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S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIÇÃO: C.22. determinação que aqui direi o deixe de começar, porque o Senhor o irá aperfeiçoando; e mesmo que não fizesse mais do que dar um passo, tem em si tanta virtude, que não haja medo que o perca nem deixe de ser muito bem pago! É - digamos assim - como quem tem umas contas de indulgências que, se as reza uma vez ganha, e quantas mais vezes, mais. Mas se nunca lhes pega e as tem na arca, melhor fora não as ter. Assim, ainda que não continue depois pelo mesmo caminho, o pouco que nele tiver andado, lhe dará luz para ir bem por outros e, se mais andar, melhor. Enfim, tenho por certo que não lhe fará dano em coisa nenhuma o tê-lo começado, embora o deixe, porque o bem nunca faz mal. Por isso, a todas as pessoas que tratam convosco, filhas, havendo disposição e alguma amizade, procurai tirar-lhes o medo de começar tão grande bem. E, por amor de Deus vos peço, que o vosso trato seja sempre ordenado a fazer algum bem àqueles com quem falardes, pois a vossa oração há-de ser para proveito das almas. E, pois que isto haveis de pedir sempre ao Senhor, mal parecerá, irmãs, não o procurardes de todas as maneiras. 4. Se quereis ser boa parente, esta é a verdadeira amizade; se boa amiga, entendei que o não podeis ser senão por este caminho. Ande a verdade em vossos corações, como deve andar pela meditação, e vereis claramente o amor que somos obrigadas a ter ao próximo. Já não é tempo, irmãs, de jogos de meninos, que outras coisas não são estas amizades do mundo, ainda que sejam boas; não haja entre vós tais ditos como «se me quereis», «não me quereis», nem com parentes nem com ninguém, a não ser que vá fundado num grande fim e proveito daquela alma. Pois pode acontecer, para que vos escute o vosso parente ou irmão ou pessoa semelhante e admita uma verdade, de terdes de o dispor com estes dizeres e mostras de amor, que sempre contentam a sensibilidade; e acontecerá terem em mais conta uma boa palavra - que assim a chamam -e dispô-los melhor, do que muitas sobre Deus, para que depois estas tenham entrada. E assim, usadas com advertência, com o fim de dar proveito, não as impeço. Mas, se não é para isto, nenhum proveito podem trazer e poderão causar dano sem o entenderdes. Já sabem que sois religiosas e que o vosso trato é de oração. Não se vos ponha diante: «não quero que me tenham por boa», porque é proveito ou dano comum aquilo que aqui virem em vós. E é grande file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-22.htm (2 of 3)2006-06-01 14:58:05

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Caminho da perfeição parte 4

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  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.22.

    determinao que aqui direi o deixe de comear, porque o Senhor o ir aperfeioando; e mesmo que no fizesse mais do que dar um passo, tem em si tanta virtude, que no haja medo que o perca nem deixe de ser muito bem pago!

    - digamos assim - como quem tem umas contas de indulgncias que, se as reza uma vez ganha, e quantas mais vezes, mais. Mas se nunca lhes pega e as tem na arca, melhor fora no as ter. Assim, ainda que no continue depois pelo mesmo caminho, o pouco que nele tiver andado, lhe dar luz para ir bem por outros e, se mais andar, melhor. Enfim, tenho por certo que no lhe far dano em coisa nenhuma o t-lo comeado, embora o deixe, porque o bem nunca faz mal.

    Por isso, a todas as pessoas que tratam convosco, filhas, havendo disposio e alguma amizade, procurai tirar-lhes o medo de comear to grande bem. E, por amor de Deus vos peo, que o vosso trato seja sempre ordenado a fazer algum bem queles com quem falardes, pois a vossa orao h-de ser para proveito das almas. E, pois que isto haveis de pedir sempre ao Senhor, mal parecer, irms, no o procurardes de todas as maneiras.

    4. Se quereis ser boa parente, esta a verdadeira amizade; se boa amiga, entendei que o no podeis ser seno por este caminho. Ande a verdade em vossos coraes, como deve andar pela meditao, e vereis claramente o amor que somos obrigadas a ter ao prximo.

