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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA DE PRODUO

TEORIA DO PROSPECTO: UMA INVESTIGAO UTILIZANDO SIMULAO DE INVESTIMENTOS

JURANDIR SELL MACEDO Jr.

FLORIANPOLIS SANTA CATARINA - BRASIL 2003

TEORIA DO PROSPECTO: UMA INVESTIGAO UTILIZANDO SIMULAO DE INVESTIMENTOS.Esta tese foi julgada adequada para obteno do Ttulo de Doutor, especialidade em Engenharia de Produo, e aprovada em sua forma final pelo Programa de PsGraduao em Engenharia de Produo da Universidade Federal de Santa Catarina

____________________________________________________________ EDSON PACHECO PALADINI, Dr. Coordenador BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________________ CRISTIANO JOS CASTRO DE ALMEIDA CUNHA, Dr. RER. POL Orientador ____________________________________________________________ ROSILENE MARCON, Dra. Moderadora ____________________________________________________________ GILBERTO DE OLIVEIRA KLOECKNER, Ph.D. Examinador Externo ____________________________________________________________ LUIZ TORESAN, Dr. Examinador Externo ____________________________________________________________ EMILIO ARAJO MENEZES, Dr. Examinador ____________________________________________________________ NEWTON CARNEIRO AFFONSO DA COSTA JUNIOR, Dr. Examinador ____________________________________________________________ JOO NEIVA DE FIGUEIREDO, Ph.D. Examinador

JURANDIR SELL MACEDO Jr.

TEORIA DO PROSPECTO: UMA INVESTIGAO UTILIZANDO SIMULAO DE INVESTIMENTOS

Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo da Universidade Federal de Santa Catarina para obteno do grau de Doutor em Engenharia de Produo, sob a orientao do Professor Cristiano Jos Castro de Almeida Cunha, Dr. rer. pol.

FLORIANPOLIS SANTA CATARINA - BRASIL 2003

Jlia e ao Gustavo alegria do meu viver.

Na mesma lagoa em que um cavalo mata a sede, o outro morre afogado.Ditado campeiro

AGRADECIMENTOSAo Professor Doutor Cristiano Cunha, pela orientao fundamental para realizao desta tese, pela amizade que a longo tempo tenho a honra de compartilhar e, principalmente, pela coragem e compreenso que teve ao apoiar a quatro anos atrs um estudo em um campo que nem de longe tinha o reconhecimento que tem hoje. Ao amigo Luiz Toresan pelas longas horas que passou lendo e criticando esta tese desde os primeiros rascunhos. Aos mestres, principalmente os professores Emilio Menezes e Newton da Costa Jr. pelo incentivo e amizade. Aos membros da banca Profa. Rosilene Marcon, Prof. Joo Neiva de Figueiredo e Prof. Gilberto Kloeckner, pela disponibilidade. Aos professores, Ana Lopes, Cludio Pinter, Elizabete Flausino, Francisco Baima, Isabela Muller e novamente Newton Costa por terem cedido suas turmas para a pesquisa. A todos os alunos que participaram da simulao. Ao Vinicius Xavier pela programao do Simulabolsa e ao Marco Antnio Goulart e a Gretel Techera que ajudaram a trabalhar com a montanha de dados acumulados na pesquisa de campo. Ao Banco Ita que patrocinou a premiao dos sujeitos da pesquisa. A minha querida companheira Celina, entre outras coisas, por ter me forado a ficar um ano em Montreal, e aos amigos Fernando Seabra e Neri dos Santos e seus familiares pelo apoio e carinho nos momentos que passamos longe de casa. A minha me e meus irmos e minha av Cecy, pelo silencioso apoio. Aos Professores Bernard Andrs e Aparecida Almeida da Universit du Qubec Montreal pelo apoio durante meu estgio de pesquisa. Ao Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo da Universidade Federal de Santa Catarina, pela oportunidade oferecida. Aos demais colegas e a todas as pessoas que de alguma maneira auxiliaram na concretizao deste trabalho.

