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Rio de Janeiro 2018 Maj Art GUILHERME TASSO DANTAS SANFELICE As interferências externas no Regime de Bashar al- Assad e suas contribuições para o prolongamento da Guerra Civil na Síria ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

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Rio de Janeiro

2018

Maj Art GUILHERME TASSO DANTAS SANFELICE

As interferências externas no Regime de Bashar al-Assad e suas contribuições para o prolongamento

da Guerra Civil na Síria

ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO

ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

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Maj Art GUILHERME TASSO DANTAS SANFELICE

As interferências externas no Regime de Bashar al-Assad e suas contribuições para o prolongamento

da Guerra Civil na Síria

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares.

Orientador: Ten Cel Inf José Roberto de Vasconcellos Cruz

Rio de Janeiro 2018

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S194i Sanfelice, Guilherme Tasso Dantas As interferências externas no Regime de Bashar al-Assad

e suas contribuições para o prolongamento da Guerra Civil na Síria. /Guilherme Tasso Dantas Sanfelice. - 2018. 62 f.: il ; 30cm.

Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em

Ciências Militares) - Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2018.

Bibliografia: f. 59-61.

1. Síria. 2. Guerra Civil. 3. Interferências externas. I. Título. CDD 355

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Maj Art GUILHERME TASSO DANTAS SANFELICE

As interferências externas no Regime de Bashar al-Assad e suas contribuições para o prolongamento

da Guerra Civil na Síria

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares.

Aprovado em ___ de ___ de 2018.

COMISSÃO AVALIADORA

____________________________________________________________ JOSÉ ROBERTO DE VASCONCELLOS CRUZ – Ten Cel Inf – Presidente

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

_________________________________________________________ HARYAN GONÇALVES DIAS – Ten Cel Art - Membro

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

________________________________________________________ FRANCISCO EDUARDO FERNANDES HENN – Maj Art - Membro

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

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À minha amada esposa Kelly e

filha Beatriz uma justa

homenagem pelo apoio

incondicional, amor e carinho

dispensados a mim em todos os

momentos de minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelas bênçãos derramadas em minha vida e por ter me

concedido saúde e sabedoria para a consecução de mais este objetivo.

À minha amada esposa Kelly, verdadeira guerreira, pelo amor que me dedica

e pelo apoio incondicional. Obrigado pela compreensão, amizade, companheirismo e

pela revisão ortográfica do trabalho. Você foi fundamental nessa caminhada.

À minha amada filha Beatriz, por diariamente renovar minhas forças e por ser

minha principal fonte de inspiração. Obrigado por tudo o que você representa para o

papai.

Minha eterna gratidão aos meus pais, Marcos e Ivany, pela educação

exigente que moldou o meu caráter, e pelos exemplos de amor, retidão e

responsabilidade.

Ao Exército Brasileiro e à Escola de Comando e Estado-Maior, pela

oportunidade de ampliar e consolidar meus conhecimentos.

Ao meu orientador, Tenente Coronel Cruz, pelas orientações sempre seguras

e precisas. Seu vasto conhecimento do assunto e inestimável apoio foram

fundamentais para a conclusão desse trabalho.

Por fim, meu muito obrigado a todos que, direta ou indiretamente,

contribuíram para que este momento se concretizasse.

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RESUMO

A Guerra Civil da Síria é considerada a maior tragédia humanitária deste

século. Com mais de 7 anos de duração, já fez mais de 400 mil mortos e obrigou

mais de 5 milhões de sírios a se refugiarem em outros países.

O confronto iniciado em 2011, entre o governo local e os rebeldes

insurgentes, ganhou grandes proporções, arrastando potências regionais e globais

para o conflito. Assim, a presença de inúmeros atores, com interesses divergentes,

vem transformando a Guerra da Síria em um complexo xadrez geopolítico. No

âmbito interno, lutando entre si, estão presentes o governo Sírio, liderado por Bashar

al-Assad, os rebeldes sunitas, os grupos terroristas e os Curdos. No âmbito externo,

estão presentes a Rússia, o Irã e o grupo libanês Hezbollah, dando suporte ao

Bashar al-Assad, visando a manter sua influência na região e fortalecer o ramo xiita

no Oriente Médio. Contra o Regime de Bashar al-Assad, aparecem os Estados

Unidos da América, os aliados ocidentais, a Arábia Saudita e a Turquia, apoiando os

rebeldes sunitas e lutando contra o Estado Islâmico. Permeando esse conflito,

encontra-se a Organização das Nações Unidas incapaz de solucionar o problema,

uma vez que as sanções ao governo sírio são sistematicamente barradas por Rússia

e China, países com poder de veto.

Nesse contexto, observou-se que o atual sistema de governança global se

mostra ineficaz diante do complexo jogo de interesses das potências regionais e

globais envolvidas no conflito. Diante desse cenário, o estudo buscou estabelecer

uma relação entre as interferências externas na guerra síria, detalhando o

posicionamento de cada ator, com o prolongamento do conflito.

Palavras-chave: Síria; guerra civil; interferências externas.

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ABSTRACT

The Syrian Civil War is considered the greatest humanitarian tragedy of this

century. With more than 7 years of duration, it has already killed more than 400,000

people and forced more than 5 million Syrians to flee from their countries.

The confrontation that began in 2011, involving local government and

insurgent rebels, gained large proportions, dragging regional and global powers into

the conflict. Thus, the presence of countless actors, with divergent interests, has

been transforming the Syrian War into a complex geopolitical chess game. Internally,

fighting each other, the Syrian government, led by Bashar al-Assad, the Sunni

insurgents, the terrorist groups and the Kurds are present. Outside, Russia, Iran and

the Lebanese Hezbollah group supporting Bashar al-Assad are present in order to

maintain their influence in the region and strengthen the Shia branch in the Middle

East. Against the Bashar al-Assad regime, the United States of America, the Western

allies, Saudi Arabia and Turkey appear, supporting the Sunni insurgents and fighting

against the Islamic State. Permeating this conflict, the United Nations is unable to

solve the problem, since sanctions on the Syrian government are systematically

blocked by Russia and China, countries with veto power.

In this context, it has been observed that the current system of global

governance is ineffective in view of the complex set of interests of the regional and

global powers involved in the conflict. Considering this scenario, the study sought to

establish a relationship between external interference in the Syrian War, detailing the

position of each actor, with the prolongation of the conflict.

Keywords: Syria; civil war; external interference.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Território do Império Otomano em 1680 ......................................... 18

Figura 2 Território da Síria pós independência .............................................. 19

Figura 3 Diagrama de relações da Guerra na Síria ....................................... 23

Figura 4 Controle militar sobre a Síria ........................................................... 25

Figura 5 Estrutura política e militar da oposição ............................................ 27

Figura 6 Relação entre Curdos, Turquia e Estado Islâmico .......................... 33

Figura 7 Região síria ocupada pelos Curdos ................................................ 34

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 10

1.1 PROBLEMA........................................................................................... 12

1.2 OBJETIVOS........................................................................................... 13

1.2.1 Objetivo Geral....................................................................................... 13

1.2.2 Objetivos Específicos.......................................................................... 13

1.3 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA............................................................ 14

2 REFERENCIAL METODOLÓGICO....................................................... 15

3 A REPÚBLICA ÁRABE DA SÍRIA........................................................ 17

4 FORÇAS INTERNAS NO CONFLITO................................................... 22

4.1 GOVERNO DE BASHAR AL-ASSAD.................................................... 23

4.2 GRUPOS REBELDES............................................................................ 26

4.3 GRUPOS EXTREMISTAS ISLÂMICOS................................................. 29

4.4 CURDOS ............................................................................................... 33

5 INTERFERÊNCIAS EXTERNAS NO CONFLITO ................................ 36

5.1 FRENTE DE OPOSIÇÃO AO BASHAR AL-ASSAD.............................. 39

5.1.1 Estados Unidos da América e Aliados Ocidentais........................... 39

5.1.2 Arábia Saudita ..................................................................................... 41

5.1.3 Turquia.................................................................................................. 43

5.2 FRENTE ALIADA AO BASHAR AL-ASSAD.......................................... 45

5.2.1 Rússia.................................................................................................... 45

5.2.2 Irã........................................................................................................... 48

5.2.3

5.3

Hezbollah..............................................................................................

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS..............................................

50

52

6 CONCLUSÃO ....................................................................................... 55

REFERÊNCIAS...................................................................................... 59

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1 INTRODUÇÃO

A Guerra Civil da Síria é considerada a maior tragédia humanitária deste

século. “Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), a guerra

já fez mais de 400 mil mortos e obrigou cerca de 5 milhões de sírios a se refugiarem

em outros países” (VASCONCELOS, 2017, p.49).

A República Árabe da Síria se localiza no Oriente Médio, sendo banhada a

oeste pelo Mar Mediterrâneo e fazendo fronteira a norte com a Turquia, a leste com

o Iraque, a sul com a Jordânia e a oeste com o Líbano. O país, considerado o berço

da civilização, se caracteriza pela heterogeneidade étnica e religiosa de seu povo.

Os diversos grupos étnicos que habitam o país, aliados à diversidade religiosa,

tornam o país um campo fértil para a ocorrência de conflitos.

Desde 1963, a Síria vive um regime de exceção, onde as garantias

constitucionais que protegem a população estão suspensas. O autoritarismo da

família Assad, presente no governo sírio desde 1970, expôs o país ao contexto da

Primavera Árabe. “A Primavera Árabe foi a onda de protestos populares que atingiu

vários países do Oriente Médio e do norte da África no início de 2011, provocando a

queda de ditadores na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen” (VASCONCELOS,

2017, p.49).

A repressão de Bashar al-Assad aos levantes populares, somados à

insatisfação com a corrupção governamental e com o elevado índice de

desemprego, foi o estopim para a conflagração do conflito entre os rebeldes e o

governo sírio, em março de 2011.

De acordo com Furtado, Roder e Aguilar (2014), as concessões feitas pelo

presidente Bashar al-Assad - encerrando o estado de emergência que durava 48

anos, aprovando uma nova Constituição e realizando eleições multipartidárias - não

foram suficientes para impedir que a oposição continuasse combatendo e exigindo

sua queda.

Em pouco tempo, os rebeldes passaram a lutar pelo domínio de territórios e

pela deposição de Bashar al-Assad. Aliada às questões políticas e territoriais, o

conflito adquiriu um novo perfil: “a disputa adquiriu contornos sectários, opondo

muçulmanos sunitas (maioria da população síria) a alauítas, ramo do islamismo xiita

ao qual pertence Assad” (VASCONCELOS, 2017, p.50). Assim, o caráter religioso

do confronto trouxe potências regionais e atores não estatais para o conflito, dando-

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lhe uma nova dimensão. Em pouco tempo, alcançou uma escala global, envolvendo

grandes potências com interesses antagônicos.

Com mais de 7 anos de duração, a Guerra da Síria se caracteriza pelo

envolvimento de diversos atores internacionais. O ator internacional é definido como

“a autoridade, a organização, o grupo e, inclusive, no limite, toda pessoa capaz de

desempenhar uma função no campo internacional. Ter uma função consiste em

tomar uma decisão e exercer influência sobre os detentores do poder” (DIAS, 2010,

p.62). O presente estudo adotará o ator internacional como aquela unidade cujo

comportamento ou ação impacta a vida internacional, incluindo, por exemplo, os

grupos religiosos, os partidos e sindicatos internacionais, os grupos assistenciais, os

membros do G-20 e G-8, a FIFA, o CSNU e grupos terroristas como Al-Qaeda e EI.

“Há uma enorme variedade e pluralidade de atores, e todos têm como característica

geral que a ação que realizam ultrapassa, em significado e importância, as fronteiras

nacionais, ou seja, é identificada pela sua transnacionalidade” (DIAS, 2010, p.61).

Nesse contexto é possível identificar os inúmeros atores internacionais

presentes na Guerra da Síria, cada um com seus interesses. De acordo com Martins

(2015), a região do Oriente Médio, historicamente, tem se apresentado como área

de interesse internacional, pois, além de apresentar importância geopolítica, é

detentora da maior parte das reservas mundiais de petróleo, tão importantes para a

economia das grandes potências. Assim, o confronto iniciado em 2011, entre o

governo local e os rebeldes insurgentes, ganhou grandes proporções, arrastando

potências regionais e globais para o conflito. A presença de diferentes atores

internacionais, alguns com protagonismo no cenário internacional, tem abalado a

sociedade internacional.

Assim, a participação desses atores de relevância no cenário internacional e

com interesses divergentes transformou a Guerra da Síria em um complexo xadrez

geopolítico. “Na história conturbada do Oriente Médio, é difícil encontrar um conflito

mais complexo do que a atual guerra civil na Síria” (ALBERO, 2016, p.2).

De um lado, está o Governo Sírio, liderado por Bashar al-Assad. Os rebeldes

sunitas formam a oposição, sendo o Exército Livre da Síria a força organizada de

maior expressão. Uma terceira força é representada pelos grupos terroristas do

Estado Islâmico e da Frente de Combate do Levante, braço da Al Qaeda. Por fim, os

Curdos lutam para se estabelecerem como Estado em territórios na Síria e em

países vizinhos.

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A disputa interna se tornou mais complexa com a entrada de potências

regionais e globais. A Rússia, o Irã e o grupo libanês Hezbollah dão suporte a

Bashar al-Assad, visando a manter sua influência na região e fortalecer o ramo xiita

no Oriente Médio. Os Estados Unidos da América, os aliados ocidentais, a Arábia

Saudita e a Turquia apoiam os rebeldes sunitas contra o Regime de Bashar al-

Assad, além de lutarem contra o grupo terrorista Estado Islâmico. Essa dinâmica de

suporte se dá, principalmente, pelo empoderamento das forças apoiadas, o que

convencionou-se chamar de guerra por procuração. “Nos centros de instrução militar

do Ocidente, a Guerra da Síria é usada como exemplo de guerra por procuração,

uma guerra por delegação em que várias potências se enfrentam indiretamente

através de terceiros” (ALBERO, 2016, p.3).

Permeando esse conflito, encontra-se a Organização das Nações Unidas

incapaz de solucionar o problema. “As tentativas dos EUA e de seus aliados de

imporem sanções ao governo sírio por meio do Conselho de Segurança da ONU

foram sistematicamente barradas por Rússia e China, países com poder de veto”

(VASCONCELOS, 2017, p.52).

Observa-se, atualmente, que a principal característica da sociedade

internacional e seus inúmeros atores é a ausência de um poder político centralizado,

coercitivo, e capaz de fazer valer as regras e normas estabelecidas. “A sociedade

internacional é complexa e anárquica. Vários são os fatores que influenciam

diretamente no seu ordenamento” (JUNIOR E MATOS, 2006, p.71).

Nesse contexto, pode-se inferir que as interferências externas na Guerra da

Síria têm paralisado qualquer possibilidade de paz na região. Os interesses

divergentes dos inúmeros atores envolvidos tornam o conflito ainda mais complexo e

de difícil solução. Assim, esta pesquisa busca compreender como essas

interferências externas, regionais e globais, têm contribuído para o prolongamento

da Guerra Civil na Síria.

1.1 O PROBLEMA

É no contexto acima descrito que surge a problemática da pesquisa que ora

se desenvolve: As interferências externas no Governo de Bashar al-Assad vêm

contribuindo para o prolongamento da Guerra Civil da Síria?

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1.2 OBJETIVOS

Segundo Creswell, a declaração do objetivo é a parte mais importante de todo

o estudo, e precisa ser apresentada de maneira clara e específica. Além disso, ele

ressalta que devido à essa importância, a declaração desse propósito deve ser

estabelecida de forma separada de outros aspectos do estudo, sendo estruturada

em um tópico exclusivo. Assim, esta pesquisa apresenta, a seguir, o objetivo geral e

seus quatro objetivos específicos.

1.2.1 Objetivo Geral

As interferências externas no Regime de Bashar al-Assad vêm contribuindo

para o prolongamento da Guerra Civil da Síria? Ao responder esta pergunta, este

trabalho encontra o seguinte objetivo geral, conforme descrito a seguir:

Verificar quais são as interferências externas no Regime de Bashar al-Assad,

compreendendo suas responsabilidades no prolongamento da Guerra Civil da Síria.

1.2.2 Objetivos Específicos

A fim de viabilizar a consecução do objetivo geral apresentado, foram

formulados alguns objetivos específicos a serem alcançados, que balizarão o

encadeamento lógico do raciocínio descritivo apresentado neste estudo e que serão

elencados em seguida:

a. Descrever a República Árabe da Síria, abordando os principais aspectos

históricos, políticos, sociais e religiosos que contribuíram para a formação desse

país;

b. Descrever a Guerra na Síria, abordando os atores internos envolvidos no

conflito, bem como seus interesses. Como atores internos, considerou-se o próprio

governo Sírio e suas forças estatais, os grupos rebeldes contrários ao governo, os

grupos extremistas atuantes no território sírio e os curdos;

c. Estudar as interferências externas, regionais e globais, na Guerra da Síria,

descrevendo os atores que compõem a frente de oposição ao Presidente Bashar al-

Assad. Considerou-se como frente de oposição ao Bashar al-Assad os Estados

Unidos América e seus aliados, a Arábia Saudita e a Turquia;

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d. Estudar as interferências externas, regionais e globais, na Guerra da Síria,

descrevendo os atores aliados ao Governo de Assad, destacando seus interesses

no conflito. Considerou-se como frente aliada ao Bashar al-Assad a Rússia, o Irã e o

grupo libanês Hezbollah.

1.3 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA

Esta seção objetiva discorrer de forma sucinta acerca dos principais tópicos

que justificam a relevância deste trabalho. Desta forma, a importância desta

proposta de pesquisa está apoiada nos seguintes aspectos:

O estudo da Guerra da Síria é relevante na medida que este conflito é

considerado a maior tragédia humanitária do século XXI. As consequências

negativas dessa guerra foram assim relatadas: “A guerra se transformou na maior

tragédia humanitária deste século. Mais de 400 mil pessoas morreram desde 2011 e

cerca de 40% da população síria tornou-se refugiada interna ou externamente”

(SASAKI, 2017, p.45).

A principal característica dessa guerra é a presença de inúmeros atores

internacionais. Várias potências regionais e globais foram arrastadas para o conflito,

criando uma complexa teia de interesses que, em última análise, vem contribuindo

para o prolongamento da guerra.

Desse modo, enfatiza-se que o melhor entendimento da guerra e a

identificação dos atores responsáveis por paralisar a solução do conflito podem

servir de subsídio para uma reestruturação da governança global, visando ao tão

esperado estabelecimento da paz.

Em suma, a proposta desta pesquisa é relevante para os estudiosos da

guerra e da paz, uma vez que permitirá integrar conhecimentos associados à

política, à estratégia, à geopolítica e às relações internacionais, possibilitando o

desejado entendimento do problema e, em outra fase, a apresentação de uma

possível solução.

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2 REFERENCIAL METODOLÓGICO

Nessa seção, será apresentada a metodologia utilizada para desenvolver o

trabalho, evidenciando-se os seguintes tópicos considerados: tipo de pesquisa;

universo e amostra; coleta de dados; tratamento de dados; e limitações do método.

A presente pesquisa foi qualitativa, uma vez que privilegiou a análise de

documentos, livros e de publicações para chegar às conclusões. A fim de atender

aos objetivos específicos levantados, buscou-se o maior número possível de fontes.

Seguindo a taxionomia de Vergara (2008), esta pesquisa caracterizou-se

como correlacional, explicativa, bibliográfica e documental. Correlacional porque

apresentou dois objetivos essenciais para a pesquisa, a Guerra da Síria e as

interferências externas nesse conflito, buscando relacionar os pontos de contato

entre eles. Explicativa porque esclareceu as relações estabelecidas entre a Guerra e

os atores envolvidos. Bibliográfica porque apresentou uma fundamentação teórico-

metodológica na investigação dos assuntos disponíveis em livros, manuais,

relatórios e artigos de acesso livre ao público em geral. Documental porque utilizou

documentos, livros, relatórios e outras fontes.

O universo deste trabalho restringiu-se à República Árabe da Síria, desde a

eclosão de sua Guerra Civil, em 2011, até o mês de abril de 2018. A amostra teve

como elementos principais a Guerra da Síria propriamente dita e os atores externos

que foram arrastados para o conflito, relacionando a participação desses atores com

o prolongamento da guerra.

O trabalho de pesquisa bibliográfica foi realizado por meio de consultas às

bibliotecas físicas e virtuais da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

(ECEME), da leitura de livros, de periódicos, de artigos publicados sobre o assunto e

da consulta a publicações na internet, principalmente nos sítios:

periodicos.capes.gov.br; academia.edu; scielo.br; e scholar.google.com.br.

Para o tratamento dos dados foi empregada a análise de conteúdo, descrita

como sendo “uma técnica para o tratamento de dados que visa identificar o que está

sendo dito a respeito de determinado tema” (VERGARA, 2008). Desta forma, foram

identificados os eventos mais importantes da guerra em estudo, assim como os

principais atores envolvidos no conflito. Foi usada a grade aberta de análise, na qual

foram identificadas as categorias para análise na medida em que foram surgindo,

sendo elas reajustadas durante o desenvolvimento da pesquisa, para, enfim, serem

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estabelecidas as relações finais. A unidade de análise da pesquisa é o parágrafo, e

a análise foi apoiada em procedimentos interpretativos.

O principal óbice encontrado referiu-se à coleta de dados. Apesar de existir

uma grande disponibilidade de fontes, os dados e informações acerca do tema são

abordados, em sua maioria, de modo superficial e parcial. A continuação desse

conflito - caracterizado pelo dinamismo, pela incerteza e pela complexidade -

dificulta a análise deste. Vale ressaltar que esse óbice não comprometeu o completo

entendimento das relações estabelecidas no estudo. No entanto, mesmo com

possíveis limitações, a metodologia escolhida foi acertada e possibilitou alcançar

com sucesso o objetivo final desta pesquisa.

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3 A REPÚBLICA ÁRABE DA SÍRIA

De acordo com a constituição adotada em 2012, a República Árabe da Síria é

uma república unitária. O presidente é o chefe de Estado e o primeiro-ministro é

o chefe de Governo. O artigo 8° dessa constituição afirma que o sistema político é

baseado no princípio do pluralismo político, cabendo a todos a participação

democrática por meio do voto.

O poder legislativo é representado pelo Conselho dos Povos, o órgão

responsável pela aprovação de leis, pelas dotações do governo e pelo debate

político. No entanto, como resultado da guerra civil instaurada no país,

vários governos alternativos foram formados sem eleições populares, incluindo o

Governo Provisório da Síria. Esses autodeclarados governos de oposição, em

especial o Partido de União Democrática, têm ameaçado a autoridade e a

legitimidade do governo de Bashar al-Assad, aumentando o conflito no país.

No entanto, para entender a trajetória do país que culminou em uma guerra

civil e na instabilidade do Oriente Médio, se faz necessária uma ambientação sobre

a história dessa região. O entendimento da formação da República Árabe da Síria

em seus aspectos políticos, sociais e religiosos, permitirá uma análise apurada das

atuais intervenções externas no Oriente Médio.

É impossível entender a situação política atual do Oriente Médio sem levar em conta a histórica intervenção das potências ocidentais. Esta ingerência externa nos países da região se acentuou nos últimos cem anos, estimulando conflitos internos e moldando a forma como a sociedade muçulmana enxerga o Ocidente (SOARES, 2016, p. 38).

A história da República Árabe da Síria está vinculada à evolução da

civilização. “Devido à sua localização no mediterrâneo, e em função da presença de

grandes rios com terras agricultáveis, a posição geográfica da Síria sempre foi

importante para a conexão entre as potências ocidentais e seus domínios na Ásia”.

(ZAHREDDINE, 2013, p.7).

Grandes impérios se estabeleceram na região, com destaque para o último

califado, o Império Otomano (1281 -1922). Os otomanos, povos islâmicos oriundos

da Ásia Central e do Oriente Médio, fundaram um vasto império no século XIII.

Inicialmente, seus domínios abrangiam territórios no norte da África, no Oriente

Médio e na Europa. “O Império Otomano unificou o sistema administrativo, embora

fosse muito heterogêneo sob o ponto de vista cultural, étnico e religioso. Durante

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sua longa duração, conviveram xiitas, sunitas, cristãos e judeus” (FERNANDES E

ANNARUMMA, 2012, p. 169).

Em seu auge, no século XVII, o Império Otomano era multinacional,

multilíngue e controlava um vasto território que englobava parte do sudeste da

Europa, da Ásia Ocidental, do Cáucaso, do norte de África e do Chifre da África.

Nesse período, o império contava com trinta e duas províncias e numerosos estados

vassalos, conforme figura abaixo:

Figura N° 1: Território do Império Otomano em 1680. Fonte: http://reinosepovosturcos.blogspot.com.br - acesso em 15/03/18 A partir do século XIX, o império entrou em decadência. De acordo com

Fernandes e Annarumma (2012), no início do século XX, o Império já estava

enfraquecido e endividado, passando a ser desejado pelas principais potências

europeias. Em 1908, foi descoberto petróleo na região, despertando ainda mais o

interesse de outros países ocidentais.

Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, boa parte do Oriente Médio

integrava o Império Otomano, enquanto outros territórios já se encontravam sob

controle britânico e francês. De acordo Zahreddine (2013), após a Primeira Guerra

Mundial, em 1920, os franceses receberam da Liga das Nações o Mandato dos

atuais Líbano e Síria, enquanto os britânicos se tornaram mandatários da Palestina,

Iraque e Transjordânia.

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A “Grande Síria” do mandato francês, neste momento histórico, era formada pelos atuais Líbano, Síria e a província Turca de Hatay. É importante salientar que tanto o Líbano quanto a Síria são sociedades marcadas pela presença de minorias étnicas e religiosas importantes, sendo este um elemento fundamental para o entendimento dos problemas que a região vivenciará no início século XXI. Os franceses utilizaram da estratégia “dividir para governar” com o intuito de desarticular movimentos nacionalistas mais robustos que pudessem pôr em risco os projetos da potência mandatária (ZAHREDDINE, 2013, p.8).

A Síria permaneceu sob Mandato Francês do final da primeira Guerra

Mundial até o final da Segunda Grande Guerra, quando se tornou independente em

1946, já como uma república parlamentar.

Figura 2: Território da Síria pós independência

Fonte: https://researchgate.net/figure/Map-of-Syria - acesso em 14/03/2018 A Síria viveu momentos de turbulência após sua independência,

principalmente no período de 1949 a 1971. Golpes militares com o objetivo de tomar

o poder abalaram o País nesse período. De 1946 a 1958, a República da Síria foi

governada por dez presidentes. Em 1958, Egito e Síria se unem, criando a

República Árabe Unida (RAU), governada pelo Presidente Nasser. Com o fim da

RAU em 1961, o partido Baath Sírio teve papel fundamental para a transformação

política da Síria. Esse partido realizou um golpe de Estado, assumindo o governo da

República Árabe da Síria. Segundo Vasconcelos (2017), em 1970, após um golpe

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promovido pelo General Hafez al-Assad, a família Assad assume o governo sírio,

conduzindo-o com rigor até os dias atuais.

Este breve retrato das sucessões presidenciais na Síria revela a complexidade da composição política no país, sendo que, somente a partir de 1971 o presidente Hafez al Assad cria as condições para controlar mais firmemente as forças armadas e os principais grupos político-confessionais do país. A maior presença das minorias nas Forças Armadas, bem como em cargos políticos e na burocracia síria, criou um grupo altamente fiel ao presidente e à sua família, o que pode ser visto claramente na guerra civil iniciada em 2011 (ZAHREDDINE, 2013, p.9).

De acordo com Vasconcelos (2017), desde a década de 1960, a Síria

encontra-se sob estado de emergência, o que significa que as garantias

constitucionais que protegem a população permaneciam suspensas. Com a

ascensão de Bashar al-Assad em julho de 2000, o cenário não mudou, levando a

população síria a se levantar contra o governo de Assad em 2011, já no contexto da

Primavera Árabe. “Pela primeira vez na história de várias nações árabes, multidões

tomaram as ruas e desafiaram seus ditadores, para exigir abertura política, respeito

aos direitos humanos e melhores condições de vida em economias estagnadas”

(OLIC E CANEPA, 2014, p. 34).

Questões religiosas também fazem parte da história da Síria e do Oriente

Médio, sendo a causa de vários conflitos sectários. A maioria da população síria

segue a religião islâmica, assim como boa parte do Oriente Médio. “O islamismo,

cujos seguidores são conhecidos como islâmicos ou muçulmanos, é uma religião

monoteísta baseada nos ensinamentos de Maomé” (SOARES, 2016, p. 42).

Segundo Soares (2012), os muçulmanos dividem-se em diversas correntes, sendo

as duas principais vertentes: os sunitas (com cerca de 85% da população) e os xiitas

(minoria com 15% da população).

A origem da divisão remonta à disputa pela sucessão de Maomé à frente do islã no século VII. Enquanto os sunitas defendiam como guia qualquer muçulmano proeminente, os xiitas acreditavam que apenas os descendentes diretos do profeta poderiam ocupar posição de califas, autoridade máxima na política e na religião (VASCONCELOS, 2017, p.49).

Após a morte de Maomé, eclodiu uma guerra civil entre as duas correntes,

sendo vencida pelos sunitas. Segundo Vasconcelos (2017), em 1979, a rivalidade foi

reavivada na Revolução Iraniana, que levou os xiitas ao poder. O crescimento

político do Irã ameaçou a hegemonia da Arábia Saudita, guardiã da tradição sunita

na região. Assim, ao longo da história, o Oriente Médio convive com o antagonismo

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entre muçulmanos xiitas e sunitas, transbordando o conflito religioso e alcançando

disputas geopolíticas.

Na verdade, a rivalidade é alimentada menos pela imposição de uma vertente religiosa sobre a outra; trata-se mais de uma disputa por poder local e regional. Nessa estratégia, os governantes acabam insuflando o ódio religioso para atingir seus objetivos políticos – seja o controle do poder local, a expansão da influência regional ou a distribuição das riquezas nacionais para o seu grupo de apoio (SOARES, 2016, p.44).

As divergências entre sunitas e xiitas fazem parte da história da Síria. Desde

sua independência, os sunitas da Irmandade Muçulmana disputam o poder com os

alauítas. “A Irmandade Muçulmana é um movimento social criado por Hassan al

Banna, no Egito em 1928, que tinha como fundamento a renovação espiritual e a

promoção do Islã enquanto princípio organizador de todas as esferas da vida social”

(MITCHELL, 1969, apud MARTINS, 2015, p.19).

Em 1966, um golpe dentro do partido Baath limitou a liderança do partido ao

grupo alauíta, afastando a Irmandade Muçulmana do poder. “Os alauítas eram

considerados pela opinião tradicional sunita como uma seita herética, e o domínio do

aparelho estatal por integrantes da comunidade alauíta impeliu a comunidade sunita

a demonstrar insatisfação” (PIRES, 2013, apud MARTINS, 2015, p.20). Assim,

herdando divergências religiosas, o conflito iniciado em 2011 “adquiriu contornos

sectários, opondo muçulmanos sunitas (maioria da população síria) a alauítas, ramo

do islã xiita ao qual pertence Assad” (VASCONCELOS, 2017, p. 50). A complexa

distribuição étnico-religiosa dos mais de 21 milhões de sírios ocorre da seguinte

maneira: “árabes sunitas (60%); árabes alauítas (12%); curdos sunitas (9%); cristãos

grego-ortodoxos (9%); cristãos armênios (4%); árabes drusos (3%); árabes ismaelis

(2%); 1% entre assírios, judeus, turcomenis e circassianos” (MARTINS, 2015, p.21).

Dessa forma, o caráter religioso do conflito arrastou potências regionais para

ele, dando-lhe uma nova dimensão. O Irã, país de origem xiita, aliou-se ao Bashar

al-Assad, ao passo que a Arábia Saudita, de maioria sunita, se opôs ao governo de

Assad. Nesse contexto, segundo Martins (2015), o regime de Assad trata o conflito

como uma luta existencial para a sobrevivência da minoria alauíta. Eles veem isso

como uma conspiração salafista para recuperar a hegemonia sunita sobre a região.

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4 FORÇAS INTERNAS NO CONFLITO

“No início de 2011, uma onda de revoltas varreu vários países do Oriente

Médio e do Norte da África. Estava deflagrada a Primavera Árabe” (SOARES, 2016,

p. 37). Segundo Vasconcelos (2017), a repressão imposta pelo regime de Assad à

essas manifestações populares, somada à precária situação dos direitos humanos, à

corrupção governamental e ao elevado desemprego, contribuíram para a eclosão da

Guerra Civil na Síria. Inicialmente, a oposição de Assad foi composta por civis e

soldados desertores que se organizaram em grupos armados. Em pouco tempo, os

rebeldes passaram a lutar contra as forças do governo pelo domínio de territórios,

iniciando, assim, a guerra civil no país.

Somente em 2012, as cidades de Damasco e Aleppo, principais cidades

sírias, passaram a ser alvo de investidas de insurgentes. Nesse momento, a guerra

já havia mudado de perfil. Não se tratava apenas de um conflito pelo governo do

país e, sim, uma disputa com contornos sectários, opondo muçulmanos sunitas a

alauítas, ramo xiita seguido por Bashar al-Assad.

Nesse contexto, começou a se definir as forças internas da guerra síria. De

um lado do conflito estava o Governo Sírio, presidido por Bashar al-Assad. Em

oposição ao regime, ainda no âmbito interno, encontravam-se os rebeldes sunitas,

com destaque para o Exército Livre da Síria. Permeando essa disputa e igualmente

envolvidos no conflito, encontravam-se os grupos radicais islâmicos, como a Frente

al-Nusra, braço da rede terrorista da Al Qaeda, o Estado Islâmico e os Curdos, por

meio da sua Unidade de Defesa Popular (YPG). “Essa junção de grupos com

interesses diversos acaba desviando a causa principal de derrubar o atual ditador

Bashar Al-Assad, uma vez que não há uma unidade entre eles” (FURTADO, 2014, p.

3). Assim, as intenções e as posturas diferentes dificultam a união da oposição e a

organização de objetivos comuns, permitindo a manutenção de Assad no governo, e

a permanência do conflito.

Além das forças internas mergulhadas no conflito, a Guerra da Síria se

transformou em um complexo tabuleiro geopolítico, a partir do envolvimento de

outros atores regionais e globais. Nesse sentido, formou-se uma frente anti-Assad,

composta pelos Estados Unidos da América e seus aliados ocidentais, pela Arábia

Saudita e pela Turquia, todos apoiando os rebeldes sunitas contra o Regime de

Bashar al-Assad. Constituiu-se, também, uma frente aliada ao Regime de Bashar al-

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Assad, composta pela Rússia, pelo Irã e pelo grupo libanês Hezbollah, todos dando

suporte ao governo sírio. No entanto, apesar de posições antagônicas em relação ao

governo de Assad, ambas as frentes se opõem ao grupo terrorista Estado Islâmico.

O diagrama de relações abaixo descreve o posicionamento dos inúmeros atores

envolvidos na guerra síria. Os apoios estão identificados pela linha azul e as

oposições pela linha tracejada vermelha.

Figura N° 3: Diagrama de relações da Guerra na Síria Fonte: http://democratstime.com - acesso em 25/05/2018

A seguir, serão abordados os principais atores internos no conflito.

Considerou-se como força interna aquele ator estabelecido fisicamente em qualquer

parte do território sírio e com interesses políticos, territoriais e/ou religiosos dentro da

da Síria.

4.1 GOVERNO DE BASHAR al-ASSAD

O Presidente Bashar al-Assad luta para se manter no poder. Desde 1970, o

partido Baath comanda o país, com a família Assad a frente do governo. Apesar de

serem alauítas, o governo sírio mantém um regime laico, separando a religião do

Estado. Embora não apoiem o Presidente Bashar al-Assad, cristãos, xiitas e até

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parte da elite sunita preferem ver Assad no poder diante da possibilidade de ter um

país tomado pelo Estado Islâmico ou pela Frente da Conquista do Levante, braço da

Al Qaeda. “Assim, o presidente se mantém firme no poder com apoio de parte da

população e das Forças Armadas, instituições apegadas ao nacionalismo, ao

baathismo e acima de tudo às figuras de Hafez e Bashar al-Assad” (FURTADO,

2014, p. 4).

Ainda de acordo com Furtado (2014), as Forças Armadas da Síria são as

principais forças militares do País. Essas forças, compostas pelo exército sírio, pela

força aérea, pela marinha e pela força de defesa antiaérea são apoiadas por

inúmeras outras forças paramilitares. O governo conta ainda com a Força Nacional

de Defesa, guarda nacional organizada especialmente para a guerra, com serviço de

caráter voluntário e temporário. Todos esses grupos estão alinhados e fiéis ao

governo de Assad que, devido ao efetivo e material que possui, continua com a força

necessária para sustentar seu regime.

Por ser uma espécie de batalha móvel envolvendo forças armadas e milícias, com a oposição ocupando sempre os territórios em que o Exército não está instalado, nenhuma parte do território sírio foi poupada, resultando na destruição generalizada de suas cidades, centenas de milhares de mortes, a maioria civis, e um grande número de refugiados e deslocados internos. (FURTADO, 2014, p.4)

Em junho de 2014, foram realizadas eleições para presidência que

confirmaram a vitória de Bashar al-Assad. As votações só foram realizadas em

locais sob o controle do Exército, portanto, grande parte da população foi impedida

de votar. Ademais, o presidente só possuía dois rivais, que foram autorizados pelo

próprio Assad para poderem concorrer.

Diante da realidade de não haver uma superioridade militar que permita um

dos lados efetivamente vencer o conflito, cada força busca se estabelecer nas

regiões estratégicas do país. A retomada da cidade de Aleppo, no final de 2016, foi

uma das mais expressivas vitórias militares de Bashar al-Assad no conflito. “A partir

dessa vitória o governo Assad passou a controlar a chamada Síria Útil”

(VASCONCELOS, 2017, p.49). Essa região compreende um amplo território

estratégico a oeste do país, que se inicia na fronteira sul com a Jordânia e termina

em Aleppo na região norte, passando por importantes cidades como Damasco,

Homs e Hama. Segundo Vasconcelos (2017), a reconquista de Aleppo foi

fundamental para Assad pois afastou a possibilidade de a oposição instalar ali a

capital de um governo anti-Assad. Vale ressaltar que essa grande operação militar

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foi apoiada pelos seus maiores aliados: a Rússia, o Irã e o Hezbollah. A operação

combinada contou com bombardeios aéreos russos nos redutos da oposição e com

o avanço terrestre de tropas do Exército Sírio, da Guarda Revolucionária do Irã e

dos combatentes do Hezbollah. A figura abaixo mostra a ocupação territorial das

forças envolvidas no conflito. Percebe-se a manutenção de boa parte do território

sob domínio do governo de Bashar al-Assad, com destaque para a região conhecida

como “Síria Útil”.

Figura N° 4: Controle militar sobre a Síria Fonte: http://www.etanasyria.org - acesso em 26/05/18

Além dos confrontos contra os rebeldes, o Governo de Assad permanece

enredado em conflito com o grupo terrorista Estado Islâmico e com o grupo da

Frente da Conquista do Levante. Esses grupos ainda dominam regiões no centro e

ao norte do país e continuam em guerra contra o governo de Assad. A complexidade

da guerra síria se dá pelas inevitáveis incoerências nas posturas dos atores.

Enquanto os EUA se posicionam contrário ao Governo Sírio, eles colaboram com

Assad na medida em que o auxilia no combate ao grupo terrorista Estado Islâmico.

Além dos confrontos contra rebeldes e extremistas, o governo de Assad presencia a

perda de parte do seu território ao norte para os Curdos. Essas áreas, no entanto,

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não são vitais para o controle e o funcionamento do país, levando Assad a evitar

confrontos com essa etnia.

É importante ressaltar que a difícil situação do Assad vai além da expressão

política e militar, atingindo principalmente a expressão econômica. “Outra implicação

interna do confronto diz respeito à economia síria que, em se tratando de meios de

produção, se tornou praticamente nula” (FURTADO, 2015, p.5). Ainda de acordo

com Furtado (2014), com grande taxa de desemprego, exportações mínimas,

deterioração de indústrias e corte de relações econômicas com vários países, o

único setor que prosperou em meio ao caos foi o contrabando e o mercado negro,

debilitando ainda mais a economia do Estado.

Nesse sentido, mesmo diante da crise econômica e dos infindáveis conflitos

entre os inúmeros atores, a tomada de Aleppo em 2016 significou um ponto de

inflexão na Guerra Civil da Síria. A vitória do Regime de Assad, consolidando a

posse de importantes regiões do país, aliada ao enfraquecimento do Estado

Islâmico, fortaleceu sobremaneira o Governo.

4.2 OS GRUPOS REBELDES

Uma das primeiras forças a entrar no conflito foram os grupos rebeldes. Entre

os chamados “rebeldes moderados”, que recebem esse nome por não serem

adeptos do radicalismo islâmico, a maior expressão é o Exército Livre da Síria (ELS).

O ELS foi formado por civis e militares desertores, apresentando-se como uma das

principais forças de oposição ao governo de Bashar al-Assad. “A organização contou

com o respaldo das potências ocidentais, lideradas pela Europa e EUA. Também

recebem apoio da Turquia e da Arábia Saudita, principais inimigos de Assad na

região” (SOARES, 2016, p.32). De acordo com Vasconcelos (2017), eles se dividem

em dezenas de grupos, com agendas distintas, mas com um objetivo em comum:

depor Bashar al-Assad e ocupar o poder.

Em julho de 2011, após o início das revoltas populares, um grupo de oficiais

desertores do Exército Sírio estabeleceu o "Exército Livre da Síria" para derrubar o

governo de Assad. “Em 29 de julho de 2011, o Coronel Riad al-Asaad e um grupo de

oficiais uniformizados anunciaram a formação do Exército Sírio Livre, com os

objetivos de proteger os manifestantes desarmados e ajudar a derrubar o regime”

(JOSHUA, 2011). O grupo afirma estar lutando para instaurar no país uma nova

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liderança mais democrática e voltada para os interesses populares. Em dezembro

de 2011, o Exército Livre da Síria se aliou à Coalizão Nacional Síria, o principal

grupo de oposição do país.

De acordo com Macfarquhar e Assad (2012), em janeiro de 2012, o Exército

Livre da Síria reportou que suas fileiras contavam com 40 000 soldados desertores

do regime. Já em abril de 2013, foi estimado que ao menos 140 000 guerrilheiros

serviam no chamado Exército Livre da Síria. No entanto, o real número de

combatentes no novo exército é difícil de mensurar. Em dezembro de 2012, mais de

260 comandantes rebeldes do Exército Sírio Livre concordaram com uma estrutura

unificada de comando do Exército Livre da Síria. Os participantes elegeram um

Conselho Militar Supremo de 30 membros, que então selecionou o General Salim

Idris como Chefe de Gabinete. Idris foi posteriormente substituído por Abdul-Ilah al-

Bashir.

Ainda segundo Macfarquhar e Assad (2012), o líder formal do ELS e seu

comandante em chefe era o coronel Riad al-Asaad. No entanto, o líder militar efetivo

do exército e chefe de gabinete do Supremo Conselho Militar é o Brigadeiro-General

Abdul-Ilah al-Bashir. Sob o General al-Bashir, há cinco vice-chefes de estado-maior

encarregados de cinco regiões diferentes da Síria. Abaixo segue a estrutura

organizacional política e militar dos rebeldes em 2012.

Figura N° 5: Estrutura política e militar da oposição Fonte: Holliday, J. (2012), Syria’s Maturing Insurgency, Institute for the Study of War

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O Exército Livre da Síria perdeu forças a partir de 2013 devido,

especialmente, ao crescimento de grupos extremistas islâmicos, que se tornaram a

maior força dentro da oposição. “Devido a disputas internas, o ELS se dividiu em

múltiplas facções e teria, segundo especialistas, deixado de existir como um grupo

coeso de combate, mas que ainda lutam sob a mesma bandeira” (CHULOV, 2013).

De acordo com Dettmer (2013), em 2013 foi reportado uma cisão entre as

forças de oposição e milícias islamitas, resultando, inclusive, em alguns combates

entre eles.

Em setembro do mesmo ano, algumas de suas brigadas, como a frente Ahrar al Sham, a 19ª Divisão e a milícia Al Tawhid, anunciaram que não mais reconheceriam a Coalizão Nacional como seus representantes, acentuando ainda mais o crescente racha entre as diversas facções do movimento rebelde sírio (DETTMER, 2013).

A instabilidade e a falta de coesão dos movimentos de oposição contribuem

para o desaparecimento e surgimento de novos grupos opositores. Nesse sentido,

após a intervenção militar turca na Síria em 2016, um grupo informal de árabes e

turcomanos apoiados pela Turquia foi estabelecido sob o nome de "Exército Livre da

Síria". Essa nova composição do ELS contou com apoio do poder aéreo turco e

britânico. “A partir de 2016, recebendo apoio direto da Turquia, as forças do Exército

Livre no norte da Síria se reconstruíram e voltaram a ser uma força de combate

notável dentro do conflito” (BAREL, 2016).

É importante salientar que essas novas forças rebeldes aliadas à Turquia, são

referidas como o "Exército Livre da Síria (Pró-Turquia)" ou Exército Nacional Sírio.

“O principal objetivo destas forças rebeldes é assistirem a Turquia em criar uma

zona de segurança na fronteira e impedir que as milícias curdas das Forças

Democráticas Sírias unifiquem o seu território” (COSKUN, 2016).

Os grupos rebeldes, em especial o ELS, são peças relevantes no complexo

xadrez do conflito na Síria. As inúmeras frentes de batalha caracterizam a atuação

dos rebeldes. O ELS não só luta contra o Governo de Assad, mas também contra as

milícias extremistas, como o autoproclamado Estado Islâmico. Além disso, o ELS

(Pró-Turquia) combate as milícias curdas das Forças Democráticas Sírias. Assim,

diante dos posicionamentos convergentes aos interesses dos EUA, esses grupos

passaram a receber apoio dessa potência e de outros países aliados.

De acordo com Vasconcelos (2017), a administração do Presidente Obama

admitiu apoiar militarmente alguns grupos considerados "moderados", lutando sob a

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bandeira do Exército Livre da Síria. O ELS recebeu armas, financiamento e outros

apoios dos Estados Unidos, Turquia, Reino Unido, Arábia Saudita e outros estados

do Golfo. No entanto, a partir de 2017, sob a administração Trump, os Estados

Unidos interromperam o apoio ao ELS, enfraquecendo o grupo e, indiretamente

favorecendo Bashar al-Assad.

4.3 OS GRUPOS EXTREMISTAS ISLÂMICOS

Além dos “rebeldes moderados”, jihadistas fragmentados em várias facções

também se opuseram a Assad. Uma das organizações que mais avançaram nos

primeiros anos do conflito foi a Frente al-Nusra. “Posteriormente, a partir de 2013, o

grupo terrorista Estado Islâmico (EI) aproveitou-se do vácuo do poder e da situação

de caos criados pela guerra civil e avançou de forma brutal” (VASCONCELOS,

2017, p.50). Além de combater as tropas do regime de Assad, os extremistas

islâmicos também se opõem aos “rebeldes moderados”, além de lutarem contra a

coalizão liderada pelos EUA e contra os Curdos.

O EI é uma organização terrorista, que surgiu com esse nome em 2014,

quando seu líder Abu Bakr al-Baghdadi, alto proclamado Califa das terras islâmicas,

declarou a criação de um Califado Islâmico nos territórios a Oeste e a Norte do

Iraque e a Leste e a Norte da Síria, desrespeitando fronteiras entre os dois países.

Esse grupo terrorista surpreendeu a opinião pública e o mundo com a

facilidade com que imprimiu conquistas territoriais ao longo do ano de 2014, vindo a

dominar boa parte dos territórios do Iraque e da Síria, sendo que dentro destes

estavam suas principais cidades e fontes de recursos financeiros.

O EI também é conhecido como Estado Islâmico do Iraque e da Síria (EIIS)

ou Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), sendo ainda conhecido como ISIS

ou ISIL, suas respectivas abreviaturas para os mesmos nomes em inglês.

As autoridades internacionais a fim de não privilegiar o grupo com a designação do nome “Estado” tem preferido utilizar uma denominação usada pelo 1º Ministro britânico, David Cameron, em 2015, DAESH, um acrônimo para a nomenclatura do grupo em árabe, al-Dawla al-Islamiya fil Iraq wa’al Sham. Porém, Daesh também é um trocadilho que soa parecido com a palavra "Dahes", que significa "aquele que semeia a discórdia". Ou seja, foi uma forma que os governos ocidentais acharam de negar a qualidade de "Estado" ao grupo e, ao mesmo tempo, insultá-los (FIGUEIREDO, 2017, p. 24).

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De acordo com Napoleoni (2016), o EI surgiu no cenário internacional com

uma proposta diferente dos demais grupos jihadistas extremistas, pois buscava além

da arrecadação de recursos ou divulgação ideológica. O EI buscava a conquista e a

manutenção de territórios. Este fato surpreendeu, até mesmo, seus financiadores

como a Arábia Saudita e outras monarquias árabes da região.

Segundo Weiss e Hassan (2015), o principal objetivo do EI é se consolidar

como um Estado sunita instalado em seu antigo território. Buscando se consolidar

como um poderoso Estado teocrático que possa proteger os muçulmanos da

influência e interferência das potências ocidentais.

Ainda de acordo com Napoleoni (2016), o EI disseminou, até meados de

2016, por meio de diferentes canais de mídias, uma eficiente mensagem política,

que em parte foi considerada positiva pela população sunita do mundo islâmico: o

retorno do Califado, um novo período áureo do Islã, longe da influência ocidental,

assentado em terras árabes não demarcadas por nenhum tratado ocidental. Esse

renascimento do Califado sob o comando de um novo califa, al-Baghdadi, não foi

visto como o surgimento de mais um grupo insurgente armado, mas sim de uma

organização política capaz de ascender o islamismo no cenário internacional.

O principal aspecto que contribuiu para a ascensão de al-Baghdadi foi a

desordem política instaurada nos países árabes decorrente da Primavera Árabe.

Essa manifestação de caráter democrático desestabilizou os governos e regimes de

quase todos os países do Norte da África e do Oriente Médio, dentre eles o Iraque e

a Síria. Al-Baghdadi, aproveitando-se da desordem política, social e econômica,

visualizou a possibilidade de criar um Estado que impulsionaria a implementação do

Califado Islâmico.

Em 2011, com o início do conflito na Síria, al-Baghdadi enviou um grupo de

jihadistas para reconhecer oportunidades neste país. De acordo com Napolleoni

(2016), esses jihadistas, liderados por Abu Mohammed al-Jolani, agiram como

elementos da vanguarda do EI na Síria, buscando informações sobre o conflito e

possíveis oportunidades concretas para o fortalecimento da organização.

No início de 2012, fruto da intensificação do conflito sectário entre os

alauítas, xiitas e cristãos contra a insurgência sunita síria, os representantes do EI

na síria fundaram nesse país a Frente al-Nusra, novo grupo radical. “Esse grupo era

liderado por al-Jolani e funcionou como um braço da Al Qaeda na Síria, ao mesmo

tempo que representava os interesses de al-Baghdadi” (FIGUEIREDO, 2017, p.34).

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Com a expansão das atividades do grupo de al-Jolani na Síria, al Baghdadi

anunciou, em 2013, a fusão do EI com a Frente al-Nusra, formando o Estado

Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL). Porém, apenas dois dias depois, al-Jolani

declarou sua fidelidade à ideologia da Al Qaeda, desmembrando essa fusão e

reforçando sua lealdade para com seu líder al-Zawahiri.

Este ocorrido gerou uma tensão na região com os dois principais grupos antagonistas ao regime de Assad e que dominavam boa parcela dos territórios entre a Síria e o Iraque, entrando em atrito. Dessa forma, a fim de solucionar esse impasse, o líder da Al Qaeda, al-Zawihiri fez um pronunciamento, em junho de 2013, procurando amenizar a questão entre seus líderes. Enviou, ainda, seu braço direito na organização, al-Suri, para a Síria, a fim de mediar as negociações entre al-Jolani e al-Baghdadi. (FIGUEIREDO, 2017, p. 35).

De acordo com Weiss e Hassan (2105), al-Zawahiri determinou que al-

Baghdadi ficasse no Iraque e deixasse que al-Jolani combatesse na Síria. No

entanto, al-Baghdadi não acatou tal decisão, afirmando que o líder da Al Qaeda

estaria desrespeitando o Califado Islâmico e mantendo as fronteiras estabelecidas

pelo Ocidente nas terras de Maomé.

Segundo Figueiredo (2017), em julho de 2013, al-Baghdadi rompeu com a Al

Qaeda, fazendo com que a maioria dos combatentes estrangeiros da Frente al-

Nusra debandassem para o EI, aumentando o seu poderio militar. A partir desse

momento, o EI passou a aglutinar a maioria dos grupos insurgentes sunitas do

Iraque e da Síria, fortalecendo-se ainda mais.

No entanto, essa estratégia de cooptar a insurgência sunita não agradou a

todos jihadistas, fazendo com que os grupos insurgentes maiores se voltassem

contra o EI, provocando uma guerra entre os próprios sunitas. Os grupos sunitas

com financiamentos externos intensificaram o combate ao EI, com destaque para a

Frente al-Nusra, a Frente dos Revolucionários Sírios, Exército Sírio Livre, Ahrar al-

Sham e o Exército dos Mujahedeen. Em 2014, os insurgentes expulsaram o EI de

alguns territórios no interior da Síria. No entanto, devido aos constantes

bombardeios do governo sírio contra os rebeldes, esses perderam o poder de

combate, favorecendo a retomada de alguns territórios pelo EI.

Em 2014, o EI iniciou uma forte campanha ofensiva de conquista de

territórios no interior do Iraque e da Síria, proporcionando o controle de importantes

cidades como Mosul, Raqqa e Fallujah, além de importantes fontes de recursos

como campos de petróleo, partes do oleoduto e represa de tratamento de água.

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Esse sucesso possibilitou a proclamação do Califado em junho de 2014 por al-

Baghdadi.

Em meados de 2015, o regime de Bashar al-Assad retomou a ofensiva contra

o EI, com destaque para os bombardeios aéreos russos. “A intervenção da Rússia

na guerra civil síria foi importante, não somente para dar sobrevida ao regime Assad,

mas também para deter os avanços do EI, especialmente nas regiões central e norte

do país” (GERGES, 2016). Assim, diante da pressão militar das potências mundiais,

o Estado Islâmico perdeu territórios, embora ainda apresentasse um considerado

poder de combate.

Em 2017, o EI iniciou sua derrocada após perder a cidade de Raqqa,

autoproclamada capital do califado. Neste ano, foi lançado na província de Raqqa

uma grande ofensiva militar contra o EI. “Encabeçando a ofensiva, estavam tropas

das Forças Democráticas Sírias (majoritariamente composta por curdos), apoiadas

por aviões e forças especiais da OTAN” (DAVISON, 2017).

Ainda em 2017, sofrendo pressão dos curdos ao norte, o governo sírio lançou

uma nova ofensiva contra o EI na região de Deir Zor, reconquistando quase toda a

capital dessa província, incluindo seu principal aeroporto. Assim, pouco a pouco o

EI foi se enfraquecendo, sofrendo baixas e deserções, sendo pressionado de volta

para a fronteira com o Iraque, a leste do país.

Diante do exposto, observa-se que o EI se caracterizou como o ator central

do complexo conflito sírio. Esse ator impulsionou a união de esforços entre

opositores, fortalecendo, em última análise, o Governo de Assad. As ações contra o

EI foram realizadas não só pelo Governo Sírio e seus aliados, mas pela coalizão

liderada pelos EUA, pelos Curdos e pelos rebeldes moderados. Assim, o

enfraquecimento do EI abriu espaço para o Governo de Assad retomar seus

territórios e se fortalecer como Estado, contrariando os interesses dos EUA e dos

grupos rebeldes contrários ao governo. O enfraquecimento do EI também contribuiu

para o fortalecimento dos Curdos ao norte do país, o que aumentou a preocupação

da Turquia.

4.4 OS CURDOS

Há ainda, o que podemos chamar de uma quarta força envolvida no conflito.

Trata-se dos curdos, etnia que habita territórios da Síria, Turquia, Iraque, Irã,

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Armênia e Azerbaijão. Esse povo apátrida, com cerca de 30 milhões de pessoas,

reivindica a criação de um Estado próprio – o Curdistão. Desde o início do conflito na

Síria, a Unidade de Defesa Popular (YPG), milícia formada para defender as regiões

habitadas pelos curdos no norte do país, vem combatendo o Estado Islâmico e se

fortalecendo na região. A figura abaixo mostra a relação entre os grupos Curdos, a

Turquia e o Estado Islâmico.

Figura N° 6: Relação entre Curdos, Turquia e Estado Islâmico

Fonte: http://bbc.com/news/world-middle-east - acesso em 26/05/18

A YPG foi criada em 2004 como braço armado do Partido Democrático Curdo.

Rapidamente essa unidade se expandiu, tornando-se o grupo curdo predominante

no conflito sírio. Em 2015, a YPG fundou a Força Democrática Síria.

“A YPG é a principal milícia curda na Síria e a principal componente da Força

Democrática Síria. É formada majoritariamente pela etnia curda, mas também por

árabes, voluntários estrangeiros e pela milícia assíria” (COOK, 2016). Ainda de

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acordo com Cook (2016), a YPG é a força mais efetiva no combate ao Estado

Islâmico na Síria, utilizando para isso sua infantaria leve e seus veículos blindados.

“Para o regime de Assad, a YPG tornou-se um ator bastante útil, pois a milícia

é uma das principais forças de resistência tanto contra os extremistas do Estado

Islâmico como contra os moderados do ELS” (SOARES, 2016, p.34).

De acordo com Soares (2016), essa situação embaralha o jogo das potências,

colocando os EUA e Turquia, ambos membros da Otan, em lados antagônicos.

Enquanto a YPG é considerada inimiga pela Turquia, uma vez que suas ações

fortalecem a presença curda no território turco, ela é apoiada pelos EUA na luta

contra o Estado Islâmico. Segundo Balanche (2016), em 2015, a Unidade de Defesa

Popular venceu uma grande batalha contra o Estado Islâmico na conquista da

cidade de Kobani. Nessa disputa a YPG recebeu apoio aéreo e terrestre dos EUA e

de seus aliados. Desde então, a YPG passou a lutar não só contra o Estado

Islâmico, mas, também, contra os rebeldes sírios que pretendiam ocupar a região.

No mapa abaixo, em amarelo, observa-se a região norte da Síria ocupada pelos

Curdos.

Figura N° 7: Região síria ocupada pelos curdos

Fonte: https://commons.wikimedia.org/- acesso em 26/05/2018

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Em 2016 a YPG colaborou com as forças de Assad na conquista de Aleppo.

“As forças da YPG protegeram o flanco esquerdo da 4ª Brigada Blindada Síria, que

avançou para o Sul a partir de Mallah Farms. A YPG também atacou o distrito de

Bani Zaid, a Oeste de Sheikh Maqsoud, forçando os rebeldes a se retirarem do

local” (BALANCHE, 2016, p.1).

Considerando que a YPG poderia ter permanecido neutra nesta batalha, o

grupo indicou claramente a sua preferência através das suas acções, contribuindo

para a sua estratégia global de cooperação com a Rússia, a fim de ligar os enclaves

curdos de Afrin e Kobani.

No entanto, já em outubro de 2017, o Partido Democrático Curdo e seu

braço armado YPG, anunciaram a reconquista da cidade de Raqqa, pondo fim a

mais de três anos de ocupação do Estado Islâmico. Essa ofensiva militar curda

também contou com o apoio dos EUA, sempre presente em ações contra esse

grupo terrorista.

Nesse sentido, os curdos desempenham um papel muito peculiar no conflito

da Síria. A YPG torna-se um ator útil para Assad ao combater o Estado Islâmico e os

rebeldes do Exército Livre da Síria, apesar de ocupar vasta área ao Norte do país.

Para a Turquia, contrária aos curdos, a YPG é vista como uma extensão do Partido

dos Trabalhadores Curdos, grupo rebelde que luta por autonomia no território turco

desde 1980. De acordo com Balanche (2016), para os EUA, a YPG é uma forte

aliada no combate ao Estado Islâmico. No entanto, ao alinhar-se ao regime sírio na

conquista de Aleppo, a YPG implicitamente sinalizou ao governo norte-americano

que o grupo curdo agirá com base em seus próprios interesses.

Assim, buscando se afirmar como Estado e buscando a legitimidade da

posse territorial, os curdos assumem uma agenda própria, alinhando-se conforme

sua conveniência.

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5 INTERFERÊNCIAS EXTERNAS NO CONFLITO

Além das forças internas envolvidas no conflito, a Guerra da Síria se

transformou em um complexo tabuleiro geopolítico, a partir do envolvimento de

outras nações. Potências regionais e mundiais foram arrastadas para o conflito.

“Posicionam-se contra o regime de Assad os EUA e as potências europeias, além de

Turquia, Egito e Arábia Saudita. Já entre a frente de apoio a Assad destacam-se,

além da Rússia, o Irã e a milícia xiita libanesa Hezbollah” (SASAKI, p.45, 2017).

Assim, para fins da presente análise, as interferências externas no conflito

sírio foram divididas em: frente aliada a Assad e frente de oposição a Assad; ambas

frentes contando com países regionais e globais.

No contexto regional, é importante entender o posicionamento dos países

relevantes no conflito por meio de uma breve análise histórica.

Os persas tiveram um papel de destaque, seja se contrapondo aos gregos, ou posteriormente, na era islâmica, se rivalizando com os sunitas, devido ao rompimento entre os descendentes do Profeta Maomé e os seguidores de Abu Bakr. Já o Império Turco Otomano controlou durante séculos a ordem regional, agregando em sua zona de controle os povos mais distintos, desde búlgaros, sérvios e gregos, até os árabes da mesopotâmia, do Crescente Fértil, da Península Arábica e do Magreb. No alvorecer do século XX, novos atores regionais surgiram, fruto do processo de descolonização. Após a Primeira Grande Guerra, no prelúdio das independências tardias, algumas unidades políticas já davam sinal de seu protagonismo futuro, sendo que a busca por influenciar de maneira mais decisiva a região sempre foi um aspecto dos Reinos ou Repúblicas nascentes do Oriente Médio (ZAHREDDINE, 2013, p.11).

Assim, é nesse cenário que surgem a Turquia, a Arábia Saudita e a República

Islâmica do Irã como atores centrais das disputas regionais. Permeando esses

protagonistas, aparecem o Iraque, Israel e o Egito, desempenhando um papel

menos relevante na crise Síria. A Arábia Saudita e o Irã, antagonistas conhecidos de

muitos anos, reforçam suas oposições ao apoiarem claramente os lados opostos

envolvidos no impasse Sírio. Em linhas gerais, esse apoio se dá por meio do envio

de material bélico e efetivo militar iraniano ao governo sírio e, por parte da Arábia

Saudita, por meio do envio de dinheiro e armamentos à oposição, na tentativa de

derrubar o governo. “A disputa por esta importante zona de influência deixa

transparecer também o embate xiismo (Irã) versus sunismo (Arábia Saudita), o que

confere ao conflito ainda mais violência, em função de seu teor confessional”

(ZAHREDDINE, 2013, p.16).

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Ainda com relação à disputa regional, tanto o Irã como a Arábia Saudita

mantêm alianças com outros atores do Oriente Médio, o que polariza ainda mais o

conflito, agravando a violência e a instabilidade na região. A Arábia Saudita

potencializa a força de sua atuação a partir das alianças com os países do golfo

Pérsico (Conselho de Cooperação do Golfo), enquanto o Irã reforça suas bases com

o apoio do Grupo Libanês Hezbollah. Além destes atores, Israel e Turquia também

atuam nos bastidores do conflito. Enquanto a Turquia pressiona pela retirada do

governo Sírio, e representa o poder da OTAN na fronteira norte daquele país, Israel,

por meio do apoio norte-americano, vale-se do conflito sírio para criticar e ameaçar o

Irã e seu programa nuclear. Com relação ao Egito - importante ator regional, que,

durante as décadas de 1950 e 1960, transformou o equilíbrio de poder na região

com o Pan-arabismo - observa-se a mudança de seu direcionamento político após a

Guerra dos Seis Dias e a Guerra do Yom Kippur. Atualmente, o país passou a se

preocupar muito mais com sua agenda doméstica do que em obter protagonismo

regional. Diante disto, o papel desempenhado pelo Egito na crise Síria é bem menos

relevante, não sendo objeto de análise nesse trabalho.

Nesse sentido, observa-se que o longo conflito na síria tem representado, em

termos regionais, não tanto as legítimas e nobres aspirações do povo da Síria de

viver em uma sociedade mais democrática (objetivo principal que desencadeou a

revolta), mas, sim, a tentativa de uma coalizão liderada pelos Estados do Golfo para

deter a crescente, e aparentemente inexorável, influência iraniana no Oriente Médio.

“A moeda dessa batalha regional tem sido a mobilização sectária, enquanto o custo

tem sido violência e sofrimento horríveis, bem como a total ruptura da sociedade

síria” (FURTADO, 2014, p.5).

Elevando-se a análise das interferências externas para o nível global,

observa-se a efetiva presença da Rússia e dos EUA no conflito sírio.

A partir da polarização mundial pós Segunda Grande Guerra, e

principalmente após a crise do Canal de Suez, em 1956, dois novos atores mundiais

buscaram fortalecer suas influências no Oriente Médio: os Estados Unidos da

América e a União Soviética. De acordo com Zahreddine (2013), a Síria,

principalmente a partir do governo de Hafez al Assad (1971), manteve uma estreita

relação com a União Soviética, em função da própria ideologia do partido Baath

(Socialismo Árabe), como também pelas relações pessoais que o presidente sírio

mantinha com aquele país. É importante destacar que o Presidente Hafez al Assad

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fixou residência na União Soviética por vários anos, como parte de sua formação

militar e ideológica, o que também influenciou nas relações entre os dois países.

Estas boas relações permitiram um aumento do comércio, de alianças estratégicas

militares, da importação de equipamento militar soviético, bem como do apoio

político da União Soviética em caso de crises severas, como, por exemplo, na

Guerra do Yom Kippur em 1973. Em contrapartida, a União Soviética obteve acesso

ao mediterrâneo oriental a partir do Porto de Tartus, mantendo uma importante zona

de influência na região.

Ao mesmo tempo, os Estados Unidos reforçaram sua aliança estratégica com

Israel, que passou a funcionar como uma posição avançada norte-americana na

região. Na década de 1970, os Estados Unidos se aliaram ao Iraque, para se

contraporem à revolução iraniana. Já na década de 1990, no contexto da Guerra do

Golfo, os Estados Unidos firmaram alianças importantes junto aos governos da

Arábia Saudita, do Kuwait e dos Emirados do Golfo Pérsico. Com o fim da Guerra

Fria, e o enfraquecimento da Rússia, herdeira do Império Soviético, os Estados

Unidos reforçaram sua presença na região, diminuindo paulatinamente as zonas de

influência da Federação Russa.

No início do século XXI, notadamente após o ataque terrorista de 11 de

setembro, observou-se o aumento da presença militar estadunidense no Oriente

Médio. A invasão do Afeganistão e a Segunda Guerra do Golfo evidenciaram isso.

Alicerçados no discurso de combate ao terrorismo, os Estados Unidos aumentaram

a pressão sobre os principais antagonistas regionais, dentre eles o Irã, a Síria e o

grupo Hezbollah no Líbano.

Assim, principalmente após o fim da Guerra Fria, a disputa por influência no

Oriente Médio entre os Estados Unidos da América e a Federação Russa tem se

acirrado. Nesse contexto, o conflito da Síria vem se caracterizando como o principal

teatro desse contencioso, onde a Rússia e os Estados Unidos medem suas forças

de forma indireta. “O que está em jogo não é simplesmente a deposição ou não de

um Presidente de seu posto, mas sim, compreender os prováveis resultados desta

barganha política para o equilíbrio de forças na região e no mundo” (ZAHREDDINE,

2013, p.18).

A seguir, serão analisados os principais atores regionais e globais que

exercem influência no conflito da síria. Tais atores foram agrupados em duas

frentes: a de oposição ao Bashar al-Assad e a aliada de Bashar al-Assad.

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5.1 FRENTE DE OPOSIÇÃO AO BASHAR AL-ASSAD

5.1.1 Estados Unidos da América e Aliados Ocidentais

O papel desempenhado pelos EUA na Guerra da Síria traz reflexos para

todos os atores envolvidos. O diagrama de relações norte-americano, onde mostra

pontos de contato entre aliados e opositores, define bem o xadrez geopolítico vivido

por esse país. Como exemplo, constata-se que, ao mesmo tempo em que ele

enfraquece um determinado ator, fortalece um opositor e prejudica um aliado,

agravando ainda mais as divergências existentes.

Desde o início da guerra, os EUA, sob a liderança do então presidente Barack

Obama, se posicionaram contra o Governo de Bashar al-Assad, procurando, no

entanto, manterem uma distância estratégica do conflito. “Ainda que fornecessem

armas para grupos anti-Assad na Síria, os norte-americanos não queriam envolver-

se diretamente na guerra” (SOARES, 2018, p.40). Assim, tanto os EUA como seus

aliados ocidentais procuram evitar uma intervenção militar direta na Síria, temendo a

repetição do desfecho ocorrido no Iraque a partir de 2003. Nesse sentido, priorizam

a ação indireta com tentativas de impor sanções ao governo sírio por meio do

Conselho de Segurança da ONU. Vale ressaltar que essas tentativas são

sistematicamente barradas pela Rússia e China, países com poder de veto.

Diante desse cenário, a prioridade dos EUA e de seus aliados ocidentais tem

sido derrotar o grupo terrorista Estado Islâmico (EI). Para os EUA, pior que a

permanência de Assad no poder é o fortalecimento do EI. Assim, com o objetivo de

enfraquecer esse grupo e impedir que ele continuasse conquistando territórios no

Oriente Médio, “os EUA passaram a comandar em 2014 uma coalizão formada por

40 países. A estratégia principal da aliança militar foi realizar bombardeios aéreos

contra bases do grupo” (VASCONCELOS, 2017, p.52). Observa-se, no entanto, que

as derrotas impostas ao EI fortalecem o Governo de Assad, indo na contramão da

intenção inicial de remover Assad do poder.

Ainda com relação a uma possível intervenção militar na Síria, “Obama deixou

claro que o regime sírio poderia sofrer consequências se ultrapassasse o que

chamou de ‘linha vermelha’, referindo-se ao uso de armas químicas e biológicas”

(SOARES, 2018, p.41). Em 2013, essa linha vermelha foi rompida no possível

ataque realizado com gás sarin em redutos rebeldes em Damasco. Tal ação foi

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atribuída ao governo sírio, sendo este responsabilizado pela morte de 1400 pessoas.

Como resposta “os EUA estavam prontos para uma ofensiva militar punitiva quando

uma ação da diplomacia russa propôs um acordo no qual a Síria destruiria seu

estoque de armas químicas” (SOARES, 2018, p.41).

Os episódios de ataques químicos atribuídos ao governo de Assad se

repetiram em 2017 e 2018, levando, nessas oportunidades, os norte-americanos a

intervirem militarmente na Síria. “Em abril de 2017, os EUA lançaram 59 mísseis

contra a Síria, atingindo uma base aérea na cidade de Homs. O ataque destruiu

caças, radares e outros equipamentos militares” (SASAKI, 2017, p.44). De acordo

com Sasaki (2017), essa foi a primeira ofensiva militar direta dos EUA contra alvos

do regime de Bashar al-Assad desde o início da Guerra da Síria, em março de 2011.

“O bombardeio foi uma retaliação do presidente norte-americano Trump ao ataque

químico que matou pelo menos 80 civis na cidade de Khan Sheikhun, controlada por

opositores de Assad” (SASAKI, 2017, p.44).

A última ofensiva, ocorrida em abril de 2018, foi desencadeada pelos EUA,

França e Reino Unido como retaliação a um suposto ataque químico que matou

mais de 40 pessoas no subúrbio de Damasco. “Os bombardeios atingiram alvos

estratégicos como importantes centros de pesquisa, produção e armazenamento de

armas químicas em Damasco e Homs” (SOARES, 2018, p.40).

De acordo com Soares (2018), essas ações de Trump não caracterizaram um

engajamento completo na guerra da Síria e, sim, ofensivas isoladas. No entanto,

esses ataques romperam com a posição relutante dos EUA em intervir na Síria

unilateralmente, sem o aval da ONU.

Desde o governo de Barack Obama (2009-2017), os norte-americanos evitaram um envolvimento maior no conflito. Havia um receio de que uma intervenção arrastasse o país para uma permanência prolongada de suas tropas na Síria, similar ao efeito ocorrido no Iraque, entre 2003 e 2010. Por isso, as ações norte-americanas se voltaram mais para o combate ao grupo terrorista EI, que ocupava vasto território na Síria. A permanência ou não de Assad era uma questão secundária (SASAKI, 2017, p.44)

A postura dos EUA com relação ao conflito sírio mudou com a posse de

Trump. De acordo com Sasaki (2017), Trump assumiu uma postura mais

pragmática, ignorando que o conflito na Síria fosse um assunto de interesse vital

para os EUA. No entanto, a pronta resposta norte-americana aos supostos ataques

químicos foi uma oportunidade para Trump sinalizar à comunidade internacional que

não irá tolerar o uso de armas químicas no conflito.

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Dentre outros desfechos, vale ressaltar que essa ação norte-americana

abalou a relação entre os EUA e a Rússia. “Ao bombardear bases militares sírias,

Trump desferiu um golpe direto contra os interesses de Putin na região. Após o

ataque, Putin declarou que a ação foi ilegal” (SASAKI, 2017, p.45). Assim, o episódio

agravou a tensão entre os dois países e explicitou as profundas divergências

geopolíticas entre EUA e Rússia no Oriente Médio.

Outra ação realizada pelos EUA com reflexos negativos para a aliança pró-

Assad foi o anúncio, em maio de 2018, de sua retirada do acordo nuclear com o Irã.

Assinado em 2015, o acerto envolveu o esforço coletivo de outras cinco potências mundiais e restringia o programa atômico do Irã, mantendo o país por uma década longe de obter a bomba. Para Trump, o acordo não impedia o Irã de produzir mísseis balísticos e interferir nos conflitos do Oriente Médio (SASAKI, 2018, p.32).

A decisão do Presidente Donald Trump tem influência direta na disputa

geopolítica do Oriente Médio, principalmente naquela entre o Irã e a Arábia Saudita.

“Ao romper com o pacto nuclear, Trump consolidou o alinhamento internacional dos

EUA com Israel e Arábia Saudita e agora busca conter a projeção do Irã sobre o

Oriente Médio, especialmente sua influência no conflito sírio” (SASAKI, 2018, p.32).

Com relação à Turquia e os Curdos, os EUA vêm adotando uma postura um

tanto quanto contraditória no contexto do conflito sírio. Como já mencionado nesse

trabalho, para os EUA, os Curdos (YPG) são fortes aliados no combate ao Estado

Islâmico. No entanto, ao apoiar a YPG, os EUA contrariam os interesses de outro

aliado, a Turquia. Assim, de acordo com Balanche (2016), a decisão mais ampla do

governo dos EUA, de priorizar a eliminação do Estado Islâmico sobre todos os

outros objetivos da guerra na Síria, levanta sérias contestações de alguns aliados.

De fato, mesmo mantendo uma distância estratégica, os EUA desempenham

um papel de grande relevânica no conflito sírio. Liderando uma coalizão contra o EI

e posicionando-se contrário ao Regime de Assad, o país acirra as divergências

regionais no Oriente Médio, além de agravar as tensões com a Rússia.

5.1.2 Arábia Saudita

A Arábia Saudita, nação muçulmana de maioria sunita, exerce uma forte

oposição ao Regime Sírio. O governo saudita já deixou claro que é de extrema

importância retirar Bashar al-Assad do poder para enfraquecer a influência xiita no

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Oriente Médio. O eixo xiita, representado principalmente pelo Irã e pela Síria,

defende a expansão de seu modelo de regime islâmico e sua posição anti-

imperialista e antiestadunidense.

Nesse contexto, de acordo com Zahreddine (2013), a Arábia Saudita,

responsável por uma agenda de ampliação de sua presença em todo o Oriente

Médio - seja por meio de seus petrodólares, seja pelo financiamento de madrassas e

fundações que reforcem o wahabismo na região -, se contrapõe violentamente aos

objetivos da Síria e do Irã.

“A Arábia Saudita busca ainda reforçar sua aliança de caráter pró-ocidente e

conservadora com os Estados Unidos da América, opondo-se à presença iraniana

na Síria” (ZAHREDDINE, 2013, p. 15).

“A Arábia Saudita, por exemplo, sempre foi receosa com relação à Síria, um

país que se define como republicano e é governado pelos alawitas – uma

ramificação do xiismo” (VISENTINI E ROBERTO, 2015, p.42). No mais, para Moraes

(2015), a Arábia Saudita é, acima de tudo, um país ultraconservador, que

dificilmente toleraria uma vitória revolucionária pró-democracia na sua vizinhança.

Nesse contexto, observar o Irã perder o seu maior aliado no Oriente Médio

não seria suficiente. “Assim, tão ruim quanto a presença de um opositor xiita, seria

um país democrático na região” (MORAES, 2015, p. 90).

Complementando os aspectos externos, segundo Moraes (2015), existe

dentro da Síria a Irmandade Muçulmana. Essa organização política sunita surgiu no

Egito nas primeiras décadas do século XX, nos moldes do nacionalismo de Nasser.

A Irmandade Muçulmana tem ramificações que nunca aceitaram o regime despótico

e, muito menos, uma ditadura controlada por uma minoria xiita de cerca de 10% da

população. Esta Irmandade foi atacada no início dos anos 1980, em repressão brutal

promovida pelas forças de segurança de Damasco, deixando em seus membros o

desejo de acerto de contas.

Diante do exposto, observa-se que a Primavera Árabe na Síria, além do

descontentamento popular e busca por mais direitos civis e políticos, foi rapidamente

envolvida por velhas questões sectárias, por grupos radicais de várias partes do

mundo islâmico, por uma renitente crise econômica e, sobretudo, pelo desejo

saudita e de países do Golfo Pérsico de realinhar a Síria ao eixo “sunita-wahabita”.

Levando esses fatores em consideração, o conflito passou a sofrer com a

interferência de potências externas contrárias a Damasco e Teerã, principalmente a

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Arábia Saudita, o Qatar e Emirados Árabes. “Estes passaram a fornecer armas,

treinamento e financiamento aos rebeldes contrários ao regime de Assad para que,

derrubando-o, tornassem a Primavera Árabe em algo que servisse a seus próprios

interesses: o enfraquecimento de um grande aliado ao Irã” (VISENTINI E

ROBERTO, 2015, p.82).

Em 2012, mais de 10.000 líbios foram treinados na Jordânia para participar da guerra na Síria, recebendo cerca de mil dólares por mês da Arábia Saudita e do Qatar. O próprio New York Times relatou o envio de engradados com material bélico para os rebeldes, oriundos da firma ucraniana Lugansk Cartridge Works (LCW), que teriam sido compradas originalmente pela Royal Saudi Arabian Land Forces e depois reenviadas à Síria. O mesmo jornal apontou que os armamentos mais letais, entretanto, eram enviados pela Arábia Saudita aos grupos rebeldes mais radicais da Síria. A própria revista estadunidense, Time, apontou a Arábia Saudita e o Qatar como os financiadores internacionais dos rebeldes sírios (VISENTINI e ROBERTO, 2015, p. 84).

De acordo com Moraes (2015), Abdullah, rei da Arábia Saudita, desenvolveu

uma política clara de orquestrar a queda de Assad em Damasco como forma de

forçar um revés estratégico para o Irã. Portanto, além do financiamento a grupos de

oposição sírios armados, as economias autocráticas do Golfo têm acusado o Irã de

ajudar o governo sírio a reprimir os opositores do regime.

5.1.3 Turquia

Alçada à condição de grande potência emergente na última década, a

Turquia, localizada estrategicamente entre a Europa e a Ásia, se viu diante de

grandes desafios internos e externos.

Além dos desafios domésticos, como a tentativa de golpe de Estado sofrida

pelo governo em julho de 2016, Erdogan precisou lidar com uma agenda externa

conturbada. De acordo com Albero (2016), o posicionamento turco contrário ao

regime de Bashar al-Assad, o rompimento das relações com Israel, o apoio claro aos

grupos islâmicos na Síria, a relação complexa com os Estados Unidos e a derrubada

de aeronave russa na fronteira são alguns exemplos dos grandes desafios externos

vividos pelo governo turco.

As mudanças sucessivas que o Presidente Erdogan deu à sua política

contribuíram para a instabilidade turca. “De um modo geral, Erdogan buscou

substituir o projeto kemalista que tem regido a Turquia nos últimos noventa anos por

outro mais perto de seu passado otomano” (ALBERO, 2016, p.11). Ainda de acordo

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com Albero (2016), embora livre do radicalismo religioso das monarquias do Golfo,

observou-se a ampliação do papel do islã na vida pública, o que desagradou boa

parcela da população turca.

De acordo com Sasaki (2016), desde 2011, a guerra civil na Síria vem

desestabilizando todo o Oriente Médio. Nesse contexto, logo no início, a Turquia foi

um dos países a se voltar diretamente contra o governo sírio, ainda que as duas

nações cultivassem boas relações no passado. Os turcos passaram a financiar a

oposição moderada e até os mais radicais, com o objetivo de derrubar o presidente

sírio Bashar al-Assad.

Agravando ainda mais a participação turca no conflito sírio, observou-se que o

maior foco de tensão dizia respeito à relação ambígua que o governo manteve com

o EI. No decorrer do conflito, o grupo extremista despontou como uma das forças

capazes de fazer frente às tropas de Assad. Assim, segundo Sasaki (2016), diante

do discurso turco de alinhamento com as potências ocidentais no combate ao

fundamentalismo islâmico e da real postura adotada no conflito, Erdogan foi acusado

de fazer vistas grossas em relação aos avanços do grupo extremista.

Os interesses da Turquia e do EI também convergiam com relação aos

curdos, maior etnia sem Estado no mundo, com cerca de 30 milhões de pessoas. Na

Turquia, onde representam cerca de 20% da população, os curdos lutam pela

independência do seu território, tendo como principal grupo separatista o Partido dos

Trabalhadores do Curdistão (PKK).

Na Síria, os curdos locais conquistaram boa dose de autonomia no norte do país, perto da fronteira com a Turquia, onde mantêm relações estreitas com o PKK e defendem seu território contra o avanço do EI. Para a Turquia, a aliança entre os curdos sírios e o PKK representa a principal ameaça ao seu território. Por isso, foi conveniente para Erdogan deixar que o EI fizesse o “trabalho sujo” de lançar ataques aos curdos sírios e ao PKK na região. Mas essa relação acabou se tornando insustentável (SASAKI, 2016, p.61).

Ainda de acordo com Sasaki (2016), a postura turca começou a mudar em

julho de 2015, quando a cidade de Suruç foi palco de um atentado do EI, que vitimou

32 pessoas. No mesmo episódio, o PKK matou dois policiais turcos, acusados de

colaborar com o ataque jihadista. Assim, diante de ataques do EI em cidades turcas

e de assassinatos atribuídos ao PKK, o governo Erdogan mudou sua estratégia. A

Turquia passou a atacar abertamente alvos do PKK na Síria, rompendo a trégua

com os curdos, além de retomar a colaboração efetiva com a OTAN, no combate ao

Estado Islâmico.

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Nesse contexto, em agosto de 2016, a Turquia desencadeou a Operação

Escudo do Eufrates, desempenhando um papel mais ativo no conflito sírio. Essa

operação ofensiva lançada contra posições do EI e contra as Forças Democráticas

Sírias, formadas primordialmente por curdos, contribuíram para a reconquista de boa

parte do norte de Alepo pelo Exército Livre da Síria.

“Em resposta aos ataques turcos, em outubro, o país sofreu o maior atentado

de sua história, quando uma bomba explodiu próxima à estação de trem de Ancara,

deixando 95 mortos e mais de 200 feridos” (SASAKI, 2016, p.61).

Se não bastasse os conflitos bélicos, a Turquia ainda enfrenta o grave

problema dos refugiados sírios. Por fazer fronteira com a Síria, a Turquia se tornou o

principal destino para os refugiados que fogem daquele país em direção à Europa.

Desde o início do conflito, já recebeu mais de 2 milhões de sírios, abrigando em

seus campos de refugiados cerca de 400 mil deles.

Assim, “após uma década de prosperidade e relativa paz, a Turquia agora

flerta com a instabilidade política, contribuindo para um clima de insegurança

regional” (SASAKI, 2016, p.61). As complexas relações estabelecidas pela Turquia

no contexto da guerra da Síria têm impactado negativamente na solução do conflito.

5.2 FRENTE ALIADA AO BASHAR AL-ASSAD

5.2.1 Rússia

Com a dissolução da URSS, em 1991, a Rússia perdeu influência geopolítica

e viu sua economia deteriorar. Ao assumir o poder em 2000, Vladimir Putin

estabeleceu uma estratégia para retomar para o Estado o controle de setores

estratégicos, como petróleo e gás, e, principalmente, recuperar a projeção externa.

Diante disso, dentre outras medidas, Putin interferiu diretamente no conflito da Síria

para fazer valer seus interesses no Oriente Médio e recuperar o protagonismo no

cenário mundial.

Assim, não é difícil afirmar que a Rússia é a mais importante aliada do regime

sírio. Também não é exagero afirmar que, graças ao Presidente Putin, Assad ainda

se mantém no poder. Como exemplo de uma ação direta implementada pela Rússia,

vimos que, em setembro de 2015, quando os grupos armados de oposição e

jihadistas islâmicos ganhavam terreno e colocavam em risco a sobrevivência do

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regime de Damasco, o governo russo iniciou ataques aéreos dirigidos ao território

sírio. “Oficialmente, a investida era contra posições do EI, mas as bombas russas

tinham como alvo principal os rebeldes moderados anti-Assad, justamente aqueles

apoiados pelos EUA e as potências ocidentais” (VASCONCELOS, 2017, p.51). A

estratégia foi bem-sucedida, e Assad reconquistou terreno.

De acordo com Vasconcelos (2017), a Rússia é uma aliada histórica da Síria,

a quem sempre prestou apoio diplomático e militar. O governo de Bashar al-Assad,

assim como o de seu pai, é, há muito tempo, um cliente fiel dos russos, de quem

compra armamentos. Em 1967, na Guerra dos Seis Dias, quando uma coalizão de

países árabes atacou Israel, a então União Soviética enviou conselheiros militares e

milhões em equipamentos aos sírios. Tal apoio não surtiu resultados, uma vez que

os israelenses saíram vitoriosos, conquistando parte do território sírio: as Colinas de

Golã. “Em troca da ajuda, os russos foram autorizados a implantar uma base naval

em Tartus, no litoral sírio. Ainda em operação, trata-se da única instalação militar

russa no Mediterrâneo” (VASCONCELOS, 2017, p.51). Esse porto representa o

ponto militar mais estratégico da Rússia no Oriente Médio e, portanto, Putin não

quer correr o risco de perdê-lo caso Assad seja alijado do poder.

Nesse sentido, desde o início do conflito, além do apoio militar a Assad, a

Rússia, como membro permanente do CSNU, vem usando seu poder de veto para

impedir a adoção de resoluções contra a Síria. Para Putin, a defesa de Assad

significa a manutenção de uma longa aliança com a Síria, que vem desde o período

da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

De acordo com Vasconcelos (2016), ao insistir que o fortalecimento de Assad

é a única forma de derrotar o Estado Islâmico, Putin trabalha em uma engenharia

diplomática bastante complicada; sua estratégia é chegar a um alinhamento das

potências mundiais com o regime de Assad para vencer os fundamentalistas.

Posteriormente, uma negociação política para a solução da crise síria se tornaria

mais viável. Nesse aspecto, “algumas declarações da diplomacia russa sinalizam até

que a prioridade não é manter Assad no poder, desde que ele seja substituído por

forças políticas que garantam a influência russa na região” (VASCONCELOS, 2016,

p.57). No entanto, no momento, a narrativa da diplomacia russa ainda não encontrou

eco entre as lideranças ocidentais. Mas é com essa estratégia que Putin pretende

resgatar o prestígio internacional da Rússia e conservar seus interesses geopolíticos

no Oriente Médio.

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Com a descoberta do uso de armas químicas na Síria, em 2013, a rivalidade

entre Estados Unidos e Rússia ficou ainda mais evidente diante do alerta norte-

americano de possível intervenção. De acordo com Furtado (2014), à época,

Vladimir Putin foi enfático ao afirmar que a Rússia reagiria em defesa da Síria caso

os EUA iniciassem uma intervenção militar. Essa atitude está ligada à ameaça que

uma intervenção norte-americana significaria para os interesses russos no Oriente

Médio.

Num sentido mais amplo, a estratégia russa de desenvolver uma multipolaridade nas relações internacionais tem a intenção de diminuir a presença dos EUA nas suas áreas de interesse e, mais além, de diminuir a dominância dos EUA como possível garantidor da estabilidade global (FURTADO, 2014, p.5).

Em 2017, Trump desferiu um golpe direto contra os interesses de Putin na

região, ao bombardear bases militares do regime sírio. De acordo com Sasaki

(2017), após o ataque, Putin declarou que a ação norte-americana foi ilegal e que a

relação Rússia-EUA piorou desde que Trump chegou ao poder. O episódio elevou a

tensão entre os dois países e explicitou as profundas divergências geopolíticas entre

os EUA e Rússia.

Essas divergências se agravaram em abril de 2018, quando os EUA, em

parceria com a França e o Reino Unido, bombardearam centros de produção de

armas químicas em Damasco e Homs, na Síria. Esse bombardeio, direcionado ao

Governo de Assad, foi uma resposta a um possível ataque químico realizado no

subúrbio de Damasco, que matou mais de 40 pessoas. Essa ofensiva contrariou os

interesses da Rússia, causando grande apreensão mundial devido à possibilidade

de arrastar os dois países para um confronto.

A diplomacia russa negou o uso de armas químicas pela Síria, condenando a

ação norte-americana. No entanto, não adotou nenhuma ação retaliatória direta.

“Como a ofensiva da coalizão não matou civis, nem atingiu alvos russos na Síria, o

episódio não teve desdobramentos que pudessem efetivar um confronto direto”

(SASAKI, 2018, p. 41).

O fato é que Assad vem se mantendo firme no poder graças à Rússia, seu

principal fiador. A postura russa no CSNU e sua campanha militar realizada a partir

de 2015 estão sendo decisivas para que Bashar al-Assad se fortaleça no poder.

“Até agora, os objetivos de Putin parecem estar sendo atingidos. Assad

reconquistou terreno no conflito sírio, e a Rússia consegue elevar sua estatura

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política nessa crise” (SASAKI, 2017, p.43). Nesse sentido, é claro observar que

qualquer ação na Síria - seja uma saída diplomática, seja uma ação militar - não

será realizada sem levar em consideração os interesses Russos.

5.2.2 Irã

Entre os países do Oriente Médio, o Irã é o principal aliado de Bashar al-

Assad, juntamente com o grupo libanês Hezbollah. De acordo com Vasconcelos

(2017), o Hezbollah, financiado pelo regime iraniano, junto com a Síria e o Irã,

formam uma aliança política cujos líderes são adeptos do xiismo. Essa aliança,

conhecida como o corredor Xiita, opõe-se fortemente aos países “sunitas”.

O conflito da Síria é o grande trunfo do Irã no Oriente Médio, pois lhe permite

atuar como um canal para o Hezbollah, além de aumentar o seu potencial de

retaliação contra ameaças, principalmente os israelenses e a Arábia Saudita. Além

dessa aliança xiita, que visa a degradação das monarquias sunitas, “ao Irã interessa

ter um aliado em Damasco que também lhe facilite acesso ao Líbano, base do

Hezbollah, e ao Mar Mediterrâneo, local estratégico do ponto de vista comercial e

militar” (VASCONCELOS, 2017, p.51). Concordando com Moraes (2015), dentro

dessa política iraniana, a Síria funcionaria como uma zona estratégica, permitindo ao

Irã projetar sua influência no Oriente Médio. Nesse sentido, observa-se que as

relações entre Irã e Síria vem se fortalecendo ao longo da história, conforme afirma

Visentini e Roberto (2015):

O desenvolvimento da relação entre a Síria e o Irã pós-revolução de 1979 foi uma resposta aos desafios enfrentados por ambos os países frente ao Iraque, Israel e EUA no Levante e no Golfo Pérsico durante os anos 1980. A aliança surgida entre Damasco e Teerã foi essencialmente defensiva, tendo emergido diretamente como resposta aos atos de agressão do Iraque contra o Irã em 1980 e por Israel contra o Líbano em 1982 (VISENTINI E ROBERTO, 2015, p. 75).

O conflito na Síria extrapolou suas fronteiras e, de forma indireta, tornou-se de

caráter regional, onde, de um lado, encontram-se o Irã e seus aliados e, de outro, a

Arábia Saudita e as petromonarquias do Golfo. Ambos os lados do conflito seguem

disputando a supremacia do Oriente Médio. Nesse sentido, a manutenção do

governo de Assad, xiita, tornou-se uma questão chave para o Irã. Para tanto, o Irã

carecia de uma sensível melhora em sua economia para manter um apoio

expressivo ao Presidente Bashar al-Assad, o que ocorreu após a assinatura do

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acordo nuclear entre o Irã e grupo P5+1 (membros permanentes do CSNU mais a

Alemanha). “Desde a assinatura do acordo nuclear em 2015, o Irã conseguiu

recuperar sua economia, além de permitir seu retorno ao mercado internacional de

petróleo, o que desagradou aos competidores sauditas” (SOARES, 2018, p.46).

Nesse contexto, o Irã vem fortalecendo sua influência regional, desafiando a

hegemonia da Arábia Saudita no Oriente Médio.

Diante do exposto, e analisando os interesses iraniano no conflito, observa-se

que “o Irã seria o maior perdedor na hipótese de uma queda definitiva do governo de

Assad, sobretudo porque a ascensão de um governo sunita ou pró-Estados Unidos

certamente significaria o fim definitivo da aliança entre aqueles países” (MORAES,

2015, p.92). A postura do Presidente iraniano Hassan Rouhani, de apoio irrestrito ao

Bashar al-Assad, suscitou uma resposta das potências externas ao conflito na Síria.

Quanto ao posicionamento iraniano, o apoio dado à Síria desde 2011 para

sustentar Assad tem se mostrado muito custoso, tanto em termos materiais quanto

em termos para sua reputação regional – o regime sírio é visto como ilegítimo pela

maioria das populações da região. “Entretanto, o Irã tem consciência de que os

custos de perder a Síria seriam ainda maiores: o rompimento do Eixo de Resistência

contra os Ocidentais e seus aliados” (VISENTINI E ROBERTO, 2015, p.37).

De acordo com Furtado (2014), soldados iranianos estão lutando diretamente

no conflito sírio, ajudando Bashar al-Assad a criar uma força paramilitar que se soma

ao exército sírio. “O Irã, Iraque e Líbano gastam bilhões de dólares amparando o

governo sírio e oferecendo equipes de elite para trabalhos de inteligência e de

treinamento militar” (FURTADO, 2014, p.16). Além do vasto suporte financeiro a

Damasco, o Irã continua enviando armas por aviões que cruzam o Iraque – país que

atualmente possui um governo pró-xiita. “A ONU estima que o Irã desembolse por

volta de 6 bilhões de dólares por ano em ajuda econômica e militar a Assad”

(VASCONCELOS, 2017, p.51).

Nesse contexto de ajuda econômica a Assad, o Irã se vê diante de um grande

desafio: lidar com a possível volta das sanções econômicas decorrente da retirada

dos EUA do acordo nuclear com o Irã, anunciada por Trump em maio de 2018. De

acordo com Soares (2018), a salvação do acordo nuclear e, consequentemente, da

economia iraniana, depende da manutenção de seus negócios com os europeus.

“Caso isso não seja possível, o governo do Irã anunciou que voltará a colocar as

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centrífugas para funcionar e a enriquecer urânio em níveis acima do estipulado pelo

pacto, elevando a tensão nuclear em nível mundial” (SOARES, 2018, p.45).

A Síria também se tornou palco de outra grande disputa regional, a

protagonizada entre Israel e o Irã. De acordo com Soares (2018), logo após o

anúncio da retirada dos EUA do acordo nuclear com o Irã, Israel bombardeou

diversos alvos iranianos na Síria. O governo iraniano respondeu com o lançamento

de foguetes contra as Colinas de Golã, território ocupado por forças israelenses. “Foi

a maior ofensiva realizada por Israel na Síria desde a Guerra do Yom Kippur, e o

episódio marcou o início dos ataques diretos entre iranianos e israelenses, o que

pode dar novos contornos à Guerra da Síria” (SOARES,2018, p.46).

Diante dessa análise, observa-se que o Irã é um ator relevante no conflito

sírio, principalmente por confrontar os EUA e as principais potências regionais, como

a Arábia Saudita e Israel. Essa República Islâmica, de maioria xiita, utiliza a Síria

como principal palco da disputa regional, ampliando, portanto, o caráter doméstico

do conflito. Assim, a guerra civil da Síria passa a ter um caráter regional de difícil e

complexa solução.

5.2.3 Hezbollah

De acordo com Marton (2016), o Hezbollah é uma organização criada em

1982 no Líbano e que conta atualmente com cerca de setenta mil membros. “É um

dos partidos políticos dominantes do Líbano, assim como um movimento social e

religioso voltado primária, mas não exclusivamente, à comunidade xiita” (MARTON,

2016, p.25). Criado e mantido pelo Irã, de onde recebe cerca de duzentos milhões

de dólares anuais, o “Partido de Deus” conta com dois ministérios e doze assentos

no Parlamento, detendo cerca de um terço do poder no Líbano. O Hezbollah conta,

ainda, com uma rede de TV, serviços sociais, escolas e hospitais.

No entanto, apesar da legitimidade que goza junto à população xiita no

Oriente Médio, é considerado uma organização terrorista pelos Estados Unidos e

seus aliados. “Nas palavras do Departamento de Estado americano, é o grupo

terrorista mais tecnicamente capaz do mundo” (MARTON, 2016, p.25).

Com relação ao conflito na Síria, o Hezbollah faz parte da frente de apoio ao

Presidente sírio Bashar al-Assad. De acordo com Visentini e Roberto (2015), o

Hezbollah declarou oficialmente, em 2013, seu apoio militar a Bashar al-Assad,

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passando a lutar ao lado do exército nacional sírio. Além da questão religiosa,

ambos xiitas, há outra razão para esse alinhamento, conforme afirma Visentini e

Roberto: “a razão disto foi o risco de ter suas rotas de suprimento rompidas por um

novo regime sunita na Síria, a perda de sua profundidade estratégica e o

consequente enfraquecimento de sua capacidade dissuasória frente a Israel”

(VISENTINI E ROBERTO, 2015, p.42).

A postura do Hezbollah com relação ao conflito sírio alterou-se à medida que

o conflito passou de protestos e repressão para a violência declarada. De acordo

com Clark (2018), inicialmente o Hezbollah priorizou demonstrações de apoio ao

governo e disseminação de propaganda pró-regime. “O Hezbollah começou a se

mobilizar, usando seus canais de mídia árabes, para pedir manifestações massivas

em Beirute em apoio ao regime sírio” (CLARK, 2018, p.10). Em um segundo

momento, o grupo passou para o envolvimento militar ativo ao lado do governo

contra as forças rebeldes. “O grupo afirmava sua ligação à Síria, ao Líbano e à

Palestina, à resistência, ao povo, aos árabes, aos muçulmanos e à liberdade,

buscando legitimidade em suas ações na Síria” (CLARK, 2018, p.11).

O Hezbollah descreveu o presidente Assad como um baluarte contra uma

conspiração trinitária entre EUA, Israel e monarquias sunitas. Nesse sentido, o

Hezbollah justificou sua entrada no conflito ao descrever a intervenção ocidental na

Síria como um ataque a um interesse nacional pan-árabe e libanês. Assim, de

acordo com Clark (2018), um esforço conjunto foi feito para ligar a segurança

libanesa à situação na Síria, através de frases como “a segurança do Líbano é a

segurança da Síria”.

Isso ressaltou a noção de que outros atores estavam tentando usar o Líbano como um canal ou base para atacar a Síria, ligando ainda mais o conflito aos assuntos libaneses. Ao conectar a guerra na Síria à guerra regional ao Líbano, o Hezbollah construiu uma ideia de que tudo está conectado, de modo que se tornou viável declarar abertamente que talvez o Hezbollah também se sentisse compelido a guerrear se as coisas piorassem na região ao ponto de ameaçar seu destino e sua resistência e de seus aliados (CLARK, 2018, p.11).

Nesse contexto, o Hezbollah começou a planejar abertamente seu

envolvimento militar, embora fosse enquadrado como reativo e defensivo. Desde o

final de 2011, já classificava a situação como parte de um conflito global, buscando,

então, uma coalizão com a Rússia e Irã contra a aliança EUA, Israel e o Ocidente.

“De fato, o Hezbollah chegou a enviar uma delegação a Moscou e à China a fim de

sustentar essa coalizão. Nota-se seu importante posicionamento na coalizão, em pé

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de igualdade com Moscou, Pequim e Teerã contra Washington e Tel Aviv” (CLARK,

2018, p.11).

Em maio de 2013, o Secretário Geral Hasan Nasrallah confirmou

publicamente a presença militar do Hezbollah na Síria, justificando a intervenção

externa como necessária para proteger o Líbano. Os combatentes do Hezbollah

foram empregados na retomada da cidade de al-Qusayr das forças rebeldes. Desde

então, os combatentes do Hezbollah foram sendo desdobrados em outras frentes de

combate mais distantes. Como auxiliares das forças do regime de Assad, lutaram

em Homs, no centro da Síria e na fronteira libanesa, não só contra os rebeldes, mas,

também, contra o Estado Islâmico e seus aliados da frente al-Nusra.

Nesse contexto, o Hezbollah se mostrou como um grande aliado de Assad,

auxiliando-o a se manter no poder. No entanto, de acordo com Magnier (2018),

diante do foratelecimento do Regime de Assad, o Hezbollah tem considerado sua

missão cumprida na Síria, passando nesse momento, a concentrar suas forças no

Líbano. Diante do aumento da possibilidade de conflito com Israel, a liderança do

Hezbollah decidiu desdobrar boa parte do seu poder de combate em locais

considerados sensíveis à possível agressão israelense.

5.3 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada em 1945, após a

Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de solucionar conflitos, garantir a paz e

articular uma cooperação internacional para resolver problemas econômicos, sociais

e humanitários. Segundo a UN (2018), ela reúne 193 países-membros, o que lhe

confere abrangência e legitimidade para realizar convenções, acordos globais e

ações coordenadas, como as missões militares de paz.

No entanto, a organização tem sido criticada por não resolver conflitos, como

a guerra na Síria e o aumento do número de refugiados. “Uma das principais

limitações apontadas é a estrutura engessada e envelhecida de seu mais importante

órgão, o Conselho de Segurança” (NOVO SECRETÁRIO QUER MUDAR A ONU,

2018, p.74). De acordo com a UN (2018), o CS é composto por dez membros

rotativos e de cinco membros permanentes: EUA; Rússia; França; China; e Reino

Unido, sendo os únicos com poder veto. Esse conselho delibera sobre a segurança

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mundial, com poder para impor sanções econômicas e intervenções militares em

outros países.

Nesse sentido, desde o início do conflito, a ONU tem realizado esforços para

solucionar o conflito na Síria.

Ações práticas ocorreram somente em abril de 2012, com uma missão de observação aprovada pela Resolução 2042, depois de uma série de declarações do Conselho de Segurança (CS) para que se pusesse fim à violência e ao desrespeito aos Direitos Humanos. Uma equipe de 30 observadores militares tinha por objetivo monitorar o cessar fogo no país e a retirada de armas das áreas civis (FURTADO, 2014, p.2).

Já em 21 de abril de 2012, por iniciativa da Rússia, foi estabelecida a

resolução 2043 do Conselho de Segurança da ONU, criando a UNSMIS – sigla em

inglês para Missão de Supervisão das Nações Unidas na Síria.

A UNSMIS foi implementada com a finalidade de monitorar o cessar-fogo entre as forças governistas e de oposição em todas as suas formas e proporcionar a solução do conflito interno baseado em seu plano de intervenção. Aprovada por unanimidade, a resolução supracitada autorizou o envio de 300 observadores militares desarmados, bem como um componente de civis e os meios de transporte aéreos e terrestres necessários ao desenrolar das atividades para fazer valer o chamado plano de “seis pontos” estabelecido pela Organização das Nações Unidas (BORDEAUX, 2014, p.25).

No entanto, de acordo com Furtado (2014), diante de relatórios sobre crimes,

assassinatos, torturas e diversas outras violações dos Direitos Humanos, tanto por

parte do governo quanto dos rebeldes, com mortes na faixa de 27 mil pessoas, a

Organização tentou aprovar outras resoluções, impondo sanções à Síria.

“Entretanto, tanto a Rússia como a China, membros permanentes e aliados de

Assad, se mostravam impassíveis, utilizando do seu poder de veto para impedir

ações mais drásticas” (FURTADO, 2014, p.2). O diplomata argelino Lakhdar Brahimi,

mediador da ONU na Síria, propôs um governo de transição com plenos poderes,

visando estruturar mudanças políticas no país, não obtendo sucesso.

Em agosto de 2013, uma missão da ONU confirmou o uso de gás sarin em

um ataque químico que matou centenas de civis nos arredores de Damasco.

“Inspetores da ONU foram enviados ao país e confirmam a veracidade das

acusações gerando, então, novas discussões entre os países do Conselho de

Segurança sobre uma possível intervenção militar na Síria” (FURTADO, 2014, p.2).

Diante disso, a ONU deu início a uma missão em conjunto com a Organização para

Proibição de Armas Químicas (OPAQ) para a destruição do arsenal químico

informado pela Síria, contornando ameaças americanas e o provável monitoramento

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de armas pela Rússia. “Por meio da Resolução 2118, a organização conseguiu

implementar a retirada e posterior destruição das armas químicas, além de organizar

uma Conferência de Paz com representantes de todas as partes envolvidas”

(FURTADO, 2014, p.2).

Se não bastasse o grande desafio imposto pela guerra na Síria, a ONU se vê

diante de outro grave problema: o aumento do número de refugiados, decorrente do

conflito. Nesse sentido, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados

(ACNUR) passou a distribuir ajuda humanitária e auxílio básico à população síria. De

acordo com a UN (2018), em 2016, o número de refugiados chegou a 5 milhões de

pessoas. Tal número sobrecarregou os países receptores como Líbano, Iraque,

Jordânia e Turquia, que passaram a cobrar melhores respostas do ACNUR.

Nesse contexto de ineficiência, o diplomata português António Guterres, que

assumiu em 1º de janeiro de 2017 a secretaria-geral da ONU, afirmou que a

entidade não tem cumprido seu principal papel, o de evitar guerras e suas

consequências. A guerra civil na Síria é um bom exemplo da ineficácia da entidade.

O antagonismo entre os EUA e seus aliados e a Rússia e China tem impedido a ONU de ter um papel mais ativo no conflito. Dentro do Conselho de Segurança (CS), órgão com legitimidade para impor sanções ao governo sírio, medidas contra al-Assad são vetadas por Rússia e China (NOVO SECRETÁRIO QUER MUDAR A ONU, 2018, p.75)

Nesse sentido, várias propostas de reforma do CS estão sendo apresentadas.

A estrutura de poder do CS tornou-se distante da realidade e anacrônica, uma vez

que potências como o Japão e Alemanha, e países como Brasil e Índia não

participam do CS. “As principais propostas para reformar o CS são ampliar o número

total de membros, inclusive os permanentes com poder de veto, e definir situações e

decisões em que o direito de veto não poderá ser usado” (NOVO SECRETÁRIO

QUER MUDAR A ONU, 2018, p.76).

Nesse contexto, observa-se que o atual sistema de governança global se

mostra ineficaz diante do complexo jogo de interesses de potências regionais e

globais envolvidas no conflito sírio.

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6 CONCLUSÃO

A Guerra Civil na Síria apresenta uma dinâmica muito peculiar e com

características que a distanciam da maioria das guerras contemporâneas. A

multidimensionalidade do conflito o leva para além da realidade tradicional. Os

elementos atuais - como a emergência de atores não estatais, os movimentos

migratórios, o recrudescimento de rivalidades étnicas e religiosas e os apoios

externos regionais e globais - aumentam a complexidade dessa Guerra. A

retroalimentação das forças governamentais e oposicionistas por seus respectivos

aliados - sejam eles domésticos, regionais ou potências mundiais -, não permite o

fim das hostilidades.

A principal característica dessa guerra é a presença de inúmeros atores com

interesses divergentes. No âmbito interno, está o Governo Sírio, presidido por

Bashar al-Assad. Em oposição ao regime, encontram-se os rebeldes sunitas, com

destaque para o Exército Livre da Síria. Permeando essa disputa e igualmente

envolvidos no conflito, encontram-se os Curdos e os grupos radicais islâmicos, como

o Estado Islâmico. No âmbito externo, existe, de um lado, a frente aliada ao

Presidente Assad, composta pela Rússia, Irã e Hezbollah; e, do outro lado, a frente

de oposição ao Bashar Al-Assad, composta pelos EUA e seus aliados, Arábia

Saudita e a Turquia. Nesse complexo xadrez geopolítico, nenhuma das partes

alcança o poder necessário para fazer com que a outra ceda, gerando a estagnação

do conflito, a manutenção da violência e o aumento da morte de civis.

Além disso, no âmbito regional, o caráter sectário sobrepujou as aspirações

dos oposicionistas sírios de viver em uma sociedade mais democrática (que é como

a revolta começou). O conflito, desde o início, se caracteriza pela tentativa da

coalizão liderada pela Arábia Saudita em deter a crescente, e aparentemente

inexorável, influência iraniana. O resultado dessa batalha regional tem sido a

mobilização sectária, o aumento de refugiados e a total ruptura da sociedade síria.

Diante desse cenário, o presente trabalho buscou estudar a dinâmica da

Guerra na Síria, trazendo reflexões sobre as interferências externas no conflito e

suas contribuições para o prolongamento da guerra. A abordagem integrada,

associada à política, à estratégia, à geopolítica e às relações internacionais,

possibilitou o desejado entendimento do problema e a conclusão de que as

intervenções estrangeiras, que em tese visavam a acabar com o conflito, ao invés disso,

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alimentam a guerra, bloqueando todos os caminhos normais para o estabelecimento da

paz.

Ao longo do estudo, percebeu-se que a solução de conflitos complexos como

o da Síria requer a geração de novas ideias de caráter multidisciplinar que,

alinhadas com questões e teorias clássicas associadas ao tema, é o novo desafio

dos profissionais da Segurança e Defesa do século XXI.

Com relação ao conflito, constatou-se que qualquer tentativa de resolução tem

terminado de maneira frustrada. A Organização das Nações Unidas já se mostrou

incapaz de solucionar o problema. As tentativas dos EUA e de seus aliados de

imporem sanções ao governo sírio por meio do Conselho de Segurança da ONU

foram sistematicamente barradas pela Rússia e China, países com poder de veto.

Nesse sentido, diante da paralisia da ONU na solução do conflito, é plausível

considerar a reestruturação da governança global, visando ao tão esperado

estabelecimento da paz.

Constatou-se ainda que, de acordo com pesquisas acadêmicas sobre guerras

civis, a média de duração desse tipo de conflito chega a uma década. Todos os fatores

responsáveis por torná-la mais longa estão presentes na Guerra da Síria.

A maioria das guerras civis termina quando um lado é derrotado militarmente, fica

sem recursos, ou perde a totalidade do apoio popular. Cerca de um quarto das guerras

civis terminam em um acordo de paz, fruto do esgotamento de ambos os lados. No

entanto, tal possibilidade se torna remota no conflito sírio, uma vez que quando um dos

lados está enfraquecido, ele é sistematicamente apoiado por potências estrangeiras.

Assim, as intervenções atrapalham as leis habituais da guerra. As forças que

normalmente reduziriam a inércia do conflito estão ausentes, permitindo a continuidade

do conflito por muito mais tempo do que o esperado.

Além disso, o apoio estrangeiro não se limita em remover os mecanismos para a

paz, mas ele também introduz ferramentas de autorreforço. Sempre que um lado perde

território, seus apoiadores reforçam a participação, enviando suprimentos, armamentos,

treinamentos e recurso; tudo para evitar a derrota de quem defendem. Na medida em

que esse lado se fortalece, os financiadores estrangeiros da oposição também ampliam

sua ajuda. Cada investida é um pouco mais forte que a anterior, mantendo o equilíbrio

da guerra e afastando a possibilidade da paz.

Essa dinâmica se estabeleceu na Síria desde o início do conflito. No final de

2012, quando os militares sírios sofreram derrotas, o Irã interveio em seu nome. Em

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2013, as forças do governo se recuperaram, suscitando o apoio dos Estados do Golfo

aos rebeldes. Mais tarde, os Estados Unidos e a Rússia se juntaram à batalha e

reforçaram os contendores. Mesmo que mantendo uma distância estratégica, os EUA

desempenham um papel de grande relevânica no conflito sírio, ao liderar uma

coalizão contra o EI e posicionando-se contrário ao Regime de Assad, ao mesmo

tempo em que a Rússia se mostra como a maior fiadora do Governo de Assad,

agravando as tensões entre essas duas potências.

Outro ponto de destaque nessa análise é o aumento considerado do número de

refugiados sírios, impactando a comunidade internacional. Nesse contexto, ressalta-se

outra característica do conflito: não há um incentivo de ambos contendores em proteger

civis e minimizar atrocidades, uma vez que nenhum dos lados dependem fortemente do

apoio popular. Pelo contrário, tanto o governo como a oposição carecem do apoio

estrangeiro, relegando a segundo plano o apoio popular. Os combatentes sírios

dependem de patrocinadores estrangeiros, e não da população local. Por isso, têm

pouco incentivo para protegê-la. Na verdade, essa dinâmica transforma a população

local em um problema ao invés de um recurso necessário.

Diante desse cenário, percebe-se que a única maneira para romper o impasse é

o fortalecimento de um lado ou a mudança da política de algum contendor. Tal

perspectiva se torna remota, uma vez que há a presença de dois dos maiores poderios

militares mundiais: a Rússia e os Estados Unidos. Ambos já sinalizaram a intenção de

não interferirem decisivamente no conflito e de não mudarem seu posicionamento

político. Tanto Putin como o Trump optaram por assumirem uma postura mais

pragmática de apoio, não engajando-se decisivamente.

Além disso, tanto o governo sírio quanto os opositores estão debilitados

internamente. Os principais líderes sírios pertencem à minoria religiosa alauíta, que

compõe uma pequena parte da população do país. Portanto, não goza da maioria do

apoio popular. Por outro lado, a oposição se mostra fraca, uma vez que se encontra

dividida em muitos grupos. Nesse contexto, a debilidade dos contendores em se manter

no poder, no caso de vitória, é outro fator que tende a prolongar a guerra civil e a

diminuir a probabilidade de um final pacífico.

Por fim, mesmo diante da crise que assola a Síria e dos infindáveis conflitos

entre os inúmeros atores, a tomada de Aleppo em 2016 significou um ponto de

inflexão na Guerra Civil. A vitória do Regime de Assad, consolidando a posse de

importantes regiões do país, aliada ao enfraquecimento do Estado Islâmico,

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fortaleceu sobremaneira o Governo sírio. No entanto, esse sucesso não sinaliza o

término do conflito, a rendição dos opositores e o estabelecimento da paz.

Assim, todos estes elementos reforçam ainda mais o impasse na resolução

do conflito, que não se dará somente na arena doméstica ou na arena global, mas,

sim, por uma sintonia dessas duas esferas.

Nesse sentido, não é possível, em curto prazo, prever o desfecho da guerra,

mas, com certeza, qualquer que seja ele, provocará alterações importantes nas

relações regionais e sistêmicas no Oriente Médio.

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