    J no tempo, irms, de jogos de meninos, que outras coisas no so estas amizades do mundo, ainda que sejam boas; no haja entre vs tais ditos como se me quereis, no me quereis, nem com parentes nem com ningum, a no ser que v fundado num grande fim e proveito daquela alma. Pois pode acontecer, para que vos escute o vosso parente ou irmo ou pessoa semelhante e admita uma verdade, de terdes de o dispor com estes dizeres e mostras de amor, que sempre contentam a sensibilidade; e acontecer terem em mais conta uma boa palavra - que assim a chamam -e disp-los melhor, do que muitas sobre Deus, para que depois estas tenham entrada. E assim, usadas com advertncia, com o fim de dar proveito, no as impeo. Mas, se no para isto, nenhum proveito podem trazer e podero causar dano sem o entenderdes. J sabem que sois religiosas e que o vosso trato de orao. No se vos ponha diante: no quero que me tenham por boa, porque proveito ou dano comum aquilo que aqui virem em vs. E grande

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-22.htm (2 of 3)2006-06-01 14:58:05

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.22.

    mal, nas que tanta obrigao tm de no falar seno de Deus, como as freiras, que lhes parea bem a dissimulao neste caso, a no ser alguma vez para maior bem.

    Este o vosso trato e linguagem; quem quiser tratar convosco, aprenda-o, e se no, guardai-vos vs de aprender o seu; ser um inferno.

    5. Se vos tiverem por grosseiras, pouco vos vai nisso; se por hipcritas, ainda menos. Ganhareis com isto que no vos vejam seno os que entenderem esta linguagem; porque no faz sentido que, quem no sabe algaravia, goste de falar largamente com quem no sabe outra lngua. E, assim no vos cansaro nem vos faro dano, que no seria pouco dano comeardes a falar uma nova lngua, e todo o tempo se vos iria nisso. E no podeis saber, como eu, que o experimentei, o grande mal que para a alma; porque, para saber uma, esquece a outra, e um perptuo desassossego de que por todos os modos haveis de fugir. O que mais convm para este caminho, do qual comeamos a tratar, paz e sossego na alma.

    6. Se os que convosco tratam quiserem aprender a vossa linguagem, j que vos no cabe ensinar, podeis dizer as riquezas que se ganham com aprend-la e disto no vos canseis, mas fazei-o com piedade e amor e orao a fim de que aproveitem, para-que, entendendo o grande ganho, vo buscar mestre que os ensine; que no seria pouca merc que o Senhor vos fizesse despertar alguma alma para este bem.

    Mas, quantas coisas se oferecem em comeando a tratar deste caminho, ainda mesmo a quem to mal por ele tem andado como eu! Praza ao Senhor vo-lo saiba dizer, irms, melhor do que tenho feito, amena

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-22.htm (3 of 3)2006-06-01 14:58:05

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.23.

    CAPTULO 21. Diz o muito que importa comear com grande determinao a ter orao e no fazer caro dos inconvenientes que o demnio sugere.

    1. No vos espanteis, filhas, das muitas coisas a que preciso olhar para comear esta viagem divina, que caminho real para o Cu. Ganha-se, indo por ele, um grande tesouro; no , pois, demasiado que custe muito, a nosso parecer. Tempo vir em que se entenda como tudo nada para to grande preo.

    2. Agora, voltando aos que querem ir por ele sem parar at ao fim, que chegar a beber desta gua de vida, como devem comear, digo que importa muito, e tudo, ter uma grande e muito determinada determinao de no parar at chegar a ela, venha o que vier, suceda o que suceder, trabalhe-se o que se trabalhar, murmure quem murmurar, quer l se chegue, quer se morra no caminho, ou no se tenha nimo para os trabalhos que nele h, quer se afunde o mundo, como muitas vezes acontece ouvir-se dizer: nisto h perigos, fulano perdeu-se por aqui; o outro se enganou; aquele outro que rezava muito, caiu; causam dano virtude; no para mulheres, pois podem-lhes advir iluses; melhor ser que fiem; no necessitam dessas delicadezas; basta o Pater Noster e Ave-maria...

    3. Isto tambm eu digo, irms; e se basta! sempre grande bem fundar a vossa orao sobre oraes ditas por uma tal boca como a do Senhor. Nisto tm razo que, se a nossa fraqueza no estivesse to fraca e a nossa devoo to tbia, no seriam precisos outros concertos de oraes nem seriam precisos outros livros. E assim (pois, como digo, falo com almas que no podem recolher-se noutros mistrios e lhes parece necessrio usar de artifcio e h alguns espritos to engenhosos que nada os contenta), pareceu-me bem ir agora fundando por aqui uns princpios e meios e fins de orao, sem me deter, no entanto, em coisas subidas. E assim no vos podero tirar livros, e, se fordes atentas, tendo humildade, no tereis necessidade de mais nada.

    4. Sempre fui afeioada s palavras do Evangelho e mais me tm recolhido do que livros muito bem escritos, em especial, se o autor no era muito aprovado, no tinha vontade de os ler. Apoiada, pois, neste Senhor e Mestre da Sabedoria, talvez me ensine alguma

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-23.htm (1 of 4)2006-06-01 14:58:05

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.23.

    considerao que vos contente.

    No digo que v fazer o comentrio destas oraes divinas (pois no me atreveria e muitas h j escritas; e, ainda que no as. houvesse, seria disparate, mas somente consideraes sobre as palavras do Pai Nosso. Porque algumas vezes parece que, com muitos livros, se perde a devoo quilo a que tanto nos vai de a ter, pois claro que todo o mestre, quando ensina uma coisa, toma amor ao discpulo e gosta de que este se contente com o que ele lhe ensina e ajuda-o muito a que aprenda, e assim far connosco este Mestre celestial.

    5. Por isso, no faais nenhum caso dos medos que vos meterem, nem dos perigos que vos pintarem. Engraada coisa que quisesse eu, sem perigos, ir por um caminho onde h tantos ladres, e ganhar um grande tesouro! Bonito vai o mundo para que vo-lo deixem tomarem paz, mas por um maravedi de interesse, ficam sem dormir muitas noites e desassossegam-vos corpo e alma! Pois, se procurando ganh-lo - ou rouba-lo, como diz o Senhor que o arrebatam os esforados e se por caminho real e por caminho seguro por onde foi o nosso Rei e por onde foram todos os Seus escolhidos e santos, vos dizem que h tantos perigos e vos metem tantos terrores, os que vo s por seu parecer e sem caminho busca deste bem, que perigos no correro eles?

    6. minhas filhas! e muitos mais, sem comparao, s que no os entendem at dar de cara com o verdadeiro perigo, quando no h quem lhes d a mo, e de todo perdem a gua, sem beberem pouca nem muita, nem do charco nem do arroio.

    Pois j vedes; sem uma gota desta gua, como se passar por caminho onde h tantos com quem pelejar? Est claro que, quando menos pensarem, morrero de sede; porque, quer queiramos, quer no, filhas minhas, todos caminhamos para esta fonte, posto que de diferentes modos. Enfim, crede-me a mim; no v algum enganar-vos, mostrando outro caminho que no seja o da orao. No falo agora em se h-de ser mental ou vocal para todos; para vs digo que, de uma e de outra, tendes necessidade. Este o ofcio dos religiosos. A quem vos disser que isto um perigo, a esse tende-o pelo verdadeiro perigo e fugi dele. E no vos esqueais, que porventura tereis necessidade deste conselho. Perigo ser no ter humildade nem as outras virtudes; mas caminho de orao ser caminho de perigo, nunca Deus tal permita. Parece que o demnio inventou pr estes medos, e assim tem sido manhoso em fazer cair

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-23.htm (2 of 4)2006-06-01 14:58:05

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.23.

    alguns que tinham orao, ao que parece.

    8. E vede que cegueira a do mundo, pois no vem os muitos milhares que tm cado em heresias e em grandes males sem terem orao, seno distraco; e, se entre a multido destes, o demnio, para melhor fazer o seu negcio, tem feito cair alguns que tinham orao, logo faz com que ponham em outros tanto temor para as coisas de virtude. Estes, que recorrem a este amparo para se livrar,' acautelem-se, pois fogem do bem para se livrarem do mal. Nunca vi to m inveno; bem parece do demnio. Senhor meu! defendei a vossa causa; vede que entendem ao revs as Vossas palavras. No permitais semelhantes fraquezas em Vossos servos.

