terceira turma - site seguro do stj · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s....

122
Terceira Turma

Upload: others

Post on 25-Sep-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Terceira Turma

Page 2: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio
Page 3: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

RECURSO ESPECIAL N. 887.131-RJ (2006/0170895-7)

Relator: Ministro João Otávio de Noronha

Recorrente: Bolsa de Valores do Rio de Janeiro - BVRJ

Advogados: Joarez de Freitas Heringer e outro(s)

Carlos Eduardo Caputo Bastos

José Ricardo Pereira Lira e outro(s)

Advogada: Beatriz Donaire de Mello e Oliveira e outro(s)

Recorrente: Celton Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda

Advogado: Gian Maria Tosetti

Recorrido: Os mesmos

EMENTA

Processual Civil e Comercial. Corretora de valores. Regime de

liquidação extrajudicial. Embargos de declaração. Omissão. Súmula

n. 211-STJ. DL n. 7.661/1945. Art. 44, VI. Aplicação. Correção

monetária. Cabimento. Súmula n. 43-STJ. Ato ilícito absoluto e ato

ilícito relativo. Juros de mora. Citação.

1. Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito

da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal

a quo (Súmula n. 211-STJ).

2. Decretado o regime de liquidação extrajudicial de corretora de

valores, aplicável o disposto no art. 44, V, da antiga Lei de Falências

(DL n. 7.661/1945) às vendas a termo de títulos e valores mobiliários,

se tanto a comitente vendedora, atuando como intermediária, quanto

a compradora deixam de efetuar o pagamento respectivo no tempo e

na forma pactuados.

3. “É entendimento consolidado da Corte que a evolução dos

fatos econômicos tornou insustentável a não-incidência da correção

monetária, sob pena de prestigiar-se o enriquecimento sem causa

do devedor, constituindo-se ela imperativo econômico, jurídico e

ético indispensável à plena realização dos danos e ao fi el e completo

adimplemento das obrigações” (REsp n. 247.685-AC, relator Ministro

Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 5.6.2000).

Page 4: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

328

4. O enunciado da Súmula n. 43-STJ refere-se tanto ao ato ilícito

absoluto (extracontratual) quanto ao ato ilícito relativo (contratual).

Precedentes.

5. Conforme disposto no art. 18, alínea d, da Lei n. 6.024/1974,

decretada a liquidação extrajudicial da empresa, não há fl uência de

juros enquanto não integralmente pago o passivo. No caso, porém,

não tendo havido recurso da parte interessada quanto ao ponto,

deve ser mantido o entendimento adotado no acórdão recorrido,

que determinou a incidência da norma contida no art. 219 do CPC

e, como consequência, fi xou a fl uência dos juros moratórios desde a

citação válida.

6. Recurso da primeira recorrente conhecido e parcialmente

provido. Recurso da segunda recorrente parcialmente conhecido e

desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal

de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir,

prosseguindo no julgamento, por unanimidade, conhecer do recurso especial

da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro - BVRJ e dar-lhe parcial provimento;

e, conhecer em parte do recurso especial da Celton Corretora de Títulos e

Valores Mobiliários Ltda e, nessa parte, negar-lhe provimento, nos termos do

voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso

Sanseverino e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedido o

Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Dr. Ricardo Ramalho Almeida, pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro -

BVRJ

Brasília (DF), 16 de maio de 2013 (data do julgamento).

Ministro João Otávio de Noronha, Relator

DJe 14.10.2013

Page 5: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 329

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1.- Foram dois processos, relativos a duas

ações ordinárias, envolvendo as mesmas partes, a BVRJ - Bolsa de Valores do

Rio de Janeiro e a Celton Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, ambas

as ações em 1º Grau julgadas separadamente, contudo (embora antes declarada

a conexão, para julgamento conjunto, fls. 2.256), pelo mesmo Magistrado

(sentenças a fl s. 2.275 e fl s. 2.330-2.333) e, em 2º Grau, em um só julgamento

conjunto (Acórdão, fl s. 2.460-2.468), pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio

de Janeiro.

As ações são ligadas à crise ocorrida na bolsa de valores e mercado de ações

em junho de 1989.

No fulcro da controvérsia, segundo o relato da BVRJ, a Celton teria sido

uma ativíssima protagonista do escândalo conhecido por “Operações D-Zero”,

mediante operações denominadas “Zé com Zé”, artifício segundo o qual o

mesmo investidor vendia e comprava as mesmas ações para si mesmo, causando

prejuízos aos investidores de boa-fé, ante a inadimplência de corretoras de

títulos e valores mobiliários, entre as quais se destacaria a Celton, tendo a BVRJ

reparado seus prejuízos com haveres próprios e de seu Fundo de Garantia, mas,

tendo diversos investidores dado ordem de venda de ações por intermédio da

Celton, a DTVM - Capitânia Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários,

comprometeu-se a adquirir essas ações, mas, na data do vencimento, não

lhes pagou o preço, de modo que aludidos investidores vieram a ter as ações

restituídas pelo Fundo de Garantia da BVRJ, pela diferença entre a cotação

média das ações no dia anterior à restituição e o preço convencionado nas

operações de venda a termo, corrigido monetariamente.

Ainda no fulcro da controvérsia, a Celton alegou que a BVRJ, agindo de

má fé, teria lançado falácias contra ela visando a acobertar sua parcialidade no

agir em 1989, quando teria buscado soluções atípicas, privilegiando algumas

corretoras, bem como que havia sido reconhecida superavitária pela Comissão

de Inquérito do Bacen - Banco Central do Brasil, afastando-lhe a provocação de

danos ou prejuízos, e, ainda, por fi m, levantando a indisponibilidade dos bens de

seus ex-administradores (cf. doc. fl s. 205).

2.- No primeiro processo (Autos n. 1993.001.072495-3, sent. fl s. 2.330-

2.335, datada de 27.2.2004), ação movida pela BVRJ contra a Celton, ação em

que interposto o presente Recurso Especial n. 887.131, tendo como recorrentes

Page 6: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

330

e recorridas as mesmas litigantes BVRJ e Celson, na primeira ação, repita-se,

movida pela BVRJ contra a Celton, pediu a BVRJ “na forma e para os fi ns

previstos no artigo 27 da Lei n. 6.024/1974”, a procedência da ação “para

efeito de serem reconhecidos os aludidos créditos, no valor global histórico

de NCz$ 16.132.941,71 (...), para o devido pagamento, com o acréscimo de

correção monetária e juros legais a partir de quando incorridos pela Bolsa e/

ou da data em que se tornaram devidos, com a plena integração de todos os

montantes no quadro geral de credores da Ré” (fl s. 30). Essa primeira ação,

foi julgada procedente por sentença (datada de 27.2.2004, fl s. 2.330-2.333),

rejeitados Embargos de Declaração interpostos pela Celton, “para declarar o

reconhecimento do crédito em favor da autora (a BVRJ) e, via de consequência,

condenar a ré ao pagamento de NCZ$ 16.132.941,72, monetariamente

corrigida a partir do ajuizamento desta ação, mais juros legais de 0,5% (...) ao

mês, estes a contar da citação (...)” (fl s. 2.333).

Interpostos apelação pela Celton (fl s. 2.364-2.381) e recurso adesivo pela

BVRJ (fl s. 2.387-2.389), foram ambos os recursos improvidos, com rejeição de

Embargos de Declaração de ambas as partes (fl s. 2.494-2.500) pelo Acórdão ora

atacado (fl s. 2.287-2.293) por intermédio dos presentes recursos especiais (sob o

n. 887.231-RJ), interpostos por ambas as partes.

3.- No segundo processo (autora a Celton, Autos n. 1996.001.006184-3,

fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189),

movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade

Social e Outras, entre as quais a Bolsa de Valores, ação de que provém o Agravo de

Instrumento n. 818.185-RJ, ora em julgamento conjunto (agravo esse que visa a

determinar a subida a este Tribunal de recurso especial interposto pela autora),

sustentou a ora Recorrente Celton que “antes do processo de liquidação extra-

judicial adquiriu várias ações preferenciais nominativas da primeira empresa

demandada, depositando as denominadas ‘margens’ relativas a essa compra”,

mas “a Vale do Rio Doce logo após a referida liquidação solicitou ao liquidante

que promovesse a restituição das ações aos investidores”, porém, “mesmo após a

negativa do liquidante e antes da manifestação do Bacen, a Bolsa de Valores do

Rio de Janeiro, uma das empresas demandadas, em conluio com as demais, em

manifesta desobediência à lei, celebrou com elas, entre outubro e novembro de

1989 o denominado ‘termos de recebimento e outras obrigações’, mediante os

quais dispôs das ações da Vale do Rio Doce que integravam o ativo da sociedade

liquidada, devolvendo-as às fundações”, de modo que pretendeu “a declaração

de nulidade dos contratos e instrumentos negociais; entrega a massa liquidanda

Page 7: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 331

de todas as ações que constituíam a carteira depositada na custódia da Bolsa de

Valores, ou, na sua impossibilidade, o valor de mercado dessas ações; pagamento

de dividendos que renderam as ações em questão desde o recebimento das

aludidas ações; e, por último, o ressarcimento solidário de perdas e danos e

lucros cessantes” (relatório da sentença, datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.550 –

ou fl s. 181-182).

Essa ação movida pela Celton foi julgada improcedente, por sentença

diversa da proferida na primeira ação, mas que veio a ser confi rmada pelo

mesmo Acórdão, em julgamento conjunto.

4.- No presente Recurso Especial, sustenta a recorrente Celton, como

resumido pelo voto do E. Relator, que:

VI) Dos recursos especiais

No Recurso Especial da Celton (fls. 2.502-2.533), fundado na alínea a do

permissivo constitucional, busca-se a reforma do r. acórdão a quo, sustentando-

se ofensa aos arts. 165, 458, I e II, do CPC, 145, IV, do CC/1916 (atual art. 166, V, do

CC/2002), 185 do CC, 31 da Lei n. 6.024/1974, 44 do Decreto-Lei n. 7.661/1945, 5º,

LX, e 93, IX, da CF.

Aduz, em síntese, que padece de nulidade a sentença por ter omitido, no

seu relatório, a menção à apresentação de contestação pela Celton e à suma

das razões ventiladas nessa peça e por ter incluído a contestação “juntamente

com os documentos a ela acostados, como se tivesse vindo e fi zesse parte de

documentos da Autora, aqui Recorrente (BVRJ). Tudo foi englobado na seguinte

frase: ‘com a petição inicial vieram os documentos de fls. 32-2.259’ e, assim,

nenhuma referência existe naquela sentença sobre a resposta (contestação) da

ré/recorrente {Celton}, que está às fl s. 255-302” (fl . 2.505).

Afi rma-se, ademais, que a Bolsa de Valores não poderia, sem prévia autorização

da Celton, ter alienado “bens mobiliários da recorrente” {Celton} que estavam na

sua custódia” (fl . 2.507).

No apelo nobre da Bolsa de Valores (fl s. 2.538-2.553), fundado nas alíneas a e c

do permissivo constitucional, busca-se a reforma da r. acórdão a quo, sustentando-

se ofensa à Súmula n. 43-STJ, ao princípio da vedação do enriquecimento ilícito e

aos arts. 458, II, 535, II, do CPC, 1º do Decreto-Lei n. 1.477/1976, 960 do CC/1916,

além de dissídio jurisprudencial.

Aduz-se, em síntese, que o acórdão a quo padece de omissões quanto aos arts.

46 da ADCT, 18, a, 27 da Lei n. 6.024/1974, 1º do Decreto-Lei n. 1.477/1976 e 960

do CC/1916. Anota-se que ele também possui contradições quanto à fi xação do

termo inicial da correção monetária a partir do ajuizamento da ação, a despeito

da vedação do enriquecimento ilícito e da Súmula n. 43-STJ.

Page 8: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

332

Assevera-se, ainda, que não há fundamento legal para que a correção

monetária do crédito da Bolsa de Valores incida a partir do ajuizamento da

presente ação, pois o seu termo inicial deve corresponder à data em que o crédito

se tornou exigível.

Insurge-se, outrossim, contra a incidência dos juros de mora a partir da citação

da Celton.

Às fl s. 2.637-2.640, a Celton apresentou as suas contrarrazões, ao passo que a

Bolsa de Valores ofereceu as suas contrarrazões às fl s. 2.642-2.663.

VII) Do fato novo:

Posteriormente, o Sr. Raul Pedroza Aguinaga, na qualidade de sócio-

controlador da recorrente Celton juntou petição e documento alegando fato

novo, em razão de o Banco Central do Brasil ter cessado a liquidação extrajudicial

e requer, ao fi nal, a exclusão da recorrente Celton no polo passivo da ação (fl s.

2.792-2.805).

5.- O voto do E. Relator, Min. Massami Uyeda, na trilha do que antes

julgara em decisão monocrática, dá provimento ao Recurso Especial, anulando o

processo a partir da sentença, sob a ementa que se segue:

Recurso especial. Nulidade da sentença e do v. acórdão estadual. Alegação

da segunda recorrente de violação aos artigos 165 e 458 do CPC na sentença.

Ocorrência. Alegação da primeira recorrente de violação dos artigos 458, inciso

II e 535, inciso II, do CPC no v. acórdão estadual. Prejudicado, embora pertinente,

ante a nulidade da sentença. Recurso especial da segunda recorrente provido e

prejudicado o recurso especial da primeira recorrente.

I - A apreciação e análise da contestação, quando do julgamento da ação

é essencial para a adequada apreciação imparcial e equânime por parte do

magistrado sentenciante.

II - Não é apropriado e não respeita a boa técnica processual, após a provocação

via embargos de declaração, remeter-se para a segunda instância matéria que

não foi tratada na sentença, suprimindo-se o duplo grau de jurisdição. Essa

prática. Essa prática ofende ao contido nos artigos 165 e 458 do CPC e ao devido

processo legal.

III - O efeito devolutivo da apelação, com o qual se possibilita que a Segunda

Instância possa reapreciar todos os pontos da lide (inicial, contestação e provas),

não afasta ou supre a necessidade de que a sentença de Primeiro Grau julgue a

matéria, pois somente pode haver o rejulgamento do que já foi julgado.

IV - A utilização de fundamento no sentido de que: “O relator não está obrigado

ao exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas apresentadas

pelas partes, quando já tenha formado juízo de convencimento, ainda que

Page 9: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 333

contrário a tese da embargante.”, não pode servir de escudo para o julgamento

deixar de se pronunciar sobre questões relevantes, a exemplo de preliminares e

de prejudiciais de mérito.

V - A saudável prestação jurisdicional consiste no pronunciamento do

magistrado a respeito dos pontos fundamentais da ação, apresentados pelo autor

(inicial e provas do autor) e pelo réu (contestação e provas do réu), em especial

nas instâncias ordinárias, nas quais o conjunto fático-probatório é examinado,

pois para o e. Superior Tribunal de Justiça estão reservadas as eventuais

violações legais e de divergência jurisprudencial (art. 105, inciso III, letras a e b da

Constituição Federal), não se adentrando no exame de fatos, provas e cláusulas

contratuais (Súmulas n. 5 e 7-STJ).

VI - Recurso especial da segunda recorrente (Celton) provido e prejudicado o

recurso especial da primeira recorrente (Bolsa de Valores).

6.- O Voto do E. Min. Relator dá provimento ao Recurso Especial da

Celton, declarando a “nulidade da sentença de fl s. 2.330-2.333 para que nova

seja proferida em seu lugar, em obediência ao contido nos artigos 165 e 458

do CPC, tornando-se sem efeito o v. acórdão recorrido, o qual não supriu as

nulidades acima apontadas, restando prejudicado o exame do recurso especial da

recorrente Bolsa de Valores”.

É o que se acrescenta ao Relatório do E. Min. Relator.

7.- Meu voto, com o maior respeito pelo cuidadoso voto do E. Min.

Relator, diverge, afastando as alegações de nulidade da sentença – e, indo além,

também de nulidade do Acórdão – de modo que, afastando a preliminar de

nulidade, entende dever-se passar ao julgamento das demais questões, como de

Direito, de modo a superar-se de vez o longo processo em que se digladiam as

partes há décadas.

A sentença, efetivamente, poderia ter sido mais explícita em enfrentar

as diversas e complexas questões trazidas pelo questionamento entre as

partes, mas a verdade é que contém todos os elementos necessários à validade

da manifestação jurisdicional, não se olvidando que, a seguir, veio acórdão

extremamente detido em examinar todas as questões existentes nos autos.

As críticas da recorrente Celton à sentença foram fi xadas pelas alegações dos

Embargos de Declaração, que lhe apontaram os pretensos defeitos. Essas críticas,

no resumo do voto do E. Relator, que acolhe a alegação de nulidade, resumem-

se à omissão de enfoque do seguinte: “i) da contestação; ii) das preliminares

suscitadas na contestação; iii) da audiência de instrução; iv) da determinação de

prosseguimento em conjunto com os autos da Ação n. 96.001.006.184.184-3

Page 10: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

334

movida pela Celton contra a Bolsa de Valores (despacho de fl s. 2.256), proferindo

a sentença quando os autos da referida ação encontravam-se fora de Cartório;

v) a exclusão do valor já inscrito no quadro geral de credores; vi) sobre a prova

testemunhal e laudo dos assistentes”.

O acórdão analisou e rejeitou todas essas alegações, com cuidado e detalhe,

em julgamento bem motivado, que deve subsistir, afastando-se a perspectiva

de anulação de processo que vem de há longo tempo – causa mais que madura,

diante do que as partes devem encontrar o desfecho fi nal do penoso digladiar.

i) Arguida na apelação a falta de referência explícita à sentença, o Acórdão

expressamente pronunciou-se sobre a alegação de nulidade, rejeitando-a e

consignando que a falta de referência não causou prejuízo às partes (fl s. 2.461),

como, efetivamente, não causou.

O Acórdão, ainda, ao rejeitar Embargos de Declaração, esclareceu que,

tendo havido extravio dos autos, a ora Celton não juntou a cópia da contestação,

o que foi certifi cado pelo Cartório, só tendo essa cópia vindo aos autos trazida

pela Bolsa de Valores, como documento anexo à inicial de restauração de autos

(Acórdão, fl s. 2.495).

De qualquer forma, ainda que sem referência expressa à contestação, a

verdade é que a sentença não decretou a revelia da Celton, nem lhe atribuiu

o grave efeito da confi ssão de matéria de fato (CPC, art. 319), nem julgou

antecipadamente com fundamento na revelia (CPC, art. 330, I).

Ao contrário, a sentença julgou detendo-se em examinar provas, analisando,

especificamente, a perícia, e efetuando expressa opção pelas informações

periciais constantes do resumo contábil tomado de empréstimo do trabalho

pericial produzido no outro processo (fl s. 2.331-2.332 – com expressa referência

ao número das folhas desse documento, fl s. 1.593, 8º Vol., fl s. 2.332).

A sentença cuidou de expor que o julgador realizava opção assegurada pelo

princípio da liberdade na interpretação da prova, acolhendo a prova pericial que

destacou, invocando como arrimo o disposto nos arts. 131 e 436 do Cód. de

Proc. Civil.

Além disso, analisando o núcleo da questão central de que se originou

o processo, a sentença ressaltou que “cai por terra a assertiva lançada pela

empresa demandada quando tenta sustentar que os cancelamentos efetuados

pela empresa demandante não restituíram as partes ao statu quo ante” e frisou

que “de acordo com o laudo elaborado pelo expert, quem frustrou o retorno dos

Page 11: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 335

litigantes ao estado anterior foi a própria empresa demandada, quando deixou

de restituir à autora as importâncias despendidas com a operação rotulada de

‘zé-com-zé’, objeto exatamente do pedido formulado na petição inicial” (fl s.

2.332).

Ademais, o Acórdão ora recorrido voltou a examinar as matérias centrais,

cujo enfrentamento, aliás, consta da própria exaustiva ementa do Acórdão (fl s.

2.460).

E afastou, com convicção, a sustentação de nulidade: “A douta sentença,

a despeito de relatar sucintamente, tendo em vista os numerosos volumes que

integram os autos, respondeu, sufi cientemente, às teses deduzidas pelas partes,

respeitou o contraditório e procedeu a instrução implementando provas pericial

e testemunhal requeridas pelas partes, considerando, afi nal, sufi cientemente

provados os fatos constitutivos do direito do autor” (...). “Em tais circunstâncias,

não havendo prejuízo causado às partes, como no caso destes autos, incide

a norma do art. 250, parágrafo único, do CPC, que proclama: ‘pas de nulitté

sans grief’. / Por conseguinte, a r. sentença não profana os princípios basilares

do contraditório e ampla defesa (art. 5º da CRFB/1988), nem o provimento

em separado causou qualquer prejuízo às partes (art. 250, parágrafo único, do

CPC), razões pelas quais se rechaçam, desde logo, as preliminares deduzidas no

recurso” (fl s. 2.461).

ii) As preliminares que se vêm na contestação, resumidas pela peça (fl s.

255), não poderiam jamais vingar, entrosando-se com o mérito, enfrentado pela

sentença e pelo Acórdão, e tornando-se, diante das conclusões deste, aniquiladas,

glabras, inaptas a grassar vivas diante da força das conclusões vindas do mérito –

tal como fi xado pela análise fulcral realizada pela sentença e pelo acórdão.

Como extrair ilegitimidade passiva ad causam (item I, fl s. 255) da Celton,

se da análise pericial se extraía sua responsabilidade? Qual o efeito prático

que se poderia imaginar da intimação do Banco Central do Brasil (item II,

fl s. 255)? De que valeria a intimação da C.V.M., sob invocação do art. 31 da

Lei n. 6.385/1976 (item III, fl s. 255)? Denunciação da lide – genericamente

referida no art. 70 CPC, sem indicação do inciso – para quê? Qual o resultado

que se obteria neste processo – e que, aliás, não pudesse ser perseguido em ação

autônoma (item V, fl s. 255)?

iii) Audiência e eventuais outras provas eram de solar inexpressividade,

diante da perícia e da massa de documentos trazidos ao processo, analisados

pelos julgados e base das conclusões a que chegaram.

Page 12: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

336

O Acórdão, ademais, salientou que “o deslinde da demanda pelo douto

Juízo monocrático lastrou-se em prova pericial e documental, afi gurando-se de

menor relevância, no contexto, a prova oral, motivo pelo qual não perece censura

o não destaque na r. sentença da prova testemunhal colhida em audiência,

considerando a natureza e a essência da lide destes autos assentar-se em prova

escrita e na lei” (fl s. 243).

iv) Nem se deixe de ressaltar que, além de a sentença haver enfrentado o

cerne das alegações da Celton, veio, o mesmo Juízo, julgando o processo movido

por esta contra várias acionadas, inclusive a Bolsa de Valores, cuja apelação foi

julgada em conjunto pelo Acórdão ora recorrido, veio, a sentença, a debruçar-

se detida e mais alongadamente sobre as alegações da Celton, afastando-as –

julgamento aquele que não passou despercebido do Acórdão ora recorrido, o

qual assinalou que “Demais, a r. sentença do Feito n. 1996.001.006184-3, em

ação conexa proposta pela Apelante 1, proferida em separado, com fotocópia

juntadas a estes autos (fl s. 2.322-2.330), não causou nenhum prejuízo às partes,

impondo sua apensação (fl s. 2.334), a seguir, para fi m de julgamento conjunto

das apelações interpostas” (fl s. 2.461).

Na rejeição dos Embargos de Declaração, aliás, o Tribunal de origem

reafi rmou, analisando detidamente, a inexistência das nulidades alegadas (fl s.

2.494-2.500).

8.- Matéria superada, pois, na origem, deve, com o mais elevado respeito

ao voto do E. Relator, ser afastada a preliminar de nulidade, passando-se ao

julgamento das demais questões trazidas pelos recursos.

VOTO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Srs. Ministros, com a vênia do

eminente Ministro Massami Uyeda, acompanho integralmente o Sr. Ministro

Sidnei Beneti, seja quanto ao não conhecimento dos segundos embargos

declaratórios opostos pelo terceiro interessado, seja quanto à solução dada ao

recurso especial.

Inviável acolher-se a preliminar de nulidade por irregularidade constante

no relatório da sentença, quando esta já havia sido substituída pelo acórdão do

Tribunal, que enfrentou a questão, reconhecendo que o fato de a sentença não

ter mencionado a contestação e deixado de arrolar as alegações ali vertidas não

teria trazido prejuízo para a parte.

Page 13: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 337

Possível, então, prosseguir-se no julgamento, com enfrentamento das

demais questões trazidas pelos recursos.

Com renovadas vênias do eminente Ministro Massami, acompanho

integralmente o voto do Sr. Ministro Sidnei Beneti.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Trata-se, na origem, de ação

ordinária proposta em 1993 por Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ) contra

Celton Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda., na Vigésima Oitava

Vara Cível do Rio de Janeiro - RJ. Pretende a autora, primeira recorrente, o

reconhecimento de créditos que afi rma ter em relação à segunda recorrente

e a consequente condenação desta ao pagamento da importância de NCZ$

16.132.941,72 (dezesseis milhões, cento e trinta e dois mil, novecentos e

quarenta e um cruzados novos e setenta e dois centavos), mais juros, correção

monetária e demais consectários legais (Processo n. 1193.001.072495-3).

Parte dos créditos reclamados seria resultante de saldo negativo coberto

pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e verifi cado em conta-corrente da Celton

na data da decretação de sua liquidação extrajudicial. Referido sistema de conta-

corrente é adotado costumeiramente nas bolsas de todo o mundo e é utilizado

para liquidação fi nanceira de operações. Nele as bolsas creditam e debitam,

diariamente, os valores referentes às operações realizadas nos seus pregões.

No caso dos autos, essa conta-corrente era mantida no BANERJ em razão de

convênio fi rmado entre a instituição fi nanceira, a Bolsa de Valores do Rio de

Janeiro e as corretoras.

Outra quantia refere-se a desembolso feito pelo Fundo de Garantia da

Bolsa de Valores do Rio de Janeiro para cobrir dívidas decorrentes de operações

a termo de responsabilidade da Celton perante investidores.

Finalmente, a última parcela corresponderia a uma chamada de capital

deliberada em assembleia geral extraordinária por meio da qual as corretoras

integrantes da Bolsa – entre as quais se encontrava a Celton – obrigaram-se, cada

uma, a aporte fi nanceiro no valor de NCZ$ 300.000,00, montante que não foi

pago pela recorrida.

Relata a primeira recorrente, Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, que tais

créditos teriam sido habilitados no procedimento de liquidação extrajudicial a

que foi submetida a recorrida, mas foram indeferidos pelo liquidante.

Page 14: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

338

Já em juízo, o pedido foi julgado procedente em primeiro grau, com a

condenação da Celton ao pagamento do valor reclamado, monetariamente

corrigido a partir do ajuizamento da ação, mais juros legais de 0,5% ao mês a

contar da citação, além de custas e honorários de sucumbência.

Ambas as partes apelaram, sendo adesivo o recurso interposto pela Bolsa

de Valores. Em julgamento realizado em 23.8.2005, a Nona Câmara Cível do

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, prolatou

acórdão em cuja ementa se lê:

APELAÇÃO n. 33.280. Bolsa de Valores. Corretora. Operações fraudulentas. A

BVRJ ao invés de liquidar suspendeu e depois cancelou as operações rotuladas

Zé com Zé, no pregão de 2.6.1989, por terem sido consideradas fraudulentas, na

forma do artigo 89, da Resolução CMN n. 922/84, conforme comprovou a perícia.

Atendendo às instruções da Celton à Bolsa, os valores devidos por ela foram

repassados ao BMC, efetuando-se a sub-rogação na garantia representada pelas

ações bloqueadas em custódia como garantia do crédito da Bolsa em relação

à Celton, sendo o produto da venda levado a crédito da Celton, abatendo, em

parte o valor da dívida, levado a conhecimento do liquidante. Revela a perícia

que os débitos das operações canceladas foram efetuados até a data de 16.6.1989

gerando vultosos débitos da Celton no sistema BANERJ, cobertos com recursos

da Bolsa “Tudo, porém, antes da liquidação extrajudicial da Corretora, decretada

em 21.6.1989” detalhando que: “o cancelamento das operações só foi possível após

sindicâncias da BVRJ, da CVM e do Banco Central, sendo o registro contábil efetuado

posteriormente, porém, retroativamente à data da compensação; já os registros

bancários em conta corrente Convênio eram feitos no momento da compensação”.

Por isso, afi guram-se certos, líquidos e exigíveis o crédito cobrado na alínea a da

inicial. O recurso adesivo não merece prosperar, eis que, cuidando-se de dívida

de dinheiro, portanto ilícito relativo e não absoluto (Súmulas n. 43 e 54, do E.

STJ), impõe-se a correção monetária do valor apurado em liquidação, a partir do

ajuizamento da ação, para impedir-se o locupletamento injusto do devedor e

dos juros de mora, a contar da citação, por determinação legal (art. 219, do CPC),

observando-se a disposição do artigo 406, do Código Civil, desde o início de sua

vigência. APELAÇÃO n. 33.278. Revelam os autos que a autora/Celton não se

desincumbiu do ônus de demonstrar os alegados fatos que seriam constitutivos

de seu alegado direito (art. 333, I, do CPC), qual seja, a efetiva aquisição e

pagamento das ações cuja indenização reivindica nestes autos, evidenciando,

ao contrário, que nunca foi proprietária dos títulos cuja indenização pretende

receber. Não comprovou, ainda, em nenhum momento, o aporte de qualquer

soma para o pagamento das ações, nem tampouco depositou as margens de

segurança, razões pelas quais não consta consolidado no acervo patrimonial

abrangido pelo regime de indisponibilidade criado pela liquidação extrajudicial,

crédito de ações em seu nome, como bem proclamou a r. sentença destes autos.

Rejeição das preliminares. Desprovimento dos recursos.

Page 15: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 339

Não foram providos os embargos de declaração opostos por ambas as

partes. Transcreve-se a ementa respectiva:

Embargos declaratórios. Obscuridade, contradição e omissões inexistentes.

Rediscussão do julgado no intuito de fazer prevalecer as teses dos embargantes. Via

imprópria. Desprovimento dos recursos.

Contra o acórdão proferido na apelação, integrado por aquele relativo aos

embargos de declaração, foram interpostos recursos especial e extraordinário

também por ambas as partes.

Os recursos apresentados pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro foram

admitidos. Já os da Celton foram inadmitidos. O agravo de instrumento

interposto para destrancar o recurso especial foi, após marchas e contramarchas,

provido por meio de decisão proferida pelo Ministro Humberto Gomes de

Barros (Agravo de Instrumento n. 808.390-RJ), ratifi cada em agravo regimental

julgado em 25.8.2009, com acórdão publicado em 11.9.2009, transitado em

julgado.

Abro parêntese para registrar alguns fatos relativos a uma ação proposta

por Celton Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda. contra a Fundação Vale

do Rio Doce de Seguridade Social (Valia) e outros, entre os quais fi gura a Bolsa

de Valores do Rio de Janeiro, cuja tramitação ocorreu também na Vigésima Oitava

Vara Cível do Rio de Janeiro (Processo n. 1996.001.006184-3).

Nessa ação, a Celton afi rmava que a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro,

mesmo após a decretação da liquidação extrajudicial pelo Banco Central do

Brasil e sem o consentimento do liquidante nomeado, em ofensa à lei, portanto,

devolvera às demais rés 530.000 ações preferenciais nominativas da Cia. Vale

do Rio Doce integrantes do acervo patrimonial da sociedade liquidanda que se

encontravam custodiadas na Bolsa.

Afi rmava ainda a Celton que adquirira tais ações poucos dias antes da

decretação da sua liquidação extrajudicial e que depositara também as “margens”

relativas a essas compras, esclarecendo que ditas margens correspondem a

depósito exigido para garantir oscilações na cotação das ações quando as

compras se realizam a termo.

Pedia a Celton, ao fi nal, fosse reconstituída sua carteira de ações, com as

bonifi cações e os desdobramentos ocorridos, ou indenização correspondente,

e com juros, dividendos e lucros cessantes decorrentes, segundo ela, do ilícito

praticado.

Page 16: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

340

O registro que ora faço é importante porque, na ação proposta pela Bolsa

de Valores do Rio de Janeiro contra a Celton, cujo recurso ora se aprecia, discute-se

essa questão da devolução das ações à Valia e a outros investidores que foram

os vendedores das ações negociadas a termo. No item 2.1.2 das razões deste

recurso especial, a própria Celton afi rma serem essas ações as “mesmíssimas”

referidas em ambas as demandas.

Eventual procedência do pedido da Celton, por isso, teria implicações

diretas no resultado da ação cujo recurso se encontra em julgamento.

O pedido foi julgado improcedente, no entanto. Foi interposta apelação

pela Celton.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiu, num mesmo

acórdão, os recursos de apelação referentes a ambas as ações, conforme se viu

da transcrição da ementa feita anteriormente (vide referências às Apelações n.

33.280 e 33.278, sendo a última a que diz respeito à ação proposta pela Celton).

Contra o acórdão regional e o dos embargos de declaração opostos, foi

interposto recurso especial pela Celton, que foi inadmitido. Do agravo de

instrumento apresentado contra o despacho que inadmitiu o recurso especial

não se conheceu por ausência de peças obrigatórias, decisão adotada no AgRg

no AgRg no Ag n. 818.185-RJ, já transitada em julgado.