SUMRIOCAPTULO I INTRODUO ................................................................................ 0011.1 1.2 1.3 1.4 TEMA DA PESQUISA .......................................................................... 010 PROBLEMA ........................................................................................... 016 PERGUNTAS DE PESQUISA .............................................................. 017 OBJETIVOS 1.4.1 Geral ................................................................................................ 018 1.4.2 Especficos ....................................................................................... 018 1.5 1.6 JUSTIFICATIVA .................................................................................. 018 ESTRUTURA DO TRABALHO .......................................................... 021

CAPTULO 2 FUNDAMENTAO TERICA ................................................... 0222.1 2.2 CONTEXTUALIZAO ...................................................................... 022 TEORIA TRADICIONAL DE FINANAS (FINANAS ANTIGAS) 023 2.2.1 Anlise Tcnica .............................................................................. 024 2.2.2 Anlise Fundamentalista ................................................................ 025 2.2.3 Poltica de Investimentos ............................................................... 027 2.2.4 Crtica Teoria Tradicional de Finanas ....................................... 028 2.3 FINANAS MODERNAS ..................................................................... 029 2.3.1 A Moderna Teoria de Portflio ...................................................... 032 2.3.2 A Irrelevncia dos Dividendos ....................................................... 035 2.3.3 O CAPM ......................................................................................... 036 2.3.4 O Mercado Eficiente ....................................................................... 038 2.3.5 Crtica s Finanas Modernas ......................................................... 040

2.4

FINANAS COMPORTAMENTAIS..................................................... 044 2.4.1 A Psicologia Questiona A Racionalidade ...................................... 044 2.4.2 Psicologia Cognitiva ...................................................................... 045 2.4.3 Procurando Entender o Como os Humanos Decidem .................... 047 2.4.4 Atalhos Mentais .............................................................................. 048 2.4.5 Estruturas Mentais .......................................................................... 050 2.4.6 Teoria do Prospecto ........................................................................ 051 2.4.7 O Nascimento das Finanas Comportamentais .............................. 058 2.4.8 As Iluses Cognitivas ..................................................................... 060 2.4.9 Iluses Cognitivas Causadas por Heursticas ................................. 062 2.4.10 Iluses Cognitivas Causadas por Estruturas Mentais .................... 066 2.4.11 Tendncias ...................................................................................... 070

CAPTULO 3 METODOLOGIA ............................................................................. 0723.1 3.2 3.3 3.4 3.5 ECONOMIA EXPERIMENTAL ........................................................... 072 SIMULANDO A ECONOMIA EM LABORATRIO ......................... 074 EXPERINCIA ANTERIOR DO AUTOR ........................................... 076 FORMATO DAS PESQUISAS ANTERIORES .................................... 078 DESIGN DA PESQUISA ...................................................................... 080 3.5.1 As opes de investimento ............................................................ 081 3.5.2 A simulao ................................................................................... 082 3.5.3 A concepo do modelo de simulao .......................................... 083 3.5.3.1 3.5.3.2 3.5.3.3 3.5.3.4 O caso ................................................................................... 089 As regras da simulao ........................................................ 091 A estrutura da simulao ...................................................... 096 Apresentao da simulao .................................................. 097

3.5.3.5 3.6 3.7 3.8

Os critrios para a premiao ............................................... 098

CONSTRUO DAS HIPTESES ...................................................... 099 HIPTESES INVESTIGADAS .............................................................. 100 AMOSTRA E COLETA E ANLISE ESTATSTICA DOS DADOS . 102

CAPTULO 4 RESULTADOS EMPRICOS DO COMPORTAMENTO DOS PARTICIPANTES NA SIMULAO........................................... 1054.1 4.2 DADOS DA PESQUISA ........................................................................... 105 INVESTIGAO DA HIPTESE H1 - EFEITO DOAO .................. 106 4.2.1 Hipteses para a verificao do Efeito Doao ............................. 106 4.2.2 Resultados da investigao da hiptese H1 - Efeito Doao ........ 108 4.2.2.1 Estudo da relao entre o valor mdio do patrimnio final e a carteira .............................................................................. 108 4.2.2.2 4.3 Estudo do percentual final de imveis nas carteiras .............. 112

INVESTIGAO DO EFEITO DISPOSIO ........................................ 115 4.3.1 As hipteses para a verificao do Efeito Disposio .................... 115 4.3.2 Resultados da investigao da hiptese H2 - Efeito Disposio..... 116 4.3.2.1 Comparao do nmero de vendas efetuadas no domnio dos ganhos com o nmero de vendas efetuadas no domnio das perdas .............................................................................. 116 4.3.2.2 Estudo da relao entre a variao trimestral de preos e a variao trimestral da quantidade total de aes no sistema . 117 4.3.3 Estudo por grupo de aes da relao entre a variao de preos e a variao na quantidade de aes .............................................. 121 4.3.4 Investigando a venda de aes vencedoras - NCTY4 e AGRI4 . 124

4.3.5 Investigando a manuteno de perdedoras - CMTL4 e INFO4 .... 126 4.4 CONSIDERAES FINAIS DO CAPITULO ......................................... 128

CAPTULO 5 CONSIDERAES FINAIS ........................................................... 1295.1 RESPONDENDO AS QUESTES CENTRAIS ...................................... 129 5.1.1 Efeito Doao .................................................................................... 130 5.1.2 Efeito Disposio .............................................................................. 132 5.2 5.3 5.4 5.5 FOCANDO O EFEITO DOAO ............................................................ 133 FOCANDO O EFEITO DISPOSIO ...................................................... 136 RECOMENDAES ................................................................................ 138 O IMPACTO DA PESQUISA NO PESQUISADOR ................................ 139

REFERNCIAS ................................................................................. 141 BIBLIOGRAFIA ............................................................................... 155 APNDICE I - Questionrio sobre Efeito Disposio .............................. 167 APNDICE II - Retornos mensais das 4 diferentes carteiras se nenhumnegcio fosse efetuado e retornos reais mdios das 4 carteiras ..................................................................... 171

APNDICE III Percentual de imveis nas 4 carteiras nos 21 trimestres .... 172 APNDICE IV - Ativos que compuseram o Simula bolsa - grficos dasquantidades totais de ativos possudos, trimestralmente, pelos participantes versus preos dos ativos e respectivos sistemas de informao ................................................ 173

LISTA DE FIGURASFigura 01 Funo Hipottica de Valor da Teoria do Prospecto ......................... 057 Figura 02 Funo Peso Hipottica da Teoria do Prospecto ............................... 057 Figura 03 Erro Aleatrio e Erro Sistemtico ....................................................... 061 Figura 04 Iluso de tica ..................................................................................... 062 Figura 05 Grfico da variao percentual mdia dos ativos no modelo de simulao ....................................................................................... Figura 06 Grfico da evoluo do desempenho das carteiras na ausncia de qualquer movimentao ao longo das 21 rodadas ............................ 107 Figura 07 Grfico dos perfis do patrimnio das carteiras no trimestre 21 ........ 110 Figura 08 Grfico da disperso do valor do patrimnio final dos participantes .111 Figura 09 Grfico da evoluo do desempenho mdio dos participantes nas quatro carteiras ao longo das 21 rodadas .......................................... 112 Figura 10 Grfico dos perfis do percentual de imveis nas carteiras no trimestre 21 ....................................................................................... 113 Figura 11 Grfico da evoluo do percentual imobilirio nas carteiras ............ 114 Figura 12 Grfico das variaes percentuais positivas, negativas e neutras nos preos dos ativos no modelo de simulao e grfico do percentual de vendas efetuados com lucro, prejuzo e pelo mesmo preo de compra efetuadas pelos participantes nos 21 trimestres da simulao ...................................................................................... 116 Figura 13 - Grfico em diagrama de disperso, da variao na quantidade de aes e da variao no preo das aes ............................................. 118 Figura 14 - Grfico em diagrama de disperso, da variao na quantidade de aes e da variao no preo das aes aps a retirada de 2 outliers 119 Figura 15 Grfico da variao do preo e da quantidade de aes no sistema da NCTY4 ......................................................................................... 125 086

Figura 16 Grfico da variao do preo e da quantidade de aes no sistema da AGRI4 .......................................................................................... 125 Figura 17 Grfico da variao do preo e da quantidade de aes no sistema da CMTL4 ........................................................................................ 126 Figura 18 Grfico da variao do preo e da quantidade de aes no sistema da INFO4 ......................................................................................... 127

LISTA DE QUADROSQuadro 01 Lista das aes no sistema de simulao .......................................... 087 Quadro 02 Resumo das principais estatsticas descritivas do patrimnio dos participantes por carteira ............................................................ 109 Quadro 03 Resumo das principais estatsticas descritivas do percentual de imveis de cada carteira .................................................................... 113 Quadro 04 Aes que estavam presentes no portflio inicial das carteiras 2 e 3 e que caram de preo .............................................................. 122 Quadro 05 Aes que estavam presentes no portflio inicial das carteiras 2 e 3 e que subiram de preo ............................................................. 122 Quadro 06 Aes que no estavam presentes no portflio inicial das carteiras 2 e 3 e que caram de preo ................................................ 123 Quadro 07 Aes que no estavam presentes no portflio inicial das carteiras 2 e 3 e que subiram de preo .............................................. 123 Quadro 08 Resumo das hipteses e seus resultados ........................................... 128

ResumoAs Finanas Comportamentais so um novo campo de estudos, que se contrapem ao pressuposto de racionalidade dos tomadores de deciso adotado pelas Finanas Modernas. A Teoria do Prospecto (KAHNEMAN E TVERSKY, 1979), uma teoria basilar das Finanas Comportamentais um modelo alternativo a Teoria da Utilidade Esperada para descrever a forma como as pessoas decidem frente a probabilidades arriscadas. Segundo a Teoria do Prospecto as pessoas apresentam averso ao risco nas escolhas que envolvem ganhos seguros e procura por riscos nas escolhas que envolvem perdas seguras, tambm, definem ganhos e perdas a partir de um dado ponto de referncia. Este ponto de referncia pode ser definido a partir das expectativas de um dado nvel de ganhos aspirados. Estes fatores geram duas tendncias comportamentais que foram investigadas neste trabalho: o efeito disposio e o efeito doao. Segundo o efeito disposio os investidores tendem a vender rapidamente os investimentos quando estes sobem de preos aps a compra e reter por muito tempo quando eles caem aps a compra. O efeito doao faz com que os investidores sejam influenciados por um portflio recebido como doao pois, normalmente definem suas expectativas de ganhos de acordo com a rentabilidade futura do portflio recebido e no pela rentabilidade futura do mercado. Utilizando uma simulao de investimentos, neste trabalho testaramse os efeitos doao e disposio, em 226 estudantes universitrios, que estavam cursando a disciplina de mercado de capitais, em 4 universidades de Santa Catarina. Os resultados encontrados demonstraram que a Teoria dos Prospectos descreveu melhor o comportamento dos participantes do que a Teoria da Utilidade Esperada. Pois, os estudantes foram afetados pelos diferentes portflios iniciais, atribudos aleatoriamente. Tambm tenderam a liquidar mais rapidamente seus investimentos quando estes subiam de preos do que quando caiam de preos, ou seja, apresentavam disposio para o risco no campo das perdas e averso ao risco no campo dos ganhos. Espera-se que os resultados desta pesquisa estimulem novos estudos empricos do comportamento dos investidores, corroborando, assim, para o desenvolvimento do campo de Finanas Comportamentais, especialmente, no Brasil.

Palavras-Chave: Teoria do Prospecto; Finanas Comportamentais; Efeito doao; Efeito disposio; Economia Experimental.

AbstractBehavior Finance is a new field of study that is a contrast to the presumed rational decision model adopted by Modern Finance. Prospect Theory (KAHNEMAN & TVERSKY, 1979), a basic theory of Behavior Finance, is an alternative model to the Expected Utility Theory for describing the way in which people decide when faced with risky probabilities. According to Prospect Theory, people have an aversion to risk in choices that involve sure gains and seek risks in choices that involve sure losses. They also define gains and loses based on a given reference point. This reference point can be defined based on the expectations of a given level of aspired gains. These factors generate two behavioral trends that were investigated in this study: the disposition effect and the endowment effect. According to the disposition effect investors tend to sell investments quickly when their prices go up after purchase and keep them for a long time when they fall after a purchase. The endowment affect indicates that investors are influenced by a portfolio received as a endowment because, normally they define their expectation of gains according to the future profitability of the portfolio received and not by the market profitability. