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EVANGELHO COMPLETADO - SÃO MARCOS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 14 147 / 183 Terceira parte Paixão e morte CAPÍTULO 14 Mc 14,1-2 Decidem matá-lo Mt 21,1-5; Lc 22,1-2; Jo 11,45-53 (1) Era a 12 do mês de nisã (entre março e abril), faltando dois dias para começar a solenidade máxima da Páscoa com os Pães Ázimos, festa que durava uma semana, durante a qual comiam o pão sem fermento. Após as últimas discussões no templo cresceu tanto o ódio dos chefes dos sacerdotes e dos professores da Lei (rabinos) contra Jesus, que só procuravam um modo de prendê-lo à traição para matá-lo (Mt 26,4; Mc 11,18; Jo 11,47-52). (2) Entre si esses componentes do sinédrio comentavam: - "Não convém liquidá-lo na Páscoa nem durante a semana festiva, em vista dos milhares de peregrinos presentes então em Jerusalém. Muitos, principalmente da Galiléia, que o consideram o Messias, poderiam revoltar-se contra nós." Mc 14,3-9 Uma mulher o unge Mt 26,6-13; Jo 12,1-8 (3) Jesus encontrava-se na vila de Betânia, em casa de Simão, apelidado "o leproso" por ter sido curado da lepra. Estando à mesa, em refeição, entrou uma mulher trazendo um vaso de alabastro cheio do mais precioso perfume extraído das raízes do nardo, planta da índia e da Pérsia; era puro e de elevado preço. Ela quebrou o gargalo comprido e frágil do vaso e derramou o perfume sobre a cabeça de Jesus. (4) Alguns dos presentes se contrariaram e diziam entre si mesmos: - "Pra que tanto desperdício?! (5) Esse perfume custa 300 moedas de prata, valor de 300 dias de trabalho de um operário. Poderia ter sido vendido e o dinheiro ser dado aos pobres." E zangados criticavam a mulher. (6) Mas Jesus lhes disse: (7) - "Por que molestar esta mulher? Deixem-na em paz! Ela praticou em meu favor um gesto louvável e profético. Pobres haverá sempre entre vocês e em qualquer ocasião que quiserem poderão ajudá-los. Mas eu não estarei sempre com vocês de maneira visível. (8) Esta mulher fez o que estava ao seu alcance: como não poderá prestar-me sua homenagem por ocasião de minha morte próxima, ela se antecipou

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EVANGELHO COMPLETADO - SÃO MARCOS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 14 147 / 183

Terceira parte Paixão e morte

CAPÍTULO 14

Mc 14,1-2

Decidem matá-lo

Mt 21,1-5; Lc 22,1-2; Jo 11,45-53

(1) Era a 12 do mês de nisã (entre março e abril), faltando dois dias para começar a solenidade máxima da Páscoa com os Pães Ázimos, festa que durava uma semana, durante a qual comiam o pão sem fermento. Após as últimas discussões no templo cresceu tanto o ódio dos chefes dos sacerdotes e dos professores da Lei (rabinos) contra Jesus, que só procuravam um modo de prendê-lo à traição para matá-lo (Mt 26,4; Mc 11,18; Jo 11,47-52). (2) Entre si esses componentes do sinédrio comentavam:

- "Não convém liquidá-lo na Páscoa nem durante a semana festiva, em vista dos milhares de peregrinos presentes então em Jerusalém. Muitos, principalmente da Galiléia, que o consideram o Messias, poderiam revoltar-se contra nós."

Mc 14,3-9

Uma mulher o unge

Mt 26,6-13; Jo 12,1-8

(3) Jesus encontrava-se na vila de Betânia, em casa de Simão, apelidado "o leproso" por ter sido curado da lepra. Estando à mesa, em refeição, entrou uma mulher trazendo um vaso de alabastro cheio do mais precioso perfume extraído das raízes do nardo, planta da índia e da Pérsia; era puro e de elevado preço. Ela quebrou o gargalo comprido e frágil do vaso e derramou o perfume sobre a cabeça de Jesus. (4) Alguns dos presentes se contrariaram e diziam entre si mesmos:

- "Pra que tanto desperdício?! (5) Esse perfume custa 300 moedas de prata, valor de 300 dias de trabalho de um operário. Poderia ter sido vendido e o dinheiro ser dado aos pobres."

E zangados criticavam a mulher. (6) Mas Jesus lhes disse: (7) - "Por que molestar esta mulher? Deixem-na em paz! Ela praticou em meu favor um gesto louvável e profético. Pobres haverá sempre entre vocês e em qualquer ocasião que quiserem poderão ajudá-los. Mas eu não estarei sempre com vocês de maneira visível. (8) Esta mulher fez o que estava ao seu alcance: como não poderá prestar-me sua homenagem por ocasião de minha morte próxima, ela se antecipou

EVANGELHO COMPLETADO - SÃO MARCOS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 14 148 / 183

perfumando hoje meu corpo para o enterro. (9) Vocês a desaprovam. Eu, porém, lhes garanto: no mundo inteiro onde for pregado o meu Evangelho, o que ela acaba de fazer será sempre narrado, e assim ela ficará lembrada e louvada."

Mc 14,10-11

Traição tramada

(Mt 26,14-16; Lc 22,2-6)

(10) Desde algum tempo Judas tinha perdido a confiança em Jesus, por descobrir que dele não podia esperar qualquer vantagem terrena; o reino que Jesus pretendia, exigindo o desapego dos bens materiais, estava bem longe do que ele e todos esperavam. Pensou então em garantir o seu futuro. E começou a roubar (Jo 12,6). Sabendo que os chefes religiosos e políticos decidiram a morte do Mestre, viu vantagem em pôr-se do lado deles por dinheiro. Os chefes temiam prender Jesus publicamente; deviam fazê-lo sem que o povo percebesse. Judas iria facilitar-lhes o trabalho. Ele se apresentou aos chefes e combinou a entrega fácil de Jesus em suas mãos. (11) Os chefes se alegraram com a proposta de Judas e prometeram pagar-lhe após realizada a prisão. A partir de então, Judas começou a procurar uma ocasião favorável para trair Jesus.

Questionário

1 - Por quantos dias se estendia a festa da Páscoa? Donde a denominação de "Pães sem Fermento"?

Durava sete dias. A primeira noite com o subsequente dia era da Páscoa propriamente dita. Os demais dias chamavam-se "Dos Pães Ázimos" ou "Sem Fermento" porque comiam pão não fermentado, como na Páscoa celebrada no Egito, quando não houve tempo para fermentar, em vista da iminente partida (Ex 12,8.19-20.39). Em sentido espiritual, levedação era símbolo de corrupção, e pão ázimo figurava pureza. Na véspera da Páscoa todo fermento devia ser eliminado (Ex 12,15) para começarem nova vida com pureza.

2 - Quantos peregrinos iam a Jerusalém pela Páscoa?

Flávio José, historiador judeu da época, julga que chegavam uns 3 milhões de judeus de dentro e de fora do território nacional, permanecendo dois ou três dias na cidade santa ("Guerras Judaicas" II,14). É número exagerado. Autores mais objetivos calculam até 300 mil.

3 - Esta mulher seria a mesma de Lc 7,37-38? (cf Mt 26,6-7; Jo 12,3)

Não temos certeza. Na Idade Média julgavam tratar-se da mesma pessoa. Mas autores mais antigos, como Orígenes, e S. Jerônimo com os mais modernos, vêem ali duas mulheres diferentes. É que tais gestos de grande estima, juntamente com lavar os pés e beijá-los, não eram raros quando se tratava de hóspedes eminentes. Mais. Para Lucas o fato dá-se na Galiléia e não em Betânia da Judéia, bem distante da Páscoa e não próximo; a unção dos pés e não da cabeça com o diálogo seguinte, - tudo supõe dois acontecimentos semelhantes.

EVANGELHO COMPLETADO - SÃO MARCOS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 14 149 / 183

4 - Quem introduziu esse comentário foi um apóstolo. Qual deles?

Foi Judas Iscariotes, conforme Jo 12,4-5.

11a - Que soma prometeram a Judas pela traição?

Trinta moedas de prata, conforme Mt 26,15; 27,3.

11b - Se Judas não traísse, haveria Paixão de Cristo?

Sim, porque o sinédrio já lhe havia decretado a morte independentemente de Judas que apenas facilitou a prisão.

Lições de vida

4-5 - O que Judas realmente lamentou não foi que o precioso unguento fosse derramado, mas que tão elevado preço lhe escapasse das mãos. Sob aparência de caridade pode a pessoa esconder segundas intenções inteiramente egoístas. O amor desmedido ao dinheiro leva a menosprezar os valores morais e espirituais, a fé e até Deus. A atitude de Judas contrasta muito com o amor demonstrado pela mulher que acaba de instituir um culto a Jesus como Rei, pois só ungiam a cabeça de quem fosse eleito rei ou sacerdote. Jesus não pertencia oficialmente à classe sacerdotal, embora fosse sacerdote e rei por natureza (1Sm 10,1; Lv 8,12).

Sob pretexto de ajudar os pobres, não podemos permitir que nossos templos se apresentem menos cuidados do que nossas moradias. O lugar do culto de Deus deve brilhar pelo bom gosto, ordem e limpeza.

8-9 - Jesus sabe que está à beira da morte, mas ele não a encara como um fim, e sim como o começo do seu reinado: ele já vê seu Evangelho pregado no mundo inteiro.

Oração

Dou-lhe graças, Jesus, pelo notável testemunho de amor e fé dessa mulher. Ungindo os pés do Senhor com aquele precioso bálsamo e enxugando-os com seus cabelos, ela está se pondo toda a seus pés e vendo o Senhor como valor absoluto. Que eu aprenda tão nobre lição, Senhor. Por outro lado, temo por mim mesmo diante da traição de Judas, um dos seus mais íntimos. Creio que nunca chegarei a traí-lo de maneira tão radical, mas vejo nas minhas pequenas infidelidades, pequenas traições. Peço a graça de mais coerência com minha consagração batismal e mais fidelidade em seguir o Senhor como o modelo ideal de minha vida. Amém.

EVANGELHO COMPLETADO - SÃO MARCOS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 14 150 / 183

Mc 14,12-16

Preparativos da Páscoa

(Mt 26,17-19; Lc 22,7-13)

(12) No primeiro dia da festa dos Pães Ázimos os judeus imolavam o cordeiro pascal no átrio do templo pelas mãos dos sacerdotes e dos levitas que, derramando o sangue dele aos pés do altar, o restituíam aos ofertantes. Estes deviam comê-lo naquela noite celebrando a Páscoa. Nesse dia os discípulos perguntaram a Jesus:

- "Onde o senhor quer que preparemos a ceia pascal?" (13) Ele enviou então Pedro e João com esta ordem:

- "Vão à cidade. Lá um homem carregando na cabeça um pote de água chegará ao encontro de vocês. Sigam-no (14) e digam ao dono da casa onde ele entrar: o Mestre manda perguntar: 'onde fica a sala em que comerei a Páscoa com meus discípulos?' (15) Ele lhes mostrará uma grande sala no plano superior da casa, já preparada com tapetes e almofadas. Façam aí os preparativos." (16) Os dois discípulos partiram de Betânia e, ao sul de Jerusalém, sobre o monte Sião, encontraram o cenáculo e tudo conforme lhes tinha sido dito. Então prepararam a ceia pascal com o cordeiro assado, pães sem fermento, vinho tinto, água, as verduras amargas e o molho de vinagre.

Mc 14,17-21

Denúncia da traição

(Mt 26,20-25; Lc 22,14.21-23; Jo 13,21-30)

(17) Ao cair o sol a 14 de nisã, quinta-feira, Jesus dirigiu-se para lá com os doze apóstolos, por volta das 19 horas, quando começavam a aparecer as estrelas. Entraram na sala preparada, reclinaram-se sobre os divãs dispostos ao redor da mesa apoiando o braço esquerdo sobre almofadas, e deram começo à refeição ritual que devia manter viva na mente dos judeus a gratidão pelo êxodo do Egito. (18) Durante a ceia Jesus se abriu com os discípulos para que a fé deles não sofresse depois um abalo por demais violento. Mostrando que nada lhe é oculto, revelou-lhes a traição com estas palavras:

- "Eu lhes declaro com plena certeza: um de vocês que está comendo comigo vai me trair!" (19) Eles se entristeceram e, um após o outro, começaram a perguntar:

- "Acaso sou eu?!" (20) Jesus lhes respondeu de maneira a não revelar o traidor:

- "É um de vocês doze, um que coloca a mão no mesmo prato comigo! (21) Porque o Filho do Homem, independentemente da traição, vai de fato morrer pela salvação do mundo, conforme anunciam a seu respeito as Escrituras. Mas ai daquele por quem o

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Filho do Homem vai ser traído! Para não ser culpado de tão nefanda traição, antes não tivesse nascido!"

Questionário

12a - Quem imolava os cordeiros para a Páscoa?

Os sacerdotes e seus auxiliares, os levitas.

12b - Quais discípulos fizeram a pergunta e foram enviados?

Pedro e João, conforme Lc 22,8-9.

13-15a - Você vê aqui uma previsão de Jesus ou algo já combinado com o homem do pote?

Encontrar dito homem carregando um pote cheio de água é previsão. A sala preparada revela um pedido anterior feito por Jesus a esse amigo.

13-15b - Diante dos apóstolos, Jesus não revelou o lugar exato onde iria celebrar a sua Páscoa. Por que o ocultou?

O traidor devia ignorar o lugar da ceia porque Jesus não queria ser preso durante esta celebração importantíssima para seus seguidores.

17 - Dê informações acerca da ceia pascal judaica.

Neste ano o cordeiro pascal devia ser imolado a 14 de nisã (entre março e abril), antes do pôr-do-sol. Eram milhares de cordeiros. A matança começava pelas 14,30 horas, no átrio do templo de Jerusalém (Dt 16,6). Um rio de sangue das vítimas corria através de um canalete para a torrente do Cedron. O cordeiro devia ser macho, ter de oito dias a um ano de idade, sem defeito e sem lhe quebrarem osso algum; devia ser comido após o pôr-do-sol, ao iniciar o dia 15 de nisã, o primeiro e mais solene dos sete dias dos ázimos. Ninguém comia nada desde o sacrifício do cordeiro até a hora da ceia pascal. Todos trajavam as melhores vestes de que dispunham. A ceia pascal era celebrada em grupos que deviam contar com não menos de 10 e não mais de 20 pessoas. Começavam com abluções das mãos. Cantavam os salmos 113 "Louvai, servos do Senhor" e 114 "Quando Israel saiu do Egito". O pai ou o chefe da mesa pronunciava a bênção sobre o primeiro cálice de vinho, tomava um pouco e o passava aos convivas como expressão de fraternidade. Nova ablução e se reclinavam nos divãs. O pão ázimo era distribuído e cada um mergulhava-o no molho. O filho menor perguntava qual o sentido da festa. O chefe de mesa falava dos grandes benefícios de Deus e explicava a razão de ser da ceia pascal e seu simbolismo. Comiam o cordeiro pascal santificado, tornando-se comensais do próprio Deus. Comiam-no com o pão ázimo e ervas amargas, lembrança da amarga escravidão de que foram libertados por Deus. Tomavam outro pouco de vinho do segundo cálice. Até aqui era a refeição sagrada, mas continuava o ágape festivo. O pai partia e distribuía o pão ázimo. Mais um pouco de vinho do terceiro cálice. E canto final dos salmos 115 "Não a nós, Senhor", 116 "Eu amo o Senhor", 117 "Louvai o Senhor" e 118 "Celebrai o Senhor porque ele é bom".

20 - Por que Jesus diz "colocar a mão no prato" e não "colocar a colher"?

Talheres eram desconhecidas; usavam as mãos.

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Lições de vida

Nós nos estarrecemos com a traição de Judas, um íntimo de Jesus, um apóstolo com o privilégio de três anos de convivência com o Mestre, ouvindo seus iluminados ensinamentos e testemunhando seus mais estupendos milagres. A traição foi causada pela falência da fé de Judas em Jesus como Messias que devia morrer. Mas nós, mesmo conhecendo o mistério do Messias, servo sofredor que veio expiar nossos erros, cometemos tantas pequenas, mas frequentes traições cada vez que saímos da linha do Evangelho.

Oração

Senhor, perdão pelas minhas infidelidades à consagração batismal cada vez que erro conscientemente em pensamentos, palavras e atitudes. Conceda-me a graça de saber levantar-me de minhas quedas com mais determinação, para seguir o seu modo de pensar e de agir, e fazer de minha vida um ininterrupto louvor do Pai. Amém.

Mc 14,22-25

Instituição da Eucaristia

Mt 26,20-25; Lc 22,14.21-23; Jo 13,21-30

(22) Durante a refeição da ceia pascal judaica, antes do quarto cálice de vinho, Jesus, que havia prometido dar seu corpo em alimento (Jo 6,52), sem levar em conta a conspiração tramada, tomou um pão ázimo e preparou-o para a consagração com esta bênção do rito mosaico: "Bendito és tu, Senhor nosso Deus, rei do universo, que deste a teu povo Israel esta festa dos ázimos para alegria e em memória. Bendito seja tu, Senhor". Partiu-o em pedaços e os deu a seus discípulos com estas palavras inteiramente novas e consacratórias: "TOMEM, ISTO É O MEU CORPO!" (23) Em seguida tomou o cálice com vinho tinto e temperado com água, deu graças ao Pai com estas palavras próprias do momento: "Bendito és tu, Senhor nosso Deus, rei do universo, que produzes o fruto da videira", ofereceu-o a seus discípulos, e todos dele beberam (24) depois de Jesus dizer: "ISTO É O MEU SANGUE, O SANGUE DA NOVA ALIANÇA que Deus faz com a humanidade (Ex 24,8; Gn 15,7-12.17-18), DERRAMADO em sacrifício expiatório EM FAVOR DA MULTIDÃO DOS HOMENS. (25) Eu lhes declaro que já não beberei com vocês deste vinho aqui na terra até o dia da minha ressurreição, quando então beberei um vinho novo, espiritual, de felicidade eterna no Reino do Pai".

Questionário

- Por que no Egito os israelitas comeram neste dia o pão ázimo ao invés do fermentado?

Devido à pressa da partida iminente, não puderam esperar que o pão fermentasse. E o fermento era símbolo de corrupção.

- Qual era o sentido linguístico da palavra aramaica "Páscoa"? e o sentido religioso?

EVANGELHO COMPLETADO - SÃO MARCOS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 14 153 / 183

Etimologicamente Páscoa significa Passagem. A morte passaria ceifando a vida dos primogênitos egípcios e respeitaria a vida dos primogênitos judeus. O sentido religioso é passagem do Egito para a Terra Prometida, isto é, da escravidão para a liberdade. Jesus completou o sentido dando-lhe a dimensão de passagem da escravidão do pecado para a graça, que é vida em união com Deus.

- Que palavra Jesus empregou para benzer este pão e este vinho?

Para o pão: "Bendito sejas tu, Senhor nosso Deus, rei do universo, que deste a teu povo Israel esta festa dos ázimos para alegria e em memória. Bendito sejas tu, Senhor". Para o vinho: "Bendito és tu, Senhor nosso Deus, rei do universo, que produzes o fruto da videira" ("Praelectiones Biblicae", Adriano Simón, vol. I, nQ 651). Com estas palavras que eram o "dar graças" e nós dizemos "benzer", Jesus preparou o pão e o vinho para a consagração que se seguiu imediatamente.

- Na Eucaristia Jesus nos deu um símbolo ou uma realidade nova?

Na linguagem semítica "Corpo" significava a "pessoa toda". O "Sangue" representava a vida, força atuante. Assim Jesus quis dizer que se dá todo, se dá vivo e atuante na Eucaristia. "ISTO É MEU CORPO" e "ISTO É MEU SANGUE" são palavras com sentido realista: afirmam a identificação deste pão e deste vinho com a pessoa de Jesus. Não entendidas em sentido simbólico como interpretam os protestantes, pois S. Paulo em 1Cor 11,27 afirma categoricamente: "Todo aquele que comer o Pão ou beber o Cálice do Senhor indignamente, torna-se CULPADO para com o Corpo e o Sangue do Senhor". "Esta sentença de Paulo só tem sentido se tomarmos as palavras de Jesus com significação de presença real" (A. Lapple, em "A Mensagem dos Evangelhos Hoje"). As palavras "Nova Aliança" (Lc 22,20; 1Cor 11,25) dão relevo à "passagem" da Antiga para a Nova Aliança, que agora se realizou no Calvário e nós a renovamos na comunhão do Corpo e do Sangue do Senhor (1Cor 10,15-22) e não mais de um animal. A separação do Pão (Corpo) e do Vinho (Sangue) lembra e evidencia a imolação do Cordeiro Pascal: é o caráter sacrifical da Eucaristia (1Cor 5,7; 10,16; Jo 6,53-58; Ap 5,6.12). Pela Eucaristia entramos em comunhão com Jesus no seu Sacrifício da Cruz. É um memorial, não uma simples memória ou lembrança. O memorial traz presentes a Última Ceia e celebra de modo sacramental o grande acontecimento da Vítima do Calvário com o Corpo na Cruz e o Sangue derramado. "Pela multidão dos homens": o Sangue de Jesus e sua morte possuem caráter expiatório e redentor sem limites (Jo 1,29; Hb 9,15-33; 10,15). "Bebê-lo (com vocês) no Reino do Pai": um brinde com vinho é sinal de amizade entre os convidados. Na Eucaristia Jesus estabelece com os seus uma amizade que se perpetua na eternidade.

Lições de vida

As do último item do Questionário, logo acima.

Oração

Senhor Jesus Cristo, que neste admirável sacramento nos deixastes o memorial de vossa Paixão, concedei-nos venerar com tamanho amor o mistério do vosso Corpo e do vosso Sangue, que possamos colher sempre os frutos da

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vossa Redenção. Vós que reinais com o Pai na unidade do Espírito Santo. Amém. (Oração litúrgica)

Mc 14,26-31

Jesus prediz a negação de Pedro

Mt 26,30-35; Lc 22,31-35; Jo 13,36-38

(26) Era já noite. Depois de cantarem os salmos 115-118 como hino de ação de louvor, Jesus e os discípulos deixaram o cenáculo, desceram passando pela torrente do Cedron e dirigiram-se ao horto do Getsêmani, no declive ocidental do Monte das Oliveiras. (27) Jesus lhes adiantou um amargo prenúncio:

- "Nesta noite, vocês todos, por aquilo que presenciarão a meu respeito, sofrerão grande abalo na fé que os prende a mim, e me abandonarão, de acordo com o que Zacarias deixou escrito na Bíblia: 'Matarei o Pastor, e as ovelhas debandarão'. (28) Mas depois que eu ressuscitar, precederei vocês na Galiléia (16,7); ali, onde comecei a me manifestar, vocês, reagrupados comigo, superarão a crise da fé que ainda os perturba (Mt 28,16-17)." (29) Pedro, confiando temerariamente em si e considerando-se uma exceção, lhe respondeu:

- "Ainda que todos percam a confiança no senhor abandonando-o, eu nunca o abandonarei!" (30) Jesus no entanto lhe declarou: - "Eu garanto a você, Pedro: hoje, nesta mesma noite, antes que o galo cante duas vezes, você por três vezes terá negado que me conhece e que é dos meus!" (31) Mas Pedro, como quem põe sua segurança no entusiasmo que tem por Jesus, pretende dar-lhe uma certeza insistindo:

- "Mesmo que seja preciso morrer junto com o senhor, eu não negarei que sou seu amigo!

Os outros também se puseram a repetir a mesma coisa. E Jesus calou-se para não desconcertá-los.

Questionário

26 - Que hino cantavam ou recitavam ao final da ceia pascal? Os salmos 115 a 118 inclusive, que denominavam o Hallel, donde vem

Halleluyah. "Allelu" é louvai, e "Yah" é o começo de Javé. Aleluia significa, portanto, louvai o Senhor.

27- Transcreva esta profecia do Antigo Testamento.

"Espada, levanta-te contra o meu pastor. Fere o pastor, que as ovelhas sejam dispersadas" (Zc 13,7). O pastor é o Messias; as ovelhas, os apóstolos.

30 - A que hora corresponde o canto do galo?

Marcos acena a dois cantos do galo. O primeiro corresponde aproximadamente às três horas da madrugada. O galo, por ter feito Pedro acordar

EVANGELHO COMPLETADO - SÃO MARCOS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 14 155 / 183

de sua queda, passou a simbolizar vigilância, fidelidade. Por isso, no século IX foi parar no pináculo de muitas igrejas.

Lições de vida

A pessoa deve confiar em si, mas não demasiadamente, a ponto de não crer na possibilidade de errar e cair. Seria uma temeridade, uma autolatria que gera a cegueira de si mesmo. Quem é cheio de si próprio, não sabe ser humilde, nem sente a necessidade do recurso a Deus através da oração. E são esses que, enfrentando as tentações sozinhos, isto é, sem a graça que fortalece, levam quedas impensáveis.

Oração

Senhor, eu reconheço minha fraqueza diante das sugestões do mal. Peço a graça de saber afastar-me das ocasiões que induzem ao pecado, principalmente das mais atraentes, como um livro pernicioso, uma revista pornográfica, um filme provocante, a internet erótica e, de modo especial, a pessoa tentadora. Que eu saiba nessas ocasiões perigosas tomar uma atitude decidida para salvaguardar os princípios cristãos que assumi como filho de Deus. E que eu nunca seja causa de alguém ofender ao Senhor. Amém.

Mc 14,32-42

No Getsêmani

(Mt 26,26-46; Lc 22,39-46)

(32) Jesus e os apóstolos chegaram ao lugar denominado Jardim das Oliveiras ou Getsêmani, que significa lagar de espremer azeitonas, onde Jesus costumava retirar-se para orar a sós. Ali disse-lhes:

- "Sentem-se aqui à entrada enquanto vou orar." (33) E foi mais à frente fazendo-se acompanhar apenas de Pedro, Tiago e João. Então começou a apavorar-se e angustiar-se. (34) Ele declarou aos três discípulos:

- "Minha alma está tomada de uma tristeza mortal! Fiquem aqui acordados, não se afastem de mim, e orem vocês também." (35) Foi um pouco mais para o interior do horto, prostrou-se com profundo abatimento, dobrado até o chão em sinal de sumo respeito ao Pai, de adoração e de humilde oração. E pedia a Deus que, se possível, afastasse dele aquela hora de sofrimento extremamente amargo à sua natureza humana. Rezava assim: (36) - "Abbá! Meu Pai! A ti tudo é possível. Afasta de mim este cálice do suplício da cruz que me aguarda. Mas não se faça o que por inclinação natural eu desejo, e sim o que tu queres!"

EVANGELHO COMPLETADO - SÃO MARCOS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 14 156 / 183

(37) Foi em seguida aos três discípulos buscando algum apoio amigo, mas os encontrou dormindo. Disse então a Pedro, que há pouco se orgulhava de ser mais forte que os outros:

- "Simão, você dorme!? Não foi capaz de manter-se acordado por uma hora!? (38) Façam vigília orando, não tanto por mim, mas por vocês mesmos, para não serem vencidos pela tentação. Porque nossa mente pode ter boas intenções e estar decidida à luta, mas a natureza humana sem o reforço da graça que resulta da oração é fraca e sucumbe à tentação." (39) Afastou-se de novo e orou repetindo as mesmas palavras. (40) Tornou a procurar os três discípulos e os encontrou ainda dormindo. Estavam dominados pelo sono sem conseguirem ter os olhos abertos. Nem sabiam como se desculpar. (41) Ainda uma terceira vez Jesus veio a eles e disse-lhes com decisão: - "Vocês continuam dormindo e descansando! Agora basta! Chegou a hora! O Filho do Homem está sendo entregue às mãos dos pecadores! (42) Levantem-se e vamos sair. Vejam. Vem chegando o homem que está me traindo!"

Questionário

33 - Por que Jesus só quis esses três como testemunhas de sua agonia no Getsêmani?

Só Pedro, Tiago e João tinham condições de presenciarem a agonia da humanidade de Jesus no Getsêmani sem perderem a fé na sua condição divina, porque somente os três haviam subido ao monte, orado e contemplado a transfiguração de Jesus (9,2-13). Só na oração e contemplação haurimos forças para "não cair quando tentados na fé" (14,38).

35-41 - João 18,1 nem se refere à agonia do Getsêmani. Em Lc 22,41-44 a oração de Jesus se reduz a uma só vez. Mt 26,39-44 e Mc mencionam tríplice prostração com oração cheia de angústia. Por que essa diferença entre Marcos mais Mateus que escreveram primeiro, e Lucas mais João que vieram bem mais tarde?

Lc redigiu seu Evangelho em 75, mais ou menos, e Jo no final do século; Mc e Mt escreveram bem mais cedo, antes do ano 70, da destruição de Jerusalém. Os cristãos da época mais avançada (de Lc e Jo), diante da tríplice oração infrutífera de Jesus, teriam experimentado sérias dificuldades em manter inabalável a fé na divindade do Mestre. Ao contário, no início da grande novidade de Jesus não havia esse perigo. Por isso Mt e Mc foram extremamente realistas em narrar a angústia da humanidade de Jesus e o sopor dos apóstolos. Toda a cena é oprimente. (Läpple). Mais. Um médico (Lucas) evita sempre a descrição demais realista de dores e angústias.

36a - Jesus diz "Abbá". Por que Mc a traduz e Mt 26,39 não? Marcos escreveu seu Evangelho em língua grega para os cristãos romanos

que não entendiam o aramaico. Como a palavra "Abbá" é aramaica, foi necessário traduzi-la para que a compreendessem. Mateus escreveu na própria língua de Jesus e para os judeus que a falavam (cf Mc 5,41; 15,34).

36b - Jesus pediu ao Pai que o libertasse do cálice da paixão; no entanto sofreu a paixão e morte de cruz. Como é que Hebreus 5,7 afirma que ele foi atendido?

EVANGELHO COMPLETADO - SÃO MARCOS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 14 157 / 183

Muitas vezes Deus nos concede o que lhe pedimos, mas o faz de maneira diferente do que imaginamos. Nossa "salvação eterna" (Hb 5,8) veio do sangue derramado de Jesus. Ao invés de isentá-lo da morte, o Pai concedeu-lhe superar a paixão amando-nos até o extremo da dor e ressuscitando da morte para a glorificação definitiva. Deus tem sempre o poder de socorrer-nos à sua maneira, mesmo na mais desesperadora situação. A perfeição da oração de Jesus está no final: "Não se faça como eu quero, senão como tu queres!" (14,36). Damos muito mais glória a Deus conseguindo a força de carregar a cruz do que libertando-nos dela.

41 - Que significa esse "basta "?

Jesus quer dizer: "agora já não há mais tempo; dispenso a ajuda moral que eu esperava de vocês; eu a recebi do Pai através da oração".

Lições de vida

34-37 - O abatimento mortal que abalou a humanidade de Jesus foi tentação para ele desistir do plano de dar a vida em redenção do mundo. Ele demonstrou tê-la vencido pela oração, pois disse aos três discípulos com toda a firmeza: "Chegou a hora! Vamos!". Não teve medo de enfrentar os maus tratos e a cruz com coragem e dignidade inabaláveis. Os apóstolos que não oraram, fugiram. Nas horas amargas necessitamos do conforto de pessoas amigas e da mão de Deus. Jesus viveu todas as reações da natureza humana como se ele não fosse também Deus, e assumiu com amor o que caberia a nós sofrermos (Is 53,3-12). "Fomos comprados a preço elevado" (1Cor 6,20) por aquele que se tornou assim o único mediador da salvação (1Tim 2,6). Abateu-se sobre ele toda a dimensão do mal causado pelos pecados de todos os tempos; fez-se "o pecado" universal (2Cor 5,21) para justificar-nos diante de Deus. Por amor ao Pai e a nós aceitou como vítima a morte expiatória, holocausto de valor infinito (Rm 3,23-25).

38 - "Espírito" é a parte superior do ser humano com a razão e a consciência reforçadas pela graça. "Carne" é a parte inferior com as más inclinações da nossa natureza afetada pelo pecado e suas consequências. Se Jesus tivesse dito só "vigiai", julgaríamos que sozinhos podemos resolver tudo. Ele acrescentou "orai" para advertir-nos de que sem a ajuda vinda da oração, sucumbiremos à tentação.

Oração

Senhor, contemplo-o angustiado diante da amarga realidade de assumir como se fossem seus os pecados de todos nós e a morte de cruz para nos libertar da condenação eterna. Aceite o meu mais reconhecido agradecimento por tamanho favor que eu não podia merecer. Nessa hora tremenda o Senhor procurou e não encontrou apoio em seus amigos. Peço a graça de eu saber solidarizar-me com quem quer que sofra horas amargas e saber encontrar forças na oração quando me assaltarem momentos angustiantes. Amém.

EVANGELHO COMPLETADO - SÃO MARCOS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 14 158 / 183

Mc 14,43-52

Traído, preso, abandonado

Mt 26,47-56; Lc 22,47-53; Jo 18,2-11

(43) Jesus ainda falava quando chegou Judas Iscariotes, um dos doze apóstolos, à frente de um bando heterogêneo formado por guardas do templo empunhando cacetes e por um pelotão de soldados armados de pequenas espadas, todos enviados pelos chefes dos sacerdotes, pelos professores das Lei e pelos anciãos do sinédrio ou senado. (44) O traidor combinara com eles um sinal dizendo:

- "É aquele que eu beijar. Prendam-no e o levem bem seguro para que não escape como das outras vezes." (45) Tão logo chegou, foi direto a Jesus saudando-o: - "Mestre!"

E o beijou de modo afetuoso. (46) Os que vinham no bando lançaram mão sobre ele e o prenderam amarrando-o com cordas. (47) Um dos apóstolos que ali estava, Pedro, brandiu o espadim e feriu o servo do sumo sacerdote cortando-lhe a orelha direita. (48) Jesus fez um reparo àquela gente: - "Vocês vieram armados com espadins e cacetes para prender-me como se eu fosse um bandido! (49) No entanto eu estava todos estes dias entres vocês ensinando no templo, e não me prenderam porque eu não me entreguei às suas mãos! Isto que está acontecendo agora, vem confirmar as profecias da Escritura." (50) Ouvindo isto, todos os seus discípulos o abandonaram fugindo! (51) Um jovem que dormia numa casa ali perto, ouvindo o tumulto, envolveu-se sumariamente no lençol, saiu para ver, e percebendo Jesus a quem conhecia, o foi seguindo a meia distância. Os guardas, tomando-o por um discípulo de Jesus, agarraram-no. (52) Mas ele largou o lençol e fugiu despido.

Questionário

47a - De quantos espadins estavam munidos os apóstolos?

De dois, conforme Lc 22,38: "Disseram eles: Senhor, eis aqui duas espadas".

47b - Quem fez uso do espadim? e qual orelha cortou?

João 18,10 o diz, foi Pedro. Mc, Mt e Lc omitem deliberadamente o nome do autor desse gesto inconsiderado e tão contrário aos ensinamentos de Jesus; é que Pedro ainda vivia. João escreveu uns 30 anos depois do martírio de Pedro, quando não havia o receio de qualquer constrangimento. A orelha decepada foi a direita, segundo Lc 22,50.

51 - Quem seria esse jovem?

Muito provavelmente o próprio Marcos se disfarça no moço que foge. Ouvindo o alvoroço acordou, levantou-se e vendo as tochas no jardim, saiu envolto apenas no lençol, peça usada só pelas famílias abastadas. Outro evangelista não teria transmitido um pormenor de tão pouco interesse. É também provável que o Jardim das Oliveiras pertencesse à família de Marcos. Aí Jesus "costumava" retirar-se para orar (Lc 22,39).

EVANGELHO COMPLETADO - SÃO MARCOS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 14 159 / 183

Lições de vida

Ironia cruel! Judas, saindo da Última Ceia, corre a notificar ao sinédrio que o momento oportuno para prenderem Jesus chegou. Conduz o bando ao Getsêmani e, usando o beijo, sinal de amizade e de paz, consuma a traição. E Jesus, porque ama, não se esquiva!

A onipotência de Deus se deixa acorrentar. Como outras vezes, Jesus podia subtrair-se ao inimigos (Mt 12,14-15; Lc 4,29-30; Jo 7,1; 8,59; 10,39; 11,53-54). Mas chegou a hora das trevas, do triunfo passageiro do mal sobre o Filho do Homem feito "o pecado universal" (2Cor 5,21).

Todos os apóstolos fugiram. Só de medo de serem presos? Também. Mas a principal razão é que não conseguiam compreender como, depois de tantas provas de seu poder divino, Jesus agora se entregava sem reagir e permitindo-lhes ver sua obra sucumbindo agora num fracasso desconcertante e inexplicável (Mt 26,54). Mas o "NÃO" de todo pecado devia ser remido por este "SIM" heróico de Jesus fazendo-se obediente até à morte de cruz (Fl 2,8). E Jesus vai ao encontro da condenação, sozinho e abandonado!

Oração

Obrigado, Senhor, por se ter entregue livremente em meu lugar aos que vinham capturá-lo e levá-lo à cruz. Perdão pelo beijo traidor de Judas e por tantas pequenas traições minhas, toda vez que faço prevalecer minhas inclinações e não a vontade do Pai. Perdão pela fuga dos apóstolos, deixando-o no mais completo desamparo no dia mais difícil de sua vida terrena. Peço que não me deixe sozinho nas horas de angústia e de dor. Fique comigo e com aqueles que se sentem abandonados, Senhor. Que o sintamos sempre junto de nós, para que a nossa fé não desfaleça. Amém.

Mc 14,53-65

Perante o tribunal religioso

Mt 26,57-68; Lc 22,54.63-71; Jo 18,12-14

(53) Conduziram Jesus à casa de José Caifás, o sumo sacerdote, onde já o aguardavam os chefes dos sacerdotes em reunião secreta e noturna com os rabinos professores da Lei mais os senadores, o que vale dizer, todos os membros do Conselho Superior ou Sinédrio. (54) Pedro seguia Jesus de longe, até o interior do pátio do palácio do sumo sacerdote. Sentou-se perto da fogueira junto aos servidores para se aquecer. (55) Os chefes dos sacerdotes e todo o Conselho Superior, num processo sumário, procuravam uma prova legal contra Jesus para poderem condená-lo à morte, mas nada conseguiram. Quando Jesus chegou diante deles, a sentença condenatória da parte do Sinédrio já estava definida (Mt 26,4; Jo 11,53). Só faltava uma base jurídica. (56) Muitos davam testemunhos falsos, mas

EVANGELHO COMPLETADO - SÃO MARCOS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 14 160 / 183

suas acusações eram contraditórias. (67) Alguns se apresentaram com esta acusação distorcida: (58) - "Nós mesmos o ouvimos quando afirmou: 'Eu destruirei este templo feito pelas mãos dos homens e em três dias edificarei outro sem o auxílio de mãos humanas'. (59) Mas nem neste depoimento chegaram a um acordo. Assim o testemunho ficou desprovido de valor jurídico, pois a lei do Deuteronômio 19,15 exige perfeito acordo de ao menos duas testemunhas. (60) Então Caifás, vivamente contrariado por falta de provas condenatórias, deixou a cadeira da presidência e foi ao meio da sala. De juiz fez-se acusador procurando obrigá-lo a se defender, esperando assim obter o flagrante de algum pronunciamento comprometedor. Perguntou a Jesus:

- "Nada responde e não se defende de tantas acusações que lhe lançam em rosto?" (61) Jesus permaneceu imperturbavelmente calado; não respondeu uma palavra sequer, demonstrando que nenhuma acusação o atingia. Por isso Caifás volta a interrogá-lo de maneira mais incisiva:

- "O senhor é o Messias esperado, o Filho de Deus bendito?" (62) Jesus, embora sabendo que sua resposta forneceria o elemento de que seus inimigos necessitavam para condená-lo, pela primeira vez declara franca e oficialmente:

- "Eu sou! E vocês me verão com as prerrogativas atribuídas por Daniel 7,13 ao Filho do Homem sentado à direita de Deus (SI 110,1 (109)) com o mesmo poder do Pai (Jo 10,30-33) e me verão no fim dos tempos vindo sobre as nuvens do céu com a realeza universal e como juiz supremo!" (63) O sumo sacerdote, num gesto dramático, em sinal da mais veemente indignação, rasgou sua túnica à altura do peito e bradou:

- "Que necessidade ainda temos de testemunhas? (64) Todos aqui ouviram a escandalosa blasfêmia que ele proferiu contra Deus declarando-se igual a ele (Jo 19,7). Que lhes parece?" Todos gritando o julgaram réu de morte (Lv 24,15-16; Dt 18,20). (65) Alguns do Conselho começaram a cuspir-lhe no rosto, um dos mais vis ultrajes entre os orientais, a tapar-lhe o rosto com um pano, a esbofeteá-lo provocando-o:

- "Adivinha quem bateu agora?" (Is 50,6-7).

Também os homens de serviço do sumo sacerdote vieram cobri-lo de bofetadas.

Questionário

53 - Quem era esse sumo sacerdote?

Era Caifás (Mt 26,57) saduceu. Obteve o pontificado do poder romano por proteção no ano 18 e exerceu-o até o ano 36. Todavia, o autor intelectual da trama urdida contra Jesus era seu sogro Anás, de ascendência e astúcia maiores do que as do genro. Por isso conduziram Jesus primeiro a Anás (Jo 18,13-24). Anás e Caifás ocupavam duas alas opostas do mesmo palácio. Jesus, ao passar de Anás a Caifás, atravessou o pátio entre uma ala e outra no momento em que Pedro o negava pela terceira vez. Foi então que Jesus olhou para o discípulo (Lc 22,61). José de Arimatéia (Lc 23,50-51) e Nicodemos (Jo 7,50) não participaram desta

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reunião embora pertencessem ao Sinédrio, porque ou não foram convocados por serem simpatizantes de Jesus ou se negaram a ir.

54 - Exigências legais no julgamento.

A narração do processo que condenou Jesus não é um protocolo judicial, mas as discrepâncias entre os quatro evangelistas não afetam o essencial. O supremo poder dos israelitas era mantido pelo Sinédrio composto por 71 membros entre sacerdotes, escribas e anciãos mais o presidente que era o sumo sacerdote em exercício. Bastava a presença de 23 membros para legitimar uma sentença com maioria absoluta. Não havia uma acusação oficial nem se exigia juramento. As testemunhas depunham, primeiro as da defesa, depois as da acusação, uma por uma. Os juizes não testemunhavam nem as testemunhas julgavam. A sentença só podia ser pronunciada noutra sessão do dia seguinte ao das acusações, e submetida ao veredicto da autoridade romana. Os chefes do povo há tempo haviam decidido matar Jesus (Mt 26,3-4; Mc 11,18; Lc 19,47; Jo 11,53).

55 - Irregularidades legais no processo contra Jesus. A lei proibia uma sessão judiciária à noite e fora do templo. O julgamento e a

sentença do tribunal do Sinédrio aconteceram no mesmo dia, contra a lei. O réu só teve acusação e não defesa. Por falta absoluta de provas contra Jesus, apelaram para o baixo recurso de falsas testemunhas (Dt 17,6; 19,15). O sumo sacerdote passou de juiz a acusador (14,60-61). Os ultrajes antes da sentença capital de Pilatos foram ilegais.

58 - Mostre como distorceram esta acusação. Jesus não disse que destruiria o templo, não falava do templo de Jerusalém,

mas do templo do seu corpo (Jo 2,21), não disse que o templo de Jerusalém foi feito por mãos humanas como coisa não de Deus, nem que em três dias levantaria um templo novo em Jerusalém. Jesus disse: "Destruam vocês este templo (do meu corpo) e em três dias o levantarei" (ressuscitando). Ficou tão claro que Jesus falava de seu corpo, que, diante de Pilatos, os acusadores afirmaram: "Esse impostor disse: depois de três dias ressuscitarei" (Mt 27,63).

61 - Como você interpreta o silêncio de Jesus?

É atitude de majestosa serenidade demonstrando que nenhuma acusação o perturbava e que não havia necessidade de responder, pois a discordância dos depoimentos já era a mais eloquente resposta à pergunta de Caifás.

62 - Quantas vezes Jesus fez esta declaração de sua divindade?

Jesus sempre evitou revelar-se Deus abertamente. Queria que a fé o fosse descobrindo sempre mais. Neste momento, porém, em respeito ao nome de Deus formulado na pergunta, e como agora não há mais o risco de uma sublevação popular, Jesus pela primeira vez proclama oficialmente sua identidade divina perante a autoridade suprema dos judeus, e na resposta vai muito além do que o sumo sacerdote perguntou. "O Filho do Homem sobre as nuvens do céu" nos reporta à visão de Daniel 7,13-14. "Sentado à direita de Deus" é do Salmo 110,1 (109,1) e significa ter as mesmas prerrogativas de Deus, ser Deus (Mt 22,44; Rm 8,34; Hb 10,12; 1Pd 3,22).

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64 - Qual era a punição legal da blasfêmia?

Era a lapidação: Lv 24,15-16. Mas desde que, no ano 6, a Judéia foi sujeita à administração romana, o Sinédrio perdeu o direito de executar uma condenação capital. Por isso Jesus agora deverá ser submetido ao tribunal de Pilatos e ser morto segundo a praxe do direito romano. O tribunal judeu só colheu o material de acusação para apresentá-lo ao juiz romano com forte pressão moral.

Lições de vida

Não conseguiram provar nenhuma inverdade pronunciada por Jesus. Só foi condenado à morte quando ele revelou a VERDADE sobre sua pessoa! As acusações graves movidas contra Jesus eram: transgressão da lei sabática, oposição à autoridade do Sinédrio, desprezo do templo, induzir alguém a perder a fé e fazer-se igual a Deus (blasfêmia). Diante de Caifás Jesus agora incorreu neste último delito digno de morte. Será apresentado como um agitador minando toda a religião de Moisés. Caifás rasgou as vestes, sinal de protesto e indignação pela blasfêmia ouvida. É bom lembrar que a roupa que vestiam trazia à altura do peito uma costura de sete a oito centímetros facilitando rasgar sem estragar o tecido. O corruptor do povo deve ser morto para que o mal não se alastre (At 7,56-58).

Quando seguimos Jesus só de longe e ouvimos os seus adversários, estamos a um passo da negação e fracasso de Pedro. Expor-se à ocasião é já armar a queda.

De certo modo toda a humanidade é responsável pela condenação de Jesus!

O silêncio de Jesus é ainda a grande resposta à calúnia.

Oração

Senhor, os representantes oficiais do povo eleito rejeitam o Senhor como Messias, Filho de Deus e juiz universal. Obrigado por ter-se mantido em silêncio diante da enchente de acusações feitas pelos inimigos. Que eu aprenda a dupla lição de não me deixar abalar por falsas acusações e de saber que o silêncio é ainda uma grande resposta à calúnia. Peço a graça da fortaleza para nunca seguir o Senhor "de longe", sem determinação, mas que só admita o seguimento radical, consequência natural do meu batismo, o qual, como me insere no mistério pascal, é algo maior do que a própria vida que desfruto na terra. Amém.

Mc 14,66-72

A negação de Pedro

Mt 26,69-75; Lc 22,55-62; Jo 18,15-27

(66) Pedro continuava embaixo, no pátio da casa de Caifás, quando se aproximou uma criada do sumo sacerdote, precisamente a porteira (Jo 18,16). (67) Ela fixou o olhar em Pedro, que se aquecia ao fogo, e lhe disse ameaçadora:

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- "Você também estava com Jesus de Nazaré!" (68) Mas ele, temendo ser envolvido no processo, ainda mais que tinha ferido com a espada um dos servos, negou categoricamente afirmando:

- "Não o conheço nem compreendo o que você está dizendo."

Então, para livrar-se de outros embaraços, ele se dirigiu para o corredor que dá na saída. E o galo cantou por volta da meia-noite. (69) A empregada tornou a fitar Pedro e disse aos que se achavam perto: - "Esse homem é do grupo deles." (70) E ele negou segunda vez. Pouco depois, os que ali se encontravam, percebendo o dialeto galileu de Pedro, puseram-se a acusá-lo:

- "Não há dúvida de que você é um deles, pois o seu modo de falar prova que você é galileu como todos os discípulos dele." (71) Pedro assim pressionado começou a praguejar e jurar, com medo de ter sido descoberto:

- "Juro que não conheço esse homem de quem vocês estão falando." (72) Neste momento o galo cantou pela segunda vez, e Pedro lembrou-se do que Jesus lhe havia dito: "Antes que o galo cante duas vezes, você me terá negado três vezes" (v. 30). Então, caindo em si, Pedro se retirou e desatou a chorar.

Questionário

66 - Essa criada era a porteira. Como se sabe?

Jo 18,17 diz que a porteira falou a Pedro.

71 - O que levou Pedro a fraquejar? Remotamente, a falta de oração é a causa da maior parte de nossas quedas.

Além da fraqueza humana e da tentação, em Pedro apontamos: 1º) a presunção de ser mais do que os outros: "Ainda que todos te abandonem, eu nunca!" (14,29); 2º) a imprudência de expor-se à ocasião de pecar, colocando-se ao lado dos inimigos de Jesus para se aquecer do frio: confiou demais em si mesmo.

72 - Que palavra define esse conhecimento antecipado de Jesus?

É a presciência divina pela qual Jesus conhece como Deus o presente, o passado e o futuro com absoluta clarividência.

Lições de vida

Cada vez que nossas atitudes ou nossos comportamentos contradizem o amor que professamos a Jesus, cada vez que nos acovardamos diante de quem desacredita a nossa fé, somos Pedro negando o Mestre.

Se imitamos Pedro na queda, igualemo-lo no reconhecimento da falta e na volta a Cristo, remindo-se. O erro de Pedro durou pouco porque ele amava muito. Segundo uma tradição, durante toda a vida, ao ouvir um galo cantar, Pedro revivia a cena do seu pecado e do olhar amigo com que Jesus o atingiu: "Voltando-se, o Senhor olhou para Pedro!" (Lc 22,61).

O pecado de Pedro não foi contra a fé em Jesus, sim contra a confissão da fé. Mentira grave, um pecado de boca, mas não do coração. Induzido pelo medo de ser

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preso. Ele sentiu na pele a fraqueza da fé nas horas difíceis. Agora compreenderá os outros que caírem. Também as autoridades são compostas de pessoas que carregam a fragilidade humana; é possível que falhem.

O fato de não terem ocultado a negação do chefe dos apóstolos é prova da veracidade dos Evangelhos.

Por grande que seja a culpa, Deus perdoa o pecador arrependido, devolvendo-lhe confiança e amor. Jesus constituiu Pedro chefe visível de sua Igreja (Mt 16,18-19). Para ser nosso amigo, Jesus não exige certificado de boa conduta! Temos tanto que aprender!

Oração

Senhor, não tenho o direito de censurar Pedro em sua fraqueza, porque tantas vezes eu neguei a verdade só para me livrar de uma situação embaraçosa; muitas vezes assumi atitudes que equivaliam a afirmar que o Senhor não é o meu Senhor ou que eu não sou seu amigo. Conceda-me uma vontade mais forte, para que, quando estiver em cheque a minha crença, eu saiba honrar a condição de discípulo verdadeiro, de seu fiel seguidor. Que nunca me falte a coragem de testemunhar minha fé. Amém.

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CAPÍTULO 15

Mc 15,1-15

Processo civil diante de pilatos. Barrabás. É condenado

Mt 27,11-26; Lc 13,1-5.25; Jo 18,28-40

(1) De manhã bem cedo, pela pressa de condenarem Jesus, os chefes dos sacerdotes e os chefes do povo reuniram-se com os rabinos e todos os componentes do Conselho Superior, o Sinédrio, para um novo processo sumário. Às pressas amarraram Jesus como a um perigoso subversivo, conduziram-no e o entregaram ao governador romano, Pôncio Pilatos, para ser julgado e condenado. (2) Diante da acusação de que ele se fazia rei contra a autoridade romana, Pilatos perguntou-lhe:

- "O senhor é aquele que dizem rei dos judeus?"

- "É como o senhor está dizendo: rei eu sou, mas não de reino terreno" (Jo 18,36), respondeu ele. (3) Os chefes dos sacerdotes fizeram muitas acusações contra ele, sem que alguma fosse probatória. (4) Diante da tranquilidade e do silêncio de Jesus, Pilatos perguntou-lhe:

- "O senhor não responde nada? Veja de quantas coisas o acusam." (5) Mas Jesus nada respondeu, o que deixou Pilatos impressionado. (6) Por ocasião das festas pascais Pilatos costumava libertar algum prisioneiro escolhido pelo povo. (7) Havia um, do partido dos zelotas, chamado Barrabás, preso com outros amotinadores políticos. Num levante ele comandou um homicídio, motivo por que estava detido. (8) A multidão subiu a colina até o pretório de Pilatos, onde ele exercia suas funções de expediente, e pediu que soltasse um prisioneiro qualquer, conforme costumava. (9) O governador viu a oportunidade de propor o indulto pascal em favor de Jesus. Perguntou ao povo:

- "Querem que eu solte aquele que dizem rei dos judeus?" (10) Ele bem sabia que os chefes dos sacerdotes haviam entregue Jesus por ciúme e inveja, porque a influência deles diminuía diante do crescente prestígio de Jesus. Por isso o governador apelou diretamente para o povo, esperando que pedissem a soltura do seu profeta. (11) Mas os chefes dos sacerdotes instigaram o povo a pedir a libertação de Barrabás. (12) Segunda vez Pilatos perguntou ao povo:

- "Que querem que eu faça deste homem que chamam rei dos judeus?" (13) O povo tornou a gritar:

- "Crucifica-o!" (14) Pilatos replicou:

- "Que crime cometeu ele?"

A multidão vociferou mais alto ainda:

EVANGELHO COMPLETADO - SÃO MARCOS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 15 166 / 183

- "Crucifica-o!" (15) Irresoluto, fraco e ao mesmo tempo cruel, impressionado com o crescente clamor geral, Pilatos temia perder a consideração do governador da Síria do qual dependia, e do César de Roma. Para agradar ao povo, sufocando a voz da consciência e tornando-se cúmplice da injustiça, soltou-lhes Barrabás. E a Jesus, embora reconhecendo-o isento de qualquer crime, mandou flagelar como prelúdio do fim, e o entregou para ser crucificado.

Questionário

1 - Por que o Sinédrio, autoridade máxima dos judeus, recorreu a Pilatos?

A partir do ano 6, com a deposição de Arquelau, filho de Herodes Magno, o país dos judeus foi governado por um procurador romano. O Sinédrio ficou privado do direito de condenar à pena capital, reservada deste então à autoridade dominadora. Portanto, a condenação de Jesus pelo Sinédrio devia ser ratificada por Pilatos, o quinto procurador romano dos anos 26 a 35. O motivo religioso da condenação como blasfemador (14,64) não pesava diante do direito romano. Então, à declaração de Jesus de ser o Messias (14,62) deram um sentido político equivalente a rei dos judeus (15,2), isto é, restaurador da independência nacional contra Roma, razão suficiente para a condenação, como o prova o título no alto da cruz: "Jesus Nazareno rei dos judeus".

4-5 - Como você vê o silêncio de Jesus?

Jesus não respondeu aos seus acusadores (v. 4), a uma pergunta de Pilatos (v. 5), a outra do Sinédrio (14,61), nem a Herodes (Lc 23,9), porque eram todas acusações falsas, tão desprovidas de provas que se confundiam a si mesmas; também porque seria inútil qualquer defesa, uma vez que antecipadamente estava decidida a condenação; finalmente, porque Jesus aceitou ser condenado em nosso lugar, para nos resgatar da morte eterna! Silêncio que impressionou Pilatos, confirmando a profecia: "Como cordeiro levado ao matadouro... ficou calado, sem abrir a boca" (Is 53,7). Ali resplende impressionante dignidade que nem a Paixão irá ofuscar.

13 - "O povo gritou DE NOVO: crucifica-o". Não é a primeira vez que pedem: "crucifica-o"?

No v. 11 não temos as palavras ditas pelo povo, mas subentende-se que aí gritaram a primeira vez: "crucifica-o", porque Mt 27,20 escreve que pediram a soltura de Barrabás "e que fizessem perecer Jesus".

15 - Conhece o suplício da flagelação?

Tortura atroz infligida a quem não possuía a cidadania romana. A lei dos judeus não permitia mais de 40 golpes do flagelo; e eles, por escrúpulo, não passavam de 39. A lei romana não punha limite. No caso de Jesus os flageladores foram os soldados a serviço de Pilatos. Usavam varas ou flagelos com correias de couro entremeadas de bolinhas de chumbo ou pequenos ossos para dilacerar as carnes. As vítimas comumente desmaiavam; outras morriam. O réu, quase nu, era amarrado a uma haste ou coluna baixinha com o corpo curvado sobre ela para não diminuir a violência dos golpes. O suplício era aplicado aos olhos do tribunal como

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meio de obter uma confissão ou como castigo a quem não merecia a pena capital ou como preparação à crucificação.

Lições de vida

10 - A inveja é a tristeza diante do bem ou do sucesso de outra pessoa. "Foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo" (Sb 2,24) quando ele induziu ao pecado o primeiro casal. Por inveja Caim matou Abel. O 10º mandamento ("não cobiçar coisas alheias") exige banir a inveja, da qual "nasce o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pelo infortúnio do próximo e o desprazer pela sua prosperidade. Contra a inveja, a satisfação pelo bem alheio glorifica a Deus" (Catecismo da Igreja Católica).

11 - Os populares que se portaram com tanta hostilidade contra Jesus são aquela massa dependente dos inimigos do Mestre; não se trata dos que se encantavam com a Palavra de Jesus e muito menos os galileus. Fenômeno de psicose coletiva: o povo deixou-se sugestionar pelo ódio dos chefes que queriam a morte de Jesus. Os meios de comunicação social em mãos inescrupulosas determinam o modo de pensar e de agir de um povo todo.

15 - Pilatos, por interesses pessoais e políticos, condenou a quem publicamente acabava de reconhecer inocente e o entregou aos instintos selvagens dos inimigos. Aliás, ele nunca recuava diante da prática da violência e crueldade, o que redundou na sua deposição no ano 35. Aqui começou errando quando pretendeu que, não ele, mas o povo manipulado pelo Sinédrio, decidisse a sorte de Jesus. Assim mandou para a cruz um inocente e privilegiou um assassino. A cruz era o suplício mais degradante, destinado a criminosos, escravos e subversivos. Além dos desumanos sofrimentos físicos, Jesus passou pelas maiores humilhações e escárnios.

Oração

Jesus, por ciúme e inveja o Senhor foi odiado, perseguido, caluniado. Diante das piores acusações o Senhor calou, não se defendeu e assim foi condenado em meu lugar. Foi a minha salvação. Mil vezes obrigado, Senhor. Peço a graça de saber suportar injúrias sem abrir a boca. De saber louvar a Deus e bendizê-lo pelas qualidades, pelos dons e pelo sucesso que engrandecem as pessoas que me cercam. Amém.

Mc 15,16-24

Zombarias. Crucificado.

Mt 27,27-36; Lc 23,26-43; Jo 19,16-28

(16) Assim flagelado, os soldados conduziram-no para o interior do pátio do palácio de Pilatos e reuniram todo o piquete que estava a serviço do governador. (17) Vestiram Jesus com uma capa vermelha para ridicularizá-lo como rei palhaço. Com ramos espinhentos fizeram uma coroa e lha impuseram na cabeça. (18) Arremedando

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ironicamente homenagens que eram obrigados a prestar a um soberano, saudavam-no: - "Viva o rei dos judeus!" (19) Enquanto alguns preparavam o patíbulo, outros, para que os espinhos se fixassem com a coroa na cabeça, batiam-lhe com a vara que lhe haviam posto nas mãos como cetro real (Mt 23,29). A tudo Jesus não opôs a mínima resistência nem deixou escapar uma queixa: resignação total! Entre os soldados havia os não romanos, de nações vizinhas à Palestina que odiavam os judeus. Cuspiram no rosto de Jesus e fingindo reverência dobravam os joelhos diante dele. (20) Depois de escarnecerem à saciedade, tiraram-lhe a capa vermelha e a coroa de espinhos; revestiram-no com suas roupas e o conduziram fora da cidade para ser crucificado por quatro saldados (Jo 19,23) sob o comando de um centurião a cavalo. O nome do condenado e o motivo da condenação iam sempre numa tabuinha levada à frente ou dependurada no peito do condenado. (21) Pelo caminho, estava passando um homem natural de Cirene, na Líbia, morador de Jerusalém, chamado Simão, pai de Alexandre e de Rufo, conhecidos na comunidade cristã de Roma (Rm 16,13). Voltava do trabalho rural para a cidade à hora do almoço. Por medo de que o condenado, extremamente debilitado pela flagelação, desfalecesse no caminho, os soldados obrigaram Simão a carregar o patíbulo, isto é, a parte horizontal da cruz, de uns dois metros, no qual amarravam os braços da vítima, que não levava o madeiro vertical de uns quatro metros de comprimento. (22) Conduziram Jesus para o lugar chamado Gólgota ou Calvário, situado fora da cidade (Hb 13,12) à beira da estrada; lugar das execuções onde já se achavam postes que serviam de trave vertical da cruz. (23) Aqui ofereceram-lhe de beber uma mistura de vinho com mirra, entorpecente para mitigar os suplícios. Mas ele recusou a fim de sorver o cálice da Paixão até à última gota em plena consciência e sem lenitivo. (24) Então, deitado no chão, lhe pregaram as mãos e depois o ergueram até encaixarem o patíbulo na cava do tronco perpendicular; logo pregaram-lhe os pés um sobre o outro com um só prego. E repartiram suas roupas tirando sorte com dados pra ver a quem cabia cada peça.

Questionário

17 - Ali dentro da cidade como puderam encontrar ramos espinhentos? Para manter acesa a fogueira onde se aqueciam à noite, costumavam

amontoar ramos colhidos fora da cidade, onde eram abundantes os espinheiros.

20 - Quantos soldados executaram a crucifixão?

Jo 19,23: "Fizeram quatro partes das vestes de Jesus, uma para cada soldado". Portanto foram quatro soldados, comandados por um centurião a cavalo.

21 - Localize Cirene.

Acha-se na Líbia, norte da África, onde florescia importante comunidade judaica. Em Jerusalém, judeus provenientes de Cirene mantinham uma sinagoga própria (At 6,9; 11,20).

22 - As medidas do monte Calvário?

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O termo Calvário é descrição topográfica porque parecia uma caveira. É um montículo de cinco metros de altura, cinco de largura e seis de comprimento. A tradição judaica assegura que é o lugar onde Isaac subiu levando às costas a madeira em que seria sacrificado pelo pai, Abraão (Gn 22,6-10).

23 - Por que Jesus recusou o entorpecente?

Ele quis sofrer com plena consciência o cálice todo da Paixão e morte até a última gota sem lenitivo. Sabia que a muitos condenados não seria oferecido nenhum alívio (Prov 31,6-7). Pode causar estranheza um gesto humano para diminuir as dores depois de um mar de barbaridades em que mergulharam o réu. Segundo o Talmud, as mulheres da nobreza de Jerusalém é que alcançaram a permissão de, às suas expensas, fazerem chegar aos condenados por compaixão um entorpecente antes da crucificação. Se Jesus o tivesse tomado, não teria tido condições de nos deixar o tesouro de suas últimas sete palavras!

24a - Qual o salmo que previu a crucificação e a partilha das vestes?

SI 22,17-19 (21,17-19): "Transpassaram minhas mãos e meus pés" e "repartem entre si as minhas vestes e lançam sorte sobre a minha túnica". Ao morrer, Jesus só possuía a roupa do corpo!

24b - Como crucificavam?

Primeiro pregavam as mãos do condenado deitado no chão; erguiam o patíbulo com cordas ou nos braços dos soldados até o encaixe feito no tronco perpendicular; então pregavam os pés um sobre o outro com um único prego. O crucificado sentava a cavalo de um apêndice de madeira colocado no meio da haste vertical da cruz para sustentar o peso do corpo.

Lições de vida

Isaías profetizou: "Entreguei minhas costas aos que me batiam... não escondi meu rosto diante dos ultrajes e dos escarros" (50,6). "Os seus opróbrios apagaram os nossos, as suas ligaduras tornaram-nos livres, a sua coroa de espinhos alcançou-nos o diadema do Reino, e as suas feridas curaram-nos" (S. Jerônimo). Os evangelistas foram sóbrios na descrição das dores físicas de Jesus para que o aspecto sentimental não ofuscasse a maior tortura da Vítima do Calvário: o abismo da desolação espiritual causada pelo pecado do mundo todo que lhe inundava a alma. Para os judeus era amaldiçoado por Deus quem pendesse da cruz (Dt 21,23).

Simão Cireneu contra a vontade ajudou Jesus a carregar um peso que seria nosso. É próprio do cristão converter-se em Cireneu dos que carregam pesados fardos. A história cristã refere que Simão, convertido, foi bispo na Arábia, onde sofreu o martírio por Cristo. Marcos, citando os filhos de Simão Cireneu, mostra como essa família tornou-se querida entre os cristãos. Também Paulo lembra Rufo e sua mãe na Carta aos Romanos 16,13. Muitas vezes um incidente desagradável nos impele para Deus.

Do pretório de Pilatos ao Calvário são 700 metros em linha reta. Um trecho dentro da cidade aumentou o percurso para Jesus, que deve ter levado mais de 20 minutos em sua última caminhada, a Via Sacra real. A cruz foi o alto preço que Jesus pagou pelo nosso resgate. De instrumento de morte ela se tornou árvore da

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Vida, cujo fruto de salvação é Jesus Cristo! Se eu levar a minha com amor, não será cruz, mas santa cruz porque santifica. Para muitos pagãos era uma loucura os cristãos apresentarem um crucificado como Deus (1Cor 1,23-25; 2,2). Mas é a loucura de um Amor sem limite!

Oração

Jesus, o Senhor zombado, ridicularizado, ironizado, tudo suportou calado para remir meus pecados. Pecados de zombar, de ridicularizar, de ironizar ou de quando eu não soube calar ao ser também zombado. Senhor, rei pacífico, conceda-me paz interior, capaz de não perder a serenidade nos contratempos. Como posso queixar-me de ter as mãos e os pés cansados vendo suas mãos e pés perfurados com pregos? Como queixar-me de solidão, vendo o Senhor abandonado na cruz? Como queixar-me de uma dor vendo seu corpo coberto de chagas abertas e sangrentas? Ensine-me a associar meus sofrimentos e angústias à sua Paixão redentora. Finalmente, ensine-me, Senhor, a ser o cireneu de quem ameaça sucumbir ao peso de sua cruz. Amém.

Mc 15,25-38

Agonia. Escárnios. Expira

(Mt 27,37-53; Lc 23,44-46; Jo 19,28-30)

(25) Crucificaram-no quase ao meio-dia. (26) E colocaram acima dele no alto da cruz uma tabuleta com a inscrição da alegada culpa, ou seja, o motivo da condenação: "Rei dos judeus". (27) Aos lados dele crucificaram dois ladrões, um à direita, outro à esquerda. (28) Cumpriu-se assim a Escritura que predisse: "Foi contado entre os criminosos" (Is 53,12). (29) Os que passavam pela estrada vizinha injuriavam-no meneando a cabeça e diziam-lhe: (30) - "Olá, você que é capaz de destruir o nosso Templo e reconstruí-lo em três dias, salve-se a si mesmo e desça agora da cruz!" (31) Os chefes dos sacerdotes com os escribas ou professores da Lei do mesmo modo escarneciam dele, dizendo:

- "Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-se! (32) Messias e Rei de Israel, que desça agora da cruz para que vejamos e creiamos nele!"

Até os que ali foram crucificados com ele o insultavam. (33) Do meio-dia às 15 horas a terra de Israel foi se escurecendo até o horizonte imediato. (34) Pelas 15 horas Jesus clamou em alta voz:

- "Eloí, Eloí, lama sabactani?!"

Traduzido significa: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonou?!" (35) Alguns dos presentes, estrangeiros, não entendendo bem a língua de Jesus, ao ouvirem esse brado, pela assonância ou aproximação fonética das palavras, disseram:

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- "Escutem. Ele está chamando Elias..."

Um deles se apressou em embeber no vinagre uma esponja (SI 69,22), fixou-a na ponta de uma vara e chegou-a aos lábios de Jesus para que ele sorvesse, dizendo:

- "Esperem! Vamos ver se Elias virá libertá-lo da cruz." (37) Neste momento Jesus deu um forte grito e expirou! (38) No mesmo instante a cortina mais interna que separa o Santo do Santíssimo no Templo de Jerusalém rasgou-se em duas partes de alto a baixo, indicando a ab-rogação do velho culto da Antiga Aliança.

Questionário

25 - Marcos diz que crucificaram Jesus à hora terceira; João afirma que foi perto da hora sexta. Como explicar?

Erro aparente. Marcos usa o sistema popular de dividir o dia em quatro tempos: hora primeira, o período das 6 às 9 horas; hora terceira, o espaço da 9 às 12 horas; sexta, das 12 às 15 horas; nona, das 15 às 18 horas. Então, perto do meio-dia, como diz João, ainda está dentro da hora terceira de Marcos.

27 - Nome dos dois ladrões?

A tradição cristã transmitiu o nome de Dimas, o convertido, e Gestas.

28 - Quem fez esta profecia e por que algumas edições a omitem?

Isaías 53,12 diz: "Foi contado entre os malfeitores". Algumas edições omitem esse versículo porque, não constando do original grego, é considerado uma adenda marginal inserida no texto posteriormente.

33 - Que trevas são essas? Não se trata de um eclipse, que nunca acontece em plenilúnio, nem de uma

tempestade de areia como nas chamadas "noites de siroco"; foram espessas nuvens negras encobrindo o sol na Judéia para mostrar a natureza coberta de luto pelo drama do Calvário quando os homens condenaram um Deus!

34 - Qual o autor dessas palavras proféticas e como entendê-las em Jesus? Davi no salmo 22 descreveu as aflições mais angustiantes da Paixão de

Jesus. O "Por que me abandonaste?" é portanto uma visão profética do que o Messias passaria. É inconcebível que Jesus tenha passado um momento sem a sua divindade. Mas tratado como escória e rebotalho em sua natureza humana, torturado sem que Deus interviesse para defendê-lo, sentiu-se como sem Deus, consequência do pecado do mundo que rompeu com Deus. Brada como qualquer pessoa humana quando Deus não a livra de sofrimentos atrozes: "Deus me abandonou!" Na citação desse salmo Jesus mostra ter cumprido a profecia messiânica no fundo do cálice da Paixão que ele aceitou com relutância no Getsêmani; está sentindo só males, mas sua última palavra revela a certeza de Deus: "Pai, em tuas mãos entrego a minha vida!" (Lc 23,46). É o selo de sua vida!

35 - Como é que alguns não compreenderam as palavras de Jesus?

Os soldados romanos não entendiam bem a língua dos judeus. Fora a própria língua latina, conheciam suficientemente o grego apenas. A diferença entre Mt 27,46 "Elí, Elí, lemá sabactani" e Marcos "Eloí, Eloí, lamá sebactani" está nisso: Mc

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preferiu usar o aramaico por ser a língua falada pelo povo; Mateus nos dá as palavras que Jesus deve ter pronunciado em hebraico, língua oficial; daí a confusão que fizeram de Eli para Elias.

38 - Interprete o rasgo misterioso desse véu.

No Templo nacional de Jerusalém havia duas cortinas (véus); uma, interior, vedava o lugar central mais sagrado, o "Santo dos Santos" (= Santíssimo, Ex 26,31-34), onde só o sumo sacerdote entrava uma vez por ano no dia da purificação; outra cortina, exterior (Ex 26,36), vedando o lugar chamado "Santo", onde só tinham acesso os sacerdotes para atos de culto. O significado desse rasgo vem da Carta aos Hebreus 10,19-20: "Apoiados na firme confiança de entrarmos no Santuário pelo sangue de Jesus, caminho novo e vivo que ele inaugurou para nós através da cortina de sua carne...". É como dizer: 1º) com sua morte sacrifical Jesus nos reabriu o acesso a Deus rasgando o tapume do pecado que no-lo vedava; 2º) caducou o culto do Velho Testamento; o novo culto será através da humanidade de Jesus cada vez que, na Eucaristia, oferecermos ao Pai a Vítima do Calvário.

Na mesma hora em que Jesus expirou, os sacerdotes judeus no Templo sacrificavam os cordeiros pascais e presenciaram o impactante e misterioso rasgo dessa cortina. Como consequência atestam os Atos dos Apóstolos 6,7: "Submetiam-se à fé também grande número de sacerdotes".

Lições de vida

A inscrição que Pilatos, com segundas intenções, afixou no alto da cruz confirmará até o fim do mundo a afirmação do próprio Jesus antes de ser condenado: "Eu sou Rei. Para isso nasci e para isso vim ao mundo" (Jo 18,37).

A escuridão durante a agonia de Jesus é também imagem das trevas espirituais dos que quiseram apagar Aquele que é a luz da vida (Jo 1,5; 3,19).

Um grande grito ou gemido num moribundo inteiramente extenuado é algo fora do natural porque o sangue de um crucificado se vai acumulando nos pulmões e mata por asfixia. Antes das causas naturais fazerem Jesus morrer, ele mesmo entregou seu espírito ao Pai no instante que convinha. Por sinal que nenhum evangelista diz que ele "morreu", sim que "expirou" ou "entregou o espírito"!

Escritores pagãos do primeiro século, como Plínio Moço (anos 61-100), Suetônio (70-160) e Tácito (35-120) com Flávio Josefo, judeu (37-100), atestam a morte de Jesus na cruz.

Para os inimigos de Jesus a morte na cruz seria a derrota humilhante e definitiva dAquele que, poucos dias antes, entrou triunfalmente em Jerusalém como Messias. Sem a luz da fé não é possível ver que essa morte na Árvore da Cruz é a derrota daquele que, na árvore do paraíso terrestre, fez o homem cair. É a obra da Redenção que nos comprou por alto preço (1Cor 6,20) exatamente na hora em que no Templo eram sacrificados os cordeiros-figuras do verdadeiro Cordeiro Pascal que ofereceu ao Pai o verdadeiro sacrifício de sua vida por nós. A vida é mais preciosa do que todos os valores do mundo. Jesus colocou o ser humano acima da própria vida. Nenhum amigo fez tanto! Dessa morte, cheia de amor, nasce nossa vida eterna! Jesus já havia ensinado: "Se o grão de trigo que cai na terra... morrer, produzirá muito fruto" (Jo 12,24).

EVANGELHO COMPLETADO - SÃO MARCOS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 15 173 / 183

Oração

Jesus, bem que o Senhor ouviu o desafio dos inimigos dizendo-lhe: "Desce da cruz, então creremos". Queria estar lá também eu para suplicar: "Não desça, Jesus; fique na cruz". Obrigado milhões de vezes, Senhor, por não ter descido. Que seria de mim se o Senhor deixasse o lugar que era meu?! E fique comigo, Senhor, quando eu me sentir abandonado. Eu sei que o Senhor passou pela suprema desolação do abandono para livrar-nos do eterno afastamento de Deus. Mais uma vez, obrigado, Senhor. Amém.

Mc 15,39-47

O centurião. Mulheres. Sepultamento.

(Mt 27,57-61; Lc 23,49-55; Jo 19,25.38-42)

(39) O centurião, oficial romano que se achava diante da cruz, ao ouvi-lo dar o último suspiro com um grito muito mais forte do que as exauridas energias de um moribundo permitiam, reconheceu o caráter sobrenatural da pessoa de Jesus e assim se expressou:

- "Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus!" (40) Também estavam ali algumas mulheres olhando de longe. Entre elas, Maria Madalena, Maria esposa de Cléofas, também chamado Alfeu, mãe do apóstolo Tiago Menor e de José, Salomé esposa de Zebedeu e mãe dos apóstolos Tiago Maior e João (Mt 27,56). (41) Elas haviam acompanhado Jesus desde a Galiléia prestando-lhe ajuda nos trabalhos de alimentação e vestuário. Além destas, várias outras que tinham subido com ele a Jerusalém se encontravam ali, testemunhas da morte do Senhor. (42) Caía a tarde entre 15 e 18 horas da sexta-feira, dia de se preparar todo o necessário para o sábado que começava ao cair do sol, quando já não seria mais permitido tirar o corpo da cruz. (43) Veio então José, natural de Arimatéia, a oito quilômetros de Jerusalém, destacado elemento do Sinédrio, o conselho superior e suprema autoridade dos judeus. Ele também esperava a vinda do Reino de Deus anunciado por Jesus. Rápida e decididamente foi à presença de Pilatos e pediu o corpo de Jesus, sem temer as consequências desse gesto que por si já era uma profissão pública de sua adesão a Jesus. (44) Pilatos ficou surpreso ao ouvir o anúncio da morte tão rápida de Jesus, uma vez que os crucificados duravam mais de um ou dois dias com vida. Chamou o centurião e indagou se fazia tempo que havia morrido. (45) Depois de receber a confirmação do oficial, cedeu graciosamente o cadáver ajosé. (46) Este, comprou um lençol de linho, retirou o corpo da cruz, envolveu-o no lençol, pulverizou sobre ele a mistura de mirra extraída do bálsamo, com aloés (Jo 19,40) de outra árvore aromática, e o depositou no sepulcro novo escavado para si ali perto da rocha, conforme costume das famílias abastadas. Por último, rolou uma grande pedra em forma de mó fechando o sepulcro. (47) Maria

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Madalena e Maria mãe de José e de Tiago Menor observaram bem o lugar onde depositaram o corpo de Jesus.

Questionário

39a - O nome do centuríão?

Segundo livro contemporâneo "Atos de Pilatos", foi Longino quem comandou a execução. Ele abriu o peito de Jesus com uma lançada para certificar Pilatos de que o condenado estava morto. Tornou-se cristão e foi martirizado por decapitação em Cesaréia no ano 58. Sua memória celebra-se a 15 de março.

39b - A causa orgânica da morte de Jesus?

Foi o sangue acumulado nos pulmões provocando asfixia.

42 - José de Arimatéia agiu com rapidez. Por quê?

Quando o sol se punha, iniciando as celebrações do sábado, era vedado qualquer trabalho, mesmo tirar um cadáver da cruz. Muito mais que este não era um sábado comum, senão o primeiro dia das grandes solenidades pascais. Acresce que o Deuteronômio 21,22-23 proibia deixarem os cadáveres na cruz durante a noite; deviam ser sepultados no mesmo dia.

44 - Em que se funda a estranheza de Pilatos? É que os crucificados normalmente permaneciam vivos mais de um ou dois

dias. Jesus morreu antes do tempo previsto, com três horas de crucifixão por ter sido torturado com exagerados golpes de flagelação das mãos dos soldados não judeus.

45 - Que faziam os romanos dos corpos dos crucificados?

O escritor romano Quintiliano diz que os deixavam entregues à putrefação e a serem devorados pelos animais. Também cediam-nos a parentes e amigos mediante pagamento. Os judeus enterravam-nos em sepulturas novas para não contaminarem de impureza legal os ossos de outrem.

46a - Como eram os sepulcros?

Não uma fossa como os nossos, mas uma pequena caverna. Uma porta bem apertada e baixa dava acesso à câmara mortuária. Era necessário inclinar-se para entrar, uma pessoa à frente, outra atrás carregando o corpo (cf Lc 24,12; Jo 20,5.11) que jazia numa elevação em forma de mesa; podia haver lugar para mais corpos. Grande pedra em forma de mó era rolada para fechar a entrada.

46b - O sepulcro pertencia a José de Arímatéia. Como sabemos? As sepulturas eram respeitadas como lugares sagrados e intocáveis. José de

Arimatéia não poderia utilizar-se dele se não lhe pertencesse. Nem lhe sobrava tempo para tratar com outro proprietário. Mt 27,60 confirma: "Depositou no seu túmulo".

46c - Quanto tempo Jesus esteve sepultado? Seis horas na sexta-feira, 24 no sábado e quatro no domingo, ao todo 34

horas.

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Lições de vida

A lançada no coração e o sepultamento provam a morte não aparente, mas real de Jesus. Os que o condenaram se dão por vencedores: liquidaram o incômodo profeta dando-lhe a última das desonras: acabar a vida entre dois malfeitores como o maior deles. Agora podem gloriar-se de não o terem reconhecido como o Messias esperado. Vitória aparente. Um dos ladrões crucificados converte-se e antes de morrer declara de Jesus: "Esse nada praticou de mal" (Lc 23,41). E Jesus, longe de se mostrar um derrotado, lhe abre a porta do céu: "Hoje mesmo estará comigo no paraíso!" (Lc 23,43). O centurião romano, homem da confiança de Pilatos, embora habituado a execuções capitais, foi sendo tocado por sinais inequívocos e fora do comum: o escurecimento a partir das 12 horas, o terremoto partindo rochas às 15 horas (Mt 27,51), o último suspiro com um grito desse condenado com atitudes tão diferentes dos outros, porque no meio das torturas não teve um gesto de revolta, não perdeu sua dignidade, sua mansidão, seu domínio pessoal, que orou na cruz e perdoou seus algozes. Certamente esse pagão ouvira falar dos ensinamentos impactantes desse galileu e seus milagres. Agora não se conteve: publicamente manifesta aos soldados e ao povo ali presente a sua convicção com um claro ato de fé: "Verdadeiramente esse homem era o Filho de Deus!". Esse "verdadeiramente" desfaz a descrença dos chefes judeus. Um pagão confirma a verdade visada pelo Evangelho de Marcos, que se abre com as palavras: "Início do Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus!". O brado do centurião foi luz e conforto para a mãe de Jesus, para o discípulo João e para o grupo de mulheres que serão as primeiras testemunhas da ressurreição.

Nós morremos quando nossas energias físicas se esvaem. Jesus já sem forças, ele mesmo ENTREGOU o seu espírito quando reconheceu ter cumprido tudo o que dele predisseram os profetas (Jo 19,30). Só ele é senhor de sua vida.

Os judeus enterravam normalmente os supliciados em vala comum. Foi graças às iniciativas e coragem de José de Arimatéia que Jesus recebeu um sepultamento honroso. Todos os cristãos ficamos profundamente reconhecidos ao bom José de Arimatéia. Comove-nos ver essas manifestações de seu profundo amor depois das maiores afrontas suportadas por Jesus. Somente uma pessoa de grande prestígio poderia entrar na casa do governador, pedir e obter o corpo do Senhor. Encontrou a ajuda de Nicodemos, ambos favoráveis a Jesus dentro do Sinédrio, mas ocultamente (Lc 23,51 ;Jo 19,38-40). Vencendo o medo do Sinédrio e o risco da própria reputação, desceram o cadáver da cruz, prepararam-no sumariamente e o colocaram no sepulcro novo de José de Arimatéia, a 39 metros do lugar da execução. Hoje todos podem venerar o Santo Sepulcro no interior da basílica homônima. Arimatéia é o nome grego de Ramá ou Ramathaim na Judéia.

Oração

Senhor, que eu não tema testemunhar minha fé cristã diante de qualquer situação como o centurião romano. E porque necessito, peço a disposição corajosa de José de Arimatéia, cuja fé no Senhor não se abalou diante de tantos ultrajes dirigidos ao seu Mestre, nem diante da fuga dos

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amigos mais íntimos de Jesus ou diante da morte com aparência de derrota. Necessito aprender dele a colocar a serviço do Senhor tudo quanto tenho e sou, minha própria posição social, sem visar retribuição. Seu nome será perpetuado no Evangelho como quem não desmentiu nem duvidou de sua identidade cristã na hora da maior crise. Amém.

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CAPÍTULO 16

Mc 16,1-8

Ressurreição. Missão dos apóstolos

Mt 28,1-8; Lc 24,1-12; Jo 20,1

(1) Terminado o dia festivo do sábado, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago Menor, mais Salomé, que permaneceram ao pé da cruz com a mãe de Jesus, logo que o sol caiu compraram outros unguentos (Lc 23,56) destinados a terminar o embalsamento do corpo de Jesus, segundo o costume. Já era tarde demais para irem ao sepulcro. (2) Então, no primeiro dia da semana, o domingo, quando começou a clarear, impelidas pela afeição, foram ao sepulcro onde chegaram com o sol nascido. (3) Pelo caminho iam conversando: - "Quem nos vai rolar a pedra da entrada do túmulo?!" É que na sexta-feira retiraram-se para casa antes de ser selado o sepulcro, e não sabiam da presença dos guardas. (4) Mas lá chegando, viram a pedra já removida para o lado. Esta pedra era do formato da mó de moinho e muito grande. (5) Foram logo entrando no túmulo e viram um jovem vestido com túnica branca, sentado ao lado direito da laje funerária. Ficaram tomadas de espanto. (6) Ele, porém, as acalmou dizendo:

- "Não se assustem! Sei que estão procurando Jesus de Nazaré, o crucificado. Ele não está aqui. Foi ressuscitado pelo Pai! Vejam vazio o lugar onde o haviam depositado. (7) Agora vão aos seus discípulos e particularmente a Pedro para dizer que ele marcou um encontro com vocês todos na Galiléia para um novo início! Lá todos vocês o verão como ele mesmo o havia prometido" (14,28; Mt 26,32 e 28,7.16). (8) Elas saíram fugindo do túmulo trêmulas e fora de si pela aparição do anjo e pelo inconcebível da ressurreição inesperada. De começo esconderam-se e não foram logo dar a notícia a ninguém por causa do forte impacto.

Questionário

1a - Só três mulheres foram ao sepulcro?

Lucas 24,10 menciona também Joana, mulher de Gusa (Lc 8,3).

1b - Como é que elas só falam do obstáculo da pedra e não do selo que era intocável nem dos guardas?

Justamente por isso deduzimos terem-se elas retirado para casa sexta-feira, antes de o sepulcro ter sido selado e sem saberem que haveria guardas.

6 - O sepulcro vazio é bastante como prova da ressurreição? Nenhuma testemunha humana presenciou a ressurreição de Jesus. Assim os

evangelistas não a descrevem. Só trazem as circunstâncias que a acompanharam. Os guardas viram e ouviram a pedra rolar do sepulcro sem intervenção humana (Mt 28,11). Assustados correram a anunciar o acontecimento aos que haviam condenado Jesus. Estes foram portanto os primeiros a saberem que ele podia ter

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ressuscitado. Vê-se claramente de sua atitude desonesta e falsa: "Deram aos soldados uma soma vultuosa de dinheiro impondo: 'digam que os discípulos vieram de noite enquanto vocês dormiam, e o roubaram" (Mt 28,12-13). Lembravam-se muito bem do que Jesus havia prometido: "Depois de três dias ressurgirei!". Para negar Jesus é preciso falsificar! Das mulheres que viram o sepulcro vazio, Madalena convenceu-se de que Jesus tinha sido roubado (Jo 20,2). Pedro vê o sepulcro vazio (Jo 20,6-7) e não sabe o que pensar; os apóstolos não eram crédulos. Só João 20,8 ao notar o sepulcro vazio CREU na ressurreição do Senhor. As provas nós temos na mensagem dos anjos e nos fatos concretos das aparições vividas pessoalmente por Pedro (Lc 24,34; 1Cor 15,5), por Madalena (Jo 20,14-18), as mulheres (Mt 28,9), os discípulos (Lc 24,39; Jo 20,19.36-38; Jo 21,1) e Paulo (At 9,3-5). A ressurreição transcende o âmbito da ciência; é só objeto de fé. E só crê quem ama (IJo 4,8).

7a - Por que Jesus quis esse encontro especial com seus discípulos na Galiléia?

Porque foi lá que ele começou a pregar o Evangelho e a cercar-se desses discípulos; na terra deles irá dar-lhes as últimas orientações. Também porque na Galiléia estariam longe das iras e perseguições dos inimigos sinedristas de Jerusalém (1Cor 15,6).

7b - Por que nomeadamente Pedro?

Sinal de que já estava perdoado e de que era o principal dos apóstolos.

8a - Uma das mulheres não viu o anjo nem se escondeu. Quem foi?

Jo 20,1-2: Maria Madalena ao ver a pedra rolada, o sepulcro aberto e vazio, julgou tratar-se de um furto. Saiu imediatamente para avisar Pedro e João.

8b - As outras mulheres ficaram escondidas sem cumprir a ordem do anjo?

Esconderam-se para se recomporem do susto. Então "correram a levar o anúncio aos discípulos" (Mt 28,8). E Lc 24,9: "depois de voltarem do sepulcro anunciaram tudo isto aos onze e a todos os outros". Acha que mulheres guardariam tamanho segredo?

Lições de vida

As mulheres foram ao sepulcro bem cedo, no primeiro momento possível: quem ama necessita da presença da pessoa amada, não suporta tantas demoras, não vê obstáculos nem recua diante das maiores dificuldades como a enorme pedra da entrada do sepulcro. Na hora mais difícil de Jesus, quando crucificado, essas mulheres foram mais fortes do que os homens. Maria Madalena é citada em primeiro lugar por ter sido a primeira testemunha a quem o Ressuscitado apareceu (vv 9-11).

A ação de Jesus no mundo não termina no sepulcro. A Redenção, dom infinito e gratuito, nos é comunicada pela fé e o batismo, e celebrada na Eucaristia. Na Ressurreição Jesus começou a vida em plenitude; assim, vivendo a fé e o batismo, o cristão começa a vida nova projetada pelo Pai. O texto original grego não diz "ressuscitou", mas "foi ressuscitado", indicando ação do Pai.

A fé na Ressurreição de Jesus está longe de ter sido excogitada pelos apóstolos. Foi-lhes extremamente difícil chegar a crer nessa possibilidade porque a morte só tinha um sentido: o fim de tudo. Idéias fixas e preconceitos impedem de ver valores em pessoas e acontecimentos. O plano dos inimigos para liquidar Jesus

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falhou. O desejo das mulheres de embalsamar o corpo falhou. A expectativa dos apóstolos em torno de um reino terreno e poderoso falhou. A lógica humana falha diante dos misteriosos planos de Deus.

O sepulcro vazio é a face oculta da Ressurreição. Esta se torna o centro intencional dos Evangelhos, o anúncio fundamental (querigma) da pregação apostólica onde se assenta o edifício da fé cristã: "Jesus ressuscitou da morte!" (1Cor 15,14-16.20) pelo poder criativo de Deus.

A Ressurreição de Jesus escapa a qualquer demonstração científica porque transcende os limite da matéria. É puro objeto de fé com base no testemunho dos anjos e nas aparições pessoais do próprio Jesus, que não é puro espírito, mas pessoa viva revestida de corpo renovado. Ele não voltou à vida terrena, mas atingiu a dimensão final da vida humana no encontro definitivo com Deus, nossa meta suprema (1Cor 15,14).

Oração

Mil vezes obrigado, Jesus, porque o Senhor, aceitando por amor a dura morte de cruz, venceu a morte e eliminou o destino da condenação que pesava sobre toda a humanidade não remida. Obrigado porque, pela fé e o batismo, o Senhor nos inseriu no seu mistério pascal e nos fez colher o fruto de sua morte e Ressurreição, tornando-nos o homem novo que o Pai pensou. Que eu saiba ser não homem alienado da condição terrestre, mas nela vivendo como filho de Deus, na alegria do verdadeiro sentido da vida. Quero externar minha profunda gratidão porque o Senhor não ressuscitou com ostentação, nem circundado da pompa de um triunfador, mas de maneira invisível, sem mostrar o esplendor de sua divindade e sem molestar nenhum dos inimigos que o odiaram e condenaram. Ensine-me tudo isto, Senhor. Amém.

Mc 16,9-11

Aparece a Maria Madalena

Mt 28,9-10; Jo 20,11-18

(9) Jesus ressuscitou no primeiro dia da semana, o domingo, bem de manhã. Antes de encontrar-se com os discípulos de Emaús e os apóstolos, apareceu primeiro a Maria Madalena, a quem havia libertado de um conjunto de males como sete demônios (Lc 8,2). (10) Ela, confirmada na fé, foi transmitir a grande notícia aos apóstolos e aos discípulos de Jesus que andavam aflitos e chorosos. (11) De tanto abatimento, ouvindo falar que ele estava vivo e que tinha sido visto por ela, eles não deram crédito, julgando-a auto-sugestionada.

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Mc 16,12-13

Aparece a dois discípulos

(Lc 24,13-35)

(12) Depois disto, Jesus apareceu em forma de peregrino a dois discípulos enquanto iam voltando para o seu trabalho de campo em Emaús. (13) Ambos refizeram o caminho de 12 quilômetros para levar a notícia aos apóstolos em Jerusalém. Estes, sem idéias claras sobre a condição do ressuscitado na vida da glória, tampouco acreditaram nessas duas testemunhas oculares (Mt 29,17).

Mc 16,14-18

Aparece e envia os apóstolos

(Mt 28,16-20; Lc 24,36-49; Jo 20,19-23)

(14) Por fim, ainda no dia da ressurreição, já tarde, Jesus apareceu aos onze apóstolos enquanto estavam à mesa ceando. Repreendeu-os pela falta de fé e principalmente pela teimosia em não dar crédito à palavra das testemunhas que o viram ressuscitado. (15) Mesmo assim, dias depois, na Galiléia (Mt 28,16), lhes confiou esta missão:

- "Vão pelo mundo todo e anunciem meu Evangelho, não só aos judeus, mas a todos os homens. (16) Para a salvação, apenas duas condições são necessárias: não mais a lei da circuncisão, mas a fé em mim com obras (Jo 3,18; Hb 11,6; Tg 2,14) e que sejam batizados como membros no novo povo de Deus (Jo 3,5). Quem não crer será condenado. (17) Aos que crerem em mim, para que fortaleçam a fé ser-lhes-á dado o poder carismático de fazerem estes milagres: em meu nome expulsarão os demônios e falarão línguas novas; (18) se pegarem cobras com as mãos (At 28,5) ou beberem veneno letal, não sofrerão mal algum. Imporão as mãos sobre doentes e estes recuperarão a saúde." (At 3,1ss;28,8).

Mc 16,19-20

Ascensão

(Mt 24,50-53; At 1,9-11)

(19) Depois de lhes ter assim falado, o Senhor Jesus subiu ao céu por virtude própria, onde está com a autoridade, a glória e o poder infinitos de Deus à direita do Pai, como havia predito diante do sumo sacerdote (14,62). (20) Os discípulos, logo após o Pentecostes, partiram por toda parte pregando a mensagem da salvação. O Senhor Jesus colaborava com eles assistindo-os na pregação (Mt 28,20) e confirmando com milagres a verdade de sua Palavra.

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Questionário

9a - O dia do Senhor era sábado no Antigo Testamento (Gn 2,3). Por que os cristãos o passaram para o domingo?

Os quatro evangelistas acentuam que Jesus ressuscitou no primeiro dia da semana (Mt 28,1; Mc 16,2.9; Lc 24,1; Jo 20,1.19.26), que se tornou o dia da verdadeira Páscoa do Senhor, da grande vitória sobre a morte, o dia mais solene e festivo que ele nos deixou. Jesus já se havia declarado dono do sábado (Mc 2,28) e podia dispor dele. Nos 40 dias que ele passou na terra após ressuscitar, só reuniu-se aos seus seguidores no domingo e nunca mais no sábado. Os apóstolos continuaram a frequentar a sinagoga por certo tempo aos sábados para o culto público tradicional. Mas a partir do dia da ressurreição passaram a reunir-se com os cristãos aos domingos para a celebração da Nova Páscoa de Jesus. Também Pentecostes, que Deus escolheu como início oficial da Igreja (At 2,1), foi um domingo. Os chefes judeus determinaram expulsar da sinagoga quem cresse em Jesus (Jo 9,22; 12,42). O próprio Senhor já os havia prevenido que seriam expulsos da sinagoga (Jo 16,2). Quando de fato o foram, os cristãos passaram a se reunir para o culto definitivamente no domingo, que o Apocalipse 1,10 já denomina "dia do Senhor". Antigo Testamento, sábado, Novo testamento, domingo.

9b - Como é que Paulo em 1Cor 15,5-7 exclui Madalena da lista de testemunhas do Ressuscitado?

Conforme a concepção dos judeus, as mulheres não podiam ser citadas como testemunhas jurídicas. Portanto o fato de Madalena ser excluída não conflita com a verdade.

9c - Como é que a mãe de Jesus não foi ao túmulo com as outras mulheres?

É bem provável que Jesus, ao ressuscitar, tenha-se manifestado imediatamente à pessoa a quem estava mais ligado afetivamente. Não fosse assim, Maria teria ido com as companheiras ao túmulo.

9d - Que entendiam por sete demônios?

Uma grave possessão diabólica ou uma irremediável doença.

12 - Quem eram e para onde iam esses dois?

Só sabemos que um era Cléofas e que se dirigiam para Emaús, onde moravam a 12 quilômetros de Jerusalém (Lc 24,13 e 18).

16 - Basta a fé para a salvação?

Aqui aparece claramente que a adesão do ser humano a Cristo (fé) deve ser total, não só interna. É necessário crer (ato interno) e "ser batizado", isto é, inserir-se externamente e comprometer-se com a comunidade de fé (Igreja). Vida plena de vivência cristã não é possível só com a etapa inicial que é a fé interior.

17-18 - Cessaram hoje "sinais" ou milagres?

Nos primeiros tempos, por serem maiores os obstáculos e perigos à fé, eram mais necessários os milagres. Sobre o demônio (At 8,7; 16,18; 19,11.16); línguas (At 2,4-11; 10,46; 19,6); cobra (At 28,5); doentes (At 3,1ss; 28,8). Mas, através dos santos de todos os tempos, Jesus sempre manifestou sua presença atuante. Você

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também, cada vez que impede um mal, expulsa o demônio; cada vez que leva alguém do pecado à graça, o liberta da pior das doenças; cada vez que leva a verdade onde dominava o erro, você liberta do veneno da serpente. Fala pouco de Cristo quem lhe deu pouco espaço no coração.

19a - Diferença entre Ascensão e Assunção?

Jesus ascendeu ao céu por virtude própria (Ascensão). Maria, como criatura, foi levada ao céu por virtude de Deus (Assunção).

19b - Aponte as aparições de Jesus ressuscitado.

A) No domingo da ressurreição: 1) a Maria Madalena (Mc 16,9; Jo 20,11-18); 2) às mulheres (Mt 28,8-10); 3) a Pedro (Lc 24,34; 1Cor 15,5); 4) aos dois de Emaús (Mc 16,12; Lc 24,13-35); 5) aos dez apóstolos (Lc 24,36-43; Jo 20,19-23; 1Cor 15,5). B) No domingo seguinte: 6) aos 11 apóstolos (Mc 16,14; Jo 20,26-29). C) Daí até o dia da Ascensão: 7) a sete apóstolos no lago (Jo 21,1); 8) aos apóstolos na Galiléia (Mt 28,16) com as 500 pessoas de 1Cor 15,6; 9) a Tiago, irmão de João (1Cor 15,7); 10) no dia da Ascensão (Mt 28,18-20; Mc 16,15-18; Lc 24,44-49; At 1,4-9). D) Depois da Ascensão: 11) a Saulo (1Cor 15,8; At 9,1-5).

20 - Por que Jesus não permaneceu na terra vitorioso sobre o mal e a morte após a sua ressurreição?

Ele apenas devia inaugurar o Reino definitivo de Deus, da vitória do bem sobre o mal, da vida sobre a morte, da graça sobre o pecado. Mas este seu Reino deve ser construído com a nossa colaboração pessoal e espontânea. Jesus desencadeou o movimento e deixou a nós, seus seguidores, a missão de implantá-lo no coração dos outros até o fim do mundo.

Lições de vida

Os apóstolos só a muito custo creram na ressurreição de Jesus. A dúvida deles fortalece a nossa fé. É admirável e até incompreensível a grandeza do coração do Senhor: depois de censurar a incredulidade dos apóstolos, confia-lhes a missão de difundir o Reino de Deus no mundo pela pregação do Evangelho. Desde então, eles e seus sucessores são os legítimos depositários da doutrina e da missão de Jesus. Você não espere ter a fé de um santo para desenvolver a parte que lhe cabe na missão assumida no batismo. Não fala de Jesus quem não lhe deu o coração.

Quem chega a conhecê-lo, mas se nega a crer, condena-se porque rejeitou a salvação. Jerusalém, meta da caminhada de Jesus, é ponto de partida para os seus continuadores. O Evangelho é a fonte de toda verdade que salva e de toda a regra moral (Dei Verbum 7). Jesus está sentado à direita do Pai como igual a Ele e como Rei Universal de todos os seres criados. A Ascensão de Jesus não é ausência e sim glorificação. Somente a visibilidade cessou, não a presença e ação: "Estarei convosco todos os dias até o fim do mundo!" (Mt 28,20).

Oração

Senhor, conceda-me viver a alegria da Páscoa principalmente em cada domingo. Conceda-me aguardar com amor o encontro que o Senhor marcou conosco em

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cada celebração eucarística, nossa Páscoa renovada. Que a vitória de sua Ressurreição se refuta no meu viver, mesmo passando pelo calvário. E como a boca fala do que está cheio o coração, encha o meu coração do ardor dos apóstolos. Que o título de cristão seja mais empenhativo para mim do que o de mestre, doutor, chefe ou comandante. Que meu modo de ser seja reflexo de minha fé, de uma fé ardorosa e feliz. Amém.