Em resumo: transitou em julgado o acórdão regional na parte relativa

à Apelação Cível n. 33.278. Menciono, porque importante também para o

deslinde do recurso especial em julgamento, excerto do voto do relator (fl s.

2.580):

Em tais circunstâncias, revelam os autos que a autora/Celton não se

desincumbiu do ônus de demonstrar os alegados fatos que seriam constitutivos

de seu alegado direito (art. 333, I, do CPC), qual seja, a efetiva aquisição e

pagamento das ações cuja indenização reivindica nestes autos, evidenciando,

ao contrário, que nunca foi proprietária dos títulos cuja indenização pretende

receber.

Não comprovou, ainda, em nenhum momento, o aporte de qualquer soma

para o pagamento das ações, nem tampouco depositou as margens de segurança,

razões pelas quais não consta consolidado no acervo patrimonial abrangido pelo

regime de indisponibilidade criado pela liquidação extrajudicial, crédito de ações

em seu nome, como bem proclamou a r. sentença (fl s. 2.556-2.557) destes autos.

Feito o registro, fecho o parêntese.

Page 17: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 341

Esse o relatório que entendi necessário e suficiente para o bom

equacionamento da controvérsia.

VOTO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Passo à análise do REsp n.

887.131-RJ, em que ambas as litigantes atacam o acórdão estadual na parte

relativa à Apelação Cível n. 33.280.

Aprecio, em primeiro lugar, o recurso especial interposto por Celton

Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda., segunda recorrente.

O recurso especial foi interposto com base no art. 105, III, alínea a,

da Constituição Federal e fundamenta-se na contrariedade aos seguintes

dispositivos: arts. 165 e 458, II, do Código de Processo Civil; 145 e 145, VI,

do antigo Código Civil (arts. 166 e 166, V, do atual Código Civil); 31 da Lei

n. 6.024/1974; 44 do DL n. 7.661/1945 (Lei de Falências vigente à época).

Sustenta-se ainda ofensa ao disposto nos arts. 5º, LV, e 93, IX, da Constituição

Federal.

Relativamente à pretensa violação dos dispositivos do Código de Processo

Civil e do Código Civil referidos, com base no que se pediu a anulação do

acórdão impugnado, observo que a controvérsia já foi defi nida na sessão de

julgamento de 9.10.2012, quando ainda integrava esta Turma e atuava como

relator do processo o Ministro Massami Uyeda, oportunidade em que, por

maioria, decidiu-se pela superação daquela preliminar e pelo retorno dos autos

ao relator para apreciação do mérito.

Com a aposentadoria do Ministro Massami, o feito foi a mim atribuído.

No que toca à alegada ofensa aos dispositivos da Constituição Federal,

anoto que a discussão não cabe em sede de recurso especial, mas em recurso

próprio a ser encaminhado ao Supremo Tribunal Federal. A jurisprudência do

Superior Tribunal de Justiça é pródiga nesse sentido, o que torna despicienda a

transcrição de precedentes. Nada a prover no ponto.

Verifi co, quanto à alegação de negativa de vigência do art. 31 da Lei n.

6.024/1974, que a matéria não está prequestionada. Embora arguida nas razões

de apelação da segunda recorrente, o decisum objurgado deixou de apreciar a

questão em termos expressos ou mesmo com a profundidade necessária para

se tê-la como implicitamente debatida. Incidência da Súmula n. 282-STF (“É

Page 18: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

342

inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a

questão federal suscitada”).

Com efeito, não basta que a parte invoque a aplicação de dispositivos

legais que entende pertinentes à solução do confl ito. É necessário que sobre

eles se manifeste expressamente o órgão julgador (prequestionamento explícito)

ou, ao menos, que a matéria neles tratada seja ampla e claramente discutida

(prequestionamento implícito) para que do recurso especial se conheça.

No caso dos autos, embora de maneira vaga, a segunda recorrente tentou,

por meio de embargos de declaração, que o Tribunal de origem se manifestasse

a respeito de diversos pontos que, a seu ver, fi caram sem solução, entre os quais

eventual “negativa de vigência das normas da Lei n. 6.024/1974”.

Veja-se que, nem mesmo naquela peça processual, a segunda recorrente

aduziu, de forma precisa, quais dispositivos da Lei n. 6.024/1974 o órgão

julgador deveria abordar.

A Turma julgadora, ao entendimento de que o acórdão hostilizado não

padecia dos vícios de obscuridade, contradição ou omissão, negou provimento

aos referidos embargos de declaração e em nenhum momento promoveu debate

sobre o dispositivo legal invocado pela parte.

Caberia à recorrente, nessas circunstâncias, buscar a declaração de nulidade

do acórdão por violação do art. 535 do CPC, ao invés de alegar a negativa

de vigência do dispositivo legal não prequestionado. Não o fazendo, atraiu a

aplicação do disposto na Súmula n. 211-STJ (“Inadmissível recurso especial quanto

à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo

tribunal a quo”).

De qualquer forma, só teria sentido discutir a aplicação da norma contida

no art. 31 da Lei n. 6.024/1974 se as ações que a segunda recorrente alega

terem sido indevidamente retiradas dos seus ativos fossem realmente de sua

propriedade.

Eis o texto do mencionado dispositivo legal:

Art. 31. No resguardo da economia pública, da poupança privada e da

segurança nacional, sempre que a atividade da entidade liquidanda colidir com

interesses daquelas áreas, poderá o liquidante, prévia e expressamente autorizado

pelo Banco Central do Brasil, adotar qualquer forma especial ou qualifi cada de

realização do ativo e liquidação do passivo, ceder o ativo a terceiros, organizar ou

reorganizar sociedade para continuação geral ou parcial do negócio ou atividade

da liquidanda.

Page 19: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 343

No entanto, conforme consta do acórdão recorrido na parte que cuida da

Apelação Cível n. 33.278 e que tem por objeto “as mesmíssimas” ações tratadas

no presente recurso, nas palavras da própria Celton, fi cou evidenciado que esta

“nunca foi proprietária dos títulos cuja indenização pretende receber”, tendo atuado

apenas como intermediária nas operações de compra e venda a termo das ações

preferenciais da Cia. Vale do Rio Doce.

A propósito do tema, o Ministério Público Federal, em parecer da lavra do

professor GUSTAVO TEPEDINO, assim se expressou no Recurso Criminal

n. 99.02.09052-4, interposto contra decisão que rejeitara denúncia formulada

contra os representantes da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro por, supostamente,

terem negociado os títulos em referência que se encontravam custodiados

naquela associação (fl s. 2.331-2.338 dos autos da Apelação Cível n. 33.278):

Posta a questão nestes termos, vê-se que andou bem o juízo monocrático, ao

rejeitar a denúncia, restando evidente, por outro lado, terem sido induzidos em

clamoroso erro a Justiça Pública e o renomado criminalista signatário do parecer

em que se fundamentou a denúncia.

O equívoco decorre da falsa premissa segundo a qual a corretora Celton,

intermediária das seis operações a termo destinadas à venda de papéis à

Capitânea, e que sofreu liquidação extrajudicial, seria proprietária das ações

objeto do contrato de compra e venda, custodiadas junto à Bolsa de Valores.

Dito diversamente, considerou-se que as ações objeto da venda pertenciam aos

ativos da Corretora no momento da decretação pelo Banco Central da liquidação

extrajudicial.

[...] Ora, no direito brasileiro, como é de correntia sabença, os contratos

translativos de propriedade não têm efi cácia real, limitando-se a produzir efeitos

obrigacionais. Vale dizer que, com a compra e venda, o vendedor se obriga

a transferir os bens no termo pré-fixado e mediante o pagamento do preço,

sendo somente a traditio, em se tratando de bens móveis, ou o registro do título

translativo – a transcrição do título, como se afi rma com base no sistema anterior

– no caso de bens imóveis, capazes de transferir o domínio.

Tais considerações, que por tão elementares dispensam a remissão aos artigos

do Código Civil pertinentes, suscitam duas inarredáveis conclusões. Em primeiro

lugar: as ações postas em custódia junto a Bolsa de Valores, no contrato a termo,

permanecem na propriedade dos vendedores até o momento em que, com o

adimplemento do preço, são transferidas aos compradores. Em segundo lugar – e

mais importante: a Bolsa de Valores, diante do não pagamento do preço pelos

compradores no vencimento antecipado, ao restituir aos vendedores as ações que

lhe pertencem, não defl agrou o tipo penal supracitado, já que entregou os bens

aos seus proprietários, sendo impossível, por isso mesmo, falar-se tecnicamente

em negociação, como quis, na previsão do tipo, o legislador penal.

Page 20: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

344

Já no que diz respeito à alegação de negativa de vigência do art. 44 da

antiga Lei de Falências, subsidiariamente aplicável às liquidações extrajudiciais,

observo que o Tribunal estadual adotou a correta interpretação do dispositivo

legal no caso concreto.

Com efeito, realizada a venda a termo das ações da Cia. Vale do Rio Doce,

tendo como intermediária a Celton e como compradora a Capitânea Distribuidora

de Títulos e Valores Mobiliários, sobrevindo o inadimplemento de ambas, a Bolsa

de Valores do Rio de Janeiro, atendendo a pedido das vendedoras, devolveu-lhes

os títulos que estavam sob sua custódia e as indenizou pela diferença entre o

valor daqueles títulos na data do contrato de compra e venda e aquele vigente na

data da devolução, utilizando recursos do seu fundo de garantia, sub-rogando-se

o direito das vendedoras.

O procedimento adotado pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro foi

completamente aderente ao que diz o art. 44, V, da Lei de Falências, in verbis:

Art. 44 - Nas relações contratuais, abaixo mencionadas, prevalecerão as

seguintes regras:

[...]

V - Tratando-se de coisas vendidas a termo, que tenham cotação em Bolsa

ou mercado, e não se executando o contrato pela efetiva entrega daquelas e

pagamento do preço, prestar-se-á a diferença entre a cotação do dia do contrato

e a da época da liquidação.

Manifestando-se nos autos na qualidade de amicus curiae, afirmou a

Comissão de Valores Mobiliários (fl s. 2.372-2.376 dos autos da Apelação Cível

n. 33.278):

[...] o que a BVRJ fez foi atender à reclamação dos lesados, mediante pedido

ao Fundo de Garantia, conforme a legislação prevê. É um procedimento

administrativo regular. Ressarciu os vendedores do prejuízo e se sub-rogou no

seu direito, na massa da liquidanda. [...] Não há irregularidade na atuação da BVRJ.

Por sua vez, o Ministério Público Federal, no parecer do professor

GUSTAVO TEPEDINDO, já mencionado, concluiu:

[...] Visto por outro ângulo, verifi ca-se que a restituição, praticada pela Bolsa

de Valores, equivale à espécie de obrigação de dar, determinada pelo Decreto-

Lei n. 7.661/1945, no art. 44, inciso V, consistente na entrega do bem ao seu

proprietário, não se confundindo com a disposição, associada à transferência de

propriedade.

Page 21: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 345

Também quanto a esse aspecto, nada há a prover.

Acrescente-se que o acórdão recorrido, em todas as questões levantadas nas

razões de apelação, pautou sua fundamentação em premissas fáticas basicamente

extraídas da perícia realizada. Incabível, também por isso, a revisão do julgado,

como decorrência do contido na Súmula n. 7-STJ (“A pretensão de simples

reexame de prova não enseja recurso especial”).

Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial interposto por Celton

Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda. para negar-lhe provimento.

Analiso, agora, o recurso interposto pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro

com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal.

Ao apreciar a apelação adesiva interposta pela ora recorrente, a Turma

julgadora assim se manifestou:

Pugna a apelante 2, em recurso adesivo (fls. 2.285-2.289) a reforma da

r. sentença, para que dela conste que o valor da condenação corrigido,

monetariamente e juros legais, na forma postulada na inicial, a partir do momento

em que o débito da Celton se tornou exigível, conforme, identifi cado no laudo

pericial, tão logo foi franqueada à Bolsa a cobrança judicial contra a Celton, no

prazo e na forma determinados na Lei n. 6.024/1974.

Cuidando-se de dívida de dinheiro, portanto, ilícito relativo e não absoluto

(S. 43 e 54, do E. STJ), impõe-se a correção monetária do valor apurado em

liquidação, a partir do ajuizamento da ação, para impedir-se o locupletamento

injusto do devedor e dos juros de mora, a contar da citação, por determinação

legal (art. 219, do CPC), observando-se a disposição do art. 406, do Código Civil,

desde o início de sua vigência.

Contra essa decisão, argui a recorrente violação dos arts. 458, inciso II, e

535, inciso II, do CPC, bem como negativa de vigência do art. 18, letra a, da Lei

n. 6.024/1974, do art. 1º do Decreto-Lei n. 1.477/1976 e do art. 960 do Código

Civil de 1916, além de divergência jurisprudencial.

Sustenta a primeira recorrente que, durante quase quatro anos, ficou

impedida de acionar judicialmente a recorrida em obediência à norma contida

no art. 18, letra a, da Lei n. 6.024/1974, que veda o ajuizamento de ações contra

a sociedade liquidanda enquanto não houver sido publicado o quadro geral de

credores defi nitivo.

Argumenta que, de 1989 a 1993, quando fi nalmente pôde ajuizar a presente

demanda, a variação do INPC foi superior a seis milhões por cento e que privá-

Page 22: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

346

la da correção monetária desse período importaria em propiciar à recorrida

injustifi cável enriquecimento sem causa.

Invoca, em prol da sua tese, ainda a Súmula n. 43-STJ (“Incide correção

monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo”).

Quanto aos juros, lembra que o próprio acórdão teria reconhecido a

existência, a certeza e liquidez dos créditos devidos pela Celton e argumenta que

“as parcelas que compõem a dívida da Recorrida deveriam ter sido por esta honradas

na ocasião em que efetuados os correspondentes lançamentos a débito na conta-

corrente do Sistema BANERJ de liquidação fi nanceira de operações, constituindo-se a

Recorrida em mora, diariamente, em função dos saldos negativos por ela não honrados

e cobertos com aportes de recursos da Recorrente”.

E continua: “[...] ainda que assim não fosse, isto é, ainda que a constituição

em mora dependesse de ato posterior (o que não foi o entendimento do v. acórdão,

como se verá a seguir), o fato é que a própria habilitação do crédito da Recorrente no

processo de liquidação extrajudicial, ocorrida logo em seguida à decretação do regime

de liquidação, em 21.6.1989, já teria, de todo o modo, caracterizado plenamente uma

interpelação, isto é, um ato de cobrança da dívida e de constituição do devedor em

mora, na forma do disposto na segunda parte do mesmo artigo 960 do Código Civil

de 1916 (‘Não havendo prazo assinado, começa ela [a mora] desde a interpelação,

notifi cação ou protesto’)”.

Entendo caber parcial razão à recorrente.

De fato, é entendimento antigo deste Tribunal que a correção monetária

nada acresce ao valor do débito, mas evita a corrosão do poder aquisitivo da

moeda pelo processo infl acionário. São célebres as decisões de lavra do Ministro

Sálvio de Figueiredo Teixeira nesse sentido. Cito, como exemplo:

Direitos Processual Civil e Econômico. Seguro de vida. Correção monetária.

Atualização. Termo a quo. Recurso Especial. Pressupostos. Ausência. Recurso não

conhecido.

I - Sendo a correção monetária mero mecanismo para evitar a corrosão do

poder aquisitivo da moeda, sem qualquer acréscimo do valor original, impõe-

se que o valor segurado seja atualizado desde a sua contratação, para que a

indenização seja efetivada com base em seu valor real, na data do pagamento.

II - É entendimento consolidado da Corte que a evolução dos fatos econômicos

tornou insustentável a não-incidência da correção monetária, sob pena de

prestigiar-se o enriquecimento sem causa do devedor, constituindo-se ela

imperativo econômico, jurídico e ético indispensável à plena indenização dos

Page 23: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 347

danos e ao fi el e completo adimplemento das obrigações. (REsp n. 247.685-AC, DJ

de 5.6.2000.)

Ademais, no caso dos autos, o ajuizamento da ação só se tornou possível

quatro anos após o desembolso dos valores pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro,

dada a demora na publicação do quadro geral de credores da recorrida, havendo

impossibilidade legal de acionamento da devedora antes daquela data, em razão

do disposto da Lei n. 6.024/1974, como apontado pela primeira recorrente.

A Súmula n. 43-STJ ampara plenamente a pretensão, uma vez que seu

enunciado refere-se tanto ao ato ilícito absoluto (extracontratual) quanto ao ato

ilícito relativo (contratual), ao contrário do que decidiu o Tribunal estadual. Cito

como precedentes os acórdãos proferidos nos REsp n. 24.865-0-SP e 31.094-9-

SP, ambos relatados pelo Ministro Nilson Naves.

Como consequência, entendo que a correção monetária deverá incidir

a partir da ocorrência de saldos devedores não cobertos na conta-corrente da

Celton, mantida, à época, no BANERJ.

No que diz respeito aos juros de mora, no entanto, deve-se manter o

entendimento adotado no acórdão recorrido.

Na verdade, estabelece o art. 18, alínea d, da Lei n. 6.024/1974:

Art. 18. A decretação da liquidação extrajudicial produzirá, de imediato, os

seguintes efeitos:

[...]

d) não fl uência de juros, mesmo que estipulados, contra a massa, enquanto

não integralmente pago o passivo.

No entanto, como não houve recurso por parte da Celton quanto à data

do início da contagem dos juros de mora, deve ser mantida aquela defi nida no

acórdão recorrido, entendimento que, aliás, não discrepa da jurisprudência desta

Corte, como se vê da ementa abaixo:

Liquidação Extrajudicial. Correção monetária. Juros.

1. Os débitos resultantes de decisão judicial, das empresas submetidas a

liquidação extrajudicial, devem ser corrigidos desde o vencimento da obrigação

ou do ajuizamento da ação. Princípio geral da Lei n. 6.899/1981, que não sofreu

restrição com a superveniência do Dec. Lei n. 2.278/1985.

2. Ajuizada ação de adimplemento de obrigação descumprida pela empresa

em liquidação, incide a regra processual sobre a mora (art. 219 CPC) e, como

consequência, fl uem os juros moratórios desde a citação válida.

Page 24: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

348

Recurso não conhecido. (REsp n. 48.606-8-SP, relator Ministro Ruy Rosado de

Aguiar, DJ de 29.8.1994.)

Ante todo o exposto, conheço parcialmente do recurso interposto por Celton

Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda. e nego-lhe provimento. Conheço

do recurso interposto pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e dou-lhe parcial

provimento, na forma estabelecida na fundamentação retro.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.152.849-MG (2009/0157602-6)

Relator: Ministro João Otávio de Noronha

Recorrente: Lucas Monteiro Machado Neto e outros

Advogado: Rita Câmara Elian e outro(s)

Recorrente: Maternidade Octaviano Neves S/A

Advogado: Rafael Alkmim Sousa e outro(s)

Recorrido: Os mesmos

EMENTA

Recurso especial. Direito Societário. Violação do art. 535 do

CPC. Não ocorrência. Sociedade anônima. Assembleia geral. Assunto

omisso na publicação da ordem do dia. Nulidade da deliberação.

Higidez da assembleia. Ações preferenciais. Voto contingente.

Desnecessidade de publicação da aquisição de direito a voto. Acordo

de acionistas. Acordo de voto em bloco. Limitação aos votos de

vontade. Impossibilidade quanto aos votos de verdade.

1. Não viola o art. 535 do CPC acórdão que, integrado por

julgado proferido em embargos de declaração, dirime, de forma

expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões

recursais.

Page 25: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 349

2. Da convocação para a assembleia geral ordinária deve constar

a ordem do dia com a clara especificação dos assuntos a serem

deliberados.

3. A votação de matéria não publicada na ordem do dia implica

nulidade apenas da deliberação, e não de toda a assembleia.

4. Quando da convocação para a assembleia geral ordinária,

não há necessidade de publicação da aquisição temporária do direito

de voto pelas ações preferenciais (art. 111, § 1º, da LSA – voto

contingente).

5. O detentor da ação preferencial que não recebeu seus

dividendos conhece essa situação e deve, no próprio interesse, exercer

o direito que a lei lhe concede. Ao subscrever quotas de capital, o

acionista precisa conhecer as particularidades das ações que adquire,

não podendo arguir o desconhecimento dos termos da lei.

6. O acordo de acionistas não pode predeterminar o voto sobre

as declarações de verdade, aquele que é meramente declaratório da

legitimidade dos atos dos administradores, restringindo-se ao voto no

qual se emita declaração de vontade.

7. Recurso especiais desprovidos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal

de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, por

unanimidade, negar provimento aos recursos especiais, nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo

Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

Brasília (DF), 7 de novembro de 2013 (data do julgamento).

Ministro João Otávio de Noronha, Relator

DJe 18.11.2013

Page 26: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

350

RELATÓRIO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Trata-se de recursos especiais

interpostos por Lucas Monteiro Machado Neto e Outros e por Maternidade

Octaviano Neves S/A, ambos com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da

Constituição Federal.

Na origem, os primeiros recorrentes, acionistas da referida maternidade,

ajuizaram ação para ver anuladas as deliberações tomadas na assembleia geral

ordinária (AGO) realizada em 29.4.2005. Apontaram as seguintes nulidades:

a) irregularidade na convocação da AGO: omissão sobre a deliberação da

destinação do lucro e distribuição de dividendos na ordem do dia;

b) vício na convocação e instalação da AGO: ausência de publicidade no

que se refere à aquisição do direito de voto pelos acionistas preferenciais;

c) aprovação irregular das contas da administração: aprovação mediante

votação dos próprios administradores por meio de acordo de acionistas; e

d) nulidade da deliberação quanto à distribuição de dividendos.

Em primeira instância, o pedido foi julgado parcialmente procedente

para declarar a nulidade das deliberações no que se refere à distribuição de

dividendos e à aprovação das contas dos administradores.

Ambas as partes apelaram, e o Tribunal a quo manteve a sentença em

acórdão assim ementado:

Declaratória. Sociedade anônima. Assembléia geral ordinária. Convocação

pública. Ordem do dia. Omissão de matéria a ser deliberada. Votação. Questão

decidida. Nulidade. Ação preferencial. Direito ao sufrágio. Prazo legal decorrido.

Aquisição imediata. Acordo de acionistas. “Voto de verdade”. Aprovação de contas.

Vedação. O regime de convocação pública tem por fi nalidade permitir que o sócio

tome conhecimento prévio da realização da AGO - Assembléia Geral Ordinária,

possibilitando que os titulares das quotas verifi quem a conveniência ou não de

sua presença, razão pela qual, deve ser dada ciência aos interessados quanto às

questões que serão deliberadas no conclave. Caso ocorra a votação de alguma

matéria que não foi mencionada no edital, somente aquela questão específi ca

deve ser considerada nula, permanecendo hígidas as demais decisões tomadas

em atendimento às determinações legais. Nas ações preferenciais, transcorrido o

prazo estipulado no artigo 111, § 1º, da Lei n. 6.404/1976 sem que haja rateio dos

dividendos, a aquisição do direito ao sufrágio é automática e imediata. É vedado

ao acordo de acionistas o chamado “voto de verdade”, como, por exemplo, aquele

que aprova as contas da administração (e-STJ, fl . 402).

Page 27: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 351

Os dois embargos declaratórios subsequentemente opostos foram

rejeitados (e-STJ, fl s. 422 e 435).

Sustentam os primeiros recorrentes (autores) as seguintes teses:

a) violação do art. 535, II, do CPC, uma vez que o acórdão recorrido

não deliberou acerca de dois pontos: i) a omissão na pauta de publicação da

AGO quanto a alguns dos itens gera prejuízo na deliberação dos demais; e ii) a

publicidade é um princípio informativo da Lei n. 6.404/1976;

b) ofensa aos arts. 124, 132 e 135 da Lei das S.A. em razão do vício

na convocação para a AGO; o edital foi silente acerca da distribuição de

dividendos, mas houve deliberação acerca da matéria;

c) contrariedade ao art. 111, § 1º, da Lei das S.A., tendo em vista o vício na

convocação e instalação da assembleia, que foi realizada sem devida publicidade

acerca da aquisição do direito de voto pelas ações preferenciais.

Requer seja declarada a nulidade total da AGO de 29.4.2005.

As contrarrazões foram apresentadas (e-STJ, fl s. 479-485).

A segunda recorrente alega afronta ao art. 118 da Lei das S.A., que admite

o acordo de voto em bloco para aprovação de contas.

Contrarrazões apresentadas às fl s. 487-494.

Admitidos os recursos na origem (e-STJ, fl s. 503-505), ascenderam os

autos ao STJ.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator): No presente caso,

autores e réu interpuseram recurso especial. O acórdão recorrido decretou

a nulidade de duas deliberações tomadas em assembleia geral ordinária:

distribuição de dividendos e aprovação das contas da administração.

Os primeiros recorrentes pretendem a declaração de nulidade de toda a

assembleia; a segunda recorrente pretende que seja mantida a aprovação das

contas.

Passo à análise dos recursos especiais:

Page 28: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

352

RECURSO ESPECIAL DE LUCAS MONTEIRO MACHADO

NETO e OUTROS

I - Art. 535, II, do CPC

Afasto a alegada ofensa ao art. 535, II, do CPC, porquanto a Corte

de origem examinou e decidiu, de modo claro e objetivo, as questões que

delimitaram a controvérsia, não se verifi cando nenhum vício que possa nulifi car

o acórdão recorrido.

O órgão colegiado tratou das questões que lhe foram submetidas e foi

expresso ao negar a nulidade de toda a assembleia em razão de omissão pontual

na convocação. Foi expresso também ao reconhecer a importância da publicidade

dos atos.

Assim, ateve-se aos pontos relevantes e necessários ao deslinde do litígio,

adotando fundamentos cabíveis à prolação do julgado, ainda que que a parte não

concorde com as conclusões fi rmadas.

II - Arts. 124, 132 e 135 da Lei das S.A.

Os recorrentes afi rmam que duas questões de direito deverão ser debatidas

no especial: a) “saber se a omissão quanto a algumas das matérias objeto

de deliberação em AGO importa na na nulidade de toda a AGO ou só na

deliberação tomada”; e b) “se, por ser a publicidade um princípio informativo da

6.404/1976, a aquisição do direito de voto na hipótese do artigo 111, § 1º da Lei

n. 6.404/1976 deve ser publicada” (e-STJ, fl s. 444-445).

As instâncias ordinárias reconheceram que houve a convocação para a

assembleia geral ordinária. Contudo, a ordem do dia foi omissa em relação a

um ponto: a deliberação sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a

distribuição de dividendos. Apesar da omissão, tais matérias foram discutidas na

reunião, por isso a sentença decretou a nulidade da deliberação com a devolução

dos dividendos efetivamente distribuídos.

A convocação para a AGO foi realizada adequadamente, havendo omissão

quanto a uma das matérias tratadas no concílio. Por óbvio, não se pode anular

toda a assembleia, mas tão somente aquele ponto acerca do qual não foi dada a

necessária publicidade.

Houve o chamamento público e foi dada aos acionistas a oportunidade de

avaliar o interesse em comparecer ao ato. Apenas a discussão referente ao lucro

Page 29: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 353

líquido e dividendos não foi levado ao conhecimento prévio dos interessados,

razão pela qual somente essa deliberação deve ser invalidada.

A ocorrência da assembleia, em si, não foi prejudicada, tendo em vista que

os demais assuntos tratados constaram da ordem do dia. É nítido que a hipótese

retratada nos autos é de nulidade da deliberação, e não de toda a assembleia.

III - Art. 111, § 1º, da Lei das S.A.

Quanto à ausência de divulgação do direito de voto pelas ações

preferenciais, também não há reparos a fazer.

Como contrapartida das prerrogativas patrimoniais que detêm em face

das ações ordinárias do capital da empresa, as ações preferenciais, em princípio,

possuem restrições quanto ao direito de voto. Todavia, adquirem esse direito

na hipótese do art. 111, § 1º, da Lei das S.A., ou seja, quando “a companhia,

pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos,

deixar de pagar os dividendos fi xos ou mínimos a que fi zerem jus”. O direito é

conservado até o pagamento dos dividendos atrasados.

No caso dos autos, essa ausência de pagamento foi verifi cada nos exercícios

de 2001, 2002 e 2003. Logo, foi descumprida a prioridade patrimonial, sendo

concedido aos preferencialistas o direito a voto até então limitado ou suprimido.

Todavia, não se exige que a aquisição do direito ao voto seja divulgada

por ocasião da convocação da AGO. Além do cumprimento das formalidades

do art. 133 da Lei n. 6.404/1976, o art. 124 arrola as informações que devem

constar da convocação para a assembleia e não inclui a informação pretendida

pelos recorrentes:

Art. 124 - A convocação far-se-á mediante anúncio publicado por 3 (três) vezes,

no mínimo, contendo, além do local, data e hora da assembléia, a ordem do dia, e,

no caso de reforma do estatuto, a indicação da matéria.

A publicidade que informa o regramento das sociedades diz respeito à

divulgação de atos e informações, e não de direitos legalmente expressos.

Como bem explicitado na sentença, o chamado voto contingente é

adquirido pela simples confi guração fática da hipótese legal (art. 111, § 1º, da

Lei das S.A.). Transcorrido o prazo sem que haja pagamento dos dividendos, o

direito de voto é adquirido de forma automática e imediata, sendo desnecessário

informar aos acionistas por ocasião da convocação para a assembleia.

Page 30: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

354

O detentor da ação preferencial que não recebeu seus dividendos conhece

essa situação e deve, no próprio interesse, exercer o direito que a lei lhe concede.

Ao subscrever quotas de capital, o acionista precisa conhecer as particularidades

das ações que adquire, não podendo arguir o desconhecimento dos termos da lei.

Logo, a não comunicação do direito de voto aos detentores das ações

preferenciais não enseja a nulidade da assembleia realizada.

IV - Conclusão no tocante ao recurso dos autores

Todas as questões abordadas no recurso especial foram primorosamente

tratadas na sentença e no acórdão, julgados que devem ser mantidos na sua

inteireza, com o desprovimento do presente recurso.

RECURSO ESPECIAL DE MATERNIDADE OCTAVIANO

NEVES S/A

I - Art. 118 da Lei das S.A.

O acórdão recorrido decidiu pela nulidade da aprovação de contas,

questão deliberada na AGO ora arguida. A recorrente pretende a reforma desse

entendimento, aduzindo ser permitido aprovar contas dos administradores por

voto do acordo de acionistas.

O acordo de acionistas, expressamente permitido no art. 118 da Lei das

S.A., é o pacto celebrado por acionistas em que é defi nido como cada parte

deve exercer determinados direitos sociais. O acordo possibilita a convergência

dos interesses dos acionistas da sociedade anônima, assegurando-lhes poder de

controle.

Leciona Modesto Carvalhosa:

Trata-se o acordo de acionistas de um contrato submetido às normas comuns

de validade de todo negócio jurídico privado, concluído entre acionistas de

uma mesma companhia, tendo por objeto a regulação do exercício dos direitos

referentes a suas ações, tanto no que se refere ao voto como à negociabilidade

das mesmas. (Acordo de Acionistas. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 9.)

O acordo pode ser de comando e defesa, de bloqueio ou de votos em bloco.

No presente caso, merece atenção o conteúdo do objeto do acordo de acionistas

para votos em bloco.

Page 31: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 355

O voto é o instrumento de aferição do entendimento predominante

entre os acionistas com direito de participar das deliberações sociais. Há

distinção entre o voto de vontade, que envolve manifestação de vontade, e o

voto de verdade, que envolve a apreciação do sócio quanto à correspondência do

documento em apreciação e a realidade do objeto correspondente:

Acerca do tema, Fábio Ulhôa leciona:

Nem todo voto é uma manifestação de vontade. Quando a apreciação tem por

objeto as demonstrações fi nanceiras, as contas dos administradores e os laudos

de avaliação, o voto exterioriza, a rigor, o entendimento do acionista quanto à

correspondência entre o conteúdo desses documentos e a realidade. A aprovação

signifi ca que o acionista os considera fi éis ao respectivo objeto (o balanço retrata

o patrimônio e seus desdobramentos, a prestação de contas indica a regularidade

dos atos de administração, o laudo apresenta o valor de mercado do bem avaliado

etc.), e a reprovação, o inverso. Em vista disso, podem-se confi gurar dois tipos de

voto de acionistas, o de vontade e o de verdade. A distinção é muito importante,

porque possibilita distinguir entre a negociação lícita do exercício do direito de

voto (que somente pode dizer respeito à manifestação de vontade) e o crime de

venda de voto, tipifi cado no art. 177, § 2º, do CP (referente à de verdade). (Curso

de Direito Comercial, vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 309.)

Adiante, sintetiza:

O voto pode ser “de vontade” ou “de verdade”. No primeiro, o acionista manifesta

sua opção pela alternativa que mais lhe interessa entre as abertas na apreciação

da matéria. No último, exterioriza o seu entendimento acerca da fi delidade, ou

não, do documento em apreciação ao seu correspondente objeto.

Ao dispor acerca do acordo de acionistas, o jurista apregoa:

Em princípio, os acionistas podem contratar sobre quaisquer assuntos relativos

aos interesses comuns que os unem, havendo, a rigor, um único tema excluído

do campo de contratação válida: a venda de voto. É nula a cláusula de acordo

de acionista que estabeleça, por exemplo, a obrigação de votar sempre pela

aprovação das contas da administração, das demonstrações fi nanceiras ou do

laudo de avaliação de bens ofertados à integralização do capital social. Também

é nula a estipulação de um acionista votar segundo a determinação de outro.

Quanto ao mais, inexiste vedação legal. Assim, sobre o exercício do voto de vontade

e demais aspectos das relações societárias, os acionistas podem livremente entabular

as tratativas que reputarem oportunas à adequada composição dos seus interesses

(op. cit., p. 315).

Page 32: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

356

A doutrina declara a invalidade do acordo de acionistas que tenha por

objeto o chamado voto de verdade, aquele que declara a legitimidade dos atos

dos administradores.

Essa é a linha de entendimento de Modesto Carvalhosa:

[...] a convenção de voto não pode ter por objeto voto de verdade, ou seja, aquele

que é meramente declaratória da legitimidade dos atos dos administradores. Tal

convenção constitui fraude à lei, pois não se pode predeterminar, através do voto,

a aprovação de atos de gestão, no pressuposto de sua inconformidade com o

interesse social, o interesse do estado e dos acionistas uti socii.

Restrito o objeto do acordo ao voto de vontade, este poderá abranger qualquer

matéria de natureza funcional [...], política [...] ou estrutural [...] (op. cit., p. 77).

Tratando das matérias que podem ser objeto do acordo de acionistas, José

Waldecy Lucena também discute a vedação aos acordos das declarações de

verdade:

Filiamo-nos à segunda corrente, assim entendendo que quaisquer matérias

podem ser objeto de acordos entre os acionistas, contanto que, como pactos

parassociais que são, obviamente não alterem o estatuto social, e, muito menos,

contenham disposições contra legem.

Costumam os autores, outrossim referir-se às matérias que não podem ser

objeto de acordo de acionistas. Assim, Celso de Albuquerque Barreto listou os

seguintes casos: (...) acordos que tenham por objeto as declarações de verdade

(aprovação de contas, etc.). (Das sociedades anônimas, vol. 1. Rio de Janeiro:

Renovar, 2009, p. 1.135-1.136.)

Não se pode permitir a predeterminação do voto sobre as declarações de

verdade, pois, tratando-se de forma de fi scalização dos atos de administração,

não deve ser exercida nos interesses de determinado grupo de acionistas.

Constatado que o voto do acordo de acionistas foi pela aprovação das

contas dos administradores da recorrente, deve ser reconhecida a sua nulidade,

nos termos do acórdão recorrido.

II - Conclusão no tocante ao recurso da maternidade

Deve ser mantido o acórdão atacado com o desprovimento do recurso

especial.

Page 33: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 357

CONCLUSÃO

Ante o exposto, nego provimento aos recursos especiais.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.161.941-DF (2009/0204609-0)

Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Recorrente: Juliana Almeida e Araújo e outro

Advogado: Renato Oliveira Ramos

Recorrido: Casanova Trajes A Rigor e Promoções S/C Ltda

Advogado: André Vicente Achefer Quintaes e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Direito do Consumidor. Indenização por danos

morais e materiais. Entrega de vestido de noiva defeituoso. Natureza.

Bem durável. Art. 26, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor.

Prazo decadencial de noventa dias.

1. A garantia legal de adequação de produtos e serviços é direito

potestativo do consumidor, assegurado em lei de ordem pública (arts.

1º, 24 e 25 do Código de Defesa do Consumidor).

2. A facilidade de constatação do vício e a durabilidade ou não

do produto ou serviço são os critérios adotados no Código de Defesa

do Consumidor para a fi xação do prazo decadencial de reclamação de

vícios aparentes ou de fácil constatação em produtos ou serviços.

3. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil

constatação caduca 30 (trinta), em se tratando de produto não durável,

e em 90 (noventa) dias, em se tratando de produto durável (art. 26,

incisos I e II, do CDC).

4. O início da contagem do prazo para os vícios aparentes ou de

fácil constatação é a entrega efetiva do produto (tradição) ou, no caso

Page 34: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

358

de serviços, o término da sua execução (art. 26, § 1º, do CDC), pois

a constatação da inadequação é verifi cável de plano a partir de um

exame superfi cial pelo “consumidor médio”.

5. A decadência é obstada pela reclamação comprovadamente

formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e

serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser

transmitida de forma inequívoca (art. 26, § 2º, inciso I, do CDC), o

que ocorreu no caso concreto.

6. O vestuário representa produto durável por natureza, porque

não se exaure no primeiro uso ou em pouco tempo após a aquisição,

levando certo tempo para se desgastar, mormente quando classifi cado

como artigo de luxo, a exemplo do vestido de noiva, que não tem uma

razão efêmera.

7. O bem durável é aquele fabricado para servir durante

determinado transcurso temporal, que variará conforme a qualidade

da mercadoria, os cuidados que lhe são emprestados pelo usuário,

o grau de utilização e o meio ambiente no qual inserido. Por outro

lado, os produtos “não duráveis” extinguem-se em um único ato de

consumo, porquanto imediato o seu desgaste.

8. Recurso provido para afastar a decadência, impondo-se o

retorno dos autos à instância de origem para a análise do mérito do

pedido como entender de direito.

ACÓRDÃO

A Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial,

nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi,

Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília (DF), 5 de novembro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator

DJe 14.11.2013

Page 35: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 359

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Trata-se de recurso especial

interposto com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição

Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito e Territórios assim

ementado:

Civil. Indenização por danos materiais e morais. Relação de consumo. Alegação

de entrega pelo fornecedor de vestuário - Vestido de noiva com defeito. Bem não

durável. Art. 26, I, do CDC. Decadência.

1 - Nos termos do art. 26, I, do CDC, o consumidor tem 30 dias para reclamar pelos

vícios aparentes ou de fácil constatação em se tratando de serviço ou de produto não

durável, sob pena de decair do direito de fazê-lo.

2 - Recurso não provido (e-STJ fl . 162 - grifou-se).

Na origem, Juliana Almeida e Araújo e Outra, ora recorrentes, ajuizaram

ação declaratória de inexistência de débito cumulada com indenização por

danos morais e materiais em desfavor de Casanova Trajes A Rigor e Promoções

S/C Ltda., sob a alegação de que a empresa foi contratada para confeccionar

um vestido de noiva, entregando mercadoria com inúmeros defeitos, diverso do

produto encomendado e de qualidade inferior à contratada.

As autoras aduziram na inicial que

(...) A primeira Autora, em razão do seu casamento realizado no dia 5.8.2006,

comprou da Ré, sob encomenda, um vestido de noiva branco em zibeline e renda

cashmere, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

O referido valor foi dividido em 6 (seis) parcelas, sendo a primeira de R$

2.000,00 (dois mil reais) e as restantes em R$ 1.600,00 (hum mil e seiscentos reais. E

o pagamento foi efetuado por intermédio de cheques emitidos pela segunda

Autora, mãe da primeira, todos com data de vencimento para o dia 15 de cada

mês, a partir de abril/2006 (doc. 02).

Chegando aqui, as Autoras foram obrigadas a contratar, urgentemente, um

respeitado estilista em Brasília - Sr. Paulo Araújo - para reparar e reformar o vestido,

especifi camente para substituir o tecido, aplicar plissé e refazer o acabamento em

todo o contorno da barra, conforme se vê da nota fi scal em anexo (...) Em suma,

diante da má qualidade do serviço prestado, as Autoras sustaram o pagamento

dos últimos cheques entregues à Ré, no valor total de R$ 3.200,00 (três mil e

duzentos reais) e desembolsaram R$ 3.900,00 (três mil e novecentos reais) para

reparar e deixar o vestido em perfeito estado (e-STJ fl . 6 - grifou-se).

Page 36: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

360

Afirmaram que na “última prova, dia 27.7.2006”, constataram graves

defeitos no vestido contratado, e, apesar da reclamação, não houve nenhum

reparo imediato, motivo pelo qual, após a cerimônia de casamento, notifi caram

formalmente a ré, em 21.8.2006, acerca dos alegados vícios. A contranotifi cação

da fornecedora, negando a existência de possíveis vícios, foi conhecida pelas

autoras em 31.8.2006, tendo sido a presente ação judicial proposta em 4.9.2006.

Ao final, requereram a procedência dos pedidos para ver declarada a

inexistência de crédito em favor da ré, a anulação dos dois últimos cheques

emitidos em pagamento dos serviços, a condenação da requerida ao pagamento

da quantia de R$ 700,00 (setecentos reais) a título de danos materiais ou,

subsidiariamente, ao pagamento de R$ 3.900,00 (três mil e novecentos reais),

caso não anulados os cheques sustados, bem como indenização por danos

morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada parte lesada (noiva e

mãe da noiva).

O juízo de primeira instância extinguiu o feito, com resolução do mérito,

por reconhecer a decadência do direito das autoras, com fulcro no art. 269, IV,

do Código de Processo Civil, em virtude da caducidade do direito pleiteado,

à luz do art. 26, inciso I, do CDC, que prevê o prazo de 30 (trinta) dias para

reclamação de vícios aparentes em produtos e serviços não duráveis, conclusão

que restou mantida pelo Tribunal de origem, nos termos da ementa já transcrita.

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ fl s. 181-185).

Nas razões do recurso especial alegam as recorrentes, em síntese, violação

dos seguintes dispositivos legais e suas respectivas teses:

(i) artigo 535, do Código de Processo Civil, por ausência de negativa

jurisdicional;

(ii) artigo 26, incisos I e II, do Código de Defesa do Consumidor,

sustentando que artigo de vestuário não se enquadra na classifi cação de bem não

durável, tido como aquele que se extingue pelo mero uso, situação incompatível

com a descrita nos autos, que versa sobre defeitos ocasionados em um vestido

de noiva, bem durável por natureza. Assim, incidiria, no caso concreto, o prazo

decadencial de 90 (noventa) dias, não havendo falar em caducidade;

(iii) artigo 26, § 2º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor,

alegando que a notifi cação extrajudicial que encaminharam à recorrida obstaria,

de todo modo, o curso do prazo decadencial - que não se confundiria com causa

suspensiva. E, concluem, que o direito de agir somente surgiria no momento

Page 37: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 361

do recebimento da contranotifi cação da ré, ou seja, com a expressa negativa da

recorrida em solucionar o problema, restando afastada, de um modo ou de outro,

a decadência.

Sem as contrarrazões, e admitido o recurso especial, ascenderam os autos a

esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): O recurso merece

prosperar.

Quanto à alegada violação do art. 535 do Código de Processo Civil, ao que

se tem, o Tribunal de origem motivou adequadamente sua decisão, solucionando

a controvérsia com a aplicação do direito que entendeu cabível à hipótese. Não

há falar, portanto, em negativa de prestação jurisdicional apenas pelo fato de o

acórdão recorrido ter decidido em sentido contrário à pretensão da parte.

No mérito, assiste razão às recorrentes.

Como se sabe, a garantia legal de adequação de produtos e serviços é

direito potestativo do consumidor, porquanto assegurado em lei de ordem

pública (arts. 1º, 24 e 25 do Código de Defesa do Consumidor.

A professora Cláudia Lima Marques, ao mencionar o regime jurídico dos

vícios no Código de Defesa do Consumidor, afi rma que “o novo dever legal

afasta a incidência das normas ordinárias sobre vício redibitório, assim como

o dever legal de informar e cooperar afasta as normas ordinárias sobre o erro.

O vício, enquanto instituto do chamado direito do consumidor, é mais amplo e seu

regime mais objetivo: não basta a simples qualidade média do produto, é necessária a

sua adequação objetiva, a possibilidade de que aquele bem satisfaça a confi ança que o

consumidor nele depositou, sendo o vício oculto ou aparente. Da mesma maneira, os

legitimados passivamente, isto é, os responsáveis, são agora todos os fornecedores

envolvidos na produção e não só o cocontratante”. (Comentários ao Código de

Defesa do Consumidor - Editora Revista dos Tribunais, 3ª Edição - art. 18 - p.

483 - grifou-se)

A facilidade de constatação do vício e a durabilidade ou não do produto ou

serviço representam no Código de Defesa do Consumidor os critérios legais

para a fi xação do prazo decadencial para reclamação de vícios aparentes ou de

Page 38: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

362

fácil constatação. Assim, se o produto for durável, o prazo será de 90 (noventa)

dias, caso contrário, se não durável, o prazo será de 30 (trinta) dias, como se vê

da literalidade do seguinte dispositivo:

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação

caduca em:

I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não

duráveis;

II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos

duráveis.

§ 1º Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do

produto ou do término da execução dos serviços.

§ 2º Obstam a decadência:

I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o

fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que

deve ser transmitida de forma inequívoca;

II - (Vetado).

III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

§ 3º Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em

que fi car evidenciado o defeito.

O acórdão recorrido, ao valorar as premissas fáticas postas nos autos,

assentou que o vestuário teria natureza de bem não durável, motivo pelo qual

aplicou o prazo decadencial de 30 (trinta) dias previsto no art. 26, inciso

I, do CDC, extinguindo o feito com resolução do mérito por terem sido

ultrapassados 4 (quatro) dias daquele prazo, como se afere da fundamentação

que ora se transcreve:

(...) Todavia, todos os bens, sejam duráveis ou não, se extinguem com o

uso, mesmo que seja a longo prazo. Tal classificação, que não está explícita

na legislação, mas fora elaborada pela jurisprudência, estabelece os lindes da

questão, adotando o entendimento de que o vestuário se subsume à categoria de

bem não durável, embora, por certo, não se possa falar em extinção imediata da

coisa.(...) Nessa linha de entendimento, adotando o critério de ser o vestuário produto

não durável, mormente em se tratando de vestido de noiva cujo uso se extingue

com a realização da cerimônia e sendo a autora consumidora final do produto,

não havendo falar portanto em reutilização do vestido, correto o entendimento

monocrático no sentido de ter ocorrido a decadência: “Neste contexto fático-legal,

tem-se evidenciada a caducidade do direito vindicado na presente ação, mesmo

a se considerar a notifi cação encaminhada pelas autoras como causa suspensiva

Page 39: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 363

do curso do prazo decadencial, reiniciando, por sua vez, após a contra-notifi cação

conhecida pelas autoras em 31.8.2006” (fl . 122), haja vista o determinado pelo art.

26, I do CDC (e-STJ fl . 165 - grifou-se).

Tal conclusão, contudo, não se sustenta no ordenamento pátrio.

Entende-se por produto durável aquele que, como o próprio nome

consigna, não se extingue pelo uso, levando certo tempo para se desgastar. Ao

consumidor é facultada a utilização do bem conforme sua vontade e necessidade,

sem, todavia, se olvidar que nenhum produto é eterno, pois, de um modo ou de outro,

todos os bens tendem a um fi m material em algum momento, já que sua existência está

atrelada à sua vida útil.

O aspecto de durabilidade do bem impõe reconhecer que um dia todo

bem perderá sua função, deixando de atender à fi nalidade à qual um dia se

destinou. O bem durável é aquele fabricado para servir durante determinado

tempo, que variará conforme a qualidade da mercadoria, os cuidados que lhe

são emprestados pelo usuário, o grau de utilização e o meio ambiente no qual

inserido. Portanto, natural que um terno, um eletrodoméstico, um automóvel ou

até mesmo um livro, à evidência exemplos de produtos duráveis, se desgastem

com o tempo, já que a fi nitude, é de certo modo, inerente a todo bem.

Por outro lado, os produtos não duráveis, tais como alimentos, os remédios

e combustíveis, em regra in natura, fi ndam com o mero uso, extinguindo-se em

um único ato de consumo. O desgaste é, por consequência, imediato.

Na hipótese dos autos, há que se reconhecer que o bem em objeto de análise

é um vestido de noiva, incluído na classifi cação de bem de uso especial, tidos

como “aqueles bens de consumo com características singulares e/ou identifi cação

de marca, para os quais um grupo signifi cante de compradores está habitualmente

desejoso e disposto a fazer um especial esforço de compra (exemplos: marcas e

tipos específi cos de artigos de luxo, peças para aparelhos de alta fi delidade,

equipamento fotográfi co”. ( José Geraldo Brito Filomeno, Manual de Direitos

do Consumidor, 10ª Edição, São Paulo, Editora Atlas S.A., 2010, p. 47)

Logo, o vestuário, mormente um vestido de noiva, é um bem “durável”, pois

não se extingue pelo mero uso. Aliás, é notório que por seu valor sentimental

há quem o guarde para a posteridade, muitas vezes com a fi nalidade de vê-lo

reutilizado em cerimônias de casamento por familiares (fi lhas, netas e bisnetas)

de uma mesma estirpe.

Por outro lado, há pessoas que o mantém como lembrança da escolha de

vida e da emoção vivenciada no momento do enlace amoroso, enquanto há

Page 40: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

364

aquelas que guardam o vestido de noiva para uma possível reforma, seja por

meio de aproveitamento do material (normalmente valioso), do tingimento da

roupa (cujo tecido, em regra, é de alta qualidade) ou, ainda, para extrair lucro

econômico, por meio de aluguel (negócio rentável e comum atualmente).

Desse modo, o vestido de noiva jamais se enquadraria como bem não

durável, porquanto não consumível, tendo em vista não se exaurir no primeiro

uso ou em pouco tempo após a aquisição, para consignar o óbvio. Aliás, como

claramente se percebe, a depender da vontade da consumidora, o vestido de

noiva, vestimenta como outra qualquer, sobreviverá a muitos usos.

Com efeito, o desgaste de uma roupa não ocorre em breve espaço de tempo,

em especial quando cediço que um dos elementos estimuladores do consumo é

a qualidade da roupa. Não é inapropriado dizer que muitas vezes há roupas mais

duradouras que produtos eletroeletrônicos (também considerados duráveis) e,

não por outro motivo, as roupas, em geral, possuem instruções de uso e lavagem

a fi m de lhe permitir longa vida útil, ou seja, maior durabilidade. De fato, tanto

as roupas são bens considerados duráveis que, não raro, são objeto de doações,

pois, mesmo já gastas ainda preservam o estado de uso, em especial para aqueles

com menor capacidade econômica, o que deve ser sempre estimulado em um

país cuja miserabilidade cresce a cada dia.

Ademais, é inegável existirem roupas que têm valor sentimental

incomensurável por terem pertencido a membros da família, muitos já falecidos,

ou ainda, por terem sido adquiridas na infância.

No particular, impõe-se reconhecer que todo produto possui uma “vida

útil”. Todavia, o produto durável não tem uma vida efêmera, muito “embora não

se exija que seja prolongada, na medida em que é do próprio capitalismo que

vivemos que cedo ou tarde todos e qualquer produto ou serviço seja substituído

por uma nova aquisição que venha alimentar o ciclo de consumo”. (Caio

Augusto Silva Santos e Paulo Henrique Silva Godoy, em obra Coordenada por

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, O Novo Código Civil – Interfaces

no Ordenamento Jurídico Brasileiro – Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2004,

p. 99)

Registre-se, por oportuno, os inúmeros exemplos de resistência ao tempo

das roupas, citando-se, a título ilustrativo: o manto do imperador D. Pedro II,

até hoje peça das mais apreciadas do acervo do Museu Imperial de Petrópolis-

RJ; os vestidos de Carmen Miranda, expostos, inclusive, no Museu de Arte

Moderna do Rio de Janeiro (MAM); as vestimentas ofi ciais do ex-Presidente

Page 41: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 365

Juscelino Kubitschek mantidas no Museu do Catetinho, em Brasília-DF, e,

ainda, as vestes intactas do Papa João XXIII, cujo corpo está em exposição

permanente em um sarcófago de vidro na Basílica de São Pedro no Vaticano.

Em consequência, o prazo decadencial incidente no caso em apreço é o

aplicável aos bens duráveis, qual seja, o de 90 (noventa) dias, versando hipótese

de vício aparente ou de fácil constatação na data da entrega (tradição), conhecido

como aquele que não exige do consumidor médio nenhum conhecimento

especializado ou apreciação técnica (perícia), por decorrer de análise superfi cial

do produto (simples visualização ou uso), cuja constatação é verifi cável de plano,

a partir de um simples exame do bem ou serviço, por mera experimentação ou

por “saltar aos olhos” ostensivamente sua inadequação.

Por outro lado, o CDC estabelece que o prazo decadencial se inicia a partir

da entrega efetiva do produto ou do término da execução do serviço (art. 26, §

1º, do CDC), diferentemente dos vícios ocultos, em que o prazo começa a partir

de sua manifestação (art. 26, §§ 1º e 3º do CDC).

Alegam as autoras que o vestido de noiva entregue não estava em perfeito

estado de uso, nem mesmo representava o modelo previamente combinado

pelas partes, frustrando as justas expectativas da consumidora às vésperas do

evento. Desse modo, por apresentar defeitos substanciais de confecção, precisou

buscar outro profi ssional para realizar os consertos indispensáveis à utilização da

roupa pela noiva na cerimônia de casamento. Dentre os defeitos alegados pelas

autoras, destacam-se: “o decote foi abaixado, a frente do vestido foi trocada, o

forro foi todo trocado, foi usado outro véu, foi colocado cetim sem costura, o

babado foi adaptado, alguns tecidos foram trocados (estavam do lado avesso),

entre outras alterações” (e-STJ fl . 7)

São irrefutáveis a angústia e a frustração de qualquer pessoa que contrate

um vestido para uma ocasião especial, tal como o dia da cerimônia do casamento,

cujos preparativos permeiam expectativas e sonhos das partes envolvidas,

inclusive de familiares e amigos.

A situação de inadequação que desafi a a responsabilidade por vícios do

produto ou serviço apta a merecer reparos pode se referir tanto à quantidade

como à qualidade da mercadoria cuja utilização se reputa imprópria ao consumo,

estando estampadas nos artigos 18 a 25 do Código de Defesa do Consumidor

as alternativas de substituição do produto, o abatimento proporcional do preço,

a reexecução do serviço, ou até mesmo a resolução do contrato, com a restituição

do preço.

Page 42: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

366

A tradição da mercadoria defeituosa foi realizada uma semana antes do

matrimônio, afi rmando as recorrentes que o resultado do objeto do contratado

violou a garantia legal de adequação inerente a qualquer produto posto no

mercado, deixando de satisfazer a necessidade do destinatário fi nal, o consumidor

(art. 24 do CDC), o que deve ser demonstrado na instrução do feito.

Saliente-se que tal insurgência há de ser exercida dentro dos exíguos

prazos previstos no CDC (art. 26, incs. I e II). No caso, as autoras insurgiram-se

tempestivamente, motivo pelo qual não merece guarida a tese da decadência.

Esta Corte já teve a oportunidade de se manifestar sobre a incidência dos

prazos decadenciais nas hipóteses de produtos duráveis e não duráveis, que são

distintos no Código de Defesa do Consumidor, como se vê da seguinte ementa:

Direito do Consumidor. Ação de preceito cominatório. Substituição de

mobiliário entregue com defeito. Vício aparente. Bem durável. Ocorrência de

decadência. Prazo de noventa dias. Art. 26, II, da Lei n. 8.078/1990. Doutrina.

Precedente da Turma. Recurso provido.

I - Existindo vício aparente, de fácil constatação no produto, não há que se falar

em prescrição quinquenal, mas, sim, em decadência do direito do consumidor de

reclamar pela desconformidade do pactuado, incidindo o art. 26 do Código de Defesa

do Consumidor.

II - O art. 27 do mesmo diploma legal cuida somente das hipóteses em que

estão presentes vícios de qualidade do produto por insegurança, ou seja, casos em

que produto traz um vicio intrínseco que potencializa um acidente de consumo,

sujeitando-se o consumidor a um perigo iminente.

III - Entende-se por produtos não-duráveis aqueles que se exaurem no

primeiro uso ou logo após sua aquisição, enquanto que os duráveis, defi nidos

por exclusão, seriam aqueles de vida útil não-efêmera (REsp n. 114.473-RJ, Rel.

Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 24.3.1997, DJ

5.5.1997 - grifou-se).

Em outra oportunidade, a Ministra Fátima Nancy Andrighi, em

laborioso voto, sintetizou, de forma didática, as regras do CDC ora em estudo,

reconhecendo o direito do consumidor de exigir, dentro do prazo legal, a

superação de eventuais vícios de qualidade ou quantidade, bem como que a

garantia legal de adequação não afasta nem confl ita com a garantia contratual

eventualmente pactuada entre as partes:

Consumidor. Responsabilidade pelo fato ou vício do produto. Distinção. Direito

de reclamar. Prazos. Vício de adequação. Prazo decadencial. Defeito de segurança.

Page 43: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 367

Prazo prescricional. Garantia legal e prazo de reclamação. Distinção. Garantia

contratual. Aplicação, por analogia, dos prazos de reclamação atinentes à garantia

legal.

- No sistema do CDC, a responsabilidade pela qualidade biparte-se na exigência

de adequação e segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar dos

produtos e serviços. Nesse contexto, fi xa, de um lado, a responsabilidade pelo

fato do produto ou do serviço, que compreende os defeitos de segurança; e de

outro, a responsabilidade por vício do produto ou do serviço, que abrange os

vícios por inadequação.

- Observada a classifi cação utilizada pelo CDC, um produto ou serviço apresentará

vício de adequação sempre que não corresponder à legítima expectativa do

consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a desconformidade

do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade. Outrossim, um produto

ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à

expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de adicionar riscos

à sua incolumidade ou de terceiros.

- O CDC apresenta duas regras distintas para regular o direito de reclamar,

conforme se trate de vício de adequação ou defeito de segurança. Na primeira

hipótese, os prazos para reclamação são decadenciais, nos termos do art. 26 do

CDC, sendo de 30 (trinta) dias para produto ou serviço não durável e de 90 (noventa)

dias para produto ou serviço durável, ambos os prazos contadas da entrega efetiva

do produto ou do término da execução do serviço. A pretensão à reparação pelos

danos causados por fato do produto ou serviço vem regulada no art. 27 do CDC,

prescrevendo em 05 (cinco) anos.

- A garantia legal é obrigatória, dela não podendo se esquivar o fornecedor.

Paralelamente a ela, porém, pode o fornecedor oferecer uma garantia contratual,

alargando o prazo ou o alcance da garantia legal.

- A lei não fi xa expressamente um prazo de garantia legal. O que há é prazo para

reclamar contra o descumprimento dessa garantia, o qual, em se tratando de vício de

adequação, está previsto no art. 26 do CDC, sendo de 90 (noventa) ou 30 (trinta) dias,

conforme seja produto ou serviço durável ou não.

- Diferentemente do que ocorre com a garantia legal contra vícios de

adequação, cujos prazos de reclamação estão contidos no art. 26 do CDC,

a lei não estabelece prazo de reclamação para a garantia contratual. Nessas

condições, uma interpretação teleológica e sistemática do CDC permite integrar

analogicamente a regra relativa à garantia contratual, estendendo-lhe os prazos

de reclamação atinentes à garantia legal, ou seja, a partir do término da garantia

contratual, o consumidor terá 30 (bens não duráveis) ou 90 (bens duráveis) dias

para reclamar por vícios de adequação surgidos no decorrer do período desta

garantia. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 967.623-RJ, julgado em

16.4.2009, DJe 29.6.2009 - grifou-se).

Page 44: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

368

Extrai-se dos autos que a última prova do vestido ocorreu no dia 27.7.2006,

quando o vestido supostamente danifi cado foi entregue às consumidoras, tendo

a empresa recorrida sido notifi cada extrajudicialmente dos alegados vícios em

21.8.2006. Por sua vez, as autoras foram cientifi cadas da contranotifi cação em

31.8.2006, tendo sido a presente ação judicial proposta em 4.9.2006.

Como se vê, qualquer que seja a interpretação que se confi ra ao verbo

obstar constante do art. 26 do CDC, no presente caso não há falar em

decadência, porquanto não transcorrido o prazo de 90 (noventa) dias. Portanto,

independentemente de se reconhecer a suspensão ou a interrupção da noventena

legal, o prazo foi efetivamente “obstado” pela reclamação formalizada pela

notifi cação extrajudicial da recorrida.

Consigne-se que a reclamação deve ser comprovada pelo consumidor

para que possa se valer do benefício, não exigindo a lei meios específi cos para

tanto. Segundo Héctor Valverde Santana, “não há uma forma preestabelecida para

realizar a reclamação. Efetivamente, pode o consumidor, ou quem o represente

legalmente, apresentar sua reclamação perante o fornecedor por todos os meios

possíveis, seja verbal, pessoalmente ou por telefone, nos Serviços de Atendimento ao

Cliente (SAC), por escrito, mediante instrumento enviado pelo cartório de títulos e

documentos, carta registrada ou simples, encaminhada pelo serviço postal ou entregue

diretamente pelo consumidor, e-mail, fax, dentre outros” (Prescrição e Decadência

nas Relações de Consumo, São Paulo, RT, 2002, p. 128).

É recomendável que a reclamação “seja documentada (carta com aviso

de recebimento - AR), podendo ser feita junto a qualquer fornecedor que,

de alguma forma, interveio na cadeia de consumo e tenha se benefi ciado da

venda (produtor, comerciante, importador, fabricante), não havendo na lei

qualquer ressalva a respeito”. (Fábio Henrique Podestá, Código de Defesa do

Consumidor Comentado, Editora Revista dos Tribunais, p. 171)

Contudo, esta Corte já se manifestou no sentido de que “a reclamação verbal

seria sufi ciente a obstar os efeitos da causa extintiva (decadência) se efetivamente

comprovada” (REsp n. 156.760-SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta

Turma, julgado em 4.3.2004, DJ 22.3.2004 - grifou-se), desde que direcionada

à quem interessa, já que “não obsta a decadência a simples denúncia oferecida

oferecida ao Procon, sem que se formule pretensão, e para a qual não há cogitar

de resposta” (REsp n. 65.498-SP, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, Terceira

Turma, julgado em 11.11.1996, DJ 16.12.1996).

Page 45: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 369

No tocante à controvérsia doutrinária acerca do real significado da

expressão “obstam a decadência” (art. 26, § 2º do CDC) a melhor doutrina

assegura maior amplitude à tutela dos consumidores, cuja hipossufi ciência, em

regra, norteia as opções do legislador.

Portanto, assiste razão àqueles que entendem que o termo “obstar” versa

sobre uma modalidade de interrupção do prazo decadencial, a exemplo de

Cláudia Lima Marques, Luiz Edson Fachin, Luiz Daniel Pereira Cintra e

Odete Novais Carneiro Queiroz, já que o prazo anterior seria desconsiderado,

benefi ciando, sobremaneira, o consumidor, que disporia novamente do prazo

por completo para exercitar seu direito.

Nesse sentido, Rizzatto Nunes observa que “a inserção do termo ‘obstam’

foi justamente para ‘fugir da discussão – especialmente doutrinária – a respeito

da possibilidade ou não de que um prazo decadencial pudesse suspender-se ou

não, interromper-se ou não, o legislador, inteligentemente, lançou mão do verbo

‘obstar’”. (Curso de Direito do Consumidor, Editora Saraiva, São Paulo, 2005,

p. 368)

A propósito, Héctor Valverde Santana apresenta forte argumento em favor

da tese da interrupção, como salientado por Leonardo de Medeiros Garcia:

(...) Segundo o autor, o parágrafo único do art. 27 do CDC foi vetado pelo

Presidente da República por reconhecer nele grave defeito de formulação. O

dispositivo censurado dizia que seria interrompida a prescrição nas hipóteses

do § 1º do art. 26 do CDC (houve um erro de remissão, já que pretendia se referir

às causas obstativas do § 2º do art. 26 do CDC). (Direito do Consumidor, Editora

Impetus, Niterói, RJ, 2008, p. 167)

Não se olvida, ademais, que a interpretação que entende como suspensão,

por ser mais prejudicial aos consumidores, deve ser descartada, como

acertadamente aponta lição do Ministro Herman Benjamin:

(...) Em que pese a difi culdade que a matéria comporta, a melhor posição,

considerando a finalidade de proteção ao consumidor, e que os prazos

decadenciais do CDC são bastante exíguos, é no sentido de se reiniciar a

contagem dos prazos decadenciais a partir da resposta negativa do fornecedor

(incido I) ou da data em que se promove o encerramento do inquérito civil (inciso

III). Obstar, portanto, tem o sentido de invalidar o prazo já transcorrido, o que se

assemelha ou se aproxima das hipótese de interrupção. (Manual de direito do

consumidor, Revista dos Tribunais, 2008, p. 165)

Page 46: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

370

Dessa forma, afasto as conclusões do juízo de primeira instância, mantidas

pelo Tribunal de origem, de que,

(...) Neste contexto, fático-legal, tem-se evidenciada a caducidade do direito

vindicado na presente ação, mesmo a se considerar a notifi cação encaminhada

pelas autoras como causa suspensiva do curso do prazo decadencial, reiniciado, por

sua vez, após a contra-notifi cação conhecida pelas autoras em 31.8.2006.

Conforme elucida o Eminente Juiz de Direito James Eduardo de Moraes de

Oliveira, em seu Código de Defesa do Consumidor, Ed Atlas 2005, “A reclamação

formulada pelo consumidor acerca dos vícios constatados no produto ou no

serviço e o inquérito civil instaurado pelo Ministério Público constituem causas

suspensivas - e não interruptivas - da decadência. Isso signifi ca que, uma vez

expirada a causa obstativa, o prazo decadencial retoma seu curso até alcançar

os 30 ou 90 dias previstos no caput do art. 26”. Na verdade, com o reinício da

contagem do prazo mencionado, as autoras ajuizaram a demanda em 8.9.2006,

portanto, a destempo vez que o prazo fatal terminou em 4.9.2006 (...) (e-STJ fl s.

124-126 - grifou-se).

Desse modo, afasto a decadência do direito potestativo de reclamar os

eventuais vícios do vestido de noiva, reputado impróprio ao uso (arts. 18, § 6º,

e 20, § 2º, do CDC), equivocadamente declarada pelo Tribunal de origem, por

incidir, no caso concreto, o prazo de 90 (noventa) dias pertinentes aos “bens

duráveis”, nos termos do art. 26, inciso II, do CDC.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial e determino o retorno

dos autos às instâncias de origem, para que analise o mérito do pedido de

indenização material e moral como entender de direito.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.191.612-PA (2010/0078010-9)

Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Recorrente: Sociedade Civil Instituto Vera Cruz

Advogado: Marcelo Augusto Teixeira de Brito Nobre e outro(s)

Recorrido: Associação Universitária Interamericana

Advogado: Haroldo Guilherme Pinheiro da Silva e outro(s)

Page 47: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 371

EMENTA

Recurso especial. Direito Marcário. Colidência entre nome

empresarial e marca. Nome empresarial. Proteção no âmbito do

Estado em que registrado. Princípio da anterioridade do registro no

INPI. Mitigação pelos princípios da territorialidade e da especialidade.

Recurso especial provido.

1 - Confl ito em torno da utilização da marca “Vera Cruz” entre

a empresa sediada em São Paulo que a registrou no INPI em 1986 e a

sociedade civil que utiliza essa denominação em seu nome empresarial

devidamente registrado na Junta Comercial do Estado do Pará desde

1957.

2 - Peculiaridade da colidência estabelecida entre a marca

registrado no INPI e o nome empresarial registrado anteriormente na

Junta Comercial competente.

3 - Aferição da colidência não apenas com base no critério da

anterioridade do registro no NPI, mas também pelos princípios da

territorialidade e da especialidade.

4 - Precedentes específi cos desta Corte, especialmente o acórdão

no Recurso Especial n. 1.232.658-SP (Rel. Ministra Nancy Andrighi,

Terceira Turma, julgado em 12.6.2012, DJe 25.10.2012): “Para a

aferição de eventual colidência entre marca e signos distintivos

sujeitos a outras modalidades de proteção - como o nome empresarial

e o título de estabelecimento - não é possível restringir-se à análise do

critério da anterioridade, mas deve também se levar em consideração

os princípios da territorialidade e da especialidade, como corolário da

necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários”.

5 - Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, A

Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas

Cueva, Nancy Andrighi e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Page 48: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

372

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília (DF), 22 de outubro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator

DJe 28.10.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Trata-se de recurso especial

interposto por Sociedade Civil Instituto Vera Cruz com fundamento no artigo 105,

inciso III, alíneas a e c da Constituição da República contra acórdão proferido

pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que restou assim ementado (fl . 282):

Processual Civil. Apelação cível. Propriedade e registro de marca. Princípio da

anterioridade. Direito adquirido, ato jurídico perfeito e segurança jurídica.

I Apelada utilizava marca desde 1957, mas nunca requereu no órgão

competente o respectivo registro;

II Apelante tem registro de propriedade da marca em questão desde 1979,

circunstância que não foi impugnada pela recorrente;

III Notifi cação extrajudicial entregue à recorrida datada de 1993.

IV Decurso in albis do prazo para apelada impugnar o registro requerido pela

recorrente. Registro válido. Utilização indevida. Indenização cabível. Decisão

Unânime.

Opostos embargos de declaração, estes restaram rejeitados nos seguintes

termos (fl . 324):

Processual Civil Embargos de declaração Conhecimento e parcial provimento

para efeitos aclaratórios

I Os embargos declaratórios não devem ser utilizados para rediscussão de

matéria já abordada na decisão embargada;

II Conhecimento do recurso, já que presentes os pressupostos de

admissibilidade;

III Parcial provimento em mero efeito aclaratório, acatando a sugestão do voto-

vista da lavra da Exma. Desembargadora Maria de Nazaré Saavedra Guimarães;

IV Unânime.

Page 49: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 373

Consta dos autos que Associação Universitária Interamericana ajuizou ação

ordinária de abstenção de uso de marca c.c. perdas e danos em desfavor de

Sociedade Civil Instituto Vera Cruz.

O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido formulado na

petição inicial, condenando a autora ao pagamento das custas e honorários

advocatícios.

Interposta apelação, o Tribunal de origem deu provimento ao recurso

para determinar a cessação do uso da marca pela requerida e o pagamento de

indenização a ser calculada por meio de liquidação, conforme a ementa retro

transcrita.

No presente recurso especial, o recorrente sustentou violação dos art. 8º

do Decreto n. 5.772/1975 e do art. 59 da Lei n. 5.772/1971, além de dissídio

jurisprudencial.

Asseverou que tanto o registro da marca no Instituto Nacional de

Propriedade Industrial - INPI quanto o registro do nome comercial na Junta

Comercial competente asseguram proteção ao seu titular e que, na hipótese de

confl ito de registros, prevalece o realizado em primeiro lugar.

Aduziu que a jurisprudência desta Corte é fi rme no sentido de que não

há ilícito e nem dever de indenizar quando o nome comercial foi registrado na

Junta Comercial em momento anterior ao registro da marca perante o INPI.

Requereu o provimento do recurso especial.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Eminentes Colegas,

o recurso especial merece guarida.

Inicialmente, vejamos o que asseverou o Tribunal de Justiça paraense

quando do julgamento do recurso de apelação (fl s. 284-289):

(...)

A Associação autora possui propriedade industrial da marca Vera Cruz desde

1986, conforme documentos acostados aos autos e, em 1993, foi feita notifi cação

extrajudicial para que o Colégio Vera Cruz se abstivesse da utilização da referida

marca. Ocorre que, consoante prova dos autos, o Colégio Vera Cruz não se

manifestou sobre a notifi cação e continuou a utilizar a marca.

Page 50: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

374

Em 1986, a legislação vigente (Lei n. 5.772/1971) determinava:

Art. 59. Será garantida no território nacional a propriedade da marca e o

seu uso exclusivo aquele que obtiver o registro de acordo com o presente

Código, para distinguir seus produtos, mercadorias ou serviços, de outros

idênticos ou semelhantes, na classe correspondente à sua atividade.

Parágrafo único. A proteção de que trata este artigo abrange o uso da

marca em papéis, impressos e documentos relativos à atividade do titular.

(SIC)

Art. 64. São registráveis como marca os nomes, palavras, denominações,

monogramas, emblemas, símbolos, figuras e quaisquer outros sinais

distintivos que não apresentem anterioridades ou colidências com registros

já existentes e que não estejam compreendidos nas proibições legais. (SIC)

Restou claro que o pleito da inicial é referente à marca registrada Vera Cruz

e não ao nome comercial utilizado pela instituição de ensino paraense. No que

concerne a esse assunto, importante diferenciar os institutos.

Conforme defi nição da Lei n. 9.279/1996, marca é o designativo que identifi ca

produtos e serviços, não se confundindo com o nome empresarial ou comercial,

que designa, por sua vez, o empresário e o título do estabelecimento, referido ao

local da atividade econômica, ou seja, o nome jurídico da personalidade jurídica

da empresa, de forma a identificar o sujeito que exerce o comércio. (http://

www.carula.hpg.ig.com.br/comercial2.htmlhttp://www.carula.hpg.ig.com.br/

comercial2.html).

Nesse diapasão, a discussão é a utilização da marca Vera Cruz, pelo

estabelecimento comercial paraense, em produtos como uniformes escolares, livros,

apostilas, etc., já que permitiria a confusão entre as empresas que, inclusive, estão

no mesmo ramo comercial. Analisando a situação por esse aspecto, é visível a

probabilidade de confusão.

Constam dos autos documentos comprobatórios do registro no Instituto

Nacional de Propriedade Industrial da marca Vera Cruz pela apelante. Além disso,

restou provado que o Colégio Vera Cruz, apelado, foi fundado em 1957, ou seja,

em data anterior ao registro da marca. E, por fi m, as provas concluem, pelo laudo

pericial, que a recorrida reproduz total e intencionalmente a marca registrada

pela recorrente.

Se levarmos em consideração o sistema utilizado no Brasil, o atributivo,

a prioridade é estabelecida pela data do depósito no órgão público competente.

Acontece que, existem exceções a essa regra, utilizando-se o sistema declarativo, que

tem em conta a utilização para aquisição da propriedade.

(...)

Page 51: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 375

Assim sendo, pelo exposto, a propriedade da marca em questão seria de direito

do Colégio Vera Cruz, quem primeiro utilizou o termo para designar seus serviços e

materiais.

Deve-se, entretanto, aplicar princípios legais, como direito adquirido, prescrição e

ato jurídico perfeito, com o fi to de garantir a segurança jurídica do ordenamento. Em

virtude disso, determina-se limite temporal à preferência citada no artigo supra

transcrito. Assim, a partir da ciência, pelo primeiro usuário da marca, de que esta

é utilizada por outrem, devem ser tomadas providências no sentido de garantir

seu direito com base na anterioridade de uso. Esse prazo é contado de formas

diferentes por correntes doutrinárias divergentes:

(...)

Percebe-se, com isso, que o sistema pátrio protege o direito de precedência,

desde que respeitados os prazos legais, afi nal de contas o direito também deve

primar pela segurança jurídica, garantindo os princípios constitucionais do ato

jurídico perfeito e do direito adquirido.

In casu, a apelada foi fundada com o nome Vera Cruz em 1957, porém, data de

1979, o primeiro registro do INPI em nome de empresa que foi incorporada pela

apelante. E somente em 1993 a apelada foi notifi cada pelo uso irregular de marca

pertencente a outrem, não tomando providências a respeito.

Considerando a legislação vigente à época, qual seja, o Código de 1971,

sublinha-se a jurisprudência abaixo transcrita:

Marca. Registro. Promovido junto ao INPI. Prevalência sobre a “utilização

prolongada”. Decorrente da adoção do nome comercial. Marca e nome

submetidos a regimes jurídicos diversos.

- (...)

- Pelo sistema adotado pela legislação brasileira, afastou-se o

prevalecimento do regime da “ocupação” ou da “utilização prolongada”

como meio aquisitivo de propriedade da marca. O registro no INPI é

quem confere eficácia erga omnes, atribuindo àquele que o promoveu

a propriedade e o uso exclusivo da marca. Precedentes do STJ. Recurso

especial conhecido e provido parcialmente. (STJ, Quarta Turma, Recurso

Especial n. 52.106-SP, Relator: Barros Monteiro, data do julgamento:

17.8.1999).

Pelo exposto, levando em conta o lapso temporal decorrido e a legislação

vigente, restou clara a ausência de direito da apelada em requerer registro da

marca Vera Cruz, já devidamente registrada pela recorrente. Deve, portanto,

ser reformada a sentença no sentido de dar provimento a ação proposta,

determinando a cessação de utilização, pela recorrida, da marca em questão e,

ainda, o pagamento da indenização equivalente, a ser calculada conforme artigos

41, 44 e 208 da Lei n. 9.279/1996, por meio de liquidação. (grifei)

Page 52: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

376

Verifi ca-se, assim, do trecho do acórdão recorrido destacado, que o Tribunal

de origem entendeu que, não obstante a Sociedade Civil Instituto Vera Cruz

(nome de fantasia Colégio Vera Cruz e Escolinha Vera Cruz) estar registrada

desde o ano de 1957, este uso não lhe atribuiu a propriedade da marca, sob os

fundamentos de que a parte adversa levou a efeito o registro da marca no INPI

em 1986 e que, apesar de notifi cada em 1993, a recorrente restou silente.

Por sua vez, a recorrente vergasta o decisum recorrido com arrimo em

dois argumentos. Inicialmente, a ocorrência de divergência jurisprudencial,

demonstrando dissídio do acórdão recorrido com dois precedentes desta Corte

que julga favoráveis a tese por ela defendida, quais sejam, Recurso Especial n.

306.363-SC, de Relatoria do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira e o Recurso

Especial n. 67.173-PE, de relatoria do Min. Costa Leite.

Por fi m, sustenta a violação das normas do art. 8º do Decreto n. 5.772/1975

e do art. 59 da Lei n. 5.772/1971, ao argumento de que a legislação acima

indicada protege o nome comercial, ainda que não registrado.

Dessa forma, a matéria posta nos presentes autos, cinge-se em determinar

se o registro anterior do nome empresarial garante o direito de uso da expressão

“Vera Cruz” pela recorrente em seus produtos (uniformes escolares, livros e

apostilas) em desfavor da recorrida que realizou o registro da marca junto ao

INPI.

A questão, portanto, é peculiar, não versando acerca do confl ito entre

marcas ou da colidência entre nomes empresariais, matérias já exaustivamente

debatidas por esta Corte.

Assim, para melhor análise da questão controvertida, necessário se faz uma

breve análise dos institutos em debate.

Inicialmente, destaca-se que a lei defi ne como marca “os sinais distintivos

visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais” (art. 122

da Lei de Propriedade Industrial). O detentor da marca possui a prerrogativa

de utilizá-la, com exclusividade, no âmbito de sua especialidade, em todo o

território nacional pelo prazo de duração do registro no INPI.

Por sua vez, o nome comercial consiste na expressão que identifi ca o

empresário em suas relações jurídicas, ou seja, no âmbito do exercício da

atividade empresarial.

O art. 1.155, caput, do Código Civil estabelece textualmente que “considera-

se nome empresarial a fi rma ou a denominação adotada, de conformidade com

este Capítulo, para o exercício de empresa.”

Page 53: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 377

Ainda em relação ao nome empresarial, é cediço que, desde o Decreto-

Lei n. 7.903/1945 (Código de Propriedade Industrial), passando pelas Leis

n. 4.726/1965 e 8.934/1994, predomina a orientação de que a proteção do

nome comercial se circunscreve à unidade federativa de competência da Junta

Comercial em que arquivado, podendo ser estendida a todo o território nacional

apenas se, à época de vigência do Decreto-Lei n. 7.903/1945, fosse feito registro

simultâneo no Departamento Nacional da Propriedade Industrial (atual INPI)

e, a partir da vigência da Lei n. 4.726/1965, realizado pedido complementar de

arquivamento nas demais Juntas Comerciais.

Nesse sentido o magistério de Rubens Requião (Curso de Direito Comercial,

São Paulo, Saraiva, 1998, p. 198):

(...)

No regime da Lei n. 4.726, de 13 de julho de 1965, que dispunha sobre o

registro do comércio (e que foi revogada pela Lei n. 8.934/1994), c.c. o Código de

Propriedade Industrial, seu contemporâneo, havia o sistema do duplo registro,

um assegurando a proteção do uso exclusivo no âmbito territorial da respectiva

Junta Comercial, e, o outro, de âmbito nacional, consequente do registro no

Departamento Nacional de Propriedade Industrial, hoje Instituto Nacional de

Propriedade Industrial, órgão executivo do sistema de propriedade industrial.

E arremata o ilustre doutrinador:

Como foi dito, a matéria sobre proteção do nome comercial é, fi nalmente,

objeto de legislação ordinária. A Lei n. 8.934/1994, nos arts. 33 e 34 dispôs que a

proteção ao nome empresarial decorre automaticamente do arquivamento dos

atos constitutivos de fi rma individual e de sociedade, ou de suas alterações. O

nome empresarial obedecerá aos princípios da veracidade e da novidade.

Ressalte-se, ainda, que os dois institutos possuem proteção constitucional,

conforme assevera o art. 5º, inciso XXIX, da Constituição da República, in

verbis:

XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário

para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das

marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o

interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

Por fi m, a atual Lei de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/1996), seguindo

o mandamento da Constituição, estabeleceu proteção aos nomes empresariais e

Page 54: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

378

às marcas, conforme previsão dos arts. 124, inciso V e 129, respectivamente,

daquele diploma legal, cujo teor é o seguinte:

Art. 124. Não são registráveis como marca:

(...)

V - reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de

título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar

confusão ou associação com estes sinais distintivos;

Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente

expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso

exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e

de certifi cação o disposto nos arts. 147 e 148.

Estabelecidos os contornos jurídicos dos institutos em confl ito, passo à

análise do caso vertente.

No caso dos autos, conforme consta do acórdão recorrido e anteriormente

esclarecido, a recorrente (Sociedade Civil Instituto Vera Cruz) registrou seu ato

constitutivo na Junta Comercial do Estado do Pará no ano de 1957, sendo certo,

ainda, que a Associação Universitária Interamericana registrou a marca “Vera

Cruz” junto ao INPI em 1986 no Estado de São Paulo.

Não obstante a recorrida tenha realizado o registro da marca “Vera Cruz”

no INPI, órgão próprio para esse fim, esse registro não tem o condão de

interferir no nome empresarial da recorrente que, consoante o próprio Tribunal

de origem reconheceu, está devidamente registrado desde 1º de fevereiro de

1956.

Com efeito, restando provado que a recorrente tem o seu nome empresarial

devidamente registrado na Junta Comercial do seu Estado (Pará), razão não há

para que seja compelida a afastar de sua atividade a denominação “Vera Cruz”

nesse âmbito territorial.

Em primeiro lugar, a expressão “Vera Cruz” não caracteriza a existência de

marca notória, a qual, nos termos do art. 67, caput, da Lei n. 5.772/1971 (antigo

Código de Propriedade Industrial), já gozava de proteção especial, impedindo o

registro de marcas idênticas ou semelhantes em todas as demais classes e itens,

in verbis:

A marca considerada notória no Brasil, registrada nos termos e para os efeitos

deste Código, terá assegurada proteção especial, em todas as classes, mantido

Page 55: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 379

registro próprio para impedir o de outra que a reproduza ou imite, no todo ou em

parte, desde que haja possibilidade de confusão quanto à origem dos produtos,

mercadorias ou serviços, ou ainda prejuízo par a reputação da marca.

No mesmo sentido a previsão do art. 126 e parágrafos, da Lei n. 9.279/1996:

Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos

termos do art. 6º bis (i) da Convenção da União de Paris para Proteção da

Propriedade industrial, goza de proteção especial, independentemente de estar

previamente depositada ou registrada no Brasil.

§ 1º A proteção de que trata este artigo aplica-se também às marcas de serviço.

§ 2º O INPI poderá indeferir de ofício pedido de registro de marca que produza

ou imite, no todo ou em parte, marca notoriamente conhecida.

Destarte, inexistindo qualquer tipo de notoriedade da expressão, não é

possível determinar a abstenção do uso da expressão pela recorrente que, repita-

se, está devidamente registrada no âmbito local desde 1º de fevereiro de 1956.

Em segundo lugar, conforme o entendimento desta Corte, a eventual

colidência entre nome empresarial e marca não pode ser resolvida apenas sob a

ótica do princípio da anterioridade do registro, devendo-se ter em conta outros

dois princípios, quais sejam:

a) princípio da territorialidade, relativo ao âmbito geográfi co de proteção;

b) o princípio da especifi cidade, referente ao tipo de produto o ou serviço.

Nesse sentido, os seguintes precedentes:

Comercial. Marca. Proteção. Limites. Aproveitamento parasitário. Requisitos.

Colidência com signos distintivos sujeitos a outras modalidades de proteção.

Aferiação.

1. A proteção conferida às marcas, para além de garantir direitos individuais,

salvaguarda interesses sociais, na medida em que auxilia na melhor aferição da

origem do produto e/ou serviço, minimizando erros, dúvidas e confusões entre

usuários.

2. Essa proteção varia conforme o grau de conhecimento de que desfruta a

marca no mercado. Prevalecem, como regra, os princípios da territorialidade e da

especialidade. Esses princípios, no entanto, comportam exceções, notadamente

quando se verifi ca o fenômeno do “extravasamento do símbolo”, ou seja, marcas

cujo conhecimento pelo público e/ou mercado ultrapassa o âmbito de proteção

conferido pelo registro.

Page 56: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

380

3. A LPI reconhece duas formas de “extravasamento do símbolo”, atuando no

sentido de mitigar princípios informadores do registro de marcas. Na primeira

hipótese temos o que o art. 125 da LPI denomina marca de alto renome, em que

há temperamento do princípio da especialidade e no segundo caso o que o art.

126 da LPI chama de marca notoriamente conhecida, em que há abrandamento

do princípio da territorialidade.

4. Exceção feita ao caso de alto renome, o registro da marca não confere ao

titular a propriedade sobre o signo ou sinal distintivo, mas o direito de dele se

utilizar, com exclusividade, para o desenvolvimento de uma atividade dentro de

um determinado nicho de mercado.

5. A caracterização do aproveitamento parasitário - que tem por base a noção

de enriquecimento sem causa prevista no art. 884 do CC/2002 - pressupõe,

necessariamente, a violação da marca.

6. Para a aferição de eventual colidência entre marca e signos distintivos

sujeitos a outras modalidades de proteção - como o nome empresarial e o título de

estabelecimento - não é possível restringir-se à análise do critério da anterioridade,

mas deve também se levar em consideração os princípios da territorialidade e da

especialidade, como corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão

entre os usuários.

7. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp n. 1.232.658-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em

12.6.2012, DJe 25.10.2012) grifei.

Propriedade industrial. Mandado de segurança. Recurso especial. Pedido

de cancelamento de decisão administrativa que acolheu registro de marca.

Reprodução de parte do nome de empresa registrado anteriormente. Limitação

geográfi ca à proteção do nome empresarial. Art. 124, V, da Lei n. 9.279/1996.

Violação. Ocorrência. Cotejo analítico. Não realizado. Similitude fática. Ausência.

1. Apesar de as formas de proteção ao uso das marcas e do nome de empresa

serem diversas, a dupla fi nalidade que está por trás dessa tutela é a mesma:

proteger a marca ou o nome da empresa contra usurpação e evitar que o

consumidor seja confundido quanto à procedência do produto.

2. A nova Lei de Propriedade Industrial, ao deixar de lado a linguagem

parcimoniosa do art. 65, V, da Lei n. 5.772/1971 - corresponde na lei anterior ao

inciso V, do art. 124 da LPI -, marca acentuado avanço, concedendo à colisão

entre nome comercial e marca o mesmo tratamento conferido à verifi cação de

colidência entre marcas, em atenção ao princípio constitucional da liberdade

concorrencial, que impõe a lealdade nas relações de concorrência.

3. A proteção de denominações ou de nomes civis encontra-se prevista como

tópico da legislação marcária (art. 65, V e XII, da Lei n. 5.772/1971), pelo que o

exame de eventual colidência não pode ser dirimido exclusivamente com base no

Page 57: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 381

critério da anterioridade, subordinando-se, ao revés, em atenção à interpretação

sistemática, aos preceitos legais condizentes à reprodução ou imitação de marcas,

é dizer, aos arts. 59 e 65, XVII, da Lei n. 5.772/1971, consagradores do princípio da

especifi cidade. Precedentes.

4. Disso decorre que, para a aferição de eventual colidência entre denominação

e marca, não se pode restringir-se à análise do critério da anterioridade, mas

deve também se levar em consideração os dois princípios básicos do direito

marcário nacional: (i) o princípio da territorialidade, ligado ao âmbito geográfi co

de proteção; e (ii) o princípio da especifi cidade, segundo o qual a proteção da

marca, salvo quando declarada pelo INPI de “alto renome” (ou “notória”, segundo

o art. 67 da Lei n. 5.772/1971), está diretamente vinculada ao tipo de produto

ou serviço, como corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão

entre os usuários.

5. Atualmente a proteção ao nome comercial se circunscreve à unidade

federativa de jurisdição da Junta Comercial em que registrados os atos

constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo território nacional se

for feito pedido complementar de arquivamento nas demais Juntas Comerciais.

Precedentes.

6. A interpretação do art. 124, V, da LPI que melhor compatibiliza os institutos

da marca e do nome comercial é no sentido de que, para que a reprodução ou

imitação de elemento característico ou diferenciado de nome empresarial de

terceiros constitua óbice ao registro de marca - que possui proteção nacional

-, necessário, nessa ordem: (i) que a proteção ao nome empresarial não goze

somente de tutela restrita a alguns Estados, mas detenha a exclusividade sobre

o uso do nome em todo o território nacional e (ii) que a reprodução ou imitação

seja “suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos”.

Não sendo essa, incontestavelmente, a hipótese dos autos, possível a convivência

entre o nome empresarial e a marca, cuja colidência foi suscitada.

7. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico

entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.

8. Recurso especial provido, para restabelecer a sentença proferida pelo juízo

do primeiro grau de jurisdição, que denegou a segurança.

(REsp n. 1.204.488-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em

22.2.2011, DJe 2.3.2011)

Dessa forma, inexistindo, na hipótese dos autos, qualquer risco de confusão

entre os produtos e/ou serviços das litigantes ou um possível desvio de clientela,

em razão da divergente disposição geográfi ca existente entres as partes, mostra-

se perfeitamente possível a convivência do nome empresarial Sociedade Civil

Instituto Vera Cruz e a marca Vera Cruz utilizada e registrada pela Associação

Universitária Interamericana.

Page 58: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

382

Nesse sentir, considerando que deve ser efetivada a devida proteção ao

nome empresarial e que, igualmente, não pode fi car sem tutela jurídica a marca

devidamente registrada, é de rigor o conhecimento do presente recurso especial

para declarar que a recorrente possui direito ao uso da expressão “Vera Cruz”

apenas no âmbito territorial em que registrado o seu nome empresarial na Junta

Comercial do Estado do Pará.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para restabelecer a

sentença do juízo de primeiro grau.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.321.655-MG (2012/0090512-5)

Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Recorrente: Luiz Cláudio Teixeira Generoso

Advogado: Alexandre Pimenta da Rocha de Carvalho e outro(s)

Recorrido: Teresa Perez Viagens e Turismo Ltda - Empresa de pequeno

porte

Advogado: Luciana Rodrigues Atheniense e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Direito Civil e Consumidor. Rescisão

contratual. Pacote turístico. Pagamento antecipado. Perda integral dos

valores. Cláusula penal. Abusividade. CDC. Inexistência.

1. Inocorrência de maltrato ao art. 535 do CPC quando o acórdão

recorrido, ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões

essenciais ao julgamento da lide.

2. Demanda movida por consumidor postulando a restituição

de parte do valor pago antecipadamente por pacote turístico

internacional, em face da sua desistência decorrente do cancelamento

de seu casamento vinte dias antes da viagem.

Page 59: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 383

3. Previsão contratual de perda total do valor antecipadamente

pago na hipótese de desistência em período inferior a vinte e um dias

da data do início da viagem.

4. Reconhecimento da abusividade da cláusula penal seja com

fundamento no art. 413 do Código Civil de 2002, seja com fundamento

no art. 51, II e IV, do CDC.

5. Doutrina e jurisprudência acerca do tema.

6. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, A

Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas

Cueva, Nancy Andrighi e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília (DF), 22 de outubro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator

DJe 28.10.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Trata-se de recurso especial

interposto por Luiz Cláudio Teixeira Generoso com fundamento no art. 105,

inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado (fl . 206):

Rescisão de contrato. Viagem turística. Cerceamento de defesa. Indeferimento

de produção de prova. Prova inútil. Nulidade inexistente. Contrato atípico. Cláusula

penal lícita. Cancelamento da viagem imotivada. Devolução do preço. - A prova se

destina ao convencimento do magistrado, se as provas acostadas aos autos são

sufi cientes a resolução da lide qualquer requerimento de produção de novas

provas devem ser indeferidas porque restariam inúteis. Não obstante o contrato

de viagem turística ser modalidade dos chamados contratos inominados ou

atípicos, a questão recursal se resume à licitude da multa para o cancelamento da

Page 60: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

384

viagem, que se amolda a fi gura regulada pela lei civil como cláusula penal. É lícita

a estipulação contratual de cláusula penal para o inadimplemento total ou parcial

do contrato desde que não exceda o valor da obrigação principal.

Opostos embargos de declaração, estes restaram rejeitados nos seguintes

termos (fl . 253):

Embargos de declaração. Omissão, contradição e obscuridade. Inexistência.

Reapreciação do caso. Impossibilidade. Rejeitar os embargos.

- Não vislumbro qualquer omissão, contradição ou obscuridade a ser suprida

no acórdão.

- Nos termos do artigo 535, do CPC, os embargos de declaração são

modalidade de recurso especialíssima destinada exclusivamente a suprir

eventuais contradições, omissões e obscuridades apresentadas no julgado. Não

se prestam, pois, à reapreciação das teses defendidas pelas partes a fim de

modifi car o acórdão ou para o simples pré-questionamento da matéria.

Na Comarca de Belo Horizonte, o autor Luiz Cláudio Teixeira Generoso,

ora recorrente, propôs ação de rescisão contratual cumulada com repetição do

indébito contra Tereza Perez Tour, postulando a restituição de parte do valor

pago antecipadamente por pacote turístico de 14 dias para Turquia, Grécia

e França, no montante de R$ 18.101,93, em face do cancelamento de seu

casamento.

Na sentença, o Juiz de Direito julgou procedentes os pedidos para declarar

a rescisão do contrato e determinar a restituição ao autor de 90% do valor total

pago.

O Tribunal de Justiça, provendo a apelação da empresa requerida, julgou

improcedentes os pedidos.

Nas suas razões do recurso especial, a parte recorrente alegou violação do

art. 535, incisos I e II, do Código de Processo Civil, ao argumento de que houve

negativa de prestação jurisdicional.

No mérito, o recorrente alegou a contrariedade ao art. 51, incisos II e IV,

do Código de Defesa do Consumidor, sob o argumento de que é nula a cláusula

penal que estabelece a perda integral do preço pago, tendo em vista que constitui

estipulação abusiva e de que resulta enriquecimento ilícito, circunstância vedada

pelo ordenamento jurídico pátrio.

O recurso especial foi admitido na origem.

É o breve relatório.

Page 61: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 385

VOTO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Inicialmente, não há

negativa de prestação jurisdicional no acórdão que decide de modo integral e

com fundamentação sufi ciente a controvérsia posta.

Ademais, o juízo não está obrigado a se manifestar a respeito de todas as

alegações e dispositivos legais suscitados pelas partes.

Nesse sentido:

Agravo regimental no recurso especial. Ofensa ao art. 535 do CPC não

confi gurada. Fundamentação defi ciente. Necessidade de indicação de dispositivo

de lei federal no recurso especial interposto pela alínea c. Súmula n. 284-STF.

1. Não se verifi ca ofensa ao art. 535 do CPC, tendo em vista que o acórdão

recorrido analisou, de forma clara e fundamentada, todas as questões pertinentes

ao julgamento da causa, ainda que não no sentido invocado pela parte.

2. A jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que, para ser

apreciado o recurso especial interposto pela alínea c do art. 105 da Constituição

Federal, cabe ao recorrente indicar o dispositivo de lei federal violado, pois o

dissídio jurisprudencial baseia-se na interpretação divergente da norma federal.

Aplica-se, por analogia, o disposto na Súmula n. 284 do Excelso Pretório diante da

defi ciência na fundamentação do recurso, na espécie, caraterizada pela ausência

de indicação da norma federal tida por violada.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp n. 1.099.762-RJ, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador

convocado do TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 12.5.2009, DJe 25.5.2009)

SFH. Correção monetária do saldo devedor. TR. Execução extrajudicial. Decreto-

Lei n. 70/1966. Constitucionalidade.

- Prevista no contrato, é possível a utilização da Taxa Referencial, como

índice de correção monetária do saldo devedor, em contrato de fi nanciamento

imobiliário.

- É pacífi co em nossos Tribunais, inclusive no Superior Tribunal de Justiça e em

nossa mais alta Corte, a constitucionalidade do Decreto-Lei n. 70/1966.

- Não merece provimento recurso carente de argumentos capazes de

desconstituir a decisão agravada.

(AgRg no Ag n. 945.926-SP, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira

Turma, julgado em 14.11.2007, DJ 28.11.2007, p. 220)

Quanto ao mérito, assiste razão ao recorrente.

Page 62: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

386

O Tribunal de Justiça a quo considerou válida a cláusula penal que

estabelecia a perda integral do valor antecipadamente pago pelo recorrente

(R$ 18.101,93) em virtude de desistência de viagem de turismo internacional

(Turquia, Grécia e França) em decorrência do cancelamento do casamento do

recorrente.

Observe-se o seguinte trecho do acórdão recorrido (fl s. 210-211):

No caso presente, o apelado celebrou com a apelante contrato de viagem

turística em que lhe seria fornecida excursão por algumas cidades da Europa com

transporte e hospedagem incluídas, por motivo de sua lua de mel.

Conforme prova dos autos, o apelado buscou a rescisão do contrato 20 dias

antes do início da prestação dos serviços, por causa do cancelamento de seu

casamento. Tal fato não pode ser tido como caso fortuito ou força maior de que

disciplinam o art. 393, do CC. O fato não se subsume a defi nição do parágrafo

único do dispositivo citado. Pelo contrário, decorre de manifestação negativa de

vontade.

Descabido divagar sobre os motivos do rompimento do relacionamento do

apelado. O fato é que havia um contrato celebrado entre o apelado e a apelante,

e nele estava estipulada a cláusula penal de 100% (cem por cento) do valor pago

pela viagem para o caso de cancelamento da prestação dos serviços até 21 dias

até a data de seu início. Ele buscou o cancelamento 20 dias antes da viagem, o

que impossibilita a restituição dos valores pagos aos fornecedores estrangeiros,

em função das políticas de não reembolsar, comprovada pelos documentos de fl s.

66-67, devidamente traduzidos em fl s. 68-69.

Por sua vez, sustentou o recorrente que a cláusula penal que estabelece a

perda da integralidade do preço pago em caso de cancelamento da prestação dos

serviços constitui estipulação abusiva, que resulta em enriquecimento ilícito.

Assiste razão ao recorrente.

Com efeito, o valor da multa contratual estabelecido em 100% (cem por

cento) sobre o montante pago pelo pacote de turismo é fl agrantemente abusivo,

ferindo a legislação aplicável ao caso seja na perspectiva do Código Civil, seja

na perspectiva do Código de Defesa do Consumidor, que é a fundamentação do

recurso especial.

No Código Civil de 2002, a redução da cláusula penal é regulada pelo seu

art. 413, verbis:

Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a

obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade

Page 63: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 387

for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a fi nalidade do

negócio.

Note-se que a regra correspondente ao art. 413 do CC/2002 era o artigo

924 do Código Civil de 1916, que facultava ao Juiz a redução proporcional da

cláusula penal na hipótese de cumprimento parcial da obrigação, sob pena de

afronta ao princípio que veda o enriquecimento sem causa.

A redação do dispositivo era a seguinte:

Art. 924. Quando se cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir

proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora, ou de inadimplemento.

O Código Civil de 2002 alterou a disciplina da cláusula penal, pois,

em seu artigo 413, passou a determinar que o juiz deve proceder à redução

eqüitativamente, se a obrigação já tiver sido cumprida em parte, ou se o montante

da penalidade for manifestamente excessivo.

Analisando as referidas normas, Jorge Cesa Ferreira da Silva

(Inadimplemento das Obrigações - Comentários aos arts. 389 a 420 do Código Civil

- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007 - P. 279-280) preleciona:

A propósito do art. 924 do Código Civil de 1916, não eram raras as vozes

no sentido de ser dispositiva a norma nele contida. Assim, por exemplo,

manifestaram-se Clóvis Bevilaqua (op. cit., p. 72), Pontes de Miranda (op. cit., p.

80), Caio Mário da Silva Pereira (op. cit., p. 110) e Orlando Gomes (op. cit., p. 161).

Partia-se do pressuposto de que cabia à autonomia privada deliberar sobre a

multa, além do fato de que a natureza penal da cláusula seria mais bem atendida

pela possibilidade de afastar a norma que admitia minorá-la.

No plano do direito comparado, tal posição não se sustenta. No direito francês,

após a reforma de 1975, os arts. 1.152 e 1.231 expressamente afi rmam a sua

cogência, do mesmo modo que o faz o art. 812º do Código Civil português. Para

o direito italiano, o art. 1.384, tido como excepcional por admitir a revisão judicial,

é assim também compreendido (cf. Giorgio De Nova, op. cit., p. 381), no que se

assemelha ao § 343 do BGB, cujo texto se mantém vigente desde 1990 (cf. Dieter

Medicus, op. cit., p. 225)

Com relação ao Código de 2002, parece ser esta, e não aquela, a melhor

interpretação. Não se trata aqui exclusivamente da utilização da autonomia

privada, mas sim de outros valores especialmente tutelados pelo novo

Código. O art. 413 sustenta-se no equilíbrio e na vedação ao excesso, que são

especialmente garantidos no novo texto (cf., p. ex., arts. 187, 317, 478), sempre

de modo cogente. No mesmo sentido, é da natureza da noção de pena - que,

Page 64: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

388

como se buscou demonstrar, representa o elemento conceitual básico da cláusula

penal - que ela se ajuste às circunstâncias concretas do caso. Ademais, partindo-

se do pressuposto de que a regulação da cláusula penal a estrutura de modo

proporcionado ao dano sofrido, caso a norma fosse afastável pela vontade das

partes, a situação de inadimplemento parcial poderia facilmente apresentar-se

muito mais vantajosa ao credor do que a de adimplemento, o que revelaria um

contra-senso. Por fi m, não é de ser esquecida a mudança do verbo empregado pelo

legislador. Ao contrário da faculdade posta no art. 924 do Código de 1916, o art. 413

refere agora a dever judicial (“deve ser reduzida”).

Na mesma linha, em comentário ao aludido dispositivo legal, Hamid

Charaf Bodine Jr. assevera (Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência:

5ª ed. Barueri-SP: Ed. Manole, 2011, p. 469):

Diversamente do que estabelecia o art. 924, do Código Civil revogado, o

dispositivo é incisivo: o juiz tem o dever, não a possibilidade de reduzir, ao contrário

do que constava do diploma legal revogado. A norma é de ordem pública, não

admitindo que as partes afastem sua incidência, dispondo que a multa prevista

é irredutível.

(...)

O presente artigo impõe ao juiz a obrigação de reduzir a penalidade nas

hipóteses em que ela for superior à legal e aplica-se à multa moratória e à

compensatória. Em se tratando de de disposição de ordem pública, nada impede

que o juiz a aplique de ofício.

Dessa forma, o entendimento adotado pelo Tribunal de origem

merece reforma, pois não se mostra possível falar em perda total dos valores

antecipadamente pagos por pacote turístico, sob pena de se criar uma situação

que, além de vantajosa para a empresa de turismo (fornecedora de serviços),

mostra-se excessivamente desvantajosa para o consumidor.

Nesse sentido, trago à colação os seguintes precedentes:

Recurso especial. Contrato de cessão de uso de imagem. Inadimplemento

parcial. Cláusula penal compensatória. Redução com base no art. 924 do CC/1916.

Possibilidade.

1. Ação de cobrança referente ao valor de cláusula penal compensatória

ajustada em contrato de cessão de uso de imagem diante do inadimplemento de

metade das prestações ajustadas para o segundo ano da relação contratual, que

se renovara automaticamente.

2. Redução do valor da cláusula penal com fundamento no disposto no artigo

924 do Código Civil de 1916, que facultava ao Juiz a redução proporcional da

Page 65: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 389

cláusula penal nas hipóteses de cumprimento parcial da obrigação, sob pena de

afronta ao princípio da vedação do enriquecimento sem causa.

3. Doutrina e jurisprudência acerca das questões discutidas no recurso especial.

4. Recurso especial parcialmente provido. (REsp n. 1.212.159-SP, de minha

relatoria, Terceira Turma, julgado em 19.6.2012, DJe 25.6.2012)

Recurso especial. Contrato bilateral, oneroso e comutativo. Cláusula penal.

Efeitos perante todos os contratantes. Redimensionamento do quantum debeator.

Necessidade. Recurso provido.

1. A cláusula penal inserta em contratos bilaterais, onerosos e comutativos

deve voltar-se aos contratantes indistintamente, ainda que redigida apenas em

favor de uma das partes.

2. A cláusula penal não pode ultrapassar o conteúdo econômico da obrigação

principal, cabendo ao magistrado, quando ela se tornar exorbitante, adequar o

quantum debeatur.

3. Recurso provido.

(REsp n. 1.119.740-RJ, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em

27.9.2011, DJe 13.10.2011)

Em situação semelhante, esta Corte tem o fi rme entendimento de que, nos

contratos de promessa de compra e venda de imóvel, é cabível ao magistrado

reduzir o percentual da cláusula penal com o objetivo de evitar o enriquecimento

sem causa por parte de qualquer uma das partes.

A propósito:

Agravo regimental. Recurso especial. Promessa de compra e venda. Rescisão

contratual. Inadimplência dos promitentes compradores. Cláusula penal. Perda

da totalidade das prestações pagas. Desproporcionalidade. Contrato anterior à

vigência do Código de Defesa do Consumidor. Incidência do art. 924 do Código

Civil/1916. Possibilidade.

I - Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a contrato celebrado

antes da sua vigência.

II - Possibilidade de o juiz, com fundamento na regra do art. 924 do Código

Civil/1916, reduzir a pena convencional estatuída a um patamar razoável,

mormente quando se verifi ca a perda de todas parcelas pagas.

III - Limitação da retenção das parcelas pagas ao percentual de 25% (vinte e

cinco), em favor da promitente vendedora.

IV - Precedentes específi cos, em casos similares, deste Superior Tribunal de

Justiça III. Agravo regimental provido

Page 66: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

390

(AgRg no REsp n. 479.914-RJ, de minha relatoria, Terceira Turma, julgado em

5.10.2010, DJe 15.10.2010)

Agravo regimental. Recurso especial. Civil e Processo Civil. Liquidação de

sentença. Juros de mora. Ausência de fi xação na decisão liquidanda. Súmula

n. 254 do STF e art. 293 do CPC. Compromisso de compra e venda de imóvel.

Rescisão contratual. Devolução de parcelas pagas. Termo inicial dos juros

moratórios. Trânsito em julgado da decisão condenatória.

1. É de ordem pública a matéria atinente à fi xação dos juros de mora nas

decisões judiciais. Inocorrência de afronta ao art. 517 do CPC.

2. “Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido

inicial ou a condenação” (Súmula n. 254 do STF). Incidência do art. 293 do CPC.

3. A Segunda Seção deste Tribunal Superior sufragou o entendimento de

que “na hipótese de resolução contratual do compromisso de compra e venda

por simples desistência dos adquirentes, em que postulada, pelos autores, a

restituição das parcelas pagas de forma diversa da cláusula penal convencionada,

os juros moratórios sobre as mesmas serão computados a partir do trânsito em

julgado da decisão” (REsp n. 1.008.610-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe

3.9.2008), porquanto somente a partir daí é que surgiu a mora da promitente-

vendedora.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp n. 759.903-MG, Rel. Ministro Vasco Della Giustina

(Desembargador convocado do TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 15.6.2010, DJe

28.6.2010)

No que tange ao Código de Defesa do Consumidor, está efetivamente

evidenciada a violação ao art. 51, incisos II e IV, conforme alegado pelo

recorrente, cujas disposições estatuem o seguinte:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais

relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - (...)

II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos

previstos neste código;

III - (...)

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o

consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou

a eqüidade;

Deve-se, assim, reconhecer a abusividade da cláusula contratual em questão

seja por subtrair do consumidor a possibilidade de reembolso, ao menos parcial,

Page 67: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 391

como postulado na inicial, da quantia antecipadamente paga, seja por lhe

estabelecer uma desvantagem exagerada.

Merece ainda lembrança o disposto no art. 51, § 1º, inciso III, que

complementa o disposto no inciso IV do mesmo dispositivo legal do CDC:

Art. 51.

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

(...)

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a

natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias

peculiares do caso.

Precisa, como sempre, a lição Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Direito do

Consumidor, 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 172) sobre o aludido dispositivo legal:

O dispositivo deixa claro, em primeiro lugar, que a onerosidade excessiva

terá que ser apurada no caso concreto (não em abstrato), atentando o julgador

para as circunstâncias particulares do caso, entre as quais a natureza e o

conteúdo do contrato, bem como o interesse das partes. Em segundo lugar,

que a excessividade deve ser aferida com no desequilibrio do contrato ou na

desproporção das prestações das partes, uma vez que ofendem o princípio da

equivalência contratual, princípio esse instituído no art. 4º, inciso III - “sempre com

base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidor e fornecedor” -, bem

como no art. 6º, inciso II - “asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas

contratações”.

Por fi m, é de se ressaltar que o cancelamento de pacote turístico contratado

constitui risco do empreendimento desenvolvido por qualquer agência de

turismo, não podendo esta pretender a transferência integral do ônus decorrente

de sua atividade empresarial a eventuais consumidores.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para determinar a

redução do montante estipulado a título de cláusula penal para 20% sobre o

valor antecipadamente pago, conforme postulado alternativamente na petição

inicial, incidindo correção monetária desde o ajuizamento da demanda e juros

de mora desde a citação.

Como essa pretensão foi articulada na petição inicial, arcará a empresa

requerida com as custas e honorários do procurador do autor, que fi xo em 15%

sobre o valor atualizado da condenação.

É o voto.

Page 68: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

392

RECURSO ESPECIAL N. 1.323.410-MG (2011/0219578-3)

Relatora: Ministra Nancy Andrighi

Recorrente: Paulo Roberto Gomes Ferreira e outro

Advogados: Márcio Gabriel Diniz e outro(s)

Dalton Max Oliveira e outro(s)

Recorrido: Geraldo Magalhães Gomes - Espólio

Representado por: Maria José Mesquita Gomes - Inventariante

Advogado: Fernanda Corrêa Machado Mourão e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Ação renovatória de contrato. Locação

comercial. Accessio temporis. Prazo da renovação. Artigos analisados:

art. 51 da Lei n. 8.245/1991.

1. Ação renovatória de contrato de locação comercial ajuizada

em 9.6.2003. Recurso especial concluso ao Gabinete em 7.12.2011.

2. Discussão relativa ao prazo da renovação do contrato de

locação comercial nas hipóteses de “accessio temporis”.

3. A Lei n. 8.245/1991 acolheu expressamente a possibilidade

de “accessio temporis”, ou seja, a soma dos períodos ininterruptos dos

contratos de locação para se alcançar o prazo mínimo de 5 (cinco)

anos exigido para o pedido de renovação, o que já era amplamente

reconhecido pela jurisprudência, embora não constasse do Decreto n.

24.150/1934.

4. A renovatória, embora vise garantir os direitos do locatário

face às pretensões ilegítimas do locador de se apropriar patrimônio

imaterial, que foi agregado ao seu imóvel pela atividade exercida

pelo locatário, notadamente o fundo de comércio, o ponto comercial,

também não pode se tornar uma forma de eternizar o contrato de

locação, restringindo os direitos de propriedade do locador, e violando

a própria natureza bilateral e consensual da avença locatícia.

5. O prazo 5 (cinco) anos mostra-se razoável para a renovação

do contrato, a qual pode ser requerida novamente pelo locatário ao

fi nal do período, pois a lei não limita essa possibilidade. Mas permitir

Page 69: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 393

a renovação por prazos maiores, de 10, 15, 20 anos, poderia acabar

contrariando a própria fi nalidade do instituto, dadas as sensíveis

mudanças de conjuntura econômica, passíveis de ocorrer em tão longo

período de tempo, além de outros fatores que possam ter infl uência na

decisão das partes em renovar, ou não, o contrato.

6. Ouando o art. 51, caput, da Lei n. 8.2145 dispõe que o locatário

terá direito à renovação do contrato “por igual prazo”, ele está se

referido ao prazo mínimo exigido pela legislação, previsto no inciso

II do art. 51, da Lei n. 8.245/1991, para a renovação, qual seja, de 5

(cinco) anos, e não ao prazo do último contrato celebrado pelas partes.

7. A interpretação do art. 51, caput, da Lei n. 8.245/1991,

portanto, deverá se afastar da literalidade do texto, para considerar

o aspecto teleológico e sistemático da norma, que prevê, no próprio

inciso II do referido dispositivo, o prazo de 5 (cinco) anos para que

haja direito à renovação, a qual, por conseguinte, deverá ocorrer, no

mínimo, por esse mesmo prazo.

8. A renovação do contrato de locação não residencial, nas

hipóteses de “accessio temporis”, dar-se-á pelo prazo de 5 (cinco)

anos, independentemente do prazo do último contrato que completou

o quinquênio necessário ao ajuizamento da ação. O prazo máximo da

renovação também será de 5 (cinco) anos, mesmo que a vigência da

avença locatícia, considerada em sua totalidade, supere esse período.

9. Se, no curso do processo, decorrer tempo suficiente para

que se complete novo interregno de 5 (cinco) anos, ao locatário

cumpre ajuizar outra ação renovatória, a qual, segundo a doutrina, é

recomendável que seja distribuída por dependência para que possam

ser aproveitados os atos processuais como a perícia.

10. Conforme a jurisprudência pacífi ca desta Corte, havendo

sucumbência recíproca, devem-se compensar os honorários

advocatícios. Inteligência do art. 21 do CPC c.c. a Súmula n. 306-STJ.

11. Recurso especial parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

Page 70: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

394

taquigráfi cas constantes dos autos, por unanimidade, dar parcial provimento ao

recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs.

Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram

com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justifi cadamente, o Sr. Ministro Sidnei

Beneti e, ocasionalmente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília (DF), 7 de novembro de 2013 (data do julgamento).

Ministra Nancy Andrighi, Relatora

DJe 20.11.2013

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de Recurso Especial

interposto por Paulo Roberto Gomes Ferreira e Outro, com base no art. 105, III,

a da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais (TJ-MG).

Ação: renovatória de contrato de locação comercial ajuizada por Paulo

Roberto Gomes Ferreira e Outro em face de Geraldo Magalhães Gomes - Espólio,

alegando que exploram atividade de revenda de combustíveis e derivados de

petróleo e álcool, no imóvel dos réus, tendo o primeiro contrato sido fi rmado em

23.12.1993 e renovado em 23.4.1999, com previsão de término em 23.12.2003.

Pretendem a renovação da locação pelo prazo de 10 (dez) anos.

Contestação: Geraldo Magalhães Gomes - Espólio sustentou,

preliminarmente, a inépcia da petição inicial e, no mérito, (i) o desinteresse na

renovação do contrato, pois pretende construir galerias de lojas no local; (ii) que

a renovação só poderia ocorrer pelo prazo máximo de 56 meses, que é o tempo

da avença anterior, devendo, nesse caso, ser fi xado o aluguel provisório no valor

de R$ 6.500,00 (seis mil e quinhentos reais).

Sentença: julgou procedente o pedido, para “renovar a locação não

residencial celebrada entre as partes, no período de 24 de dezembro de 2003 até

23 de dezembro de 2011, cujo valor do aluguel será de R$ 4.942,37 (quatro mil,

novecentos e quarenta e dois reais e trinta e sete centavos”, valor esse que deverá

ser descontado no período de 4 em 4 meses, nos valores equivalentes aos índices

do IGP ou IGPM, bem como sofrerá aumento também de 4 em 4 meses,

sempre tomando-se por base o mês de setembro de 2008 (e-STJ fl s. 273-278).

Page 71: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 395

Acórdão: deu parcial provimento à apelação dos recorridos para reduzir o

prazo da renovação da locação ao tempo do último contrato fi rmado; e negou

provimento ao recurso de apelação interposto pelos recorrentes, nos termos da

seguinte ementa (e-STJ fl s. 347-391):

Civil e Processual Civil. Apelação. Ação renovatória de contrato de locação.

Agravo retido. Prova oral dispensável. Recurso não provido. Inépcia da inicial.

Inocorrência. Revelia. Não verifi cação. Renovação da locação. Requisitos legais.

Presença. Pedido procedente. Prazo da renovação. Limitação ao prazo do último

contrato renovado. Locativo. Perícia conclusiva. Prevalência. Necessidade.

Apelações conhecidas, primeira provida em parte e segunda não provida.

- Não induz cerceamento de defesa a dispensa das provas inúteis ao

julgamento da lide. - Agravo retido conhecido e não provido.

- É apta à formação do contencioso a inicial que cumpre os requisitos do art.

282 do CPC e que é acompanhada de documentos que acobertam as teses nela

narradas.

- O comparecimento do réu, antes de sua citação, pedindo vista dos autos, não

dá ensejo à abertura do prazo de 15 dias para contestar se o requerimento foi por

procurador sem poderes para receber citação e se sequer foi apreciado o pedido

de vista pelo MM. Juiz, não havendo se falar em revelia. - Em se tratando de ação

renovatória, cabe ao locatário a prova dos requisitos exigidos pelos artigos 51

e art. 71 da Lei n. 8.245/1991. Se cumpridos os requisitos legais, o pedido de

renovação do contrato de locação deve ser julgado procedente.

- O prazo para a renovação locatícia é aquele previsto no último contrato,

sendo de no máximo cinco anos à luz do caput do art. 51 da Lei n. 8.245/1991,

devendo ser reduzido se na sentença foi fi xado prazo maior. - Havendo laudo

pericial válido e conclusivo, é de se adotá-lo para a fi xação do valor dos aluguéis.

- Recursos conhecidos, primeiro provido em parte e segundo não provido.

Embargos de Declaração: os interpostos por Paulo Roberto Gomes Ferreira

e Outro (e-STJ fl s. 394-400), foram rejeitados. Os interpostos por Geraldo

Magalhães Gomes - Espólio (e-STJ fl s. 403-405), foram acolhidos em parte,

apenas para alteração da distribuição dos ônus da sucumbência (e-STJ fl s. 426-

447).

Recurso especial: interposto por Paulo Roberto Gomes Ferreira e Outro

com base na alínea a do permissivo constitucional (e-STJ fl s. 450-464), sustenta

violação dos seguintes dispositivos legais:

(i) art. 51 da Lei n. 8.245/1991, alegando, em síntese, que o prazo da

renovação do contrato locatício não deve ser limitado ao prazo do último

Page 72: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

396

contrato a ser renovado, devendo-se levar em consideração o tempo de

tramitação do processo, sendo desnecessário que o locatário ajuíze nova ação

renovatória em virtude da demora na entrega da tutela jurisdicional;

(ii) arts. 20 e 21 do CPC, pois tendo sido reconhecido o direito à renovação

do contrato, não houve sucumbência recíproca, devendo ser redimensionados os

respectivos ônus.

Exame de admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem pelo TJ-

MG (e-STJ fl s. 482-483), tendo sido interposto agravo contra a respectiva

decisão denegatória, ao qual dei provimento para determinar o julgamento do

recurso especial.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Cinge-se a controvérsia a

defi nir qual o prazo da renovação de contrato de locação comercial, considerando

a “accessio temporis”.

1. – Do prazo de renovação da locação (art. 51 da Lei n. 8.245/1991).

01. Pelo que se depreende da leitura das decisões recorridas, em 23.12.1993,

Geraldo Magalhães Gomes - Espólio fi rmou contrato de locação não residencial

com Comercial Gomes e Lage Distribuidora de Petróleo Ltda., cujo prazo de

vigência era até 23.12.2000.

02. Referido contrato, contudo, vigeu efetivamente até 23.4.1999, data em

que foi celebrado um segundo contrato de locação, com os recorrentes Paulo

Roberto Gomes Ferreira e Outro, sócios da locatária originária, cujo prazo de

vigência era de 23.4.1999 a 23.12.2003 – 4 anos e 8 meses, portanto.

03. O Tribunal de origem, após analisar a documentação apresentada

pelas partes, que retratava a evolução da locação, entendeu que houve cessão do

contrato, sendo, por conseguinte, possível a soma dos prazos com a fi nalidade de

pleitear a renovação do contrato:

Como o primeiro contrato teve vigência real de 23.12.1993 a 23.4.1999 – 5 anos

e 4 meses – e o segundo foi fi rmado para o período de 23.4.1999 a 23.12.2003 – 4

anos e 8 meses, a soma dos prazos resulta em 10 anos, restando preenchido o

requisito mínimo de 5 anos, previsto no art. 51, II, da Lei n. 8.245/1991 (e-STJ fl . 373).

Page 73: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 397

04. Por força das Súmulas n. 5 e 7 do STJ, não cabe a essa Corte rever os

fatos e as provas produzidas. Assim, as premissas que devem nortear o presente

julgamento são aquelas já defi nidas nas instâncias ordinárias.

05. A questão que se coloca, portanto, é unicamente em relação ao prazo

pelo qual o contrato de locação deve ser renovado, tendo em vista o disposto no

art. 51, da Lei n. 8.245/1992 e a “accessio temporis”.

06. O acórdão recorrido entendeu que o art. 51 da Lei de Locações,

quando menciona que o locatário tem direito à renovação do contrato “por

igual prazo”, está fazendo referência ao prazo do “contrato renovando e não ao

prazo resultado da soma dos períodos de vigência dos contratos consecutivos

e ininterruptos”. Assim, a renovação deveria se dar por 4 (quatro) anos e oito

meses – de 23.12.2003 a 23.8.2008 (e-STJ fl s. 380).

07. Afi rma o TJ-MG, outrossim, que é totalmente desinfl uente, para se

defi nir o prazo da renovação do contrato, o fato da sentença de primeiro grau ter

sido proferida apenas no ano de 2009, porque (i) a renovação por novo período

exige ação própria e (ii) nada impedia que os locatários a ajuizassem antes do

julgamento defi nitivo da presente ação.

08. Os recorrentes, por sua vez, sustentam que a renovação da locação

deve ser deferida por prazo superior “ao daquele referido no dispositivo legal

pertinente [art. 51, II, da Lei n. 8.245/1991]” (e-STJ fl . 461), devendo, ainda, ser

considerado o tempo de tramitação do processo, que, na hipótese, foi superior

a 6 (seis) anos. Pleiteiam, assim, a manutenção da sentença de primeiro grau, a

qual concedeu a renovação do contrato até 23.12.2011.

09. A ação renovatória do contrato de locação comercial remonta ao início

do século passado, tendo sido regulada pelo Decreto n. 24.150/1934 (conhecido

como a “Lei de Luvas”), visando proteger o “fundo de comércio” das investidas

abusivas do locador, que, quase sempre, exigia do locatário o pagamento de altos

valores (“luvas”) para renovar o contrato.

10. A Lei n. 6.649/1979 que, posteriormente, veio dispor sobre as regras

da locação predial urbana, não tratou do tema da renovatória, que permaneceu

regulada pelo Decreto n. 24.150/1934, conforme determinado no art. 1º, § 2º da

própria lei.

11. Assim, conforme a “Lei de Luvas”, exigia-se como requisitos para a

renovação, que (i) o contrato de locação dissesse respeito a imóvel comercial ou

industrial; (ii) fosse fi rmado por prazo determinado e de, no mínimo, 5 anos;

Page 74: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

398

(iii) a atividade comercial ou industrial fosse exercida pelo locatário por no

mínimo 3 anos ininterruptos.

12. Com a entrada em vigor da nova Lei de Locações (Lei n. 8.245/1991),

que, por sua vez, tratou expressamente do tema, ampliou-se o direito à renovação,

que deixou de visar apenas à proteção do fundo de comércio, para também

proteger as outras atividades empresariais, e até as sociedades civis que não

têm como objeto a atividade empresarial, desde que visem o lucro. É o caso das

escolas, das clínicas, consultórios, etc.

13. Além disso, a novel legislação acolheu expressamente a possibilidade de

“accessio temporis”, ou seja, a soma dos períodos ininterruptos dos contratos de

locação para se alcançar o prazo mínimo de 5 (cinco) anos exigido para o pedido

de renovação, o que já era amplamente reconhecido pela jurisprudência, embora

não constasse do Decreto n. 24.150/1934.

14. Contudo, a redação do caput do art. 51 da Lei n. 8.245/1991, ao dispor

que “Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito

a renovação do contrato, por igual prazo” - desde que preenchidos os demais

requisitos legais, cumulativamente, previstos nos respectivos incisos -, acabou

por suscitar discussões e diferentes interpretações doutrinárias e jurisprudenciais

sobre qual seria esse prazo de renovação, principalmente, nas hipóteses de

“accessio temporis”.

15. Com efeito, a dúvida que surgiu está relacionada ao alcance da expressão

“por igual prazo”. Discute-se, nesse sentido, se ela estaria se referindo (i) ao

prazo de 5 (cinco) anos exigido para que o locatário tenha direito à renovação

(inciso II do art. 51 da Lei n. 8.245/1991); ou (ii) à soma dos prazos de todos

os contratos celebrados pelas partes; ou (iii) ao prazo do último contrato, que

completou o quinquênio.

16. A Súmula n. 178-STF editada sob a égide do antigo Decreto n.

24.150/1934, mencionava ser de 5 (cinco) anos o prazo máximo da renovação

contratual, ainda que o prazo previsto no contrato a renovar fosse superior. E

a doutrina aponta como principal justifi cativa, para essa limitação temporal, as

questões infl acionárias da época, que tornariam inviável a renovação por período

de tempo maior, sem prejuízo do próprio locador.

17. Ademais, vale consignar que a renovatória, embora vise garantir os

direitos do locatário face às pretensões ilegítimas do locador de se apropriar

patrimônio imaterial, que foi agregado ao seu imóvel pela atividade exercida

pelo locatário, notadamente o fundo de comércio, o ponto comercial, também

Page 75: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 399

não pode se tornar uma forma de eternizar o contrato de locação, restringindo

os direitos de propriedade do locador, e violando a própria natureza bilateral e

consensual da avença locatícia.

18. Nesse contexto, 5 (cinco) anos mostra-se um prazo razoável para a

renovação do contrato, a qual pode ser requerida novamente pelo locatário

ao fi nal do período, pois a lei não limita essa possibilidade. Mas permitir a

renovação por prazos maiores, de 10, 15, 20 anos, poderia acabar contrariando

a própria fi nalidade do instituto, dadas as sensíveis mudanças de conjuntura

econômica, passíveis de ocorrer em tão longo período de tempo, além de outros

fatores que possam ter infl uência na decisão das partes em renovar, ou não, o

contrato.

19. Esse entendimento propagou-se na jurisprudência pátria, tendo essa

Corte, em inúmeros julgados, também decidido pelo limite máximo de 5 (cinco)

anos para a renovação contratual. Observe-se nesse sentido: AR n. 4.220-MG,

Rel. Min. Jorge Mussi, 3ª Seção, DJe de 18.5.2011; REsp n. 693.729-MG, Rel.

Min. Nilson Naves, DJU 23.10.2006; REsp n. 267.129-RJ, Rel. Min. José Arnaldo

da Fonseca, DJU 6.11.2000; REsp n. 170.589-SP, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU

12.6.2000; REsp n. 202.180-RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU 22.11.1999; REsp

n. 195.971-MG, Rel. Min. Felix Fischer, DJU 12.4.1999.

20. Mesmo diante da redação do art. 51, caput, da Lei n. 8.245/1991,

vozes importantes da doutrina permaneceram defendendo o prazo máximo

de 5 (cinco) anos para a renovação, cumprindo mencionar nesse sentido: José

Roberto Neves Amorim, Revisional e Renovatória de Locação, in Francisco

Antonio Casconi e José Roberto Neves Amorim (coord.), Locações Aspectos

Relevantes, aplicação do Novo Código Civil, São Paulo: Método, 2004, p. 113-

121; Sylvio Capanema de Souza, A Lei do Inquilinato Comentada, 6ª ed., Rio de

Janeiro: GZ Editora, 2009, p. 215.

21. Não se desconhece, por outro lado, o entendimento de alguns

doutrinadores, no sentido de que, se o contrato inicial já fora celebrado por

prazo superior e o art. 8.245/91, caput, afi rma que a renovação deve-se dar por

igual prazo, não haveria razão para limitá-lo a 5 (cinco) anos, sob pena de ferir

a própria autonomia das partes. Nesse sentido: Silvio de Salvo Venosa, Lei do

Inquilinato Comentada – Doutrina e Prática, São Paulo: Atlas, 2010, p. 228; José

Carlos de Moreira Salles, Ação Renovatória de Locação Comercial, 2ª ed, São

Paulo: RT, 2002, p. 61.

Page 76: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

400

22. Contudo, pelas razões já expostas, notadamente, a contrariedade à

própria fi nalidade do instituto, bem como o perigo de eternização do contrato

de locação, aliados à própria praxe comercial, no sentido de que há direito à

renovação da avença locatícia por 5 (cinco) anos, não vejo razão para alterar esse

entendimento, inclusive já fi rmado por esta Corte.

23. Por essa razão, a pretensão inicial dos recorrentes, no sentido de que a

renovação do contrato deveria se dar por 10 anos, haja vista ser esse o resultado

da soma da vigência dos dois contratos celebrados pelas partes, não merece

prosperar. Repita-se: o prazo máximo da renovação é de 5 (cinco) anos. Nesse

sentido, outrossim, a lição de José Carlos de Moreira Salles:

De fato, fi rmando contratos sucessivos e com prazos inferiores a cinco anos,

locador e locatário manifestaram, inicialmente, a intenção de não submeter a

locação ao regime do art. 51 da Lei n. 8.245/1991. Se, posteriormente, por desídia

ou até por mudança de intenção, o locador aquiesceu em firmar um último

contrato, sabendo que a soma do prazo deste com os prazos dos anteriores

faria a locação cair sob o domínio da ação renovatória, não se eximirá ele dos

efeitos desta. Porém, não será justo que, nesta hipótese, se submeta à renovação

por prazo superior ao de cinco anos porque nunca, nos contratos anteriores,

se sujeitou sequer ao prazo mínimo para o exercício daquela ação (cinco

anos). Também não será justo que o locatário – que pelos contratos anteriores,

isoladamente considerados, não tinha nenhum direito à renovação – passe, pela

soma dos prazos contratuais, a ter esse direito e, ainda, por prazo superior ao

mínimo exigido pela lei para o exercício da ação renovatória” (Op. Cit. p. 61)

24. Estabelecido o prazo máximo da renovação na hipótese, resta defi nir

qual deve ser o prazo mínimo. A questão ganha relevância quando é necessária

a soma dos prazos dos contratos para se chegar ao mínimo de 5 anos (“accessio

temporis”).

25. Com efeito, nessas hipóteses, o último contrato de locação, que serviu

para completar o prazo, pode ter sido fi rmado por períodos reduzidos de tempo,

como 1 (um), 2 (dois) anos, ou até menos.

26. Nesse particular, ao interpretar o art. 51, caput, da Lei n. 8.245/1991, a

3ª Seção desta Corte fi rmou entendimento no sentido de que a renovação deve-

se dar pelo prazo previsto no último contrato, seja ele qual for. Assim é o teor

dos julgados já mencionados no item 20 supra.

27. Todavia, quando o artigo de lei supramencionado dispõe que o locatário

terá direito à renovação do contrato “por igual prazo”, entendo que ele esteja se

referido ao prazo mínimo exigido pela legislação, previsto no inciso II do art.

Page 77: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 401

51, da Lei n. 8.245/1991, para a renovação, qual seja, de 5 (cinco) anos, e não ao

prazo do último contrato celebrado pelas partes. É esse, no meu sentir, o espírito

da lei.

28. Admitir o contrário implicaria termos de conviver com situações

absurdas, como aquela apontada por Sylvio Capanema de Souza:

Se o último contrato, que é objeto da renovação e que completou o

quinquênio, foi celebrado pelo prazo de um ano, por exemplo, qual deverá ser o

prazo do contrato novo?

Se adotarmos uma interpretação literal, o novo contrato será, também, de um

ano, para se respeitar o mesmo prazo.

Mas isso nos levará a situações absurdas, contrárias ao espírito da lei e que

colidem, inclusive, com o princípio da economia processual.

Se a renovação, no exemplo acima formulado, se fi zer por um ano, teria o locatário

que ajuizar ações renovatórias semestrais, assoberbando o Poder Judiciário, e criando

um grande tumulto processual, já que as ações se atropelariam, em pleno curso

(Op. Cit., p. 214) (sem destaque no original)

29. A interpretação do art. 51, caput, da Lei n. 8.245/1991, portanto,

deverá se afastar da literalidade do texto, para considerar o aspecto teleológico e

sistemático da norma, que prevê, no próprio inciso II do referido dispositivo, o

prazo de 5 (cinco) anos para que haja direito à renovação, a qual, por conseguinte,

deverá ocorrer, no mínimo, por esse mesmo prazo.

30. No mesmo sentido, a lição de Amador Paes de Almeida, Locação

Comercial – Ação renovatória, 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 53; José Carlos

de Moreira Salles, Ação Renovatória de Locação Comercial, 2ª ed., São Paulo: RT,

2002, p. 57; José Roberto Neves Amorim, Revisional e Renovatória de Locação,

in Francisco Antonio Casconi e José Roberto Neves Amorim (coord)., Locações

Aspectos Relevantes, aplicação do Novo Código Civil, São Paulo: Método, 2004,

p. 113-121; Silvio de Salvo Venosa, Lei do Inquilinato Comentada – Doutrina

e Pratica, São Paulo: Atlas, 2010, p. 228; e o Enunciado n. 6 do extinto 2º

Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo.

31. Em síntese, nos termos do art. 51 da Lei n. 8.245/1991, a renovação

do contrato de locação não residencial, nas hipóteses de “accessio temporis”,

dar-se-á pelo prazo de 5 (cinco) anos, independentemente do prazo do último

contrato que completou o quinquênio necessário ao ajuizamento da ação. O

prazo máximo da renovação também será de 5 (cinco) anos, mesmo que a

vigência da avença locatícia, considerada em sua totalidade, supere esse período.

Page 78: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

402

32. Outrossim, no que tange ao argumento dos recorrentes de que deve

ser levado em consideração o tempo de tramitação da ação renovatória, para se

defi nir o prazo de renovação do contrato, podendo, em razão disso, ser superado

o limite de 5 (cinco) anos, conforme entendeu a sentença de primeiro grau, não

merece prosperar.

33. Nesse ponto, o acórdão foi preciso: “ao Juiz não é dado renovar por

período que exige ação própria”. E, conquanto demorado, nada impedia que, no

curso do processo, os locatários ajuizassem nova ação renovatória.

34. Com efeito, o art. 51, § 5º, da Lei n. 8.245/1991 dispõe sobre o

prazo decadencial para propositura da ação renovatória, que, como todo prazo

decadencial, não se interrompe nem se suspende.

35. Consequentemente, se, no curso do processo, decorrer tempo sufi ciente

para que se complete novo interregno de 5 (cinco) anos, ao locatário cumpre

ajuizar outra ação renovatória, a qual, segundo a doutrina, é recomendável

que seja distribuída por dependência para que possam ser aproveitados os atos

processuais como a perícia. Nesse sentido, mencione-se Silvio de Salvo Venosa,

Lei do Inquilinato Comentada – doutrina e Pratica, São Paulo: Atlas, 2010, p.

228; e Paulo Restiff e Neto e Paulo Sérgio Restiff e, Locação Questões Processuais e

Substanciais, São Paulo: Malheiros, 5ª ed., 2009, p. 215.

36. Diante de todo o exposto, o acórdão recorrido deve ser reformado

para que a vigência do contrato renovado seja de 5 (cinco) anos, ou seja, de

23.12.2003 a 23.12.2008.

2. Dos honorários advocatícios (violação dos arts. 20 e 21 do CPC)

37. Sustentam os recorrentes que, na hipótese, a sucumbência não foi

recíproca, mas parcial, não podendo, assim, ser igualmente distribuídos os ônus e

compensados os honorários.

38. Contudo, conforme o acórdão recorrido, na hipótese, houve

sucumbência dos recorrentes quando ao prazo de renovação do contrato e

também quanto ao valor do aluguel oferecido, justifi cando-se a distribuição

equitativa dos respectivos ônus.

39. Esse entendimento coaduna-se com a jurisprudência pacífi ca desta

Corte, no sentido de que, havendo sucumbência recíproca, devem-se compensar

os honorários advocatícios. Inteligência do art. 21 do CPC c.c. a Súmula n. 306-

STJ.

Page 79: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 403

40. Assim, ausente qualquer violação dos arts. 20 e 21 do CPC.

Forte nestas razões, dou parcial provimento ao recurso especial apenas para

alterar o prazo de vigência do contrato renovado, nos termos do voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.351.005-RJ (2012/0225898-0)

Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Recorrente: Inducom Comunicações Ltda

Advogados: Herlon Monteiro Fontes

Márcio Vieira Souto Costa Ferreira e outro(s)

Frederico Jose Ferreira

Recorrente: Telecomunicações Brasileiras S/A - Telebrás

Advogados: Gabriel Francisco Leonardos

Elisa Bastos Mutschaewski e outro(s)

Rafael Lacaz Amaral e outro(s)

Recorrido: Os mesmos

Recorrido: Instituto Nacional de Propriedade Industrial INPI

Advogado: Márcia Vasconcelos Boaventura e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Direito Civil. Propriedade industrial. Invenção.

Patente. Sistema Automático para Chamadas Telefônicas a Cobrar.

Ação anulatória do cancelamento do registro da patente. Violação do

art. 58 da Lei n. 5.772/1971. Falta de prequestionamento. Novidade.

Sufi ciência descritiva do depósito. Reexame de provas. Inadequação da

via. Súmula n. 7-STJ. Compartilhamento da titularidade da invenção

entre o autor e terceiro. Pedido não compreendido nos limites da lide.

Julgamento extra petita. Arts. 128 e 460 do CPC. Saneamento do

vício. Art. 257 do RISTJ.

1. A ausência de prequestionamento da matéria suscitada no

recurso especial, a despeito da oposição de embargos declaratórios,

impede o conhecimento do recurso especial (Súmula n. 211-STJ).

Page 80: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

404

2. O conhecimento do recurso especial, no que se refere à aferição

da natureza de novidade da invenção objeto do depósito de patente,

bem como da sufi ciência descritiva deste, demanda nova incursão

fático-probatória, inviável tendo em vista a incidência da Súmula n.

7-STJ.

3. O interesse em recorrer resulta da conjugação de dois fatores: (i)

da utilidade da interposição do recurso - que consiste na possibilidade

de obtenção pelo recorrente de um resultado que corresponda à

situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que aquela

resultante da decisão recorrida e (ii) da necessidade de sua utilização

- que se revela por sua imprescindibilidade para que o recorrente

alcance a vantagem almejada.

4. Carece de interesse recursal a parte ré quanto à pretensão de

extipar do acórdão impugnado matéria estranha, confi guradora de

julgamento extra petita, mas que não lhe diz respeito por versar sobre

relação jurídica distinta - havida entre a parte autora da demanda e

terceiro não chamado a integrar a lide.

5. Reconhecido o cabimento do especial, cumpre ao Superior

Tribunal de Justiça julgar a causa aplicando o direito à espécie, a teor

do art. 257 do RISTJ.

6. Consoante o disposto pelo art. 128 do CPC, o autor fi xa os

limites da lide e da causa de pedir na petição inicial, cabendo ao juiz

decidir de acordo com esse limite. É justamente por tal motivo que

não é dado ao julgador proferir sentença acima, fora ou aquém daquilo

que foi postulado.

7. Estando o pedido autoral adstrito à anulação da decisão

administrativa do INPI, que, a pedido da Telebrás, cancelou o registro

da patente do “Sistema Automático para Chamadas Telefônicas a

Cobrar”, não é dado ao julgador, sob pena de incorrer em julgamento

extra petita, decidir sobre a existência de relação jurídica diversa,

relativa à eventual necessidade de divisão da titularidade do registro

entre a parte autora e empresa distinta, que não pretendeu tal solução

em juízo e sequer chegou a integrar a presente lide.

8. Recurso especial da Telebrás não conhecido e recurso especial

da Inducom provido para, aplicando o direito à espécie, afastar do

acórdão recorrido o capítulo que confi gurou julgamento extra petita.

Page 81: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 405

ACÓRDÃO

A Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso

especial de Inducom Comunicações Ltda e não conhecer do recurso especial

de Telecomunicações Brasileiras S/A - Telebrás, nos termos do voto do Sr.

Ministro Relator. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti

e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente,

justifi cadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Dr(a). Frederico Ferreira, pela parte recorrente: Inducom Comunicações

Ltda

Brasília (DF), 1º de outubro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator

DJe 7.10.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Trata-se de dois recursos

especiais, o primeiro interposto por Inducom Comunicações Ltda. (e-STJ fl s.

2.080-2.087) e o segundo interposto por Telecomunicações Brasileiras S.A. -

Telebras (e-STJ fl s. 2.093-2.113), ambos com fulcro na alínea a do artigo 105,

inciso III, da Constituição Federal, contra acórdão prolatado pelo Tribunal

Regional Federal da 2ª Região.

Consta dos autos que, em junho de 1980, Adenor Martins de Araújo, então

empregado da Telecomunicações de Santa Catarina - TELESC (subsidiária, à

época, do sistema Telebras) depositou no Instituto Nacional de Propriedade

Industrial - INPI pedido de registro de patente de invenção a que denominou

“Sistema Automático para Chamadas Telefônicas a Cobrar”, que também se

tornou conhecida como “DDC” - abreviação de “discagem direta a cobrar”.

Durante o processamento do pedido de registro da patente, o depositante,

pretenso inventor do sistema, transferiu sua titularidade à primeira recorrente

- Inducom Comunicações Ltda. Esta, tão logo concedido o registro da patente

(por despacho publicado em janeiro de 1984), passou a contactar as diversas

empresas de telefonia do Brasil objetivando estabelecer negociações para fi ns de

recebimento dos royalties que lhe seriam devidos pelo uso do invento patenteado.

Page 82: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

406

Ocorre que, em 17.1.1985, a segunda recorrente - Telebras - protocolizou

no INPI pedido de cancelamento da carta patente expedida (de n. 8003673-0).

Naquela oportunidade, a então requerente fundou seu pleito em dois principais

argumentos: (i) que a suposta invenção, na data do depósito, não teria a

característica da novidade, por já estar compreendida no estado de técnica e (ii)

que o relatório descritivo apresentado pelo depositante seria insufi ciente para a

concessão da patente, por tornar inexequível o sistema por técnico no assunto.

Após o regular trâmite administrativo, mais especifi camente em 2.7.1985,

deferiu-se o pedido de cancelamento da patente. Referida decisão foi objeto,

ainda, de recurso administrativo, indeferido por decisão publicada em 13.1.1987.

Diante dos fatos narrados, Inducom Comunicações Ltda. ajuizou, em maio

de 1988, a ação que deu origem aos presentes autos, objetivando única e

exclusivamente a anulação da decisão administrativa de cancelamento, para que

seja a patente considerada em plena valia.

O Juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido formulado na

exordial para declarar “nulo o ato administrativo do INPI, através do qual

cancelou a Carta Patente n. 8003673 (depósito), de 24.1.1984, bem como os

atos administrativos posteriores, ao depósito vinculados” e reconhecer “a validade

da carta patente, n. do depósito 8003673, desde a sua expedição em 24.1.1984”.

Na ocasião, condenou o INPI e a Telebras ao pagamento das custas judiciais e

dos honorários periciais e sucumbenciais, estes últimos fi xados em 20% (vinte

por cento), incidentes sobre o valor atualizado da causa (e-STJ fl . 1.276).

Inconformados, INPI e Telebras interpuseram recursos de apelação (e-STJ

fl s. 1.292-1.295 e 1.309-1.353).

A Corte de origem, por maioria de votos, deu provimento aos apelos

interpostos, bem como à remessa necessária, para, reformando a sentença,

concluir pela legalidade do ato administrativo de cancelamento da patente,

invertendo os ônus sucumbenciais (e-STJ fl s. 1.677-1.772).

A autora da demanda - Inducom - interpôs embargos infringentes (e-STJ

fl s. 1.831-1.867), pretendendo fazer prevalecer o voto vencido, que negava

provimento aos apelos e à remessa necessária, para confi rmar a sentença primeva

(e-STJ fl s. 1.764-1.765).

A Primeira Seção Especializada do TRF da 2ª Região, também por maioria

de votos, deu parcial provimento aos embargos em aresto assim ementado:

Propriedade industrial. Patente. Invenção. Novidade. Estado da técnica.

Inventor. Defi nição.

Page 83: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 407

1. Nos embargos infringentes, o órgão julgador não está adstrito às razões

invocadas no voto minoritário, não obrigando, com isso, o recorrente a proceder

a uma repetição dos fundamentos esposados no voto vencido. Assim, o que

prevalece efetivamente é a divergência entre a conclusão dos votos vencedores e

vencidos e não, exclusivamente, fundamentos.

2. A novidade de um determinado pedido de patente é excluída pelo uso

anterior ou pela divulgação anterior do seu objeto. No caso vertente, o voto

vencedor menciona o fato de que vários jornais haviam se manifestado sobre o

invento em si e que isso seria sufi ciente para revelar o conteúdo do pedido da

patente. Ocorre que, uma leitura das aludidas notícias jornalísticas demonstra que

estas guardavam um cunho meramente informativo e comercial, não divulgando

dessa forma, os pontos característicos da patente.

3. Defi ne-se estado da técnica como tudo aquilo tornado acessível ao público

antes da data do pedido de patente, por uso ou por qualquer meio no Brasil ou

no exterior. Tornar público um conhecimento implica necessariamente em se

constatar sufi ciência na divulgação, isto é, uma transmissão de conhecimento da

regra técnica que não esteja subordinada a uma obrigação de guardar segredo,

ainda que implícita, vez que o direito à proteção não pode ser afetado por fatos

que confi guram a própria dinâmica da inovação.

4. Quando o INPI define que há suficiência descritiva, que é um dado

objetivo, não pode, posteriormente, modifi car a sua opinião, principalmente se

a insufi ciência descritiva era em relação a aspectos meramente formais. Se fosse

um aspecto material, ainda seria razoável, mas não em se tratando de um aspecto

meramente formal.

5. À causa em análise deve ser aplicado o art. 42 do antigo CPI, considerando

que o empregado desenvolveu um invento de moto-próprio, sem qualquer

colaboração, mas ele precisou do empregador para proceder aos testes, ou seja,

ele precisou de recursos, dados, meios, materiais, instalações, equipamentos, do

empregador para empregar nos testes. Assim, seria o caso de se dividir meio a

meio qualquer ganho relacionado ao invento.

6. Embargos infringentes parcialmente providos (e-STJ fl s. 2.029-2.030).

Ao assim decidir, a Corte de origem, consoante se extrai da parte dispositiva

do voto condutor do julgado, anulou o ato administrativo que cancelou a Carta

Patente n. 8003673, determinando, contudo, a aplicação do art. 42 da Lei n.

5.772/1971 para dividir os ganhos advindos da invenção entre a pessoa de

seu inventor e sua empregadora à época do invento, Telecomunicações de Santa

Catarina - TELESC (a que o Tribunal Regional afi rmou ter sido sucedida pela

Telebras).

Page 84: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

408

Contra o julgado, tanto a Telebras quanto a Inducom opuseram embargos

de declaração (e-STJ fl s. 2.036-2.044 e 2.048-2.051).

Em suas razões de embargar, a Telebras apontou a existência de

obscuridades, objetivando, nesse particular, conferir efeitos infringentes ao aresto

embargado. Afi rmou a existência de erro material, visto que, ao contrário do

decidido, a TELESC (empregadora do suposto inventor do sistema cuja patente

se discute) teria sido sucedida pela Brasil Telecom S.A., parte que sequer fi gurou

na demanda. Sustentou, ainda, que a Corte de origem promoveu julgamento

extra petita, haja vista não estar a questão relativa à necessidade de divisão dos

ganhos oriundos da patente compreendida no pedido autoral, mesmo porque

diz respeito à relação jurídica existente entre autora e pessoa jurídica distinta,

que não foi chamada a integrar o polo passivo da demanda.

A Inducom, por sua vez, afi rmou omisso o julgado no tocante à distribuição

dos ônus sucumbenciais. Pugnou, ainda, que fosse levado em consideração, para

o afastamento da incidência do art. 42 da Lei n. 5.772/1971, o teor de despacho

proferido pelo então Diretor de Operações da TELESC, no qual se revelaria a

abdicação, por parte da empresa, de quaisquer direitos pelos testes do sistema

“DDC” ali realizados.

A Corte de origem acolheu parcialmente ambos os embargos apenas para:

(i) com relação aos primeiros, admitir a existência de erro material na indicação

da sucessora da TELESC, reconhecendo como tal a Brasil Telecom S.A., e (ii)

com relação aos segundos, fi xar a distribuição dos ônus sucumbenciais.

Segue a ementa do aresto dos aclaratórios:

Processual Civil. Embargos de declaração em apelação cível.

1. Os embargos de declaração não são meio próprio ao reexame da causa,

devendo limitar-se ao esclarecimento de obscuridade, contradição ou omissão.

2. O acórdão incorreu em erro material, uma vez que a Telecomunicações

Brasileiras S/A - Telebrás, ao contrário do afi rmado no acórdão embargado, não é

sucessora da TELESC, papel que cabe, na verdade, a Brasil Telecom S/A. Além disso,

o acórdão incorreu em omissão em relação à fi xação dos ônus de sucumbência,

razão pela qual, considerando que o acórdão concluiu por dar parcial provimento

aos embargos infringentes, mostra-se razoável a fi xação do pagamento de custas

e honorários de sucumbência no patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor

atualizado da causa, pro rata.

3. Embargos de declaração parcialmente providos (e-STJ fl . 2.076).

Page 85: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 409

Diante de tais circunstâncias, deu-se a interposição dos recursos especiais

que ora se apresentam.

Em suas razões (e-STJ fl s. 2.080-2.087), a primeira recorrente - Inducom

Comunicações Ltda. - aponta ofensa ao art. 42 da Lei n. 5.772/1971 (atual art. 91

da Lei n. 9.279/1996), sob dois fundamentos: (i) porque “a melhor interpretação

da norma em referência não pode permitir que a simples execução de testes pelo

empregador se equipare aos mecanismos facilitadores descritos no texto legal”,

não se justifi cando, assim, a divisão da propriedade da patente entre a TELESC

- empregadora - e seu empregado, o inventor (e-STJ fl . 2.085) e (ii) porque o

referido dispositivo legal não teria aplicação à hipótese por força de despacho

proferido pelo superior hierárquico do empregado inventor nos seguintes

termos: “o teste poderá ser executado e a aplicação pela TELESC do projeto

não implicará em direitos por parte da mesma e sim como mero consentimento

pelo inventor” (e-STJ fl . 2.087).

Por seu turno, a segunda recorrente - Telecomunicações Brasileiras S.A.

- Telebras - aduz, em seu arrazoado recursal (e-STJ fl s. 2.093-2.113), estar

confi gurada a violação dos arts. 6º, caput e §§ 1º e 2º, 7º e 55, alínea a, todos da

Lei n. 5.772/1971. Nesse ponto específi co, insiste na alegação de que o invento,

quando do depósito, não era mais patenteável. Reafi rma que os testes públicos

do sistema “DDC” realizados pela TELESC, com autorização de seu pretenso

inventor, em momento anterior ao depósito da patente, retiraram sua novidade,

requisito legalmente indispensável para o registro, que, desse modo, teria sido

acertadamente cancelado pelo INPI.

Afirma que a Corte de origem negou vigência ao art. 58 da Lei n.

5.772/1971, tendo em vista que este autorizaria o cancelamento, pelo INPI, do

registro da patente não só pela falta de novidade suscitada, mas, também, pela

constatada insufi ciência do relatório descritivo do depósito da patente.

Ao fi nal, aponta como violado o art. 460, caput, do Código de Processo

Civil, porquanto confi guraria julgamento extra petita a incursão promovida pelo

aresto recorrido na questão relativa à eventual divisão dos ganhos resultantes do

reconhecimento da validade da Carta Patente n. 8003673 entre o empregado

inventor e a TELESC. Sustenta, nesse particular, que o objeto da presente ação

está adstrito à discussão a respeito da validade da patente e, que, além disso,

a Brasil Telecom S.A., sucessora da TELESC, sequer fi gurou como parte na

demanda.

Page 86: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

410

Apresentadas contrarrazões (e-STJ fl s. 2.218-2.232 e 2.234-2.246), e

admitidos ambos os apelos nobres, ascenderam os autos a esta Corte Superior.

O Ministério Público Federal emitiu parecer (e-STJ fl s. 2.268-2.271),

opinando pelo não conhecimento dos recursos.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): Antes de proceder

à análise das pretensões encartadas nas razões dos dois recursos especiais ora

trazidos à apreciação, impõe-se discorrer brevemente sobre as premissas fáticas

da demanda e que, seja porque incontroversas, seja porque defi nitivamente

dirimidas pelas instâncias ordinárias com esteio no acervo probatório carreado

aos autos, devem ser tomadas por verdadeiras.

No fi nal da decáda de 70, o Sr. Adenor Martins de Araújo, então empregado

da TELESC, inventou, com recursos próprios, o sistema que permite a realização

de chamadas telefônicas a cobrar de forma totalmente automatizada. Com ele,

permitiu-se ao usuário do serviço de telefonia que, na realização de chamada

telefônica, a partir da inclusão do dígito 9 (nove) ao número de telefone

chamado precedido do prefi xo nacional (zero) e do código de área de destino

(composto de dois outros dígitos), conseguisse realizar chamada que, de modo

automático, possibilitasse ao destinatário assumir o ônus de custear a ligação

que recebia, o que se dava pelo simples fato de o destinatário permanecer “na

linha”, aguardando a reprodução da gravação: “Chamada a cobrar. Para aceitá-la,

continue na linha após a identifi cação”.

A invenção, antes de ter seu uso massifi cado, foi objeto de testes realizados

em Municípios do interior de Santa Catarina, com autorização concedida ao

inventor pela própria TELESC.

O Sr. Adenor, em junho de 1980, depositou o requerimento do registro da

patente, que foi concedida e anos depois cancelada pelo INPI. Cancelamento

este que se deu a requerimento da Telebras.

A ação que deu origem aos presentes recursos especiais foi ajuizada em

maio de 1988 e encerra, tão somente, a pretensão da empresa Inducom (que

adquiriu do inventor - Sr. Adenor - a titularidade dos direitos da patente) de ver

reconhecida a nulidade da decisão que, administrativamente, cancelou a Carta

Patente n. 8003673-0, relativa ao invento supra descrito.

Page 87: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 411

Integram o polo passivo da demanda somente o INPI e a Telebras.

Após mais de 22 anos em curso, a causa foi definitivamente julgada

pela Primeira Seção Especializada do TRF da 2ª Região que, ao dar parcial

provimento aos embargos infringentes interpostos pela empresa autora,

reconheceu a procedência do único pedido formulado na exordial - de nulidade

do cancelamento do registro e, consequentemente, da declaração de validade da

Carta Patente n. 8003673-0). No entanto, foi além, decidindo também sobre

a necessidade de aplicação à hipótese da inteligência do art. 42 do revogado

Código da Propriedade Industrial (Lei n. 5.772/1971), dividindo, assim, entre a

autora da demanda e a TELESC (na condição de empregadora do inventor) a

titularidade da patente.

O objeto de ambos os recursos especiais que se afi guram é o aresto naquela

ocasião exarado.

Feita a breve introdução, passa-se à apreciação pontual de cada um dos

recursos, a começar pelo especial intentado pela Telebras, apenas para facilitar o

desencadeamento lógico de ideias.

DO RECURSO ESPECIAL DE TELECOMUNICAÇÕES

BRASILEIRAS S.A. - TELEBRAS (e-STJ fl s. 2.093-2.113).

Consoante o já relatado, a irresignação recursal da Telebras está assentada

nas alegações de supostas ofensas aos seguintes dispositivos legais com as

respectivas teses:

(i) arts. 6º, caput e §§ 1º e 2º, 7º e 55, alínea a, da Lei n. 5.772/1971

- porque resultaria evidente das provas colhidas nos autos que o sistema

“DDC”, quando do depósito não era mais patenteável. Isso porque os testes

públicos realizados pela TELESC, com autorização de seu pretenso inventor,

em momento anterior ao depósito da patente, retiraram sua novidade,

requisito legalmente indispensável para o registro que, deste modo, teria sido

acertadamente cancelado pelo INPI;

(ii) art. 58 da Lei n. 5.772/1971 - porque este dispositivo legal autorizaria

o cancelamento, pelo INPI, do registro da patente não só pela falta de novidade

suscitada, mas, também, pela constatada insufi ciência do relatório descritivo de

seu depósito, e

(iii) art. 460, caput, do Código de Processo Civil - pois configuraria

julgamento extra petita a incursão promovida pelo aresto recorrido no ponto

Page 88: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

412

relativo à eventual divisão dos ganhos resultantes do reconhecimento da validade

da Carta Patente n. 8003673 entre o empregado inventor e a TELESC, matéria

que não está adstrita ao pedido formulado na inicial, além de ser de interesse

de pessoa jurídica que não integrou a lide, a empresa Brasil Telecom S.A., real

sucessora da TELESC.

Como se vê, cingem-se as pretensões da recorrente ao cancelamento da

patente e ao reconhecimento de que a Corte de origem promoveu julgamento

extra petita ao avançar sobre a discussão acerca da aplicação ao caso do art. 42 da

Lei n. 5.772/1971.

Não merecem acolhida as pretensões recursais. Isso porque, o apelo nobre

não se faz merecedor de conhecimento.

Com efeito, no tocante à aludida violação do art. 58 da Lei n. 5.772/1971,

verifica-se que a matéria versada no referido dispositivo legal - relativa à

possibilidade de cancelamento administrativo do privilégio da patente - não foi

objeto de debate pelas instâncias ordinárias, sequer de modo implícito, apesar

da oposição de embargos declaratórios. Por esse motivo, ausente o requisito do

prequestionamento, incide o disposto na Súmula n. 282-STF: “É inadmissível

o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão

federal suscitada”.

Desatendido, portanto, o requisito do prequestionamento também nos

termos da Súmula n. 211-STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão

que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo

Tribunal a quo”.

Nesse sentido:

Agravo regimental. Agravo de instrumento. Recurso especial. Execução.

Princípio da menor onerosidade. Interesse do credor. Prequestionamento. Súmula

n. 211-STJ. Reexame de provas. Súmula n. 7-STJ.

1.- O princípio da menor onerosidade ao devedor deve estar em harmonia

com o interesse do credor.

2.- O prequestionamento, entendido como a necessidade de o tema objeto

do recurso haver sido examinado pela decisão atacada, constitui exigência

inafastável da própria previsão constitucional, ao tratar do recurso especial,

impondo-se como um dos principais requisitos ao seu conhecimento. Não

examinada a matéria objeto do especial pela instância a quo, mesmo com a

oposição dos embargos de declaração, incide o Enunciado n. 211 da Súmula do

Superior Tribunal de Justiça.

Page 89: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 413

(...).

4.- Agravo Regimental improvido.

(AgRg no AREsp n. 158.707-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma,

julgado em 22.5.2012, DJe 5.6.2012).

Agravo regimental. Agravo de instrumento. Ausência de prequestionamento.

Súmula n. 211-STJ. Ação rescisória. Violação à coisa julgada. Verificação.

Impossibilidade. Reexame de provas. Súmula n. 7-STJ.

1. Carece do necessário prequestionamento a matéria não debatida pelo

Tribunal de origem, ainda que opostos embargos de declaração.

Incidência da Súmula n. 211-STJ.

(...).

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no Ag n. 1.327.008-GO, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira

Turma, julgado em 15.3.2012, DJe 21.3.2012).

Ademais, não há como aferir, na via especial, se existente a suscitada ofensa

aos arts. 6º, caput e §§ 1º e 2º, 7º e 55, alínea a, da Lei n. 5.772/1971.

Isso porque, nesse ponto específi co, a pretensão da recorrente repousa

no anseio de ver infi rmadas as conclusões da Corte de origem pela novidade

da invenção e suficiência descritiva do depósito. Tais requisitos, acaso

afastados, revelariam a viabilidade do cancelamento pretendido pela Telebras

administrativamente.

Todavia, da simples leitura do voto condutor do julgado hostilizado, extrai-

se que as mencionadas conclusões resultaram do exame de provas e fatos que

permearam a demanda.

A propósito, merece destaque o seguinte excerto do aresto impugnado:

Inicio a minha análise pela avaliação do requisito da novidade.

Uma breve cronologia dos fatos revela que, em outubro de 1979, ocorreu o

pedido do Sr. Adenor Martins de Araújo à Telecomunicações de Santa Catarina S.A.

- TELESC S.A. para realização dos testes, tendo estes se iniciado em dezembro de

1979, e, em 12 de junho de 1980, o pedido da patente de invenção foi depositado.

Com efeito, a novidade de um determinado pedido de patente é excluída pelo

uso anterior ou pela divulgação anterior do seu objeto.

Em relação às notícias de jornal, a douta Juíza Federal convocada Márcia Helena

Nunes, menciona, no voto vencedor, que vários jornais haviam se manifestado sobre

Page 90: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

414

o invento em si e que isso seria suficiente para revelar o conteúdo do pedido da

patente.

Ocorre que, uma leitura das aludidas notícias jornalísticas demonstra que estas

guardavam um cunho meramente informativo e comercial, não divulgando, dessa

forma, os pontos característicos da patente.

Em outras palavras, as características essenciais da patente não foram

desvendadas a ponto de um técnico no assunto poder, efetivamente, produzir o

mesmo objeto. Tal circunstância está, inclusive, disposta na resposta ao quesito n. 6

do laudo do perito judicial (fl s. 1.090).

Assim, entendo que, com relação às noticias publicadas nos jornais, não houve

ferimento à obrigatoriedade da novidade.

Já com relação aos testes realizados pela Telecomunicações de Santa Catarina

S.A. - TELESC S.A., o voto vencedor se pronunciou nos seguintes termos:

(...) Que os testes tenham sido realizados em Blumenau (15.1.1980 -

central 22), até então concordo com a autora e com o perito: era necessário.

Entretanto, creio que a situação escapou ao controle de Adenor, na

medida em que, de acordo com o noticiado nos autos do procedimento

administrativo, antes mesmo do depósito da patente, o sistema já havia

sido instalado comercialmente em várias cidades do Estado de Santa

Catarina, com Brusque, Itajaí, Balneário de Camboriú, Itapema, Porto Belo

e Piçarras (desde 15.2.1980), Florianópolis (desde 10.4.1980, e também

6.5.1980, central 44) e Criciúma (também 6.5.1980), tudo conforme as

notícias no jornal catarinense O Estado, de 15.12.1980 (fl . 106 do apenso),

de 10.4.1980 (fl s. 107-8 do apenso) e 6.5.1980 (fl . 109 do apenso).

Além disso, a matéria no jornal O Estado dizia que: ‘Este sistema foi

testado e aprovado em Blumenau e até o fi nal do ano a Telesc pretende

implantá-lo em todos os municípios do estado que dispõe de DDD (fl s.

1.634-1.635).

Resta, pois, defi nir se os testes feitos pela TELESC correspondem, efetivamente, a

uso, considerando que a questão está sob a égide do antigo Código de Propriedade

Industrial, uma vez que os fatos datam de 1980.

Nessa seara, observa-se que, com base no antigo Código de Propriedade

Industrial, assim como o faz a LPI, a defi nição do que seja novidade exclui o teste.

Defi ne-se estado da técnica como tudo aquilo tornado acessível ao público

antes da data do pedido de patente, por uso ou por qualquer outro méio no Brasil

ou no exterior.

Tornar público um conhecimento implica necessariamente em se constatar

sufi ciência na divulgação, isto é, uma transmissão do conhecimento da regra

técnica que não esteja subordinada a uma obrigação de guardar segredo, ainda

Page 91: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 415

que implícita, vez que o direito à proteção não pode ser afetado por fatos que

confi guram a própria dinâmica da inovação.

Nesse sentido, inexiste, nos autos, prova de que o produto tenha sido divulgado a

terceiros que não à TELESC, demonstrando, ainda que implicitamente, a existência de

uma obrigação de segredo travada entre esta e o inventor.

Ademais, um teste não pode ser tido como a mesma coisa que uso, ou seja, esses

dois conceitos não podem ser equiparados.

Desta forma, entendo que o teste feito pela TELESC não impede a concessão da

patente de invenção.

Passo, em seguida, a avaliar se a questão saiu realmente do controle do inventor,

assim como entendeu a douta Juíza Federal Convocada Márcia Helena Nunes no voto

vencedor.

Com efeito, teria saído do controle apenas se tivesse havido exploração comercial,

o que não ocorreu na hipótese em tela, na qual houve apenas a continuação dos

testes.

Outro aspecto alegado é a insufi ciência descritiva.

Nesse particular, o voto do eminente Desembargador Federal Sérgio Feltrin

Côrrea bem abordou a questão:

O relatório descritivo contém a defi nição do invento, sua área de aplicação,

o estado da técnica considerado pelo depositante, a solução proposta para o

problema técnico existente, bem como as vantagens do invento.

Observa-se que o INPI, inicialmente, entendeu que o relatório descritivo era

sufi ciente, tanto que deferiu a patente e, posteriormente, chegou à conclusão de

que a descrição era insufi ciente.

Ocorre que, como bem ponderado no voto vencido, as exigências realizadas

pelo INPI possuíam aspecto meramente formal, como, por exemplo, deslocar uma

reivindicação de um item para outro.

Cumprida a exigência, o parecer fi nal do INPI foi dados nos seguintes termos:

O depositante cumpriu, satisfatoriamente, as exigências publicadas na

RPI n. 632 e o pedido se encontra agora em condições de obter o privilégio

requerido. Opinamos pelo deferimento, devendo integrar a carta-patente

os seguintes documentos (...)

Assim, os aspectos meramente formais foram amplamente superados, tanto que o

parecer da autarquia marcária foi favorável, ou seja, o examinador do INPI analisou e

entendeu que houve a sufi ciência descritiva.

Destaque-se que a suficiência descritiva se constitui em um dado objetivo do

processo administrativo.

Page 92: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

416

Partindo dessa premissa, surge a pergunta: se objetivamente o INPI entendeu

que havia sufi ciência descritiva, um outro técnico, em um, momento posterior,

pode concluir por sua inexistência, tratando-se de um dado objetivo?

Parece-me que se sujeitar a diversas opiniões, sobretudo quando

diametralmente opostas, em situações limites, significaria nunca dar fim ao

processo. Cada vez que um servidor examinasse, ia achar que havia sufi ciência e

um outro achar que havia insufi ciência.

Dessa forma, creio que, quando o INPI defi ne que há sufi ciência descritiva, que é

um dado objetivo, não pode, posteriormente, modifi car a sua opinião, principalmente

se a insufi ciência descritiva era em relação a aspectos meramente formais.

Se fosse um aspecto material, ‘ainda seria razoável, mas não em se tratando de

um aspecto meramente formal (e-STJ fl s. 2.021-2.025 - grifou-se).

Assim como posta a matéria, a verifi cação da procedência dos argumentos

expendidos no recurso - pela ausência de novidade da invenção no momento do

depósito ou pela insufi ciência descritiva deste - exigiria que esta Corte Superior

promovesse, na via especial, profundo reexame de matéria fático-probatória, o

que é vedado pela Súmula n. 7-STJ, consoante iterativa jurisprudência desta

Corte.

No tocante à alegação de que malferido o art. 460, caput, do CPC, a

pretensão da recorrente de extipar do acórdão impugnado matéria estranha,

configuradora de julgamento extra petita, encontra óbice em sua falta de

interesse recursal para tanto.

Como consabido, a noção de interesse processual está diretamente

relacionada à conjugação da utilidade da providência judicial almejada e da

necessidade da via escolhida para que tal providência seja alcançada.

O interesse da parte em recorrer é aferido a partir dessa mesma ótica,

sendo oportuna, nesse particular, a lição de José Carlos Barbosa Moreira,

para quem o interesse em recorrer “resulta da conjugação de dois fatores: de

um lado, é preciso que o recorrente possa esperar, da interposição do recurso,

a consecução de um resultado a que corresponda situação mais vantajosa, do

ponto de vista prático, do que a emergente da decisão recorrida; de outro lado,

que lhe seja necessário usar o recurso para alcançar tal vantagem” (Comentários

ao Código de Processo Civil, 12ª ed., Rio de Janeiro, Forense, p. 298).

Com efeito, a incursão da Corte de origem no debate acerca da possibilidade

de divisão dos ganhos advindos da patente entre o empregado inventor e sua

empregadora TELESC não atinge em nada os direitos da Telebras, fato que, por

si só, já revela sua ausência de interesse recursal quanto ao tema.

Page 93: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 417

O eventual provimento do presente recurso, para que fosse ceifada do

acórdão atacado a discussão referente à aplicação ou não do art. 42 da Lei n.

5.772/1971, não resultaria, do ponto de vista prático, em situação mais vantajosa

para a Telebras. Além disso, não se pode admitir que seja por ela formulada

pretensão em defesa de direito alheio, no caso, eventual direito da Brasil Telecom

S.A. de, na condição de sucessora da TELESC, demandar a titularidade da

patente em tela através do ajuizamento de ação própria.

Desse modo, também no que diz respeito à suscitada ofensa ao art. 460

do CPC, não merece conhecimento o recurso especial, desprovido que é de

utilidade prática aos interesses da Telebras.

Antecipe-se, todavia, que a questão relativa à ocorrência, no caso em

apreço, de julgamento extra petita não está completamente superada. Será

retomada logo adiante, quando da apreciação do recurso especial interposto por

Inducom Comunicações Ltda.

DO RECURSO ESPECIAL DE INDUCOM COMUNICAÇÕES

LTDA. (e-STJ fl s. 2.080-2.087).

Versa o recurso especial de Inducom Comunicações Ltda. apenas sobre

a suposta violação do art. 42 da Lei n. 5.772/1971 (atual art. 91 da Lei n.

9.279/1996).

Pretende a recorrente afastar a conclusão da Corte de origem pela divisão

da titularidade da patente entre ela (atual titular dos direitos do empregado

inventor) e a Brasil Telecom S.A. (sucessora da TELESC - empregadora do

inventor). Para tanto, fi rma sua irresignação recursal no fundamento de que “a

melhor interpretação da norma em referência não pode permitir que a simples

execução de testes pelo empregador se equipare aos mecanismos facilitadores

descritos no texto legal” (e-STJ fl . 2.085).

Aduz, ainda, que o referido dispositivo legal não teria aplicação à hipótese

vertente por força de despacho proferido pelo superior hierárquico do empregado

inventor nos seguintes termos: “o teste poderá ser executado e a aplicação pela

TELESC do projeto não implicará em direitos por parte da mesma e sim como

mero consentimento pelo inventor” (e-STJ fl . 2.087).

Impõe-se destacar, inicialmente, que aberta está a via especial. O recurso

preenche os requisitos de admissibilidade. É tempestivo, teve regularmente

realizado seu preparo e a matéria federal inserta no dispositivo legal apontado

como malferido encontra-se devidamente prequestionada.

Page 94: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

418

Reconhecido o cabimento do especial, cumpre ao Tribunal julgar a causa

aplicando o direito à espécie, a teor do art. 257 do Regimento Interno desta

Corte Superior.

Importante fi rmar tal premissa porque, no caso concreto, o exame acurado

dos autos chama a atenção para a peculiaridade de que o único tema ventilado

no especial diz respeito à questão que, por não estar compreendida nos limites

da lide, não deveria ter sido apreciada pela Corte Regional.

Consoante o disposto pelo art. 128 do CPC, o autor fi xa os limites da lide

e da causa de pedir na petição inicial, cabendo ao juiz decidir de acordo com

esse limite. É justamente por tal motivo que não é dado ao julgador proferir

sentença acima, fora ou aquém daquilo que foi postulado. Dessa ordem de ideias

é que resulta a inteligência do art. 460 do CPC, segundo o qual “É defeso ao

juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como

condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi

demandado.

Na ação anulatória em apreço, o pedido formulado pela recorrente, a

autora, se restringiu única e exclusivamente à anulação da decisão administrativa

que cancelou o registro da patente do “Sistema Automático para Chamadas

Telefônicas a Cobrar”. O debate a ser promovido durante o processamento

e julgamento da demanda deveria, assim, permanecer adstrito a saber se o

procedimento administrativo que concedeu o registro originário da patente

carregava mácula que ensejasse seu posterior cancelamento pelo INPI.

O juízo de origem, como já relatado, julgou procedente o pedido autoral.

Reconheceu ser nulo o ato administrativo de cancelamento da Carta Patente n.

8003673, restabelecendo sua plena valia.

A Corte de origem, em sede apelação e remessa necessária, entendeu de

modo diametralmente oposto, mantendo hígida a decisão administrativa de

cancelamento.

Até então, ambas as instâncias ordinárias mantiveram-se adstritas ao

pedido, situação que se altera quando do julgamento dos embargos infringentes.

A Primeira Seção Especializada do TRF da 2ª Região, ao dar parcial

provimento aos embargos infringentes interpostos pela empresa autora,

reconheceu a procedência do único pedido formulado na exordial - de nulidade

do cancelamento do registro e, consequentemente, da declaração de validade da

Carta Patente n. 8003673-0.

Page 95: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 419

Nesse ponto, não se pode imputar ao julgado nenhum vício relativo à

observância da necessidade de restringir a decisão ao pedido e à causa de pedir.

Ocorre, porém, que a Corte Regional foi além do que devia, decidindo, por

equívoco - provavelmente decorrente do fato de acreditar ser a Telebras e não a

Brasil Telecom S.A. a sucessora da TELESC - sobre a necessidade de aplicação

à hipótese da inteligência do art. 42 do revogado Código da Propriedade

Industrial (Lei n. 5.772/1971), dividindo entre a autora da demanda e a

TELESC (na condição de empregadora do inventor) a titularidade da patente.

Ao assim decidir, a Corte de origem extrapolou os limites da demanda,

proferindo julgamento extra petita, pois, repita-se, o pedido formulado

pela recorrente se restringiu única e exclusivamente à anulação da decisão

administrativa que cancelou o registro da patente, consoante se extrai da peça

inaugural:

(...) B) Se desacolhida a preliminar, no mérito, seja a ação julgada procedente,

para o fi m de ser anulada a decisão administrativa e seja considerada a patente, em

plena valia, com condenação daquelas na forma da lei (e-STJ fl . 34 - grifou-se).

Ademais, a um só tempo, impôs à autora da demanda o ônus de dividir

a patente com empresa que nunca formulou tal pretensão e retirou desta, que

sequer integrou a lide, o direito de pretender a integral titularidade do registro

em ação própria.

É clara a ofensa ao art. 460 do CPC. Impõe-se chamar o presente feito a

ordem e extirpar daquele julgado, por óbvio, apenas aquilo que excedeu o pedido

e a causa de pedir insculpidos na petição inaugural.

Solução nesse sentido importa no reconhecimento da procedência do

pedido autoral para, tal como fez o juízo de primeiro grau, (i) declarar “nulo

o ato administrativo do INPI, através do qual cancelou a Carta Patente n.

8003673 (depósito), de 24.1.1984, bem como os atos administrativos posteriores

ao depósito vinculados”; (ii) reconhecer “a validade da carta patente, n. do

depósito 8003673, desde a sua expedição em 24.1.1984” e (iii) condenar o INPI

e a Telebras ao pagamento das custas judiciais e dos honorários periciais e

sucumbenciais, estes últimos fi xados em 20% (vinte por cento) incidentes sobre

o valor atualizado da causa (e-STJ fl . 1.276).

Não se afi gura razoável entendimento distinto, que imporia a esta Corte

Superior a tarefa de decidir sobre a aplicação do art. 42 da Lei n. 5.772/1971

e defi nir se existente ou não eventual direito de compartilhamento da patente

Page 96: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

420

entre a autora e a Brasil Telecom S.A., que não é parte na presente demanda.

Título judicial nesse sentido, por estar carregado do vício de descumprimento do

princípio da correlação entre pedido e sentença, se revelaria inefi caz, porquanto

incapaz de produzir os efeitos da coisa julgada.

Assim, reconhecida, de ofício, a ofensa ao art. 460 do CPC, e decotado do

aresto recorrido a parte relativa ao julgamento extra petita, fi ca prejudicada a

análise acerca da suposta violação do art. 42 da Lei n. 5.772/1971.

DO DISPOSITIVO.

Ante o exposto, não conheço do recurso especial interposto por

Telecomunicações Brasileiras S.A. - Telebras (e-STJ fl s. 2.093-2.113) e conheço do

recurso especial interposto por Inducom Comunicações Ltda. (e-STJ fl s. 2.080-

2.087) para, aplicando-se o direito à espécie, dar-lhe provimento para afastar

do acórdão recorrido o capítulo que confi gurou julgamento extra petita, pelo

que fi ca reconhecida a higidez da Carta Patente n. 8003673, com a condenação

das partes recorridas, solidariamente, ao pagamento das custas processuais e

honorários periciais e advocatícios, estes últimos fi xados em 20% (vinte por

cento) do valor atualizado da causa.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.370.109-DF (2011/0151132-8)

Relator: Ministro Sidnei Beneti

Recorrente: Emília Silva Mello e outros

Advogado: Antônio Carlos de Oliveira e outro(s)

Recorrido: ASMUT - Associação dos Mutuários e Consumidores de

Imóveis e outros

Advogado: Claudio Maranhao Queiroz e outro(s)

EMENTA

Direito Processual Civil. Ação de prestação de contas. Interesse

de agir. Interesse de agir. Adequação da via eleita.

Page 97: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 421

1.- A ação de prestação de contas não comporta a decretação de

rescisão ou resolução contratual ou a anulação de negócios jurídicos

nem tampouco a condenação pela prática de atos ilícitos.

2.- Não há que se falar em inadequação da via eleita, porém,

quando se discute se o desconto dos valores repassados pelo advogado

ao seu cliente correspondiam, de fato, aos honorários contratuais

avençados.

3.- Admite-se, no âmbito da ação de prestação de contas, o

acertamento das questões fáticas e jurídicas relacionadas à alegação de

descumprimento contratual.

4.- Recurso Especial provido em parte.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo

Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília (DF), 22 de outubro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Sidnei Beneti, Relator

DJe 4.11.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1.- Emília Silva Mello e Outros interpõem

Recurso Especial com fundamento nas alíneas a e c, da Constituição Federal,

contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Relator

o Des. Jose Divino de Oliveira, assim ementado (fl s. 290):

Processo Civil. Ação de prestação de contas. Serviços advocatícios. Propósito

de discutir as cláusulas relativas aos percentuais de êxito sobre as demandas

propostas.

Page 98: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

422

Inadequação da via eleita. Extinção do processo.

1- A ação de prestação de contas não é a via adequada para discutir eventual

abusividade de cláusulas relativas a contrato de prestação dos serviços

advocatícios.

11 - Negou-se provimento.

2.- Os Embargos de Declaração foram rejeitados (e-STJ fl . 305-306).

3.- Os recorrentes alegam que o Tribunal de origem teria violado o artigo

535 do Código de Processo Civil ao deixar de se manifestar adequadamente

sobre os temas suscitados nos embargos de declaração.

Alegam ofensa ao artigo 551 do Código de Processo Civil, porque a

revisora teria recebido os autos em um dia e no dia seguinte, pedido dia para

julgamento, o que demonstra, segundo sustentam, que ela não teria estudado o

processo e, portanto, não teria exercido com critério o papel de revisora. Ressalta

que o seu voto não foi suscinto, mas inexistente.

Argumentam que a ação de prestação de contas seria via adequada para

discutir a distribuição e recebimento de verba honorária entre advogados e

cliente, sendo que que o Tribunal de origem, assim não entendendo, teria violado

os artigos 914; 915, I; e 917 do Código de Processo Civil e ainda divergido do

entendimento fi xado em precedente desta Corte indicado como paradigma.

4.- Não admitido na origem, o Recurso Especial teve seguimento por força

de Agravo provido em sede de Agravo Regimental (fl s. 424).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 5.- Consta dos autos que os

Recorrentes, condôminos do edifício Place Vendôme, teriam contratado os

Recorridos para ajuizar três ações judiciais contra o Grupo OK:

A primeira delas, uma ação cautelar, tinha por objetivo consignar as

prestações que alguns adquirentes deviam ao Grupo OK. A segunda ação, a

principal, visava a condenar o Grupo OK a indenizar defeitos de construção. A

terceira ação, tinha por objetivo a outorga das escrituras públicas referentes às

unidades habitacionais.

6.- Nesta última ação foi concedida tutela antecipada, determinado-

se a expedição das escrituras públicas, sob pena de multa diária. Transitada

Page 99: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 423

em julgado a sentença que confi rmou a antecipação de tutela, deu-se início

à execução da multa, com levantamento pelos Recorridos, da quantia de R$

173.482,56, dos quais teriam sido repassados aos Recorrentes, após descontados

os honorários advocatícios contratados, apenas R$ 21.616,79.

7.- Os Recorrentes ajuizaram, então, ação de prestação de contas contra

os Recorridos (fl s. 05-16), alegando que estariam estes cobrando honorários

indevidos. Argumentam que o contrato celebrado entre as partes estipulava

estipulava a remuneração dos Recorridos com base em duas cláusulas de êxito:

uma correspondente a 3% sobre o valor venal dos imóveis e outra de 10% sobre

o montante que eventualmente viesse a ser recebido pelos Recorrentes, em razão

do trabalho contratado.

Afi rmaram que não poderia ser cobrada a remuneração referente à 3%

sobre o valor venal dos imóveis, porque, segundo contratado, isso somente seria

possível depois que estivessem resolvidas todas as pendências existentes sobre a

documentação dos imóveis, o que não teria ocorrido.

Da mesma forma sustentaram que não poderia ter siso cobrada a verba

correspondente a 10% sobre o montante recebido a título de multa cominatória,

porque esse percentual remuneratório, estava relacionado aos valores que

eventualmente viessem a ser recebidos na ação principal de indenização por

vícios de construção, e não na ação proposta com o objetivo de receber as

escrituras públicas dos imóveis.

Além disso, a cláusula em referência teria sido revogada por outro contrato,

não escrito, que estipulava a incidência do percentual de 10% sobre o valor dos

imóveis indicados no IPTU ou no ITBI, e não sobre o valor venal do imóvel.

8.- A sentença extinguiu o feito sem julgamento do mérito, afi rmando que

os Autores, ora Recorrentes, pretendiam, em última análise, revisar as cláusulas

do contrato, o que seria inviável em sede de ação de prestação de contas (fl s.

232-234).

9.- O Tribunal de origem negou provimento ao recurso de apelação, sob o

fundamento de que a ação de prestação de contas não era via adequada para se

discutirem a validade e a forma de incidência das cláusulas contratuais relativas

à remuneração dos serviços contratados.

10.- O Recurso Especial colhe êxito apenas em parte.

11.- Não prospera a indicada ausência de prestação jurisdicional, porquanto

a matéria em exame foi devidamente enfrentada, emitindo-se pronunciamento

Page 100: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

424

de forma fundamentada e sem contradições. A jurisprudência desta Casa é

pacífi ca ao proclamar que, se os fundamentos adotados bastam para justifi car

o concluído na decisão, o julgador não está obrigado a rebater, um a um, os

argumentos utilizados pela parte.

12.- Também não se acolhe a alegação de ofensa ao artigo 551 do Código

de Processo Civil. A alegação de que o revisor não poderia ter pedido dia

para julgamento da apelação no dia seguinte ao do recebimento do processo

não serve para sustentar a tese de ofensa à regra prevista naquele dispositivo

legal, muito pelo contrário serve para ratifi car que o procedimento formal foi

regularmente observado.

O que ocorre é que os Recorrentes, muito embora tenham apontado como

violado o artigo 551 do Código de Processo Civil questionam, na verdade, a

própria fundamentação ou ausência de fundamentação do voto revisor e, nesse

sentido, o artigo tido por violado é insufi ciente. Incide, assim, nesse particular, a

Súmula n. 284-STF.

13.- A matéria de fundo merece aprofundamento maior.

14.- A ação de prestação de contas apresenta, como se sabe, duas fases. Na

primeira fase, diz o caput do artigo 915 do Código de Processo Civil: “Aquele

que pretender exigir a prestação de contas requererá a citação do réu para, no

prazo de 5 (cinco) dias, as apresentar ou contestar a ação”.

Nessa fase, que é a do presente processo, o que se decide, portanto, ao

menos em princípio, é apenas se o réu da ação está ou não obrigado a prestar as

contas exigidas pelo autor, ou seja, se as partes estão ligadas em relação jurídica

de que decorra, por sua natureza, o dever de prestar contas e, bem assim, se tal

obrigação foi descumprida de modo a justifi car a exigência judicial.

Na segunda fase é que cabe, propriamente, examinar as contas apresentadas

de modo a defi nir a eventual existência de saldo credor em favor de alguma das

partes. A sentença que encerra essa segunda fase é que vai, não só declarar a

conta certa, mas também criar a certeza quanto à existência de saldo devedor,

afi rmando quem é credor e quem é devedor desse saldo.

Enquanto a natureza condenatória da sentença proferida na primeira fase

dessa peculiar ação funda-se, eminentemente, em declaração de obrigação de

fazer - de prestar contas, a natureza condenatória daquela proferida na segunda

fase estabelece concretamente, uma obrigação de pagar, inclusive com efi cácia

executiva.

Page 101: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 425

15.- No caso dos autos, o pedido de prestação de contas é dirigido a

Advogados que teriam recebido, em nome dos autores recorrentes, valores a

estes devidos.

Não há dúvida, portanto, de que, ao menos em princípio, está confi gurada

a obrigação de prestar contas resultante do princípio universal segundo o qual

todos aqueles que administram ou têm sob sua guarda bens alheios, devem

contas do fruto de sua gestão ao titular do direito administrado. No caso

específi co do profi ssional Advogado, essa obrigação ainda mais se impõe ante

o disposto no artigo 34, XXI, da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos

Advogados do Brasil), nos termos do qual constitui infração disciplinar do

advogado “recusar-se, injustifi cadamente, a prestar contas ao cliente de quantias

recebidas dele ou de terceiros por conta dele”.

16.- As instâncias de origem, como relatado, extinguiram o processo sem

julgamento de mérito, por falta de interesse de agir.

16.1.- A mera existência de uma relação jurídica material de gestão de

bens ou interesses alheios não basta, como se pode imaginar, para afi rmar que

a prestação de contas deva sempre ser feita em juízo. Se as partes se dispõem

ao acerto direto ou extrajudicial das contas, faltará, por óbvio interesse de agir,

confi gurando-se hipótese de carência de ação.

Havendo, porém, recusa de prestar contas, ou, ainda, verifi cada controvérsia

sobre a composição das verbas que hajam de integrar a o acerto, aí sim estará

presente o interesse de agir, assim entendido como o interesse-necessidade.

No caso dos autos, não há notícia de que as contas prestadas

extrajudicialmente tenham sido aceitas pelos Recorrentes, o que permite

concluir pela presença, em concreto, do interesse-necessidade no ajuizamento da

ação de prestação de contas.

16.2.- Também não falta aos Recorrentes interesse de agir sob a perspectiva

da utilidade no ajuizamento da ação (interesse-utilidade). Admitindo-se que

a segunda fase da prestação de contas pode resultar em provimento judicial

condenatório passível de execução, é de se concluir, por força de consequência,

no sentido de consubstanciar-se posição jurídica favorável aos Recorrentes.

16.3.- Finalmente, no que concerne à adequação da via eleita (interesse-

adequação) é de se reconhecer que, ao contrário do que afi rmado pelas instâncias

de origem, a pretensão deduzida não está voltada, ao menos não em sua

integralidade, à revisão de cláusulas contratuais.

Page 102: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

426

A sentença, destaca uma passagem da petição inicial (tópico 15) para

sustentar que a pretensão deduzida tem caráter revisional (fl s. 09): Não assiste

razão aos réus quando pretendem receber 3% sobre o valor dos imóveis de cada um dos

autores; além de pretender mais 10% sobre o montante eventualmente recebido pelos

autores, a título de cláusula de êxito.

A interpretação de uma peça processual não pode ser feita, todavia, a partir

de partes estanques, devendo-se buscar o pedido e a causa de pedir manifestados

pela parte a partir da interpretação conjunta de toda a petição inicial.

No caso, não se podem desconsiderar as seguintes passagens (fl s. 09-10):

15. Não assiste razão aos réus quando pretendem receber 3% sobre o valor dos

imóveis de cada um dos autores; além de pretender mais 10% sobre o montante

eventualmente recebido pelos autores, a título de cláusula de êxito.

16.- A uma, porque nos contratos de prestação de serviços advocatícios

fi rmados pelas partes a cláusula de êxito tem a seguinte redação:

(...)

16.- Ora, está evidente que a obrigação assumida pelos réus foi de resolver

todas as pendências existentes sobre a documentação dos imóveis em questão,

inclusive a indisponibilidade determinada (...).

18.- A duas, porque os autores não firmaram contrato com os réus para

pagamento desta cláusula de êxito de 10% sobre eventual recebimento de

quantias. É importante destacar que esta cláusula de êxito de 10% sobre eventuais

recebimentos de quantias fi cou estipulada para a propositura da ação principal

que teve por objeto a indenização por defeitos de construção nas áreas comuns

do Condomínio e também nas áreas privativas das unidades (...)

19.- Assim, os réus, valendo-se dessa situação, tentam confundir os autores

para cobrar honorários que são indevidos. (...)

Como se vê, a tônica do pedido não remete à pretensão de revisão de

cláusulas. O que os Recorrentes sustentaram na petição inicial, em síntese, foi

que os Recorridos retiveram a título de honorários contratuais, valor superior

àquele que, nos termos do próprio contrato, estavam autorizados a reter.

Afi rmou-se que os Recorridos não poderiam reter 3% sobre o valor venal

dos imóveis, na ação destinada à regularização da situação registrária relativa a

eles, porque esse seria o percentual devido em caso de adimplemento integral

das obrigações assumidas para aquele feito. Assim, se não foi realizado o serviço

contratado, não seria possível cobrar o percentual integral. A questão, como se

Page 103: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 427

vê, não suscita revisão do contrato, mas a apuração do alegado descumprimento

contratual.

Afirmou-se, também, que, igualmente, não poderia ser retido o valor

correspondente a 10% sobre o valor recebido, porque essa era a remuneração

contratualmente estipulada para o êxito da ação em que se discutia os vícios

de construção do empreendimento. Assim, havia uma remuneração prevista

de forma independente, para caso de êxito de cada ação. Também aqui

inexiste qualquer pretensão revisional, sendo o caso, unicamente, de saber se

os Recorridos estavam ou não autorizados, por contrato, a reter o valor em

referência.

14.- HUMBERTO THEODORO JÚNIOR ensina que o objeto do

procedimento especial em análise não comporta a definição de situações

complexas, como as que envolvem a decretação de rescisão ou resolução

contratual ou a anulação de negócios jurídicos. Tampouco seria possível obter,

em sede de ação de prestação de contas, acrescenta o autor, a condenação pela

prática de atos ilícitos. Esses acertamentos devem ser todos realizados pelas

vias ordinárias (Curso de Direito Processual Civil. v. III. 42ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2010. p. 82).

Esta Corte já teve a oportunidade de reconhecer essa circunstância,

conforme, aliás, bem identificado pelo próprio Tribunal de origem, no

julgamento do AgRg no Ag n. 276.180-MG, 4ª Turma, Relator o E. Ministro

Aldir Passarinho, cujo acórdão recebeu a seguinte ementa:

Processual Civil. Ação de prestação de contas.

Propósito de discutir a validade de cláusulas contratuais.

Impropriedade da via eleita.

I. Confi gurado, segundo o quadro fático dos autos delineado na instância

a quo, o real propósito da autora em discutir a própria validade das cláusulas

contratuais, inservível a tanto o uso da ação de prestação de contas.

II. Agravo improvido.

(AgRg no Ag n. 276.180-MG, 4ª Turma, Relator o E. Ministro Aldir Passarinho, DJ

de 5.11.2001).

No caso dos autos, porém, como assinalado, não se busca solucionar

questão de elevada complexidade. A pretensão formulada, ao menos em sua

maior parte, não é de revisar, nem de anular, nem de rescindir o contrato. O que

se pede, essencialmente, que se seja verifi cado os Recorridos estavam ou não

Page 104: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

428

autorizados, pelo próprio contrato, a reter a título de remuneração pelos serviços

prestados, o valor que efetivamente retiveram.

Com efeito, a única parte da petição inicial em que se veicula, realmente

uma pretensão revisional, é aquela, em que os Recorrentes afi rmam que a

remuneração correspondente a 3% sobre o valor do imóvel deveria tomar por

base o valor do bem indicado no IPTU, e não o valor venal, como consta do

contrato escrito, porque assim, acordado verbalmente.

Quanto ao mais, o acertamento das questões fáticas e jurídicas envolvidas

na causa está absolutamente compreendido nos parâmetros normais que,

ordinariamente, se apresentam em uma ação de prestação de contas, não

havendo, por isso, que se falar em falta de interesse de agir, por inadequação da

via eleita.

15.- Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao Recurso Especial,

determinando-se o retorno dos autos ao Juízo de 1º Grau a fi m de que, superada

a preliminar de carência de ação, prossiga no julgamento da causa como entender

de direito.

RECURSO ESPECIAL N. 1.371.842-SP (2012/0218194-1)

Relator: Ministro Sidnei Beneti

Recorrente: Ricardo Nicotra

Advogados: Reinaldo José Fernandes

André Luis Bergamaschi e outro(s)

Recorrido: União Central Brasileira da Igreja Adventista do Sétimo Dia

Advogados: Misael Lima Barreto Júnior

Adriana C F L de Carvalho

José Sérgio Miranda e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Ação de revogação de doação com restituição

de valores. Dízimos e outras contribuições. Improcedência do pedido.

Page 105: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 429

1.- A contribuição do dízimo como ato de voluntariedade,

dever de consciência religiosa e demonstração de gratidão e fé não

se enquadra na defi nição do contrato típico de doação, na forma em

que caracterizado no art. 538 do Código Civil, não sendo, portanto,

suscetível de revogação.

2.- Ademais, a doação lato sensu a instituições religiosas ocorre

em favor da pessoa jurídica da associação e não da pessoa física do

pastor, padre ou religioso que a representa. Desse modo, a rigor, a

doação não pode ser revogada por ingratidão, tendo em vista que o

ato de um membro - pessoa física - não tem o condão de macular

o pagamento do dízimo realizado em benefício da entidade, pessoa

jurídica.

3.- Recurso Especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.

Ministro Relator.Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas

Bôas Cueva e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Dr(a). José Sérgio Miranda, pela parte recorrida: União Central Brasileira

da Igreja Adventista do Sétimo Dia

Brasília (DF), 19 de novembro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Sidnei Beneti, Relator

DJe 17.12.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1.- Ricardo Nicotra interpôs Recurso

Especial fundamentado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra

Acórdão unânime do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Rel. Des.

Alvaro Passos), assim ementado (e-STJ fl s. 360):

Page 106: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

430

Revogação de doação c.c. restituição de valores. Improcedência. Contribuição

do dízimo. Dever de consciência religiosa que não tem natureza de doação.

Pagamentos que se constituíam em obrigação. Devolução. Descabimento.

Quantias que foram dadas em cumprimento a regra estabelecida pela igreja

e aceita espontaneamente pelo fi el. Ratifi cação dos fundamentos do decisum.

Aplicação do art. 252 do RITJSP. Recurso improvido.

2.- Houve a interposição de Embargos de Declaração (e-STJ fl s. 367-370),

que foram rejeitados (e-STJ fl s. 372-376).

3.- As razões recursais alegaram violação dos arts. 538 e 557, III, do

Código Civil, além de dissídio jurisprudencial, sustentando, em síntese, que

as doações realizadas pelo recorrente à igreja são passíveis de revogação por

ingratidão.

4.- Contra-arrazoado (e-STJ fl s. 468-480), o recurso não foi admitido

(e-STJ fl s. 485-486), ensejando a interposição de Agravo (e-STJ fl s. 491-499),

o qual foi improvido (e-STJ fl s. 511-513), tornando-se sem efeito essa decisão,

com a determinação de reautuação do Agravo como Recurso Especial, em juízo

de reconsideração em Agravo Regimental (e-STJ fl s. 539-540).

É o breve relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 5.- Narram os autos que o

autor, ora recorrente, frequentou a igreja ré, ora recorrida, para a qual destinou

contribuições em dinheiro, no período compreendido entre 16.12.1992 e

1.12.1999, atingindo a importância de R$ 34.179,70 (já acrescidos de juros de

6% ao ano e correção monetária), e que a partir do ano de 2000, teria deixado de

fazer as referidas contribuições.

6.- Todavia, em 23.3.2002, um pastor da igreja ter-lhe-ia dirigido palavras

ofensivas, quando saía de um culto na companhia da namorada, ocasião em que

teria sido chamado de “diabo, invejoso e vagabundo”, vindo a ser expulso da

instituição religiosa.

7.- Afi rmou que o comportamento do representante da igreja teria sido

causado por um artigo denominado “Pastor do Milhão”, publicado na internet,

cuja autoria lhe teria sido equivocadamente imputada.

8.- Sustentou que os fatos narrados o levaram a solicitar a instauração de

inquérito policial para apuração de crime contra a honra, o qual foi arquivado, e

Page 107: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 431

a ajuizar ação de indenização por danos morais no Juizado Cível, bem como a

propor a presente ação de revogação das doações, com a consequente restituição

das quantias doadas.

9.- Julgado improcedente o pedido (e-STJ fl s. 314-319), o autor, ora

recorrente, apelou (e-STJ fl s. 321-329), tendo sido o recurso improvido pelo

Tribunal estadual, aos seguintes fundamentos (e-STJ fl s. 363):

(...).

Como sustentado com singular precisão na r. sentença apelada, os pagamentos

ao longo dos anos se deram em razão do cumprimento de preceito religioso,

apoiado na crença do autor que o levou a aceitar e a se submeter ao pagamento

de dízimo como prova, justamente, de sua fé e aceitação dos mandamentos de

sua igreja. Neste sentido, os pagamentos vão muito além de meras doações, feitos

por liberalidade ou gratidão. Eram mais do que isso, constituíam-se em obrigação

e como tal foram cumpridas.

10.- Duas são as fi nalidades deduzidas no presente recurso: primeiro,

defi nir a qualifi cação jurídica das contribuições feitas por fi éis a entidades

religiosas – em especial da contribuição denominada “dízimo” – como sendo

contrato de doação; e, segundo, determinar a consequência da revogação por

ingratidão.

11.- O art. 5º , VI, da Constituição Federal consigna que é inviolável a

liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos

cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e às

suas liturgias.

12.- Por sua vez, a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de

Todas as Formas de Intolerância e de Discriminação com base na Religião ou

Crença, adotada em 1981, documento fundamental que protege os direitos

religiosos, inclui entre os direitos relativos à liberdade de pensamento, consciência

e religião, o de solicitar e receber contribuições fi nanceiras voluntárias e outras

de indivíduos e instituições.

13.- É longa a história do denominado dízimo religioso, cujas características

vem se ajustando nos diversos sistemas jurídicos. Clássicas exposições históricas

colhem-se em MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA DE LOBÃO (“Dízimos

Eclesiásticos e Oblações Pias”, Lisboa, Imprensa Nacional, 1867) e DOM

OSCAR DE OLIVEIRA, Arcebispo de Mariana (“Os Dízimos Eclesiásticos

do Brasil nos Períodos da Colônia e do Império”, Belo Horizonte, Universidade

Page 108: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

432

de Minas Gerais, 1964). Inquestionáveis nos tempos históricos, “a partir do

século XIII, o poder laico inicia contra os dízimos uma luta, de que se encontram

abundantes traços nos estudos comunais” (Enciclopedia Italiana di Scienze,

Lettere ed Arti”, Istituto Giovanni Treccani, MCMXXXXI-X, p. 461, Verbete

“Le Decime Ecclesiatiche”).

Na “História da Igreja em Portugal”, de FORTUNATO DE ALMEIDA,

anota-se que “era antiga na igreja e foi tirada do Antigo Testamento a tradição

dos dízimos eclesiásticos, aos que se deu também o nome de décimas, por

consistirem no pagamento da décima parte dos frutos” (“História da Igreja em

Portugal, Porto, Portucalense Editora, Nova Edição preparada e dirigida por

Damião Peres, Nova ed., vol. 1, p. 114).

14.- Ressalta JOSÉ FERNANDO SIMÃO (Natureza jurídica do dízimo

e da doação: aparente semelhança, mas grandes e insuperáveis diferenças, RIDB,

Ano 2 (2013) n. 9, 10.357) que “Ao lado das ofertas, sacrifícios ou oferendas de

cunho religioso, cujo primeiro registro bíblico sobre o tema aponta Caim trazendo

à Divindade os frutos que plantara, e Abel, as primícias do seu rebanho (Gen. 4,

3-4), um dos registros mais antigos do ato de dizimar encontra-se também na Torah,

constituída pelos Cinco Livros de Moisés (Pentateuco), livro considerado sagrado pelos

hebreus e fonte primeira do direito da-quela nação (cerca de 1500 anos antes da era

cristã), conforme ensina Vicente Ráo, e verifi ca-se no fato de Abraão – considerado

pai dos hebreus e dos árabes –, após sair-se vitorioso em batalha que empreendera

contra cinco reis que haviam levado cativo seu sobrinho Ló juntamente com diversos

morado-res e bens de cidades adjacentes, como ato de gratidão pelo êxito na libertação

dos cativos e recuperação de seus bens, ao ser saudado e abençoado por Melquisedeque,

rei de Salém, mencionado também como ‘sacerdote do Deus Altíssimo’, entregou-lhe o

dízimo de tudo quanto possuía (Gen. 14, 12-20). obra “Ao lado das ofertas, sacrifícios

ou oferendas de cunho re-ligioso, cujo primeiro registro bíblico sobre o tema aponta

Caim trazendo à Divindade os frutos que plantara, e Abel, as primícias do seu

rebanho (Gen. 4, 3-4), um dos registros mais antigos do ato de dizimar encontra-

se também na Torah, cons-tituída pelos Cinco Livros de Moisés (Pentateuco), livro

considerado sagrado pelos hebreus e fonte primeira do direito da-quela nação (cerca

de 1500 anos antes da era cristã), conforme ensina Vicente Ráo, e verifi ca-se no fato

de Abraão – considerado pai dos hebreus e dos árabes –, após sair-se vitorioso em

batalha que empreendera contra cinco reis que haviam levado cativo seu sobrinho

Ló juntamente com diversos moradores e bens de cidades adjacentes, como ato de

gratidão pelo êxito na libertação dos cativos e recuperação de seus bens, ao ser saudado

e abençoado por Melquisedeque, rei de Salém, mencionado também como ‘sacerdote do

Page 109: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 433

Deus Altíssimo’, entregou-lhe o dízimo de tudo quanto possuía (Gen. 14, 12-20).”

(ob. cit, p. 10.362 e ss).

15.- Nesse norte histórico, extrai-se que a contribuição realizada pelos

membros das igrejas, como regra, decorre de um dever de consciência religiosa,

representado por ato que caracteriza como manifestação da própria fé, bem

como da gratidão pelas dádivas recebidas, sendo de se salientar que nenhuma

instituição religiosa teria condições de manter as suas atividades sem as

contribuições fi nanceiras dos fi éis.

16.- Diante da sua origem no dever religioso, avulta a difi culdade de se

inserir o pagamento do dízimo no conceito de doação, previsto no Código Civil

como o “contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio

bens ou vantagens para o de outra.”

É de se ter presente que o vocábulo doação admite duas acepções: a

doação em sentido amplo, assim como é entendido pelo senso comum, e o

negócio jurídico denominado doação, este último, como contrato típico, é objeto

do dispositivo legal retro transcrito. Em sentido amplo, qualquer atribuição

patrimonial a alguém, sem contrapartida, pode ser considerada doação, mas no

sentido estrito, só a doação como contrato típico sujeita-se às disciplinas deste,

entre as quais a revogabilidade.

17.- Uma doação que ocorre como cumprimento de um dever de

consciência, porém, como é o caso das contribuições realizadas às instituições

religiosas, é, sob o aspecto jurídico, fruto de liberalidade derivada da consciência

religiosa. Lembre-se que, segundo o magistério de J. M. CARVALHO

SANTOS, nem toda liberalidade é doação:

De fato, a liberalidade não é incompatível com o pagamento, mas este o é com

a doação, o que é coisa muito diversa, de vez que nem toda liberalidade é doação.

Para que haja doação, é essencial que a liberalidade seja toda espontânea, sem

nenhum resquício de constrangimento nem de violência. Por isso mesmo, onde

há o cumprimento de uma obrigação, não é de doação, em suma, embora seja

liberalidade, exige mais alguma coisa do que esta.

Essa alguma coisa que ela exige é precisamente que o doador não empobreça

ou desfalque seu patrimônio, enriquecendo o do donatário.

Ora, na hipótese de pagamento de uma obrigação de consciência, em rigor,

não há o enriquecimento do credor, por isso que, ele, para ser havido como

credor, embora sem direito à ação para exigir o pagamento, algum serviço

prestou, alguma importância desembolsou.

Page 110: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

434

Quer dizer: pagando uma obrigação de consciência, não faz uma doação o

devedor. Cumpre um dever, faz uma liberalidade, que não é doação.

(Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. XVI, 1986, Ed. Livraria Freias Bastos,

12ª ed., p. 322).

18.- Nessa linha de entendimento, deve-se concluir que o pagamento do

dízimo não constitui contrato típico de doação, o qual pressupõe a existência

do animus donandi, ou seja, o desejo do doador de que a vantagem implique em

enriquecimento do donatário.

19.- Em verdade, no caso em análise, corretamente ressaltou o Juiz

sentenciante, Alexandre David Malfatti: “quando o autor contribuiu com os

chamados ‘dízimos santos’ para a igreja ré (fl s. 25-80), o fez como parte de sua

fé e dentro de uma liberalidade sua, mas para satisfação dos preceitos de sua

religião. Poderia se dizer, fora do campo da pura liberalidade, que cumpriu uma

obrigação religiosa - aliás, o dízimo é fi gura comum a várias religiões, como é

cediço.” (e-STJ fl s. 317)

Anote-se, destacando a exaustiva fundamentação, Acórdão de natureza

penal do Superior Tribunal Militar, concluiu, com a maior largueza, que “o

Estado não pode controlar dízimos” (Rel. Min. Maria Elizabeth Guimarães

Teixeira Rocha, DJe 22.2.2011, em “Ciência Jurídica”, ano XXV, vol. 159, Maio/

junho/2011, p. 99-138).

20.- Há que se considerar, outrossim, que a doação lato sensu a instituições

religiosas ocorre em favor da pessoa jurídica da associação e não da pessoa física

do pastor, padre ou da autoridade religiosa que a representa. Nesse contexto, a

doação não pode ser revogada por ingratidão, tendo em vista que o ato de um

membro - pessoa física - não tem o condão de macular a doação realizada em

benefício da entidade, pessoa jurídica, como dever de consciência religiosa.

Nessa esteira, quanto à Igreja Adventista do Sétimo Dia, ora recorrida,

veja-se que no art. 8º, § 1º, do seu Estatuto Social dispõe:

A União Central é a única entidade patrimonial, sendo vedado aos Órgãos

Administrativos Regionais e demais estabelecimentos formalizar a aquisição em

nome destes.

21.- Em suma, o que se deve concluir é que o dízimo como ato de

voluntariedade fundado no dever de consciência religiosa e demonstração de

gratidão e fé não se enquadra na defi nição de doação, como contrato típico, na

Page 111: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 435

forma do que dispõe o art. 538 do Código Civil, não sendo suscetível, portanto,

de revogação.

Assim, em que pese a injúria já submetida a julgamento no âmbito penal,

não cabe, no presente caso, impor a devolução das quantias que foram dadas

em cumprimento à regra estabelecida pela igreja e aceitas espontaneamente em

razão da crença religiosa.

22.- Destaque-se, todavia, que o presente julgamento atém-se aos

fundamentos jurídicos e ao pedido em que formulados, os quais fornecem a

identifi cação da lide ora julgada, não abrangendo outros eventuais fundamentos

jurídicos e pedidos diversos, ensejados pela questão relativa a pagamento de

dízimo (p. ex., vício de ato jurídico, coação moral irresistível etc), matéria

passível de variada espécie de questionamentos (p. ex., por todos, LUIZ

FELIPE RIBEIRO COELHO, “O Dízimo Ilegal”, Direito & Justiça, Correio

Braziliense, 6.10.2008, p. 3), de modo que outras eventuais questões que

em outros processos porventura se apresentem sobre a matéria deverão ser

solucionadas ao exame de cada caso concreto.

23.- Pelo exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial.

RECURSO ESPECIAL N. 1.413.192-RJ (2013/0219831-9)

Relatora: Ministra Nancy Andrighi

Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Recorrido: Clube de Regatas do Flamengo

Advogados: Rafael Cavalcanti Cid

Andre Toste Van e outro(s)

EMENTA

Civil. Consumidor. Estatuto do Torcedor. Recurso especial.

Programa Sócio Torcedor. Passaporte rubro-negro. Validade.

1. Ação coletiva de consumo ajuizada pelo recorrente em

fevereiro de 2010. Recurso especial distribuído em 27.8.2013. Decisão

Page 112: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

436

determinando a reautuação do agravo em recurso especial publicada

em 9.10.2013.

2. Recurso especial no qual se discute a validade de parte do

programa de relacionamento do Clube de Regatas Flamengo, e seus

torcedores, denominado “cidadão rubro-negro”, notadamente do

chamado passaporte rubro-negro, que outorga facilidades na aquisição

de ingressos para jogos de futebol, entre outras prerrogativas.

3. O torcedor, frente ao ordenamento protetivo, acha-se

resguardado, primeiro, por Lei específica (Lei n. 10.671/2003 -

Estatuto do Torcedor) e também, pelo CDC - Lei n. 8.078/1990 -, a

segunda sendo utilizada em caráter subsidiário, tanto na sua aplicação

principiológica, quanto normativa – quando não houver regulação

específi ca.

4. Os programas de relacionamento entre clubes e torcedores,

têm, por característica comum, a fi delização do torcedor aos eventos

do clube – mormente às partidas de futebol nas quais o mando de

campo pertença ao time – sendo esse o objetivo primário perseguido

pela agremiação desportiva, da qual decorrem, por óbvio, acréscimos

fi nanceiros diretos – oriundos das contribuições dos torcedores e do

aumento da freqüência aos estádios –, e indiretos – como aumento

no valor de quotas de transmissão televisiva e de negociações de

patrocínios, existindo vantagens, também para o torcedor, que além

do imaterial amor ao clube, recebem como estímulo, para a fi liação ao

programa, descontos na compra de ingressos, facilidades na obtenção

desses, pagamento direto na catraca, no dia do jogo, etc.

6. As balizas para a verificação de possível perpetração de

ilegalidade, passa então pela análise, in casu, de possível agressão

dos contornos garantistas preconizados nos arts. 13 e 20, § 2º, da

Lei n. 10.671/2003 – o primeiro exigindo a segurança dos locais

das competições antes, durante e depois dos eventos, e o segundo

prevendo a agilidade e acesso à informação, na venda de ingressos.

7. Essa proteção é impositiva, mas a circunstância de um

determinado programa de fidelização prever facilidades outras,

não o torna discriminatório, ou ilegal, tão só pelo plus que agrega.

É necessário se constatar a existência de vulneração ao mínimo,

legalmente ou contextualmente, fi xado.

Page 113: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 437

8. A singela homogeneização de tratamento entre os sócios

torcedores e os demais torcedores, ou possíveis expectadores de um

determinado jogo de futebol, frustra a implementação desse válido

sistema de apoio ao Clube, pois, os programas que premiam, de alguma

forma, a participação do torcedor na vida fi nanceira do seu clube

têm, por ínsito, a outorga de vantagens aos sócio-torcedores, essas

tidas como qualquer elemento diferenciador em relação aos demais

torcedores não participantes do programa, que superam os padrões

legais mínimos, pois esses são garantias mínimas, não vantagens.

9. Possível inadequação do clube em relação ao legal dever de

qualidade no fornecimento do serviço deve ser discutida judicialmente,

de forma solteira, sem o indevido atrelamento ao lídimo programa de

relacionamento estabelecido pelo clube recorrido.

10. Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao

recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.Os Srs. Ministros

Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram

com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro João

Otávio de Noronha.

Brasília (DF), 19 de novembro de 2013 (data do julgamento).

Ministra Nancy Andrighi, Relatora

DJe 29.11.2013

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial interposto

por Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, fundamentado na alínea a do

permissivo constitucional.

Page 114: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

438

Ação: coletiva de consumo, com pedido liminar, ajuizada pelo recorrente,

em face de Clube de Regatas do Flamengo, pela qual se busca fi xar obrigação

de fazer consistente na disponibilização a todos os torcedores interessados,

sem custo prévio, do cartão pré-pago, recarregável, denominado passaporte

rubro-negro, assim bem como, a devolução do que já foi cobrado dos atuais

possuidores do referido cartão.

Sentença: julgou improcedente o pedido.

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pelo recorrente, em

julgado assim ementado:

Apelação Cível. Ação Civil Pública. Sentença de improcedência. Práticas

abusivas por Clube de Futebol não comprovadas. Programa que visa benefícios

para o torcedor fi liado. Sentença que se mantém. Desprovimento do recurso.

Embargos de declaração: interpostos pelo recorrente, foram rejeitados.

Recurso especial: alega violação dos arts. 6º do CDC; 13, 20 e 21 do

Estatuto do Torcedor.

Sustenta que a prática de condicionar a venda com facilidades à aquisição

do passaporte rubro-negro fere a igualdade nas contratações de onde se origina

sua abusividade.

Aponta também, que as referidas vantagens ofertadas não se

consubstanciam como tal, porquanto são serviços que deveriam ordinariamente

ser oferecidos aos torcedores.

Parecer do Ministério Público Federal: de lavra do Subprocurador-Geral

da República Moacir Guimarães Morais Filho, pelo não provimento do recurso

especial.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): 1. Cinge-se a controvérsia em

dizer da validade de parte do programa de relacionamento do Clube de Regatas

Flamengo, e seus torcedores, denominado “cidadão rubro-negro”, notadamente

do chamado passaporte rubro-negro que outorga facilidades na aquisição de

ingressos para jogos de futebol, entre outras prerrogativas.

Page 115: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 439

1. Do prequestionamento

2. Embora o acórdão recorrido seja extremamente sintético na apreciação

da insurgência construída pelo Ministério Público Estadual, na origem, é

possível se vislumbrar o debate que é mote central deste recurso especial, o que

basta para suprir a exigência de prequestionamento da matéria.

3. De outro turno, a questão, tal qual formulada no recurso especial,

não atrai o empeço da S. n. 7-STJ, pois se trata, na essência de se discutir a

possibilidade, frente às leis de defesa dos torcedores e dos consumidores, de se

criar prerrogativas para alguns destes, mediante paga e fi liação à programa de

relacionamentos clube-torcedor.

2. Lineamentos gerais

4. Os programas de relacionamento que atualmente proliferam entre os

clubes e seus torcedores, de regra, estabelecem uma determinada contribuição ao

Sócio-Torcedor que, além de obter algumas vantagens como compra antecipada

de ingressos e descontos variados no valor dos mesmos, proporciona-lhe o

retorno imaterial de estar ajudando seu clube.

5. Colhe-se, do site do recorrido, os padrões de regulamentação do

programa de relacionamentos que mantém, atualmente denominado Nação

Rubro-Negra:

O que é o Nação Rubro-Negra?

É a chance de cada um dos 40 milhões de torcedores fazer a diferença. Você

assina e ajuda o Flamengo a se transformar no time que você sempre quis ver

em campo: com muitos títulos para o Mengão! E ainda ganha uma série de

benefícios, como compra de ingressos, promoções exclusivas e acesso à rede de

descontos do Movimento por Um Futebol Melhor.

Para onde vai o dinheiro do pagamento do Nação Rubro-Negra?

O Nação Rubro-Negra é uma nova fonte de receitas do Mengão para investir

em contratações e infraestrutura. Com a sua assinatura e a da massa rubro-negra

seremos a grande potência esportiva do planeta.

O que eu ganho ao me tornar um integrante do Nação Rubro-Negra?

Além de colaborar para o Flamengo voltar a ser o maior time de futebol do

mundo, você também recebe benefícios como: compra online antecipada de

ingressos, acesso à rede de descontos do Movimento Por Um Futebol Melhor,

cartão ingresso personalizado, perfi l no site ofi cial do clube e participação em

Page 116: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

440

promoções exclusivas. Os integrantes dos planos +Paixão, Paixão e +Amor

também tem direito a uma comunicação direta sobre informação de abertura de

venda de ingressos e countdown de fechamento das vendas.

(Disponível em “https://www.nrnofi cial.com.br/site/faq/categoria/1”).

6. Em seu recurso especial, o Ministério Público Estadual pugnou pela

declaração da ilegalidade do chamado “passaporte rubro-negro” item constante

do programa de relacionamento, sobre o qual discorre:

(...) é manifesto o equívoco do posicionamento adotado. Não colhe argumentar

que se trata de mero programa de estreitamento de laços com o clube. Dúvida

não padece que o Flamengo pode instituir um programa de relacionamento

(Cidadão Rubro Negro) com seus torcedores, concedendo benefícios àqueles que

se associarem. No entanto, ao estipular entre as vantagens do referido programa

o “Passaporte Rubro Negro”, cartão recarregável que possibilita a aquisição de

ingressos para os jogos com, no mínimo, dois dias de antecedência da abertura

das vendas na bilheteria e que pode ser usado diretamente nas catracas dos

estádios, mediante a cobrança de R$ 396,00, o Clube recorrido está outorgando

ao portador do passaporte aquilo que tem a obrigação legal de conceder a todos

os torcedores: a compra do seu ingresso com agilidade, segurança, racionalidade

e conforto. (fl s. 312-313, e-STJ).

3. Da validade do passaporte rubro negro – violação dos arts. 13, 20 §

2º e 21 da Lei n. 10.671/2003 – Estatuto do Torcedor –, e art. 6º, II e IV do

CDC.

7. A validade dos programas de relacionamento entre clubes de futebol

e seus torcedores, como bem salientou o próprio recorrente, nas razões de seu

recurso, não é questionada neste recurso especial, que apenas se volta contra uma

fração desse programa implementado pelo recorrido.

8. No entanto a matriz orientadora da criação desses programas tem

refl exos em todos os aspectos do seu desenvolvimento, repercutindo, in casu,

inclusive no denominado passaporte rubro negro.

9. Vislumbrando, por primeiro, a condição do torcedor frente ao

ordenamento protetivo, vê-se que, embora haja umbilical aproximação entre

o torcedor e o consumidor, que é dessumida, inclusive, do amarrilho feito

pelo legislador quando equiparou, por exemplo, a entidade organizadora

da competição e a agremiação detentora do mando do jogo, a fornecedores

caracterizados pela Lei n. 8.078/1990 (art. 3º da 10.671/2003), impossível não

Page 117: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 441

se reconhecer que o torcedor ostenta traços distintivos, que exigem ponderações

próprias, tanto assim que mereceram legislação protetiva particular.

10. Fração desses peculiares estigmas é vislumbrada na redação do art. 2º

do Estatuto do Torcedor, onde se fi xa que “Torcedor é toda pessoa que aprecie,

apóie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a

prática de determinada modalidade esportiva” (sem grifos no original).

11. As várias facetas admitidas como forma de ser torcedor: o apreciador,

o apoiador, o associado ou o mero expectador que obtém informações ou assiste

aos eventos esportivos pela televisão, dão o tom singular desses relacionamentos,

pois a cada um se reservam expectativas protegidas legalmente, e outras tantas

não amparadas pela lei consumerista, pois dizem respeito às peculiaridades

desse microcosmo.

12. Note-se, não se está repudiando a aplicação do CDC à espécie, mas tão

só, dando-lhe caráter subsidiário, tanto na sua aplicação principiológica, quanto

normativa – quando não houver regulação específi ca.

13. Assim, cabe se analisar a existência da alegada abusividade ou

vulneração da obrigatoriedade de igualdade nas contratações, sob o foco

conjugado do Estatuto do Torcedor e suas singularidades e do Código de

Defesa do Consumidor.

14. Rizzato Nunes, tratando do tema isonomia, em sua obra sobre o

Direito do Consumidor, afi rma que:

Mas para aferição da adequação ao princípio da igualdade é necessário levar

em conta outros aspectos. Todos eles têm de ser avaliados de maneira harmônica:

se adotado o critério discriminatório, este tem de estar conectado logicamente

com o tratamento jurídico atribuído em face da desigualdade apontada. Além

disso, há que existir afi nidade entre essa correição lógica e os valores protegidos

pelo ordenamento constitucional. Ou seja, nenhum elemento, isoladamente,

poderá ser tido como válido ou inválido para verifi cação da isonomia. É o conjunto

que poderá designar o cumprimento ou não da violação da norma constitucional

(NUNES, Rizzato, in: Curso de direito do Consumidor, 7ª ed., São Paulo: Saraiva,

2012, p. 74).

15. E sob esse enfoque, solve-se a controvérsia, não pela vedação de

situações distintas – essas não impedidas por lei –, mas pela verifi cação sobre a

efetividade dos padrões legais mínimos de atendimento para qualquer torcedor

– circunstância que fragilizada, daria ensejo à declaração de abusividade ou de

agressão à igualdade.

Page 118: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

442

16. Além dessa questão, também merece crivo a justifi cativa lógica da

desigualdade verifi cada, porque somente atendido esse requisito, se perquirirá

sobre o anterior. E quanto a esse, de se dizer que a fórmula de marketing

denominada de “marketing de relacionamento dirigido” se calca em três

elementos básicos, descritos por Tatiana de Albuquerque como triplo pilar:

O primeiro é o relacionamento, que estabelece um canal de comunicação

direta com o cliente, uma relação interativa. O outro pilar é o reconhecimento,

a oferta de benéfi cos que diferencie o cliente dos demais, que o faça se sentir

parte de um grupo especial, e por último, a recompensa, que oferece prêmios

proporcionais ao seu consumo, visando incentivar o cliente a aumentar o seu

consumo tradicional. (disponível em: http://www.mktdireto.com.br/mrd.html).

17. Tratando especificamente de programas de relacionamento entre

clubes e torcedores, têm, por característica comum, a fi delização do torcedor

aos eventos do clube – mormente às partidas de futebol nas quais o mando

de campo pertença ao clube – sendo esse o objetivo primário perseguido pela

agremiação desportiva, da qual decorrem, por óbvio, acréscimos fi nanceiros

diretos – oriundos das contribuições dos torcedores e do aumento dos torcedores

em estádios –, e indiretos – como aumento no valor de quotas de transmissão

televisiva e de negociações de patrocínios.

18. De parte do torcedor, também existem vantagens consubstanciadas no

que o excerto denomina de vantagens, que além do imaterial amor ao clube, vêm

como estímulo à fi liação ao programa, e se traduzem em descontos na compra

de ingressos, facilidades na obtenção desses, pagamento direto na catraca, no dia

do jogo, etc.

19. Recente matéria jornalística, analisando esse fenômeno que cada vez

mais se dissemina no desporto nacional, traduziu bem esse relacionamento:

Ser torcedor fiel de um time se tornou bom negócio dentro e fora dos

estádios. Frequentadores habituais dos jogos de seus clubes têm vantagens

como preferência na compra dos ingressos, que em muitas situações podem

ser adquiridos com desconto. E mesmo quem não tem o hábito ou não pode

acompanhar o time in loco tem benefícios. Dispõe, por exemplo, de descontos no

preço de centenas de produtos e de vários serviços.

Para isso, é preciso fi delidade, estar ligado ao clube por meio de um plano de

sócio-torcedor. Tais programas já existem há alguns anos no País e atualmente

são adotados pelos principais clubes. Têm passado por mudanças constantes,

dentro de um processo de aperfeiçoamento, e em janeiro deste ano ganharam

Page 119: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 443

um signifi cativo empurrão: o lançamento do Movimento por um Futebol Melhor,

que agregou benefícios aos projetos tocados pelos clubes.

(Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/esportes, clubes -

apostam-em-programas-de-socio-torcedor-como-fonte-de-renda,1085059,0.

htp).

20. Agrega-se a todos esses dados, um elemento imaterial que talvez seja

a principal força motriz desses programas: a paixão do torcedor pelo seu clube,

fato que, não raras vezes, leva-o a se associar a um programa de relacionamento,

tão-só para ajudar seu clube fi nanceiramente.

21. Assim, não é possível se divisar nesses programas de relacionamento

– mesmo quando tisnam alguns torcedores com algumas vantagens – alguma

abusividade ou vulneração da obrigatoriedade de igualdade nas contratações (art.

6º, II e IV do CDC), pois dizem de relacionamento ímpar, onde a motivação

nem sempre é a obtenção de regalias, mas sim de contribuição efetiva com a

melhoria do clube.

22. Bordas objetivas, que transpassadas, inquinem um desses programas

com ilegalidade, somente ocorrerão se os serviços mínimos preconizados em lei

não forem disponibilizados a todos, e sim, somente aos associados a determinado

programa de relacionamento.

23. Vem daí os contornos garantistas dos arts. 13 e 20, § 2º, da Lei n.

10.671/2003 – o primeiro exigindo a segurança dos locais das competições

antes, durante e depois dos eventos, e o segundo prevendo a agilidade e acesso à

informação, na venda de ingressos.

24. Essa proteção é impositiva, mas a circunstância de um determinado

programa de fi delização prever facilidades outras, não o torna discriminatório,

ou ilegal, tão só pelo plus que agrega. É necessário, repita-se, constatar-se a

existência de vulneração ao mínimo, legalmente ou contextualmente, fi xado.

25. E aqui, em subsunção do contexto fático à tese fi rmada, o sintético

acórdão recorrido consignou que:

como bem salientado pelo juízo a quo, “ao contrário do afi rmado na inicial, não

constitui condição para aquisição do ingresso, pela internet ou pelo call center, a

prévia aquisição do Passaporte Rubro Negro”.

Não há duvida de que o passaporte não é um cartão pré-pago, tanto que o

torcedor de posse do referido passaporte terá que recarrega-lo para comprar o

ingresso. (fl s. 287-288, e-STJ).

Page 120: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

444

26. Vê-se, do excerto, que diferentemente do que foi afirmado pelo

Ministério Público estadual, os torcedores mesmo sem aderirem ao programa

de relacionamento do clube recorrido, continuam tendo acesso à compra de

ingressos, tanto fi sicamente quanto por meio eletrônico.

27. Frise-se, pela apreciação dos fatos na origem, o programa de

relacionamento não cria, por meio do referido passaporte rubro-negro, empeço

intransponível ou difi culdade maior na aquisição dos ingressos, tanto assim,

que difi cilmente se verifi ca a completa lotação dos estádios de futebol e, mesmo

quando essa ocorre, não se veda a aquisição de ingressos àqueles que não tenham

o passaporte, mas apenas os remete para os meios comuns.

28. De outra banda, não se descura das difi culdades hoje existentes para

o cidadão adquirir ingressos para determinados espetáculos esportivos, tanto

assim, que Luiz Flávio Gomes, e outros, afi rmam sobre o tema que:

O que se vê, na maioria das vezes, é o sacrifício do torcedor-consumidor em

fi las enormes, casos de violência causada pela desorganização das vendas e o

assédio de cambistas que usam dos mais condenáveis artifícios para achacar

torcedores e “obrigá-los” a optar pela compra por preços escorchantes, ao invés

de busca-los nos pontos de venda ofi ciais e previamente estabelecidos. (GOMES,

Luiz Flávio ...[et al.], in: Estatuto do Torcedor comentado, São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011, p. 63).

29. Porém, se esse serviço ofertado ao torcedor é tão defi ciente quanto

pugna o recorrente, a solução passa por pedido expresso de cumprimento das

determinações do Estatuto do Torcedor, notadamente dos próprios dispositivos

citados, e não pela homogeneização de tratamento entre os sócios torcedores

e os demais torcedores, ou possíveis expectadores de um determinado jogo de

futebol.

30. A própria norma é o fi el para verifi cação das garantias mínimas do

torcedor: disponibilização de ingressos com o mínimo de 72 h (art. 20, caput,

da Lei n. 10.671/2003); implementação de sistemas de facilitação de compra

de ingressos (art. 20, § 2º, da Lei n. 10.671/2003); pulverização dos pontos de

venda (art. 20, § 2º, da Lei n. 10.671/2003) etc.

31. As prerrogativas que venham a ser instituídas em favor do sócio-

torcedor, personagem, que como dito anteriormente, representa relevante aporte

de recursos diretos e indiretos ao clube, não infi rmam esse mínimo legal.

32. Os programas que premiam, de alguma forma, a participação do

torcedor na vida fi nanceira do clube têm, por ínsito, a outorga de vantagens aos

Page 121: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014 445

sócio-torcedores, essas tidas como qualquer elemento diferenciador em relação

aos demais torcedores não participantes do programa, devendo ainda, superarem

os padrões legais mínimos, pois esses são garantias, não vantagens.

33. Atendidos esses pressupostos, não se vislumbra a ilegalidade do

denominado passaporte rubro-negro.

34. Possível inadequação do clube em relação ao legal dever de qualidade

no fornecimento do serviço deve ser discutida judicialmente, de forma solteira,

sem o indevido atrelamento ao lídimo programa de relacionamento estabelecido

pelo clube recorrido.

35. Forte em tais razões, nego provimento ao recurso especial.

Page 122: Terceira Turma - Site seguro do STJ · fl s. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fl s. 2.549-2.557 ou 181-189), movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio