boiadeiros e coletores.

3.1 A Fazenda Pública e as elites provinciais no Primeiro Reinado

A criação do Estado Nacional exigiu a reordenação do caótico sistema tributário

vigente desde a montagem do sistema colonial. A Carta outorgada de 1824, ao fundamentar

as bases do sistema político, criou os conselhos provinciais – no caso da província goiana

composto de 13 membros – incumbidos de discutir e deliberar sobre os assuntos de suas

respectivas províncias, enviando propostas de lei à Assembleia Geral.183 Nos municípios

foram criadas Câmaras eletivas dotadas de funções municipais. No entanto, seus poderes

foram paulatinamente sendo suprimidos restando-lhes o papel de corporações

administrativas.184 Estava posta a questão do poder local e de sua submissão ao centro.

A Carta estabeleceu ainda que à Câmara dos Deputados fosse designada a função de

legislar sobre tributos. A Assembleia Geral definiria quais impostos, a forma de captação

de receita, assim como sua distribuição para os governos provinciais. Os conselhos

provinciais enviariam à Assembleia Geral propostas de lei para apreciação. As elites

provinciais que compunham os Conselhos, apesar da incumbência de definição sobre a

receita e despesa de suas províncias, não tinham autoridade para legislar sobre tributação e

183 As atribuições dos Conselhos constam no capítulo V, artigos 71 a 84 da Constituição de 1824. Todo o regulamento dos Conselhos era elaborado pela Assembleia Geral. 184 Apesar das restrições, a Constituição de 1824 permitiu a organização do poder local a fim de enquadrar os municípios na dinâmica do novo Estado (DOLHNIKOFF, 2005, p. 82).

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aplicação das rendas provinciais. Obviamente surgiram desavenças entre os conselhos

provinciais e o poder central.

A Constituição previa a nomeação do presidente da província pelo Imperador. A ele

caberia administrar a província juntamente com o Conselho Provincial, que, em razão de

não ter autonomia e de não ser dotado de competência tributária, impediu que as elites

provinciais interferissem nos negócios da província.185

Mesmo tendo estabelecido as normas políticas e administrativas que regeriam a

nação e as obrigações e direitos fazendários provinciais e centrais, a Constituição de 1824

não precisou devidamente quais eram os impostos provinciais e quais eram centrais. A

Assembleia Geral era composta pela Câmara de Deputados (temporária) e pela Câmara de

Senadores (vitalícia). À Câmara dos Deputados cabia a “iniciativa” 186 sobre impostos, no

entanto estes eram regulados pelas leis do orçamento, por sua vez regulamentadas pela

Assembleia Geral.187

A heterogeneidade da representação política e as restrições impostas ao poder local

resultaram em conflitos sem que se apresentasse qualquer fórmula de consenso. Os

magistrados, peça de singular importância a balizar o jogo de interesses entre os poderes

central e regionais, adotavam como estratégia, ora a adesão ao centro, ora a atitude

desrespeitosa ao poder legitimamente institucionalizado. Mas havia também a Fazenda

Pública, palco onde atuaram todos esses atores.

A confusa ordenação dos poderes representava um problema a ser postergado, pois

era imperativo consolidar a emancipação política, principalmente no plano externo. Diante

desse quadro de insuficiência administrativa e impotência frente a inúmeros desafios, a

cobrança dos impostos continuou sendo feita através das alfândegas, dos rendeiros ou de

185 Dolhnikoff (2005, p. 83) esclarece que, mesmo diante as imposições outorgadas pela Carta, foi possível a implantação de certa autonomia aos poderes locais. Isso se deu através do juiz de paz, escolhido e eleito localmente, que dispunha de certa autonomia frente ao governo central que, no entanto, ainda dispunha da prerrogativa de “suspendê-los, caso contrariassem as prescrições legais”. O poder concedido aos juízes de paz, inclusive ao poder decisório sobre quem estava devidamente capacitado para votar e ser votado, fez com que eles se tornassem representantes do poder na localidade. Segundo a autora, esse cargo eletivo legou grande poder e autonomia aos fazendeiros locais, visto serem eles os responsáveis pela manipulação na escolha dos juízes, utilizando-se deles posteriormente para defesa de seus interesses pessoais. Esclarece ainda que “na maioria das vezes eram os próprios fazendeiros que ocupavam cargos”. 186 O termo refere-se ao direito de começar certos atos legislativos. Portanto, quando a Constituição diz que pertence à Câmara temporária a iniciativa sobre impostos, quer dizer que só ali podem ter início as leis relativas a tais objetos, sem que disso se possa inferir que o Senado não faça jus às emendas das leis (art 36, cap II). 187 Ver capítulo 1, artigo 15, item X, da Constituição de 1824.

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coletores especiais. No entanto, percebem-se esforços no sentido de melhorar o sistema

tributário e de arrecadação.

O governo já estava ciente de que a ordenação das diferentes províncias do Brasil

não se daria somente a partir de imposições do centro. O braço do Estado era curto demais

para alcançar, tributar, fiscalizar e devidamente arrecadar as rendas espalhadas por tão

vasto território. Foi nesse sentido que D. Pedro I expediu ordens que visavam não apenas a

um maior conhecimento sobre diferenças regionais, mas, sobretudo, sobre as possibilidades

de cada uma delas.

Em ofício ao presidente da província de Goiás, ordenou que se consultassem as

pessoas mais entendidas e zelosas, e enviasse em caráter de urgência ao Tesouro Nacional as

seguintes informações circunstanciadas: (a) quais tributos e impostos existentes na província

eram considerados “os mais gravozos aos contribuintes e por isso mais nocivos ao

desenvolvimento da riqueza pública”; (b) qual o meio mais suave e econômico de se fazer

arrecadar cada um dos referidos tributos e impostos, designando dentre eles aqueles que

poderiam ser administrados pela Fazenda e que deveriam ser arrematados por contrato; (c)

quais os abusos introduzidos na administração, arrecadação, fiscalização e aplicação das

rendas da província, indicando os meios de corrigi-los; (d) quais os arbítrios que, no entender

do presidente da província, poderiam produzir aumento de receita e diminuição de despes.188

3.2 Acertando as contas: o difícil diálogo entre a Província e o Império

Não há dúvida de que o presidente da província de Goiás viu-se em dificuldades ao

receber o ofício do Imperador questionando a ordenação das finanças da província. É certo

que D. Pedro I encontrava-se numa situação calamitosa, pois o retorno de D. João VI a

Portugal havia provocado uma enorme fuga de recursos, deixando o Banco do Brasil à

beira da falência. Urgia, portanto, recorrer às províncias.

Em ofício ao imperador, datado de 1824, o presidente da província de Goiás,

Caetano Maria López Gama,189 informou à Corte que desde o ano de 1819 os funcionários

188 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 19 de dezembro de 1827, Livro 92, 1821-1835 – Correspondência da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda para o Governo da Província, p.7. 189 Primeiro presidente nomeado após a Independência e a dissolução do Governo Provisório na província.

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da Fazenda não apresentavam os balanços exigidos, e nem as escriturações necessárias para

a preparação deles estavam em dia. Ao questionar escriturários da Contadoria e o contador

sobre tais desordens, obteve “respostas ambíguas” e a promessa de reinício dos trabalhos.

Na época, a situação da província era-lhe por demais complicada, visto que os cofres

contavam apenas com 1:657$000 réis para fazer frente a uma dívida passiva de

aproximadamente 20:000$000 referentes apenas às folhas civil e eclesiástica. Com relação

à folha militar, a situação era ainda mais grave:

[...] nada se sabe na Contadoria porque achando-se estacionada a Tropa de 1ª Linha na Comarca do Norte por Ordem do Governador das Armas, ali tem sido pagas pelas Rendas da mesma Comarca em virtude da Deliberação da Junta, que para esta expedição contrahiu hum empréstimo de cinco contos e tantos mil réis.190

Até aquela data, o tesoureiro pagador da Comarca do Norte ainda não havia enviado

para a Junta da Fazenda, instalada na capital, Vila Boa, nenhuma conta da receita e despesa

daquela Comarca. Na Junta não se sabia informar quantos eram os administradores, que,

exercendo a função de cobradores das rendas públicas, faziam parte do quadro de

empregados da província. Na verdade, não sabiam sequer os nomes de alguns deles. Tal

estado devia-se, nas palavras do presidente, à desordem que grassou na Comarca do Norte

quando, proclamada a Independência, ali se pretendeu implantar um governo provisório

próprio. O motivo do atraso nos balanços também estava relacionado “à confusão por se

terem tirado repentinamente das Administrações, os Soldados da Companhia de Dragões

para a expedição do Norte”, sem que estes tivessem prestado suas contas, além de terem

passado a administração “a Paisanos que pouco respeito infundem aos Povos para que

paguem os tributos que ainda existem”.191

A suspensão do imposto do sal, a diminuição do quinto do ouro e a cobrança do

dízimo, regulamentado pelo decreto de 16 de abril de 1821, haviam provocado uma grande

baixa nas rendas públicas. As elites locais apegavam-se ao argumento da decadência

decorrente do esgotamento do ouro. No entanto, para o presidente, a situação se devia à má

administração das rendas e ao fato de serem os administradores pessoas sem autoridade e

190 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 28 de setembro de 1824, Livro 132, p. 12. 191 Idem

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incapazes de conciliar o respeito dos povos cada vez mais “remissos em contribuhir para as

despesas públicas”.192

Dois meses depois, em novo ofício, o presidente informou ao Imperador, os

transtornos causados à administração por terem sido empregados em “efetivo serviço

militar” os oficiais da Contadoria e Casa de Fundição. A ordem expedida pelo Governador

das Armas da província fez do primeiro escriturário contador da Fazenda, o comandante

das Forças do Sul; do escriturário da Vedoria, major da praça e do tesoureiro da Casa de

Fundição, comandante de uma Companhia de Milícias e secretário do Regimento. “Esses

empregados levarão a tal ponto o esquecimento dos seus deveres, que, dentro da mesma

Casa da Junta da Fazenda, o Contador tinha uma mesa para fazer a escrituração dos

detalhes e ordens militares”. Em vista de tais confusões, pedia ao Imperador que expedisse

severas providências para que cessassem tais abusos. No entanto, alertava para a

necessidade de se evitarem “contestações com o Governador das Armas desta província”,193

na época, Raymundo José da Cunha Mattos.194

A resposta expedida pelo Imperador três meses depois 195 esclarecia ser

incompatível, “em hum mesmo indivíduo” o exercício miliciano com as obrigações de

oficial de Fazenda. Reprovava o procedimento dos oficiais da Fazenda em deixarem de

cumprir com suas obrigações sob o pretexto de satisfazerem “aquela de milícias, que lhes

não incumbem e de que são dispensados”. Esse procedimento só seria permitido em

circunstâncias urgentes da defesa pública contra os inimigos do Império.196

192 Para isso o presidente sugeria que encarregassem os comandantes de cada distrito da administração das respectivas rendas públicas, com a obrigação de enviarem as contas e rendimentos trimestrais, recebendo pelo trabalho o mesmo que recebiam os administradores. 193 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 30 de novembro de 1824, Livro 132, p. 15. 194 Ver Cunha Mattos (1978). 195 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 21 de fevereiro de 1825, Livro 92 – 1821-1835 – Correspondência da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda para o Governo da Província, p. 4. 196 Antes ainda da Independência, o governo se via às voltas com a sobreposição de cargos e ofícios. No decreto de 18 de junho de 1822 se esclarece que, em detrimento das determinações ordenadas pelo Reino na Carta Régia de 6 de maio de 1623, dos alvarás, decretos e demais ordens régias concordantes, se proibia que se reunisse em uma só pessoa mais de um ofício ou emprego, vencendo mais de um ordenado e resultando em prejuízo à administração pública. Sabendo-se que alguns desses empregados e funcionários públicos, ocupando os ditos empregos e ofícios, recebem ordenados por aqueles mesmos que não exercitam, ou por serem incompatíveis ou por concorrerem seus expedientes nas mesmas horas, recomendava a inteira observância das sobreditas determinações visando evitar esses inconvenientes. Para isso ordenava aos presidentes, chefes e magistrados das repartições, que não consentissem, sob pena de responsabilidade, que os empregados de suas repartições acumulassem cargos, mesmo em se tratando daqueles que tivessem obtido

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A distância entre a Comarca do Norte e a capital Vila Boa é citada, pelo presidente

Lopes Gama, como causa da impossibilidade da administração provincial, sediada na

capital, em implantar a devida fiscalização das fronteiras setentrionais. A autorização para

instalação de uma Provedoria Comissária na Comarca do Norte, 197 não solucionara o

problema, pois, mesmo com a instalação de tal órgão, os funcionários se recusavam a

aceitar os empregos naquela repartição, em virtude dos baixos salários ali oferecidos. Em

janeiro de 1825, o presidente da província declarou estar convencido de que o deplorável

estado das finanças de Goiás não decorria somente da falta de rendas, mas principalmente

do péssimo sistema de administração e arrecadação.

O presidente julgava necessário que a Provedoria do Norte não se limitasse apenas a

receber e remeter o ouro em pó à Casa de Fundição da capital, mas que também

administrasse as rendas do Norte “com responsabilidade à Junta da Fazenda desta província

a quem devem ser remetidas as mesmas rendas no fim de cada trimestre e prestar as contas

no fim do anno deduzindo-se ali as despesas que se houverem de fazer com os Empregados

Públicos da Comarca”.198

Em decorrência da frequente exportação de gado para a província da Bahia, do

comércio com o Pará e da mineração do ouro, a Comarca de São João das Duas Barras era

capaz de oferecer aos cofres da Fazenda um rendimento maior do que aquele apresentado

pela Comarca do Sul. Aos olhos de Lopes Gama, a Comarca do Norte supriria a fome de

recursos que grassava no Império, bastando para isso que lá funcionasse adequadamente

dispensa régia para possuírem mais de um ofício ou emprego na forma permitida pelo alvará de 8 de janeiro de 1627 (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa. Decreto de 18 de junho de 1822). Apesar das ordens imperiais, o problema com a acumulação de cargos envolvendo os empregados da Fazenda foi legado à Regência, o que fez com que Araújo Viana, presidente do Tribunal do Tesouro Público Nacional deliberasse em ofício de dezembro de 1833, serem incompatíveis as obrigações dos empregados das tesourarias e demais repartições de Fazenda com os de membros das Câmaras Municipais, por não ser possível exercerem-se conjuntamente. Para isso, os empregados da Fazenda deveriam "excusar-se" dos cargos municipais, excetuando-se desta regra apenas o procurador fiscal da fazenda, não somente por não estar obrigado ao ponto cotidiano na Tesouraria, como, porque em decorrência da lei de outubro de 1831, só “eh vedada a cumulação de Empregos de julgar”. A medida visava alertar aos empregados que não teriam justificadas as faltas que tivessem nas repartições que pertenciam, motivadas pela prestação de outros serviços (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 24 de dezembro de 1833, Livro 143 – 1825-1838 – Registro das deliberações do Tribunal do Tesouro Publico Nacional dirigida à Tesouraria da província de Goiás. p. 2). 197 O estabelecimento da Provedoria Comissária no Norte foi proposta, em 1805, pelo Conde de Palma e aprovada em 1807. 198 Declarava, todavia, que os ordenados estabelecidos pela Junta, constituíam-se no principal motivo pelo qual a proposta, aprovada em 1807, até aquela data (janeiro de 1825), não houvesse sido posta em prática. Como os vencimentos eram baixos, não se encontrava quem quisesse exercer tais empregos.

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uma Provedoria Comissária. Para tanto solicitava ao Imperador, que autorizasse a Junta da

Fazenda da província de Goiás a conceder ordenados proporcionais aos trabalhos dos seus

empregados.199

O governo imperial estava ciente dos desfalques, abusos e omissões que se diziam

praticados na administração das rendas públicas de Goiás, pois havia anteriormente

recebido três representações feitas pelo primeiro escriturário da Contadoria da Fazenda de

Goiás, José Joaquim Pulquério dos Santos, nas quais se informava sobre os problemas

ocorridos na Fazenda Pública. Diante a denúncia, o governo do Rio de Janeiro, através da

Secretaria dos Negócios da Fazenda, expedira portaria ao presidente Lopes Gama

solicitando que procedesse “sem demora na indagação de tudo, que se aponta com aquella

prudência e zelo que convém para acautellar vinganças e ódios que resultão da

manifestação de semelhantes abusos” e que “depois de remediar alguns males, que

convenhão logo sanar-se”, informasse sobre o que encontrara de verdadeiro e falso em suas

averiguações.200 Na prática de dissimulação, da qual trata Tiago Gil (2007), é possível

perceber não somente a cautela quanto as vinganças e ódios locais, mas, sobretudo, a

necessidade da Coroa em acomodar os poderes locais, importantes elementos na

manutenção da ordem social da região.

Em resposta, o presidente comunicou um incidente ocorrido, envolvendo sua

chegada e a emissão da referida portaria do governo. Informou ao Imperador que a portaria

expedida pelo governo solicitando averiguação dos desmandos da Fazenda, chegara à

província antes mesmo de sua entrada na região. Em decorrência disso, o documento fora

guardado junto a outros papéis referentes ao serviço público pelo Comandante do Arraial

de Bonfim, que distribuía as cartas dirigidas aos habitantes daquele julgado. Como o

Comandante sabia que o presidente passaria pelo arraial antes de se dirigir a Vila Boa,

guardou os papéis e participou ao Governo Provisório, instalado na capital, sobre seu

procedimento. Os membros do dito governo, julgando ser conveniente serem instruídos do

conteúdo dos ofícios que estavam sendo enviados ao presidente Lopes Gama, expediram

ordem ao comandante de Bonfim para que lhes remetesse, com urgência, todos os

199 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 29 de janeiro de 1825, Livro 132, p. 3 200 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 21 de maio de 1824, Livro 92, 1821-1835 – Correspondência da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda para o Governo da Província, p. 2.

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documentos. De posse das informações, souberam da portaria e das representações que

foram remetidas pelo escriturário Pulquério dos Santos, com relatos de queixas e abusos

cometidos por alguns dos mesmos membros do governo. O presidente iniciou a

averiguação e percebeu a desordem da Contadoria da Fazenda e o embaraço em que se

achavam o escrivão da Junta e o contador para responderem sobre as denúncias.

À medida que conhecia os abusos praticados na administração da Fazenda Pública,

Lopes Gama aplicava medidas tentando evitar as fraudes que aumentavam o déficit das

rendas provinciais. Constatara que o principal deles fora a liquidação das contas de todos os

empregados públicos sem que se tivesse tido o cuidado de fazer as devidas compensações

das dívidas requeridas em nome de muitos desses empregados.

O presidente já havia feito pedido para levantamento das folhas civil, eclesiástica e

militar e já estava informado que quanto a essa última não se sabia nem mesmo o número

de administradores constantes na folha, por estarem em expedição ao Norte da província. Já

havia também solicitado os balanços que estavam interrompidos há quatro anos, mas o que

recebia em resposta eram desculpas sob “capciosos pretextos” suscitados pelo escrivão

deputado e pelo contador alegando falta de tempo e doenças. No entanto, Lopes Gama tinha

conhecimento do verdadeiro motivo que impedia a retomada dos balanços e andamento dos

negócios da Fazenda: como os empregados da Junta da Fazenda estavam envolvidos nas

dívidas e nos abusos cometidos, faziam o possível para retardar o ajuste de contas, no qual

seriam elucidados os meandros pelos quais a Fazenda Pública era lesada.201

Concluída a averiguação, Lopes Gama expediu ao governo central parecer sobre o

caso, anexando as respostas do escrivão deputado e do contador, assim como sua opinião

sobre a verdade ou não dos fatos relatados por Pulquério dos Santos. Comentou não haver

dúvidas sobre os roubos e fraudes de grassava na Fazenda Pública. O escrivão deputado

Raimundo Nonato alegou não ter responsabilidade sobre o atraso nos balanços, visto que

desde 1821 deixara o emprego de escrivão da Junta para atuar como membro da extinta

Junta do Governo Provisório da província.202 Logicamente a justificativa não foi aceita pelo

201 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 30 de outubro de 1824, Livro 132, p. 14. 202 Raimundo Nonato referia-se ao Governo Provisório eleito e empossado pela Câmara em 8 de abril 1822, composto, nas palavras da historiadora Regina Lacerda de homens bem-intencionados, tais como (1973, p. 27), Raimundo Nonato Jacinto, João José do Couto Guimarães, Joaquim Alves de Oliveira, padre Luiz

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presidente, pois, mesmo entrando em exercício na governança em abril de 1822, ainda

assim era responsável pelos balanços dos anos de 1819, 1820, 1821. O contador não

apresentou justificativas para sua negligência, além de não ter preparado os balanços, nem

sequer levantara os dados necessários para a confecção deles.

Desde que tomara posse, Lopes Gama se empenhou para a regularização dos

balanços. No entanto encontrava-se frustrado, pois faltavam escriturários da Contadoria,

que tinham sido mandados pela Junta da Fazenda em comissões ao Norte da província. Os

administradores das rendas públicas há tempos não prestavam contas e o serviço de

registros das entradas precisava ser urgentemente reformado.

Analisando as respostas do contador, o presidente percebeu que ele havia sido muito

bem instruído por algum membro do governo sobre o conteúdo das denúncias de Pulquério

dos Santos. Dentre estas, constava a gratificação recebida pelo comandante das armas

interino, brigadeiro Álvaro José Xavier, que, na condição de presidente do governo

provisório, e mesmo percebendo que aquele recebimento seria alvo de censuras, “requereu

à Junta da Fazenda para restituir tudo quanto assim tinha vencido”.

Com relação à tomada de contas dos administradores da província, as respostas do

contador ao presidente foram “destituídas de fundamento” pois Lopes Gama verificou que

em nenhum caso se fez prestação de contas. A acusação do desfalque sofrido pela Fazenda,

com o pagamento duplicado a alguns praças e também a outros que sequer existiam, foi

respondida pelo escrivão deputado. Mas o presidente não dispôs de dados que

comprovassem ou desmentissem sua versão.

Assim, Lopes Gama averiguou e comentou, uma a uma, as acusações de Pulquério

dos Santos e as justificativas dos acusados, manifestando-se sobre uns e outros. Constatou

que algumas acusações foram devidamente comprovadas, outras não. Quer por terem sido

os acusados preparados para se escusarem das culpas, quer por terem destruído as provas,

ou simplesmente por serem essas infundadas. Finalizou seu ofício solicitando ao Imperador

que dirigisse um ofício à Junta, no qual, evidenciasse seu desagravo e estranhamento

quanto ao atraso da escrituração, a desordem da Contadoria, a falta de liquidação das contas

dos administradores e a demora dos balanços. Com isso o presidente esperava que seus

Gonzaga Camargo Fleury, Ignácio Soares de Bulhões. A junta era presidida pelo coronel Álvaro José Xavier e José Rodrigues Jardim com secretário.

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esforços tivessem maior vigor.203 Lopes Gama tinha razão em pedir ao Imperador que

reforçasse sua autoridade frente aos homens da província, pois a questão entre ele,

Pulquério dos Santos, os membros da Junta e os oficiais da Fazenda estava apenas

começando.

Ao que parece o governo de Lopes Gama foi marcado pelo esforço em normalizar o

funcionamento da Fazenda Pública, através da tomada de conta dos administradores das

rendas, do conhecimento sobre as folhas de pagamento e dos balanços insistentemente

cobrados pelo governo central. 204 No entanto, por maior que fosse seu empenho, não

conseguia “remediar” o estado de apatia dos empregados públicos e nem a paralisação e

decadência das rendas da província. Tinha consciência de que tal estado de apatia se devia à

falta de pagamento dos soldos, de que principalmente os militares se queixavam, por serem

os mais atingidos.

A causa de tão grande atraso de pagamento estava relacionada à falta de renda para

as despesas ordinárias da província. Todavia, no parecer do presidente, a Junta da Fazenda

não se empenhava em aumentar os depósitos nos cofres provinciais. Como exemplo, cita o

fato de esse órgão não ter exigido que o secretário da extinta Junta de Governo Provisório

entrasse para os cofres públicos, com os emolumentos que recebera em razão daquele

emprego. Indignou-se com o fato de o ex-secretário não se julgar obrigado a assim

proceder, alegando que nenhuma ordem imperial fora dirigida ao governo ou à Junta da

Fazenda, abordando tal assunto. Além do mais, na província se desconhecia qualquer

portaria expedida a esse respeito aos governos provisórios e às Juntas de Fazenda da

província do Rio Grande do Sul e São Paulo, cujas ordens e determinação deveriam ser

extensivas a todas as províncias do Império. Portanto, diante tal desconhecimento, as

portarias não poderiam ser cumpridas.205

203 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 18 de dezembro de 1824, Livro 132, p. 16. 204 Era através dos balanços emitidos por todas as províncias que se elaborava o orçamento de receita e despesa do Império. A partir daí, a Assembleia Geral deliberava sobre impostos. Pela forma como se encontravam os cofres do Tesouro Nacional, a tributação e os “negócios da Fazenda” constituíam-se em assunto de suma importância e por muitas vezes “recomendado” aos membros da Assembleia Geral (AHG – Atos e Decretos – Estatutos – Registros – Regulamentos – Leis – Mensagens – Constituições. Decretos Imperiais, Caixa n 1. 1830/1831: Fala com que Sua Majestade o Imperador abriu a Assembleia Geral. Maio de 1830). 205 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 6 de abril de 1827, Livro 132, p. 2.

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O caso encerrou-se com a denúncia e indignação de Lopes Gama quanto ao

comportamento do ex-secretário do Governo provisório, no caso José Rodrigues Jardim,

futuro vice-presidente, e presidente da província de Goiás. O comportamento de Jardim

evidenciou que o mecanismo de dissimulação empregado pela Coroa fora aprendido pelos

súditos, além de deixar clara a negociação entre o centro e os poderes locais. Ou seja,

mesmo diante a indignação do presidente, os potentados locais recusavam-se a cumprir as

determinações administrativas. A Coroa, informada, ao que tudo indica, não se manifestou.

Lopes Gama teve seus esforços reconhecidos pelos órgãos centrais que aprovaram

as medidas por ele postas em prática, relativas ao arranjo dos assuntos econômicos da

Contadoria e da Junta da Fazenda. Todavia, contas e balanços da Junta permaneciam em

atraso, assim como as propostas para a arrecadação das diversas rendas da província,

naquela época estagnadas e com baixíssima arrecadação, principalmente na Comarca do

Norte.206 Apesar do reconhecimento e aprovação, o centro o advertiu para que não deveria

se intrometer nos negócios provinciais que eram privativamente da competência da Junta da

Fazenda Pública − a mesma Junta que fora o centro das denúncias de Pulquério dos Santos

e onde se haviam constatado muitas irregularidades. Contudo, as pressões contra o

absolutismo de Pedro I aumentavam. Tal fato fazia com que, nas brechas do poder central,

se abrisse espaço para a afirmação das elites provinciais, cada vez mais empenhadas em se

imporem regionalmente, intentando participar, elas também, do processo de construção do

Estado Nacional.207

Não foi possível constatar se a proibição de ingerência do presidente da província

nos assuntos privativos da Junta da Fazenda foi o determinante para os eventos que se

seguiram. Pela documentação consultada percebe-se que mantiveram-se a lentidão e

206 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 18 de dezembro de 1824, Livro 92, 1821-1835 – Correspondência da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda para o Governo da Província, p. 2-4. 207 Em 1826 o visconde de Baependi, em ofício a Lopes Gama, participou-lhe que, tendo alguns presidentes em diversas províncias do Império dado extensiva interpretação aos artigos pelos quais foram estabelecidas as “marcha que se deve de guardar na remessa de requerimentos de partes, e Representações das diferentes Autoridades subalternas das mesmas províncias”, atribuindo às suas competências a informação de “pertendentes a Ofícios de Fazenda e outros objectos privativamente da atribuição das Juntas da Fazenda Pública, cujas Estações não lhes eram subalternas”, levou o Imperador a ordenar que, em tais circunstâncias, as informações e sobretudo “pertenções”, eram privativamente da competência das Juntas da Fazenda Pública sem mais influência dos presidentes das províncias (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 25 de janeiro de 1826, Livro 92, 1821-1835 – Correspondência da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda para o Governo da Província, p. 5).

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frouxidão com que a Junta da Fazenda e seus empregados tratavam os negócios públicos,

apesar dos esforços da presidência e ordens imperiais.

Em maio de 1827, decidido a qualquer custo, enviar o dito balanço ao Tesouro

Nacional, através do escrivão deputado Raimundo Nonato, Lopes Gama irritou-se com a

demora e com as constantes dificuldades e moléstias alegadas por Nonato. Há muito que

este último se mostrava reticente em atender à determinação do Tesouro Nacional, referente

à sua ida à Corte. Depois de reiteradas desculpas e adiamentos da viagem, foi-lhe marcada

a data da partida, quando levaria consigo os balanços provinciais solicitados e há muito

recomendados, pelo presidente, aos oficiais da Fazenda. No entanto, o atual escrivão

interino, Pulquério dos Santos, e seu irmão, o contador interino Luís Francisco das Chagas

Santos, não haviam procedido à confecção do balanço a ser enviado “faltando inteiramente

aos seus deveres com manifesto desprezo de tantas, e tão oficiais ordens de Sua Majestade

o Imperador e da portaria” expedida pela presidência. Segundo Lopes Gama, os irmãos,

além de não executarem o trabalho, zombavam aos demais oficiais e amanuenses sobre o

recomendado balanço, “empregando seu tempo em interesses particulares e em algumas

escriturações que nada tinham de urgência e nem relação com mencionado balanço”.

Chamando Chagas Santos à presença da Junta, este ter-lhe-ia feito injúria e agravante

ofensa, acusando-o de proceder daquela maneira, “levado por enredos”. O presidente fez

expedir ofício narrando o ocorrido e exigiu que fosse assinado pela Junta. Porém, constatou

que não havia forças humanas capazes de mover aqueles dois irmãos a concluírem o

balanço e que em nada adiantaria prorrogar, mais uma vez, o prazo de partida do escrivão

Raimundo Nonato. Diante disso, fez com que entregassem a Nonato os “borrões informes”

que haviam feito para que este pudesse apresentá-los no Tesouro da Corte, onde seria

possível averiguar como eram executados os trabalhos na Fazenda de Goiás sob a direção

dos irmãos Santos. Ademais, ordenou que regressassem à secretaria do Governo os oficiais

que foram postos à disposição da Fazenda, para a execução dos trabalhos de escrituração.

Raimundo Nonato seguiu para a Corte. Chagas Santos era, na visão do presidente, o

mais insubordinado dos oficiais. Para tanto, seria mais conveniente ao serviço do Império

aposentá-los com ordenado justo e nomear na Corte um escrivão e um contador que

tivessem conhecimentos e práticas suficientes para exercerem tais atividades de que tanto

dependiam a regularidade dos trabalhos. Indignado com o procedimento dos empregados,

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dirigiu portaria ao desembargador, o juiz dos feitos da Coroa, solicitando a ele que

procedesse a uma devassa sobre a atuação de Chagas dos Santos. No entanto, o ministro

“em quem a laxidão de hum procedimento escandaloso anda de par com a omissão dos seus

deveres públicos”, tinha relação de amizade com o contador interino e, por isso, alegou que

sentimentos particulares o impediam de proceder à devassa. O presidente fez constar, por

escrito, as razões alegadas pelo juiz que mudou a estratégia: visando favorecer ao amigo,

resolveu abrir a devassa. Iniciou seus trabalhos dando ao contador carta de seguro negativa

contra a existência do fato, o que não procedia, visto ter ele próprio, o juiz, presenciado o

ocorrido e assinado o ofício cuja expedição Lopes Gama exigira. Além disso, era proibida a

concessão de semelhantes cartas aos oficiais da Fazenda.

A devassa se arrastava. O juiz dirigiu-se à casa de Lopes Gama e disse-lhe que este

“tinha feito um governo tão bonito, e que agora, que estava a partir, se suscitaram

semelhantes barulhos” e que ele ficasse certo de que lhe “haviam votar a casaca”, na

tentativa de que o presidente desistisse da devassa. As testemunhas que haviam presenciado

o fato diziam “que o ânimo do dito contador” não era de ofender ao presidente.208 Antes da

conclusão da devassa, Lopes Gama já previa qual seria o seu resultado.209

Quando o novo presidente, Lino de Morais, tomou posse, Pulquério dos Santos

havia sido promovido, atuando interinamente como escrivão deputado na Junta da Fazenda.

No entanto, para o cargo foi nomeado João Corumbá. Pulquério dos Santos enviou

representação à presidência dizendo-se preterido no seu acesso ao cargo, alegando 39 anos

completos de efetivos e recomendação por seus serviços. Além disso, há um ano e meio

ocupava o cargo de escrivão deputado. Na opinião do novo presidente, legalmente,

Pulquério dos Santos só tinha direito ao cargo de primeiro escrivão contador. Mas, vendo o

estado desorganizado da escrituração da Fazenda e o atraso dos balanços, Lino de Morais

pediu que se sustasse a nomeação do novo escrivão da Junta, pois somente a antiga prática

de Pulquério e a do contador, seu irmão, poderiam desembaraçar a confusão deixada pelo

208 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 1 de maio de 1827, Livro 132, p. 23 209 O resultado foi o previsto pelo presidente: inocentando o contador Chagas Santos. Lopes Gama encerrou a questão dizendo deixar “aquele magistrado a triste situação de julgar isento de crime, quem na sua própria presença teve o arrojo de se comportar para comigo de um modo tão insolente, e com manifesta desobediência às ordens imperiais, como ele mesmo Magistrado confirma pela sua assinatura no mencionado instrumento; e não deixo de lhe ficar obrigado por não me ter condenado nas custas, se eh que elle não me oculltou esta circunstância.” (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 1 de maio de 1827, Livro 132, p. 27).

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ex-escrivão. Os oficiais da Fazenda, os irmão Santos, trabalharam cuidadosamente e de boa

vontade, de manhã e à tarde, dia santos, e muitas vezes à noite para que se concluísse o

balanço dos anos de 1826, 1827 e o orçamento de 1829. Pulquério continuou a se

encarregar dos serviços com a mesma energia, o que fazia satisfeito e melhor que qualquer

outro. Segundo Lino de Morais seria difícil regularizar e por em dia a escrituração e

contabilidade da Casa sem os seus serviços. A Fazenda não dispunha de outros oficiais nos

quais pudessem ser confiados trabalhos de tamanha importância. O presidente recomendava

então que as solicitações de Pulquério fossem atendidas “à vista de sua numerosa família e

de ter visto nascer o suposto escrivão nomeado Corumbá, quando já contava 17 anos de

serviço naquela casa”. 210Apesar da recomendação do presidente, o que se sabe é que no

ano seguinte o cargo de escrivão deputado era ocupado por João Corumbá.

O Imperador, ciente da necessidade de melhora na administração da Fazenda

Pública e convencido de que a “fiscalização das rendas nacionais é hoje a mais importante e

gloriosa atribuição de um Presidente”, enviou ofício à Junta da Fazenda, ordenando que o

órgão se reunisse semanalmente em sessão extraordinária. Na carta dirigida à Junta, o

presidente do Tesouro Nacional trata da necessidade de acelerar o expediente daquele

órgão, visando melhorias na arrecadação das rendas públicas e economia na distribuição

delas através da fiscalização diária da entrada e saída dos dinheiros públicos. Para isso,

ordenava a execução da cobrança da dívida ativa, a tomada de contas dos exatores e

distribuidores das rendas. Ordenava também que nas sessões ordinárias fossem

preferencialmente tratados os negócios de administração e interesse público, deixando-se

para segundo plano o despacho de certidões e outros negócios particulares. Informado de

que, em algumas Juntas, não estava havendo até mesmo as sessões ordinárias, o Imperador

ordenou ao respectivo escrivão deputado da Junta de Goiás que participasse ao Tesouro

Público, sempre que não houvesse sessão ordinária, registrando os nomes dos deputados

por cuja causa deixou de abri-la e o motivo por que haviam faltado à sessão.211 A essas

210 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 31 de outubro de 1828, Livro 132, p. 47. 211 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 25 de setembro de 1829, Livro 92 – 1821-1835 – Correspondência da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda para o Governo da Província, p.10,11.

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medidas advinham como resposta “o pouco ou nenhum caso que os subdelegados da Junta

têm feito e acostumarão a fazer” das ordens imperiais.212

Os empregados públicos não recebiam seus salários em dia, chegando alguns a dois

e três anos de vencimentos atrasados. Professores, a oficialidade militar, deputados da

Junta, bispo, secretário de governo e inclusive o presidente, apesar da dispendiosa viagem

que empreendera para chegar à província, não recebiam ordenados em dia. Os cofres

provinciais encontravam-se inteiramente vazios e a Fazenda Pública desacreditada.

O foco de toda a complicação na contabilidade tinha como origem a imprecisão nos

números na Fazenda. Não se sabia qual a renda da província ou sua despesa; de quanto era

credora ou devedora. Os rendimentos haviam baixado sensivelmente porque “a Fazenda

tem estacionados em diferentes pontos certo número de homens (os quais ainda me não foi

permitido saber, mais que o hei de conseguir) aos quais chamam Administradores”.213

Como não havia clareza na contabilidade dos administradores, não era possível controlar os

pagamentos dos empregados. Uma vez mais, a falta de fiscalização e a necessidade de

maior vigor na cobrança das dívidas de muitos devedores da Fazenda eram a causa dos

baixos rendimentos provinciais. Porém, não havia recurso orçamentário para se proceder à

melhora da fiscalização. E quanto aos devedores da Fazenda, os quais “manhosamente”

retardavam os pagamentos de impostos, nada poderia ser feito, pois estes alegavam estar à

espera do recebimento de seus ordenados atrasados para quitarem suas dívidas com a

Fazenda.214

Desanimado, Lino de Morais acreditava ser difícil que a administração das rendas

da província se aprimorasse, enquanto seus negócios fossem manejados por uma Junta da

Fazenda. Principalmente, enquanto esse órgão fosse dirigido pelo escrivão deputado

Corumbá, homem com quem não se entendia e no qual reconhecia uma habilidade rara para

“enredar serviço” e revolucionar os ânimos. Em seu entender, durante grande parte do

tempo dedicado às sessões da Junta, as polêmicas levantadas pelo deputado faziam com que

frequentemente as sessões fossem adiadas sem que se concluísse qualquer decisão. O

212 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 29 de novembro de 1827, Livro 132, p. 28. 213 Eram eles encarregados de receber os rendimentos, as dívidas e de pagar as despesas estabelecidas com os empregados dos destacamentos e outras eventuais despesas em seus respectivos distritos. 214 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 29 de novembro de 1827, Livro 132, p. 28.

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expediente moroso e a escrituração voltaram a ficar em descuido e as propostas do

presidente, “as únicas que apareciam”, eram rejeitadas porque o escrivão, o juiz dos feitos e

o fiscal da Fazenda faziam oposição ao governo − “tal eh a marca dos tempos”.215 Marcas

consubstanciadas nas lutas entre a Coroa e a Assembleia Geral que culminaram na

abdicação.

3.3 A Regência e a ordenação local

A aprovação, em 1831, dos princípios federativos representou o primeiro passo para

a reordenação da ordem constitucional de 1824. O projeto ainda propunha reformas

radicais: a extinção do Poder Moderador e do Conselho de Estado, o fim da vitaliciedade do

Senado, a criação da Guarda Nacional e das Assembleias Legislativas Provinciais.216

As reformas, capitaneadas pelos liberais, propunham a reorganização do Estado a

partir dos ideais federalistas. Porém, segundo Dolhnikoff (2005, p. 26), “o termo liberal

nomeava grupos heterogêneos, e entre os vários temas que os dividia estava a proposta de

modelos diversos em termos de organização do aparato político e institucional”.

As divergências centravam-se basicamente na conjugação entre monarquia e

federação. Para alguns, federação e república eram sinônimos e por mais que advogassem

para um sistema que permitisse maior grau de autonomia às Províncias, acreditavam que a

“amplitude da autonomia” deveria ser controlada e devidamente atrelada ao centro do Rio

de Janeiro. Outros havia que rejeitavam não somente o termo “federação”, mas inclusive a

215 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 30 de dezembro de 1829, Livro 132, p. 54. Os ofícios subsequentes parecem confirmar o conceito de Lino de Moraes quanto ao escrivão deputado Corumbá: em 1832 a repartição da Fazenda estava abandonada, entregue unicamente a dois terceiros escriturários. Pulquério dos Santos e seu irmão Chagas dos Santos achavam-se, há um ano empregados como suplentes no Conselho Geral da Província; o segundo escriturário estava há dois anos em Comissão na Comarca do Norte; o oficial da Vedoria, empregado no Conselho Geral. Nada se sabia sobre o estado da Fazenda, pois não havia a quem perguntar. Quanto ao escrivão Corumbá, achava-se recolhido na fazenda de seu pai alegando que, como fora “um defensor da lei, achava-se em perigo de vida”. Agitações internas haviam trazido desassossego à província, mas quando voltasse a tranquilidade, o escrivão Corumbá, “moço hábil e ativo voltaria a cuidar dos negócios da Fazenda”. Pelo menos, era essa a opinião do presidente em exercício: José Rodrigues Jardim (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 1 de fevereiro de 1832, Livro 132, p. 67). Não é possível saber se passado um mês, a paz retornara ou não à província. Porém Corumbá pediu licença de seis meses – licença concedida – para dirigir-se à Corte, sob alegação de falta de saúde (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 30 de março de 1832, Livro 132, p. 70). 216 Ver Ferreira (1997).

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reforma constitucional217. Para ser aprovado, o projeto federalista precisou sofrer ajustes,

tais como a retirada do termo monarquia federalista, a manutenção da vitaliciedade do

Senado e do Poder Moderador. No entanto, aprovou-se a extinção do Conselho de Estado.

Dolhnikoff salienta ter sido esse processo de inserção das elites provinciais o

definidor do novo perfil institucional e da dinâmica do Estado. Através de maior autonomia

concedida às províncias, essas viram atendidas parte de suas demandas, eliminando assim

possíveis “tendências separatistas”. A substituição dos Conselhos Gerais de Província,

“meros fantasmas para iludir os povos,” pelas Assembleias Provinciais permitiu as elites

regionais colocarem-se à frente dos negócios e da política de suas respectivas províncias.

Por outro lado, o Estado não dispunha de recursos humanos e administrativos que lhe

permitissem abranger e “impor sua hegemonia” sobre o território vasto, distinto e com

grandes dificuldades de transporte e comunicação. Desse modo,

a criação de governos autônomos provinciais significava a organização de um aparato administrativo local que poderia e deveria servir como braço do Estado na região, uma condição sine qua non para a construção de um Estado Nacional viável. (DOLHNIKOFF, 2005, p. 64)

Todavia, a construção do novo Estado e as reformas, que concediam maior

autonomia às províncias, seriam implantadas dentro da ordem, de forma que garantissem a

unidade territorial e a manutenção do escravismo. Foi este o meio encontrado pelas elites

dirigentes do país de se prevenirem contra convulsões sociais que pudessem causar a

reformulação da ordem vigente. Quanto as elites provinciais,

na medida em que tomavam parte e partilhavam os monopólios da tributação, da legislação e da coerção, e que desfrutavam de certa liberdade para exercer o controle institucional sobre suas respectivas províncias, [...] aderiram ao Estado Nacional sediado no Rio de Janeiro. (DOLHNIKOFF, 2005, p. 65)

O período compreendido entre 1830 e 1832 foi marcado por uma intensa reforma

fazendária que aboliu o Erário Régio, substituindo-o pelo Tribunal do Tesouro Público e

pelas Tesourarias Provinciais. Além disso, foram criadas as Mesas de Rendas e as

Coletorias – repartições arrecadadoras locais, chefiadas pelo coletor e subordinadas à

217 Ver Dolhnikoff (2005, p. 66)

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Tesouraria de Fazenda da respectiva província, a quem competia criá-las ou suprimi-las,

mediante aprovação do Tesouro Nacional.

Em ofício datado de maio de 1833, o presidente do Tesouro Nacional, Araújo

Viana, visando melhor organização das rendas e arrecadação dos impostos provinciais,

ordenou que na Tesouraria de Goiás (assim como nas demais), a partir do ano de 1833-

1834 em diante, fossem feitos dois balanços e dois orçamentos anuais, sendo um das rendas

e despesas gerais e outro da renda e despesas provinciais. 218

Em 1832 Pereira de Vasconcelos havia apresentado medidas visando à melhora na

arrecadação das rendas públicas. A reforma proposta buscava a simplificação das formas e

a harmonia de todas as partes do sistema, a fim de que o Tesouro “nem ficasse circunscrito

em seus atos, nem se visse na necessidade de confiar em pessoas que não são de sua

escolha”.219 Segundo Vasconcelos, a mola mestra do sistema de arrecadação por via de

coletorias recaía na escolha dos coletores. Para tanto recomendava ao presidente da

província “o mais desvelado empenho neste assunto”. Os coletores deveriam possuir, além

dos conhecimentos e práticas de contabilidade, experimentada probidade e reconhecida

atividade. Sendo possível deveriam possuir “algum gênero de estabelecimento ou de

fortuna”. Acreditava que dessa classe deveriam sair os escolhidos pela presidência.

Caso dentre os empregados das extintas repartições, houvesse quem de confirmada

idoneidade aceitasse prescindir do recebimento de seus ordenados enquanto servisse na

coletoria, seria recomendável que fosse nomeado coletor, evitando-se assim “arredar da

indústria fabril, comercial ou agrícola, braços que podem ser úteis”. 220

Como se esperava que os nomeados fossem homens “probos e hábeis” era

necessário que se lhes oferecesse um meio de vida seguro e cômodo. A partir daí,

Vasconcelos sugeriu a proposta de se “anexar” a um coletor de distrito todos aqueles

218 Nesses balanços seria mantida a denominação anterior dada aos impostos e rendas, leis e ordens que os estabeleceram, declarando-se com distinção os valores que dessem entrada no caixa da Tesouraria, seguidos da referência do artigo de renda, e evitando-se assim a reunião dos impostos de naturezas diversas como vinha sendo apresentado pelos balanços anteriores. Com as Tesourarias procurava-se evitar que os arrecadadores permanecessem com dinheiros públicos por muito tempo, a não ser as somas indispensáveis para as despesas correntes. (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 25 de setembro de 1829, Livro 92 – 1821-1835 – Correspondência da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda para o Governo da Província, p.36.) 219 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 1 de março de 1832, Livro 92 – 1821-1835 – Correspondência da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda para o Governo da Província, p. 18-19. 220 Idem.

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impostos cuja coleta não pertencesse por lei a uma determinada autoridade e que por isso

poderiam ser simultaneamente arrecadados.

Nessa província, se circunstâncias peculiares não obstarem, pode cometer-se a um mesmo coletor a cobrança dos Novos impostos, Décima da Chancelaria, Dízimo, Novos e velhos direitos, Carnes verdes, Direitos de passagens, Donativo voluntário, Décima de prédios, Direitos do ouro, Aguardente, Casas de leilão e Modas, e outros como parecer mais conveniente. 221

À presidência também caberia eleger, dentre as grandes povoações, àquelas que

necessitavam de um coletor especial para a arrecadação de alguns impostos. Nesse caso, o

presidente estava autorizado a nomeá-lo e instalá-lo. Para tal deveria observar a questão da

incompatibilidade dos empregos.

Para a nomeação de coletores e administradores das Mesas de Rendas, deveriam ser

observadas as legislações fiscais, que impunham aos encarregados da administração e

fiscalização da Fazenda a restrita obrigação “de velarem pelo desempenho de seus Offícios,

empregando para isso a maior deligência, e todos os cuidados, sem a menor distracção”. 222

Portanto, os coletores de renda não poderiam acumular ao mesmo tempo outras obrigações,

como delegacia de polícia, ou subdelegacia, as quais “não só o distrai para pesados deveres

de natureza diversa, mas o submete à imediata jurisdição das autoridades judiciais”.223

O governo fazia questão de deixar clara a incompatibilidade de dois empregos em

uma só pessoa; no entanto, facultava, para distritos pequenos ou distantes da capital, a

nomeação dos agentes dos correios para a cobrança das rendas gerais, dando-lhes o título

de coletores. A nomeação para coletor dispensava-os de serem milicianos.224 Estavam

encarregados do lançamento e cobrança da décima urbana,225 encarregados da arrecadação

dos impostos que estavam a cargo dos juízes territoriais,226 que fiscalizavam e cobravam as

221 Idem. 222 AHG – Coleção das leis do Império do Brasil – 1855 – Tomo 18, Parte 2°, Secção 6°. Ordem n° 10. 223 Idem. 224 Circular de 14 de abril de 1831. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertorio Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 225 Lei de 27 de agosto de 1830, executada pelo decreto de 7 de outubro de 1831. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 226 Lei de 15 de novembro de 1831, art 54. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74

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sizas, meia siza, imposto do banco, botequins e taberna, taxa de heranças, selos etc227.

Estavam também incumbidos da arrecadação dos novos direitos228 e da arrecadação dos

impostos de Casa de Leilão e Moda e 20% da aguardente;229 encarregados de arrecadar a

dízima da chancelaria 230 e os dízimos. 231 Responsáveis pela arrecadação da taxa de

escravos,232 os coletores da décima urbana estavam também incumbidos de arrecadar a

contribuição para os lázaros.233

A seus encargos estava também o pagamento dos ordenados dos empregados

moradores na sua residência ou vizinhança; 234 eram “vigiados” pelo Tesouro Público

Nacional235 devendo remeter suas contas às Tesourarias provinciais,236 única repartição

com poderes para aumentar as comissões a eles destinadas.237

Quando nomeados, os coletores deveriam prestar fiança e juramento antes de iniciar

o exercício de suas funções.238 Poderiam ser demitidos pelos presidentes de província,

através dos inspetores das Tesourarias, quando não conviessem ao serviço da Fazenda239.

No caso de demissão, não receberiam nenhuma porcentagem ou comissão antes de terem

227 Regimento de 14 de janeiro de 1832. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 228 Regimento de 25 de janeiro de 1832 e Decreto de 26 de janeiro de 1832. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 229 Regimento de 28 de janeiro de 1832. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 230 Regimento de 14 de fevereiro de 1832 AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 231 Regimento de 31 de março de 1832. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 232 Lei de 8 de outubro de 1833. Inst. 13 de dezembro de 1833. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 233 Res. de 25 de agosto de 1832. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 234 Circular de 29 de março de 1832. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 235 Lei de 4 de outubro de 1831, art. 12,§5. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 236 Regimento de 26 de abril de 1832, artigo 30. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 237 Officio de 3 de novembro de 1832. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 238 Ver exemplo de termo de fiança e juramento no Anexo F. A lei que regulava o pagamento de fiança era o ofício de 30 de outubro de 1841. Ordem 243, de 19 de agosto de 1840. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74. 239 Aviso 75, de 14 de outubro de 1843. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74

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prestado contas e se mostrado “quites” com a Fazenda.240 Seriam responsabilizados quando

não fizessem, em tempo, os lançamentos dos impostos a seu cargo.241 Segundo o artigo 43

da Lei nº 514, de 28 de outubro de 1848, os tesoureiros, coletores ou qualquer outro

empregado, a cujo cargo estivessem os dinheiros públicos, estavam sujeitos ao pagamento

dos juros anuais de 9% no caso de, ao serem intimados a fazer o pagamento integral da

importância por eles recebida, não o efetuasse no prazo de 30 dias.242 Os coletores não

tinham direito de receber ordenados, sendo que a única despesa da Fazenda Nacional com

as coletorias referia-se aos “percentuais” pagos por cada ramo da arrecadação.243

Em caso de serem pronunciados por crimes particulares, não deveriam ser

suspensos de seus empregos,244 continuando a servir.245 E tanto eles, quanto seus escrivães,

como empregados da Fazenda, estavam isentos do pagamento de novos e velhos direitos.246

Para que o novo sistema de cobrança de rendas públicas fosse bem-sucedido,

Pereira de Vasconcelos acreditava ser de suma importância a vigilância sobre os coletores

“não só para que se não descuidem no cumprimento dos seus deveres, como para que se

não recaia nas extorsões e vexames que os arrematadores faziam aos povos [...]”.247

O empregado, ou aquele que estivesse encarregado de examinar as coletorias, estava

obrigado a apresentar à Fazenda um relatório circunstanciado do estado de cada uma

juntamente com as propostas e providências adequadas a remover abusos e omissões na

exação e fiscalização das rendas. Para isso a Fazenda forneceria a todas as coletorias o livro

de talão, aberto, numerado e rubricado pelo provedor de Fazenda248. Desse livro se daria, às

partes, os competentes “conhecimentos” dos impostos pagos, ficando os coletores

estreitamente obrigados, no momento de prestação de contas, a apresentarem o dito livro

240 Ordem 6ª, de 22 de janeiro de 1845. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 241 Ordem 50 de 18 de março de 1847. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 242 Coleção de leis do Império do Brasil –1855, Tomo 18, Parte II, secção 6ª. 243 Aviso de 30 de outubro de 1846. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 244 Aviso de 22 de setembro de 1834. (manual dos coletores). AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 245 Ofício de 30 de setembro de 1834. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 246 Portaria de 13 de outubro de 1835. AHG – Coleção de leis do Império do Brasil – Repertório Geral das leis do Império do Brasil – 1808 a 1855, Tomo 3°, Parte III, livro n°74 247 Idem. 248 AHG – Atos e Decretos – Caixa 1 - Livro da Lei goiana, Tomo 13, Titulo 2°, Capítulo único, p. 34 -35.

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para que, confrontando-o com os cadernos de lançamento dos impostos, se procedesse ao

exame moral das contas. Os contribuintes que não exigissem o “conhecimento” dos

impostos que tivessem sido pagos estavam rigorosamente obrigados a pagá-los novamente,

se porventura tais impostos não constassem nos lançamentos dos respectivos livros ou

cadernos, salvo se justificassem legalmente o pagamento feito. Esses regulamentos eram

divulgados, através de editais, nos distritos onde estavam instaladas as coletorias, a fim de

que todas as suas disposições estivessem ao alcance e conhecimento dos habitantes da

província.249

Tratava-se de mais uma tentativa do poder central para aperfeiçoar a arrecadação e

fiscalização das rendas públicas, através de uma ordenação político-administrativa e

tributária que alcançasse as distintas regiões do Império. A reforma

que, quando a não aproxime da perfeição, em que se acha em outros Países, ao menos a dispa de parte dos defeitos, que tem, e dos quais resultava que algumas (rendas) não eram exigidas, metade de outras ficava nas mãos dos administradores ou arrematantes e com todas sofriam o povo consideravelmente.250

Os “defeitos”, aos quais se referia Pereira de Vasconcelos, eram muitos. Graves e,

por vezes, irremovíveis. Herdados da Colônia foram legados ao Império, sendo o arranjo

institucional implantado no Primeiro Reinado, incapaz de suprimi-los. Coube à Regência,

com a implantação de uma nova política tributária – cujo centro era a cobrança das rendas

públicas através das coletorias – e com uma política de descentralização administrativa, a

incumbência de tentar fazer chegar aos cofres públicos as receitas arrecadadas em todo

Império.

Para elucidar o alcance das novas medidas e desafios a serem superados –

especificamente em Goiás – na tentativa de pôr em movimento essa nova ordenação, é

oportuno apresentar alguns dos “defeitos” e vícios que faziam parte do cotidiano da

Fazenda provincial, assim como das limitações das autoridades para extirpá-los. Além

249 AHG – Atos e Decretos – Caixa n 1: Livro da lei goiana, 1847. Tomo 13, Titulo 2°, Receita Provincial – Capítulo Único. 250 AHG – Ofício enviado ao presidente da Província de Goiás pelo presidente do Tesouro, Pereira de Vasconcelos. Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 1 de março de 1832, Livro 92 – 1821-1835 – Correspondência da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda para o Governo da Província, p. 18-19.

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disso, é importante salientar que a dinâmica da Fazenda goiana e a política tributária do

Primeiro Reinado estavam diretamente relacionadas com a acomodação de interesses entre

um império centralizador e as províncias acostumadas ao predomínio dos interesses locais.

Só assim foi possível adotar uma perspectiva que comungasse a diversidade de interesses

aproximando as elites provinciais da proposta de unidade gestada pelo Império.251 Tal

perspectiva estava diretamente relacionada com as reformas tributárias implantadas pela

Regência.

3.4 Elites provinciais, tributos e pacto abrilista

Com a criação das Assembleias Provinciais, as províncias tornaram-se unidades

político-administrativas, dotadas de certa autonomia e principalmente de competência

tributária. As Assembleias, cujos membros eram eleitos seguindo os mesmos critérios

utilizados para os deputados da Assembleia Geral, tinham legislaturas de dois anos com

possibilidade de reeleição de seus membros. As sessões anuais, com duração de dois meses,

eram instaladas pelo presidente da província nomeado pelo Regente.

A Assembleia Provincial podia legislar sobre quase tudo:252 divisão civil, judiciária

e eclesiástica de suas províncias; instrução pública; polícia e economia municipal, desde

que precedidas por propostas das Câmaras; fixação das despesas municipais e provinciais e

os impostos necessários; fiscalização do emprego das rendas públicas provinciais e

municipais, além das contas da receita e despesa.253 Recebeu também a prerrogativa sobre

criação, supressão e nomeação para os empregos municipais e provinciais, além do

estabelecimento dos seus ordenados.254 Poderiam legislar também sobre obras públicas,

estradas e navegação do interior; construção de cadeias e casas de socorro público, bem

251 Ver Dolhnikoff (2005). 252 Ver Artigo 10, itens I a XI do Ato Adicional – Lei de 12 de agosto de 1834. 253 Pela lei de 24 de outubro de 1832, Artigo 77, as rendas públicas, até então arrecadadas pelo Tesouro Nacional foram divididas em receita geral e receita provincial sendo que todos os impostos não pertencentes à primeira, se enquadrariam na receita provincial. No entanto, as Assembleias não poderiam legislar sobre impostos de importação. Nos impostos municipais, não poderiam impor aos estrangeiros maior cota do que aos nacionais, e, além disso, não poderiam lançar impostos sobre a exportação dos produtos de suas respectivas províncias para as outras províncias do Império (Aviso nº 321, de 1 de agosto de 1860 §§ 2º e 3º). 254

Empregos municipais e provinciais eram aqueles existentes no município e na província, excetuando os que diziam respeito à arrecadação e dispêndio da rendas gerais, à administração da Guerra e Marinha, aos correios, aos cargos de presidente de província, bispo, comandante superior da Guarda Nacional, membro das frações de tribunais superiores e empregados das faculdades de medicina, cursos jurídicos e academias.

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como sobre a forma pela qual poderiam os respectivos presidentes provinciais nomear,

suspender e ainda mesmo demitir os empregados provinciais.255

A concentração de poderes nas mãos das Assembleias Provinciais visava, entre

tantas tarefas urgentes, regularizar o sistema de impostos, assegurando a renda necessária

para fazer frente às despesas gerais da nação. A Regência criou uma comissão especial,

composta por Araújo Viana, Luís Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque e Diogo

Duarte e Silva, os quais, depois de estudarem o assunto deveriam propor medidas a serem

levadas à Assembleia Geral.256

Pela carta de lei 4 de outubro de 1831 foi criado o Tribunal do Tesouro Provincial e

Tesourarias de Províncias extinguindo-se o Tesouro Nacional, Conselho da Fazenda e

Juntas das províncias.257 Com a medida, certos empregados da Junta da Fazenda foram

aposentados, 258 sendo outros nomeados para que imediatamente se instalasse a

Tesouraria.259

255 Percebe-se que, no esforço de ordenação das regiões provinciais, diversas leis foram sendo expedidas e posteriormente adequadas para que o Estado impusesse sua hegemonia. Dentre outras medidas, a Regência buscou implantar maior rigor no controle dos empregos, salários e indivíduos que estavam a serviço do Estado. Na província goiana, primeiramente pela Lei de 14 de junho de 1831, se determinou que as nomeações dos empregados provinciais fossem feitas pelos respectivos presidentes em Conselho, independentemente da confirmação do governo central, devendo o mesmo governo conhecer quais indivíduos se achavam no exercício de seus empregos nas diferentes repartições. Para isso, o vice-presidente da província deveria confeccionar um quadro estatístico dos empregados nas diferentes repartições públicas provinciais e enviá-lo a Corte, participando à Secretaria de Estado dos Negócios qualquer posterior alteração (AHG – Documentação avulsa, caixa 17, pacote 02 referente a 1831, p. 132). Após a promulgação do Ato, por resolução da Assembleia Legislativa Provincial de Goiás determinou-se que o governo ficava autorizado a nomear, suspender e demitir aqueles empregados provinciais sobre cujas nomeações, suspensões e demissões a Assembleia ainda não tivesse legislado; Poderia também nomear substitutos aos empregados legalmente impedidos (AHG – Documentação avulsa, caixa 24). 256 AHG – Coleção das Leis, livro 7, p. 10. 257 AHG – Documentação avulsa, caixa 17, ano 1830/1831. Pacote 2.Categoria geral: Relação de exemplares impressos, Cartas de Lei, Decretos. 258 Foi concedida aposentadoria a José Joaquim Pulquério dos Santos, ao primeiro escriturário José Joaquim de Almeida, ao escrivão da Vedoria e Almoxarifado José Joaquim Xavier de Barros, com os ordenados que lhes competia na forma da lei (AHG – Documentação avulsa, caixa 17, ano 1830/1831. Pacote 2). 259 AHG – Documentação avulsa, caixa 18, ano 1830/1831. Pacote 2. As Tesourarias de Província, subordinadas ao Tribunal do Tesouro, compunham-se de um inspetor de Fazenda, um contador e um procurador fiscal. Eram destinadas à administração, arrecadação, distribuição, contabilidade e fiscalização de todas as rendas públicas da província. (Artigo 46). Chefiadas pelo Inspetor encarregado de inspecionar todas as administrações, recebedorias e pagadorias das rendas públicas, advertindo aos empregados quando detectasse negligência ou defeito, podendo esses últimos ser suspensos pelo Presidente e até processados (Artigo 53). Aos inspetores cabia prestar aos presidentes da província todas as informações e esclarecimentos exigidas por estes, relacionadas ao estado ou qualquer assunto da Fazenda Pública (Artigo 54), assim como sobre o balanço de receita e despesa do ano findo e o orçamento do ano futuro para que este os remetesse ao Tribunal do Tesouro com seu parecer (Artigo 57). Deveriam levar também, por cópia, os mesmos documentos para o Conselho Geral da Província. Os contadores de Fazenda chefiavam a Contadoria, cujos empregados

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Para a organização das Tesourarias Provinciais, elaborou-se uma escala – variável

de primeira a quinta classe – na qual se estabeleceram os cargos e salários de todos os

empregados da Fazenda provincial, cujos valores decresciam de acordo com a classe em

que a Tesouraria de cada província estava disposta. A de Goiás, juntamente com a do

Espírito Santo, Sergipe, Rio Grande do Norte, Piauí e Mato Grosso, fazia parte das

tesourarias de quinta classe, cujos salários eram os menores.260 Em 1833, foram nomeados

para estarem à frente desse órgão João Gomes Machado Corumbá, como inspetor;261

Antonio Luiz Brandão, como contador; 262 Cônego Luiz Bartolomeu Marques, para

procurador fiscal; 263 Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, para oficial maior da

secretaria.264 Para o ano seguinte, a nomeação de inspetor da Tesouraria Provincial coube a

Luiz Gonzaga de Camargo Fleury.265

eram nomeados pelo inspetor. Faziam o trabalho de escrituração e contabilidade das rendas públicas provinciais, tendo por base a escrituração mercantil por partidas dobradas, e tomada de contas a todos os administradores, contadores, pagadores e distribuidores das mesmas rendas. Ali também seriam elaboradas as folhas particulares constando os ordenados, pensões, tensas que deveriam ser pagas pela Tesouraria e os balanços de receita e despesa da Província. Os tesoureiros de Fazenda de Província eram os guardas dos cofres da tesouraria da província. A eles cabia receber, guardar e distribuir todas as rendas públicas arrecadadas. Para isso deveriam prestar fiança idônea antes de entrarem em exercício, a todas as faltas, que pudesse haver nos cofres públicos (Artigo 72). Pela Secretaria da Tesouraria Provincial, os inspetores faziam expedir suas resoluções e ordens; A nomeação do procurador fiscal era da competência do Tribunal do Tesouro sob a proposta do inspetor geral e sob informações dos presidentes provinciais. Pelo Artigo 96 determinou-se que para o serviço da Fazenda só seriam admitidos empregados mediante concurso, no qual se verificasse o princípio de gramática, da língua nacional e da escrituração por partidas dobradas e cálculo mercantil, unindo boa letra, boa conduta moral e a idade mínima de 21 anos. O expediente nas casas de administração, arrecadação, fiscalização e contabilidade de Fazenda iniciava-se todos os dias, com exceção de domingos, dias santos e de festa nacional, às 9 horas da manhã, findando às 2 da tarde, onde seria feita chamada nominal e anotadas as faltas dos empregados para posterior desconto dos ordenados. Para que os empregados provinciais recebessem seus ordenados, deveriam apresentar atestado de frequência, dadas pelos chefes respectivos, ou pelas Câmaras Municipais (Artigo 103) (AHG – Relação de Documentação dos Poderes Executivos e Legislativos. Império e República – Brasil. Livro n 6, p. 103 a 126). 260 AHG – Documentação avulsa, caixa 18, ano 1830-1831. Pacote 2. Tabela de vencimentos. 261 AHG – Documentação avulsa, caixa 18, Pacote 2. 262 Idem. 263 Idem. 264 Idem. 265AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa Livro 92 – 1821-1835 – Correspondência da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda para o Governo da Província, p.52. As nomeações para os principais cargos na Tesouraria, apesar do Artigo 96, que determinava a realização de concursos, foram endereçadas a nomes conhecidos nas administrações anteriores, com passagens pelos órgãos fazendários, pelos Conselhos Provinciais e vice-presidência da província. O inspetor nomeado Corumbá havia sido o anterior escrivão deputado da extinta Junta da Fazenda; o procurador fiscal Cônego Luiz Bartolomeu Marques havia sido nomeado Procurador da Fazenda (1821, 1823 e 1828) (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 31 de janeiro de 1828, Livro 132, p. 34. AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Regimento de Provisão da real Coroa, Livro 87, p.5 e p. 33). Em 1821, Bartholomeu Marques, “que passou a História com o titulo de ‘apostolo da liberdade goiana’ (LACERDA, 1970, p. 21), participara ativamente na província, dos movimentos emancipatórios: primeiramente intentando

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No início da década de 30, foram criadas as coletorias, órgãos criados para

procederem à arrecadação e fiscalização das rendas públicas. É importante ter em mente

que essa nova ordenação tributária estava sendo implantada em distintas regiões da nação.

Em algumas delas, a exemplo de Goiás, não se sabia, há cerca de seis anos, nem ao menos

os nomes de todos os administradores encarregados das cobranças das rendas públicas, e os

balanços eram geralmente apresentados com atrasos de dois a quatro anos.

Mais uma vez a cobrança pela regularidade dos balanços fez-se presente nos

constantes ofícios enviados às Tesourarias provinciais. Devendo o Tribunal do Tesouro

encaminhar à Assembleia Geral Legislativa, no princípio de suas sessões, os balanços e

a deposição do capitão general Sampaio e depois lutando pela Independência; “exilado” no norte da Província, o Cônego teve participação ativa na secessão do Norte. Com a abdicação, participou do golpe de estado que depôs o Presidente Lino de Moraes, assumindo a vice-presidência da província entre agosto e dezembro de 1831, quando demitiu todos os ‘portugueses’ dos cargos públicos que ocupavam, substituindo-os por ‘brasileiros natos’. Padre Luiz Gonzaga Fleury havia anteriormente sido eleito, junto com Inácio Bulhões, membro do Governo Provisório de 1822; Pacificador do Norte durante a secessão, era contrário às atitudes de Bartholomeu Marques. Fleury assumiu a presidência da província em 1837. Eleito deputado em 1837, recusou a tomar posse, alegando motivo de doença. Permaneceu na vice-presidência da província até setembro de 1839, quando então passou o cargo ao presidente nomeado José de Assis Mascarenhas. (LACERDA, 1970). Quanto a Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, sobrinho de Francisco Ferreira Azevedo – o bispo cego de Goiás –, entrou para o “serviço nacional” por insistentes pedidos do tio, numa acirrada disputa pelo cargo de Tesoureiro da Junta da Fazenda, a qual envolveu o presidente da província e os membros da Junta. O tio bispo, em súplica ao Imperador, solicitou para o sobrinho o cargo de ajudante de tesoureiro geral da Fazenda, visto estar o tesoureiro em debilitado estado de saúde. Na justificativa à solicitação do bispo, o presidente Lino de Moraes, alegava, além da esmerada educação que recebera do tio cego e “subversivo” (LACERDA,1975, p.47), a numerosa família que deveria ajudar a sustentar. Feito o pedido do cargo, o Imperador solicitou o parecer do presidente da província, que se manifestou favorável (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa Livro 92, p. 7. Ofício de 31 de julho de 1828 e AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa Livro 132, p. 45, Ofício de 30 de setembro). No entanto, mesmo tendo o Imperador “deferido favoravelmente o Requerimento do Reverendo Bispo” e ter determinado a admissão de Francisco para o lugar de tesoureiro geral – o ex-tesoureiro havia falecido –, a Junta da Fazenda contestou a ordem imperial, nomeando e empossando no cargo o Coronel João José do Couto Guimarães, que, nas palavras do presidente Lino de Moraes, não poderia assumir um cargo na Fazenda devido à incompatibilidade com o emprego de Oficial Militar, o que era rigorosamente proibido pelas leis do Império (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa Livro 132, p. 57. Ofício de 3 de Agosto de 1830.). Não foi possível verificar o desenrolar dessa disputa e quem foi efetivado no cargo. Porém, por ofício datado de 30 de abril de 1833, sabe-se que Francisco Ferreira dos Santos Azevedo ainda solicitava o lugar de tesoureiro da Fazenda, (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa Livro 92, p. 36). O que conseguiu foi a nomeação para oficial maior da Secretaria da Fazenda. Em 1837, nova reforma Tributária no Império implantou as provedorias de Fazenda Provincial, encarregadas da arrecadação, distribuição, contabilidade fiscalização das Rendas Provinciais (AHG – Documentação avulsa, caixa 23), e, para o cargo maior de provedor, foi nomeado Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Para além de sua ascensão na Fazenda Pública, o futuro reservava-lhe algo ainda maior: o governo da província. Cargo por três vezes por ele ocupado, na condição de vice presidente. Em 1864, Francisco Azevedo assinava como Secretário da Tesouraria. (AHG – Atos e Decretos – Estatutos – Registros – Regulamentos – Leis – Mensagens – Constituições. Decretos Imperiais, Caixa n 1. Livro da lei Goiana: 1860, Tomo 26, p. 13-19). Nos exemplos citados é possível vislumbrar como se deu em Goiás o movimento de cooptação das elites regionais, anteriormente apresentado e do qual fala Dolhnikoff (2005).

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orçamentos a ele enviados pelas Tesourarias provinciais e estando essas últimas

constantemente em atraso na remessa de seus trabalhos, levou o Tribunal Geral a ordenar,

em 1835, que se tivesse “inteiro vigor” para a confecção desses balanços. Para isso,

concedeu inclusive, autorização aos presidentes das províncias para suspenderem os

inspetores e contadores das Tesourarias que não lhes apresentasse os ditos trabalhos até o

dia 1 de dezembro.266

Outra medida adotada pelo Tribunal do Tesouro Público referia-se à relação do

presidente da província com as Tesourarias Provinciais. De acordo com as novas regras, as

ordens emanadas do Tribunal Nacional para as Tesourarias Provinciais, dirigidas aos seus

respectivos inspetores, seriam remetidas “sem fecho aos presidentes dellas[das províncias],

para na forma da lei a transmitirem àquelles[ aos inspetores da Fazenda]”. A mesma prática

foi observada no que diz respeito à comunicação oficial dirigida pelas Tesourarias

Provinciais ao referido Tribunal Nacional. Além disso, os presidentes das províncias

estavam incumbidos da fiscalização dos atos das respectivas Tesourarias, convindo para

isso que nas secretarias presidenciais se conservassem os extratos de todas as ordens do

Tribunal do Tesouro transmitidas às Tesourarias provinciais. 267 Estavam também

autorizados a suspender os inspetores da Tesouraria provincial quando estes não

atendessem, mediante prazo estipulado, as ordens emanadas do Rio, referentes à entrega da

relação dos devedores da Fazenda,268 a relação da conta geral da operação do troco de cobre

na província,269 e principalmente a remessa dos balanços e orçamentos à Assembleia Geral,

no princípio de suas sessões.270 A partir de 1838, a Assembleia Legislativa Provincial

266 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 25 de setembro de 1829, Livro 92 – 1821-1835 – Correspondência da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda para o Governo da Província, p.74. 267 AHG – Documentação avulsa, caixa 18, pacote 2. Outro mecanismo empregado na tentativa de regular e ordenar a cobrança de impostos passou a ser o envio às Tesourarias Provinciais, de exemplares contendo as normas de cobrança e lançamento de receita para as diversas rendas. AHG – Documentação avulsa, caixa 18, pacote 2 – Regulamento de 26 de Março de 1833. 268 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 31 de julho de 1835, Livro 92 – 1821-1835 – Correspondência da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda para o Governo da Província, p. 75v. 269 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Ofício de 27 de julho de 18350, Livro 92 – 1821-1835 – Correspondência da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda para o Governo da Província, p.75r. 270 AHG – Coleção das Leis, livro 7, p. 251.

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concedeu autorização ao governo para nomear empregados provinciais, sujeitas, porém, à

aprovação do governo central.271

Apesar da implantação da primeira reforma tributária da nação e da tentativa de

maior controle sobre as Tesourarias provinciais, a Regência se viu constantemente às voltas

com os problemas relativos à administração, fiscalização e arrecadação das rendas públicas,

os quais permaneceram durante todo o Império. Ainda que se tivesse, pela lei orçamentária

de 1832, discriminado as fontes de receita geral e provincial, além da conceituação de

receita geral e receita provincial, legisladas pelo Ato de 1834, foram frequentes as

alterações nos itens que compunham essas duas categorias. Buescu esclarece que por

“receita provincial correspondiam todos os impostos ora existentes e não compreendidos na

receita geral.” Dentre as últimas estavam os direitos de importação que se constituíam na

maior fonte de renda do Império.272

3.5 O rastro do boi: isenções, impostos e fraude

As disposições legais que discriminavam campos de tributação para o centro ou para a

província sempre motivaram discórdias e disputas. Eram comuns as queixas de que o

governo central teria reservado para si a tributação dos impostos mais rentáveis, deixando

de fornecer os suprimentos orçamentários destinados a suprir as regiões mais carentes de

recursos.273

271 AHG – Documentação avulsa, caixa 24. 272 Foram abolidos os impostos sobre os gêneros levados de uma província para a outra, impostos sobre o pescado, foros, sesmarias, prensas de engenho de açúcar, o subsídio nacional e o imposto do Banco. Ficaram isentos da décima urbana as vilas e povoados com menos de 100 casas. Suprimiu-se o imposto cobrado sobre a pólvora e os direitos de entrada do sal (AMED, 2000, p. 201). Ver Anexo G. 273 A questão do suprimento orçamentário foi muito discutida neste período. Em 1837, a Assembleia Provincial de Goiás declara que, pela lei de 22 de outubro de 1836, artigo 23, o Governo Geral se dispunha a suprir os déficits provinciais, cujas rendas não chegassem para fazer frente às despesas declaradas, contanto que o suprimento não excedesse a diferença entre a despesa provincial fixada pela lei do orçamento e a renda destinada a cada província pela lei de 31 de outubro de 1835. Em vista disso, a Assembleia esperava um suprimento de e 12:249$734 réis. No entanto, “apareceu huma ordem do Tribunal do Tesouro Público Nacional, (...) declarando ao inspetor da Tesouraria da Fazenda provincial que, de 1 de julho deste ano (1837) em diante suspendesse qualquer suprimento para as despesas provinciais, porque na lei financeira de 11 de outubro de 1837 não havia disposição alguma que autorizasse o suprimento no corrente ano financeiro”. A Assembleia justificava não ter recebido essa lei do orçamento geral e, em vista das circunstâncias da província, que não podia em tão pouco tempo apresentar um aumento de rendas suficiente para as suas mais urgentes necessidades, levava “suas súpplicas a presença do Augusto Representante da nação, pedindo insistência na conservação do suprimento.” (AHG – Documentação avulsa, caixa 24, – Assembleia Legislativa, Atos legislativos).

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Por todo o Império, havia reclamações contra as Assembleias Provinciais que, ao

tributarem sobre elementos que pertenciam à esfera do poder central, procediam a uma

bitributação. Inicialmente, as confusões eram ainda maiores, pois impostos que ficaram

pertencendo, a exemplo de décima urbana, à receita provincial deveriam ser debitados nos

cofres gerais desde que constassem de valores cobrados antes da reforma tributária.274

Pela relação de Orçamento da receita da província de Goiás relativa aos anos de

1832 e 1833, depreende-se que em Goiás arrecadavam-se inúmeros impostos:275 entradas,

dízimos das plantações, dízimo do gado vacum e cavalar, passagens, coleta literária, carne

verde, décima dos prédios urbanos, sizas, meia sizas, selo dos papéis, décima de heranças e

legados, novos e velhos direitos, vigésimo do ouro.276

Em 1838, definiram-se os percentuais das comissões dos coletores e escrivães

referentes à fiscalização e cobrança das rendas provinciais. O percentual atingido pelo

coletor variava entre 7% e 10%, enquanto o escrivão percebia de 3% a 7%. Entretanto, na

documentação consultada constatou-se, no recibo expedido pelo coletor Braz Luiz de Pina,

em 1837, referente à cobrança do imposto do dízimo do gado vacum e cavalar, que este

recebera a comissão de 28%. Nos anos de 1838, 1839 e 1841, novas tabelas de comissões

foram elaboradas, passando os coletores e escrivães a receberem maiores valores para

procederem à arrecadação das rendas. 277 Ainda assim, nos recibos que enviavam à

provedoria constavam “deduções superiores” àquelas que lhes competiam.

Enfim, a regulamentação não era seguida em Goiás, pois nota-se que os coletores,

mesmo tendo seus percentuais aumentados pela Tesouraria Provincial, deduziam comissões

maiores que as estipuladas pelas tabelas à eles enviadas.278 Assim, para o ano de 1836, o

quadro estabeleceu 10% para a cobrança do dizimo do gado, mas o coletor de Arraias

recebeu 13%. Na relação apresentada pelo coletor da vila de Pilar, não consta o dízimo do

gado. Já no ano de 1842, o coletor de Arraias recebeu 28% para a cobrança do dizimo do

gado.

274 AHG – Relação de documentação dos poderes executivo e legislativo. Império e República – Brasil. Livro n 7, p. 318. 275 AHG – Documentação avulsa, caixa 18, pacote 1 - 1832. 276 Ver relação completa dos impostos cobrados em Goiás até a década de sessenta do século XIX, em Anexo G. 277 AHG – Documentação avulsa, caixa 23, ano de 1837 B. Ver relação completa dos percentuais de coletores e escrivães, relativos aos anos de 1836 a 1841, em Anexo H. 278 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449, p. 4, ofício 167.

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Além das constantes alterações dos valores cobrados sobre cada rês morta para

consumo, vacas, novilhas, bois ou garrotes exportados, sobre o dízimo do gado (para

avença e para cobrança) ou relativo às comissões destinadas aos coletores responsáveis pela

cobrança desses impostos, havia também as isenções temporárias na cobrança desse tributo.

A regulamentação sobre impostos e a definição dos percentuais das comissões de coletores

tinham a incumbência de ordenar os restritos fluxos econômicos. Desse modo, a legislação

teve de adaptar-se a práticas de isenções, datadas ainda do período joanino, que procuravam

dinamizar o comércio de gado entre Minas e Goiás.

Os dois casos de isenção de tributos, ocorrida em Goiás, aqui apresentados têm o

propósito de apontar a dimensão de privilégio em detrimento da lógica dos interesses gerais

da província. Em ofício datado de 1820, endereçado à capitania de Goiás, a Coroa

autorizou “a Antonio Lopes Ferreira e Francisco Bueno Camargo para livremente

exportaram todo e qualquer gado vacum da capitania de Goiás para a de Minas Gerais com

isenção do direito de $600 réis por cabeça”. A ordem era limitada ao período de seis meses,

quando, pela franca saída do gado de Goiás para qualquer das outras capitanias, isentavam-

se os bois e cobravam-se o 1$200 réis por vacas ou garrotes. Esperava-se que “neste

período se poderia conhecer se desta permissão resultam ou não inconvenientes para esse

respeito resolver definitivamente o que for mais conforme ao geral interesse”. 279

Ora, estando a capitania em acentuado declínio de extração aurífera e sendo

conhecida, há quatro décadas, a importância da criação de gado para região,280 não se

compreende o motivo da isenção concedida ao gado exportado para Minas Gerais, e nem

tampouco por que tal ordem é endereçada ao capitão Manoel Ignácio de Sampaio, para ser

executada tão logo tomasse posse como governador da capitania. No entanto, o mais

intrigante: tal isenção era endereçada apenas a Antonio Lopes Ferreira e Francisco Bueno

de Camargo.

As motivações de Vila Nova Portugal, que, em nome do Príncipe Regente, emitiu a

ordem de isenção, não foram elucidadas, pois não se compreende de quais negócios tratava

ao referir-se “ao geral interesse”. Posteriormente, o governador Ignácio de Sampaio expôs

279 AHG – Documentação avulsa, caixa 10, ano de 1820. 280 Em 1780, o Capitão General Luiz da Cunha Menezes defendia a redução do imposto de Entradas cobrado sobre o gado na tentativa de animar os criadores e, no início do século XIX, o Capitão Inácio de Sampaio, se manifestava de forma idêntica.

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os “inconvenientes que obstavam a total execução do aviso de 9 de maio de 1820”, e

participou ter julgado melhor, em acordo com o parecer da Junta da Fazenda de Goiás,

suspender o seu cumprimento na parte em que se ordenava a franca saída das vacas e

garrotes, pagando-se 1$200 réis por cabeça.

Decorridos um ano e cinco meses, a Coroa assim se manifestou:

[...] e tomando em consideração as razões alegadas contra a referida liberdade de exportação, como oposta ao aumento das criações, que é do interesse público promover: Há por bem prohibir absolutamente a saída das vaccas e garrotes facultada a essa Província pelo sobredito Aviso de 9 de maio de 1820; e ordenar que a isenção do imposto de $600 réis que d’antes se pagava por cada res que sahía, concedida no mesmo Aviso só pelo tempo de seis meses, seja perpetua, em benefício dos Povos.281

O ofício deixou claro que a exportação de vacas deveria ser suspensa, visto estar

obstando o aumento das criações. No entanto, retificava a isenção sobre o boi ou o garrote

exportado. Claro está que a medida visava preservar o plantel de matrizes na província, mas

a livre exportação do boi indica que o “ganho” seria obtido em Minas Gerais ou por agentes

particulares, já que em Goiás nada lucraria com a exportação de sua principal mercadoria.

Seria a isenção concedida ao gado exportado para Minas Gerais um imperativo as

demandas da Corte? Estaria a Coroa, através do capitão Manuel Ignácio de Sampaio, pondo

em prática a clara proteção a interesses privados?

Dentre os documentos consultados, um ofício informava ao administrador da

recebedoria de Boa Vista, Norte da província, que estavam isentas do pagamento dos

direitos de exportação “toda e qualquer espécie de animais que dessa província for

transportada para a do Pará, como determina a lei do comércio em exercício.”282 Isso em

1869, época em que a Fazenda já havia passado pela reforma administrativa e se

empenhava em rigorosamente arrecadar todas as rendas públicas! Por que então conceder

isenção a animais exportados para o Pará? Será que a tentativa de apoio ao comércio se deu

mais uma vez por meio do privilégio? A impossibilidade de localizar outros ofícios sobre

isenção dirigidos às demais recebedorias do Norte indica que, se assim o foi, a medida

visava apenas à recebedoria de Boa Vista.

281 AHG – Documentação avulsa, caixa 10, ano de 1820, copia de n°13. 282 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 506, Ofício de 29 de julho de 1869.

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Em fins da década de 30, a Assembleia Legislativa Provincial de Goiás isentou, por

dez anos, do pagamento do dízimo de miunças e do gado vacum e cavalar os moradores das

freguesias de Salinas, Amaro Leite, Porto Imperial e Carolina, assim como os atuais

habitantes do território entre Rio Verde e Rio Pardo. Estariam também contemplados com a

isenção todos aqueles que, dentro do prazo de dez anos, fossem estabelecer-se em alguma

das freguesias ou territórios mencionados. 283 Ao mesmo tempo em que isentava os

moradores dessas regiões certamente na tentativa de incentivar o assentamento e a pecuária

nas terras ali dispostas −, as autoridades provinciais emitiam ordens no sentido de impor

maior rigor e fiscalização na exportação do gado para fora da província. Se a ideia era de

que a isenção do dízimo seria compensada com a taxação do comércio interprovincial,

como compreender a política de permissão de livre exportação de 1820 e 1868?

Disposto a fazer valer a lei sobre tributação do boi, o provedor da Fazenda

Francisco Ferreira dos Santos Azevedo dizia “estranhar” o fato de que não entrara, nas

diversas coletorias da província, nenhum rendimento referente ao imposto sobre vacas e

novilhas ou sobre éguas e poldras exportadas para fora da província, exceção à coletoria de

Couros, onde se registrara algum rendimento. No entanto, sabia ser constante o tráfico

interprovincial, principalmente de gado fêmea e cavalar, sem que se pagasse o respectivo

imposto. Diante disso e da necessidade de se evitar tal abuso − tão prejudicial aos interesses

da província −, recomendava aos coletores que seguissem à risca os artigos dispostos nos

regulamentos e exigissem dos fazendeiros “a conta do gado fêmea vacum e cavalar que

elles têm exportado para fora da província, ou vendido para o mesmo fim, e façam todas as

indagações precisas, a fim de cessaram o extravio destes direitos.”284Sua fala contrasta com

os ofícios de isenção do boi evidenciando duas possibilidades: ou se tratava de uma

ordenação tributária de “faz de conta” – dirigida à grande maioria dos exportadores da

província – ou, como anteriormente dito, dependia da dimensão do privilégio que

portavam.

Além disso, tantas eram as disposições e mudanças no regulamento de cobrança nos

impostos sobre o gado, que são constantes as indagações dos próprios coletores solicitando

esclarecimentos sobre o procedimento a ser adotado:

283 AHG – Documentação avulsa, caixa 24, ano de 1838. 284 AHG – Documentação avulsa, caixa 24, ano de 1838.

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Tendo nesta administração havido grandes dúvidas, respeito a sahída de gados fêmea que são obrigados a taxa de 2$400 réis, vejo me obrigado a pedir o seguinte esclarecimentos: 1°- quando o proprietário, querendo mudança dessa província para outra, levando consigo seus gados, se está ou não compreendido pelo Artigo 49 das instruções, digo do Regulamento de 14 de abril de 1836, ou se está isento pelo Artigo 179 da Constituição § 6º.285 2°- Se o comprador do gado fêmea se apresentando na coletoria de sua sahída sem o certificado do proprietário, se fica este ou não obrigado, ou se deve entender com o proprietário, segundo o Artigo 50 do Regulamento; 3° - Se partindo dessa província para outra comprador de gado fêmea, por estradas não cultivadas sem ser sabedor da sua sahída o coletor, se não em tempo que já está fora da jurisdição de sua província (bem como já aconteceu) se deve ou não esperar por ele torne ou se tem direito de se exigir dele comprador em qualquer parte que ele estiver; 4°- Se fica o comprador só compreendido pelo Artigo 53 do sobredito Regulamento, se tendo pessoas que adjutorasse sua sahída se fica sendo sócio nas penas do mesmo Artigo, ou se lhe pode impor mais pena; 5° - Se na cobrança deste imposto de 2$400 réis se houver resistência na paga, se deve ou não o coletor pedir a força, e a quem deve pedir para poder efetuar a dita cobranças; 6° - Sendo que por acaso pertença ao Juiz de paz, e que este peça auxílio a Guarda Nacional, se deve esta ganhar soldo ou não, e no caso que vença estes, quem o deve pagar.286

Confusões eram também causadas pelas Leis do Orçamento aprovadas pela

Assembleia Provincial: até o dia 31 de dezembro de 1845, por cada boi ou garrote

exportado era cobrada a taxa de 1$500 réis, mas a partir de 1 de janeiro de 1846, essa taxa

foi reduzida a 1/3 de seu valor, ou seja, $500 réis por animal.287 O imposto de exportação

sobre o gado vacum e cavalar deveria ser previamente pago pelos exportadores e em casos

que houvesse resistência ao pagamento, os coletores deveriam solicitar auxílio ao juiz

municipal, além de informar a Fazenda sobre o ocorrido.288 Para os coletores dos distritos

mais próximos da capital, as dificuldades eram menores devido à maior facilidade com que

chegavam os regulamentos e as respostas referentes às dúvidas por eles expostas. Caso

distinto verificava-se na Comarca do Norte, grande exportadora de gado e

consideravelmente distante da capital.

285 “Qualquer pode conservar-se ou sahir do Império como lhe convenha, levando consigo seus bens, guardados os regulamentos policiais e salvo o prejuízo de terceiros.” (Artigo 179 da Constituição de 1824, § 6º). 286 Ofício emitido a 10 de março de 1838, pelo coletor do Julgado de São Domingos. AHG – Documentação avulsa, caixa 24, ano de 1838. 287 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 236. 288 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p. 14-15.

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Os problemas com a tributação não se restringiam apenas ao imposto do gado, mas

a todos os ramos das rendas públicas. O coletor das rendas da cidade de Goiás reclamava

estar obrigado a fazer a cobrança do imposto de 20$000 réis sobre escravos(as) que saíam

da província. Todavia, ao exigir do capitão Luís Gonzaga Vilaça o pagamento do dito

imposto, por este ter comprado e arrematado em praça alguns escravos, não foi atendido,

recebendo como resposta que

a dita Lei não tem um regulamento e em segundo lugar que a Lei é clara e que se deve cobrar dos vendedores e não dos compradores, e que por motivo nenhum pagaria o dito imposto, e que para isso estava pronto para se defender.289

Diante do ocorrido, o coletor participou ao provedor da Fazenda para que este,

consultando o governo, “haja de mandar pelos solicitadores de causas da fazenda e exigir a

dita cobrança a fim da Fazenda não sofrer prejuízos, visto eu não ter um regulamento por

onde me possa firmar”.290

A cobrança do dízimo estava também envolta em dúvidas e dificuldades. Para o

coletor da vila de Jaraguá, o trabalho dos dízimos e impostos executado por um só coletor

era muito pesado, e por isso tudo estava atrasado. No caso de serem dois coletores, seria

mais fácil a fiscalização, pois o rendimento do dízimo havia diminuído muito e, além disso,

diante um coletor sem tempo para visitar os terrenos e paióis, os proprietários prestavam

somente as informações que lhes interessavam. Argumentava que na vila havia pessoas que

gostariam de fiscalizar os impostos como ele próprio fizera anteriormente. Esse ofício

revela a fragilidade do sistema de cobrança de impostos na Província de Goiás.291

O dízimo sobre o gado era cobrado, a partir de 1845, indistintamente tanto de

fazendeiros quanto de criadores, a $200 réis por bezerro, sendo o imposto lançado no

primeiro mês de cada ano, mas referente aos nascimentos do ano anterior. 292 Ambos

deveriam prestar suas contas para se estabelecer o valor a ser pago. Aqueles que se

negavam, por negligência ou fraude, estavam sujeitos a execuções judiciais. A localização

289 AHG – Documentação avulsa, caixa 24, ano de 1834. Assembleia legislativa, pacote 1 – Coletorias. 290 Idem. 291 AHG – Documentação avulsa, caixa 24, ano de 1839.Ofício de 17 de setembro de 1839. 292 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p. 22.

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das fazendas de gado era o fator que determinava em que coletoria deveria ser efetuado o

pagamento desse imposto.293

Apesar de constituir-se no principal artigo da receita provincial, as autoridades

reclamavam de seus baixos rendimentos. A produção de gado diminuíra. Rebanho de baixa

qualidade, falta de complemento do sal, pestes, técnicas ultrapassadas de manejo e criação,

abate de fêmeas para consumo e grande incidência de roubo de gado praticado por

[...] uma caterva de piores vadios e ladrões que impunemente matam, furtam e vendem imenso gado vacum e cavalar dos criadores, sempre perseguidos e nunca vigiados! Aquela infame canalha sempre acha protetores, e alguns homes bem nascidos não duvidam interceder por eles, até mesmo declarando-se seus parentes. Esses furtos a toda hora repetidos tem atenuado a muitos lavradores e criadores, que pedem justiça e não acham quem lha faça. Desgraçados agricultores de Goiás sujeitos a todos os flagelos dos vadios, dos ladrões, dos dizimeiros, dos avaliadores, ou arbitradores, dos agentes e cobradores da fazenda pública, dos juízes, dos comandantes, dos governadores, finalmente sujeitos a todas as violências e adversidades. (CUNHA MATTOS, 1978, p. 78)

Na análise que faz sobre o contrabando de gado na fronteira do Prata, Gil elucida o

envolvimento dos chefes locais nas arreadas nos campos castelhanos. Essa prática era feita

em corridas de gado e cavalhadas em busca do gado de propriedade privada. Mesmo sem

ordem da Coroa portuguesa, os potentados locais usavam desse expediente para

enriquecimento próprio e para manutenção do esquema de contrabando, compra e venda do

gado sulino. Além, é claro, do fortalecimento das redes de relacionamentos associadas aos

postos de controle político. Em Goiás oitocentista é possível verificar os mesmos meios de

enriquecimento ilícito por parte de membros da elite local, através da ação dos ladrões de

gado protegidos pelos bem nascidos que intercediam por eles. Os roubos insistentemente

denunciados permaneciam sem punição.

Funes (1986) declara ter sido o imposto cobrado sobre vacas um paliativo para se

evitar a saída de gado da província, pois, cobrando uma taxa maior sobre vacas,

incentivava-se a exportar o boi. No entanto, provavelmente em meados do século XIX

Goiás já se alçava à posição de fornecedora de gado magro para as invernadas de Minas e

São Paulo. Assim formava-se uma rede em que Goiás participava com o produto principal, mas

aceitava a posição de sócio secundário. Diante das más condições das estradas e da dificuldade de

293 Uma das formas usadas pelos contribuintes para burlar o pagamento do imposto sobre o gado era a alegação de pagamento na coletoria da vila onde residiam ou para a qual se dirigiam − o que nunca se dava (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p. 97).

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negociar nos grandes centros consumidores, não restava outra opção. Além disso, a tributação

maior sobre vacas significava incremento da produção de bezerros.294 A proposta de maior

tributação sobre o boi ou garrote erado parece não ter vingado, pois a documentação faz

referência à cobrança de $500 réis sobre o boi, sem especificação da era. Com isso,

poupava-se a exportação de vacas e novilhas, visando aumentar o plantel de matrizes

reprodutoras e incentivava-se a exportação do boi.

Quanto ao rebanho do Norte, de qualidade e tamanho inferior, acreditava-se que

sofreria considerável melhora se os fazendeiros fossem isentados do dízimo por

determinado número de anos para poder investir na melhora de suas criações. A definição

por parte da Assembleia Provincial de quem deveria pagar a taxa de exportação, se o

vendedor ou comprador, também era vista como uma medida para se evitar o extravio. No

entanto, o contrabando grassava em toda a província, principalmente nas desguarnecidas

fronteiras do Norte trazendo ao debate o estabelecimento dos antigos registros, munidos de

força necessária para guarnecê-los.295

Para o estabelecimento da cobrança do dízimo de miunças, o processo era mais

complicado, pois envolvia coletores, lavradores, consumidores e os Santos Evangelhos. Em

data marcada, reuniam-se, na casa do coletor, dois representantes dos lavradores e dois dos

consumidores, nomeados e convidados pelo coletor, que presidia o encontro. Na presença

do escrivão, prestavam juramento para servirem de avaliadores dos preços que se deveriam

cobrar pelos dízimos de miunças no corrente ano financeiro, seguindo as normas do Alvará

de 8 de julho de 1841. Feita a promessa de avaliação conforme “entendessem em suas

consciências”, estipulava-se o valor cobrado sobre cada alqueire ou arroba de alimentos

(milho, feijão, arroz, mamona, trigo, farinha de mandioca, cana, café, fumo e algodão). Os

valores arbitrados variavam conforme a vila e o ano.296

294 A taxa de 2$400 réis por vaca exportada baixara, em meados do século XIX, para 1$200 réis, repetindo-se a diminuição do imposto ocorrida em 1820. As autoridades acreditavam que com a medida estariam promovendo o aumento da produção do gado vacum na Província. Porém, deveriam também investir na melhora dos touros, visto que os fazendeiros do Norte “após uma mal entendida ganancia, vendem não só os novilhos como mesmo os bezerros de anno, diminuindo com isso a produção de suas fazendas.” Como medida propunham a tributação dos bois de era inferior a cinco anos. Animais mais jovens pagariam imposto maior e aqueles acima de cinco anos estavam sujeitos a uma taxa inferior a $500 réis. 295 Discurso com que o Presidente da Província de Goiás, Eduardo Olimpio Machado, fez a abertura da Assembleia Legislativa Provincial (Memórias Goianas,v. 5. p. 65). 296 Ver, no Anexo K, o quadro que trata dessa variação referente ao ano de 1842.

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Com o passar do tempo e com as constantes queixas dos coletores sobre as

dificuldades de cobrança dos impostos, o governo provincial implantou algumas

modificações, como, por exemplo, a permissão para nomeação “de pessoas de probidade

para a auxiliarem no trabalho das coletorias”.297 Todavia, apesar desses ajustes, registram-

se, por todo o período imperial, as negativas daqueles nomeados para o cargo em aceitarem

a incumbência. O presidente goiano Luiz Gonzaga de Camargo Fleury, ao dirigir-se à

Assembleia provincial em 1837, afirmou que seria conveniente que “os que foram

nomeados coletorias sejam obrigados a aceitar o emprego ao menos por hum tempo dado,

não havendo mais por isso a obrigação de prestar fiança”.298

Segundo Camargo Fleury, era necessário também procurar estimular aos coletores a

serem mais ativos, pois estes nem ao menos mandavam a relação dos rendimentos de suas

coletorias. Para tal, alegavam a falta de moeda, mas, para o presidente, além desse motivo,

havia o receio “em se comprometerem”, e o pouco cuidado e zelo com os interesses da

Fazenda. Conforme os documentos da Tesouraria, apenas um coletor, em toda a província,

estava, naquele ano, no desempenho exato de suas funções, por isso deveria ter, durante

certo tempo, aumentada as comissões ou certa quantia como gratificação.299

De acordo com o parecer de Camargo Fleury, a tributação sobre o gado (a taxa

exportação de 2$400 réis cobrada sobre vacas e novilhas e a de 4$800 sobre éguas e

poldras) não estava sendo arrecadada, pois “a imoralidade e a fraude tem iludido os

colletores e parece-me que só restaurando-se os antigos registros, conseguiremos a

arrecadação deste imposto”. 300 Os registros, os postos de cobrança anteriormente

mencionados, haviam sido abolidos, e somente mediante sua reinstalação é que se poderia

“impedir que dos sertões de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Piauí” entrassem “essas

tropas de turbulentos ladrões que tantos males tem causado na Comarca do Norte”.301

Mas há de se convir que os coletores estavam temerosos em se comprometerem com

a prestação da fiança exigida para o exercício do cargo e com o acerto de contas com a

Tesouraria Provincial, ao qual estavam obrigados e do qual se esquivavam regularmente.

297 AHG – Documentação avulsa, caixa 24, ano de 1838. Assembleia legislativa, Parte 1 – Coletorias. 298 Discurso como que o Presidente da Província de Goiás fez a abertura da Primeira seção ordinária da Assembleia Provincial (Memórias Goianas,v. 3. p. 97-98. 299 O documento refere-se ao coletor de Couros. Idem. 300 Idem. 301 Idem.

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No acerto, deveriam prestar contas do destino dado aos dinheiros públicos depositados em

suas mãos e, caso não o fizessem, estavam sujeitos à cobrança executiva, com sequestro

dos bens pessoais, bem como de seus fiadores.

3.6 As Coletorias

Desde a criação do cargo de coletor, Pereira de Vasconcelos alertava os presidentes

provinciais sobre a importância e o cuidado na escolha desses agentes fiscais. A

documentação evidencia que tal fato não se dava na província goiana, pois, se assim fosse,

não se justificariam, ainda na década de trinta, os reclames dos presidentes em que

solicitavam à Assembleia Provincial maior poder sobre esses empregados, e para si a

prerrogativa de nomeação para os cargos das coletorias. Assim, a partir de 1846, a Lei do

Orçamento inseriu um artigo autorizando os presidentes a nomearem e demitirem os

coletores. No entanto, em 1851, o presidente Antonio J. da S. Gomes denunciou que tal

autorização fora suprimida pela Assembleia Provincial. Solicitava uma lei permanente que

concedesse à presidência a competência de nomeação e demissão dos coletores. Essa

medida obrigá-los-ia a ter mais consideração e respeito, evitando-se de serem tão

“facilmente convertidos em máquinas eleitorais.”302

Feita a nomeação, era-lhes enviado o título para que, depois de prestado o juramento

e a fiança no juízo municipal da vila em que residiam, entrassem no exercício do cargo.

Para isso receberiam de seus antecessores os arquivos das coletorias, contendo

regulamentos, livros, diários, talões etc. e qualquer quantia que porventura existisse a cargo

do ex-coletor. 303 Os coletores nomeavam seus escrivães, que os acompanhavam na

fiscalização e arrecadação das rendas.304

Há evidências de coletores nomeados pelo provedor ou pelo diretor-geral da

Fazenda, chegando, inclusive, a serem indicados pelos próprios ex-coletores, aos quais só

era concedida a exoneração depois de terem indicado um homem de confiança disposto a

aceitar o cargo.

302 Discurso com que o Presidente da Província de Goiás, Antonio J. da S. Gomes, apresentou à Assembleia Provincial em 1851 (Memórias Goianas),v. 5, p. 150-151. 303 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p.34. 304 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p.31.

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São frequentes os pedidos de demissão sob alegação de moléstias e impossibilidades

de exercício do cargo com a devida presteza. Nesses casos era-lhes recomendado então que

tratassem de arranjar suas contas a fim de irem, o quanto antes, até a capital, por si ou

através de seus procuradores, para o acerto final com a Fazenda. 305 Concedida a

exoneração, deveriam entregar ao sucessor nomeado o arquivo da coletoria acompanhado

de três relações nominais dos devedores da Fazenda, por ambos assinadas. Uma dessas

listas era enviada à Provedoria em Vila Boa; outra ficava em seu poder, e a última entregue

ao novo coletor.306

Desde a instituição das coletorias, uma das maiores dificuldades da Fazenda

centrava-se na nomeação dos coletores, “todos pedem demissão e para São Felix há dous

annos não hé possível aceitarem os títulos de Coletores”. Segundo o presidente Luiz

Gonzaga de Camargo Fleury, esses agentes reclamavam sobre as negativas da população

em pagarem os impostos e “havendo da parte do Coletor alguma fiscalização, ou

providência mais ativa para a arrecadação, conspiram-se todos contra elle, o que os tem

feito pedir suas demissões, e intimidados outros não querem por forma alguma aceitar tal

encargo”. Ameaçados, agiam como se fizessem um favor ao se encarregarem das

Coletorias. Em vista disso, quando se exigiam deles o devido cumprimento de ordens,

ameaçavam com o pedido de demissão. “Chamados a prestar contas, prestão quando

querem, e quando lhes parece.” 307

Porém, a maior irregularidade estava na remessa dos dinheiros arrecadados. Poucos

eram os que o faziam. E o pior era que “nunca, comunicão, apesar de reiteradas ordens, que

quantias teem arrecadado”. 308

Os examinadores sempre estranhavam as “diminutas rendas declaradas” e o fato de

muitos impostos não apresentarem qualquer rendimento. Na verificação dos livros

constatavam-se erros e por diversas vezes foi visível a má-fé com que agiram os agentes

fiscais. Tal fato tornava-se evidente quando o coletor passava uma guia de pagamento

referente à passagem de certo número de bois, mas lançava no caderno diário um número

bem menor e sobre o qual deveria prestar contas à Fazenda.

305 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p. 20. 306 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p. 35. 307 Discurso do presidente José de Assis Mascarenhas. 1839. Memórias goianas, v.3, p. 165. 308 Fala do provedor da Fazenda, Felippe Antonio Cardoso de Santa Cruz, 1853. In: Coleção memórias

Goianas,Volume 5, p. 281.

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166

Quando não convinham mais aos interesses da Fazenda eram exonerados pelo

provedor e informados do prazo para a entrega, na Provedoria da capital, do dinheiro

arrecadado e prestação de contas, o que dificilmente ocorria. Pela frequência dos ofícios

solicitando aos ex-coletores a prestação de contas e entrega dos dinheiros públicos,

percebe-se que, na maioria dos casos, esses agentes protelavam ao máximo o acerto com a

Fazenda. Casos há de coletores que, depois de exonerados pelo Provedor, receberam do

presidente da província a determinação para permanecer no cargo. 309 Outros, mesmo

demitidos, insistiam em continuar cobrando, para si e seus agentes, as dívidas pertencentes

à coletoria, o que logicamente desagradava o novo coletor em exercício.310

A grande maioria dos agentes nomeados mal conhecia suas obrigações e, por vezes,

eram incapazes de bem interpretar os regulamentos e ordens a eles expedidas. Além disso,

empregavam “o mais escandaloso patronato com certos indivíduos mais poderosos

deixando de exigir deles os direitos da Fazenda, e ainda facilmente se acostumam com os

dinheiros públicos em seo poder.” Segundo o presidente Ignácio Ramalho, os maiores

produtores da província eram os que empregavam os maiores esforços para se eximirem

dos impostos e fraudarem os interesses provinciais.311

Outro motivo frequente de queixas por parte da diretoria da Fazenda refere-se à

negação da prestação da fiança. Apesar de exigida por lei para o início das atividades, o que

fica evidente é que esta só era prestada muito tempo depois de iniciado o exercício do cargo

e ainda assim sob reiteradas ordens. Esse processo requeria a apresentação de dois fiadores

que tivessem a “necessária abonação para plenamente responderem por qualquer falta de

seus afiançados”.312 Daí o motivo da protelação.

Em caso de morte do coletor no exercício do cargo, a Fazenda rapidamente enviava

ofícios aos herdeiros, geralmente filhos do ex-coletor, dando-lhes o prazo de trinta dias para

se apresentarem à Provedoria, por si ou através de um procurador, munidos de todo o

dinheiro da coletoria, assim como dos cadernos, relações de créditos, livros etc. relativos à

liquidação da conta, sob pena de se incorrerem nos rigores da lei.313

309 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p.32. 310 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p.164. 311 Discurso do presidente Joaquim Ignácio Ramalho. 1846 Memórias goianas, v.4, p. 52. 312 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p.18 e 19. 313 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p.24.

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A morte do ex-coletor de vila de Flores exemplifica como se desenrolava

semelhante processo. O coletor estava responsável pela quantia (líquida) de 10:695$439

réis de comissões. Morto, a quantia deveria ser paga em moeda corrente retirada de sua

herança e enviada à Provedoria por portador seguro, dando recibo ao filho do falecido para

que, na Provedoria, fosse passada a respectiva quitação da dívida. Como o ex-coletor não

dispunha do dinheiro em caixa, todos os seus bens, anteriormente sequestrados pela

Fazenda, seriam arrematados em praça pública. Pela avaliação do juiz municipal, os bens

encontrados e arrestados equivaliam a 9:095$649 réis. Portanto, o novo coletor tinha ordens

para alcançar ao máximo o valor da dívida com as arrematações públicas, caso contrário,

mediante cópia do termo de fiança, o juiz requereria o pagamento da quantia restante, junto

aos fiadores do ex-coletor.314

Para as nomeações, escolhiam-se homens probos, geralmente abastados e

possuidores de altas patentes. É assim que se encontra na documentação do século XIX,

expressivo número de tenentes, sargentos, majores, capitães, 315 alferes e juízes

municipais 316 ocupando os cargos de coletores. 317 A passagem dos magistrados pelas

coletorias era por vezes problemática. Como exemplo cita-se o caso ocorrido na Vila da

Palma, Comarca do Norte, em 1857, onde o coletor ocupava também o cargo de juiz

municipal. Ali, ao receber os ofícios emitidos pela Fazenda solicitando prestação de contas,

deixou-se ficar com as referidas comunicações que deveriam ser passadas a seu suplente

imediato para que este lhes desse o devido andamento. Diante a negativa do juiz-coletor, a

Fazenda emitiu ordem ao juiz suplente para que procedesse ao sequestro dos bens do

referido juiz, pondo-os em poder de um fiel depositário. Deveriam também ser enviados a

Vila Boa todos os livros e diários em poder do ex-coletor, assim como a relação dos bens

sequestrados para que a Fazenda procedesse à liquidação de suas contas.318

314 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p.60 e 159. 315 AHG – Documentação avulsa caixa 23. 316 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p.160. 317 Nas vilas e distritos da província, nem todos os impostos ficavam a cargo dos coletores. Apesar de muito criticado e praticamente extinto, o sistema de arrematação de impostos permaneceu ainda no século XIX, referente a alguns ramos da tributação. Aos arrematantes caberia administrar e fiscalizar apenas as rendas dos impostos arrematados e pertencentes aos anos de seu contrato. Aos coletores cabia a cobrança da dívida ativa a seu cargo e os rendimentos dos impostos não arrematados (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p. 59). 318 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p.116.

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Outro exemplo de envolvimento de juiz nos descaminhos da Fazenda é o caso do

extravio de bois praticado pelo major José Rodrigues Chaves.319 Na extensa documentação

sobre o caso, fica-se inteirado de que o dito major exportou 290 bois em 1861, conduzidos

por Antonio Alves da Costa, sem que tivesse para isso pago a taxa de exportação. O

contrabando se deu pelo porto de Santo Antonio da Soledade e as testemunhas presenciais

foram chamadas perante o juiz municipal de Catalão a fim de deporem sobre o fato. Chaves

foi condenado a pagar 2:625$000 réis à Fazenda. As negociações entre o acusado e a

Fazenda se arrastaram, devido à lentidão do vaivem de mandatos e ordens de prisão. 320

O administrador da recebedoria de Lagoa Feia, onde foi lavrada a ocorrência do

caso, chegou a ser repreendido pelo diretor da Fazenda por não ter cumprido ordem de

prisão expedida há seis meses sob o pretexto de ter o dito Chaves se oferecido para saldar

seus débitos a “prazo e prestação”, o que foi recusado pela Fazenda.321 Diante da ordem de

prisão, o major Chaves efetuou metade do pagamento. Imediatamente o administrador da

recebedoria quis saber, junto à Fazenda, se poderia dar o recibo de quitação ao major e qual

percentual lhe era devido. Recebeu como resposta que as quitações somente são passadas

depois de quitada a dívida, o que não ocorrera. Quanto à comissão, ele não tinha direito a

nenhum recebimento já que a cobrança deu-se por via judicial pertencendo unicamente aos

cofres da Fazenda.322

A forma como as autoridades agiram nesse caso está relacionada com outro crime

praticado por Chaves no ano de 1844, desta vez envolvendo escravos comprados e

vendidos por ele e sizados junto ao coletor de Santa Luzia por um valor 50% menor.

Descoberta a fraude, o coletor recorreu ao juiz municipal para que procedesse à avaliação

dos escravos. Diante o despacho do juiz, o coletor nada pode fazer, pois o magistrado

recolheu-se em seu sítio para que o comprador tivesse tempo de se retirar da vila levando os

escravos.323

319 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433 – Da diretoria aos administradores das Recebedorias. 1862-1864. Ofício 98, p. 26. 320 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449 –. Ofício 183, p. 7. 321 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449 – Da diretoria aos administradores das recebedorias. 1865 Ofício 24, p. 22. 322 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433 – Da diretoria aos administradores das Recebedorias. 1865. Ofício 91, p. 41. 323 AHG – Documentação Avulsa caixa 40, pacote 1 – Provedoria da Fazenda. Ano de 1844.

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Na correspondência particular desse coletor ao tenente-coronel Antonio de Castro,

provedor da Fazenda, fica-se inteirado de que o “Juiz Municipal, Capitão Manuel Joaquim,

fez a risca o que lhe ordenou o Vigário, que hé em sua caza que se arranxa José Rodrigues

Chaves [...]”. Além desse prejuízo, o coletor já contava com outro maior, pois fora

informado de que o Major Chaves intentava exportar 200 vacas para fora da província e,

para isso, confiava na proteção do Juiz. O coletor, desanimado, sabia não contar com o

apoio do magistrado, geralmente o auxílio a que recorriam nos casos em que extraviadores

se recusavam a pagar os impostos devidos. Além disso, se disse “axincoalhado” por ter

ouvido do Major Chaves que “avia de furtar quanto podesse da Nação”, ao que nada pôde

fazer por não ter o apoio do juiz.324

Há muito o governo da província se conscientizara de que o extravio do gado vacum

era o determinante para a baixa arrecadação das rendas. Os coletores não poderiam obstar o

contrabando se não dispusessem do auxilio das autoridades, pois os extraviadores de gados

lançavam mão de todos os recursos, inclusive do terror para ameaçar os que se opunham às

suas “criminosas intenções”. Para o vice-presidente Antonio de Pádua Fleury, a solução era

recorrer ao auxílio da Guarda Municipal, visto ser a Guarda Nacional morosa, sem

armamento próprio e envolvida, sobretudo, com seus afazeres particulares. Essa guarda

seria estabelecida nas barreiras dificultando os extravios e também protegendo a província

da entrada de criminosos e vadios. Somente assim se poderia

[...] evitar a continuação da imoralidade com que passam por alto grande numero de boiadas escandalosamente sem pagarem hum só real de Direitos, em presença dos exactores fiscais que se queixam da impossibilidade em que se acham de os coagir à observância das Leis.325

3.6.1 As coletorias existentes em Goiás (1830-1840)

Há lacunas na documentação sobre o número de coletorias e o local exato de sua

criação, salvo algumas exceções. Ao ordenar documentos esparsos, foi possível montar um

quadro das agências que foram se espalhando pela província no decorrer do século XIX

(Figura 5).

324 AHG – Documentação Avulsa caixa 40. Assembleia Legislativa: Ofícios, ano 1844 325 Discurso do vice-presidente Antonio de Pádua Fleury,1848. Memórias goianas, v.4, p. 138.

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FIGURA 5: Postos de Coletorias em Goiás (1830-1840).

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171

Segundo o presidente Joaquim Ignácio Ramalho, em 1848, havia 21 coletorias na

província, pois algumas já haviam sido extintas e raríssimas eram “exercidas por exactores

zelosos dos interesses da Fazenda”. Em face disso, pedia maior poder do Governo sobre

esses empregados a fim de exercer sobre eles ação mais vigorosa. Como as contas eram

mal-organizadas e antigas, seria mais possível proceder a um exame “aritmético e moral na

maior parte delas”.326

Em 1865, além das agências citadas, surgem as de Curralinho, Anicuns, Campinas,

Dores do Rio Verde, Corumbá, Morrinhos327 (Figura 6).

326 Discurso do presidente Joaquim Ignácio Ramalho. 1846. Memórias goianas, v.4, p. 52. 327 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 462 – Correspondência da Inspetoria da Fazenda Provincial para as Coletorias.

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FIGURA 6: Postos de Coletorias em Goiás (1870).

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As coletorias funcionavam geralmente na residência do coletor. O suprimento

repassado pelo governo central fora suspenso em 1845 e a província era obrigada a fazer

frente a suas despesas contando apenas com o dinheiro arrecadado com os impostos. Havia

também ciência de que não poderiam ser criados novos impostos,328 em uma província

“onde tudo ainda está por fazer”, e onde ainda se cobravam tributos que há muito haviam

“caducado” em outras regiões.329 Para arcar com as despesas bastava a boa fiscalização das

agências arrecadadoras e maior controle sobre os responsáveis por esse processo.330

Como já reafirmou anteriormente, a distância e a falta de recursos humanos eram os

motivos alegados pela Provedoria para a precária inspeção sobre os coletores. No entanto,

em casos extremos de abuso, fraude e desleixo, restava à Fazenda a execução judicial,

seguida de sequestro e arrematação de bens pessoais de coletores e fiadores. Esse recurso

era evitado ao máximo pelo governo há muito ciente de que a melhor forma era através de

meios amigáveis: “[...] tendo os processos de correr sob as influencias e circunstancias

locaes, tarde ou nunca chegarão ao seu fim [...]”.331

Na capital era feita a avaliação das cobranças e dos rendimentos apresentados por

cada coletoria, assim como o abono nas contas dos coletores de todos os pagamentos

efetuados em seus distritos a mando da Fazenda.

Apesar de as coletorias terem sido criadas nas principais vilas da província, o

trabalho de cobrança e fiscalização das rendas e supressão do contrabando de bois e

mercadorias permanecia ineficiente. O governo lançou mão do sistema de arrematação por

contrato de diversos ramos da receita pública, mas “apesar da antecedência com que se 328 Discurso do Presidente da Província de Goiás, José de Assis Mascarenhas. In:Coleção memórias

Goianas,Volume 4, p. 22. 329 Discurso do Presidente da Província de Goiás, Joaquim I. Ramalho, 1847. In:Coleção memórias

Goianas,Volume 4, p. 88. 330 Medidas foram tomadas nesse sentido, obrigando os coletores a anualmente prestarem contas dos dinheiros públicos a eles entregues. Multa de 9% ao ano, a partir do momento em que eram intimados a fazer os pagamentos à Fazenda no prazo de 30 dias; Criação do cargo de Exactores em 1848, encarregados de percorrer anualmente todas as estações fiscais da província a fim de arrecadarem não só os livros de escrituração da receita provincial a cargo de cada coletoria, como também os respectivos saldos, documentos de despesa feita por ordem da Fazenda e qualquer quantia existente nas estações de arrecadação. Para isso ordenavam que os coletores tivessem suas contas em perfeita ordem para que ao chegarem, os exactores se demorassem apenas o tempo suficiente para exame dos livros, documentos e valores recebidos, seguindo o mais rápido possível para as demais estações (AHG – Documentação manuscrita, livro n 449, p. 37.).No entanto, a medida parece não ter obtido êxito, pois na fala do presidente, datada de 1852, este refere-se a demissão concedida a um exator e a não contratação de outro para o lugar por achar o cargo dispensável. Quanto ao exator que há dois anos partira para o Norte, sabia-se que “ainda não se recolheo, e nem remetteo quantia alguma arrecadada”. AHG – Coleção das leis do Império do Brasil 1855, Tomo 18 parte 2ª secção 6ª. 331 Fala do provedor da fazenda Felippe Antonio Cardoso de Santa Cruz, 1852. Memórias Goianas, v. 5, p. 200.

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expedirão todas as ordens, se pode effetuar apenas a arrematação das rendas do município

de Catalão, Santa Cruz e Villa Formosa da Imperatriz”. Os dirigentes estavam convictos

das vantagens com o sistema de arrematação de impostos por coletorias, no entanto, em

1852 só haviam sido arrematadas, além de Bonfim, a de Anicuns, que compreendia o Rio

Verde e Santa Luzia.

Como era grande a dívida ativa da província, criou-se o sistema de arrematação

dessa dívida, por coletorias, com um abatimento de 30% e pautado nas mesmas condições e

garantias exigidas na arrematação dos impostos 332 . Todavia, os cofres permaneceram

vazios. Os portos, por onde transitavam tropas e boiadas, ficaram desguarnecidos e os

coletores, sediados nas vilas e povoados adjacentes, impossibilitados ou desinteressados em

fiscalizar as fronteiras. Diante desse quadro, o governo criou mais um tipo de agência de

arrecadação: as recebedorias.

3.7 As recebedorias

Chefiadas por administradores, as novas agências fiscais criadas em 1854333 tinham

a incumbência de procederem à fiscalização e arrecadação das taxas itinerárias, ficando

também responsáveis pelas cobranças das taxas de exportação de gado334 e de outros

impostos.335 A exemplo de Minas Gerais, as taxas itinerárias passaram a ser cobradas em

Goiás nos principais caminhos da província. A renda com a arrecadação era destinada

especificamente à abertura, construção e melhoramento das estradas, além de outras obras

públicas. Constituía-se num imposto indireto, de fácil cobrança e que poderia trazer

recursos aos cofres públicos.

332 Discurso do Presidente da Província de Goiás, Antonio J. da S. Gomes, 1851. Memórias Goianas,v.5, p. 194. 333 Artigo 16 da Lei n° 18, de 13 de novembro de 1854. 334 Pelo decreto de 5 de agosto de 1869, o imposto de exportação voltou a ser cobrado pelos coletores. Em 1872 voltou para as recebedorias pelo ato de 17 de outubro de 1871. Relatório do Presidente da Província de Goiás,Antero Cícero de Assis. Memórias Goianas,v. 11, p. 135. 335 Inicialmente foram criadas seis recebedorias: no porto de Santa Rita do Paranaíba, compreendendo todos os portos do mesmo rio no município de Santa Cruz; no porto Mão de Pau, compreendendo todos os portos do mesmo rio Paranaíba no município de Catalão; no antigo registro da Lagoa Feia e Arrependidos; em São Domingos, Santa Maria da Taguatinga e São José do Duro. Posteriormente foram criadas recebedorias em Santa Maria de Flores, Posse – onde se dava grande comércio com a Bahia – e no porto do rio Parnaíba conhecido como “do Chrysostomo”, na freguesia de Dores do Rio Verde – onde se dava comércio com Minas Gerais e se exportava grande quantidade de gado)Discurso do Presidente da Província de Goiás, Antonio Candido da Cruz Machado, 1854. Memórias Goianas, v. 6, p. 286).

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Aos coletores foram emitidas ordens para que não mais procedessem à cobrança do

imposto de exportação, evitando com isso queixas dos exportadores e administradores.336

No entanto, passados três anos de sua regulamentação, os coletores resistiam à nova

ordenação, cobrando a taxa de exportação. 337 A Fazenda emitia seguidos ofícios

informando aos coletores sobre o procedimento a ser seguido, cabendo às coletorias das

vilas adjacentes às recebedorias a fiscalização e não a cobrança desse imposto.338

No início da década de cinquenta, o quadro provincial era desanimador. Cofres

vazios, funcionários sem receber, a dívida passiva da província, estimada em torno de

quarenta e cinco contos de réis, era ainda maior por terem se acumulado, em muitas

coletorias, ordens de pagamento não realizadas e dadas como pagas pela Provedoria. A

lavoura estava pouco produtiva e a criação de gado diminuída. A excessiva falta de

numerário, principalmente no Norte, era tida como fator para a má arrecadação das rendas.

Contudo,

o desleixo e a frouxidão, com que forão administradas, e arrecadadas as rendas no tempo, em que era a Fazenda Provincial supprida pelo Thesouro Publico Nacional fez com que o povo se habituasse a pagar pouco, e solver tarde todos os seus débitos. Além disso, sendo em grande escala e geralmente (fallo com as devidas excepções) consumidos os dinheiros públicos pelos Collectores, o que não seria como não é fácil evitar, começarão os contribuintes, que isso vião, a sentir grande repugnância ao pagamento de impostos, e a maior parte dos Fazendeiros e Lavradores diminuirão escandalosamente as suas contas, porque, dizião elles, e ainda dizem alguns, não querião com seo trabalho locupletar aos indivíduos.339

O governo repetia a mesma avaliação: as más ações dos coletores que serviam com

frouxidão e mais em proveito próprio do que da província. Todavia, a criação das

recebedorias enfrentou os mesmos problemas e limitações: falta de pessoal habilitado e

recursos financeiros e coercitivos para auxiliar na luta contra o contrabando. Assim como

coletores, os administradores eram geralmente escolhidos entre homens probos e

possuidores de patentes. É o caso do coronel Roque Alves de Azevedo, administrador da

336 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p.104. 337 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p.134v. 338 Artigo 24 do regulamento de 8 de janeiro de 1855 (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p. 134r). 339 Discurso do Presidente da Província de Goiás, Antonio Joaquim da S. Gomes, 1852 (Memórias Goianas,

v. 5, p. 198).

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recebedoria do porto Mão de pau e o do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, o maior

capitalista da província de Goiás no fim do século XIX, que atuava, em 1860, como

administrador de recebedoria e 1861 como coletor de impostos da vila de Santa Rita do

Paranaíba. Do primeiro sabe-se que devia a Fazenda em torno de quatro contos de réis

referentes a impostos arrecadados e não recolhidos aos cofres públicos; do segundo pouco

se sabe, mas pela abundância de ofícios emitidos pela diretoria da Fazenda à todas as

coletorias e recebedorias da província, cobrando prestação de contas e remessa dos

dinheiros arrecadados, é significativo o fato de não se ter encontrado nenhuma cobrança ou

ordem emitida ao Coronel Hermenegildo.

Mesmo tendo em vista a redução de despesas, o governo autorizou coletores e

administradores a contratarem agentes que os auxiliassem na fiscalização das rendas. Tais

eram escolhidos em todos os distritos ou bairros – quando os distritos fossem muito

extensos – para, na ausência dos coletores, fiscalizarem e arrecadarem impostos, devendo

inclusive compelir, por meios judiciais, os contribuintes inadimplentes 340 – o que,

geralmente, era recusado pelos coletores. Além dos agentes, as recebedorias eram

guarnecidas por praças que auxiliavam na guarda e defesa dos portos.341

Apesar de auxiliares nas cobranças, os agentes causavam problemas: recebiam

impostos e comissões indevidamente; 342 não respeitavam as fronteiras provinciais,

invadindo, “por erro ou engano”, territórios pertencentes a outras províncias e gerando

desconforto entre os respectivos governos.343 Sobre eles pesavam denúncias sobre o desvio

do dinheiro proveniente dos impostos provinciais por eles arrecadados. Nesses casos, os

administradores eram chamados a prestar esclarecimentos sobre a ação dos agentes, assim

como dos praças estacionados e sob o comando desses últimos.344

Aos administradores eram também expedidas ordens para que efetuassem

pagamentos a funcionários, remessa de dinheiro a coletores, construção de pontes,

340 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p. 40v. 341 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p. 90. 342 Diversos são os ofícios alertando aos administradores que os agentes estavam recebendo comissões superiores aos que lhes era permitido por lei (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449, p. 43, ofício 98). 343 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433, p. 117. 344 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433, ofício 146, p. 97.

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pinguelas, canoas etc. 345 Além disso, deveriam providenciar determinadas quantias em

dinheiro a serem empregadas na compra de gado e munições de pólvora e chumbo para os

presídios.346

No início da década de sessenta, as recebedorias provinciais estavam distribuídas

como mostra a Figura 7.

Posteriormente, em fins da década de sessenta, criou-se a Mesa de Rendas do Norte,

sediada em Santa Maria da Taguatinga. Com a medida, algumas recebedorias foram

extintas e as coletorias do Norte passaram a prestar contas para o administrador dessa

Mesa, que procedia também as nomeações de administradores e coletores.347

FIGURA 7: Postos de recebedorias de Goiás. 345 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433. Os agentes das recebedorias deveriam promover a construção de ranchos destinados à acomodação dos viajantes. Sabe-se que junto as agências, quando se construíam ranchos para abrigar tropeiros e boiadeiros − pelo menos aqueles que passavam pelos caminhos e portos oficiais −, também se erigiam pequenas vendas fornecedoras de víveres para as tropas. Em outras, construíam-se dois ranchos, sendo uma para viajantes e outro para o aquartelamento das praças ali estacionadas. Diversas são as cidades que se originaram desses pontos de passagem. 346 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433, p. 4, ofício 167 e AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433, p. 9, ofício 1. 347 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 506 – Correspondência da Mesa de Rendas com os coletores e administradores do Norte da Província, p. 2-4.

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Os números oficiais da arrecadação apresentados por coletores e recebedores

evidenciam quão significativo era o movimento de numerário nas mãos desses agentes.

Relatos informam que alguns fizeram fortuna negociando com o dinheiro público, fato que

explica a relutância e atraso nas prestações de contas. Em uma região com escassez de

moedas, aqueles que dispunham de numerário tinham condições de empreende melhores

negócios e quanto maior o tempo que detivessem esses valores em mãos, maior seria o giro

de seus negócios e, consequentemente, maiores os lucros auferidos.

Em meio à desordem na administração e arrecadação das rendas, os relatos

presidenciais apresentados à Assembleia Legislativa informavam que, em meados da

década de cinquenta, a Tesouraria das Rendas Provinciais348 funcionava com satisfatória

regularidade, dirigida pelo inspetor João Nunes da Silva. A documentação da época atesta

mudanças na forma como os coletores e administradores passaram a ser tratados. Os ofícios

dirigidos a essas agências tornaram-se mais abundantes e as ordens insistentemente

repetidas. Eram medidas que visavam maior controle sobre a fiscalização das rendas e

remessas regulares dos valores arrecadados.

No entanto, não permite avaliar o sucesso ou insucesso das mudanças advindas com

a reforma da Fazenda Pública e instalação das recebedorias. As fontes apontam para

aumento na arrecadação de rendas, fato confirmado pelo presidente em discurso à

Assembleia no qual dava conta de que somente na recebedoria do Porto Mão de Pau, que

sofrera intervenção devido a tumultos ocorridos em Catalão, registrara-se durante os quatro

meses em que fora administrado pelo interventor da Fazenda, um aumento que excedeu em

2:672$690 réis, o faturamento de uma ano inteiro da administração passada; 349 A

recebedoria de Santa Rita também registrou aumento de 3:470$800 réis em relação ao ano

anterior; as do Norte continuavam sem quase nada arrecadar. Ali, as fronteiras abertas

tornavam inevitável o extravio do boi, “enquanto não [houvesse] a força necessária para

348 Pela Lei provincial nº 14, de 5 de agosto de 1853, a Fazenda goiana foi reorganizada pensando a denominar-se Tesouraria das Rendas Provinciais. 349 Durante a pesquisa não foi possível estabelecer a localização exata do porto Mão de Pau. No entanto, pelos ofícios enviados aos administradores daquele porto, sabe-se que se situava próximo à vila do Catalão. Ao administrador do Mão de Pau era solicitada a entrega de dinheiro ao coletor de Catalão (AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433, ofício 156).

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guarnecer aqellas estações fiscaes e fechar as numerosas passagens por onde [exportariam]

seus gados [...]”.350

Todos os portos e recebedorias estavam administrados pela Fazenda, não tendo mais

sido renovado o sistema de arrematação, tido agora como prejudicial à província. As rendas

apresentavam melhoras, apesar das inúmeras boiadas que seguiam marchando pela via do

contrabando.

3.8 Contrabando: o encontro de coletores, tropeiros e boiadeiros em Goiás na segunda

metade do século XIX

Como se pode perceber, todos os esforços não foram suficientes para obstar o

extravio do boi. Os inspetores da Fazenda deixavam claro em seus relatórios que a

província exportava o dobro do declarado anualmente. O imposto sobre o boi, se bem

arrecadado, seria suficiente para equilibrar a balança orçamentária provincial.

Uma vez mais a taxa de exportação do boi fora alterada. No entanto, o fato deveu-se

às feiras criadas na província em 1861, com avultados rendimentos.351 Por tratar-se de uma

região essencialmente criadora, o boi constituía-se na maior fonte de riqueza da província.

O governo sabia que a falta de compradores de outras regiões dava-se em decorrência do

alto imposto cobrado sobre a exportação.

As feiras criadas no Norte e no Sul da província, respectivamente em Taguatinga e

Bonfim, incentivariam os negócios com o boi. Seriam mercados para onde convergiria todo

o gado no ponto de ser exportado e que ofereceria a vendedores e compradores melhores

condições para realizarem seus negócios e aos animais boas condições de pastagens e

aguada. Além dos negócios com o gado, esperava-se que se desenvolvessem, a exemplo de

Sorocaba e outras regiões, pequenas indústrias e o comércio em geral. O imposto sobre o

boi cobrado nas recebedorias passou a ser exigido nas coletorias das vilas onde eram

realizadas as feiras.352

350 Discurso do Presidente da Província de Goiás, Francisco Januário da Gama Cerqueira, 1858. Memórias

Goianas, v. 7, p. 160. 351 AHG – Resolução n 329 de 18 de julho de 1861. 352 Vaca ou novilha, 3$000 réis; boi ou garrote, 1$200 réis; égua ou poldra, 3$000 réis; cavalo, 1$500 réis; besta muar, 3$000 réis.

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As transações comerciais até a importância de 150$000 réis deveriam ser pagas à

vista, e as que excedessem essa quantia seriam pagas no prazo de seis meses somente

mediante letras aceitas pelo contribuinte e sacadas pelo exator a favor da Fazenda

Provincial e endossadas ou afiançadas por algum residente na província.

O gado que não fosse negociado nas feiras ou de lá exportado diretamente, sem que

se tivesse pago o imposto devido, estava sujeito a penalidades e multas. Segundo a

regulamentação expedida, as feiras funcionariam durante dois meses, sendo os contratos de

compra e venda dos gados realizados na coletoria de Bonfim e na recebedoria de

Taguatinga, na presença de um comissário do governo que fiscalizaria os ditos contratos e

remeteria. Finda a feira, por meio de um relatório ao governo se informaria sobre toda a

negociação ocorrida, além de um mapa numérico do gado vendido.

Os conhecimentos de pagamentos da taxa de exportação seriam rubricados pelo

comissário do governo, onde estariam declarados a espécie, o número de cabeças, o nome

do comprador e vendedor, a paróquia onde este residia, assim como o lugar onde se

encontrava o gado na ocasião da compra ou venda.353Com as feiras acreditava-se que os

contrabandistas e extraviadores deixariam de passar com as boiadas por lugares ermos e

perigosos, visando à isenção da taxa. No entanto, ainda assim, o governo mantinha a

proposta de guarnição para as recebedorias.354

Para que as feiras se estabelecessem seria preciso convencer os fazendeiros sobre os

benefícios a serem auferidos ao levarem seus produtos a um mercado que lhes ofereceria

melhores preços, além da presença certa de compradores. Os boiadeiros que se dirigiam a

Goiás empreendiam longas e dispendiosas viagens pelas fazendas da região levando

comitivas que iam “ajuntando” o gado comprado em um determinado ponto e

posteriormente tangido às invernadas de Minas, São Paulo ou Bahia. O alto preço do

imposto, que havia chegado a 10$000 réis sobre vacas, fazia com que os boiadeiros

oferecessem preços irrisórios para a compra do gado. Caso o vendedor não aceitasse a

proposta, haveria acúmulo de gado nas fazendas, gerando grandes prejuízos e impedimento

do giro de capitais.

353 AHG – Atos e Decretos – livro n 33 Até de 28 de agosto de 1862, p 13. 354 Discurso do Presidente da Província de Goiás, José M. P. de Alencastre. In: Coleção memórias Goianas,

Volume 9, p.40.

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Diante disso, os fazendeiros eram obrigados a vender o gado em pequenos lotes por

preços insatisfatórios. Por sua vez, os boiadeiros compravam o boi barato, mas o imposto

pago para exportá-lo e as despesas com a viagem, com a manutenção da tropa e com

comissários que o acompanhavam encareciam a mercadoria. A opção pelas feiras visava

agilizar a comercialização na medida em que facilitava a fiscalização sobre a produção,

comercialização e exportação do boi.355

O gado constituía-se na maior riqueza da província e era abundante em todos os

municípios do Norte. Porém, algumas recebedorias não faziam sequer o lançamento da

cobrança desse imposto, ou registravam-no de forma mínima. Isto causava desconfiança e

indignação por parte dos dirigentes da Fazenda.356 O município de Flores, no Norte da

província, era conhecido como uma das mais importantes regiões criadoras da província,

mas cujo gado era de “raça mais degenerada”. Além dessa região destacavam-se os

municípios de São João da Palma, Arraias, Conceição e Couros.357

O gado do Sul, tido como de melhor qualidade, alcançava melhores preços nos

mercados consumidores. O do Norte, de menor porte e qualidade inferior, sofria

depreciação nos preços ao ser exportado para Bahia e Minas Gerais.

Alencastre apresenta, em relatório dirigido à Assembleia em 1862, duas tabelas –

uma oficial e a outra mais “verdadeira” – demonstrativas sobre as regiões produtoras,

números de exportação e valores alcançados pelo gado. Em ambas, não se sabe por qual

motivo, não aparece a vila de Flores.358 No entanto, no levantamento de ofícios enviados a

coletores e administradores, durante as décadas de cinquenta e sessenta, referentes ao

contrabando de gado na província, a vila de Flores e a recebedoria de Lagoa Feia e

Arrependidos destacam-se pela quantidade de ofícios enviados solicitando medidas para

355 Discurso do Presidente da Província de Goiás, José M. P. de Alencastre. Memórias Goianas, v. 9, p.44. 356 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p.77. 357 Ver Funes (1986, p. 75). 358 Diversos ofícios tratam da solicitação das autoridades no sentido de conhecer o quadro estimativo do número de gado existente na província. A Flores são enviadas solicitações requisitando relação nominal dos produtores, número de animais, localização das fazendas etc. No entanto, em resposta, o coletor informa que não procedeu ao lançamento do imposto sobre o gado por ter encontrado muitos obstáculos e dúvidas nas fazendas devido aos prejuízos que sofriam os fazendeiros com a pestividade e seca que ali sempre grassavam. Se não apresentava o rendimento da exportação do gado era devido às muitas estradas que transportavam, do município para fora e que distavam 12 a 14 léguas. Alguns proprietários que levaram seus gados para comercializar fora pagaram as guias em Flores, mas, ao chegarem a Formosa, o coletor não aceitou e fê-los pagar novamente, ao que atenderam. Em seguida retornaram a Flores e resgataram seus créditos (AHG – Relação da documentação municipal. Flores de Goiás. Cx. 1ª).

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obstar o contrabando. As fontes consultadas apontam para a proximidade entre a vila e os

portos.

A análise da documentação mostra que nos reiterados ofícios expedidos aos

diversos portos e coletorias da província estava a tentativa dos dirigentes em obstar o

contrabando através de uma ação mais efetiva por parte dos coletores e administradores.

Nesse sentido, o diretor da Tesouraria informava estar ciente dos extravios, dos abusos e da

ação ou conivência dos agentes da Fazenda em tais desmandos. Pedia, ordenava e por vezes

ameaçava esses agentes na tentativa de que impedissem que as boiadas cruzassem as

fronteiras sem o pagamento do imposto. Situados nos portos e vilas, administradores e

coletores defrontavam-se com tropeiros e boiadeiros, os quais não se sentiam nem um

pouco intimidados com suas presenças.

Para se ter uma ideia do encontro entre eles, aos coletores e administradores era

facultada a contratação de agentes que os auxiliassem na vigia dos portos e estradas. No

entanto, suas comissões deveriam ser pagas com recursos das arrecadações. O

destacamento de praças, que a principio fora autorizado para os portos, era pago pelos

coletores e administradores, posteriormente reembolsados pela Fazenda. Tal serviço de

destacamento geralmente contava com dois praças. Exceção feita ao porto dos Bahus, para

onde foi enviado, em 1865, um destacamento composto por um sargento, um cabo e dez

guardas nacionais.359

Em 1863, um boiadeiro, ao passar por um desses portos em Goiás e ser informado

pelo agente fiscal dos valores que deveriam ser pagos naquela agência, respondeu-lhe “à

frente de 12 camaradas armados: – ‘Não só não lhe pago, como creia que lhe faço especial

mercê em o não obrigar a passar me um talão fictício’ ”.360

Estava claro que a falta de respeito às autoridades provinciais refletia a desordenção

da região. Não dispondo de força coercitiva que fizesse frente ao grupo que acompanhava o

boiadeiro, o coletor deixou passar a boiada e certamente recebeu “como concessão a

insolência do bandido”. Diversos episódios semelhantes, envolvendo coronéis, tenentes,

cidadãos, padres, tropeiros e boiadeiros, evidenciam a dificuldade encontrada pelo poder

institucionalizado em ordenar o des-mundo do sertão. 361

359 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449, p. 30. 360 Discurso do Presidente da Província de Goiás, José M. P. de Alencastre. Memórias Goianas, v. 9, p. 269. 361 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433,p. 93.

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Cavalcante também constituía-se em região com significativo rebanho bovino. Dali

surgiram queixas contra os extraviadores. O reverendo Joaquim de Souza Falcão, morador

daquele município, comprou 150 bois de Joaquim de Freitas Ribeiro exportando-os em

seguida para a Bahia sem o prévio pagamento das taxas. O padre afirmara ao coletor de

Flores ter pago a taxa em Cavalcante. Pelos ofícios que circularam, um ano depois, entre a

Provedoria e os coletores das respectivas vilas, percebe-se o esforço do provedor ao

solicitar, por reiteradas vezes, que o coletor de Cavalcante respondesse sobre o extravio dos

bois. Como este não respondia, o provedor “exigira” que se manifestasse sobre os ditos

bois, além de alertá-lo para que empregasse todos os seus esforços na tentativa de pôr termo

ao escandaloso extravio daquele ramo da receita. O imposto, sendo tão importante para

aquela região, pouco ou nada produzia “por falta de uma enérgica fiscalização para a qual

pode e deve V. M. requisitar os necessários auxílios não só das autoridades locais como da

Guarda Nacional”.

Posteriormente o coletor de Cavalcante afirmou que o padre pagara a taxa de

duzentos bois exportados dois anos antes, mas quanto à taxa sobre os outros 150 animais,

não foi possível ser verificada. Pelo exemplo, entende-se que, residindo em uma região

produtora de gado, o padre regularmente negociava e exportava os animais para a Bahia,

pagando, ora sim ora não, em uma ou outra coletoria, a referida taxa.

Na recebedoria de São José do Duro registravam-se casos semelhantes, pois por ali

passavam exportadores de gado que se recusavam a pagar os impostos alegando fazê-lo

posteriormente na agencia do Salto. Todavia, antes de chegarem à referida agência,

passavam clandestinamente pela cabeceira do rio Palmeira. Um acordo entre as agências do

Duro e Salto tentava obstar o extravio: assim que as boiadas passassem pela primeira, esta

deveria avisar a segunda para que os agentes cercassem a passagem na cabeceira do rio

Palmeira.362Caso semelhante acontecia na Barreira do Bacalhau: gêneros eram importados

para o consumo nas vilas de Curralinho e Anicuns. As tropas, ao se aproximarem da

barreira, desviavam-se da estrada geral e passavam pelas imediações da barreira.363

É possível verificar, nas décadas de cinquenta e sessenta, o maior rigor com que a

Provedoria tratava a questão do contrabando. Os ofícios eram emitidos em cópias idênticas

362 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433, ofício 91, p. 31. 363 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449, ofício 119, p. 47.

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para as coletorias do Norte – Flores, Cavalcante, Palma, Arraias, São José, Conceição,

Natividade, Porto Imperial e Carolina –, informando as ordens do presidente, empenhado

em fazer diminuir a dívida passiva da Fazenda. Para tanto esperava que os coletores

fiscalizassem cada cabeça de gado que saísse de suas vilas e distritos em direção às

províncias limítrofes, requisitando, sempre que necessário, o auxílio da guarda. Os

exportadores seriam convencidos da ação do governo, não mais disposto a tolerar a

continuação daquele procedimento imoral e criminoso que tanto contribuía para o desfalque

das rendas.364

De Flores vieram respostas informando “das coisas pelas quais se não tem podido

absolutamente vedar o extravio do gado vacum e cavalar” que daquela coletoria era

exportado para fora da província. As “coisas” estavam, por vezes, relacionadas com

dúvidas a respeito da legislação sobre o imposto de exportação frequentemente alterado

pela Assembleia Provincial. Diante desse quadro, restou ao Provedor da Fazenda informar

ao coletor que, enquanto o corpo legislativo provincial não regulasse, definitivamente, o

sistema de fiscalização do gado deveria, por si e através de seus agentes, cuidar para que os

exportadores não continuassem a abusar impunemente da lei goiana.365

A preocupação com o contrabando nas imediações próximas à vila de Flores levou

as autoridades a autorizarem o estabelecimento de registros para cobrança dos direitos de

importação e exportação. Além disso, propunham a nomeação de agentes para essas

agências e a contratação dos praças para cada uma delas. Até lá o coletor deveria nomear

agentes, os quais, mediante a comissão de 10%, cobrariam, nos pontos de entrada e saída

dos negociantes da província da Bahia, todos os direitos de importação e exportação, além

das taxas sobre vacas exportadas para fora da província. Por esse expediente fica-se

inteirado de que grande parte dos boiadeiros e tropeiros que vinham da Bahia, ou que de

Goiás saíam em direção àquela província, faziam o percurso pela vila de Flores.366

Não muito próximo da vila de Flores havia um ponto de passagem diariamente

frequentado por contrabandistas: o sítio da Abadia. A Fazenda decidiu então estabelecer ali

uma agência filial à da Lagoa Feia. Porém, vindo a falecer o agente nomeado para o local, a

nova agência ficou em completo abandono, permitindo a livre passagem de tropas xucras e

364 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p. 05. 365 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p. 22. 366 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433, ofício de 23 de abril de 1845.

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boiadas. Diante disso a agência foi anexada à recebedoria de Flores para que o

administrador nomeasse um novo agente para o local.367 Meses depois, a Fazenda emitiu

novo ofício informando ao administrador daquela recebedoria que apesar das ordens

anteriormente expedidas, nada fora feito com relação à passagem existente no sítio da

Abadia. O contrabando “escandalosamente” continuava, sem que aquela agência tivesse

sequer conhecimento dos fatos.368

Existem fontes que tratam do “acordo” estabelecido entre coletores e boiadeiros ou

condutores interessados em contrabandear o boi. Em ofício ao administrador da vila de

Posse, o diretor informou que fora observada a “abusiva e criminosa prática de pedirem os

exportadores, na ocasião de pagarem impostos provinciais – menos ou mais atenção, o que

deixa ver que se lhe consedião graças não permitidas por lei”. Recomendava então

terminantemente que se abolisse tal desmoralização naquela agência.369

De alguma forma, a Fazenda era informada do que se passava nas coletorias e

recebedorias. Uma delas se dava através dos contratadores de rendas, que, na condição de

agentes particulares, tinham interesse em não permitir o contrabando. Muitas vezes eram

esses agentes que informavam à Fazenda sobre os extravios ocorridos. Relatavam sobre a

passagem de boiadas de até dois mil bois que haviam cruzado o rio Paranaíba, em pontos

de passagem não oficiais, sem pagar as taxas de exportação. Os contratadores oficiavam os

coletores e administradores dos portos, mas como a medida não surtia efeito, avisavam ao

provedor da Fazenda. Este então cobrava dos agentes públicos ação efetiva contra o

contrabando, além de lhes ordenar, em função do conhecimento topográfico que

“certamente” dispunham sobre o município onde estavam incluídos os ditos portos, que

encontrassem os lugares de passagem e tomassem providências para interromper o extravio.

Ordem difícil de ser cumprida visto que, à medida que se interrompia uma passagem, os

boiadeiros e condutores tangiam suas boiadas para outros pontos, léguas acima ou abaixo

da passagem oficial, por onde atravessavam gado e tropa.370

Quando a passagem de boiadas tornava-se frequente em determinado ponto do rio, a

provedoria ordenava a mudança da agência de recebedoria para aquele porto, além do

367 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449, p. 58, ofício 160. 368 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449, p. 72, ofício 201. 369 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 506. 370 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p.14.

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fechamento das passagens abertas e da inutilização das canoas que, porventura, ali fossem

encontradas. Deveriam, porém informar sobre os donos das canoas, geralmente moradores

das margens que auxiliavam os contrabandistas na travessia das tropas e boiadas.371

Notícias sobre extravios também eram passadas à Fazenda pelos juízes municipais,

que, informados sobre o contrabando de grandes boiadas praticado por boiadeiros –

negociantes volantes – de Minas Gerais, determinavam que a Provedoria tomasse as

medidas devidas. Muitas vezes, boiadas de dois mil bois passavam por esses portos sem

que os agentes das recebedorias ali instaladas se manifestassem perante a Fazenda.

Denunciado o contrabando, os administradores estavam obrigados a responder por

acusações de negligência, tendo inclusive de informar sobre o destino e residência dos

boiadeiros mineiros.372

As denúncias de negligência causavam sérios problemas para coletores e

administradores. Ficando provadas suas responsabilidades no contrabando do boi, por

terem deixado passar a boiada sem o pagamento da taxa ou sem a denúncia à Fazenda,

tornavam-se eles próprios responsáveis pelo extravio, estando sujeitos também às multas

incididas sobre o valor do imposto não lançado. E, caso não pagassem, sofriam execução

judicial com sequestro de bens até que se alcançasse o valor devido à Fazenda. Dentre

exemplos de execução contra agentes da Fazenda destaca-se o caso do coletor de Catalão

penalizado pela Fazenda.373

Caso semelhante ocorreu em São Domingos. Em face da denúncia de que boiadeiros

e condutores “violentaram a barreira” daquela vila fazendo por ali passar certo número de

animais sem pagar as ditas taxas, o administrador da Mesa de Rendas do Norte decidiu

solicitar do agente da recebedoria informações sobre o caso e se durante o ocorrido ele

solicitara auxílio das autoridades locais. O agente deveria informar também sobre a

autoridade a quem solicitara auxilio. Em casos semelhantes, os dirigentes da Provedoria

orientavam para que, em semelhantes ocorrências, a Fazenda fosse devidamente informada

“para evitar boatos”.374

371 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449. p. 8, ofício 184 372 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 462, p. 47. 373 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433, p. 48. 374 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 506 Ofício de 30 de janeiro de 1869.

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Outro expediente usado na tentativa de frear o contrabando no Norte era o de

expedir ordem aos coletores sediados naquelas vilas para que, tão logo soubessem de

negócios e boiadas prontas a deixarem os distritos sob suas jurisdições, informassem aos

administradores das recebedorias próximas, sobre o destino provável ou presumível dos

boiadeiros e, caso possível, o número de bois.375

Visando à melhora do rebanho, as fazendas do Sul iniciaram primeiramente a

prática de troca dos reprodutores. Boiadeiros de outras regiões, principalmente de

Minas Gerais, adentravam a província com tourinhos para vender aos fazendeiros de

Goiás. Traziam alguns animais que observavam nas fazendas onde compravam ou

trocavam pelo boi a ser exportado. Muitas vezes, ao deixarem a província, recusavam-

se a pagar tanto a taxa itinerária quanto o imposto de exportação.376A documentação

trata de boiadeiros vindos de Uberaba trazendo reprodutores para trocar por gado

destinado às invernadas de Minas. Denunciados à Fazenda não se sabe se as

autoridades os alcançaram.377

Os portos Mão de Pau, Rio Grande e Bahus, no Sul da província, eram também

pontos de grande extravio de gado. Nos Bahus, pertencente à recebedoria de Santa Rita do

Parnaíba, havia grande contrabando378 de bois e escravos.

São inúmeros os ofícios expedidos à recebedoria do porto Mão de Pau, tratando

sobre o contrabando ali praticado. Os condutores de bois e tropeiros passavam pelas

agências e se recusavam a pagar o imposto ou alegavam que o fariam na próxima agência.

A provedoria era informada e na maioria das vezes não conseguia reunir provas para

promover a busca dos contrabandistas.

Da capital eram expedidas relações nominais em que constavam os indivíduos que,

de Boa Vista, Norte da província, exportavam bois para o Maranhão, mas ali também não

se conseguiam meios de proceder contra os extraviadores. Sabiam seus nomes, província

para onde se dirigiram e por vezes até o número de animais contrabandeados, mas pouco

375 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 506.Circular de 21 de junho de 1869. 376 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 506 Ofício de 5 de setembro de 1874. 377 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433, p. 83. 378 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 290, p. 113.

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podia ser feito. Os custos para se moverem ações judiciais eram altos e os cofres da

província permaneciam vazios.379

Do município de Santa Luzia sabe-se mais sobre o extravio de gêneros conduzidos

por tropeiros. Ali se dava a passagem das tropas por pontos desguarnecidos do rio São

Marcos.380 O porto da Lagoa Feia também era ponto de passagem dos tropeiros condutores

de gêneros. Aberta uma passagem no lugar denominado Estreito, situado a cinco léguas do

porto oficial e não podendo obstar o contrabando, a provedoria ordenou que se abrisse ali

uma agência fiscalizadora.381

Ao porto da Lagoa Feia foi endereçado o maior número de ofícios ordenando

providências para impedir o contrabando ali praticado. Conduzindo suas próprias boiadas,

os fazendeiros alegavam morar para além da agência de Arrependidos – agência

pertencente àquele porto – e atravessavam sem pagar as taxas.382

É possível perceber, no decorrer das décadas de cinquenta e sessenta em Goiás, um

maior rigor com relação à cobrança de impostos e claramente refletido no incremento das

rendas públicas. No entanto, tal fato não significou controle sobre o contrabando. Por todo

o século XIX as autoridades não conseguiram obstar essa prática, porém percebem-se

esforços em pelo menos inibir que o boi atravessasse livremente as fronteiras provinciais.

Durante esse período permaneceram as acusações contra boiadeiros de Minas, tropeiros da

Bahia, fazendeiros de Goiás, que “violentavam” as barreiras provinciais atravessando bois,

tropas carregadas de gêneros e escravos que, sem pagarem taxas, sequer se importavam em

ser importunados.

No decorrer desta pesquisa, há um único documento que trata da ordem de prisão ao

contrabandista Major Chaves. Nomes como o do reverendo Miguel Arcanjo Torres, padre

Falcão, tenente-coronel Pedro Nunes Camargo, Coronel Manoel J. Pereira, Dario Ferreira, Brás

de Tal, Venâncio “Cassador” e uma série de Joãos, Joaquins, Josés, Franciscos, constam nas

listas dos que cruzaram fronteiras tangendo tropas e boiadas sem que o tenente Sardinha, o

alferes Tamarindo, o cabo Reginaldo, o soldado Vasconcelos, dentre outros, pudessem impedir.

Registravam-se seus nomes e a província para a qual se dirigiam. Nada mais.

379 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433, p. 165, p. 32 e 31. 380 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 433, p. 9. 381 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449. p. 26. 382 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449, p. 7, ofício 183.

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Há relatos de causas executivas movidas e por mover-se no juízo de algumas vilas,

mas os processos esbarravam-se sempre em falta de provas, de testemunhas presenciais

relutantes ou mesmo de recursos da Fazenda, determinando o não prosseguimento das

ações.

Nos meados da década de sessenta, dois episódios alteraram a rotina dos portos,

recebedorias e coletorias em Goiás, incrementando a já tumultuada relação entre agentes

fiscais, tropeiros e boiadeiros e a arrecadação das rendas públicas: a guerra do Paraguai e o

desfalque na Tesouraria provincial praticado pelo chefe maior daquela repartição

A guerra alterou o sistema financeiro do Império e a legislação de 1867. A criação

de novos impostos e o aumento de outros que “acudissem as excessivas despesas”

atingiram classes de indivíduos anteriormente isentos de tributação. A reforma das

repartições públicas, visando à diminuição de pessoal, à redução das despesas e alteração

na cunhagem de moedas de prata e moeda de troco, diminuindo-lhes o valor intrínseco,

foram medidas propostas para “uma vida da mais severa economia”.383

Na medida em que começaram a transitar pelos portos e recebedorias de Goiás

tropas conduzindo cargas nacionais em direção à província de Mato Grosso, uma série de

dúvidas e desacertos movimentou as agências arrecadadoras goianas. Inicialmente as

autoridades informaram aos agentes que às forças de Minas e São Paulo, em direção à Mato

Grosso, deveria ser prestado todo auxilio, estimulando, inclusive, aos fazendeiros e

lavradores a conduzirem suas mercadorias para aqueles portos – principalmente farinhas e

bois –, as quais seriam vendidas aos comandantes da ditas forças. Caso não fosse possível,

os administradores dos portos deveriam procurar comprá-las nas vilas ou fazendas e

transportá-las para os portos, usando para isso os fundos arrecadados e existentes nos cofres

daquelas repartições. Na falta de fundos, a ordem era para que comprassem a crédito da

Fazenda Geral, mediante recibos em duplicata, com as devidas declarações da qualidade,

quantidade e preços pagos pelos produtos e constante da assinatura do comandante das

forças que receberam o fornecimento.

A legislação sobre a tributação dos produtos conduzidos a Mato Grosso não era

clara. Em alguns ofícios consta a ordem de que os agentes goianos deveriam dar franca

383 Relação da documentação dos Poderes Executivo e Legislativo. Império e República do Brasil – Coleção dos Atos Legislativos e Executivos do Império Livro n° 143. Manual do empregado da Fazenda – Tomo III.

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passagem para as tropas de mulas conduzindo armamentos e gêneros enviados pelo

governo para Cuiabá; porém os gêneros produzidos em Goiás e adquiridos por qualquer

indivíduo com o objetivo de ser exportado estavam sujeitos ao imposto. No entanto, em

outros ofícios, lê-se que só estavam isentos dos impostos os animais dos correios e os de

montada e bagagem dos militares e soldados em serviço público. Os animais que

conduziam objetos “por conta do governo” não só estavam isentos de qualquer espécie de

tributos como deveriam ser auxiliados a seguir com a maior brevidade possível.

Conforme a documentação consultada, a exemplo do ofício abaixo citado expedido

pela Fazenda provincial, vê-se que grande parte dos tropeiros que passavam por aqueles

portos, conduzindo cargas nacionais, levavam também tropas particulares carregadas de

gêneros tais como sal, fumo, aguardente, carne seca etc.

Ao do Rio Grande: constando que além das cargas nacionais que conduz Vicente Ferreira, também leva junto a sua tropa com destino a Província de Cuiabá, 48 rolos de fumo dos quais não pagou na coletoria a respectiva taxa, comunico que faça a cobrança.384

Da mesma forma, oficiais do exército que conduziam cargas – nacionais ou

particulares – a Mato Grosso negavam-se ao pagamento do imposto sob o pretexto de se

tratarem de cargas nacionais. Tentava-se controlar a situação por meio de um emaranhado

de ordens expedidas diariamente:

[...] informado de que oficiais do Exército encarregados da condução de objetos nacionais com destino a Mato Grosso e outros condutores, tem se negado a pagar os direitos pelos animais empregados na condução dos mesmos objetos sob o frívolo pretexto de que são cargas nacionais, declara que em vista do disposto na Lei, só estão isentos os animais do correio e de montada. E porque só serão pagos pelos Cofres Gerais somente os direitos sujeitos dos volumes e objetos nacionais que transitarem pelos portos e recebedorias dessa província, torna-se indispensável que o mesmo Sr. Administrador, a proporção que passarem por aí tais condutores, envie à essa repartição a conta detalhada desses direitos, sendo essa acompanhada da cópia da portaria que pelo respectivo Ministério tiver sido expedida isentando do pagamento dos mencionados direitos.385

384 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449, p. 37, ofício 78. 385 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449, p. 73, ofício 204. Foram expedidas copias idênticas às recebedorias de Rio Grande, Santa Rita do Paranaíba, Mão de Pau, Bahus e Santo Antonio do Rio Verde.

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A documentação aponta para as tropas “de coronéis” que, conduzindo cargas

nacionais trazidas do Rio de Janeiro, também recusavam o imposto.386 Alguns chegaram

inclusive a ordenar aos agentes fiscais que comunicassem à Fazenda o número dos animais

empregados na condução dos objetos, assim como a taxa relativa a esses animais.387

Mesmo os casos de isenção a tropeiros conduzindo cargas nacionais a Mato Grosso

causavam confusões nos portos goianos. Isso se dava porque, ao voltarem com suas tropas

carregadas, recusavam-se ao pagamento do imposto. Logicamente os agentes fiscais não

aceitavam, pois no regresso os tropeiros não gozavam da isenção.388

Todavia, a guerra alterou não somente a rotina dos portos com os conflitos

cotidianos entre tropeiros, boiadeiros e coletores. O governo provincial, ciente de que as

forças de São Paulo e Minas tinham de transitar por território goiano, reconheceu a

necessidade de provê-las de recursos alimentícios “quer durante sua passagem pelos sertões

dessa província, quer enquanto se conservassem no território matto-grossense”.389

O governo enviou, junto com batalhão goiano que seguiu da capital para se juntar às

forças em Mato Grosso, boiadas e “diferentes tropas compostas de mais de 300 animais

carregados de gêneros alimentícios.” O esquadrão também fora acompanhado de uma

boiada e por tropas com mais de 190 animais.390Necessitando de tropas para a condução

dos víveres até Mato Grosso, o governo expediu ordens aos portos de Mão de Pau, Santa

Rita, Lagoa Feia, Rio Verde, Rio Grande, e Bahus, visando informar a todos os tropeiros

que por ali transitassem “que o presidente da província fretava todas as tropas que se

apresentassem na capital a fim de conduzirem víveres para as forças expedicionárias em

Mato Grosso”.391

Pelo relato do presidente Augusto França fica-se inteirado de que as províncias de

São Paulo e Minas, “sem dúvida por justos e graves motivos”, não mandaram gêneros

alimentícios em quantidade bastante para suprimento das respectivas forças. Assim recaiu

386 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449, p. 69, ofício 193. 387 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449, p. 70, ofício 194. 388 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449, p. 92, ofício 54. 389 Relatório do Presidente da Província de Goiás, Augusto França Memórias Goianas, v. 10, p.86). Por ordem do governo imperial, deveria ser instalado nas Aboboras, Santa Rita do Paranaíba e no porto dos Bahus, depósitos de viveres para suprimento das forças quando passassem. No entanto, as forças mudaram de percurso e o governo teve de instalar novos depósitos em Santa Rita, Pereirinha, Rio Claro e Rio Grande. 390Relatório do Presidente da Província de Goiás, Augusto França. Memórias Goianas, v. 10, p. 87. 391 AHG – Documentação manuscrita, datilografada e impressa, Livro n° 449, p. 95.

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“quase que exclusivamente sobre Goyaz” o encargo de prover as numerosas forças

existentes ao Sul de Mato Grosso. Das cidades de Vila Boa, Bonfim, Catalão, porto dos

Bahus, distritos do Rio Claro, Verde e Bonito seguiam interruptamente animais e carros

transportando víveres. O governo de Goiás procurava suprir tanto as forças goianas quanto

as mineiras e paulistas estacionadas em Mato Grosso e justifica que, se essas forças se

viam, “vez ou outra”, em situação precária, “era porque a província de Goyáz se tem

achado quase só no trabalho de fornecimento de víveres”392

A responsabilidade de não deixar perecer “a mingoa” milhares de brasileiros que

marcharam para a guerra, causou enorme pressão na província. Pressão agravada na medida

em que as forças de São Paulo, Minas e Goiás iam “internando-se pelo distrito de Miranda

em Matto Grosso, alongando a mais e mais o grande e inculto deserto que se interpunha

entre ellas e os lugares donde eram conduzidos os meios de sua subsistência”. Tal situação

obrigou o governo a conservar durante muito tempo, grande número de agentes

encarregados de fazer compras e remessas. Alguns portos, onde havia abundância de

pastos, funcionaram como depósitos para gado.

As circunstâncias geraram um quadro provincial onde

[...] os lavradores tinham dilatado as suas plantações; muitos especuladores transportavam gêneros para vendê-los por sua conta, ou no depósito ou no acampamento; Destarte se havia estabelecido, por assim dizer, uma corrente regular de fornecimentos para aquelles lugares [...].393

Assim, os agentes compradores foram dispensados. A forma como estava se dando

o fornecimento de víveres e a dificuldade de fiscalização sobre tantos agentes levou o

governo a concentrar nos depósitos todas as operações necessárias para efetuar a aquisição

e remessa dos víveres para o acampamento militar, pois acreditava-se que assim haveria

preços menores, visto ter diminuído a concorrência dos compradores, maior regularidade

nos transportes e maior possibilidade de fiscalização dos dinheiros públicos.

Épocas havia em que os depósitos estavam abarrotados de víveres e que em

determinados lugares estavam se acumulando gêneros por falta de meios de transporte.

Como medida, o governo paralisava provisoriamente as compras. Logo que tropeiros e

392 Relatório do Presidente da Província de Goiás, Augusto França. Memórias Goianas, Volume 10, p. 90. 393 Relatório do Presidente da Província de Goiás, Augusto França. Memórias Goianas, v.10, p. 118

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carreiros “ajustavam” com os chefes dos depósitos, os gêneros voltavam a ser

transportados.

Em Mato Grosso a peste havia exterminado grande número de animais de carga.

Como em Goiás não havia bestas para reposição, o presidente solicitou ao governo de

Minas e São Paulo, a remessa de 300 animais, os quais, ao chegarem a Goiás foram levados

a Mato Grosso por tropeiros contratados.

Dentre os agentes, diversos ainda deviam prestar contas sobre os dinheiros a eles

adiantados para a compra e remessa de víveres com destino a Mato Grosso. Estando vazios

os cofres provinciais, determinou-se a tomada de empréstimos mediante juro legal. Além

disso, para fazer frente às despesas com o pagamento de fretes a tropeiros e carreiros, o

governo solicitou o envio de dinheiro junto ao Tesouro Nacional.

Como anteriormente foi dito, os anos de guerra tumultuaram ainda mais a

conflituosa relação entre os coletores, boiadeiros e tropeiros. Apesar das medidas adotadas

e da maior “rigidez” do governo provincial na fiscalização e arrecadação das rendas, a

necessidade de abastecer as forças de guerra em Mato Grosso levou o governo a centrar

seus esforços no abastecimento. O “zelo” dispensado à fiscalização e arrecadação das

rendas foi mantido; segundo o governo, as repartições arrecadadoras funcionavam

regularmente, mesmo tendo à frente “péssimos” coletores. No entanto, a retirada dos

destacamentos que auxiliavam na fiscalização das recebedorias, trouxe sérias dificuldades à

arrecadação. Tropas e boiadas passavam clandestinamente pelos portos e por vezes na

presença dos agentes fiscais que nada podiam fazer.

O governo atribuía a situação à falta de forças para guarnecer as fronteiras da

província.Tratava-se de uma grande extensão inteiramente desguarnecida e dando franca

saída de gado por qualquer parte, causando gravíssimos prejuízos aos cofres públicos por

ser esse um dos melhores ramos da receita provincial.

A ousadia dos extraviadores é tal, que muitas vezes fazem passar em presença dos recebedores grande porção de gado e outros gêneros sujeitos a direitos, sem os pagar contando com a falta de forças nas recebedorias, e apoiados nas de seus capangas, que em tais ocasiões sempre levam consigo, em grande numero e bem armados.394

394 Relatório do Presidente da Província de Goiás, João Bonifácio Gomes de Siqueira (Memórias Goianas, v. 10, p. 60).

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Além da falta de guarnição, muitas agências não estavam providas de coletor, por

não haver nas localidades pessoas que aceitassem a nomeação. Em algumas não havia

pessoal habilitado; em outras “é forçoso confessar, negam-se aceitar esse encargo, afim de

não pagarem os impostos a que estão obrigados.”395O governo reclamava da falta de

interesse e indiferentismo “a respeito d’este, e de outros ramos do serviço público”.

Todavia, além de todos esses fatores, havia as enormes distâncias que impediam uma ação

mais efetiva e de inspeção sobre os agentes fiscais.

A falta de força de linha e a deficiência dos cofres provinciais para arcar com as

despesas de guardas nacionais impediram que o governo enviasse o destacamento

solicitado pelo administrador da Mesa de Rendas do Norte. No fim da década de sessenta

havia 28 coletorias e 15 recebedorias 396 na província, sendo que muitas não estavam

preenchidas por indivíduos habilitados. Coletorias foram suprimidas e o governo julgou

mais vantajoso criar, nesses lugares, “prepostos” dos coletores para fiscalizar o pagamento

dos impostos.397

Uma ação de contrabando foi aberta contra o “provisor” de Paracatu, Miguel

Arcanjo Torres, responsável por uma dívida de mais de 15 contos de réis em direitos não

pagos. No entanto, o Supremo Tribunal de Justiça havia julgado em parte nula a ação de

contrabando. Por falta de testemunhas e de pessoas que quisessem se encarregar da ação na

vila de Formosa da Imperatriz, a ação contra o contrabandista Arcanjo foi paralisada.398

Todavia, para o governo, ainda mais prejudicial que a ação de seus agentes coletores

e contrabandistas – tropeiros-boiadeiros – foi o golpe desferido pelo chefe maior da

Fazenda goiana, ocasionando um rombo nessa repartição que ficou conhecido como a

“grande crise”. Em 1867, Antonio Honório Ferreira foi nomeado para o cargo de inspetor

da Tesouraria da Fazenda. Durante os dois anos seguintes, relatou a situação da Tesouraria

como estável, apesar da falta de recursos humanos que adequadamente suprissem as

coletorias e recebedorias provinciais. Nessa época deu-se a retirada dos destacamentos dos 395 Relatório do diretor geral das Rendas Provinciais (Memórias Goianas, v. 10, p. 30). 396 Das 15 recebedorias, seis situavam-se no Norte: Boa Vista, Porto Imperial, Duro, São Domingos e Posse. Nove estavam sediadas no sul: Lagoa Feia, na vila de Formosa, a do Rio Grande, na estrada do Cuiabá, as de Rio Verde, Mão de Pau, Barreiros, Santa Rita, Cachoeira Dourada e Custódio Lemos no Rio Paranaíba. Relatório do Presidente da Província de Goiás, Antero Lemos de Assis (Memórias Goianas, v. 11, p. 96). 397 Relatório do Presidente da Província de Goiás, Ernesto A. Pereira (Memórias Goianas, v.10, p. 233). 398 Relatório do Presidente da Província de Goiás, João Bonifácio Gomes de Siqueira (Memórias Goianas, v. 10, p. 60).

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portos. Em 1870 tem-se registro de diminuição do rendimento das rendas públicas em

decorrência da falta de guarnição para obstar o contrabando.399 Vinte das 28 coletorias

estavam providas. Nessas a arrecadação era diminuta. 400 Neste ano descobriu-se o

desfalque perpetrado pelo inspetor de rendas Antonio Honório. Todos os relatos por ele

apresentados ao governo eram falsos, e a situação da Fazenda provincial calamitosa. A

falsificação na escrituração dos balanços e a supressão de documentos foram os meios

usados pelo inspetor para encobrir as irregularidades que cometera. Descoberto o desfalque,

o inspetor fugiu de Vila Boa.

O governo informou ao governo imperial para que encontrasse Ferreira e descobrisse

sobre os cúmplices que o auxiliaram e a quem “ indubitavelmente tocou parte das quantias

extraviadas”.401Os valores extraviados ultrapassaram a cifra de 50 contos de réis.

Para o lugar de inspetor foi nomeado o 3° Escriturário do Tesouro Nacional, que

entrou em exercício logo que chegou à província. Para o cargo maior da Fazenda,

diferentemente dos anos anteriores, quando eram nomeados integrantes da elite política

regional, o governo optou pela nomeação de um membro de fora da província.

Finda a guerra e a “tremenda crise” pela qual passarra a Fazenda provincial, os

relatos presidenciais registraram a melhora na fiscalização das rendas e o aumento de

alguns impostos. De todas as províncias, Goiás era a de menor renda, no entanto, a de

menor dívida. No início da década de setenta, superada a grande crise da Fazenda, não se

registravam déficits orçamentários e os compromissos estavam em dia.402

Pelos relatos presidenciais sabe-se que o sistema de fiscalização de rendas manteve-

se através de coletorias e recebedorias, oscilando, anualmente, o número dessas agências. A

Tesouraria registrou o melhor resultado dos últimos anos, fato creditado à melhor direção e

escrituração das rendas e não ao incremento da indústria e do comércio.

399 A retirada do destacamento relacionava-se com a insuficiência da força de linha e com a deficiência dos cofres provinciais para fazer face às despesas com Guardas Nacionais destacados. 400 A diminuição da arrecadação foi atribuída ao pouco interesse dos coletores. Por ser diminuta a renda que obtinham com a fiscalização das rendas, estavam obrigados a empregarem-se em outras atividades, deixando as coletorias em total abandono. 401 Relatório do Presidente da Província de Goiás, Ernesto A. Pereira (Memórias Goianas, v. 11, p. 36). 402Relatório do Presidente da Província de Goiás, Antero Cícero de Assis (Memórias Goianas, v. 11, p. 208). No fim dessa década a situação era completamente inversa: rendas em contínuo decréscimo levaram Goiás à condição de província com menor arrecadação e com número de empregados superior a Amazonas, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Santa Catarina e Mato Grosso. Relatório do Presidente da Província de Goiás, Antero Cícero de Assis (Memórias Goianas, v. 12, p. 283).

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Nova lei expedida para a regulamentação do imposto sobre o gado estabeleceu o

imposto de $200 réis cobrado sobre o gado vacum e cavalar. O relato de Antero Cícero de

Assis esclarece que pela nova lei determinou-se que os coletores deveriam passar “guias”

aos exportadores de gado, recebendo suas comissões a partir das guias expedidas. As novas

mediadas não solucionaram o problema do contrabando, visto que

[...] os negociantes de gado ou despresavão tais guias, ou se as procuravão, nunca declaravão o numero exato de rezes que pretendião exportar. [...] houve boiada para a qual passaram-se três guias, como aconteceu com certo negociante que tirando uma boiada em São Domingos e vendendo-a na Posse,deixou-se ficar com a guia que havia recebido naquele primeiro ponto, recebendo o comprador nova guia no segundo; operação esta que parece ter se reproduzido na vila de Formosa.403

Como o recebimento das comissões dos coletores era proporcional às guias

expedidas, era de interesse deles expedirem o maior número possível de guias. Como

resultado do novo imposto sobre o gado, registrou-se aumento nos rendimentos das

agencias fiscais, porém

[...] tal aumento tornou-se quase negativo, visto que os respectivos coletores o absorvem quase todo quando se lhes pagão as comissões a que teem direito pelas guias que passão aos exportadores de gado vacum comprado em seus municípios.404

As recebedorias do Sul obtiveram melhores resultados na arrecadação. Para isso

concorreram as obras construídas nos portos, tais como ranchos, currais, cercados, pontes,

barcas etc. Ali se deu grande afluência de compradores e exportadores de gado. Quanto às

do Norte, houve decréscimo nas rendas. A escassez de compradores de gado no Norte fez

com que a exportação para a Bahia cessasse quase inteiramente.

Apesar do relativo aumento das rendas, como balanço final dos anos pós-guerra do

Paraguai e crise na Fazenda, o que se registrou foi

[...] uma triste verdade [...] attestada por todos quantos tem estado em contacto íntimo com os negócios públicos desta província, e nunca será demais repeti-la, que o imposto sobre a exportação tem sido de há muitos

403 Relatório do Presidente da Província de Goiás, Antero Cícero de Assis (Memórias Goianas, v. 12, p. 131). 404 Relatório do Presidente da Província de Goiás, Antero Cícero de Assis (Memórias Goianas, v. 12, p. 181).

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annos escandalosamente defraudado, quer pelos agentes arrecadadores, quer pelos exportadores, ou evitando a passagem nas recebedorias, fazendo comércio de contrabando, ou de acordo com os mesmos agentes ou os obrigando com a força, a receberem o que querem dar, ou finalmente fazendo-se uma escrituração fraudulenta. E, se o recebedor, por fraqueza, entra em criminoso acordo com o exportador, este, de posse do documento comprobatório do crime, abuse de sua posição e só paga imposto quando o quer e como lhe apraz. 405

Diante do exposto, vê-se que as tentativas de obstar a prática do contrabando foram

infrutíferas. O conluio entre tropeiros, boiadeiros e coletores conseguiu impedir que as

rendas provinciais prosperassem. A impunidade foi outro fator determinante para a situação

vigente na Província.

405 Relatório do Presidente da Província de Goiás, Joaquim de Almeida Leite de Moraes (Memórias Goianas,

v. 13, p. 258).

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CONCLUSÃO

A pesquisa que ora se encerra tem uma história. A princípio fui levada tanto pelo

meu objeto de interesse − os tropeiros − quanto pela ausência de estudos sobre o tema, em

Goiás. Encontrei apenas o registro de uma dissertação na Universidade Federal de Goiás,

em que se utilizaram, sobretudo, fontes secundárias. O desafio de entender o mundo dos

tropeiros tornou-se uma aventura, ao encontrar informações e análises sobre as tropas que

ultrapassam as fronteiras regionais e nacionais. O trabalho exigia leituras que muitas vezes

não foram incorporadas ao texto final desta dissertação. Corri o risco de perder-me nas

malhas de uma historiografia sobre tropeirismo, que deixou pouquíssimos rastros em Goiás.

Restaram-me como bússola as coletorias e recebedorias para a indicação do paradeiro das

tropas. Os caminhos eram, porém, complicados, pois se tornava necessário entender a

estrutura e as práticas fiscais em Goiás no século XIX. Para cumprir tal intento era

imperativo acompanhar a montagem do sistema desde a colônia, o que exigiu a síntese de

um grande número de informações e estruturas superpostas.

Finalmente, quando o tema era contrabando, surgiram pistas reveladoras da

passagem das tropas por Goiás. Nessa prática, permeada por tensões, fraudes e

negociações, encontrei, além de uma das chaves para pensar o século XIX em Goiás, a

possibilidade de compreensão de questões que nortearam esta pesquisa: a passagem das

tropas e boiadas pelas fronteiras provinciais deu-se, em grande medida, por vias ilegais; as

políticas tributárias difundidas, principalmente com a implantação do sistema de coletorias

do século XIX, estavam diretamente relacionadas com o processo de ordenação político-

administrativa da região e, consequentemente, com o estabelecimento do sistema de poder

do Estado. Assim, o contrabando – institucionalizado em toda a nação – e o extravio do boi,

discutido aqui especificamente na região goiana, são a contraface desse movimento.

A resistência ao pagamento das taxas de exportação e a disseminação da prática do

contrabando são demonstrativos da ineficiência do poder central em se impor em regiões

periféricas. Os interesses locais, gradualmente, ajustavam o ímpeto fiscal das autoridades

da Corte, aos seus próprios moldes, pois a ordenação envolvia interesses privados,

alimentados por fraudes e contravenções, que envolvia a todos.

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Na teia que envolve o contrabando em Goiás no século XIX, pude identificar a

participação de distintos segmentos sociais: os bem nascidos, as elites políticas, os

elementos do clero, os criadores de gado, os tropeiros, os boiadeiros, os coletores de

impostos, os moradores das margens próximas aos portos de passagem, os ladrões de gado

etc. O frequente envolvimento dos membros de todos esses setores sociais, lança luz sobre

a ordenação político-tributária implantada na região. Débil que punia menos do que

prometia, voltada que estava para a acomodação de poderes privados locais, pautados na

concessão de privilégios a particulares e no jogo de “proteção negociada” estabelecido

entre elites políticas, potentados locais, agentes fiscais, magistrados e dirigentes da Fazenda

Pública.

É possível ver, no sistema de arrecadação e fiscalização das rendas públicas através

das coletorias provinciais, a complexa tarefa de criação de uma esfera de diferenciação

entre interesses públicos e privados, questão que envolvia a sobrevivência política do

projeto monárquico fluminense que se impôs às demais regiões em 1822.

Em resposta às ações centralizadoras de D. Pedro I, que resultaram no gesto da

abdicação, a Regência instaurou, junto com a reforma político-administrativa, um novo

sistema em que as elites provinciais foram dotadas de competência tributária. A

substituição dos Conselhos Gerais de Província pelas Assembleias Provinciais permitiu às

elites regionais colocarem-se à frente dos negócios e da política de suas respectivas

províncias. Além disso, o fato de o Estado não dispor de recursos humanos e

administrativos que lhe permitissem abranger e “impor sua hegemonia” sobre um território

vasto, distinto e com grandes dificuldades de transporte e comunicação levou os governos

locais, agora dotados de maior grau de autonomia e competência tributária a organizarem

um aparato administrativo local que poderia e deveria servir como braço do Estado na

região. Segundo Dolhnikoff (2005, p. XX), tratava-se de “uma condição sine qua non para

a construção de um Estado Nacional viável.” Todavia, a construção do novo Estado e as

reformas regenciais deveriam ser implantadas dentro da ordem, de forma que garantissem a

unidade territorial, a manutenção do escravismo e a acomodação das elites locais, que

cooptadas pelo poder central, desde que passaram a partilhar os monopólios da tributação,

da legislação, da coerção e da “liberdade”, puderam exercer o controle institucional sobre

suas respectivas províncias, aderindo ao Estado Nacional que se sediava no Rio de Janeiro.

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Foi em meio a essa reordenação proposta pela Regência e à reacomodação dos poderes

locais junto ao centro que se instituiu o sistema de arrecadação e fiscalização das rendas

públicas através das coletorias.

Em Goiás, esse processo foi visível com a cooptação das elites políticas do Sul, que

viram suas principais lideranças nomeadas para os postos maiores da Tesouraria Provincial

ou eleitas para os quadros da Assembleia Provincial. A nova política tributária, se não havia

obstado o contrabando, conseguira implantar certo controle sobre as fronteiras meridionais.

O Norte, pelo que aponta a documentação, permanecera indomável, distante e alijado do

centro decisório do poder – e, consequentemente, com um grau de desordenação tributária

bem maior que o do Sul. A não cooptação dos poderes locais do Norte levou-os a não

participarem da ordenação proposta pelo Sul. Ali, o contrabando grassava por fronteiras

abertas; quando eram guarnecidas, mostravam-se desleixadas, ineficientes, ou

desinteressadas em fazer cessar a marcha das boiadas pelas vias da ilegalidade. A grande

quantidade de ofícios expedidos pela Fazenda Pública de Goiás às agências fiscais do

Norte, alertando insistentemente sobre o contrabando do boi, corrobora com essa

argumentação.

A tributação, através do sistema de coletorias e recebedorias provinciais, foi uma

tentativa do poder central em melhorar a arrecadação das rendas públicas do Império, o que

em Goiás significava, sobretudo, melhora na arrecadação do imposto de exportação do boi.

A reforma buscava a simplificação das formas e a harmonia de todas as partes do sistema, a

fim de que o Tesouro não se visse na necessidade de confiar em pessoas que não fossem de

sua escolha. Para Pereira de Vasconcelos, a mola mestra do sistema era a escolha dos

coletores. Para tanto, recomendava ao presidente da província goiana “o mais desvelado

empenho neste assunto”.

Os coletores deveriam possuir conhecimentos e práticas de contabilidade,

reconhecida atividade, e “algum gênero de estabelecimento ou de fortuna”, além de

comprovada probidade. Todavia, foram mantidos diretamente subordinados à Tesouraria

Provincial e, consequentemente, vinculados às elites políticas locais que estavam à frente

desse órgão. A escolha dos coletores, que por ordem do centro, deveria satisfazer à

nomeação dos presidentes de província, fora delegada, pela Assembleia Provincial de

Goiás, à própria Assembleia Provincial, ou à administração da Fazenda Pública ou mesmo

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a ex-coletores. Nas queixas dos presidentes da província goiana quanto à alteração da lei

que legislava sobre a escolha dos agentes fiscais, evidencia-se a rede que envolvia poderes

políticos locais, tributação e magistrados.

Em Goiás, que dispunha de uma elite eminentemente agrária, percebe-se o

abarcamento desse setor no processo de produção e circulação do boi. Ao trazerem para si a

prerrogativa de nomeação dos coletores de impostos, lançam luz sobre a rede de

solidariedades envolvendo diferentes estratos da sociedade: de grandes produtores a ladrões

de gado, passando pelo clero, magistrados e moradores dos portos de escoamento de boi; de

coletores a tropeiros e boiadeiros, passando por dirigentes da Fazenda Pública. Essa rede

foi um dos principais fatores, senão o principal, para o insucesso, em Goiás, do sistema

sonhado por Pereira de Vasconcelos. Além disso, convém lembrar a escassez de homens

que entendiam do mecanismo de cobrança e escrituração via partidas dobradas, as enormes

distâncias que isolavam os postos de cobrança da capital Vila Boa e os exauridos cofres da

Fazenda Pública, que quase nunca dispunham de recursos que bancassem a manutenção de

guarnições de soldados junto aos agentes fiscais espalhados pela província.

A Fazenda Pública, ciente do contrabando − que fazia com que as boiadas

deixassem as fronteiras provinciais sem serem tributadas −, informava tudo à Coroa através

dos ofícios e relatos presidenciais. A timidez nas respostas e as medidas efetivamente não

adotadas pelo poder central evidenciam que o fato não se deveu ao desinteresse ou à falta

de zelo, mas, antes, à necessidade de acordo e acomodação das elites locais e membros da

Fazenda Pública goiana. Essa procedimento era claramente evidenciado por ocasião de

mudança na forma de cobrança dos dízimos provinciais em abril de 1821. Em troca de sua

complacência, a Coroa agregava “parceiros” no processo de manutenção da ordem social

local.

Ao trabalhar com as fontes fazendárias goianas do século XIX, identifiquei, nas

alterações tributárias – das coletorias e recebedorias – ocorridas durante a Regência e no

incessante contrabando e extravio praticado por tropeiros e boiadeiros, as duas faces de

uma mesma moeda − a cara e coroa do poder do Estado e sua lenta e gradual estratégia para

se impor como poder institucionalizado.

Nas ações de contrabandistas, tropeiros, boiadeiros e coletores foi possível

visualizar como se deu, através das políticas implantadas e da resistência a elas

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manifestada, o estabelecimento do poder metropolitano e sua reprodução no Império, na

medida em que se consolidava a base para a ordenação do Estado Nacional.

A política tributária implantada no Império consistiu em uma ordenação pactuada:

na impossibilidade de fiscalizar as atividades de região tão longínqua, fazia-se necessário

delegar tal atribuição às autoridades locais. Constata-se então o paradoxo: a organização de

uma crescente malha de coletorias e recebedorias, só justificada em decorrência de um

significativo movimento de boiadas pela região, em muito pouco contribuiu para promover

a melhoria no sistema de arrecadação das rendas da Província. Atendia-se aos apelos de

ordenação institucional, sem o cumprimento dos objetivos fiscais, nem a aplicação da

justiça aos que descaradamente desobedeciam à legislação. O pacto reside justamente no

cumprimento formal de práticas sabidamente ineficazes, protegendo, assim, os que

auferiam vantagens com o contrabando, numa rede de interesses que abarcava não somente

elementos da elite local, mas também diversos segmentos sociais.

Em uma região estrategicamente centralizada e paradoxalmente “isolada” do centro

decisório e consumidor, o boi constituía-se na mercadoria que, “pelos seus pés”, buscava a

moeda para província. Porém, as moedas jamais entravam na proporção em que as boiadas

saíam. Apesar de tratar-se do mais significativo ramo de receita provincial, os valores

arrecadados com a exportação do boi não correspondiam sequer a cinquenta por cento do

que era efetivamente exportado.

Quer fosse pelas ações de ladrões que entravam pelos campos e livremente

conduziam o gado para outras propriedades e de lá para fora da província, quer fosse

através dos charqueadores que roubavam o gado para matar, ou de tropeiros e boiadeiros

que contrabandeavam o boi, eram estratégias de roubo, por vezes denunciadas e nunca

obstadas. Afinal quando tratavam-se de ladrões, estes sabiam-se protegidos por homens

“bem nascidos”, que intercediam por eles, declarando, inclusive, laços familiares. Por sua

vez, os tropeiros e boiadeiros afrontavam os agentes fiscais estabelecidos nos portos,

quando não “ajustavam” com eles a passagem de suas boiadas. Diante desse quadro, a

justiça, sempre clamada, nunca fora alcançada. Esteve, ela também, através de seus

representantes, envolvida no contrabando de bois e mercadorias.

O imposto de exportação do boi era também rejeitado pelos grandes produtores e

criadores de gado, tidos como os que empregavam os maiores esforços para se eximirem do

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pagamento das taxas e fraudarem os interesses provinciais. Para isso, contavam com a

“proteção negociada” de coletores e administradores de recebedorias. Todavia, esses

agentes fiscais, ao serem denunciados por negligência ou protecionismos, não eram

penalizados judicialmente, pois, como os processos corriam em suas localidades, a Fazenda

Pública não conseguia sequer dar prosseguimento a eles.

A discussão na Assembleia Provincial e sobre o processo de nomeação dos

coletores é um indicativo de que as elites políticas reservavam para si a prerrogativa de

nomeação dos agentes fiscais. Com isso possibilitavam o patronato, prática exercida pelos

indivíduos mais poderosos junto aos coletores para se escusarem do pagamento dos

impostos. Além, é claro, de possibilitar aos coronéis municipais a nomeação de agentes que

agiam de acordo com seus interesses particulares, transformando coletores de impostos em

máquinas eleitorais.

Ao reclamar, junto à Assembleia Provincial, a promulgação de uma lei definitiva

que delegasse aos presidentes de província a prerrogativa de nomeação dos agentes fiscais,

o governo acreditava que impediria os “arranjos locais” entre coletores e grandes criadores

de boi. Todavia, esbarrava em um problema ainda maior: a resistência e negativa dos

nomeados em aceitarem as nomeações. Segundo a documentação analisada e os relatos

presidenciais, a recusa se dava por diversos motivos: pelo medo de que, ao cobrarem

devidamente os impostos em suas regiões, fossem alvo de ameaças; pela dificuldade de

efetuar essas cobranças em regiões que sofriam de escassez de numerário; pelos baixos

lucros obtidos com as comissões estabelecidas para a cobrança dos impostos; e pela

tentativa de evitar que qualquer agente fiscal se estabelecesse em algumas localidades para

tributá-las. Todas essas justificativas estão diretamente relacionadas com a dificuldade do

poder central em ordenar a região e de ali estabelecer maior controle. Urgia um controle

exponenciado pelo estabelecimento de um sistema de fiscalização e arrecadação de rendas

efetivo, que não só fizesse com que as fronteiras territoriais da província fossem

respeitadas, mas também que impusesse uma maior ordenação na região pelas vias da

tributação.

A pesquisa sobre a passagem das boiadas pelas coletorias goianas evidencia a

permanente preocupação com os desvios e fraudes que afetavam os cofres públicos. Tal

perspectiva contrapõe-se, em parte, à propagada tese da pobreza e da escassez de numerário

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como fundamento para a compreensão da economia goiana no século XIX. Por um lado,

não se podem negar o refluxo dessa economia e a consequente escassez de ouro e

numerário a partir do final do século XVIII, entretanto o gado passou a ocupar papel de

destaque na região a partir das primeiras décadas do século XIX. O discurso de decadência

não permite vislumbrar a dimensão de continuidade dos negócios que organizavam a rotina

econômica da região. Cria-se com isso um fosso entre o apogeu do ouro e o advento da

pecuária, como se as transações comerciais efetuadas na província goiana durante esse

período tivessem retornado ao estado de economia natural baseada no escambo. Se assim

fosse, como entender a instalação de um número cada vez maior de coletorias por toda a

província de Goiás? A documentação fazendária aponta para o fato de que, por mais que

tenha havido, de fato, uma economia com escassez de moedas, esta possuía certo destaque

a ponto de exigir controle por parte do Estado. O esforço em acompanhar o fluxo da

pecuária em Goiás no século XIX repõe os atores sociais como condutores da nova ordem

econômica que se definia por meio do domínio das famílias tradicionais, que, desde a

Independência, partilhavam da tarefa de ordenar a província com base em seus próprios

interesses.

O estabelecimento de um número cada vez maior de coletorias e recebedorias

provinciais revela a tentativa de o Estado controlar o movimento e circulação do boi. Por

mais que não estabelecesse um movimento de fluxos contínuos e de grande visibilidade, era

relevante o suficiente para justificar a instalação de um número crescente de agencias

fiscalizadoras. Os ofícios cotidianamente expedidos pela Fazenda Provincial mostram que,

por maior que tenha sido a debilidade do sistema de tributação implantado, as décadas de

cinquenta e sessenta do século XIX alcançaram certo grau de “controle” sobre a

fiscalização e arrecadação das rendas públicas. O aumento da receita provincial, o maior

número de ofícios expedidos às agências fiscais da província, principalmente às coletorias e

recebedorias do Norte, deixam claro que a Fazenda fazia-se mais presente junto aos postos

de arrecadação fiscal. Todavia, a Guerra do Paraguai trouxe a desarticulação quase que

total desse sistema de fiscalização e controle do contrabando do boi. A “grande crise” da

Fazenda Pública, advinda com o desfalque promovido por seu dirigente maior, evidencia o

envolvimento criminoso de membros da elite local no sistema de cobrança das rendas

provinciais, bem como o alto grau de desordenação da ordem local, fato já indicativo dos

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anos finais da Monarquia. A reordenação do sistema de cobrança de impostos na província

goiana fora legada à República. Uma vez mais com direito a tensões, conflitos entre elites

políticas distintas, contrabando do boi, tropeiros, boiadeiros, coletores, governadores de

Estado e revoluções. Enfim, a República apresenta os mesmos desafios em um tempo que

não se desliga do passado monárquico, como este também não se separa do tempo da

Colônia. Perseguir os rastros do boi no descampado do tempo foi a estratégia utilizada na

história que contei e, quero acreditar, que valeu a pena tê-la contado.

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2001.

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. Centro de Cultura Goiana. Relatórios dos

governos da província de Goiás de 1882-1889 (Memórias Goianas,14). Goiânia: Ed. UCG,

2001.

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. Centro de Cultura Goiana. Relatórios dos

governos da província de Goiás de 1901-1905 (Memórias Goianas,16). Goiânia: Ed. UCG,

2003.

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. Centro de Cultura Goiana. Relatórios dos

governos da província de Goiás de 1906-1917 (Memórias Goianas,17). Goiânia: Ed. UCG,

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VIEIRA, Rogich. In: FRIOLI, Adolfo et al.; Bonadio, Geraldo (Org.). O tropeirismo e a

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Arquivos consultados

AU – Arquivo Ultramarino

AUCG – Arquivo da Universidade Católica de Goiás

AHG – Arquivo Histórico Estadual - GO

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ANEXOS

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ANEXO A – Fazendas Reais ou Provedorias. Capitania Data de criação /instalação/características Provedoria da Fazenda Real da BAHIA

O primeiro provedor foi Pero de Góes em 1536. Em 1549, a capitania foi incorporada à Coroa Real onde instalou-se a provedoria-mor da fazenda. Com isso, a provedoria local ficou limitada às atividades aduaneiras, pelo que passou a se denominar Provedoria da Alfândega da Bahia.

Provedoria da Fazenda Real da COLÔNIA DO SACRAMENTO

Criada pela Portaria de 11 de setembro de 1748. Nunca foi instalada. A única repartição fazendária que existiu na Colônia de Sacramento foi a sua alfândega, criada em 1732 e dirigida por um juiz

Provedoria da Fazenda Real ILHA DE SANTA CATARINA

Criada em 1750, com sede em Desterro, hoje cidade de Florianópolis. Em 1776, a Ilha de Santa Catarina foi ocupada pelos espanhóis, interrompendo os trabalhos da provedoria. Foi extinta em 19 de abril de 1817

Provedoria da Fazenda Real PARAÍBA

Criada provavelmente do fim do século XVI ou dos primeiros anos do século XVII, uma vez que a conquista da região só se consolidou nessa época. O primeiro provedor foi nomeado em 1602. A provedoria, subordinada por muito tempo à de Pernambuco, foi extinta em 11 de abril de 1809.

Provedoria da Fazenda Real VILA BELA DA SANTÍSSIMA TRINDADE DE MATO GROSSO

A Vila Bela teve uma Provedoria Comissária a partir de 1739, quando ainda era um simples arraial de sertanistas e garimpeiros. Em 1771, porém, foi transferida para lá a Provedoria da Fazenda Real da capitania, até então sediada em Cuiabá. Em 1802 foi extinta, fato que não teve cumprimento imediato, pois ainda em 1809 havia provedores em Mato Grosso.

Provedoria da Fazenda Real CUIABÁ

Instalada em 1726.Em 1729 ocorreu nela grave escândalo: o ouro remetido por ela para Portugal foi roubado e substituído por barras de chumbo. O provedor de Cuiabá, Jacinto Barbosa Lopes, foi preso, mas finalmente se esclareceu que o autor do crime fora o provedor dos quintos de São Paulo, o português Sebastião Fernandes do Rego.

Provedoria da Fazenda Real CUMÃ

A Capitania de Cumã, criada em 1627 e extinta em 1754, tinha Provedor da Fazenda Real em 1695, mas não se conhece o seu nome. Nenhum outro documento menciona essa provedoria, que estaria sediada em Alcântara, Maranhão.

Provedoria da Fazenda Real ILHÉUS

Instalada por volta de 1536. Não há documentos sobre ela entre 1567 e 1636, presumivelmente em consequência da queima dos arquivos de Salvador pelos holandeses, em 1624. Incorporada ã Bahia em 1754, a capitania de Ilhéus passou a ser simples comarca em 1762.

Provedoria da Fazenda Real GOIÁS

Provedoria da Fazenda Real de Goiás, com sede na vila do mesmo nome, surgiu em 1736. Mas, existem documentos que mostram a existência de um Provedor da Fazenda Real, Antônio de Araújo Lanhoso, em Goiás, em 1733, e que em 1735 também existia provedor naquelas minas. Há também documentação que comprova a existência de outra provedoria no arraial de Meia Ponte, hoje Pirenópolis, entre 1733 e 1740.Extinta em 1809.

Provedoria da Fazenda Real ITAMARACÁ

Em Itamaracá existiu uma feitoria, desde antes de 1530, mas só há notícias de uma Provedoria da Fazenda Real nessa capitania a partir de 1549. Foi uma das mais ricas provedorias, apesar de ter ficado mais de vinte anos em poder dos holandeses. Foi extinta em 1760.

Provedoria da Fazenda Meia-Ponte, atual Pirenópolis, em Goiás, era um turbulento arraial de

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Real MEIA-PONTE

garimpeiros em 1730. Durante uma série de distúrbios ali ocorridos, o descobridor daquelas minas, Manuel Rodrigues Tomar, arrogou-se o título de Provedor da Fazenda Real, mas logo foi deposto do cargo pelas autoridades de Vila Boa de Goiás. Tomar foi expulso das Minas, mas a Fazenda Real reconheceu a necessidade de se criar uma Provedoria em Meia-Ponte. Essa provedoria é mencionada no período de 1733 a 1740.

Provedoria da Fazenda Real MINAS GERAIS

Embora Cunha Matos faça sua lista de provedores de Minas Gerais remontar a 1717, a verdade é que só em 1720 ela se tornou capitania autônoma. Antes, o que havia eram os provedores das comarcas de Ouro Preto, Rio das Velhas e Rio das Mortes, que, em geral, eram os próprios ouvidores das comarcas. O primeiro Provedor da Fazenda Real de Minas foi nomeado em 1720. A provedoria foi extinta em 1775, mas já havia uma Junta da Real Fazenda instalada desde 1771.

Provedoria da Fazenda Real OURO PRETO

Como as demais comarcas de Minas Gerais, Ouro Preto também teve sua provedoria antes mesmo da elevação de Minas a capitania autônoma. O primeiro provedor-ouvidor nomeado em 1711.

Provedoria da Fazenda Real PERNAMBUCO

Aqui também teria havido uma feitoria, antes de 1530, mas em 1537 já estava instalada a provedoria que teve suas atividades interrompidas durante mais de vinte anos com as guerras holandesas; No entanto, não deixaram de ser nomeados provedores para Pernambuco nesse período.Foi extinta em 1771, quando se instalou uma Junta de Fazenda na capitania.

Provedoria da Fazenda Real PORTO SEGURO

Igualmente às anteriores, Porto Seguro sediou uma feitoria antes de 1530 e, provavelmente, teve a sua provedoria instalada tão logo chegou o donatário Pero de Campos Tourinho, mas o primeiro provedor que se conhece foi nomeado em 1543. A capitania entrou em decadência pouco depois, em razão do isolamento e do ataque de índios hostis. A documentação impressa e os cronistas coloniais só dão notícias dela até a década de 1570; os dois séculos seguintes são mal documentados e pouco conhecidos. O último provedor identificado, foi nomeado em 1672. Há referências a escrivães da "Ouvidoria e Fazenda Real" até 1707.

Provedoria da Fazenda Real SANTO AMARO

Essa provedoria não chegou a ser instalada. Entretanto, em 1550, foi nomeado o Provedor da Fazenda Real de São Vicente, que recebeu ordem de acumular as funções de provedor de Santo Amaro, enquanto ali não houvessem moradores suficientes para justificar a criação da provedoria. Seus sucessores, Antônio Cubas, Brás Cubas e mesmo o filho deste, Pero Cubas, já no século XVII, intitulavam-se "provedores da fazenda das capitanias de São Vicente e Santo Amaro". Em 1624, foi absorvida pela de São Vicente.

Provedoria da Fazenda Real SÃO JOSÉ DO PIAUÍ

Sabe-se da existência de uma provedoria em 1781,sediada em Oeiras, porque em 11 de junho desse ano, essa repartição expediu uma certidão sobre a arrematação dos dízimos.

Provedoria da Fazenda Real SÃO JOSÉ DO RIO NEGRO

A capitania foi criada em 1755, mas a sua Provedoria da Fazenda Real só começou a ser implantada em 1760. Não se sabe quando foi extinta a provedoria. Esteve sediada em Barcelos, mas pode ter sido posteriormente transferida para Manaus.

Provedoria da Fazenda Real SÃO PAULO

Com a extinção da capitania de São Vicente e a criação da "Capitania de São Paulo e Minas de Ouro" em 1709, a Provedoria da Fazenda

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Real de São Vicente converteu-se em "Provedoria de Santos, São Vicente e São Paulo", sendo conhecida como "Provedoria de São Paulo". Foi mantido o mesmo provedor de São Vicente e a sede continuou em Santos. Nem mesmo a extinção da capitania de São Paulo, no período de 1748 a 1765, alterou a denominação da provedoria. Em 1766, restabelecida a capitania de São Paulo, foi determinada a mudança da provedoria para a cidade de São Paulo, ao mesmo tempo em que se criava uma Junta de Fazenda. A provedoria, entretanto, subsistiu até 1775, quando foi extinta.

Provedoria da Fazenda Real SÃO VICENTE

Ignora-se a data da criação e instalação.Sabe-se apenas que o rei de Portugal, por volta de 1535 ou 1540, fez doação do cargo de provedor a seu escrivão particular, Pedro Henriques, que, provavelmente, nunca veio ocupar o ofício. O primeiro provedor em exercício, que se conhece, é Antônio Tinoco, em 1547. A primeira sede da provedoria pode ter sido São Vicente, mas já ao tempo de Brás Cubas, em 1553, ela se localizava em Santos, junto ao porto e à alfândega. Por volta de 1670, era grande a decadência da capitania e da provedoria: Santos não tinha alfândega e nem regimento para ela, apesar de terem sido tomadas providências para lhe outorgar um foral em 1668. Em 1709, a capitania foi incorporada à coroa. A provedoria, embora subsistindo no mesmo local, passou a se denominar Provedoria de São Paulo. O provedor, nessa ocasião, era Timóteo Correia de Góis, cuja família detinha esse cargo desde 1640.

Provedoria da Fazenda Real SERGIPE

Não se sabe quando foi instalada e nem quando foi extinta esta provedoria. Só se conhecem os nomes de dois de seus provedores, por volta de 1662.

Provedoria da Fazenda Real CEARÁ

Criada em 1723, existiu sempre como um apêndice da Ouvidoria, cujos titulares acumulavam o cargo de Provedor da Fazenda. A sede era em Fortaleza. Foi extinta 1799.

Provedoria da Fazenda Real ESPÍRITO SANTO

Não se sabe exatamente quando foi instalada, mas em 1546, o cargo de provedor já estava sendo exercido por um nomeado. Em 1732 o cargo de provedor foi anexado ao de Ouvidor. Extinta em 1809.

Provedoria da Fazenda Real MARANHÃO

Parece ter sido criada em 1615, logo após a expulsão dos franceses de São Luís. A instalação de uma provedoria-mor no Maranhão, em 1624, não importou na extinção da provedoria da capitania. Em 1652, com a divisão do governo-geral, cada uma das provedorias das capitanias do Maranhão e do Pará passaram a ser provedorias-mores, mas em 1655 voltou a existir uma única provedoria-mor para ambas as capitanias. Deve ter sido extinta em 1779.

Provedoria da Fazenda Real PARÁ

Era sediada em Belém. Instalada em 1617 e subordinada ao provedor-mor do Maranhão, passou em 1652 a ser autônoma, reportando-se diretamente a Lisboa, em virtude da divisão do governo-geral do Maranhão. Em 1655 voltou a ser subordinada à Provedoria-Mor do Maranhão. Em 1794, ainda existiam provedores no Pará.

Provedoria da Fazenda Real RIO DAS AMAZONAS

Provavelmente, não passou de um projeto do governo-geral, que, em 1616, designou Manuel de Sousa de Eça "provedor da Fazenda Real do Rio das Amazonas". Naquela ocasião a tropa enviada com Francisco Caldeira Castelo Branco mal conseguiu se apoderar da região de Belém, sem penetrar no grande rio. Manuel de Sousa de Eça acabou ficando como provedor do Pará e, depois, do Maranhão.

Provedoria da Fazenda Sediada em São João del-Rei, criada nos primeiros anos da corrida do

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Real RIO DAS MORTES

ouro, antes mesmo da instalação da comarca do Rio das Mortes, mas, só a partir de 1709, é que surgem referências à provedoria. Em 1711 os ouvidores assumiram oficialmente as provedorias e assim ficou até 1720, quando foram substituídos pelo provedor único, sediado em Ouro Preto.

Provedoria da Fazenda Real RIO DAS VELHAS

Foi a primeira Provedoria da Fazenda Real de Minas Gerais. Em 1701 já existiam funcionários fazendários no Rio das Velhas, mas o primeiro provedor que se conhece foi nomeado 1702. Criadas as comarcas de Minas Gerais, em 1709, os seus ouvidores foram aproveitados a partir de 1711 como provedores da fazenda. Em 1720, com a criação da capitania de Minas Gerais, extinguiram-se os provedores das comarcas, substituídos pelo Provedor de Minas Gerais, sediado em Ouro Preto.

Provedoria da Fazenda Real RIO DE JANEIRO

Instalada em 1566, com a nomeação do provedor feita por Mem de Sá.Durante mais de um século a provedoria foi ocupada por membros de duas famílias, os Sá e os Mariz, que se revezavam na chefia, na medida em que aumentava ou diminuía o poder político de cada grupo. Em 1710 a provedoria, a alfândega, o palácio do governo e outras repartições foram incendiadas pelos franceses de Duclerc. A essa época, a Provedoria da Fazenda e a Alfândega já estavam separadas.Em 1798, uma portaria do Vice-Rei extinguiu ilegalmente a provedoria, mas essa extinção foi revalidada em 1807.

Provedoria da Fazenda Real RIO GRANDE DE SÃO PEDRO DO SUL

Instalada efetivamente em 1750. Em 1763, invadido o Rio Grande do Sul pelos castelhanos, o provedor de Santa Catarina, que ali se encontrava, conseguiu retirar para lugar seguro o arquivo da provedoria. A provedoria transferiu-se nessa ocasião para Rio Pardo, base de operações das tropas portuguesas. Em 1770 a sede da provedoria estava em Viamão. Extinta em de 1802,estava sediada Porto Alegre.

Provedoria da Fazenda Real RIO GRANDE DO NORTE

Criada em 1612,para aliviar a carga de trabalho dos capitães do forte dos Reis Magos, que até então vinham desempenhando atribuições fazendárias. Foi sediada a princípio no próprio forte, transferindo-se depois para a vila de Natal. Com a ocupação pelos holandeses, a Provedoria suspendeu suas atividades. Extinta em 1820.

Fonte: site da Receita Federal. www.receita.fazenda.gov.br

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ANEXO B – As Juntas da Real Fazenda.

Capitanias Data de criação

Junta da Real Fazenda - BAHIA Junta da Real Fazenda - PARAÍBA

Criada em 1770 Instalada em 14 de abril de 1809

Junta da Real Fazenda - ALAGOAS Instalada em 30 de janeiro de 1819 Junta da Real Fazenda - GOIÁS Instituída por Carta Régia de 26 de outubro de 1761,

com funções bastante amplas, inclusive a de tomar as contas dos tesoureiros e recebedores406. Ao contrário das demais juntas, ela coexistiu com a Provedoria da Fazenda Real de Goiás até 1809, quando a provedoria foi abolida.

Junta da Real Fazenda - MINAS GERAIS

Criada em 7 de setembro de 1771,

Junta da Real Fazenda - PERNAMBUCO

Instituída pela Carta Régia de 10 de abril de 1769

Junta da Real Fazenda - SANTA CATARINA

Criada por resolução de 19 de abril de 1817

Junta da Real Fazenda - SÃO PAULO Instalada em São Paulo em 1766 Junta da Real Fazenda - SERGIPE Criada em 1820, em 4 de março de 1821 ainda não se

instalara Junta da Real Fazenda - ARRAIAL do TEJUCO

Criada por alvará de 13 de maio de 1803

Junta da Real Fazenda - CEARÁ Instalada em 1º de outubro de 1799. Junta da Real Fazenda - ESPÍRITO SANTO

Instituída pela carta régia de 29 de maio de 1809

Junta da Real Fazenda - MARANHÃO Carta régia de 30 de dezembro de 1779 Junta da Real Fazenda - MATO GROSSO

Instituída por Ordem Régia de 14 de junho de 1802

Junta da Real Fazenda - PARÁ Criada por Carta Régia de 6 de julho de 1771 Junta da Real Fazenda - PIAUÍ Estabelecida pela Carta Régia de 27 de abril de 1811 Junta da Real Fazenda - RIO DE JANEIRO

Criada pelo alvará de 23 de dezembro de 1773, instalada por determinação de outro alvará, este datado de 3 de janeiro de 1816

Junta da Real Fazenda - RIO GRANDE DO NORTE

Criada por decreto de 3 de fevereiro de 1821

Junta da Real Fazenda - RIO GRANde DO SUL

Instituída pela Carta Régia de 14 de junho de 1802

Junta da R. F. RIO NEGRO Instalada em 1771 Fonte: site da Receita Federal. www.receita.fazenda.gov.br 406 Segundo o site oficial da Receita Federal, a data de instituição da Junta da Real Fazenda de Goiás corresponde a de 26 de outubro de 1761, no entanto, no “Regimento que observão os Governadores e Capitães generaes d Capitania de Goiáz Nottado e acrescentado com um tratado de todas as Ordens Régias que o ampliarão e restringirão Por Dom Francisco de Assis Mascarenhas Governador e Capitão General da mesma Capitania 1806”, o citado governador, em resposta as solicitações reais _de envio de copia do Regimento da Capitania, acrescido das ordens que os tiverem alterado e de reflexões pessoais sobre o assunto disposto em tais ordens_ no parágrafo § 8ª, ao comentar “na parte que diz respeito ao Provedor da Fazenda” cita que pela Carta Régia de 20 de Agosto de 1771 n° 7, foi criada “huma Junta da Fazenda n’esta Capitania”, mesmo ano de criação do órgão em Minas Gerais. Fonte: site da Receita Federal. www.receita.fazenda.gov.br

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ANEXO C – Os Registros. Registros Instalação /características Registro - BANDEIRINHA

Existia em 1738 e pertencia a São Paulo ou Minas Gerais, situando-se não muito longe de Paracatu, no caminho entre São Paulo e Goiás.

Registro - BOA VISTA (I)

- Situado na parte Norte de Goiás, hoje Tocantins, existia em 1812. Parece não haver dúvida de que se trata de um lugar no atual Município de Tocantinópolis

Registro - BOA VISTA (II)

- Registro que havia em 1801, entre a capitania de São Paulo e a vila de Parati. Veja Registro – PARATIBARA

Registro - CACHOEIRA DO AROAIA

- Uma ordem de D. José I ao governador de Mato Grosso, datada de 2 de junho de 1752, determinava a criação de um registro na "cachoeira do Aroaia". Ela fica no rio Madeira e é também chamada Cachoeira da Aroeira, segundo Moreira Pinto. Localizava-se no limite Norte da capitania de Mato Grosso

Registro - CAMPANHA DE TOLEDO .

- Existiu entre 1776 e 1831, pelo menos. Situava-se provavelmente nas proximidades da atual cidade de Toledo, em Minas Gerais. É possível que ficasse na localidade de Guardinha, nesse Município, na divisa com o Estado de São Paulo. É mencionado em 1776, 1813, 1819,1820 e 1831. Visitamos e fotografamos algumas construções nos arredores da ponte da Guardinha, na estrada Pedra Bela-Munhoz, que presumimos serem a sede desse antigo registro.

Registro - CONCEIÇÃO

- Situado ao nor-noroeste da vila de Minas Novas, na margem meridional do rio Jequitinhonha, na capitania de Minas Gerais. É mencionado no início do século XIX. (FONTE: PIZARRO, Memória História do Rio de Janeiro, v. 8, tomo 2, p. 138).

Registro - ENCRUZILHADA

- veja CONTAGEM DAS ABÓBORAS

Registro - FORTALEZA

- Registro existente na capitania de São Paulo, por volta de 1801, colocado na divisa com a capitania do Rio de Janeiro. Sua localização precisa ainda não foi apurada. Possivelmente, ficava no "morro da Fortaleza", no Município paulista de Areas, no vale do Paraíba. Era significativa a passagem de animais por essa registro.

Registro - MALHADA

- Registro situado na divisa entre Minas e Bahia, integrante do sistema mineiro de arrecadação das "entradas". A documentação encontrada refere-se ao período de 16 de julho de 1807 a 1º de junho de 1813. Segundo Burton, que escreveu em 1867, o registro ficava no Pontal da Barra do Rio Carinhanha, na margem direita do rio São Francisco, e para lá fora transferido em 1852. Não conseguimos apurar sua localização anterior, mas não deveria ser muito distante desse local. Ainda hoje existe ali a cidade de Malhada, pertencente ao Estado da Bahia, o que indica que a divisa entre essas unidades da Federação sofreu uma pequena alteração.

Registro - MANTIQUEIRA

- Um dos mais rendosos que integravam o sistema de arrecadação do contrato das entradas da capitania de Minas Gerais. Estava situado na divisa Sul de Minas, a 22 graus e 44 minutos de latitude, entre Pouso Alto-MG e Cachoeira Paulista-SP, ao pé da serra do mesmo nome, do lado mineiro, não longe da garganta do Embaú. Encontramos documentos referentes a esse registro entre 1771 e 1825, mas, seguramente, sua existência foi mais longa. Saint-Hilaire descreveu-o minuciosamente, dizendo que ele se assentava numa das regiões mais belas do mundo

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Registro - ONÇA

- Localizado em Minas Gerais, na localidade ainda hoje denominada Onça de Pitangui, à margem do rio São João. Existe documentação que o menciona no período de 1764 a 1767, quando era administrado pela Fazenda Real. A primeira referência a ele data de 1751

Registro - PASSAGEM DE AGUASSU

- Foi mencionado com essa denominação em 1723. Veja também Registro – AGUASSU

Registro - PASSAGEM DO JEQUITINHONHA

- Localizado a nor-noroeste de Minas Novas, na margem setentrional do rio. A referência a este registro é datada do início do século XIX, mas o Anônimo da RAPM, 1897, que se presume tenha escrito por volta de 1780, também se refere a ele. Havia também conhecido um Registro - QUEQUITINHONHA, grafia estropiada de JEQUITINHONHA. Há vários registros junto a esse rio; poderia ser qualquer uma deles. Mas, segundo Teixeira Coelho e J. J. da Rocha, havia um com esse nome específico. Deve ser o mesmo "Registro - Passagem do Quequitinhonha", situado "ao nor-nordeste da vila" de Minas Novas, na latitude de 16 graus e 21 minutos

Registro - PATRULHA - É o mesmo Registro - VIAMÃO, estabelecido no local onde hoje é a cidade gaúcha de Santo Antônio da Patrulha. É mencionado com esse nome em 1740

Registro - POMBA

- Estabelecido em 1811, como alfândega interna entre as capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro, ainda existia em 1823. Situava-se sobre o rio Pomba, provavelmente nos arredores da atual cidade de Santo Antônio de Pádua

Registro - RIBEIRA DE IGUAPE

- Localizado na capitania de São Paulo, às margens do Rio Ribeira de Iguape, próximo à barra do rio Juquiá, onde hoje se situa a cidade de Registro, que tomou seu nome desse posto fiscal. Na primeira vez em que se tentou estabelecer esse registro, no ano de 1746, o Ouvidor de Paranaguá mandou prender o procurador do contratador responsável, por achar que isso constituía uma violação das leis. Mais tarde, porém, o registro foi instalado, tanto que, em 1768, já se mencionava a "freguesia do Registro". Existe outra referência sobre o Registro - Ribeira de Iguape, datada de 15 de abril de 1785

Registro - SERRA DE SÃO JERÔNIMO

- O bandeirante Antônio Pires de Campos foi nomeado "provedor do Registro -s negros" ao pé da serra de São Jerônimo, por provisão datada de 24 de junho de 1726. Segundo Moreira Pinto, a Serra de São Jerônimo fica em Mato Grosso, a 40 quilômetros a leste de Cuiabá e também é chamada de Chapada ou Serra da Canastra

Registro - ABÓBORAS - veja CONTAGEM DAS ABÓBORAS Registro - BICAS

- Localizado entre São Paulo e Minas, nas proximidades de Itajubá, existia em 1804. Parece que era situado em lugar diverso da atual cidade mineira de Bicas. Ao que tudo indica, o registro ficava no atual Município de Wenceslau Brás, que, outrora, era o povoado de Bicas do Meio. Esse registro não é mencionado na relação do Códice 140-DF-APM, de 1765

Registro - TRAÍRAS

- "O mau comportamento, e ainda pior caráter de Diogo Gouvêa Osório de Castro, tesoureiro do Registro - Traíras..." Essa é a única notícia que temos desse Registro - Goiás; data de 1771.

Registro - AGUASSU

- Localizava-se no sítio onde hoje é a cidade fluminense de Nova Iguaçu. É mencionado em 17 de janeiro de 1721, 13 de outubro de 1723 e 28 de junho de 1729. Em 1722 cogitou-se da sua mudança para o rio Paraibuna.

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Registro - AIURUOCA

- Mencionado em 1776 com a grafia de "Iorooca", situava-se, certamente, nas proximidades da cidade mineira de Aiuruoca. A "Memórias Históricas da Capitania de Minas Gerais", publicada na RAPM, ano II, fascículo 3ª, p. 471, não menciona o Registro - Aiuruoca, mas sim, o "destacamento da picada da Juruoca", encarregado de reprimir o contrabando de ouro para o Rio de Janeiro. Esse destacamento estava localizado ao sul-sudoeste de Aiuruoca, a 22ª e 42' de latitude. O registro também não é mencionado por Teixeira Coelho, em sua famosa "Instrução para o Governo da Capitania de Minas Gerais". Também não é referido na relação de 1765, constante do códice 140-DF-APM

Registro - ALCOBAÇA - Situado no Pará, às margens do rio Tocantins, mencionado no fim do século XVIII

Registro - APIAÍ

- Um expediente de 1785 tem a seguinte ementa: "para o desembargador José Vaz de Carvalho, administrador do contrato das entradas para as minas desta capitania, fazer assistir aos destacamentos dos registros de Apiaí e Iguape, com soldos, pão, etc...".

Registro - ARAÇUAÍ

- Localizado em Minas Gerais, em lugar próximo à moderna cidade de Minas Novas, provavelmente ficava à beira do rio Araçuaí, donde seu nome. É referido em documentos datados do período de 4/2/1765 a 31/12/1767.

Registro - ARRAIAS

- Mencionado em 1806. Localizava-se no Pará, às margens do Tocantins, 80 léguas abaixo da confluência deste com o rio Araguaia

Registro - ARREPENDIDOS

- Situado na parte Sul de Goiás, é mencionado em 1812. Ficava entre Paracatu e a atual Luziânia, a 14 léguas desta, na divisa entre Goiás e Minas Gerais, próximo às nascentes do rio São Marcos. Os mapas modernos indicam a localidade de Arrependidos, nesse local, sujeito à jurisdição do Município mineiro de Unaí. Saint-Hilaire descreveu precisamente as edificações deste registro, permitindo reconstituir o seu aspecto até com minúcias. Também a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, chefiada por Louis Cruls e encarregada de demarcar a localização da futura capital federal, esteve, em 1892, nas proximidades desse Registro, que ainda funcionava como posto fiscal nessa época. O Registro - Arrependidos foi um dos primeiros a serem instalados, quando Goiás se emancipou da capitania de São Paulo, em 1748

Registro - BOM JARDIM

- Localizado na comarca do Serro Frio, em Minas Gerais. É mencionado por Teixeira Coelho, que, entretanto, não precisa a sua localização, limitando-se a listá-lo entre o Registro - Caieté Mirim e o de Itacambira. Parece que nada tem a ver com os povoados e cidades denominados Bom Jardim existentes atualmente em Minas Gerais. Fora criado em 1776, provavelmente pelo contratador João Rodrigues de Macedo.

Registro - BOM SUCESSO

- Existia em agosto de 1775 e ficava na divisa de São Paulo e Minas, na região de Rio Pardo

Registro - CACONDE

- Localizado na cidade paulista do mesmo nome, já existia em 1775. Provavelmente, era subordinado ao governo da capitania de São Paulo

Registro - CAETÉ-MIRIM

- Era um dos registros que cercavam a Demarcação Diamantina. É mencionado em 1751 e 1771. Ficava ao Norte do Tejuco (hoje Diamantina), numa latitude de 17 graus e 21 minutos. Caeté-Mirim, mais precisamente, era um ribeirão de onde se extraiam diamantes e

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cuja produção foi das maiores. O local parece ser hoje a povoação de Planalto de Minas, outrora denominada "Contagem", a qual é distrito do Município de Diamantina

Registro - CAMANDUCAIA

- Existia em 1769. Estava situado em Minas Gerais, nas proximidades da atual cidade do mesmo nome, provavelmente às margens do rio que tem a mesma denominação. Não consta da relação do Códice 140-DF-APM, de 1765

Registro - CAPOAME

- Registro criado para atender à "finta" (imposto) sobre o gado que passava por Capoame, nos arredores de Salvador, na Bahia. A finta destinava-se ao pagamento do "donativo para as despesas com o casamento dos príncipes com os de Castela". O registro é mencionado em 1728. O local do registro chamou-se depois Feira Velha e hoje é Dias de Ávila

Registro - CATAS ALTAS

- Existiu entre 1809 e 1822, pelo menos, subordinado à Intendência do Ouro de São João del-Rei. Com certeza, localizava-se nas proximidades da atual localidade mineira de Catas Altas. Não consta da relação do Códice 140-DF-APM, de 1765.

Registro - CURITIBA

- Mandado instalar em 29 de fevereiro de 1732, pelo governador da capitania de São Paulo, Caldeira Pimentel. Ainda existia em 1809 e 1815. Localizava-se às margens do rio Iguaçu, nas proximidades da atual cidade de Curitiba. Cobrava o tributo denominado "Meios Direitos da Casa Doada" sobre os animais trazidos do Rio Grande do Sul para São Paulo e Minas Gerais. Aluísio de Almeida fornece uma informação divergente; segundo ele, o Registro - Curitiba ficava no Rio Negro

Registro - FERREIROS - Situado no local hoje denominado Guarda dos Ferreiros, em Minas Gerais, no Município de São Gotardo. Foi mencionado em 1799.

Registro - GUARATUBA (I)

- Situava-se no Município de igual nome, no atual Estado do Paraná, onde, aliás, existia um morro com a denominação de "passagem" (nome de outro tipo de repartição tributária, mas que indica a existência de um órgão fiscalizador no local). O registro ficava na foz do rio Sahy, em cujas nascentes constava existirem minas de ouro.

Registro - GUARATUBA (II)

- Localizado em Minas Gerais, no distrito de Minas Novas, a oeste do rio Guaratuba. A única referência encontrada data do princípio do século XIX

Registro - INHACICA

- Existiu, pelo menos, entre 1765 e 1795. Localizava-se a Norte-Nordeste do Tejuco (Diamantina-MG), a 17 graus e 21 minutos de latitude. Fazia parte da Demarcação Diamantina. Há, nessa região de Minas Gerais, um ribeirão denominado Inhacica, afluente do rio Jequitinhonha, entre Diamantina e o rio Jequitaí.

Registro - INSUA

- Situado na divisa entre Mato Grosso e Goiás: "Sete léguas arredada do Araguaia, junto duma ribeira e da mencionada estrada (Cuiabá-Goiás), está a aldeia da Insua, com um registro. Na sua vizinhança há caldas." (Aires do Casal). O Registro - Insua era banhado pelo ribeirão do mesmo nome, afluente do rio do Peixe. Foi estabelecido em 1774, pelo governador Luís de Albuquerque. Para Estevão de Mendonça, esse registro fora estabelecido em 14 de maio de 1780. Em 1812 foi transferido para o rio Grande ou Araguaia, onde deu origem à vila de Registro – Araguaia

Registro - ITACAMBIRA

- Localizado na Serra de Santo Antônio, a 16 graus e 20 minutos de latitude, integrava a fiscalização do contrabando de ouro e diamantes. Possivelmente, situava-se próximo ao rio Itacambirassú. Era

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subordinado à comarca de Serro Frio. É mencionado no "Erário Régio", como integrante do sistema de "entradas", com informações sobre sua arrecadação em 1765, 1766 e 1767. Sua existência é referida ainda em 1774 e 1775.

Registro - ITAGUAÍ

- Existia em 1763, quando foram empregados índios no conserto dos quartéis do registro, quando ainda se grafava com Itaguahy. Certamente situava-se nas proximidades da atual cidade fluminense de Itaguaí. Era complementado por várias "guardas": a Guarda da Caveira, a Guarda do Pouso Frio, a Guarda do Morro da Onça e a Guarda do Rio Itaguaí

Registro - ITAJUBÁ

- Existiu nos arredores de Itajubá-MG, a sudoeste da vila, numa latitude de 22 graus e 36 minutos, durante o período de 1765 a 1820, pelo menos. Integrava o sistema de fiscalização e arrecadação das "entradas" em Minas Gerais, mas também tinha a função de permutar o ouro em pó por moeda. Na "Memórias Históricas da Capitania de Minas Gerais", escrita por volta de 1780, não se menciona "registro", mas uma simples "Guarda de Itajubá", guarnecida por um único soldado. O "Erário Régio", de Francisco Antônio Rabelo, porém, a ele se refere, com as datas de 1765 a 1767, e Teixeira Coelho também alude a ele em 1776.

Registro - ITAPETININGA

- Localizado na cidade paulista do mesmo nome, é mencionado em 1765, 1769, 1775 e 1780. Data, porém, de 1721, pelo menos; em 1724 foi arrematado por Miguel Sutil de Oliveira, por três anos. Fazia parte do sistema de arrecadação da contribuição "sobre as bestas que vem do Sul", também conhecida por "Meios Direitos da Casa Doada", cujo produto era dividido entre a Coroa e Cristóvão Pereira de Abreu (este sucedido depois por Tomé Joaquim Corte Real). Também cobrava "entradas". Segundo Aluísio de Almeida, "O Registro - Itapetininga nunca acabou, transformando-se em barreira". Só teria sido extinto em 1892, quando as barreiras foram abolidas. Saint-Hilaire refere-se a um "Registro Velho" nas proximidades de Itapetininga, em sua "Viagem à Província de São Paulo".

Registro - ITAPEVA

- Ou Registro - ITUPEVA, existia por volta de 1765, na fronteira de São Paulo com Minas, sobre um afluente do rio Pardo. Era subordinado a São Paulo. Também se encontra a grafia ITUPEBA, no mapa que acompanha o trabalho de Teixeira Coelho na Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

Registro - ITARARÉ

- Registro estabelecido por volta de 1800, pelo Príncipe Regente, mais tarde D. João VI, para reforçar a fiscalização sobre os animais vindos do Rio Negro (no atual Estado do Paraná). A contribuição cobrada nele se destinava ao pagamento "dos engenheiros, médicos e cirurgiões". As bestas foram taxadas em $200 (duzentos réis), os bois em $50 (cinquenta réis) e os potros em $100 (cem réis). Foi abolido durante o Império.

Registro - JACUÍ

- Localizado na região fronteiriça entre Minas Gerais e São Paulo, no local onde se assenta hoje a cidade mineira de Jacuí, era subordinado ao governo da Capitania de Minas. Existiu entre 1789 e 1820, com certeza, embora ignoremos as datas da sua criação e extinção. Não consta, porém, da relação do Códice 140-DF-APM, de 1765. Existe documentação na Casa dos Contos de Ouro Preto sobre a receita desse registro no período mencionado.

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Registro - JAGUARA

- Localizado em Minas Gerais, certamente próximo ao célebre "vínculo do Jaguara", já existia em 1751. Em 1765 é mencionado com a denominação de "Registro - Contagem do Jaguara". Convém lembrar que o "vínculo do Jaguara" se situava no atual Município de Santa Luzia-MG

Registro - JAGUARI

- Mencionado em 1769. Localizava-se às margens do rio Jaguari, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, próximo à atual cidade de Bragança Paulista, então denominada Jaguari. Integrava o sistema de cobrança das "entradas" para a capitania de Minas. Não deve ser confundido com o registro homônimo, sobre o mesmo rio, na estrada de São Paulo a Goiás. Este era originariamente situado em Mogi do Campo (hoje Mogi-Mirim), de onde foi transferido para a margem do Jaguari, onde atualmente se ergue a cidade paulista de Jaguariúna. Veja também Registro - RIO JAGUARI

Registro - LAGES

- Mencionado em 20 de julho de 1783: "por tempo de 3 anos fiz rematar ao capitão Manuel Antônio de Araújo o Contrato dos Direitos do novo Registo da Vila das Lagens pela quantia de 1:551$000..." (um conto e quinhentos e cinquenta e um mil réis). É difícil distinguí-lo do "Registro - São Paulo do Rio das Canoas" e do "Registro - São Jorge das Lages", existentes aproximadamente na mesma época. De qualquer modo, situava-se em terras da vila catarinense de Lajes. Cobrava pela passagem de animais vindos do Rio Grande do Sul para São Paulo. Os contratadores ficavam autorizados (em 1792) a mudar o registro para Curitiba, no rio Iguaçu.

Registro - LAGOA FEIA

- Situado no Sul de Goiás, é mencionado por Luís Antônio da Silva e Sousa em 1812. Na verdade, a Lagoa Feia fica no atual Município de Formosa, nas proximidades do Distrito Federal. Nela nasce o rio Preto, tributário do rio Paracatu. Na sua margem havia, no século XIX, um pequeno arraial, Couros, origem da atual Formosa. Ao que parece, o arraial e a cidade descendem diretamente do antigo registro, que teria sido o seu núcleo inicial.

Registro - LOURENÇO VELHO

- Mencionado em 1834 por Cunha Matos, situava-se na serra da Mantiqueira, próximo às nascentes do ribeirão do mesmo nome. Hoje é distrito do Município de Itajubá.

Registro - MATIAS BARBOSA .

- O mais importante e o mais rendoso de todos os registros do Brasil, situava-se na divisa entre as capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Deu origem à atual cidade de Matias Barbosa. Estava posicionado "em 21 graus e 51 minutos de latitude, nas margens orientais do ribeirão dos Bairros, entre matos gerais, no caminho que segue do Rio de Janeiro para as Minas...". Também era conhecido por Registro - CAMINHO NOVO Foi minuciosamente descrito por John Mawe, em 1809. - Não consta da relação do Códice 140-DF-APM, de 1765, mas é mencionado em 1778, 1789, 1796, 1829, e 1830. Foi administrado pela Fazenda Real de 1789 a 1796. Pela Decisão n.21, 18 de janeiro de 1830, foi mudado para Paraibuna

Registro - MILHO VERDE

- "Passei depois por Milho Verde, corpo da guarda ou registro, situado perto da torrente do mesmo nome, antigamente afamado pelos diamantes." (John Mawe - 1809). Fazia parte da Demarcação Diamantina e ainda foi mencionado como registro por Cunha Matos, em 1834. É hoje distrito do Município do Serro Frio.

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Registro - MINAS NOVAS

- Situado na cidade mineira do mesmo nome, às margens do rio Fanado. A documentação encontrada abrange o período de 1765 a 1768. Parece que o Registro - Minas Novas é o mesmo Registro - SIMÃO VIEIRA. Veja também Registro – ARAÇUAÍ

Registro - MOGI-GUAÇU

- Situado onde hoje se ergue a cidade paulista de Mogi-Guaçu, então simples lugarejo, existia em 1801. Era encarregado de fiscalizar e arrecadar os tributos sobre mercadorias vindas da capitania de Minas Gerais para a de São Paulo, bem como as que entravam ou saiam de Goiás (a estrada São Paulo/Goiás passava por Mogi-Guaçu nessa época).

Registro - MOGI DO CAMPO

- Registro na estrada de São Paulo a Goiás, situada onde hoje é a cidade de Mogi-Mirim. Foi transferido para o rio Jaguari (no lugar onde está a atual Jaguariúna), por causa da pequenez do rio Mogi-Mirim, facilmente vadeável, o que facilitava o descaminho. É mencionado em 1733 e também em 1745.

Registro - MURITIBA

- Na Bahia (Recôncavo), vizinha a São Félix. Era um registro especializado na cobrança e fiscalização do quinto do ouro. Foi criado em 1754. Era também chamado de "Registro - Ouro de São Pedro de Moritiba". Sua direção cabia a um Provedor, cujo regimento foi baixado em 20/10/1754

Registro - NAZARÉ DE PARACATU

- Localizado em Minas Gerais, uma légua ao Sul da cidade de Paracatu, na latitude de 16 graus e 15 minutos. É mencionado entre 1765 e 1809

Registro - NOVA BRAGANÇA

- Referido ora como Guarda, ora como Registro, nos últimos anos do século XVIII. Era comandado por um furriel. Nova Bragança é a atual Bragança Paulista-SP. O registro pertencia à capitania de São Paulo.

Registro - ÓLEOS

- Situado na capitania do Espírito Santo, na então freguesia de Viana, na estrada que levava a Minas Gerais. Ao que parece foi instalado em princípios do século XIX, com o fito de cobrar uma contribuição para a conservação dessa estrada. Teria sido o primeiro posto de pedágio, na acepção moderna do termo.

Registro - OLHOS D'ÁGUA

- Registro localizado na comarca de Paracatu, duas léguas a noroeste dessa cidade, a 16 graus e 6 minutos de latitude. Este registro ficava na estrada que ia de Paracatu a Santa Luzia (hoje Luziânia), em Goiás. Existem referências a ele no período de 1757 a 1776. Segundo Cunha Matos, teria sido criado em 1704, mas essa informação não procede, pois a região de Paracatu só foi aberta quarenta anos depois disso.

Registro - OURÉM - Situado na capitania do Espírito Santo, na estrada que levava a Minas Gerais. Foi instalado em princípios do século XIX.

Registro - OURO FINO

- Localizado a princípio na cidade mineira do mesmo nome, integrava o sistema de cobrança e arrecadação das "entradas" em Minas Gerais. Teria sido estabelecido em 1764, ocasião em que, logo a seguir, contribuintes revoltados lhe atearam fogo. Existiu até 1820, pelo menos. Em 1777, porém, sua sede foi transferida para a "Ponte Nova", sobre o rio Jaguari, a uma légua de Bragança Paulista. Parece que lá não ficou, pois em 1778 se cogitava a sua mudança "para o fim da mata chamada Tapera de João Dias". Não consta da relação de registros do Códice 140-DF-APM.

Registro - PARAIBUNA

- Situava-se na margem Norte do rio Paraibuna, na divisa entre as capitanias de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Era administrado pela Junta da Real Fazenda do Rio de Janeiro, apesar de situado em

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território mineiro. Era um dos mais movimentados. É mencionado em 1726, 1735, 1756, 1766 e 1778. Foi minuciosamente descrito por John Mawe, que passou por ele em 1809.

Registro - PARATIBARA

- Existia em 1766. Ficava na capitania de São Paulo, nas proximidades de Parati. Em 1805 propunha-se a sua mudança do lugar chamado Boa Vista para o rio Fabião. Veja Registro - BOA VISTA

Registro - PIRAÍ

- Localizado na cidade fluminense do mesmo nome, existia em 1801, com a finalidade de cobrar o tributo das "entradas" na capitania do Rio de Janeiro.

Registro - SALINAS

- Localizado em Goiás. O nome completo do lugar era "Porto da Piedade em Salinas", sobre as margens do rio Araguaia, 40 quilômetros abaixo da barra do rio do Peixe e 30 acima da do rio Crixás. Ainda existia em 1812, quando foi mencionada pelo padre Sousa e Silva. Parece ser o local onde hoje está povoação de Bandeirantes, no Município de Nova Crixás, Goiás. O registro foi criado pelo governador de Goiás, Tristão da Cunha Menezes, empossado em 1783.

Registro - SANTA CRUZ

- Localizado em Minas Gerais, na região a oeste de Minas Novas, na margem direita do rio Jequitinhonha, algumas léguas acima do Registro - Simão Vieira. As referências encontradas são do princípio do século XIX.

Registro - SANTA ISABEL

- Um dos registros que rodeavam Paracatu, situava-se três léguas a sudoeste dessa vila, numa latitude de 16 graus e 17 minutos, provavelmente às margens do ribeirão do mesmo nome. Integrava o sistema de arrecadação das "entradas" e é mencionado entre 1754 e 1787.

Registro - SANTA MARIA

- Situado na fronteira entre Goiás e Minas Gerais, na serra de Santa Maria, no atual Município de Sítio da Abadia. Integrava o sistema das "entradas" da capitania de Goiás. A primeira menção que encontramos sobre ele data de 1778 e ainda era referido pelo padre Souza e Silva em 1812. Foi visitado em 1819 por Spix e Martius. Seu nome completo era "Registro - Santa Maria do Vão do Paranaã de Goiás". Embora pertencesse a Goiás, a cidade que se desenvolveu junto dele foi a de Formoso, já em território de Minas Gerais

Registro - SANTA RITA

- Localizado em Goiás, existia em 1806. Trata-se, possivelmente, de lugar na atual cidade de Santa Rita do Araguaia. (FONTE : Memórias Goianas, 1:66).

Registro - SANTA VITÓRIA

- Registro estabelecido "no fim das fazendas da serra e da Vacaria", no Rio Grande do Sul, para controlar a saída de animais daquela capitania para as de São Paulo e Minas Gerais. É mencionado em 11 de novembro de 1777, mas já existia em 2 de janeiro de 1777

Registro - SANTO ANTÔNIO DA MANGA

- Mencionado por Teixeira Coelho, parece ter sido localizado nos arredores de São Romão, num dos lugares onde essa vila esteve assentada provisoriamente. Pode ser também a "Guarda de Santo Antônio", 4 léguas a nordeste de Paracatu, na latitude de 16 graus e 18 minutos

Registro - SANTO ANTÔNIO DA MANGA

- Mencionado por Teixeira Coelho, parece ter sido localizado nos arredores de São Romão, num dos lugares onde essa vila esteve assentada provisoriamente. Pode ser também a "Guarda de Santo Antônio", 4 léguas a nordeste de Paracatu, na latitude de 16 graus e 18 minutos

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Registro - SÃO BARTOLOMEU

- Situado em Goiás, sobre o rio do mesmo nome, existia no governo de João Manuel de Melo (de 1759 a 1770). Deve ser a mesma CONTAGEM DO SÃO BARTOLOMEU, mostrada no mapa do Sargento Mor Tomás de Sousa

Registro - SÃO BERNARDO

- Localizado em terras que hoje pertencem ao Distrito Federal. Existia ao tempo do governo do Conde de São Miguel (governador de Goiás de 1755 a 1759). O córrego São Bernardo, afluente do Rio Preto, nasce dentro do Distrito Federal e nele tem todo o seu curso, até a foz no Rio Preto. É paralelo à divisa Sul do Distrito Federal. Presumivelmente, o registro ficava na foz do córrego, na moderna divisa entre Minas Gerais e o Distrito Federal. Pode ser também que sua sede ficasse na Fazenda São Bernardo, próxima à estrada que leva de Brasília a Unaí, a uns 10 quilômetros da divisa com Minas Gerais.

Registro - SÃO DOMINGOS

- Situado no Município goiano homônimo, na divisa com a Bahia, é mencionado em 1812 pelo padre Luís Antônio de Sousa e Silva. Provavelmente, ficava em algum desfiladeiro da Serra Geral, no limite com o território baiano. Sabe-se, porém, que, em 1778, ficava junto ao "Morro do Moleque". Em 1769, o carmelita Inácio de Santa Tereza passou por esse registro 300 oitavas de ouro escondidas dentro de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, conforme confessou mais tarde.

Registro - SÃO JOÃO DAS DUAS BARRAS

- localizado no extremo Norte de Goiás (território hoje pertencente ao Estado de Tocantins), na confluência dos rios Araguaia e Tocantins, junto à fronteira com o Pará. É mencionado em 1812. Deu origem à cidade paraense de São João do Araguaia

Registro - SÃO JORGE DAS LAJES

- Situado nas proximidades da cidade catarinense de Lajes, sobre o rio das Canoas, afluente do rio Pelotas, é mencionado em 1772 e 1780. Antes de 1776 era localizado em outro lugar, que não pudemos identificar.

Registro - SÃO LUÍS

- Ficava duas léguas ao Norte de Paracatu, na latitude de 16 graus e 6 minutos. Integrava o sistema das "entradas". É mencionado em 1767, 1768 e 1778. Só pode ter sido instalado depois do devassamento da região de Paracatu, na década de 1740

Registro - SÃO MARCOS

- Mencionado em 1812, e no mapa do Sargento-mor Tomás de Sousa, em 1778, situava-se à margem do rio São Marcos, ao pé da Serra da Marcela, próximo às nascentes do rio dos Dourados. Era subordinado a Goiás. Segundo mapa de Spix e Martius, o Registro - São Marcos ficava na confluência do rio São Marcos com o rio Paranaíba, no atual Município de Davinópolis. Convém notar que um dos afluentes do rio São Marcos é o Córrego dos Quartéis, nome que por vezes era usado como sinônimo de "registro". Sua localização exata, entretanto, pode ser deduzida da descrição feita por Pohl, que o visitou por volta de 1820.

Registro - SÃO MATEUS

- "Comandante do Registro - São Mateus das Cabeceiras do Rio Pardo, a quem o governador da capitania de São Paulo encarregou do caminho novo que vai de Mogi-Guassu até o descoberto de N. S. do Bom Sucesso", - essa referência data de 2 de setembro de 1775. Também é citado em 1784. Não conseguimos identificar a localização precisa deste registro, mas parece ser distinto do Registro - Caconde, que ficava na mesma região.

Registro - SÃO PAULO DA VILA DE LAGES

- Situado em Santa Catarina, é mencionado em 1794. Deveria se localizar perto da atual cidade de Lajes, sobre o rio das Canoas. Em

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1792, a Fazenda Real autorizou o contratador a mudá-lo para o rio do Registro - Curitiba, caso isso lhe conviesse.

Registro - SAPUCAÍ

- Registro situado na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, na região do Rio Pardo, no período de 1806 a 1812. O rio Sapucaí, que dá nome ao registro, não é o mesmo que banha o Sul de Minas, mas outro, também afluente do rio Grande; seu curso, porém, se desenvolve principalmente em território paulista, ainda que nasça no Município mineiro limítrofe de Itamogi. Há uma menção a ele em 1751. Presumivelmente, o registro se localizava na localidade chamada Guardinha, no atual municícipio de São Sebastião do Paraíso.

Registro - SAPUCAÍ-MIRIM

- Existia em 1821, subordinado a Intendência do Ouro do Rio das Mortes. Situava-se na divisa com a capitania de São Paulo, não longe de Campos do Jordão. Segundo Cunha Matos, constava de casa da administração e quartel

Registro - SAPUCAIA

- Localizado na Bahia, por volta de 1772, foi, nessa ocasião, mudado para o lugar denominado "Coxo". Provavelmente ficava nos arredores de Jacobina, local de mineração, onde existe um curso de água com esse nome. Pode ser também a atual Brejões, que outrora se denominou Sapucaia, e que localizava na estrada que levava das minas do Rio das Contas a Salvador.

Registro - SETE LAGOAS

- Situado em Minas Gerais, no local onde se ergue a cidade do mesmo nome, é mencionado de 1762 a 1781, pelo menos, mas a sua existência se prolongou por período muito maior.

Registro - SIMÃO VIEIRA

- Ficava nas proximidades da cidade de Minas Novas-MG, à beira do rio Jequitinhonha, no local onde existiam barcas para a sua passagem. Segundo J. J. da Rocha, estava na latitude de 16 graus e 43 minutos, na margem oriental do Jequitinhonha. É mencionado na documentação entre 1776 e 1806, mas, certamente, durou mais tempo. Há menções a um "Registro - Simão Pereira"; a despeito de existir tal lugar em Minas, parece-nos que se trata de simples lapso de grafia

Registro - SOROCABA

- Célebre registro, integrante da arrecadação dos "Meios Direitos da Casa Doada", cobrados dos animais que vinham do Rio Grande do Sul para as demais capitanias, situava-se na cidade paulista do mesmo nome. Havia outros registros para a cobrança desse tributo: em Curitiba, em Lajes, no Viamão e em Itapetininga. O Registro - Sorocaba é da metade do século XVIII, instalado em 3 de setembro de 1750, junto à ponte do rio do mesmo nome. Mencionado em 1770, ainda existia em 1873, em pleno Segundo Império. Este registro gerou a famosa feira de animais de Sorocaba. Existe vasta documentação relativa a ele na Biblioteca Nacional.

Registro - TAGUATINGA

- Mencionado em 1812, por Luís Antônio da Silva e Sousa, situava-se no atual Município de Taguatinga, na parte Norte da antiga capitania de Goiás, nos limites com a Bahia. Não deve ser confundida com a cidade-satélite de Brasília.

Registro - TRÊS BARRAS

Era um dos postos de vigilância da Demarcação Diamantina. Com esse nome existe um arraial no Município de Alvorada de Minas, na região de Serro Frio.

Registro - TUCAIÓ

- Ficava a nordeste de Minas Novas, na margem meridional do rio Tucaió. É mencionado no início do século XIX.

Registro - VIAMÃO

- Situado no Rio Grande do Sul, em região próxima à cidade do mesmo nome, deu origem à atual cidade de Santo Antônio da Patrulha.

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Integrava a rede arrecadadora dos "Meios Direitos da Casa Doada", que incidiam sobre a exportação de animais daquela capitania para as demais. É mencionado em 175l e 1768, mas sua existência foi indubitavelmente maior. Veja também Registro - PATRULHA.

Registro - CAMINHO DE CUIABÁ .

- Localizado em algum lugar, entre Ouro Preto e Cuiabá, existiu entre 1776 e 1782, período em que João Rodrigues de Macedo explorava o "contrato das entradas" da capitania de Minas. Talvez se tratasse de um dos registros da região de Paracatu, mas é mais provável que fosse situado no limite entre Goiás e Mato Grosso

Registro - CAMINHO DO COMÉRCIO

- Mencionado por Saint-Hilaire em janeiro de 1822. Ficava no Caminho do Comércio, à margem do rio Paraíba, entre as províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, nas proximidades de Ubá. A estrada tinha esse nome porque fora construída pela Junta do Comércio do Rio de Janeiro

Registro - CAMINHO NOVO

- Mencionado com esse nome entre 1760 e 1816, pelo menos, ficava situado no "caminho novo" entre Ouro Preto e o Rio de Janeiro, aberto por Garcia Rodrigues Pais, no princípio do século XVIII. Havia sido instalado em 1714, para completar, com sua arrecadação. as 30 arrobas de ouro que o povo de Minas Gerais se obrigara a pagar ao rei. Estava localizado nos arredores de Barbacena, de onde foi removido para uma distância de 25 léguas para o Sul. Ficou mais conhecido pelo nome de "Registro - MATIAS BARBOSA". Era o mais rendoso e importante em todo o Brasil. Veja também REGISTRO VELHO e Registro - MATIAS BARBOSA.

Registro - CAMINHO VELHO

- Era situado no Caminho Velho, que levava de Parati às Minas dos Cataguases. Ficava nas proximidades da cidade de Parati. Instalado em 1714, para ajudar a arrecadar as 30 arrobas de ouro que o povo de Minas prometera ao rei, É mencionado por volta de 1736

Registro - CAPIVARI

- Existiu de 1751 a 1767, pelo menos, na antiga estrada entre Guaratinguetá e São João del-Rei, num afluente do Rio Verde, em local que corresponde ao "arraial de Capivary na estrada do Picu". É a atual cidade paulista de Campos do Jordão. É mencionado na relação do Códice 140-DF-APM, de 1765.

Registro - CUIABÁ

- Não deve ser confundido com o "Registro - Caminho de Cuiabá", que ficava no limite entre Goiás e Mato Grosso. Este ficava nos arredores da vila de Cuiabá e foi mencionado em 18 de agosto de 1733, quando Miguel Antônio Sobral foi nomeado seu provedor. Provavelmente é o mesmo "Registro Velho" referido nos "Relatos Monçoeiros"

Registro - DESEMBOQUE -

Mencionado em 1812 e 1821, ficava no Sul de Goiás, na região onde é hoje o Triângulo Mineiro. O local ainda hoje se chama Desemboque e é distrito do Município de Sacramento

Registro - DURO

- Situado no Norte de Goiás, na fronteira com a Bahia, foi mencionado em 1812. É atualmente a localidade de Dianópolis.

Registro - GALHEIRO

- Ficava a oeste do Tejuco (Diamantina-MG), na latitude de 18ª e 5 minutos. Existiu entre 1757 e 1776, pelo menos. Fazia parte da Demarcação Diamantina, mas integrava também o sistema de controle das "entradas" (tributo sobre a circulação de mercadorias entre as capitanias). Ainda hoje existe o povoado de São José do Galheiro, no Município de Monjolos-MG. Outro povoado com o nome de Galheiro existe no Município de Paineiras, à margem da represa de Três Marias.

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Entretanto, parece seguro que o registro situava-se em São José do Galheiro. Consta da relação do Códice 140-DF-APM, de 1765.

Registro - GOUVEIA

- Registro que integrava a Demarcação Diamantina, localizado a 6 léguas a Este-Sudoeste do Tejuco (Diamantina), já existia em 1765. Foi mencionado também em 1776. É, certamente, a origem da cidade de Gouveia, em Minas Gerais, mas o nome se deve a uma família desse apelido que tinha propriedades no local, no século XVIII; mais precisamente, a viúva Francisca de Gouveia.

Registro - JAURU

- Situado às margens do rio Jauru, em Mato Grosso, a vinte léguas de Vila Maria, na rota das monções de Cuiabá.

Registro - JEQUITIBÁ

- Situado na comarca de Sabará, na capitania de Minas Gerais, a 19 graus de latitude e 16 léguas ao Norte de Sabará, era destinado à troca do ouro em pó por moedas, para aqueles viajantes que se dirigissem aos sertões. Provavelmente, estava localizado às margens do rio das Velhos, onde hoje se assenta a cidade mineira de Jequitibá. Consta da relação do Códice 140-DF-APM, de 1765, e é referido em 1780 e 1801, mas dele não faz menção o "Erário Régio", de Francisco Rebelo, compilado em 1768. Foi extinto, com os demais registros da comarca de Sabará, por uma provisão da Junta de Fazenda de Minas Gerais, datada de 7/6/1809. É, às vezes, grafado como "Jaquitibá" e também "Gequitiba".

Registro - MANDU

- Registro ao qual estava anexo um quartel, integrante do sistema de arrecadação das "entradas" da capitania de Minas Gerais. Funcionou até 1770, quando foi transferido para Jaguari, atual Camanducaia. O registro já existia em Mandu, em 1764. Mandu é hoje a cidade mineira de Pouso Alegre

Registro - OURO DAS MINAS NOVAS DE ARAÇUAÍ

- Possivelmente é o mesmo "Registro - Minas Novas". Existia em 19/10/1752

Registro - OURO DE ITU

- Destinado a fiscalizar o ouro que saía das minas de Cuiabá, localizava-se nas proximidades da cidade paulista de Itu, junto ao rio Tietê, pelo qual se processava o tráfego fluvial para aquelas minas. O registro existia em 1733 e 1735. Talvez ficasse em Araritaguaba, atual Porto Feliz, onde ainda existe um velho prédio com a denominação de "alfândega"...

Registro - OURO DE PARATI

- Foi criado em 1704, na cidade fluminense do mesmo nome (que, aliás, na época pertencia à capitania de São Vicente). Destinava-se a controlar o fluxo do ouro que, pelo Caminho Velho, se escoava de Minas Gerais para o litoral

Registro - OURO DE SANTOS

- Criado em 1704, junto com o Registro - Parati, para controlar o fluxo de ouro, vindo pelo Caminho Velho, de Minas Gerais para o litoral.

Registro - OURO DO RIO DAS CONTAS

- Registro existente em 1754, na Estrada Geral das Minas, entre o Rio das Contas e Salvador. Ficava, possivelmente, na serra do Sincorá, pois o signatário do documento que menciona esse registro, informa ter participado de uma bandeira capitaneada por João da Silva Guimarães, que nessa época se achava explorando aquela serra. Este registro ainda existia em 1762 e 1763

Registro - PARAÍBA

- Minuciosamente descrito por John Mawe em 1809, situava-se na divisa entre Minas Gerais e Rio de Janeiro, às margens do rio Paraíba, nos arredores da atual Três Rios. Também é mencionado por Cunha Matos, em 1834.

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Registro - PÉ-DO-MORRO

- Integrante da Demarcação Diamantina e também do sistema de cobrança das "entradas". Ficava em Minas Gerais, na margem direita do rio Jequitinhonha, vinte léguas a nordeste de Diamantina, numa latitude de 17 graus e 15 minutos (segundo o anônimo da RAPM, 1897, p. 461). É mencionado em 1770 e 1778. Pelos mapas modernos, parece ser a atual localidade de Caçaratiba

Registro - PICU .

- Registro localizado em Minas Gerais, na divisa com São Paulo, nas imediações da montanha do mesmo nome, mencionado em 1822 e 1823

Registro - PINHEIRINHO

- Segundo Myriam Ellis, que se baseia em Mons. Pizarro e Araújo, este registro pertencia à Comarca do Rio das Mortes e ficava "situado no distrito da nova vila de Jacuí".

Registro - PITANGUI

- Situado na cidade mineira de igual nome, funcionou como integrante do sistema de arrecadação das "entradas", no período de 1751 a 1754, pelo menos. Não consta da relação do Códice 140-DF-APM, de 1765.

Registro - PORTO DO CUNHA

- Teria sido criado em 1784 no local do Porto Novo do Cunha, nome dado em homenagem ao governador Luís da Cunha Meneses. O lugar é hoje um bairro da cidade de Além Paraíba, na divisa entre Minas Gerais e Rio de Janeiro. Ali existiu também uma Passagem com a mesma denominação.

Registro - PORTO DO MEIRA

- Coexistia em 1785 com a passagem situada no mesmo local, como se vê da carta do governador Francisco da Cunha e Menezes ao seu comandante, na qual se refere às "condições do contrato da Passagem desse Registro". Mencionado também em 1801, quando se esclarece que cobrava "entradas" na capitania de São Paulo sobre mercadorias vindas de Minas Gerais. Ficava próximo a Lorena, no Vale do Paraíba-SP.

Registro - PORTO DO PONTAL

- Situado na capitania do Espírito Santo, na margem do rio Doce, é mencionado em 1812. (

Registro - QUARTEL DOS COMBOIOS

- Situado na capitania do Espírito Santo, três léguas ao Sul do Rio Doce, próximo ao mar. Fora criado em 1800.

Registro - REBELO

- Um dos registros da Demarcação Diamantina, controlava também as "entradas" nessa região. É mencionado no período de 1765 a 1803, pelo menos. Situava-se "a es-noroeste do Tejuco" (Diamantina), a 17 graus e 21 minutos de latitude. Cunha Matos menciona o distrito de Rebelo, no Município de Curvelo. Os mapas modernos mostram nesse local uma "Serra da Contagem", entre o rio Jequitaí e o Ribeirão Duas Barras. Alguns documentos antigos referem-se ao "registro ou contagem do Rebelo".

Registro - RIBEIRÃO DA AREIA

- Registro situado em Minas Gerais, no distrito da Vila de Pitangui, subordinado à Intendência de Sabará. Ficava a três léguas à nordeste da vila de Pitangui, numa latitude de 19 graus e 9 minutos. Provavelmente, estava erigido na margem do atualmente denominado "rio do Peixe", que se encontra nessa posição, a nordeste de Pitangui. O registro é mencionado no período de 1777 a 1789. Não consta da relação do Códice 140-DF-APM, de 1765. Nesse registro, em 31 de dezembro de 1780, o Tiradentes emitiu uma certidão em favor do soldado Eusébio da Costa Viana.

Registro - RIO DAS CANOAS

- O Rio das Canoas é afluente do Rio Pelotas, na região fronteiriça entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Ali, nas proximidades da vila de Lajes, se cobrava a contribuição imposta sobre os animais que,

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saídos do Rio Grande, se dirigiam a São Paulo e Minas Gerais. A documentação que possuímos menciona que esse registro fora estabelecido em 1777. Existem referências a ele em 1780, 1782 e 1786.

Registro - RIO DAS ÉGUAS

- Esse registro, embora subordinado a Goiás, ficava na capitania da Bahia. Houve, por isso, um incidente entre os dois governos, prevalecendo afinal o direito dos baianos ao território jurisdicionado por esse registro. O Rio das Éguas é hoje denominado Rio Correntina. Os fatos acima relatados ocorreram em 1793, mas o padre Sousa e Silva ainda em 1812 mencionava esse registro.

Registro - RIO DAS VELHAS

- Situado em região que, na época, pertencia à capitania de Goiás, é mencionado em 1812 pelo padre Silva e Sousa. Ficava junto de Santana do Rio das Velhas, aldeia indígena, no lugar onde hoje está a cidade de Indianópolis, no Triângulo Mineiro, às margens do rio das Velhas (também chamado de rio Araguari, rio das Abelhas e rio Quebra Anzol), que não deve ser confundido com o seu homônimo, afluente do rio São Francisco.

Registro - RIO GRANDE

- Registro existente em 1716 e 1717, localizado à margem do Rio Grande, um dos formadores do Rio Paraná. Não seria muito longe da atual cidade mineira de Lavras. Há outro registro homônimo, criado sobre o Rio Paraná (então denominado Rio Grande), no caminho para Cuiabá, referido em 1722. Apesar de serem situados na mesma bacia hidrográfica, os dois registros distavam entre si mais de mil quilômetros. Parece-nos ainda haver um terceiro registro com esse nome, no caminho de São Paulo a Goiás, mencionado no período de 1782 a 1786, quando era dirigido pelo Tenente José Bonifácio de Mendonça e Gouveia.

Registro - RIO JAGUARI

- Registro na estrada São Paulo-Goiás, era primitivamente localizado em Mogi-Mirim. Foi mudado para o Rio Jaguari, no local da atual cidade paulista de Jaguariúna, em 23 de fevereiro de 1731. Recebeu regimento em 16 de janeiro de 1733

Registro - RIO MANSO

- Era uma guarda especializada na repressão contrabando de diamantes, nos limites da Demarcação Diamantina. Localizava-se a nordeste do Tejuco (Diamantina), na latitude de 17 graus e 48 minutos. Não é mencionado como integrante do sistema de arrecadação das "entradas" nem por Teixeira Coelho, nem por J. J. da Rocha e nem por Cunha Matos. Mas, este último o considera como "registro" (da Demarcação Diamantina), na sua Corografia, vol. 1:374. Aparentemente, era exclusivamente órgão de repressão ao contrabando, sem funções arrecadadoras.

Registro - RIO NEGRO

- Parece que é o mesmo Registro - RIO PRETO. Existia em Minas Gerais, em 1803, ocasião em que se fez grande apreensão de ouro "num fulano Rocha, que o conduzia extraviado para o Rio de Janeiro

Registro - RIO PARDO

- Integrante do sistema de arrecadação das "entradas", na capitania de Minas Gerais, foi criado em 22 de setembro de 1722. Situava-se 50 léguas a nor-nordeste de Minas Novas, provavelmente no lugar onde hoje se ergue a cidade de Rio Pardo de Minas. Ainda era mencionado em 1768 e 1769. (FONTES : SALLES

Registro - RIO PRETO

- Situado na divisa entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais, teria sido criado em 1816, segundo Cunha Matos. É mencionado por Saint-Hilaire em 1822 e ainda existia em 1832. A atual cidade de Rio Preto-

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MG, está situada entre Santa Rita de Jacutinga e Juiz de Fora. Veja também Registro - RIO NEGRO.

Registro - SERTÃO

- Mencionado em documentos de 1798, em Minas Gerais. Nada mais se sabe dele

Registro - TACURUSSU

- Parece que a grafia correta deve ser "Taquarussu" ou "taquaruçu". Não conseguimos precisar nem a data, nem o local exato relativos a este registro, mas é certo que fiscalizava a arrecadação dos quintos de ouro.

Registro - TOCANTINS

- Situado em Goiás, existia em 1748. No local ergue-se hoje a cidade de Niquelândia, antiga São José do Tocantins. O ouro ali foi descoberto em 1735, por Manuel Rodrigues Tomar e Antônio de Sousa Barros.

Registro - ZABELÊ

- Localizado em Minas Gerais, destinava-se à cobrança das "entradas". É mencionado no período de 1776 a 1801, mas, seguramente, já existia antes. Muito provavelmente ficava situado sobre o riacho do Pau Grosso, afluente do rio das Velhas, na fazenda Zabelê, no atual Município de Baldim. Há uma referência a ele em 1751.

REGISTRO VELHO DE MATO GROSSO

- Estava situado em Mato Grosso, nos arredores de Cuiabá. Não deve ser confundido com o "Registro Velho", de Minas Gerais, situado a 8 ou 10 quilômetros de Barbacena, que deu seu nome a uma fazenda. Myriam Ellis informa a respeito deste Registro Velho (dos arredores de Barbacena): "O Registro - Matias Barbosa nem sempre funcionou no local indicado, tendo funcionado 25 léguas mais adiante, para além das matas virgens. O local porém facilitava a ação dos contrabandistas e por isto foi transferido para Matias Barbosa setenta anos antes da viagem de Saint-Hilaire ao Brasil. O antigo local passou a se chamar Registro Velho. Apesar disso, os contrabandistas nunca deixaram de agir.

REGISTROS DE MOGI-MIRIM

- Coletivo usado para designar vários registros na região dessa cidade paulista, mencionados em carta do Secretário do Governo da Capitania de São Paulo, Luís Antônio Neves de Carvalho, datada de 26 de julho de 1805. Os chamados "registros de Mogi-Mirim", nessa época, deveriam ser o de Mogi-Guaçu e o de Caconde. É de se presumir que o quartel central, que supria os soldados desses registros, fosse localizado em Mogi-Mirim.

REGISTROS DE PARACATU

- Coletivo que designava a rede de registros e quartéis que cercava a vila de Paracatu no Ciclo do Ouro. Abrangia os registros de Olhos d'Água, Nazaré, Santa Isabel e São Luís, e as guardas de Santo Antônio, do Porto da Bezerra, do Rio da Prata e da Várzea Bonita

FONTE: http://www.receita.fazenda.gov.br

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ANEXO D – As Contagens. CONTAGEM CARACTERISTICAS E LOCALIZAÇÃO Contagem da Chapada da Natividade Situada na parte Norte de Goiás, hoje Tocantins, é

mencionada em 1812 por Luís Antônio da Silva e Sousa. É atualmente uma localidade no Município de Natividade. (FONTES: RIHGB, 12:497 e 508).

Contagem da Chapada de São Félix

Situava-se ao Norte do arraial de São Félix, talvez umas poucas léguas. É mencionada em 1812 por Luís Antônio da Silva e Sousa. São Félix é hoje uma simples localidade semi-abandonada do Município goiano de Cavalcante. (FONTES: RIHGB, 12:497 - Revista do Arquivo Histórico Estadual (Goiás), n. 1, mapa da capa).

Contagem da Conceição

Situada na capitania de Goiás, é mencionada em 1812. É hoje Município de Conceição do Norte. (FONTES: RIHGB, 12:497 - Revista do Arquivo Histórico Estadual (Goiás) n. 1).

Contagem da Extrema Consta da lista feita em 1812 por Luís Antônio da Silva e Sousa. Não foi possível identificar com precisão a sua localização. Pode ser a atual Corumbaíba, em Goiás, onde existia em 1986 um prédio antiquíssimo, cujo aspecto correspondia à descrição que Saint-Hilaire fez do Registro dos Arrependidos. Se os prédios dos registros guardassem entre si alguma semelhança, então é possível que esse edifício de Corumbaíba seja um velho registro, talvez o de Extrema. Outra hipótese, mais provável, é a de que o registro se localizasse no ribeirão da Extrema, afluente do rio Preto, em terras do atual Distrito Federal. (FONTES: MOREIRA PINTO, Dicionário Geográfico, 21:678 - RIHGB, 12:496 - Mapa do Distrito Federal, Polimapas, 1979).

Contagem da Natividade Mencionada por Luís Antônio da Silva e Sousa em 1812. Ficava na cidade goiana do mesmo nome. (FONTES: RIHGB, 12:497 e 508 - Mapa da capa da Revista do Arquivo Histórico Estadual (Goiás), n. 1).

Contagem das Abóboras

Localizava-se no local onde hoje está situada a cidade de Contagem, em Minas Gerais, a quem deu nome. Começou a funcionar em 9 de agosto de 1716. Foi extinta em 1809, por provisão da Junta da Real Fazenda de Minas Gerais, datada de 7 de junho desse ano. Anteriormente, em 1765, estava desativada; possivelmente, nunca voltou a operar. Também era conhecida por REGISTRO DAS ABÓBORAS e por REGISTRO DA ENCRUZILHADA. (FONTE: FONSECA, Contagem Perante a História, 35 e 47/49).

Contagem das Almas Situada em Goiás, em região hoje pertencente ao Estado de Tocantins, foi mencionada em 1812, pelo Padre Luís Antônio da Silva e Sousa, mas já existia em 1780. Atualmente, Almas é sede do Município do mesmo nome. (FONTE: RIHGB, 12:497 - Revista do Arquivo Histórico Estadual (de Goiás), n. 1, mapa na capa).

Contagem de Arraias Mencionada em 1812. Situava-se no Município goiano do mesmo nome. (FONTES: RIHGB, 12:497).

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Contagem de Cavalcante Situada no Norte de Goiás, no Município do mesmo nome, é mencionada em 1812. (FONTES: RIHGB, 12:497).

Contagem de Itaoca Mencionada por Luís Antônio da Silva e Sousa em 1812. Também não foi possível precisar a sua localização, mas parece ser o registro criado pelo governo de Goiás em 1797, nas proximidades da Cachoeira de Itaboca, no rio Tocantins. Outra possibilidade é a de que se situasse no arraial de Taboca, entre o Duro e Conceição, já extinto em 1886. (FONTES: AIRES DE CASAL, Corografia

Brasílica, - RIHGB, 123:497 - Almanach da Província de Goyaz, 1886, 154).

Contagem de Pontal Mencionada em 1812, foi criada em 1785 pelo governador de Goiás, Tristão da Cunha. Situava-se à margem esquerda do Rio Tocantins e chegou a ser paróquia, mas em 1835 foi incorporada a Porto Imperial (hoje Porto Nacional, no Estado de Tocantins). A Contagem do Pontal pode ser o forte em ruínas, à margem do Tocantins, visto pelo então capitão Lysias Rodrigues em 1931. (FONTES: ALENCASTRE, Anais

da Província de Goiás, 249 - MOREIRA PINTO, Dicionário Geográfico, 3:271 - RODRIGUES, Roteiro

do Tocantins, 92. - RIHGB, 12:497 E 508 - Mapa da capa da Revista do Arquivo Histórico Estadual (Goiás), n. 1).

Contagem de Muquém - Mencionada por Luís Antônio da Silva e Sousa em 1812. O arraial do "Moquém" ficava a 66 quilômetros de São José do Tocantins, hoje Niquelândia. Nesse arraial havia uma famosa capela de Nossa Senhora da Abadia. Nos mapas modernos aparece como "Muquém", no Município de Niquelândia. (FONTES: RIHGB, 12:496 - Almanach da Provincia de Goyaz, 1886, 142 - Mapa de Goiás POLIMAPAS)

Contagem - SANTA MARIA MADALENA

Contagem criada pelo governo de Minas Gerais, em 1807, na divisa com São Paulo, na margem do rio Jaguari-Mirim, perto de São João da Boa Vista. Estava localizado antes em Caldas. (FONTE: Documentos Interessantes, 11:462).

Contagem - SÃO BARTOLOMEU Referida em 1812. Ficava provavelmente no atual Município goiano de Luziânia, às margens do rio São Bartolomeu. (FONTE: RIHGB, 12:497 e 507).

Contagem - SÃO FÉLIX Existia em 1812. A velha São Félix de Carlos Marinho, Goiás, que teve até Casa de Fundição, é hoje um lugarejo abandonado na margem direita do rio Maranhão, no Município de Cavalcante, Goiás. (FONTE - RIHGB, 12:497).

Contagem - SÃO JOÃO DAS TRÊS BARRAS

Também existia em 1812. Ficava em terras que hoje pertencem ao Distrito Federal, onde até nossos dias há uma "chapada da contagem de São João". As ruínas da contagem ainda existiam em 1979, mas as terras foram "griladas" e invadidas por loteamentos, pelo que não as

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240

encontramos em 1991. (FONTES: RIHGB, 12:497 e 508 - mapa na capa da Revista do Arquivo Histórico Estadual (Goiás) n. 1 - Mapa do Distrito Federal, Polimapas, 1ª ed., 1979).

Contagem - TOCANTINS Parece ser o mesmo Registro de Tocantins. (FONTE: RIHGB, 12:497).

Contagem - CARMO Situada em Goiás (região hoje pertencente a Tocantins), é mencionada em 1812 por Luís Antônio da Silva e Sousa. O lugar chama-se atualmente Monte do Carmo. (FONTES: RIHGB, 12:497).

Contagem do Descoberto - AMARO LEITE

Situada na parte Sul de Goiás, segundo referência feita em 1812 por Luís Antônio da Silva e Sousa. Sua identificação foi difícil, em razão da mudança excessiva de topônimos no Estado de Goiás, exigindo consulta a diversas fontes. O local conhecido naquela época como "Descoberto de Amaro Leite" é a atual Porangatu. (FONTES: ARTIAGA, Geografia Econômica, Histórica

e Descritiva do Estado de Goiaz, 2:457 - CHAIM, Aldeamentos Indígenas, 42 - PALACIN & MORAES, História de Goiás, 12/13. - Revista do Arquivo Histórico Estadual, 1:25 - RIHGB, L 2:496).

Contagem do Descoberto - OURO PODRE

É mencionado em 1812 por Luís Antônio da Silva e Sousa. O Descoberto do Ouro Podre (ou Pobre, como às vezes aparece grafado) ficava no Município de Arraias. (FONTES: ALENCASTRE, Anais da Província de

Goiás, 256. - RIHGB, 12:497 e 463/464). Contagem do Príncipe Consta da lista de Luís Antônio da Silva e Sousa, de

1812. Ficava no atual Município de Natividade, onde ainda existe o povoado de Príncipe. (FONTES: RIHGB, 12:497 e 508 - Mapa de Goiás, Polimapas).

FONTE: http://www.receita.fazenda.gov.br

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ANEXO E RELAÇAO DOS PRODUTOS AGRO-PECUÁRIOS E MANUFATURADOS DOS QUAIS SE

COBRAM DÍZIMO NO BRASIL.

AÇUCAR ALGODÃO AIPIM ARROZ AZEITE BANANA BATATA CACAU CAÇA CAFÉ CANELA CARNE CERA CIDRA COURO CRAVO ENXAME FARINHA FAVA FEIJAO FRANGO FUMO GADO VACUM GADO CAVALAR GALINHA GOMA ERVA MATE LEGUMES E HORLALIÇAS LÃ LEITE LEITÃO LENHA MANDIOCA MANTEIGA MEL MILHO PESCADOS POMBOS QUEIJO TABACO SEBO TRIGO

Fonte: LYRA, Maria de Lourdes Viana.Os dízimos reais na Capitania de São Paulo. USP. 1970.

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242

ANEXO F Termo de fiança e Juramento prestado pelo colletor.

“Termo de fiança que presta neste juízo Militão Pinto da Silva. Aos quatro dias do mês de

novembro de mil oitocentos e trinta e nove annos, décimo oitavo da Independência, e do

Império nesta villa de Arraias Comarca de Cavalcante na Província de Goiáz em casas de

residência do senhor Juiz Municipal deste termo, o cidadão Manoel de Abreu Caldeira

para onde ou Tabelião de seu cargo adiante nomeado fui vindo, e findo ahiy, presente o

Tenente Manuel José Taveira, o Tenente Luiz Pinheiro Pinto Guimarães, e o ajudante

Joaquim José de Araújo Guimarães morador neste termo, e reconhecido de mim pelos

próprios de que trato, e dou fé, e por aquele foi dito que, de sua livre, e espontânea

vontade, e sem constrangimento de pessoa alguã vinha a este Juízo afinanciar a Militão

Pinto da Silva, para poder tomar posse, prestar juramento, e exercer o emprego, ou

ocupação de colletor das rendas Provinciais deste Termo, que ora estão a cargo do

capitão Eusébio Pinto de Barros, e que se obrigava por sua pessoa e bens indenizar todo, e

qualquer alcance que pudesse ter o dito seu fiador na respectiva Administração,

detestando(?) de si desde já todo, e qualquer privilégio que o possa isentar desta fiança, e

por estes foi dito que subsidiáriamente abonavam ao dito abonador Tenente Manuel José

Taveira, e ao afiançado Militão Pinto da Silva, aquele como abastado de bens que é neste

Termo, e comarca, onde possui bens de raiz quatro fazendas de gado,18 escravos e outros

muitos bens livres e desembargados, e este por ser possuidor de uma fazenda de gados, 5

escravos também livres e desembargados, e que tudo sendo approvado pelo dito Ministro

mandou lavrar este termo em que se assignou com o fiador, e testemunhas por mim

Balduíno Xavier de Oliveira Cortes, Tabelião público do judicial que o escrevi. Manuel

José Taveira = Luiz Pinheiro de Guimarães. Joaquim José de Araújo Guimarães =

Caldeira =

Termo de Juramento = aos mesmos quatro dias do mês e ano acima declarado nessa dita

Villa, Comarca e Província de Goiáz em casas de morada do senhor Juiz Municipal

Manoel de Abreu Caldeira e onde um Tabelião de seu cargo adiante nomeado fui vindo e

sendo ahiy presente o cidadão Militão Pinto da Silva morador nessa Villa e reconhecido

por mim pelo próprio de que trato e dou fé, a quem o dito Ministro deferiu o Juramento dos

Santos Evangelhos, sob cargo do qual lhe encarregou que bem, e verdadeiramente servisse

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243

o emprego, ou ocupação de Colletor das Rendas Provinciais deste Termo, visto achar-se

affiançado para este exercício pelo Tenente Manuel José Taveira, e sendo por elle recebido

o dito juramento de baixo delle assim o prometteu cumprir de que para constar mandou o

mesmo Ministro lavrar este termo em que se assignou com o Juramentado por mim

Balduíno Xavier de Oliveira Cortes Tabelião Público do Judicial que o escrevi = Militão

Pinto da Silva = Cldeira = Está conforme. Villa de Arraias 4 de Novembro de 1839 = o

Tabelião Balduíno Xavier de Oliveira Cortes.”407

Ordem de pagamento ao Tesoureiro das obras da catedral de Santa Anna:

O Inspetor de Thezouraria da Província ordena ao senhor Colletor Jacinto Ferreira Rego

que dos rendimentos provinciais havidos do 1° de Julho do anno passado pague ao

tesoureiro das obras da Cathedral de Santa Anna desta cidade, o Sr. Luiz Antonio

Brandão, a quantia de trezentos mil reis, sendo em notas 299#000Reis e e em moeda de

cobre corrente 1$000, por conta da quantia decretada no corrente anno financeiro para

reparo da mesma Cathedral, cobrando o Sr. Colletor o competente recibo. Tesouraria da

Província de Goiáz 21 de fevereiro de 1837. Luiz Gonzaga de Camargo Fleury.408

Recibo de pagamento:

Recebi na forma assima a quantia de trezentos mil reis, que delles tomou conta o Sr. João

Jozé da Silva pª os distribuir conforme as ordens de s. Excª.Rmª. Goiáz 25 de fevereiro de

1837. Antonio Luiz Brandão.409

Rs300$rs.

Recibo de pagamento:

Recebi do Sr. Alferes Colletor Joaquim de Faria Pereira a quantia de duzentos e sincoenta

e sinco mil cento e vinte réis em moeda de Cobre Corrente em virtude da portaria do Sr.

Inspetor da Theszuraria datada de dezesete de Agosto do Corrente anno por conta do que

a Fazenda Pública me he devedora das Côngoras vencido em qualidade de Parocho desta

407 AHG – Documentação avulsa, caixa 18. 408 AHG – Documentação avulsa, caixa 23, ano de 1837B. 409 Idem.

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244

Freguesia; a Saber do anno financeiro de 1833 a 1834de

resto do primeiro quartel

15$000reis do anno financeiro de 1834, digo 2°, 3° e 4° Quartéis 150$000e do 1° de

Semestre do anno financeiro de 1834a 1835 100$000que dará estas quantias a soma

declaradas monta na quantia de 255$120 e por ter recebido paço a presente por mim

somente assignado. Volla de Cavalcante 12 de Setembro de 1835.Francisco Joaquim

Coelho de (?).410

Remessa de dinheiro à Tesouraria Provincial:

Entrega o abaixo assignado pelo Colletor de Couros, José Gomes Corado na Thezouraria

Provincial novecentos e sete mil, trezentos e noventa réis, sendo em notas 733$reis e em

moeda corrente de cobre 174$390réis, porveniente de Impostos Provinciais rendimento do

anno financeiro de 1836 a 1837, a saber de Novos e Velhos Direitos 3$240, de Dízimos de

Miunças = 219$600, de dito do Café Fumo 5$850, dito do gado 551$100, de Imposto de

2$reis sobre as rezes de consumo 24$000, dito de 2$400, das vacas exportadas 9$600, dito

de 6$reis de Engenhos e Tavernas 60$000, e de Meias Sizas de escravos Ladinos

34$000reis o que verifica a saber em hum recibo de Commes.234$320,em dois documentos

de pagamentos 64$000reis,em notas 441$000e em moeda corrente de cobre 168$070.

Goiáz 9 de outubro de 1837.

Rs.907$390.Como procurador: Antonio José Avellar.411

Recebimento de percentual do Colletor:

Recebeu para si e seu escrivão o Colletor da Villa de Santa Cruz o Sargento Mor Manuel

de Souza Lobo a quantia de oitenta e nove mil, novecentos e qurenta e hum reis de

Comissoens de deduzidas da de 321#221 de Dízimos de Miunças do corrente anno

financeiro de 1836 a 1837, sendo em cobre 9$941e em notas 80$000reis. Goiáz 19 de Abril

de 1837.

Rs89$941.412

410 AHG – Documentação avulsa, caixa 24, ano de 1835. 411 AHG – Documentação avulsa, caixa 23, ano de 1837B. 412 AHG – Documentação avulsa, caixa 23, ano de 1837B.

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245

ANEXO G

Relação dos impostos cobrados em Goiás:

Em 1836, consta como receita provincial:413

• Décima de heranças e legados;

• Novos e velhos direitos de ofícios;

• Dízimos de miunças, inclusive o da cana e algodão;

• Dizimo do café e fumo, por ocasião da venda;

• Dízimo do gado vacum;414

• Décima dos prédios urbanos;415

• Taxa de 2$000 réis sobre cada rês morta;416

• Dizimo de 2$400 réis sobre vacas e novilhas que forem exportadas para fora da

província;

• Dízimo de 4$800 réis sobre éguas e poldras exportadas para fora da província;

• Terças partes dos ofícios de justiça;

• Taxa de 6$000 réis sobre engenhos e Tavernas em que se venderem águas ardentes

e licores;417

• Meia siza de escravos ladinos;

• Passagens dos rios

413 AHG – Documentação avulsa, caixa 20, pacote 1 – Assembleia Legislativa. 414 Quanto ao dízimo do gado ou miunças, decorridos dos dois meses de feita avença, deverião ser arrecadados pelo respectivo coletor, que deveria compelir os devedores remissos, de maneira que no fim do ano financeiro apresentasse a cobrança ou os termos em que se achavam as execuções. Do contrário o coletor seria multado em 10%, deduzidos da totalidade da dívida que deixou de arrecadar ou executar dentro do ano financeiro. AHG – Documentação avulsa, caixa 20, pacote 1 – Assembleia Legislativa, Atos legislativos, sessão extraordinária n°3. 415 Imposto cobrado sobre todos os prédios das cidades e vilas da província, sendo derrogados os artigos de 1830 e 1831. Estavam isentos da décima, os proprietários indigentes mediante atestados do pároco e Juiz de paz. AHG – Documentação avulsa, caixa 20, pacote 1 – Assembleia Legislativa, Atos legislativos, sessão extraordinária n°3. 416 O imposto de $005 réis sobre cada libra de carne verde instituído em 1809, e o imposto denominado Subsídio literário relativo a $320 réis estabelecido em 1805, foram substituídos pelo de 2$000 réis sobre cada rês morta para se vender em carne seca ou verde. AHG – Documentação avulsa, caixa 20, pacote 1 – Assembleia Legislativa, Atos legislativos, sessão extraordinária n°3. Em 1838, esse valor abaixou para 1$600 réis para cada rês. Em 1839 voltou a ser cobrado o valor de 2$000réis por rês. Em 1847 o valor era de 1$600 réis.AHG – Atos e Decretos – Estatutos Regimentos, Leis etc. Livro da lei Goiana – 1847 tomo 13 Titulo 2°, Receita Provincial, Capitulo único. 417 Em 1839 passou a ser cobrada a Taxa de 12$000 réis dos engenhos que fabricavam aguardente e se manteve a taxe de 6$000 réis sobre Tavernas. Um novo imposto cobrado desde o ano de 1838, foi o de 5% sobre o Salitre. AHG – Documentação avulsa, caixa 24.

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246

Para o ano de 1847, acresce-se as rendas provinciais, a cobrança de:

• 3% das fianças de crimes;

• Taxa de $500 réis por cada boi ou garrote de qualquer idade exportado.

• 20$000 réis por cada escravo ou escrava vendida para fora da Província.

• Passagens de rios, pagando cada carro carregado, a importância de 6$000réis e

vazio, 2$000réis.

• 10% do Ordenado pela aposentadoria de qualquer empregado;

• Taxa de 50$000réis pela patente para assentar alambique;

• Taxa de 2$000réis por cada barril, frasqueira garrafão, ou borracha com aguardente

de cana ou cachaça que entrar na província para ser comercializada.

Em 1860, outros impostos foram acrescidos a imensa lista existente. É provável que o

clima de hostilidade com o Paraguai tenha motivado tal atitude no intuito de aumentar as

rendas públicas.418

• 5% sobre os gêneros da lavoura conduzidos para as cidades, vilas e arraiais sendo

esses: açúcar, rapadura, marmelada, porcos em pé, toucinho, carnes de porco frescas

ou salgadas, fumo, café, milho em espigas ou grãos, farinha de mandioca ou de

milho, fubá, arroz e mamona;419

• 10% sobre cada barril de aguardente ou cachaça conduzido para cidades, vilas e

arraiais;

• 100$000 réis por cada escravo exportado;420

• 10$.000 réis por cada égua ou poldra, vaca ou novilha exportada;

• 10% sobre cada cabeça de gado de qualquer espécie;

• 10% sobre o valor de couros secos;

• 1$600 réis sobre rezas mortas para consumo;

418 AHG – Atos e Decretos – Estatutos – Registros – Regulamentos – Leis – Mensagens – Constituições. Decretos Imperiais, Caixa n 1. Livro da lei Goiana: 1860, Tomo 26, p. 13-19 419 Ver em ANEXO VI o valor cobrado sobre cada arroba transportada desses produtos. 420 No ano seguinte, além dessa taxa, cobrava-se 40$000réis pela venda de cada escravo, alienação dos mesmos e aquisição de venda vitalícia, excetuando-se somente a troca, que pagará 5% sobre o excedente. Pela aquisição de liberdade não se pagava o imposto (AHG – Atos e decretos – Coleção das leis da Província de Goiás, Tomo 29, parte 1, Lei n 350 de 31 de julho de 1863, titulo 2, pgs 9 a 18).Passou a cobrar-se também, além dos Novos e velhos Direitos e das terças partes dos ofícios de justiça, os Direitos sobre títulos de ofícios e empregos provinciais igual a 15% pagos mensalmente pelo desconto da 5ª parte até completar um ano.

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247

• Imposto sobre a casa do mercado;

• Siza de 5% deduzida do valor dos escravos vendidos;

• 1$000 réis por cada certidão passada pelo secretário do Liceu;

• 20% da aposentadoria de qualquer empregado provincial;

• Taxa de $400 réis cobrada sobre os seguintes animais:

o Que conduzirem gêneros sujeitos ao direito de exportação ou de montada de

qualquer viajante, além dos animais que conduzirem os trens dos escoteiros;

o Cavalares ou muares tocados e animais que puxarem os carros e que

atravessam das províncias limítrofes para esta; Ficavam isentos os animais

que conduzirem gêneros de produção na província para serem exportados,

dos quais só se cobrarão $160.

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248

ANEXO H Comissões dos coletores e escrivães: Objetos de Administração e Arrecadação – 1836

Comissão Total

Coletor

Escrivão

1DécimaUrbana; 15% 10% 5%

2-Taxa de Heranças e legados; 9% 5% 3%

3-Novos e Velhos Direitos; 5% 3% 2%

4-Dízimos de Miunças pela avenca; 13% 10% 3%

5-Ditos pela cobrança; 13% 10% 3%

6-Imposto de 20% sobre Agoas ardentes;

15% 10% 5%

7-Imposto de $005réis em libra de carne verde, Subsidio literário;

15% 10% 5%

8-Meia Siza sobre escravos; 5% 3% 2%

9-Dízimo do gado pela Avenca; 10% 7% 3%

10-Dízimo do gado pela cobrança; 10% 7% 3%

11-Avença do subnegado pelo colletor;

15% 7% 5%

12-Açúcar, café, fumo e algodão por avenca;

13% 10% 3%

13-Ditos pela cobrança; 13% 10% 3% Fonte: AHG – Documentação avulsa, caixa 21, pacote 1, ano de 1836 Tabela que regula as comissões dos coletores e escrivães na fiscalização e cobrança das Rendas Provinciais – 1838

Comissão Total

Coletor

Escrivão

1-Décima Urbana; 15% 10% 5% 2-Taxa de Heranças e legados; 10% 7% 3% 3-Novos,Velhos Direitos; 10% 7% 3% 4-Dízimos de Miunças pela avença;

15% 10% 5%

5-Ditos pela cobrança; 13% 10% 3% 6-Dizimo do Café 13% 10% 3% 7-Taxa de 1$600réis sobre rez que for morta

15% 10% 5%

8-Meia Siza sobre escravos; 10% 7% 3% 9-Dízimo do gado pela Avença; 15% 10% 5% 10-Dízimo do gado pela cobrança; 13% 10% 3% 11-Taxa de 2$400réis sobre vacas e novilhas exportadas

15% 10% 5%

12- Taxa de 4$800réis sobre éguas e poldras exportadas

15% 10% 5%

13-Taxa de 12$000réis sobre engenhos e de 6$000réis sobre

15% 10% 5%

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249

Taverna que vende licores espirituosos Taxa de 5%sobre o preço do Salitre 10% 7% 3% Taxa de 3% sobre o valor das fianças

10% 7% 3%

Terças partes dos ofícios de justiça 7% 5% 2% Rendimentos de Passagem 7% 5% 2%

Fonte: AHG – Documentação avulsa, caixa 25, Impostos provinciais. Ano 1838 Comissões dos coletores para o ano financeiro de 1839 e 1841 Percentual 1-Décima Urbana; 15% 2-Taxa de Heranças e legados; 10% 3-Novos,Velhos Direitos; 10% 4-Dízimos de Miunças 28% 6-Dizimo do Café e Fumo 26% 7-Taxa de 1$600réis sobre rez que for morta 15% 8-Meia Siza sobre escravos; 10% 9-Dízimo do gado 28% 10-Dízimo do gado pela cobrança; 13% 11-Taxa de 2$400réis sobre vacas e novilhas exportadas 15% 12- Taxa de 4$800réis sobre éguas e poldras exportadas 15% 13-Taxa de 12$000réis sobre engenhos e de 6$000réis sobre Taverna que vende licores espirituosos

15%

Taxa de 5%sobre o preço do Salitre 10% Taxa de 3% sobre o valor das fianças 10% Terças partes dos ofícios de justiça 7% Rendimentos de Passagem 7%

Fonte: AHG – Documentação avulsa, caixa 25, Impostos provinciais. Ano 1838.

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250

ANEXO I Relação dos postos de cobrança em Goiás,meados do século XVIII: registros e contagens. REGISTRO LOCALIZAÇÃO DISTÂNCIA MERCADORI

AS LOCAL DE EXPEDIÇÃO

R.do Rio das velhas

Rio das Velhas, caminho para Povoado

120 léguas de Vila Boa

Diversas Rio de Janeiro

R. das três Barras

Caminho que vai para as minas de Paracatu

52 léguas de Vila Boa

Fazendas, escravos, Gados, cavalgaduras, carne-seca, sal da terra, couro de veado e peixe

Bahia

R. do Pé de serra

Caminho do sertão pra Pilar e Crixás

52 léguas de Vila Boa

Diversas Bahia

R.de Santa Luzia

Arraial de Stª Luzia 64 léguas de Vila Boa

Diversas Bahia e Sertão

R. de S. Bernardo

Próximo a São José das minas do Tocantins

83 léguas de Vila Boa

Bahia e Sertão

Registro Na beira do rio Tocantins

13 léguas (das minas de Tocantins)

Gado, carne seca e sabão da terra, poucas cavalgaduras

Sertão das Terras Novas

Boqueirão421

R. de Cavalcante

Arraial de Cavalcante 23 léguas distante do R. de Boqueirão

“Os mesmos effeitos que o antecedente”

Sertão das Terras Novas e Ribeira do Paraná

R de são Felix

Arraial de São Felix 17 léguas do R. do Rio Tocantins

Gado, carne seca e sabão

Sertão das Terras Novas, Ribeira da Palma e de Tocantins

Registro Arraial do Carmo das Minas de São Felix

2 léguas do Registro de São Felix

_

_

Registro Arraial da chapada das minas de são Felix

5 léguas do Arraial do Carmo

_

_

Registro Minas de Arrayas 40 léguas do Arraial das Minas de São Felix

_

_

421 Trata-se da única referência que o documento faz a uma contagem.

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251

Registro Minas de Natividade 70 léguas até as Minas de são Felix

_

_

Registro Descoberto do Carmo (das minas de Natividade)

36 léguas do registro anterior

_

_

Fonte: AHU – doc. 395; AHU- Mato Grosso, cx. 39, doc. 51; AHU – ACL – CU - 008, cx. 5, doc. 395

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252

ANEXO J

FIGURA 1 - Mapa das contagens. Capitania de Goiás, 1767. Fonte: AHU – ACL – CU - 008, caixa 24, doc. 1496

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253

ANEXO K Avaliação dos produtos para o ano de 1842

Vila de Santa Luzia Vila de Catalão Distrito de Santa Rita

Milho $300 alqueire $400 $ 460 Feijao $900 alqueire $640 $ 960 Arroz $480alqueire $400 $ 960 Mamona $600 $800 $ 640 Farinha $600 alqueire $960 $ 960 Trigo 1$800 alqueire 4$000 - Algodao $900 arroba $960 $600 Cana 2$000 carro 3$000 1$600 Café 1$600 arroba 3$800 - Fumo 1$200 arroba 3$200 -

Fonte: AHG – Documentação avulsa, caixa 34, pacote 1, ano de 1842.

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