teorias de curriculo

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    Teorias de CurrCuLo

    ALICE CASIMIRO LOPES, ELIZABETH MACEDO

    SO PAuLO: CORTEZ, 2011. 280 p.

    Apresento, neste texto, uma resenha do livro Teorias de currculo, de

    autoria de Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo, uma publicao

    marcante, com notvel distino e elegncia. Com efeito, o campo do

    currculo no Brasil contemplado com a divulgao de mais uma obra

    especfica, levada a efeito pela editora Cortez, vindo suprir uma lacuna

    nos cursos de pedagogia e licenciaturas e at nos cursos de ps-gradua-

    o em educao.

    A ousadia de publicar um livro denominado Teorias de currculo

    reconhecida pelas prprias autoras, pela complexidade temtica, gera-

    dora de questionamentos, circunstanciada pelos riscos de incluses e ex-

    cluses prprias ao desafio de apresentarem um texto com essa enver-

    gadura. Ao elencarem as motivaes para a elaborao da obra, Lopes e

    Macedo afirmam que a escrita sinptica cerca-se de muitos riscos, sobre-

    tudo porque, entre outras aluses, os perigos so intensificados numa

    contemporaneidade em que a ideia de fundamento posta em xeque

    (p. 9). Todavia, a ausncia de produes textuais com essa abordagem

    torna justa a suposta audcia de sua escritura, constituindo-se numa

    salutar intrepidez, num ato corajoso para tornar possvel sua edio.

    As autoras iniciam o livro situando os muitos perigos que cir-

    cundam a sua produo, e enfrentam a provocao sem, no entanto,

    pretenderem fixar sentidos. Relatam a dificuldade na organizao e

    eleio dos temas, tendo em vista a hibridizao do campo curricular,

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    com enfoques e perspectivas mltiplas. Abordam proposies tericas,

    lanam ideias, ampliam a possibilidade de comunicao do campo, refe-

    renciam significados, sem, entanto, se distanciarem dos textos originais.

    Trata-se de um texto que tem relao com o aspecto autobiogr-

    fico que expressa. Abrange uma discusso intensa, com redao e lin-

    guagens acessveis, abordando, com rigor, premissas substancialmente

    importantes para os estudos do campo curricular. O livro composto

    por onze captulos, cuja abordagem temtica focaliza contextos espao-

    -temporais diversos, ao mesmo tempo em que dialoga com tendncias,

    perspectivas, epistemologias, deslocamentos e desconstrues, fazendo

    emergir percursos de autoria na consecuo dos processos investigati-

    vos vivenciados pelas autoras.

    No primeiro captulo, nomeado Currculo, as autoras anteci-

    pam o posicionamento acerca da impossibilidade de responder per-

    gunta O que currculo?, uma vez que a escrita e definio de um

    termo traz embutido o conjunto de perspectivas e conotaes em que a

    acepo est inserida. Preferem considerar que o movimento de criao

    de novos sentidos para o termo currculo remete a sentidos prvios,

    ainda que para neg-los ou para reconfigur-los; por isso a opo de

    atentar para sentidos que tm se tornado mais salientes no decorrer da

    existncia dos estudos do campo.

    Nesse captulo, as autoras historicizam a trajetria dos estudos

    curriculares, referenciando autores e fundamentos que se tornaram re-

    levantes na historiografia desses estudos. Situam origens e abordagens

    que foram acompanhando o desenvolvimento do campo; retratam dis-

    cusses levadas a efeito pela influncia dos movimentos do incio da in-

    dustrializao americana e, nos anos 1920, no Brasil, com o movimento

    da Escola Nova, em que a tnica da deciso sobre o que ensinar ganha

    flego, o que leva muitos autores a associarem o incio dos estudos cur-

    riculares a esse perodo.

    O captulo dois, denominado Planejamento, aborda o tema

    mais recorrente para a noo de currculo da tradio, que o concebia

    como o estudo das formas de planej-lo. Essa noo de planejamento

    ainda bastante forte no meio educacional brasileiro, compreenso que

    se estende tambm sobre o currculo. Para apresentar historicamente

    o tema, as autoras focalizam a racionalidade tyleriana, cuja influncia

    no Brasil foi marcante, principalmente at meados dos anos 1980, com

    resqucios tnues, mas muito presentes em reformas educacionais.

    As autoras fazem uma retrospectiva da elaborao curricular de

    Tyler, relacionando-a abordagem do currculo por competncia, uti-

    lizada por Csar Coll, organizador de propostas curriculares de vrios

    pases, inclusive do Brasil. Lopes e Macedo no se restringem a rela-

    tar os estudos sobre o tema, mas sugerem possibilidades de pensar o

    planejamento curricular a partir de outras bases tericas, incorporando

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    discusses ps-estruturais. Nessa direo, indicam o movimento desen-

    volvido por Pinar e, na mesma linha autobiogrfica, destacam a ideia

    de currculos centrados nas histrias de vida dos sujeitos a partir das

    quais os contedos curriculares se tornam existencialmente significa-

    tivos (p. 66). Fazem referncia experincia de planejamento em torno

    de temas culturais, defendida por Sandra Corazza, em publicaes nos

    anos 1990, que compreende o planejamento como um texto pedaggico

    produzido nas escolas e o ato de planejar como uma prtica deliberada

    de construo de outros significados curriculares.

    O terceiro captulo alusivo ao Conhecimento. De acordo com

    as autoras, esse talvez seja o tema que congrega maior destaque ao lon-

    go da histria do currculo. Em torno do questionamento sobre qual

    conhecimento deve ser ensinado, as discusses acerca do que currcu-

    lo ganham fora e servem de respaldo para a consecuo daquilo que

    diferentes concepes e interesses colocam em apreo. , pois, sobre o

    conhecimento a ser ensinado-aprendido que finalidades da escolariza-

    o tomam corpo e se edificam.

    O quarto captulo, Conhecimento escolar e discurso pedaggi-

    co, apresentado em trs tpicos: transposio didtica, recontextua-

    lizao e principais contribuies da recontextualizao e da transposi-

    o didtica para as teorias de currculo. Lopes e Macedo afirmam que

    questes curriculares esto diretamente relacionadas com o processo de

    transformar os saberes legitimados socialmente em matria escolar; da

    porque algumas teorizaes se desenvolveram no sentido de procurar

    entender o processo de pedagogizao para fins de ensino e seu impacto

    na organizao do conhecimento.

    Finalizando o captulo, as autoras apresentam as principais con-

    tribuies das teorias da transposio didtica e da recontextualizao

    para as teorias de currculo, evidenciando-a como uma teoria potente

    para anlise das polticas de currculo, uma vez que h um processo

    inerente circulao de discursos e textos geradores de diferentes leitu-

    ras contextuais, permitindo conceber que a recontextualizao pode se

    desenvolver pela produo de hbridos culturais (p. 106).

    O ttulo do quinto captulo Disciplina e trata, entre outros

    assuntos, da concecuo de finalidades educacionais por meio das dis-

    ciplinas, considerando a organizao disciplinar como uma tcnica de

    organizao e controle de saberes, sujeitos, espaos e tempos na esco-

    la. Salientam que essa organizao disciplinar vigora em currculos de

    diferentes pases, configurando uma noo de currculo centrado nas

    disciplinas. Abordam a teorizao de Ivor Goodson, pesquisador da his-

    tria das disciplinas escolares, para quem a disciplina escolar no de-

    corrente de uma simplificao de conhecimentos de nvel superior para

    o nvel escolar, mas construda social e politicamente nas instituies

    escolares, para atender a finalidades sociais da educao (p. 119).

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    As autoras fazem referncia aos estudos de Popkewitz, para quem

    no h um saber a priori, mas lutas polticas que se hegemonizam em

    campos disciplinares. Lopes e Macedo afirmam que as disciplinas so

    construes sociais que atendem a determinadas finalidades da educao

    e, por isso, renem sujeitos em determinados territrios, sustentam e so

    sustentadas por relaes de poder que produzem saberes (p. 121).

    Integrao curricular o tema do sexto captulo. Nele, as au-

    toras relatam que a noo de currculo integrado tem perpassado a his-

    tria do currculo com denominaes diversas, entre elas a de currculo

    global, interdisciplinar, currculo transversal e metodologia de projetos.

    Em razo dos princpios utilizados como base de integrao, as propos-

    tas se pautam em trs modalidades: integrao pelas competncias e

    habilidades a serem formadas nos alunos; integrao de conceitos das

    disciplinas, mantendo-se a lgica dos saberes disciplinares de referncia;

    abordagem de integrao das polticas mais amplas, com respaldo em

    demandas sociais.

    As autoras mencionam os propostos da interdisciplinaridade e

    destacam os estudos de Veiga-Neto, que defende os projetos pluridisci-

    plinares, aceitando, assim, a legitimidade das disciplinas, quer do ponto

    de vista epistemolgico, quer do ponto de vista contextual, uma vez que

    assim so organizados os currculos. Na sua viso, atravs dos tempos,

    o currculo tanto um produto quanto capaz de produzir formas de

    pensar.

    No stimo captulo, Prtica e cotidiano ganham destaque. Esse

    mais um tema relevante e as autoras informam que ele acompanha o

    desenvolvimento da teorizao do campo do currculo, assumindo dife-

    rentes sentidos. Referem-se a abordagens da teoria do currculo que se

    tm, historicamente, voltado para a discusso da prtica e do cotidiano

    dos sujeitos, e destacam que o foco de tais pesquisas a busca pelo en-

    tendimento da epistemologia da prtica.

    O oitavo captulo chama-se Emancipao e resistncia. As auto-

    ras registram que o deslocamento dos estudos curriculares das anlises

    macrocontextuais para a escola passa por dois movimentos: os estudos

    que elegem a prtica e o cotidiano, desnaturalizando a separao entre

    desenvolvimento e implementao curricular, e outros que se contra-

    pem s teorias da correspondncia e da reproduo. Neste captulo,

    do relevo ao segundo eixo teoria da resistncia , cujo propsito

    entender a escola como lcus de luta por hegemonia e no como refle-

    xo determinado das relaes hegemnicas (p. 165).

    Lopes e Macedo destacam os principais estudiosos da resistncia,

    salientando que a divulgao dessa perspectiva no Brasil influenciada

    pela literatura inglesa, haja vista a sua maior influncia nas obras publi-

    cadas no Brasil. Enfatizam aspectos significativos da teoria da resistn-

    cia e salientam o deslocamento de trabalhos de determinados tericos,

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    principalmente os de Henry Giroux, para a temtica da emancipao,

    como um avano significativo em relao aos estudos curriculares.

    Entre os estudos brasileiros sobre emancipao, destacam-se as pesqui-

    sas de Ins Barbosa de Oliveira, que trabalha com alternativas curricula-

    res emancipatrias, a partir dos estudos com o cotidiano.

    As autoras revelam propsitos de ressignificao da resistncia

    e da emancipao a partir da incorporao dos aportes tericos ps-co-

    loniais e da teoria do discurso de Laclau e Mouffe, inclusive em seus

    prprios trabalhos. Defendem que h mltiplas demandas particulares

    de projetos emancipatrios em busca de hegemonizao, em contextos

    diversos, uma proposta contingencialmente construda, em lutas cul-

    turais e polticas (p. 183).

    No nono captulo, Cultura d ttulo ao texto. Em consequncia

    da multiplicidade de sentidos que o conceito congrega na teoria curri-

    cular, as autoras anunciam que a abordagem dessa temtica no uma

    tarefa simples. Salientam que, tradicionalmente, nas perspectivas fun-

    cionalistas, a principal funo da escola seria a socializao dos sujeitos,

    levando-os a partilhar uma mesma cultura, mas, contemporaneamente,

    essa cultura, de carter universal, posta em questo por sociedades

    que se mostram, a cada dia, mais multiculturais (p. 185).

    As autoras ressaltam as contribuies tericas de Stuart Hall e

    Henry Giroux, situando a importncia do contato do campo do currculo

    no Brasil com os estudos culturais, ocorrido durante a segunda metade

    dos anos de 1990. Citam um texto emblemtico para os estudos curricu-

    lares, de autoria de Stuart Hall, denominado A centralidade da cultura: no-

    tas sobre as revolues culturais de nosso tempo, publicado em 1997. A partir

    de Stuart Hall, surge o entendimento de que assumir a perspectiva ps-

    -estrutural significa aceitar que todo e qualquer sentido somente pode

    ser criado dentro de sistemas de linguagem ou de significao (p. 202).

    Lopes e Macedo reconhecem a importncia dos trabalhos de

    Tomaz Tadeu da Silva, no Brasil, em seus dilogos com Foucault, Derrida,

    Deleuze, Gatarri. Destacam autores como Nestor Canclini e Home

    Bhabha, que so referncias importantes nos estudos mais recentes do

    campo do currculo no Brasil, exemplos de diferentes formas como a

    cultura como processo hbrido de representao pode ser apropriada

    (p. 208).

    O dcimo captulo trata de Identidade e diferena. As autoras

    anunciam que, ao tratarem dessa temtica, esto atentas em considerar

    aspectos das identidades que se relacionam com a participao dos ato-

    res sociais em determinados grupos (p. 216). Para isso, abordam ques-

    tes que interrogam os mecanismos sociais discursivos de estabilizao

    das identidades. Argumentam sobre a importncia de pensar a diferen-

    a cultural para alm da identidade.

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    Autores como Stuart Hall, William Pinar, Homi Bhabha, Ernesto Laclau e Chantal Mouffe referenciam os estudos das autoras do texto. Com base em tais fundamentos, salientam a fluidez das identificaes e o entendimento dos sujeitos descentrados e polticos. As autoras pro-pem, por fim, um currculo instituinte, no sentido de desconstruir dis-cursos, desconstruir hegemonias.

    O ltimo captulo do livro dedicado Poltica. Nele, expres-sam-se discusses sobre a separao entre projeto e implementao cur-ricular, as polticas de currculo e o foco na estrutura econmica, a abor-dagem do ciclo de polticas e, para alm desta, os discursos na poltica de currculo. As autoras sistematizam a escrita do texto apresentando algumas das principais concepes de poltica a partir de estudos que abordam diferentes perspectivas e teorizaes, como a administrativa, a cincia social, os estudos estruturais e ps-estruturais. Assinalam que, tanto no Brasil quanto no exterior, grande parte das anlises curricula-res mais voltada crtica de documentos e projetos do que s investi-gaes relacionadas com as polticas de currculo.

    As autoras destacam as contribuies dos estudos de Ball para anlise de polticas de currculo, mas aprofundam a discusso, incorpo-rando a teoria do discurso de Ernesto Laclau. Entendem que qualquer discurso uma tentativa de dominar o campo da discursividade, fixar o fluxo das diferenas e construir um centro provisrio e contingente de significao (p. 252). Concluem, afirmando que o currculo uma luta poltica por sua prpria significao e que a divulgao da obra tam-bm uma forma de participar dessa luta.

    A partir da leitura de Teorias de currculo, possvel afirmar que as discusses apresentadas, os autores citados, os textos referenciados constituem um arcabouo terico para estudos interpretativos do campo curricular, potencializando novos estudos, novos sentidos para essa rea. Uma leitura indispensvel para os que se dedicam disciplina Currculo em cursos de formao de professores, aos pesquisadores do campo, aos estudantes das licenciaturas e professores de modo geral. O texto instigante e as contribuies dos estudos evidenciados do mar-gens a novas interpretaes, podendo gerar outros movimentos, outros sentidos, novos significados.

    IDELSUITE DE SOUSA LIMAProfessora adjunta da Unidade Acadmica de Educao do Campo, do Centro de Desenvolvimento Sustentvel do Semirido da Universidade Federal de Campina Grande UFCG (PB)[email protected]

    recebido em: MAIO 2013 | aprovado para publicao em: OuTuBRO 2013

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