    9. H, a par disto, um grande bem: achareis sempre alguns que vos ajudem, porque isto tem o verdadeiro servo de Deus a quem Sua Majestade esclareceu acerca do verdadeiro caminho: com estes temores, cresce-lhe mais o desejo de no parar. Entende claramente onde o demnio vai dar o golpe, furta-lhe o corpo e quebra-lhe a cabea. E ele sente mais isto do que o contentam quantos prazeres os outros lhe do. Quando em tempos de alvoroo, numa ciznia que o demnio semeou - ele parece levar todos meio cegos atrs de si, porque os engana sob a cor do bom zelo -, Deus suscita algum que lhes abra os olhos e diga que vejam que lhes ps uma nvoa para no verem o caminho. Que grandeza a de Deus, que mais pode por vezes um s homem ou dois que digam a verdade do que muitos juntos! tornam pouco a pouco a descobrir o caminho, d-lhes Deus nimo. Se dizem que h perigo na orao, procura dar a entender quanto boa a orao, quando no por palavras, com obras; se dizem que no bem comungar amide, fazem-no ento com mais frequncia. E assim, quando haja um ou dois que siga sem temor o melhor, logo o Senhor torna, pouco a pouco, a ganhar o perdido.

    10. E assim, irms, deixai-vos destes medos; nunca faais caso em coisas semelhantes da opinio do pblico. Olhai que no estamos em tempo de acreditarem todos, seno naqueles que virdes que vo conformes vida de Cristo. Procurai ter a conscincia limpa, humildade, desprezo de todas as coisas do mundo e crer firmemente o que ensina a Santa Madre Igreja, e ficai certas que ides por bom caminho.

    Deixai-vos - como disse - de temores onde no h que temer. Se algum vo-los meter, mostrai-lhe com humildade o caminho. Dizei que tendes Regra que vos manda orar sem cessar, - pois assim no-

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-23.htm (3 of 4)2006-06-01 14:58:05

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.23.

    lo manda - e que a tendes de guardar. Se vos disserem que vocalmente, perguntai se o entendimento e o corao ho-de estar no que dizeis. Se vos disserem que sim, - e no podero dizer outra coisa -, vede como confessam que estais obrigadas a ter orao mental, e at contemplao, se Deus vo-la der ali.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-23.htm (4 of 4)2006-06-01 14:58:05

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.24.

    CAPTULO 22. Declara o que orao mental.

    1. Sabeis, filhas, que no est a diferena, para ser ou no ser orao mental, em ter a boca fechada; se, estando a falar, estou perfeitamente a entender e a ver que falo com Deus, pondo nisto mais advertncia do que s palavras que digo, juntas esto aqui orao mental e vocal. Salvo se vos dizem que podeis estar falando com Deus, a rezar o Pai Nosso e pensando no mundo: aqui me calo. Mas se quereis estar, como de razo que se esteja, falando com to grande Senhor, bem que estejais olhando com quem e quem sois, sequer ao menos para falar com cortesia. Porque, como podeis chamar a el-rei alteza, sem saber as cerimnias que se tm para falar a um grande, se no conheceis bem o estado que tem e o estado que vs tendes? Porque, conforme a isto e conforme ao uso, h-de ser o acatamento. Que at isto mister que tambm saibais, se no quiserdes ser despedidas como simplrias e no conseguireis nada.

    Pois, que isto, Senhor meu?... Que isto, meu Imperador? Como se pode sofrer isto? Sois Rei, Deus meu, para sempre, e no emprestado o reino que tendes. Quando se diz no Credo: Vosso Reino no ter fim, isto d-me quase sempre particular consolao. Louvo-Vos, Senhor, e bendigo-Vos para sempre; enfim, o Vosso reino durar para sempre. Nunca permtais, Senhor, que se tenha por bom que, quem for a falar convosco, o faa s com a boca.

    2. Que isto, cristos, os que dizeis que no preciso orao mental, entendeis-vos a vs mesmos? Certo que penso no vos entendeis e assim quereis que todos ns desatinemos; nem sabeis o que orao mental, nem como se h-de rezar a vocal, nem mesmo o que contemplao, porque, se o soubsseis, no condenareis por um lado o que louvais por outro.

    3. Eu hei-de juntar, sempre que me lembrar, a orao mental vocal, para que no vos assustem, filhas. Sei no que vm a parar estes temores, porque passei alguns trabalhos neste caso, e assim no quereria que ningum vos trouxesse desassossegadas, pois coisa de causar dano andar com medo neste caminho, Importa muito entender que ides bem, porque, em se dizendo a algum caminhante que vai errado e que perdeu o caminho, fazem-no andar de um lado para o outro e, enquanto anda buscando por onde h-de ir, cansa-se

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-24.htm (1 of 3)2006-06-01 14:58:05

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.24.

    e gasta o tempo e chega mais tarde.

    Quem poder dizer que mal, se comeamos a rezar as Horas ou o rosrio, que se comece por pensar com quem se vai falar e quem aquele que fala, para ver como se deve tratar? Pois eu vos digo, irms; se o muito que h a fazer para entender estes dois pontos se fizesse bem, antes de comeardes a orao vocal que ides rezar, ocupareis assaz tempo na mental. Sim, no nos devemos aproximar para falar a um prncipe com o mesmo descuido que a um lavrador ou como a uma pobre como ns, pois, como quer que seja que nos falem, est bem.

    4. E assim, j que por humildade deste Rei, se eu por grosseira no Lhe sei falar, Ele nem por isso deixa de me ouvir, nem de me chegar a Si, nem me lanam fora Seus guardas; porque bem sabem os anjos que ali esto a ndole do seu Rei, que gosta mais desta rudeza dum pastorzinho humilde pois v que, se mais soubera mais diria, que dos mui sbios e letrados por elegantes arrazoados que faam, se no vo acompanhados de humildade, no razo que, por Ele ser bom, sejamos ns descomedidos. Sequer ao menos para Lhe agradecer o que Ele sofre da vizinhana, consentindo a uma como eu ao p de Si, bem que procuremos conhecer a Sua limpeza e quem . verdade que, logo em chegando, se conhece, no como a senhores de c que, em nos dizendo quem foi seu pai e os contos que tem de renda e o ttulo, nada mais h a saber. Porque c nesta terra no se tm em conta as pessoas para lhes dar honras, por muito que as meream, mas sim suas fazendas.

    5. Oh! miservel mundo! Louvai muito a Deus, filhas, por terdes deixado coisa to ruim, onde no fazem caso do que eles tm em si, mas do que tm seus rendeiros e vassalos; e se estes faltam, logo lhes faltam com as honras. Coisa engraada esta para folgardes quando tiverdes todas de tomar alguma recreao, que bom passatempo entender quo cegamente passam o tempo os do mundo.

    6. Imperador nosso, sumo Poder, suma Bondade, a mesma Sabedoria, sem princpio, sem fim, sem haver limite em Vossas obras! So infinitas, sem se poderem compreender, um plago sem fundo de maravilhas, uma formosura que contm em si todas as formosuras, a mesma Fortaleza! Oh! valha-me Deus! quem tivesse aqui junta toda a eloquncia e sabedoria dos mortais para bem saber - como aqui se pode saber, que tudo no saber nada, para este

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-24.htm (2 of 3)2006-06-01 14:58:05

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.24.

    caso - dar a entender algumas das muitas coisas que podemos considerar para conhecerem algo quem este Senhor e Bem nosso.

