teorias da posse: savigny e ihering

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“Para Savigny, o corpus ou elemento material da posse, caracteriza-se como a faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa, e de defendê-la das agressões de quem quer que seja; o corpus não é a coisa em si, mas o poder físico da pessoa sobre a coisa; o fato exterior, em oposição ao fato interior.” (Caio Mário, p. 14) “A concepção de Savigny exige, pois, para que o estado de fato da pessoa em relação à coisa se constitua em posse, que ao elemento físico (corpus) venha juntar-se a vontade de proceder em relação à coisa como procede o proprietário (affectio tenendi ), mais a intenção de tê-la como dono (animus).” (p. 14) “Para ele [Ihering], corpus é a relação exterior que há normalmente entre o proprietário e a coisa, ou a aparência da propriedade. O elemento material da posse é a conduta externa da pessoa, que se apresenta numa relação semelhante ao procedimento normal de proprietário.” (p.15) “O elemento psíquico, animus, na teoria objetivista de Ihering não se situa na intenção de dono, mas tão-somente na vontade de proceder como procede habitualmente o proprietário – affectio tenendi – independentemente de querer ser dono.” (p. 15) “O objetivismo da teoria de Ihering, ou seja, a dispensa da intenção de dono na sua configuração permite caracterizar como relação possessória o estado de fato do locatário em relação à coisa locada, do depositário em relação à coisa depositada, do comodatário em relação à coisa comodada, do credor pignoratício em relação à coisa apenhada etc.” (p. 15) “O que sobreleva no conceito de posse é a destinação econômica da coisa. Um homem que deixa um livro num terreno baldio, não tem a sua posse, porque ali o livro não preenche a sua finalidade econômica. Mas aquele que manda

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O trabalho compila algumas citações à famosa polêmica na doutrina brasileira.

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Page 1: Teorias da Posse: Savigny e Ihering

“Para Savigny, o corpus ou elemento material da posse, caracteriza-se como a faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa, e de defendê-la das agressões de quem quer que seja; o corpus não é a coisa em si, mas o poder físico da pessoa sobre a coisa; o fato exterior, em oposição ao fato interior.” (Caio Mário, p. 14)

“A concepção de Savigny exige, pois, para que o estado de fato da pessoa em relação à coisa se constitua em posse, que ao elemento físico (corpus) venha juntar-se a vontade de proceder em relação à coisa como procede o proprietário (affectio tenendi), mais a intenção de tê-la como dono (animus).” (p. 14)

“Para ele [Ihering], corpus é a relação exterior que há normalmente entre o proprietário e a coisa, ou a aparência da propriedade. O elemento material da posse é a conduta externa da pessoa, que se apresenta numa relação semelhante ao procedimento normal de proprietário.” (p.15)

“O elemento psíquico, animus, na teoria objetivista de Ihering não se situa na intenção de dono, mas tão-somente na vontade de proceder como procede habitualmente o proprietário – affectio tenendi – independentemente de querer ser dono.” (p. 15)

“O objetivismo da teoria de Ihering, ou seja, a dispensa da intenção de dono na sua configuração permite caracterizar como relação possessória o estado de fato do locatário em relação à coisa locada, do depositário em relação à coisa depositada, do comodatário em relação à coisa comodada, do credor pignoratício em relação à coisa apenhada etc.” (p. 15)

“O que sobreleva no conceito de posse é a destinação econômica da coisa. Um homem que deixa um livro num terreno baldio, não tem a sua posse, porque ali o livro não preenche a sua finalidade econômica. Mas aquele que manda despejar adubo em um campo destinado à cultura tem-lhe a posse, porque ali cumprirá o seu destino.”

“Neste ponto reside a diferença substancial entre as duas escolas, de Savigny e de Ihering: para a primeira, o corpus aliado à affectio tenendi gera a detenção, que somente se converte em posse quando se lhes adiciona o animus domini (Savigny); para a segunda, o corpus mais a affectio tenendi geram posse, que se desfigura em mera detenção apenas na hipótese de um impedimento legal (Ihering).” (p. 16)

SavignyPosse = Corpus (poder fático) + Animus domini (vontade de ter a coisa como sua, de ser proprietário)

Detenção = Corpus (poder fático) + Affectio tenendi (vontade de agir tal como proprietário)

IheringPosse = Corpus (relação exterior que há entre proprietário e coisa) + Affectio tenendi (vontade de agir tal como proprietário) – Impedimento legal

Page 2: Teorias da Posse: Savigny e Ihering

Detenção = Corpus (relação exterior que há entre proprietário e coisa) + Affectio tenendi (vontade de agir tal como proprietário) + Impedimento legal

“Testifica Clóvis Bevilacqua que o Código consagrou em texto o conceito de Ihering, segundo o qual a posse nada mais é que o modo por que a propriedade é utilizado; a relação de fato estabelecida entre a pessoa e a coisa pelo fim de sua utilização econômica, sendo possuidor o – qui omnia ut dominum facit (Exposição de motivos)” p. 6

“Na verdade, se o direito é o interesse juridicamente protegido, a posse necessariamente será um direito, porque nela estes dois elementos se integram, a saber: o interesse, representado pela utilização econômica da coisa; o segundo, representado pela proteção jurídica contra o esbulho.” (J. M. de Carvalho Santos, Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. VII, 4ª Ed, 1950, p. 7)

“A posse, também em seu conceito, se compõe de dois elementos: um material, e outro moral, a deliberação da mente. Quanto ao elemento material, a sua caracterização consiste no estado normal externo da coisa, sob que se cumpre o destino econômico de servir aos homens, podendo ser ou não a detenção, conforme a sua natureza.” (p. 7)

“Não é a posse o poder físico, mas a exterioridade do exercício do direito, ou seja, o fenômeno externo da utilização econômica, unido à vontade de realizar, em benefício próprio, essa exploração.”

Comentários ao Novo Código Civil, vol. X, Da Posse, Ernane Fidélis dos Santos

Savigny

“Donc ele est tout à la foi fait et droit; fait, par son essence, droit, par ses effets” (Traité de la Possession, em Droit Romain, Trad. francesa da 12ª edição, Louis Delamonte Éditeur, 1841, p.24, in Ernane Fidélis dos Santos, Comentários ao Novo Código Civil, vol. XV, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2007, p. 6)

“Firmado nos textos romanos, Savigny reconhecia que a posse se apresentava com tríplice classificação: a possessio naturalis, a possessio jurídica e a possessio civilis. A primeira, caracterizada simplesmente pela disposição física da coisa ou corpus, não se beneficiava de qualquer proteção; a segunda, a posse jurídica, teria a proteção dos interditos; a terceira, além de se proteger pelos interditos, gerava também a aquisição por usucapião, já que a ela aderiam o elemento tempo e a boa-fé de estar possuindo conforme o direito.” (p. 15)

Possessio naturalis = mera detenção, fato sem consequências

Page 3: Teorias da Posse: Savigny e Ihering

Consiste apenas no Corpus: poder fático sobre a coisa.

“O próprio Savigny, estabelecendo o ato corporal como primeira condição da posse não o tem, todavia, como o de contato necessário, mesmo porque, se, em certas ocasiões, tal contato corporal nada representa, como quem, por exemplo, toca a água de um rio que passa, apenas importando que qualquer atividade relacionada com a coisa revele possibilidade fática de tê-la à disposição independentemente de qualquer causalidade.” (p. 13)

“Cette possibilité physique est conséquemment ce que toute acquisition de la possession doit renfermer comme fait; par elle s’expliquent d’une même manière toutes les dispositions de nos sources de droit; elle ne renferme point l’idée du contact physique, et il ne reste plus aucun cas dans lequel on doive admettre une appréhension feinte » (op. cit. p. 215, in Ernane... p. 13) (g.n.)

Possessio jurídica = fato em sua essência, direito em seus efeitos; gera efeitos jurídicos e cabem demandas possessórias

Para a possessio, precisa-se, além do Corpus acima definido, o Animus domini, ou Animus rem sibi habendi.

“Seria, assim, a vontade deliberada de dispor fisicamente da coisa, mas, sem ser necessária a convicção de ser dono (nota Bley: opinio domini), apenas de tê-la como se dono fosse, isto é, sem reconhecimento de qualquer outro poder físico sobre a coisa

Possessio civilis = posse capaz de usucapir

Ihering

“Em análise à posição de Ihering sobre o corpus e o animus, Darcy Bessone entende que ele não os nega, mas que retifica os conceitos, de tal forma que o primeiro vai além da possibilidade física de dispor da coisa, para ser simples visibilidade da propriedade nos seus elementos caracterizadores. E o animus, também existente pela manifestação da vontade na exteriorização da propriedade, mantém-se em campo puramente subjetivo, sendo impossível a pesquisa de sua existência. Neste caso a revelação que lhe seria própria teria apenas a informação da visibilidade da propriedade.” (p. 18)

Em Ihering, a posse consiste na exterioridade da propriedade, e os conceitos romanos apontados por Savigny são profundamente ressignificados.

Corpus não é mais poder fático, mas relação exterior homem e coisa. Animus é um estado integralmente interior, não sendo relevante ou possível sua sondagem. O que dela se extrai é a sua consequência material exterior, i.e. a affectio tenendi, exteriorizada mediante os atos de cumprimento da destinação econômica do bem.

Page 4: Teorias da Posse: Savigny e Ihering