terapia comunitária integrativa_uma construção coletiva do conhecimento

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    TERAPIA COMUNITRIA INTEGRATIVAUMA CONSTRUO COLETIVA DO CONHECIMENTO

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    Direitos desta edio reservados :EDITORA DA UFPBCaixa Postal 5081 Cidade Universitria Joo Pessoa Paraba BrasilCEP 58.051-970

    Impresso no BrasilPrinted in Brazil

    Foi feito o depsito legal

    T315 Terapia comunitria integrativa: uma construo coletiva do conhecimento / Maria de Oliveira Ferreira Filha, Rolando

    Lazarte, Maria Djair Dias, organizadores.--Joo Pessoa:

    Editora Universitria da UFPB, 2013.

    346p.

    ISBN: 978-85-237-0691-3

    1. Terapia de grupo(Assistncia social). 2. Terapia

    comunitria integrativa. 3. Sade mental. I. Ferreira Filha,

    Maria de Oliveira. II. Lazarte, Rolando. III. Dias, Maria Djair.

    UFPB/BC CDU: 364-785.24

    UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABAReitora

    MARGARETH DE FTIMA FORMIGA MELO DINIZ

    Vice-reitorEDUARDO RAMALHO RABENHORST

    EDITORA DA UFPBDiretorIZABEL FRANA DE LIMA

    Vice-diretorJOS LUIZ DA SILVA

    Supervisor de editoraoALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR

    Supervisor de produo

    JOS AUGUSTO DOS SANTOS FILHO

    Editorao e capaRILDO COELHO

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    Maria de Oliveira Ferreira FilhaRolando Lazarte

    Maria Djair DiasORGANIZADORES

    TERAPIA COMUNITRIA INTEGRATIVA

    UMA CONSTRUO COLETIVA DO CONHECIMENTO

    Editora da UFPBJoo Pessoa

    2013

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    Autores

    Adalberto de Paula Barreto. Mdico. Doutor em medicina pela Universit deParis V (Ren Descartes) (1982) e em antropologia pela Universit Lumire Lyon 2(1985). Graduado pela Universidade Federal do Cear (1976), Filsofo e Telogograduado pela Universit Catholique de Lyon et Pontificia Universitas St. Tomas deAquino (1983). Docente da graduao e ps graduao da Faculdade de Medicinada Universidade Federal do Cear (UFC). Coordenador do Projeto 4 Varas/Movimento Integrado de Saude Mental Comunitria do Cear - MISMEC/CE.

    Criador da Terapia Comunitaria Integrativa. [email protected]

    Ana Lcia da Costa Silva.Psicloga. Mestre em Sade da Famlia-Unesa-RJ,

    com especializao em: Sade Mental-Fundao Osvaldo Cruz-(Fiocruz), Centro

    de Pesquisa Lenidas & Maria Deane, Terapia Cognitiva Comportamental-

    Falculdade Martha Falco-AM, Teoria e Clinica Psicanalitica-Gama Filho,

    Recursos Humanos- UFAM-Am, e Formao em Terapia Comunitria. acosta.

    [email protected]

    Amilton Carlos Camargo., Psiclogo Clnico, Terapeuta Comunitrio formadopela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), Doutorando em

    Polticas Pblicas (Cincias Sociais Aplicadas) pela Universidade Federal do

    Maranho, Especialista em Psicologia da Sade e Psicoterapia Psicodinmica

    para os Transtornos de Personalidade pela Universidade Federal de So Paulo,

    Mestre em Psicologia Social - Universidade So Marcos.SP.camargoam@uol.

    com.br

    Antonia Oliveira Silva. Enfermeira, graduada pela Universidade Federalda Paraba (1975). Especialista em enfermagem psiquitrica. Mestra em

    Psicologia (Psicologia Social) pela Universidade Federal da Paraba (1991);

    Doutora em Enfermagem pela EERP/USP (1998). Ps-Doutorado em PsicologiaSocial pelo ISCTE/Portugal (2003). (1978). Pesquisadora lder do Grupo de

    Estudos e Pesquisa em Envelhecimento e Representaes Sociais e bolsista de

    produtividade em pesquisa do CNPq. [email protected]

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    Eliane Carnot de Almeida. Psicloga, graduada pela Universidade Gama Filho(1981), Doutora em Sade Coletiva pelo Instituto de Medicina Social - IMS,Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ (2005), Mestre em Sade

    Coletiva pelo Instituto de Medicina Social / UERJ (1998). Professora Titular daUniversidade Estcio de S. [email protected]

    Dayse Gomes Sousa de Oliveira. Fisioterapeuta graduada pelo Centro Universitriode Joo Pessoa - UNIP (2003). Mestre em Enfermagem pela Universidade Federalda Paraba -UFPB (2008), Especialista em Sade Pblica pela FACISA (2005)[email protected]

    Edlene de Freitas Rocha. Fisioterapeuta graduada pela Universidade Estadual

    da Paraba (1996), Mestre em Enfermagem pela UFPB, Terapeuta Comunitria.UAKTIARA/SP. Especialista em Cinesioterapia pela Universidade Federal daParaba (2002) e Sade Pblica pela Faculdade de Cincias Sociais Aplicadas(2005) e tambm em Fisioterapia Traumato-ortopdica Funcional(2008)[email protected]

    Fbia Barbosa de Andrade. Enfermeira graduada pela Universidade Federalda Paraba. Doutora do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Sade daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Mestrado em Enfermagempela Universidade Federal da Paraba (2009). [email protected]

    Fernanda Lcia de Sousa Leite Morais. Mdica, graduada pela UniversidadeFederal da Paraba- UFPB (1981). Mestre em Enfermagem pela UFPB (2010);Especialista em Gesto e Poltica de Recursos Humanos para o SUS, pelo Centrode Pesquisas Aggeu Magalhes, da Fundao Oswaldo Cruz (1993); TerapeutaComunitria formada pelo IBDH e Secretaria Municipal de Sade de JooPessoa/PB (2007). Docente da Faculdade de Ciencias Mdicas da Paraba.

    [email protected]

    Fernanda Jorge Guimares. Enfermeira graduada pela Universidade Federal daParaba (2004). Doutoranda da Universidade Federal de Pernambuco. Docentedo Ncleo de Enfermagem do Centro Acadmico de Vitria da UniversidadeFederal de Pernambuco, Especialista em Enfermagem do Trabalho. Mestre em

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    Enfermagem pela UFPB (2006), Terapeuta Comunitria formada pelo MISMEC/CE. [email protected]

    Francisdo Arnoldo Nunes de Miranda, Enfermeiro graduado pela UniversidadeEstadual do Cear. Doutor em Enfermagem pela Escola de Enfermagem deRibeiro Preto, Universidade de So Paulo, Mestre em Enfermagem Psiquitricae Cincias Humanas, Docente do Programa de Ps Graduao em Enfermagem,Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Lder do Grupo de Pesquisa: Aespromocionais e de ateno a sade de grupos humanos em Sade Mental e SadeColetiva (Diretrio de Grupos do CNPq). [email protected]

    Iris do Ceu Clara Costa. Odontloga, graduada pela Universidade Federal

    do Rio Grande do Norte (1977). Doutora em Odontologia Preventiva e Socialpela Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho-Araatuba (2000),Especializao em Ativao no processo de mudanas na formao profissionalem sade pela Escola Nacional de Sade Pblica/Rede Unida/Ministrio da Sade(2006). Mestre em Odontologia Social pela Universidade Federal Fluminense(1981). Ps Doutorado em Psicologia Social pela Universidade Aberta de Lisboa-Portugal (2007-2008). Professora Associada II da Universidade Federal do RioGrande do [email protected]

    Luci Leme Brando Lazzarini. Psicloga graduada pela Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo - PUCSP em 1979; Especialista em Terapia Familiar e deCasal formada pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo - PUCSP em2007. Terapeuta Comunitria formada pela Pontifcia Universidade Catlica de SoPaulo - PUCSP em 2004;. [email protected]

    Lucineide Alves Vieira Braga. Enfermeira graduada pela Universidade Federalda Paraba (1989. Mestre em Enfermagem na Ateno Sade pelo Programa

    de Ps-Graduao em Enfermagem da Universidade Federal da Paraba (2009),Especialista em Sade Publica, Obstetrcia, Sade da Famlia e Formao Pedaggicaem Educao Profissional na rea de sade: Enfermagem - PROFAE. Docente doCentro Universitrio de Joo Pessoa - UNIP e Faculdade de Cincias Mdicas daParaba - FCM. Terapeuta Comunitria. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisaem Sade Mental Comunitria da UFPB. [email protected]

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    Maria de Oliveira Ferreira Filha. Enfermeira. Doutora em Enfermagem,formada pela Universidade Federal do Cear (2002). Mestre em Enfermagem pelaUniversidade Federal da Paraba (1994). Graduada pela Universidade Federal da

    Paraba (1981). Especialista em Enfermagem Pisiquitrica pela UFPB (1982),Docente do Programa de Ps Graduao em Enfermagem PPGENF/ UniversidadeFederal da Paraba/ UFPB, vinculada ao e ao Departamento de Enfermagem deSade Pblica e Psiquiatria. Pesquisadora e Lder do Grupo de Estudos e Pesquisaem Sade Mental Comunitria (cadastrado no CNPq). Terapeuta comunitria,formada pelo MISMEC Cear. e membro do Grupo de Enfermeiras Experts noEnsino de Enfermagem em Sade Mental das Amricas - OPS/OMS, desde [email protected]

    Maria Djair Dias. Enfermeira graduada pela UFPB. Doutora em Enfermagempela Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo - SP, Especialista emEnfermagem Obsttrica. Mestre em Enfermagem pela UFPB. Docente Associado IIdo Departamento de Enfermagem Sade Pblica, e do Programa de Ps-Graduaoem Enfermagem da UFPB; Terapeuta Comunitria - MISMEC - Ce. [email protected]

    Mrcia Rique Caricio.Enfermeira graduada pela Universidade Federal da Paraba(1989). Mestre em Enfermagem pela UFPB(2010). Sanitarista, Especialista emObstetrcia, em Sade da Famlia e em Gesto de Servicos de Sade e do Cuidado.Docente da Escola de Enfermagem de Natal (UFRN). [email protected]

    Maura Vanessa Silva Sobreira.Enfermeira graduada pela Universidade Federal daParaba (2008). Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grandedo Norte (2009), Especialista em Polticas e Gesto do Cuidado em Sade. DocenteAssistente II do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual do RioGrande do Norte-Campus Caic-RN. [email protected]

    Marilene Grandesso. Psicloga. Doutora em Psicologia Clnica. Fundadora ecoordenadora do INTERFACI - Instituto de Terapia: Famlia, casal, comunidadee indivduo. Professora e supervisora de Terapia familiar e de casal do NUFAC-PUC-SP; Fundadora e coordenadora do plo formador em TCI - INTERFACI.Coordenadora do Certificado Internacional em Prticas Colaborativas.