    7. Sim, aproximai-vos pensando e entendendo, ao chegar, com quem ides falar ou com quem estais falando. Em mil vidas das nossas no acabaremos de entender como merece ser tratado este Senhor, diante de quem tremem os anjos. Em tudo manda, tudo pode; Seu querer operar. Pois, razo ser, filhas, que procuremos deleitar-nos nestas grandezas que tem o nosso Esposo e entendamos com quem estamos casadas e que vida havemos de ter. Oh! valha-me Deus! Pois aqui, quando algum se casa, primeiro quer saber com quem, quem e o que tem. Ns, j desposadas, antes das bodas no pensaremos em nosso esposo, que nos h-de levar para Sua casa? Pois se aqui no se impedem estes pensamentos s que esto desposadas com os homens, porque nos ho-de impedir que procuremos entender quem este Homem, e quem Seu Pai, e qual a terra para onde me vai levar e quais so os bens que me promete dar, qual a Sua condio, como melhor poderei contentar, em que Lhe darei prazer, e estudar como hei-de tornar a minha condio conforme Sua? Se a uma mulher, para ser bem casada, no a avisam de outra coisa seno que procure fazer assim, e isto ainda mesmo que seu marido seja de mui baixa condio.

    8. Pois, Esposo meu, em tudo ho-de fazer menos caso de Vs que dos homens? Se isto no lhes parece bem, que Vos deixem s Vossas esposas, que ho-de fazer vida convosco. E em verdade vida boa! Se um esposo to ciumento que no quer que sua esposa fale com ningum, linda coisa seria se ela no pensasse em lhe dar esse prazer e a razo que tem para o suportar e de no querer tratar com mais ningum, pois tem nele tudo o que pode desejar. Isto, filhas, o entender estas verdades, orao mental. Se quereis ir entendendo isto e rezando vocalmente, pois seja muito em boa hora. No estejais falando com Deus e pensando em outras coisas, que isto faz que no se entenda que coisa orao mental. Creio que est dado a entender. Praza ao Senhor o saibamos pr em prtica, amen.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-24.htm (3 of 3)2006-06-01 14:58:05

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.25.

    CAPTULO 23. Trata de quanto importa no voltar atrs quem comeou o caminho da orao e volta a falar do muito que importa que seja com determinao.

    1. Pois digo que vai muitssimo em se comear com uma grande determinao, e isto por tantas causas, que seria preciso alongar-me muito se as dissesse. S duas ou trs vos quero dizer, irms.

    Uma que no razo ou justo que no demos a quem tanto nos tem dado e continuamente d, uma coisa que j nos tnhamos resolvido a querer-Lhe dar, (no certamente sem interesse, mas antes com to grandes lucros para ns) e que esta preocupao em sermos fiis, com toda a determinao, e no como quem empresta uma coisa para voltar a tirar. Isto no me parece a mim que seja dar; antes fica sempre com algum desgosto aquele a quem emprestaram uma coisa e lha tornam a tirar, em especial se lhe faz falta e j a tinha como sua; ou ento, se so amigos, e aquele que lha emprestou devedor de muitas ddivas feitas sem qualquer interesse, com razo isto lhes parecer mesquinho e de muito pouco amor, pois nem ainda uma coisita quer deixar em seu poder, nem sequer ao menos como sinal de amor.

    2. Que esposa haver que, recebendo muitas jias de valor de seu esposo, no lhe d sequer um anel, no pelo que vale, que tudo j seu, mas em testemunho de que sua at morrer? Pois, merecer menos este Senhor, para que d'Ele faamos to pouco, dando e retomando um nada que Lhe demos? Que este bocadinho de tempo que nos determinamos a dar-Lhe do muito que gastamos connosco e com quem no nos h-de agradecer, j que Lhe queremos dar esses instantes, dmos-Lhe o pensamento livre e desocupado de outras coisas, e com toda a determinao de nunca mais Lho tornarmos a tirar, por mais trabalhos que da nos advenham, nem por contradies, nem securas; mas que eu j tenha esse tempo por coisa no minha, e pense que mo podem pedir por justia, quando eu de todo no Lho quiser dar.

    3. Digo de todo, para que no se entenda que, deixar de o dar algum dia ou em alguns, por ocupaes justas ou por qualquer indisposio, j seja retom-lo. A inteno seja firme, que no nada melindroso o meu Deus; no olha a minudncias, antes ter de que vos agradecer, pois isto dar alguma coisa. O demais bom

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-25.htm (1 of 3)2006-06-01 14:58:06

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.25.

    para quem no franco, seno to apertado que no tem corao para dar; muito faz se empresta. Enfim, faa-se alguma coisa, que tudo toma em conta este Senhor nosso; tudo faz conforme queremos. Para tomar-nos contas no nada mesquinho, mas generoso; por grande que seja o alcance tem em pouco perdo-lo. Para nos pagar to cuidadoso, que no tenhais medo deixe um s erguer de olhos, se nos lembrarmos d'Ele, sem prmio.

    4. Outra razo porque o demnio no tem tanto p para tentar. Tem grande medo s almas determinadas, pois j tem experincia do muito dano que lhe fazem e que tudo quanto dispe para as prejudicar, vem a ser em proveito delas e de outros, e ele sai com perda. No devemos, no entanto, andar descuidadas nem confiar nisto, porque nos havemos com gente traidora, e aos avisados no ousa tanto acometer, porque muito cobarde; mas, se visse descuido, faria grande dano. E se tem a algum por mudadio e que no est firme no bem, nem com grande determinao de perseverar, no o deixaria em paz nem a sol nem a sombra. Meter-lhe- medos e mostrar-lhe- inconvenientes que no mais acabam. Eu sei isto muito bem por experincia; e assim o soube dizer e digo, pois ningum sabe o muito que isto importa.

    5. A outra razo - e faz muito ao caso -, que a alma peleja com mais nimo. J sabe que, venha o que vier, no h-de voltar atrs. como quem est numa batalha e sabe que, se o vencem, no lhe perdoaro a vida e, se no morre na batalha, h-de morrer depois. Peleja com mais determinao, quer vender bem cara a vida - como dizem - e no teme tanto os golpes, porque tem diante dos olhos o quanto lhe importa a vitria e que nela lhe vai a vida.

    tambm necessrio comear com a segurana de que, se no nos deixamos vencer, sairemos bem da empresa; isto, sem nenhuma dvida, pois, por pouco lucro que se tire, sairemos muito ricos. No tenhais medo que vos deixe morrer de sede o Senhor que nos chama para que bebamos desta fonte. Isto j ficou dito e quisera eu diz-lo muitas vezes, porque este temor acobarda muito as pessoas que ainda no conhecem de todo a bondade do Senhor por experincia, ainda que o conheam pela f. Mas grande coisa ter experimentado a amizade e carinho com que trata aos que vo por este caminho e como faz quase tudo Sua custa.

    6. Os que isto no experimentaram, no me maravilho que queiram a segurana de algum interesse. Pois j sabeis que de cem por um

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-25.htm (2 of 3)2006-06-01 14:58:06

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.25.

    ainda nesta vida, e que o Senhor disse: Pedi e recebereis. Se no credes a Sua Majestade nas passagens do Seu Evangelho em que nos assegura isto, de pouco aproveita, irms, que eu quebre a cabea em vo-lo dizer. Digo, no entanto, a quem tiver alguma dvida, que pouco perde em experiment-lo; isto tem de bom esta viagem: nela do-nos mais do que pedimos e at do que acertaramos a desejar. Isto infalvel, eu o sei; e aquelas de vs que, por bondade do Senhor, o sabeis por experincia, eu posso apresentar por testemunhas.

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  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.26.

    CAPTULO 24. Trata de como se h-de rezar com perfeio a orao vocal e quo junta anda esta com a mental.

    1. Voltemos, pois, agora a falar com as almas que eu disse no se poderem recolher, nem prender o entendimento em orao mental, nem fazer consideraes. No mencionaremos aqui estas duas coisas, pois isto no para vs; mas h, de facto, muitas pessoas a quem s o nome de orao mental ou contemplao parece que atemoriza, e porque, se algumas destas viera esta casa porque, como j disse, nem todas vo pelo mesmo caminho.

    Quero agora aconselhar-vos (e at posso dizer ensinar-vos porque, como me, pelo ofcio que tenho de prioresa, lcito), como haveis de rezar vocalmente, porque justo entendais o que dizeis. E, como quem no pode pensar em Deus, pode ser que tambm se canse com largas oraes, to-pouco me quero intrometer nelas, seno nas que forosamente devemos rezar, pois somos cristos, que so o Pai Nosso e a Ave-Maria, para que no possam dizer de ns que falamos e no entendemos o que dizemos, salvo se nos parecer que basta faz-lo por costume, pronunciando s as palavras, e que isto basta. Se basta ou no, nisso no me intrometo: os letrados o diro. O que eu quereria, filhas, que fizssemos que no nos contentssemos s com isso. Porque, quando digo Credo, parece-me ser de razo que entenda e saiba o que creio; e quando digo Pai Nosso, ser amor compreender quem este Nosso Pai e quem o Mestre que nos ensinou esta orao.

    3. Se quereis dizer que j o sabeis e que no h porque vo-lo recordar, no tendes razo; pois, de mestre a mestre vai muito; e grande desgraa no nos lembrarmos aqui daqueles que nos ensinam; em especial, se eles so santos e so mestres da alma, impossvel esquec-los, se somos bons discpulos. Pois de tal Mestre como o que ensinou esta orao e com tanto amor e desejo de que nos aproveitasse, nunca Deus permita que no nos lembremos d'Ele muitas vezes, quando dizemos esta orao, embora por sermos fracos, no seja todas as vezes.

    4. Pois, quanto primeira coisa, j sabeis que Sua Majestade nos ensina que seja a ss; e assim fazia Ele sempre que orava, no por necessidade, mas para nosso ensinamento. J est dito que no se sofre falar com Deus e com o mundo, pois outra coisa no estar a

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  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.26.

    rezar e a ouvir, por outro lado, o que se est a dizer, ou a pensar no que se nos depara sem nos irmos mo; salvo em certas ocasies em que, ou por maus humores - especialmente se pessoa que tem melancolia -ou por fraqueza de cabea, nada se consegue fazer por mais que se queira, ou em que Deus permite que haja em Seus servos dias de grande tempestade para nosso maior bem e, ainda que ento se aflijam e procurem aquietar-se, no podem nem esto atentos ao que dizem, por mais que faam; no assenta em nada o entendimento, antes parece ter frenesi, de tal modo anda desbaratado.

    5. Na pena que isto d a quem est assim, ver que no sua a culpa. No se aflija, que pior, nem se canse em querer dar juzo a quem, por ento, no o tem, que o seu entendimento, mas reze como puder; e at nem reze, mas, como enferma, procure dar alvio sua alma; e ocupe-se em outra obra de virtude.

    Isto j para pessoas que tm cuidado com a sua perfeio e j compreenderam que no devem falar a Deus e ao mundo ao mesmo tempo.

    O que podemos fazer da nossa parte procurar estar a ss, e praza a Deus que isto baste, como digo, para entendermos com quem estamos e que o Senhor responde s nossas peties. Pensais que est calado? Embora no O ouamos, bem fala Ele ao corao, quando do corao Lhe pedimos.

    E bom que consideremos, cada uma, que foi a ns mesmas a quem o Senhor ensinou esta orao e que no-la est apontando, pois nunca o mestre fica to longe do discpulo que seja preciso falar em altas vozes, mas muito perto. Isto quero eu que entendais para rezar bem o Pai Nosso: convm-vos no vos apartar de junto do Mestre que vo-lo ensinou.

    6. Direis que isto j meditao e que no podeis, nem mesmo quereis, seno rezar vocalmente. Porque tambm h pessoas mal sofridas e amigas de se no incomodar que, como no tm o costume, -lhes difcil recolher o pensamento e isto a princpio; para no se cansarem um pouco, dizem que mais no podem nem sabem, seno rezar vocalmente.

    Tendes razo em dizer que isto j orao mental. Mas eu vos digo,

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  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.26.

    na verdade, que no sei como apart-la da vocal, se que esta h-de ser bem rezada e entendendo com quem falamos. E mesmo obrigao procurarmos rezar com advertncia. E praza ainda a Deus que, com estes remdios, v bem rezado o Pai Nosso e no acabemos em outra coisa impertinente. Tenho-o experimentado algumas vezes, e o melhor remdio que encontro procurar trazer o pensamento n'Aquele a quem dirijo as palavras. Por isso, tende pacincia e procurai criar o costume de coisa to necessria.

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