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    Coordenadora de Grupos de estudo de Prticas narrativas desde 2006. [email protected]

    Ricardo Franklin Ferreira. Psiclogo. Doutor em Psicologia Escolar e doDesenvolvimento Humano pela Universidade de So Paulo. Professor AdjuntoII, na rea de Psicologia Social, do Departamento de Psicologia da UniversidadeFederal do Maranho (UFMA). [email protected]

    Rolando Lazarte. Socilogo. Doutor em Sociologia pela Universidade de SoPaulo/USP. Mestre em Sociologia pelo Instituto Universitrio de Pesquisas do Riode Janeiro (IUPERJ). Licenciado em Sociologia pela Universidad Nacional de Cuyo(UNCuyo), Mendoza, Argentina. Bacharel em Cincias Polticas e Sociais pela

    Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo (ESPSP). Membro do Grupo de Estudose Pesquisas em Sade Mental Comunitria (cadastrado no CNPq), vinculado aoPrograma de Posgraduao em Enfermagem da UFPB. Terapeuta Comunitriodo Plo Formador em Terapia Comunitria do MISC-PB, Movimento Integradode Sade Comunitria da Paraba. Primeiro Diretor de Comunicao Social daABRATECOM-Associao Brasileira de Terapia Comunitria. [email protected]

    Tlio Batista Franco.Psiclogo. Graduado em Psicologia pela PUC-MG (1985),Doutor em Sade Coletiva pela UNICAMP (2003) e Mestre em Sade Coletivapela UNICAMP (1999). Docente do Programa de Ps-graduao em SadeColetiva da Universidade Federal Fluminense (UFF). Lder do Grupo de Pesquisa;Laboratrio de Estudos do Trabalho e Formao em Sade; LETFS/CNPq. Filiado Association Latine pour lAnalyse des Systmes de Sant (ALASS), Barcelona,Espanha. Filiado Rede Ibero-Americana de Pesquisa Qualitativa. [email protected]

    Viviane Rolim Holanda.Enfermeira graduada pela Universidade Federal da Paraba(UFPB). Doutoranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Cear (UFC).Mestre em Enfermagem pela UFPB (2006). Docente do Curso de Graduao emEnfermagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) lotada no CentroAcadmico de Vitria (CAV). [email protected]

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    SUMRIO

    PREFCIO ...........................................................................................................13

    APRESENTAO ................................................................................................17

    PARTE I CONHECENDO A TERAPIA COMUNITRIAINTEGRATIVA...................................................................................................23

    1. Uma Introduo Terapia Comunitria Integrativa: conceito,bases tericas e mtodo.Adalberto de Paula Barreto e Rolando Lazarte ......................................................... 24

    PARTE II A TERAPIA COMUNITARIA INTEGRATIVA COMOINSTRUMENTO DE TRANSFORMAO...........................................................45

    2. Tempo de falar e tempo de escutar: a produo de sentido em grupo teraputico.Amilton Carlos Camargo e Ricardo Franklin. .......................................................... 46

    3. Minha vida tem sentido toda vez que venho aqui: significado atribudo TerapiaComunitria pela famlia do participante.Luci Leme Brando Lazzarini e Marilene Grandesso...............................................66

    4. Terapia Comunitria e Resilincia: histria de mulheres.Lucineide Alves Vieira Braga, Maria Djair Dias, Maria de Oliveira Ferreira Filha eAdalberto de Paula Barreto..................................................................................... 84

    PARTE III A TERAPIA COMUNITRIA INTEGRATIVA NA ESTRATGIASADE DA FAMLIA/SUS: MUDANAS DE PRTICAS...............................107

    5. A Terapia Comunitria e as Mudanas de Prticas no SUS.Edlene de Freitas Rocha e Maria de Oliveira Ferreira Filha ....................................108

    6. Terapia Comunitria: um encontro que transforma o jeito de ver econduzir a vida.Mrcia Rique Carcio, Maria Djair Dias, Tlio Batista Franco e Maria de OliveiraFerreira Filha. ..................................................................................................... 132

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    7. Rodas de Terapia Comunitria: espaos de mudanas para profissionais daestratgia sade da famlia.Fernanda Lucia de S. Leite Morais e Maria Djair Dias ......................................... 159

    8. A Terapia Comunitria e suas repercusses no processo de trabalho da EstratgiaSade da Famlia: um estudo representacional.Maura Vanessa Silva Sobreira e Francisco Arnoldo Nunes de Miranda .................... 188

    PARTE IV A TERAPIA COMUNITRIA INTEGRATIVA COM GRUPOSESPECIFICOS....................................................................................................207

    9. Terapia Comunitria como abordagem complementar no tratamento da

    depresso: uma estratgia de sade mental no PSF de Petrpolis.Ana Lcia da Costa Silva e Eliane Carnot de Almeida .......................................... 208

    10. A Contribuio da Terapia Comunitria para o enfrentamento das inquietaesdas gestantes.Viviane Rolim Holanda, Maria Djair Dias e Maria de Oiveira Ferreira Filha ........ 231

    PARTE V - AVALIAO DA TERAPIA COMUNITRIA

    INTEGRATIVA .................................................................................................253

    11. A Histria da Terapia Comunitria na ateno bsica de sade em Joo Pessoa/PB: uma ferramenta de cuidado.Dayse Gomes Sousa de Oliveira e Maria Djair Dias ..............................................254

    12. A Terapia Comunitria como instrumento de incluso da sade mental naateno bsica: anlise da satisfao dos usurios.Fbia Barbosa de Andrade, Maria de Oliveira Ferreira Filha, Antonia Oliveira Silva,Iris do Cu Clara Costa ........................................................................................281

    13. Repercusses da Terapia Comunitria no cotidiano de seus participantes.Fernanda Jorge Guimares e Maria de Oliveira Ferreira Filha ............................... 320

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    Prefcio

    Vrios so os caminhos que conduzem ao conhecimento e conferemcompetncia a quem por eles caminha. A grande estrada da qualificaoprofissional tem sido as escolas, as universidades e as academias: instituiesdetentoras de saber, formadoras de profissionais, com seus rituais de iniciao,seus ttulos, suas teorias, suas teses.

    Uma outra fonte de produo do saber a vivncia pessoal de indivduose de grupos sociais apreendida ao longo da vida. Os obstculos, os traumas,as carncias e os sofrimentos superados transformam-se em sensibilidade e

    competncia, levando-nos a aes reparadoras de outros sofrimentos. Essacompetncia e essas habilidades construdas a duras penas so transmitidas, degerao a gerao, pela tradio oral do ouvi dizer e vi fazer constituindoum capital scio cultural indispensvel a todo e qualquer desenvolvimentotanto individual como coletivo.

    Por isso afirmamos, minha primeira escola foi minha famlia emeu primeiro mestre foi a criana que fui. Geralmente atribumos nossascompetncias a livros que lemos, cursos que fizemos e jamais a algo que

    vivenciamos. Como poderemos nos empoderarse deixarmos de lado o saberproduzido no contexto familiar, na escola da vida? Seremos meros marionetesprontos para sermos manipulados, colonizados e, portanto, alienados de nossopotencial criativo.

    S nos empoderamos, quando compreendemos e aceitamos ser sujeitoativo, aprender com nossa histria e no ter vergonha de nossas origens tnicase dos nossos valores culturais, construdos em contextos diferentes, por nossosancestrais.

    Na academia, ns incorporamoso saber cientfico que nos confere umdiploma que legitima uma identidade profissional e nos garante um salriofinanceiro. No entanto, muitas vezes, esta incorporao feita em detrimentoda identidade cultural. Ela exige a morte do ndio, do negro que vive em cadaum de ns. Desta forma, reproduzimos o drama vivido no filme do Robocop,onde a dimenso humana fica eclipsada, reprimida por uma parafernliatecnolgica. Tudo se passa como se a condio para sermos um profissional

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    eficiente, cientista, fosse combater a dimenso afetiva, cultural, prpria do serhumano.

    Na experincia de vida, as carncias e os sofrimentos, quando

    superados, transformam-se em sensibilidade e competncia, levando-nos aaes reparadoras de outros sofrimentos, nos conferindo um salrio afetivo.

    O sofrimento que vivi me anima a restaurar aquilo que j conheo., portanto, minha antiga dor que se torna fonte de competncia sanadora.Desta forma, cuidando do outro, eu restauro a minha prpria histria pessoale familiar.

    Podemos, assim, afirmar que a carncia gera competncia. Geralmenteensinamos melhor aquilo que mais precisamos aprender e damos melhor aquilo

    que no recebemos. Por exemplo: se fui rejeitado torno-me acolhedor.Ns necessitamos destas duas formas de conhecimento: o tcnico-

    cientfico e o conhecimento produzido pela experincia de vida.Usando uma metfora para melhor compreendermos estes dois saberes,

    so como duas mos que se chocam, produzindo inicialmente barulho esofrimento, e aos poucos, se do conta que podem produzir msica, ritmos,melodias que demonstram a alegria de viver. Portanto, so saberes que sechocam, se interpelam, num choque criativo e jamais destrutivo, no qual um

    novo saber quer eliminar o outro, seguindo a lei do mercado que faz com queo surgimento de um novo produto, sempre provoca a destruio do outro.Seria uma perda inestimvel se a diversidade dos saberes no permitisse a co-habitao, de forma respeitosa, desta diversidade. Ora, a sociedade compostade contextos os mais diversos e, por isso, precisamos compreender que ummodelo nico, uma leitura nicaser sempre parcial. Um ponto de VISTA, sempre a VISTA de um ponto. A compreenso da realidade social exige leituras,abordagens as mais variadas e plurais possveis para atender a complexidade

    dos diversos contextos. Um modelo uma construo sempre provisria. Ummodelo aplicado para fazer uma leitura num determinado contexto, pode noservir para compreender um outro contexto. A realidade uma universidade.Ela nos ensina a cada momento a relativizarmos o nosso saber, para podermosincluir, articular outros saberesconstrudos em outros contextos.

    A Terapia Comunitria Integrativa - TCI, como toda abordagemintegradora ou holstica, sabe que possvel transformar o choque e a dor

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    deste confronto em ritmo, em batucada, em algo criativo que no negue, masintegre. Na Terapia Comunitria, aprendemos a construir juntos.

    A TCI apia-se nas competncias dos indivduos e nos saberes

    produzidos pela experincia. Seus participantes so considerados verdadeirosespecialistas na superao do sofrimento. Suas histrias de vida os tmtornado especialistas na superao de obstculos e na produo de um saber,geralmente ignorado pela academia.

    No se trata de rejeitar o saber acadmico, mas, sim, resgatar esta outrafonte geradora de competncia. Trata-se de permitir que um mtodo de cunhocientfico possibilite ao outro mtodo de cunho mais intuitivo e culturaltomar corpo, conscincia, consistncia e reconhecimento de habilidades

    adquiridas por outras vias que no as convencionais. Trata-se de reconhecerque a cultura tem tambm seus processos e mtodos geradores de habilidadese competncias.

    A Terapia Comunitria Integrativa vem adotando o Mtodo de pesquisa-ao-participativa (RAP em francs), definido como rejeio do monopliouniversitrio sobre a produo do conhecimento, e fazendo apelo tambma outras maneiras de produzir conhecimentos como a histria oral, queprioriza a experincia do vividoda base, na base e para a base. Os resultados

    tm sido encorajadores. O que resulta do dilogo entre as diferentes formas deproduo de conhecimento tem permitido compreender a importncia dever o outro como um parceiro possuidor de recursos ocultos que precisam sermobilizados, levados em conta em um trabalho de desenvolvimento humanoe comunitrio. Assim, tem sido possvel relativizar os mtodos e estar aberto auma colaborao transdisciplinar e transcultural.

    Do contrrio, o sofrimento sem crescimento, sem transformao emcompetncia, transforma-se num fatalismo aniquilador de esperanas, gerando

    comodismo. No adianta fazer nada. Se correr o bicho pega e se ficar o bichocome. E, aos poucos, vamos perdendo a confiana em ns mesmos, em nossopotencial e vamos alimentando atitudes de fracasso, de auto-desvalorizao edependncias as mais diversas, provocando o que chamo de a sndrome damisria psquica. Se, por um lado, este adgio popular sugere conformismo,nos convida a deixar as coisas como esto. Por outro lado, neste mesmoprovrbio, podemos descobrir uma outra mensagem oculta, transformadora,

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    mobilizadora desde que acrescentamos uma frase. Ou seja, se a gente se juntar,o bicho quem corre, a gente pega e mata o bicho da corrupo, da violncia,dos preconceitos...

    O sofrimento a matria prima da TCI, na medida em que podemostransform-lo em crescimento. Para compreendermos melhor, me permitamuma outra metfora: o sofrimento como o excremento, a merda quepode ser transformada em estrume, em alimento para as plantas crescerem eproduzirem flores e frutos. O foco de nossa reflexo centrada no sofrimentoe a pergunta chave : O que tenho feito de meus excrementos de minhas merdas de meus traumas? J aprendi a transform-los em adubo ou apenas aexalar odores insalubres e poluentes de vidas?

    Neste livro, so relatadas algumas experincias da escola da vida,

    onde os grandes especialistas do cuidado souberam lidar com estaalquimia. Transformar sofrimento em sensibilidade, em energia reparadora,possibilitando a construo de uma nova ordem social, a construo coletivado conhecimento.

    A forma de conhecimento que se recupera na prtica da TerapiaComunitria, bastante complexa. Compreende a capacidade do indivduovir a se observar e a observar os outros, bem como as aes de que faz parte,como parte de um contexto. Aponta para que a pessoa recupere a condio deagir, isto , a de ser um ator, e no algum que meramente reage. Procura ajudar

    a que o indivduo recupere o valor da sua prpria experincia como uma fontede conhecimentos e de uma capacidade para se desenvolver no mundo. Isto uma simbiose entre o saber popular, experiencial, e o conhecimento cientfico.Estas so apenas algumas pinceladas do processo essencial de recuperao doser que ocorre na TCI ou, melhor dizendo, desencadeado por ela. Cada ume cada uma ir descobrir por si os traos desta caminhada de volta para simesmo ou si mesma.

    A revoluo que a TCI propicia na vida das pessoas e comunidadesconduz, como dissemos mais atrs, a um empoderamento, a uma re-fundaoda vida e da experincia. Esperamos que estes estudos, e mais, a experinciade cada um e de cada uma neste caminho que aqui se prope, qual seja, o depesquisar constantemente em si mesmo e na circunstncia de que somos parte,leve muitos e muitas a este re-descobir o sentido de uma vida plena, feliz, livree criativa.

    Adalberto de Paula Barreto

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    Apresentao

    A pesquisa sobre a Terapia Comunitria Integrativa TCI, ainda umarea de conhecimento relativamente nova no Brasil, embora o seu objeto de estudotenha uma existncia superior aos 20 anos. A defasagem entre o surgimento doobjeto de estudo e o seu estudo, contudo, no deve de per si chamar a ateno.

    O fato de que um conjunto de prticas, de modos de ser e de fazer, depensar e de sentir, em suma, o que mile Durkheim chama de fato social, demoreem atrair a curiosidade dos acadmicos, dos gestores, da populao nos seusdiversos atores sociais, pode at ser considerado normal.

    Para que esse conjunto de prticas venha a ter efeitos que despertem a

    ateno dos estudiosos, essas prticas devem j ter provocado conseqncias tais,pela sua aplicao e disseminao, que seja inevitvel que as instituies de ensinoe pesquisa se voltem para o novo fenmeno em expanso.

    Tal o que ocorre no Brasil com os estudos sobre a Terapia ComunitriaIntegrativa, em parte, reunidos nesta coletnea. A ideia a de oferecer aos leitores,de maneira sucinta, um breve estado das artes, se que esta afirmao no demasiado pretensiosa. O que foi pesquisado, ao menos no circuito acadmico,no mbito universitrio. Quais so as avaliaes das repercusses da aplicaodesta tecnologia de cuidado e de reduo do sofrimento mental que muito mais

    do que uma ao em sade ou pela sade. um fenmeno social, um movimentosocial, e como tal, o que aqui apresentamos, como que a ponta de um iceberg.

    A TCI um processo, uma prtica social e pessoal complexa, e como tal,tem dado lugar a pesquisas e estudos tanto sobre ela mesma, quanto sobre os seusefeitos sobre as pessoas e comunidades. Este um campo vasto de investigao,que compreende desde os fundamentos da TCI at as suas diversas aplicaesem Equipes de Sade da Famlia, comunidades, instituies. Aqui apresentamosvrios destes estudos.

    A pesquisa em TCI no dispensa o sujeito: o terapeuta comunitrio est

    constantemente investigando sua prpria vida e a vida ao redor, na trama da rededa qual faz parte. A prtica da pesquisa em TCI envolve ento o pesquisador e apopulao pesquisada. sempre uma pesquisa participante, uma pesquisa ao.E tambm uma pesquisa em que o conhecimento sempre transformador, nuncamera informao ou interpretao.

    A primeira parte introdutria e o capitulo elaborado por Adalberto dePaula Barreto, criador da terapia comunitria, e Rolando Lazarte, colaborador,

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    apresenta uma viso da terapia comunitria para os leitores, dando nfase discusso das bases tericas, conceitos fundamentais, mtodo, e os resultadosque se alcanam com esta prtica, em termos da recuperao da pessoa humana,

    a sua auto-estima e noo de si, a sua identidade e histria, a trama social depertencimento e a estrutura valorativa. Nesse capitulo, se entrecruzam visessobre este novo fenmeno social desde os ambitos disciplinares da antropologiae a sociologia.

    Na segunda parte, apresentamos estudos sobre a TCI e os seus efeitosna vida das pessoas que participam dos encontros de TCI, bem como nos seusfamiliares. O texto deAmilton Carlos Camargo e Ricardo Franklin,Tempo de falare tempo de escutar: a produo de sentido em grupo teraputico, um estudoexploratrio que buscou, atravs da narrativa de mulheres, ampliar a compreensodos sentidos atribudos ao sofrimento a partir da participao dessas mulheresnas rodas de Terapia Comunitria. Os autores trazem uma reflexo centrada napercepo do sujeito inserido no coletivo, evidenciando como as apropriaes dafala do outro, produzem um novo sentido para as experincias vividas.

    Minha vida tem sentido toda vez que venho aqui: significado atribudo terapia comunitria pela famlia do participante, de autoria de Luci Leme BrandoLazzarini e Marilene Grandesso, um estudo ondese mostra como a participaode um membro da famlia nas rodas da TCI, repercute positivamente na sua

    transformao pessoal, tanto quanto na da famlia da qual faz parte. As autorasutilizaramm o genograma para oferecer ao leitor uma maior compreenso sobre aconstituio das famlias pesquisadas.

    O texto, Terapia Comunitria e Resilincia: histria de mulheres deLucineide Alves Vieira Braga, Maria Djair Dias, Maria de Oliveira Ferreira eAdalberto de Paula Barreto, discute a resiliencia, um dos pilares tericos da TCI,e nesse estudo buscou-se conhecer as estratgias resilientes utilizadas por umgrupo de mulheres participantes de rodas de TCI. uma pesquisa que priorizouo mtodo da histria oral temtica, para revelar histrias de lutas e superao

    da vitimizao. Os autores discutem as caractersticas resilientes presentes nasmulheres, e constatam que a TCI propiciou o aumento da autoestima e dacapacidade de mobilizao social e comunitria.

    Na terceira partedo livro, a nfase recai sobre estudos desenvolvidos sobrea insero da Terapia Comunitria Integrativa na Estratgia Sade da Famlia-ESF. Os trs primeiros estudos, tiveram como mtodo de investigao a histriaoral temtica. Coloca-se o foco nas mudanas que ocorreram nas prticas dos

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    profissionais da ESF que se formaram terapeutas comunitrios. O texto de Edlene

    de Freitas Rocha, Maria de Oliveira Ferreira Filha e Maria Djair Dias, intitulado

    A Terapia Comunitria e as Mudanas de Prticas no SUS, traz um retrato do

    processo de formao em TCI realizado no municpio de Pedras de Fogo/PB, e

    aborda a TCI como uma prtica de humanizao do cuidado em sade, conforme

    preconizada pelo SUS. Atravs dos relatos dos participantes do curso, focaliza a

    contribuio da TCI para o autoconhecimento como um processo de educao

    permanente, e compara a TCI com a poltica de Educao Permanente para o

    Sistema nico de Sade SUS, no contexto da consolidao de um modelo

    comunitrio de sade mental.

    A contribuio deMrcia Rique Caricio, Maria Djair Dias, Tlio BatistaFranco e Maria de Oliveira Ferreira Filha, Terapia comunitria: um encontro

    que transforma o jeito de ver e conduzir a vida, mostra atravs da histria oral,

    as repercusses da TCI em profissionais da Estratgia de Sade da Famlia. Do

    ponto de vista da perspectica de Gilles Deleuze, Os autores comparam a TCI

    como um encontro potente onde as pessoas so afetadas mutuamente pelas

    histrias vividas e narradas nas rodas. Eles trazem uma inovao no campo

    epistemolgico, e mostram como a terapia temtica, que uma das variantes

    da TCI, pode ser utilizada como tcnica de produo de material emprico, nos

    estudos qualitativos que requerem a expresso da subjetividade representada pelo

    vivido, pelo experienciado.

    No capitulo, Rodas de terapia comunitria: espaos de mudanas para

    profissionais da estratgia sade da famlia de Fernanda Lucia de S. Leite Morais e

    Maria Djair Dias, a perspectiva est centrada na compreenso sobre as mudanas

    pessoais e profissionais ocorridas em trabalhadores da Estratgia de Sade da

    Famlia (ESF) a partir da participao deles em rodas de Terapia ComunitriaIntegrativa. Verificam-se as interrelaes entre o mundo do trabalho e o mundo

    da vida, numa ateno humanizada aos usurios na ateno bsica em sade. Este

    estudo demarca a proximidade da TCI com a educao permanente em sade

    sob dois ngulos: enquanto sujeito de produo das prticas coletivas da sade e

    enquanto objeto da ao transformadora da TCI, quando os profissionais relatam

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    as mudanas ocorridas no processo de trabalho a partir da participao deles nasrodas de TCI.

    J o captulo Repercusses da terapia comunitria no processo de trabalho

    da Estratgia Sade da Famlia: um estudo representacional, de autoria deMauraVanessa Silva Sobreira e Francisco Arnoldo Nunes de Miranda, fundamenta-se na teoria das representaes sociais, na perspectiva moscoviciana atravs daabordagem sociocognitiva, por entenderem os autores que esta opo terico-metodolgica favorece uma reflexo sobre a crtica, sobre o espao onde o sujeitoest inserido, conferindo um valor influenciado pelo saber do senso comum e dacincia. O estudo avalia as repercusses da TCI tanto no processo de trabalho daequipe da ESF quanto no acolhimento e atendimento aos usurios dos servios

    de sade na ateno bsica.A quarta parte, a TCI com grupos especficos, traz duas pesquisas quetiveram o propsito de investigar como a TCI poderia potencializar as aesespecficas de cuidado para grupos com caractersticas homogneas, no que dizrespeito a problemticas enfrentadas. O captulo Terapia Comunitria comoabordagem complementar no tratamento da depresso: uma estratgia de sademental no PSF de Petrpolis, de autoria de Ana Lcia Costa e Silva e ElianeCarnot de Almeida, mostra como a TCI pode ser utilizada como uma estratgiacomplementar no tratamento de pessoas em depresso. Este capitulo uma boa

    referencia para queles que pretendem aplicar a TCI em grupos especficos, comodiabticos, hipertensos, usurios de lcool e drogas, entre outros.

    O captulo A contribuio da Terapia Comunitria para o enfrentamentodas inquietaes das gestantes, de Viviane Rolim Holanda, Maria Djair Dias eMaria de Oliveira Ferreira Filha, objetivou identificar, na fala das mulheresgestantes, as estratgias desenvolvidas para o enfrentamento das suas inquietaesdo dia-a-dia, e revelar as contribuies da Terapia Comunitria para o bomdesenvolvimento do processo da gravidez. Aqui se percebe a importncia de se ter

    nos servios de sade um espao de fala e escuta coletiva, onde todos so mestrese aprendizes. Esse material direcionador para prticas coletivas em sade, ondea TCI pode ser mais um espao educativo, um lugar de tira dvidas sobre mitos emedos relacionados com a gestao e puerprio.

    A quinta parte, estudos que avaliam a TCI, foi inserida nesta coletneapara despertar o interesse de pesquisadores e principalmente dos terapeutascomunitrios, para a avaliao da prpria prtica, seja atravs de tcnicas

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    qualitativas ou de instrumentos quantitativos. Inclui o captulo A Histria daTerapia Comunitria na ateno bsica de sade em Joo Pessoa: uma ferramentade cuidado, de autoria de Dayse Gomes Sousa de Oliveira e Maria Djair Dias.

    Neste captulopode-seapreciar a riqueza de narrativas que compem a histriado processo de implantao da TCI na rede de Ateno Bsica em Sade nomunicpio de Joo Pessoa, PB. As autoras apresentam aos leitores uma utilizaodo mtodo da histria oral temtica, trazendo uma contribuio singular para apesquisa qualitativa, em que o fenmeno estudado apenas pode ser conhecidoatravs da voz dos colaboradores. H uma sequencia ntida de narrativas que,cadenciadas, reconstroem uma histria que at ento era desconhecida.

    Por sua vez, o captulo A Terapia Comunitria como instrumento de

    incluso da sade mental na ateno bsica: anlise da satisfao dos usurios, deFbia Barbosa de Andrade, Maria de Oliveira Ferreira Filha, Antonia Oliveira Silva,Iris do Cu Clara Costa, teve como objetivo avaliar a satisfao dos usurios comrelao TCI na Ateno Bsica em Sade, bem como a contribuio da TCIpara a melhoria nos cuidados em sade mental no nvel primrio da ateno emsade. um estudo que utiliza uma escala de avaliao da satisfao dos usuriossobre servios de sade mental, SATIS-BR, que foi adaptada para este estudosobre avaliao da TCI, aps quatro anos de sua implantao no municpio deJoo Pessoa, Capital da Paraba. Esta pesquisa uma referencia para gestores que

    desconheam a repercusso da TCI na ateno bsica de sade e tambm nasade mental.

    Finalmente, o captulo Repercusses da Terapia Comunitria no cotidianode seus participantes, elaborado por Fernanda Jorge Guimarese Maria de OliveiraFerreira Filha, um dos primeiros estudos sobre a TCI publicado em peridicosindexados do sistema qualis da CAPES. Ele destaca-se pela importncia daintegrao ensino-servio como propulsora da construo de novos saberes e denovas prticas. Nesta pesquisa, a histria oral tambm foi utilizada como mtodo

    para conhecer as repercusses da TCI no dia a dia das pessoas que participavamdas rodas de TCI e que tambm frequentavam uma Unidade de Sade da Famliado municpio de Joo Pessoa, PB. Ele tambm referencia para os terapeutascomunitrios, uma vez que mostra como as pessoas concebem esse momentoteraputico, tirando dele, lies para lidar com situaes conflitivas no cotidiano.

    Estas pesquisas que agora apresentamos ao pblico leitor, constituem aprimeira reunio de estudos sobre a Terapia Comunitria Integrativa como

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    construo coletiva do conhecimento. Acreditamos que a partir desta iniciativa,outros pesquisadores possam continuar a contribuir para que esta tecnologia decuidado, que ao mesmo tempo um movimento social de promoo da pessoa

    humana, uma ao cidad e um mtodo de conhecimento transformador, continuese expandindo e dando bons frutos, em termos de melhoria da qualidade de vidade muitas pessoas e comunidades.

    O que aqui se apresenta, so pesquisas e estudos com nfases e objetosespecficos, utilizando metodologias particulares. A ideia que outrospesquisadores possam ir alm, aprofundadndo e questionando, gerando novasinterpretaes e perspectivas de conhecimento e ao. A nossa expectativa a deque esta reunio de estudos pioneiros sirva para o progresso no campo da pesquisa

    e da ao. Os que forem se voltando para estas temticas no futuro, iro gerandonovos estados das artes, e assim sucessivamente, nessa construo coletiva que oprocesso do conhecimento.

    O tipo de estudos aqui apresentados, enfatiza tanto a interpretaocomo a compreenso, a captao de sentidos, a descoberta de novas relaesde conexes. Os leitores tero a oportunidade de conhecer uma ampla gama deformas de investigao, cujo trao comum : pesquisa-se a TCI para transformar,prticas sociais para fazer emergir sujeitos novos, mais atuantes, mais autnomos,mais donos de si e do seu destino.

    A nossa pretenso ao dar a pblico estes escritos a de estimular o avanodo conhecimento na direo da consolidao do j investigado, bem comoapontar direes para onde h de se avanar para alm do conhecido, em direos reas ou aspectos ainda muito pouco explorados.

    Nesse sentido, podemos dizer que esta coletnea, que uma produo doGrupo de Estudos e Pesquisa em Sade Mental Comunitria, registrado na basede dados do CNPq e vinculado ao Programa de Ps Graduao em Enfermagemda Universidade Federal da Paraba, pioneira quanto a uma tentativa de mapear

    o conhecido e o por conhecer. Convidamos os leitores, a mergulharem nestaaventura do conhecimento.

    Os organizadores

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    PARTE I

    CONHECENDO A TERAPIA COMUNITRIAINTEGRATIVA

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    UMA INTRODUO TERAPIA COMUNITRIAINTEGRATIVA:

    CONCEITO, BASES TERICAS E MTODO.

    1Adalberto de Paula Barreto

    Rolando Lazarte

    TERAPIA COMUNITRIA INTEGRATIVA

    A Terapia Comunitria Integrativa (TCI) foi criada no ano de 1987na Favela do Pirambu, Fortaleza, sob a coordenao do psiquiatra, telogoe antroplogo Adalberto de Paula Barreto, em parceria com a Associaodos Direitos Humanos do Pirambu e com a Pr-Reitoria de Extenso doDepartamento de Sade Comunitria da UFC.

    A TCI um espao de acolhimento do sofrimento, onde as pessoasse encontram e se sentam lado ao lado, formando uma roda, para partilharinquietaes, problemas ou situaes difceis, tanto quanto alegrias, vitriasou histrias de superao. Na Terapia Comunitria Integrativa aprende-se apartir da escuta das histrias de vida dos participantes valorizando o saber decada um, adquirido pela prpria experincia. Valoriza-se a competncia decada pessoa, no contexto grupal, uma vez que se entende que todos so co-responsveis na busca de solues e na superao dos desafios do cotidiano.

    O termo terapia de origem grega, therapeia, e significa acolher, sercaloroso, servir, atender. J comunitria, vem de comunidade que significacomum + unidade e serve para designar pessoas que tem caractersticasem comum: excluso e sofrimento, mas que tambm buscam solues e asuperao das dificuldades em sua vida.

    Assim a palavra comunidade, geograficamente falando, compreende oterritrio, o local onde as pessoas vivem, trabalham, criam seus filhos e em

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    geral realizam as atividades necessrias para a vida diria. A comunidade oambiente social onde os riscos so vivenciados e os apoios so prestados.

    A Terapia Comunitria Integrativa uma prtica integrativa porquevaloriza a diversidade das culturas, do saber fazer e das competncias individuaise coletivas, lutando contra o isolamento, a fragmentao e a excluso. Cadapessoa tem um saber que foi produzido pela sua prpria experincia de vida.Quem descendente de africano, tem o saber dos pretos-velhos, quem descendente dos ndios tem a sabedoria das ervas, das garrafadas, dos chs.Quem tem 60 anos tem um saber produzido pela experincia dos anosvividos. A TCI tambm uma prtica de carter sistmico, porque considera

    que as dificuldades esto relacionadas com o contexto e as interaes sociais.Os indivduos pertencem a uma rede relacional capaz de auto-regulao,protagonismo e crescimento.

    A TCI uma abordagem que facilita o resgate da autoestima, fortaleceo poder resiliente e o empoderamento, uma vez que potencializa recursosindividuais e coletivos. um instrumento de construo de redes de apoiosocial, porque possibilita a criao de vnculos e a formao de uma teia derelaes facilitadora das trocas de experincias, do resgate das habilidades e da

    superao das adversidades baseada na formao de recursos scio-emocionais.Na TCI, cada um doutor da sua prpria vivncia, por isso, cada um

    vai falar de si e da sua experincia. Nas rodas, no se discutem temas tericose sim questes do cotidiano e sempre a partir de uma situao-problema quepermite s pessoas descobrirem que tambm tm as solues. Quando isso feito, no final da terapia, se cria ou se fortalece uma rede de apoio solidria,que no tem como objetivo resolver os problemas das pessoas, mas criar esuscitar uma dinmica interativa de identificao. Essa rede comea a se tecer

    e as pessoas iro se tornar mais autnomas, menos dependentes dos remdiose das instituies.

    Portanto a TCI uma tecnologia leve de cuidado, que tem dado respostassatisfatrias aos que dela participam, sendo mais um instrumento de trabalho,que pode ser utilizado por profissionais da sade, reas afins, e pela prpriacomunidade, no sentido de construir e fortalecer vnculos solidrios, levando

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    as pessoas e a prpria comunidade a um processo de (re) construo e (re)conhecimento da sua identidade, imagem e memria coletiva, recuperandoas razes comuns, dando um sentido de pertencimento aos indivduos, sem

    perder de vista as suas singularidades.

    A TCI caracterizada por trs componentes bsicos: 1) o engajamentode todos os elementos culturais e sociais ativos da comunidade para viabilizara discusso e a realizao de um trabalho de sade mental; 2) o fortalecimentodo coletivo, a fim de promover o encontro de grupos de crianas, adolescentes,mulheres, homens, idosos, funcionado como instrumento de integrao social;3) a formao da identidade social, para que a pessoa cada vez mais tomeconscincia da misria e do sofrimento humano, facilitando a descoberta desuas potencialidades teraputicas.

    OS CINCO PILARES BSICOS DA TERAPIACOMUNITRIA INTEGRATIVA

    A Terapia Comunitria Integrativa se apia em cinco pilares tericos:a pedagogia de Paulo Freire, a resilincia, a antropologia cultural, a teoria

    da comunicao humana (ou pragmtica da comunicao humana), e opensamento sistmico. Estes so os pilares que esto explcitos atualmente naTCI, mas no se h de pensar que no existam nela outros pilares de maneiraimplcita.

    Por se tratar de uma prtica complexa, em que saberes cientficos epopulares esto entrelaados, a descoberta de outros pilares contidos nesteafazer multifacetado, poder sempre ocorrer.

    Esta possibilidade se coloca como um desafio para os estudiosos e para

    os terapeutas comunitrios que devem ser, eles mesmos, eternos pesquisadores,eternos redescobridores de um fazer e de um ser, seu prprio ser, o ser da vida,que nunca est acabado, est sempre ocorrendo, sempre sendo outra coisa,sempre sendo algo mais.

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    A Pedagogia de Paulo Freire

    H vrios aspectos da pedagogia de Paulo Freire que se encontram

    incorporados na Terapia Comunitria Integrativa. Dentre eles, cabe aquimencionar a criticidade(como oposta viso ingnua, alienada, do mundo),a contextualizao, a problematizao, o carter dialgico da construo doconhecimento e da realidade, a noo do opressor interno (FREIRE, 1987),o opressor introjetado no oprimido, e a noo de que oprocesso educativo sempre de duas vias: todos aprendem, o educador e o educando, isto : todossomos educadores-educandos, por um lado, e, por outro, a noo de que todossomos geradores de saberes e de vises de mundo irredutveis umas s outras,

    em um movimento contnuo de mtua contradio e complementariedade. Acompreenso de que a vida um processo incompleto, outra das caractersticasdo pensamento de Paulo Freire

    Estas noes so algumas que se apresentam como relevantes. Podemparecer muito simples, mas talvez como conseqncia dessa mesmasimplicidade-- o seu efeito libertador nas rodas de Terapia ComunitriaIntegrativa, e na formao de terapeutas comunitrios toda terapia comunitriatende a ser um processo constante de auto-descoberta e libertao.

    Ver as coisas em processo, se ver no processo de oposies e decontradies que a vida. Poder se ver no contexto das circunstnciasem que cada um foi sendo moldado, passando a ser um analista de simesmo e das pessoas em redor, e no mais espectador passivo. Se percebercomo co-responsvel na criao das circunstncias em que se vive e se luta,nas quais se descobrem recursos prprios e coletivos para a emancipaodo que oprime, e no mais como vtima. Se perceber, portanto, comosujeito construtor de modos de vida e vises de mundo, de relaes sociais

    que oprimem mas tambm podem e devem libertar, em outras palavras,assumir a pessoa que se e que se est sendo, o destino que se querrealizar. Ou seja: sujeito ativo, criativo, capaz (o eu posso individual ecoletivo), autor das prprias escolhas e dono da prpria vida. Tudo istoem movimento, ou seja: no mais a vida como passividade, submisso,aquiescncia, mas como atividade, criatividade, compromisso consciente.

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    A pedagogia de Paulo Freire muito mais do que os procedimentosque costumam ser citados ao se referir a ela. Tal como a TerapiaComunitria Integrativa, o mtodo Paulo Freire uma forma de ver omundo, de ler a realidade e a si mesmo, de agir significativamente emgrupo e individualmente, a partir de valores e formas de perceber geradasnum encontro mutante com a matriz sociocultural e histrica a que sepertence.

    As tentativas de resumir estes dois grandes movimentos sociais emboa medida entrelaados e mutuamente implicados a alguns dos seustraos caractersticos, podem levar a vises estereotipadas afastadas do

    que se quer conhecer, isto : dois grandes movimentos sociais gerados noNordeste brasileiro, expandidos pelo pas inteiro, em perptuo processo demudana interna, avanando de maneira lenta, mas firme, em direo aformas mais humanas de existncia.

    O movimento de educao popular de Paulo Freire e a terapiacomunitria agem pela base, so movimentos sociais, modificam aconscincia do oprimido em direo sua libertao prtica, no tericaou ideolgica. Um dos eixos desta ao libertadora, talvez o principal, a

    recuperao da auto-estima de pessoas e comunidades.Esta recuperao da autoestima, est ligada libertao da pessoa

    e das comunidades, dos esteretipos e dos preconceitos internalizados,que os faziam se repudiar e se desconhecerem a si mesmos, por teremintrojetado a viso do opressor. Isto fica claro numa meno que PauloFreire faz emA pedagogia da Autonomia, forma como um favelado passoua ver a si mesmo, j no mais como uma vtima ou algum indesejvel, mascomum sujeito vitorioso, vencedor, por ter-se organizado e mobilizado

    coletivamente em favor do bem comum.

    Na Terapia Comunitria Integrada, esta mesma recuperao daauto-estima, ocorre a partir do momento em que as pessoas passam ase perceberem j no apenas enquanto algum que cumpre obrigaes,papis sociais, mas como algum com direito a existir, a ser ele mesmo, a

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    pessoa, o ser humano que , e no que os outros pensam a seu respeito ouo que os outros querem que a pessoa seja.

    A pedagogia de Paulo Freire foi gestada em um contexto demobilizao social e poltica latino-americana e mundial, no fim dos anos1950 e comeo dos anos 1960. Era um perodo marcado por rebeliesestudantis e por mudanas polticas em direo ao socialismo.

    Na Pedagogia do oprimido, Paulo Freire questiona o revolucionarismo,como oposto radicalidade. No primeiro, se mantm ou pretende-semanter a tutela sobre os oprimidos, em nome da sua libertao. A segunda,envolve uma mudana geral, em que todas as pessoas se mobilizam naconstruo de uma sociedade emancipada.

    As advertncias de Paulo Freire resultam profticas, olhandoretrospectivamente o panorama dos processos polticos das ltimas dcadasno nosso continente e no mundo. Em particular, o agir dos movimentosguerrilheiros e dos regimes do chamado socialismo real, bem como as ditadurascvico-militares e as suas continuidades neoliberais.

    A vigncia e o vigor da sua pedagogia permanecem atuais, na medidaem que outros movimentos sociais, como a Terapia Comunitria Integrativa,aprenderam estas lies; cada um de ns o mundo a ser mudado, e no h

    lderes nem partidos ou instituies que possam nos libertar, se no assumirmosns mesmos a responsabilidade e as conseqncias de termos tomado a decisode sermos os autores do nosso prprio destino, com autonomia.

    A Teoria da Comunicao Humana

    A teoria da comunicao humana um dos pilares bsicos da TerapiaComunitria Integrada. Formulada por Watzlawick, Helmick-Beavin eJackson, permite compreender a ao humana como um comportamento

    em que so transmitidas mensagens. Toda a conduta humana transmissorade mensagens, inclusive quando nos propomos a no comunicar, estamosdizendo algo: voc no existe, voc no me importa, voc no de nada. Bemdizem que o contrrio do amor no o dio, mas a denegao.

    Na Terapia Comunitria Integrativa, aprendemos que uma pessoa deixade ter sentido ou passa a ser ignorada deliberadamente, quando ela denegada

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    e isto acarreta conseqncias para a sua auto-estima, para a noo de si, para oseu modo de ser e de se comportar no mundo.

    Uma criana que no foi desejada, desde o ventre materno soube disso,e veio ao mundo preparada para ter que agradar, para dizer que sim o tempotodo, para aceitar qualquer coisa em troca de um pouco de afeto. Uma que foiquerida desde a concepo, ao contrrio, capaz de dizer sim quando quer,e no quando no quer. Estas constataes aparentemente muito simples,permitem com que a pessoa comece a ver a si prpria desde outro lugar, desdeuma possibilidade de auto-conhecimento autntico, sem enganos, verdadeiro.

    Muitas vezes, nas terapias ou nas formaes de terapeutas comunitrios,

    os participantes so levados a descobrirem as falsas imagens que fizeram de simesmos, e que os tem aprisionado durante a vida toda, ou por longos perodosde tempo. Quando a pessoa comea a se perceber como algum que venceumuitas batalhas, algum que soube dar a volta por cima em circunstnciasque poderiam t-la quebrado ou desviado do seu caminho, o conceito de sicomea a emergir de uma maneira positiva. O sujeito se descobre capaz dedirecionar sua prpria vida, de dar um significado ao seu existir, de decidiro que quer que seja o seu prprio ser. O que voc quer para eu querer

    (a criana ou a pessoa boazinha). O que voc quer para eu no querer (orebelde ou contestatrio) so prises em que a pessoa deixa de ser ela mesma,perde a sua liberdade, age por automatismos.

    Quando aprendemos a decodificar as primeiras mensagens e a l-las aonosso favor, quebram-se os determinismos da nossa vida. Se algum se sentiuabandonado, no querido, porque foi esperado menina e era menino, ou ocontrrio, isto determinou reaes que estiveram fora do seu controle, da suacapacidade de decidir. Agiu durante anos contra o mundo, contra as pessoas,por vingana: no me quiseram, no os quero. Muitos comportamentosagressivos esto animados por uma reao de quem se sentiu no querido,no amado.

    Muitas vezes a agressividade vai direcionada contra a prpria pessoa,que passa a conviver com um tirano interno, um sabotador da sua felicidade e

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    do seu direito a viver com alegria e segundo sua maneira nica e irrepetvel, nomeio aos outros. Nas formaes de terapeutas comunitrios, um dos exerccios a descoberta do animal com que cada um se identifica. Formam-se grupos eos coleguinhas que escolheram o mesmo animal, trocam figurinhas a respeitode si mesmos, dos seus modos de ser caractersticos.

    Isto faz com que cada um descubra sua natureza mais comum oufreqente, suas formas habituais de ser e de se comportar. Ento, a pessoadeixa de se condenar e de se comparar com os outros, descobre sua formanica de ser, e a aceita. As mensagens recebidas (fui abandonado, no mequiseram) so re-codificadas em funo do contexto interpretativo que a

    interpretao sistmica e integrativa prope, com base nos valores dos pais eda cultura em volta, e das escolhas prprias da pessoa.

    O que se aprende na Terapia Comunitria Integrada, em termosda comunicao, a sair ou tentar quebrar as armadilhas da comunicaoparadoxal, do duplo vnculo e das distorses das mensagens equvocas queemitimos ou recebemos. Carta certa para pessoa errada, quando emitimosuma mensagem que correta no seu contedo, mas est sendo direcionadaa quem no tem nada a ver. Quando a reao desproporcionada ao fato,

    estamos reagindo no ao fato, mas ao que ele nos remete.Estas chaves nos do elementos para irmos re-programando a nossa

    conduta desde uma viso mais atual, mais presente, menos condicionada pelopassado. O passado visto como o estrume necessrio para o crescimentoda planta. O presente desponta como um tempo novo, livre de amarras. Oempoderamento das pessoas e das comunidades depende em boa medida dadecodificao e re-codificao de mensagens recebidas e emitidas.

    A Antropologia Cultural

    Os conhecimentos dessa cincia chamam a nossa ateno para aimportncia da cultura, esse grande conjunto de realizaes de um povo ou

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    de grupos sociais, o referencial a partir do qual cada membro de um grupo se

    baseia, retira sua habilidade para pensar, avaliar e discernir valores, e fazer suas

    opes no cotidiano.

    Vista dessa maneira, a cultura um elemento de refernciafundamental

    na construo da nossa identidade pessoal e grupal, interferindo, de forma

    direta, na definio de quem somos, de quem cada um de ns. E a partir

    dessa referncia, que podemos nos afirmar, nos aceitar e nos amar, para ento

    podermos amar os outros e assumir nossa identidade como pessoa e cidado.

    Dessa forma, podemos romper com a dominao e com a excluso social que,

    muitas vezes, nos impem uma identidade negativa ou baseada nos valores de

    uma outra cultura que no respeita a nossa.Quando reconhecemos que, mesmo num nico pas, convivem

    vrias culturas e aprendemos a respeit-las, descobrimos que a diversidade

    cultural boa para todos, verdadeira fonte de riqueza de um povo e de

    uma nao. Se a cultura for vista como um valor, um recurso que deve ser

    reconhecido, valorizado, mobilizado e articulado de forma complementar

    com outros conhecimentos, poderemos ver que este recurso nos permitir

    somar, multiplicar nossos potenciais de crescimento e de resoluo de nossosproblemas sociais e construir uma sociedade mais fraterna e mais justa.

    A Antropologia traz uma viso do universo cultural do ser humano.

    Compreendemos que toda cultura, todo indivduo, tem direito diferena,

    e que a cultura responde a um desejo maior do ser humano: o de nutrir a

    sua identidade. Ser diferente a razo maior de ser humano. Combater a

    diferena um ato de dominao e de empobrecimento da humanidade.

    A viso antropolgica nos diz que somos construdos socialmente, quecada ser humano se torna quem ele , a partir dos condicionamentos recebidos

    desde a sua gestao, pela vida afora.

    Estes condicionamentos so as marcas da cultura, so as definies que

    nos moldam de maneira a virmos a ser membros da sociedade. Este processo

    a socializao, e implica na adoo de padres de comportamento, de

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    percepo do mundo e de ns mesmos, de relacionamento com os outros,

    com a natureza, a sociedade, etc.

    Este processo implica na constante adoo e rechao de valores e depadres, conforme os ambientes em que a pessoa vai se incorporando e as

    formas de convivncia com as quais a pessoa levada a se relacionar ao longo

    da sua vida. Nesse processo, a pessoa vai formando a sua identidade, mas por ser

    um processo contraditrio, em que o ser humano individual freqentemente

    forado a se negar a si mesmo para poder sobreviver, a identidade negativa

    ou auto-excludente, muitas vezes prevalece sobre a identidade originria ou

    verdadeira, essencial.

    A Terapia Comunitria Integrativa promove um reencontro da pessoaconsigo mesma, a travs de um processo de auto-reconhecimento em que

    as falsas auto-imagens vo sendo descobertas e rechaadas, substitudas pela

    imagem e auto-conceito positivos originrios.

    Esteretipos e preconceitos marcam o caminho conflitivo em que a

    identidade se debate para sobreviver. Uns e outros so impostos por relaes

    de poder que marcam a dominao de grupos na sociedade. A pessoa se

    defronta com situaes nas quais deve adotar padres e valores contrrios aosseus , e isto pode levar negao da prpria identidade ou ao seu reforo.

    Neste ltimo caso, prevalece a resilincia, a auto-afirmao de si mesmo e dos

    prprios valores, em circunstncias de extremo risco de desapario da prpria

    identidade. Isto em circunstncias extremas; em circunstncias normais, a

    pessoa pode escolher entre valores dominantes, os universais da cultura, ou

    as alternativas.

    Na prtica da Terapia Comunitria Integrativa, a pessoa levadaa se tornar terapeuta de si mesma. Isto envolve, entre outras coisas, um

    reencontro profundo com as suas razes, a sua identidade, a sua origem, o seu

    pertencimento.

    Uma prtica social torna-se libertadora quando est profundamente

    conectada com as origens, com a histria de vida da pessoa, o que ela quis ser

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    e o que , o seu passado e o seu projeto de futuro. Do contrrio, pode- se cair

    em prticas mecnicas, sem sentimento, tecnificadas.

    No resgate da criana interior, uma das vivncias utilizadas na formaodo terapeuta comunitrio, o indivduo levado a se reencontrar com o seu

    primeiro mestre, a criana que foi. Isto promove um retorno pureza original,

    que volta a se tornar um fato do dia a dia, um estado de conscincia habitual.

    O Pensamento Sistmico

    A origem do pensamento sistmico deve ser buscada nas vises de

    mundo dos povos da antiguidade, tal como se mostram nos textos dos povos

    originrios da nossa Amrica, ou na Grcia antiga. Essas vises integradas do

    mundo, que Werner Jaeger refere em Paidia, tem semelhana com as do povo

    maia, por exemplo, ou na mitologia kogui. Na literatura e na antropologia,

    respectivamente, Octvio Paz e Ramn P. Muoz Soler, entre outros, aludem

    a esse mundo coeso, anterior s rupturas da modernidade e do racionalismo

    utilitarista.

    Ao pensarmos em sistema, vm a imagem e o conceito de um sistema

    como o solar, ou o organismo humano, objetos e elementos em relao

    mtua, em delicado e preciso equilbrio, trabalhando ou funcionando para

    uma finalidade comum.

    O pensamento sistmico tem-se desenvolvido ao longo de varias pocas,

    com caracteres prprios. No sculo IX, possvel reconhecer seus traos no

    pensamento de mile Durkheim (1974), um dos fundadores da sociologia,mas ele se encontra tambm, com feies diversas e no entanto em certos

    sentidos convergentes, no pensamento de Karl Marx. Tambm possvel

    reconhecer o pensamento sistmico nas vises de mundo dos escolsticos da

    Idade Mdia, em que cincia e religio convergiam em formas de conceber e

    conhecer o mundo posteriormente dissociadas pelo racionalismo cientificista.

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    A trajetria desta dissociao traada por Fritjof Capra em O ponto de

    mutao.

    Na sociologia moderna, mencionemos Talcott Parsons (1988), quemantm a concepo durkheimiana, enriquecida com conceitos weberianos

    e da psicologia social, aproximando o conhecimento do macro (estrutural)

    ao micro (individual, pessoal). Nesta linha, encontramos autores como Agnes

    Heller (1985), Ferdinand Braudel (1990), Karel Kosik (2000), Georges

    Gurvitch (1987), e Alfred Schutz (Fenomenologia e relaes sociais). Neles

    encontramos concepes mutantes de realidade social, permeadas por

    conceitos de conscincia e de dinmica social em constante transformao.Max Weber, para fecharmos esta breve introduo sociolgica, constri a sua

    sociologia a partir de conceitos de objetividade, racionalidade e ao social,

    em que os motivos, as crenas, as idias e imagens, tem valor preponderante.

    Esta integrao de sabores, a interdisciplinaridade, outro dos traos

    do pensamento sistmico. Restaria acrescentar outro destes traos, qual seja a

    concepo da realidade social como construda, em permanente modificao,

    de maneira inter-subjetiva, por contraposio ao objetivismo que supe existiruma realidade externa e independente dos sujeitos humanos.

    Este aspecto, da criao social e pessoal da realidade, da maior

    importncia, pois vm de encontro ao fatalismo objetivista, que supe que

    apenas poder haver uma humanidade mais feliz e mais plena, quando

    tiverem mudado umas supostas condies objetivas, que existiriam

    independentemente da vontade dos seres humanos. Como no assim,

    como o mundo, e eu como o mundo primeiro, dependem de ns mesmos,podemos faz-lo nossa imagem e semelhana, isto , de acordo com a vontades

    de cada um. O empoderamento de pessoas e comunidades, o reencontro

    da capacidade criativa ou autopoiese, o resultado final (se que existem

    resultados finais) do processo de emancipao humana, de recuperao da

    autonomia, de fim da alienao e recomeo da vida plena. Levar em conta

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    os princpios do pensamento sistmico viver mais de acordo com o que a

    realidade . Isto : a incerteza, a intersubjetividade, a constante mutao de

    tudo e de todos, nos levam a existir de um modo mais fluente, mais do modocomo o Tao dos antigos chineses diz, ou seja, deixar a vida seguir seu jogo, suaeterna dana de contrrios complementares.

    Nas ltimas dcadas do sculo XX, Fritjof Capra trouxe novamente atona a questo da integrao de saberes. Vrios dos seus livros, provocaramuma verdadeira revoluo, no sentido de que trouxeram de volta a antigaviso unitria, decomposta pelo utilitarismo, o mecanicismo, o reducionismoe o materialismo. Se as antigas vises no viram excluso entre esprito ematria, estas vises integradas que retornam, repem a unidade do saber e

    a unidade da vida, enunciadas por muitos pensadores, como Karl Marx, porexemplo. Embora Marx tenha sido apresentado como materialista, sua visodo ser humano integrada, como pode ser lido nos Manuscritos Econmicose Filosficos de 1844. Erich Fromm (1983), Karl Jaspers (1953), WilhelmReich, Muoz Soler, Edgar Morin, Maturana e Varela (2004), LeonardoBoff (1999), completam a pliade de pensadores modernos em que a visointegrada retorna. Cincia e poesia, religiosidade e objetividade, os opostos secompletam e determinam na sua interao contnua, o movimento da vida.

    No final da dcada de 1930, o bilogo Ludwig Von Bertalanffy,

    enunciou a Teoria Geral dos Sistemas, buscando compreender a inter-relaoexistente entre as partes e o todo.

    O pensamento sistmico diz que as crises e os problemas podem serentendidos e resolvidos quando os percebemos como partes integradas deuma rede complexa, com ramificaes, que interligam as pessoas num todo,envolvendo a biologia (corpo), a psicologia (mente e emoes) e a sociedade(contexto cultural)(Maturana 2004). Esses aspectos esto interligados de talmodo que cada parte influencia e interfere na outra. A abordagem sistmica

    possibilita entender a pessoa na sua relao com a famlia, com a sociedade,com seus valores e crenas, colaborando para a compreenso e a transformaodo indivduo (Barreto, 2008).

    importante registrar que, tendo conscincia da globalidade, aborda-see situa-se um problema sem perder de vista as vrias partes do conjunto. Porisso se faz necessrio observar o contexto, ou seja, as circunstncias que estointerligadas e do sentido ao funcionamento do sistema no qual o indivduo

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    se insere. Igualmente, para compreender como funciona a sociedade epara entender o comportamento das pessoas e dos grupos sociais, precisocompreender o sistema como um todo.

    Na Terapia Comunitria Integrativa, a aplicao da abordagemsistmica implica em reconhecer que todo ato de uma pessoa, a vida dessamesma pessoa, seus valores, atitudes, formas de agir, est inserido numamatriz. Essa matriz o contexto que d sentido a esse ato, a essa pessoa, oua alguma das suas atitudes ou comportamentos. Implica em deixar de julgarseparadamente, aprendendo a ver as coisas num conjunto, no seu contexto,fora do qual no fazem sentido.

    Esta forma de ver as coisas, aparentemente to simples, envolve umamudana radical na percepo do terapeuta. O objetivo da TCI que cada um

    seja seu prprio terapeuta. No processo de formao do terapeuta comunitrio,ele levado a um mergulho em profundidade em si mesmo, na sua trajetriade vida, suas lutas, os fracassos, os recomeos, o vai-vm da sua existncia,num conjunto interpretativo do qual fazem parte seus familiares (a primeiraescola), a famlia que ele constituiu ou no posteriormente, o ambiente sociale as tradies culturais de que faz parte. Isto refaz a leitura de si mesmo quea pessoa fazia entes da formao como terapeuta comunitrio, em que se viaa si mesmo e aos demais, separadamente. Aprende a se ver e a compreenderem conjunto, integradamente, da o nome de terapia comunitria integrativae sistmica.

    A Resilincia

    Toda carncia gera uma competncia. A resilincia se refere ao saberque a pessoa adquire ao longo da sua vida, pela experincia, a luta, as vitriassobre dores que poderiam t-la quebrado ou, de fato, a quebraram duranteanos.

    Quando a pessoa emerge vitoriosa do processo de estranhamento de simesma, quando ela recupera a sua autoestima, aprende que ela algum devalor sem igual na sua vida, algum que por ter vencido todas as batalhas quese apresentaram at o momento atual, dona de um saber e de um poder queno deve a ningum, mas apenas a si mesma.

    Tendemos a valorizar em demasia algo que lemos, uma ajuda querecebemos, alguma pessoa ou muitas, a quem atribumos valor enorme na

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    nossa vida. Mas sem a nossa deciso de vencer, teramos sucumbido. Aspessoas do meio popular valorizam muito o saber aprendido na escola da vida.

    A Terapia Comunitria Integrativa refora esta atribuio de valor,

    enfatizando que cada um doutor na sua prpria experincia. Saber que seaprende nos livros e nas escolas, o saber tcnico-cientfico, no substitui, masse complementa com o saber experiencial, o que foi adquirido no dia a dia, aolongo dos anos, na luta contra circunstncias adversas, quer seja na famlia, aprimeira escola de cada um, quer na escola ou no trabalho, na vizinhana, nasdistintas esferas sociais de atuao.

    A pessoa resiliente valoriza os gestos de ajuda que recebeu e recebe aolongo da vida. Ela se nutre da generosidade, da infinidade de atos de amor quea acolheram e ampararam ao longo das vicissitudes que teve de atravessar. Ela

    sabe que cada um, cada ser humano, a soma de infindveis atos e gestos decolaborao que deram por resultado o ser que cada um de ns agora.

    A vida adquire um valor inestimvel desde esta perspectiva, em quetudo que somos rene os nossos ancestrais, os amigos que fomos tendo nasdistintas etapas da vida, as lutas que tivemos que enfrentar, os ambientes eexperincias adversas pelos que tivemos que atravessar, as vitrias que nos foidado obter. Somos uma soma de atos de amor.

    A pessoa resiliente sabe disto, e age em conseqncia, valorizando cada

    pequena coisa. comum em famlias de imigrantes ou pessoas que sofreramnecessidades como fome ou escassez, valorizar uma migalha de po, umagota de gua, um pedao de comida, um olhar de compreenso, uma escutacalorosa e atenta.

    Quando a pessoa se v na trama da vida, na teia da vida, comocostumamos dizer na Terapia Comunitria Integrativa, ela no dispensa nada,e o que a faz sofrer, a faz crescer. Ela descobre isto na sua formao comoterapeuta comunitrio, quando reconhece o processo do qual resultado. Sese sentiu abandonada, no querida, torna-se amorosa, sensvel dor alheia,

    capaz de se doar sem nada esperar, sabendo da alegria de poder se integraramorosamente na vida dos outros.

    Se foi problema, tende a ser soluo. Se se sentiu um estorvo, sabeacolher. No processo de se tornar terapeuta comunitrio, a pessoa aprende a setornar cada vez mais autnoma, senhora de si, na medida em que sai do papelde vtima para o de vencedor. A complementao do saber cientfico com oexperiencial, oriundo da vida e das vivncias que cada pessoa passou e passa,

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    cria essa capacidade resiliente que torna o individuo forte naquilo em que foimais dbil.

    a transformao da fraqueza em fora, e cada ser humano capaz de

    descobrir e descobre que isto ocorre na vida de cada pessoa. Neste sentido,pode-se dizer que a vitria do ser humano sobre a adversidade. Eternaepopia infindvel em que todos estamos involucrados, e que no termina

    enquanto h vida.

    O Mtodo da Terapia Comunitria Integrativa

    Como j foi dito, nos encontros da Terapia Comunitria Integrativa aspessoas sentam-se lado a lado, em roda, de modo que seja possvel a visualizao

    dos participantes entre si. Tais encontros se desenvolvem em cinco etapas,

    a saber: acolhimento, escolha do tema, contextualizao, problematizao e

    encerramento.

    No primeiro passo, acolhimento, o terapeuta acomoda os participantes

    em um crculo, a fim de que todos possam ter a viso do grupo como um

    todo. Nesse momento, so explicitadas pelo terapeuta as regras da terapia:fazer silncio, para garantir o espao da escuta; falar de si mesmo e da prpria

    experincia; no dar conselhos, no julgar nem criticar, respeitando a histria

    de vida do outro; se no decorrer da terapia algum participante lembrar de uma

    msica, piada, poesia, ou conto que tenha alguma ligao com o tema, pedir

    permisso ao grupo para traz-los a tona. Isso permite a expresso da cultura,

    reveladora de dores e sofrimentos, bem como de estratgias de superao.

    Neste passo, a pessoa recebida de forma calorosa, de tal forma queo grupo poder vir a ser a sua referncia na comunidade, num processo de

    ruptura do isolamento, do estranhamento, do abandono e do anonimato.

    No segundo passo, escolha do tema, o terapeuta estimula os participantes

    a falarem de forma sinttica, sobre situaes de sofrimento que eles possam

    estar vivenciando. Em seguida, o terapeuta apresenta uma sntese das situaes

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    verbalizadas pelo grupo, e sugere que o grupo escolha uma delas como um

    tema para ser aprofundado no passo seguinte.

    Neste ingresso ao crculo, uma matriz recriada, a pessoa que se sentia anica no mundo com uma dor to grande que ningum poderia compreender,

    situa-se no meio de outras pessoas que contam as suas dores. A dor dela no

    maior nem menor do que as demais. Mesmo que o tema ou problema de

    outro participante no tenha sido eleito para ser trabalhado no grupo, ele se

    v no problema dos demais, com os quais aos poucos vai se formando um elo

    de simpatia por semelhana ou diferena.

    No terceiro passo, contextualizao,so colhidas mais informaes sobre

    a situao temtica escolhida, permitindo a utilizao de perguntas a fim defacilitar a compreenso e o esclarecimento do contexto onde o problema ou a

    situao se insere. As perguntas formuladas ajudam a pessoa que est falando

    do seu problema a refletir sobre a situao vivida.

    O momento em que todos iro comungar da contextualizao do tema

    escolhido algo grandioso, haja vista que o mergulhar no contexto do outro,

    requer dos participantes da roda despojamento e liberdade; acontece nesse

    momento um encontro entre o contexto daquele que est falando de si na roda,e do outro que apenas ouve, comovendo-se, fortalecendo-se e se preparando

    para contribuir no amenizar daquele sofrimento a partir da explanao da suahistria de vida.

    A escuta ativa abre espao para a ressonncia por semelhana. A pessoaaprende que nada est isolado, todas as coisas fazem parte de um sistema deinterconexo e interatividade.

    No quarto passo,problematizao, o terapeuta comunitrio apresenta o

    mote,que no mbito da Terapia Comunitria Integrativa significa a pergunta-chave que vai permitir a reflexo do grupo, e a pessoa que exps o problemafica em silncio.

    Neste momento, as pessoas que vivenciaram momentos semelhantesou que guardam alguma relao com o tema do mote, passam a refletir aexperincia vivida, e de que modo foi enfrentada determinada situao de

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    sofrimento, permitindo o nascimento de estratgias de enfrentamento usadaspelas pessoas, evidenciando o processo resiliente.

    Ocorre, ento, a complementariedade das diferentes realidades, a partir

    da partilha de situaes semelhantes, onde as riquezas emergidas de cadaidentidade passam a se fazer presentes, ali naquele meio coletivo, onde todosouvem, alguns falam, mas o coletivo se fortalece com a partilha de vida decada pessoa. Desse modo a pessoa que teve seu problema escolhido elege asestratgias mais adequadas a serem utilizadas na resoluo do seu problema.Isto promover a cidadania e fortalecer o empoderamento no meio social.

    O quinto e ultimo passo, concluso/encerramento, se d com todos osparticipantes unidos atravs da juno das mos, em um crculo com rituais

    prprios como cantos religiosos ou populares, oraes, abraos e o relatode cada um da experincia adquirida naquele encontro. A execuo dessemomento permite a construo de redes sociais solidrias, que unem entresi, todos os indivduos da comunidade. O trmino da sesso o comeo paraa utilizao dos recursos que a comunidade dispe para a resoluo dos seusproblemas.

    SINTETIZANDOA Terapia Comunitria Integrativa configura um ramo do voluntariado,

    dando lugar a um novo ator social: o terapeuta comunitrio. Esta umaatividade exercida por profissionais da sade (mdicos, enfermeiras, psiclogos,odontlogos, agentes comunitrios de sade, dentre outros), pedagogos,mobilizadores sociais, ativistas polticos, agentes pastorais, que nela encontramuma ferramenta para criar e fortalecer vnculos sociais positivos. A TCI realizada em espaos pblicos como praas, embaixo de uma rvore, em clubes,

    igrejas, associaes de moradores. Os resultados so o fortalecimento do tecidosocial, em termos de reconhecimento mtuo de relaes de pertencimento, derespeito s diferenas, de aumento da autoestima das pessoas a partir de umreencontro profundo com elas mesmas, uma valorizao da prpria histria devida, uma identidade e memria pessoal e coletiva reavivadas. Os resultadosda TCI vem sendo objeto de estudos e pesquisas cientficas no Brasil e emoutros pases, como Uruguai, Frana e Argentina.

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    PARTE II

    A TERAPIA COMUNITRIA INTEGRATIVACOMO INSTRUMENTO DE

    TRANSFORMAO

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    TEMPO DE FALAR E TEMPO DE ESCUTAR:A PRODUO DE SENTIDO EM GRUPO

    TERAPUTICO*

    2Amilton Carlos CamargoRicardo Franklin Ferreira

    INTRODUO

    Bater a mo, bater o p para entrar na casa do Z. Bater a mo,bater o p para entrar na comunidade. Assim comeam, muitas vezes, assesses de terapia comunitria atravs da msica e assim comeo a abordara temtica das atribuies de sentido terapia comunitria por alguns deseus participantes, desenvolvida num contexto de comunidades.

    Em 2003 entrei em contato com a terapia comunitria atravs daparticipao em um workshoprealizado num hotel fazenda, localizado nacidade de Itapecerica da Serra, em So Paulo. A partir de ento percebi,enquanto psiclogo, que aquela abordagem poderia ser utilizada comoinstrumento de trabalho voltado a grupos nas comunidades, pois osprocedimentos e a tcnica ali demonstrados ajudavam a organizar e aconduzir tais atividades, mesmo com grande nmero de participantes,como o que ali se apresentava, com cerca de 90 pessoas.

    Aps participar de algumas rodas de terapia comunitria, interessei-me profundamente pelo tema e comecei a desenvolver minha dissertaode mestrado. Em princpio, comecei a realizar um levantamento a respeitodo que a terapia comunitria, acerca de seus pressupostos, objetivose alcances, o que se mostrou invivel, dada a precria fundamentao

    * Este trabalho foi produzido a partir de resumo da dissertao de mestrado de mesmo ttulo, realizada noprograma de ps-graduao stricto-sensu da Universidade So Marcos-SP, no ano de 2005, sob a orientao doProf. Dr. Ricardo Franklin Ferreira.

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    epistemolgica e metodolgica que, nessa poca, sustentava e buscavasistematizar essa prtica. Desse modo, voltei-me para as manifestaesdo fenmeno emprico vivenciado pelos participantes durante as rodas

    de terapia comunitria, pondo em segundo plano os pressupostosfilosficos e tericos que sustentam sua aplicao, sem com isso abrirmo da prxis da decorrente.

    No ano de 2004, passei a freqentar o curso de formao emTerapia Comunitria Integrativa (TCI),promovido pela PUC-SP, bemcomo participei do II Congresso de Terapia Comunitria, realizado emBraslia / DF.

    Em funo do curso de formao como terapeuta comunitriopassei a realizar rodas de terapia comunitria, juntamente com o meu

    orientador da dissertao, na Universidade So Marcos-SP, atendendo spessoas da fila de espera da clnica-escola de psicologia.

    Nas rodas de terapia comunitria que realizei, pude perceber queaparentemente h uma grande mobilizao emocional dos participantes,seguida, muitas vezes, de relatos apaixonados e calorosos com relao stransformaes que as pessoas percebem em si mesmas aps sua passagempelo grupo.

    A partir de tais experincias, nesta pesquisa pretendi compreendera atribuio de sentido terapia comunitria realizada por alguns deseus participantes, sem perder de vista que vivemos em um pas deacentuada desigualdade social, no qual a ateno sade privilgio depoucos e a psicoterapia comumente produto de compra reservado selites. fato notrio que a realidade social brasileira apresenta inmerassituaes de adversidadescomplementares aos sujeitos e famlias debaixo poder aquisitivo, frente s questes referentes alimentao,habitao, educao, cultura, violncia, etc., se comparados a outrossujeitos e famlias que tm seus poderes sociais, econmicos e financeiros

    garantidos.Neste mesmo contexto brasileiro retratado pela riqueza excessivade alguns pequenos grupos sociais, encontra-se uma parcela majoritriada sociedade que vive em situao de misria absoluta, fome e desamparo.

    Como aponta Santos (2000, p.24):

    [...] s a rea de produo de soja no Brasil daria para alimentar40 milhes de pessoas se nela fossem cultivados milho e feijo. Mais

  • 7/23/2019 Terapia Comunitria Integrativa_uma Construo Coletiva Do Conhecimento

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    pessoas morreram de fome no nosso sculo que em qualquer dossculos precedentes. A distncia entre pases ricos e pases pobrese entre ricos e pobres no mesmo pas no tem cessado de aumentar.

    Frente a essa realidade, surgem algumas prticas interventivas

    comunitrias, como a Terapia Comunitria, que se propem ao enfrentamento

    e reverso dessa situao de incluso perversa1a que os sujeitos economicamente

    desfavorecidos esto submetidos. A TCI tem sido desenvolvida e aplicada nas

    comunidades, e s vezes em outros tipos de grupos, h 23 anos.

    A seqncia de procedimentos propostos para a realizao de uma

    sesso de terapia comunitria parece ter certa proximidade com a propostado mtodo de Paulo Freire, que prope como procedimentos: investigao

    temtica, tematizao, problematizao, leitura do mundo, compartilhando

    o mundo lido, reconstruo do mundo lido. Enquanto que a terapia

    comunitria prope: acolhimento, escolha do tema, contextualizao,

    problematizao, rituais de agregao e conotao positiva, apreciao.

    Freire (1987) prope que somente a partir do exerccio do dilogo

    e da ao-reflexo-ao, o indivduo pode ser capaz de fazer uma leitura

    crtica do mundo, constituindo-se enquanto sujeito consciente com

    possibilidades de transformao de sua prpria histria.

    Considerando que essa pesquisa est sen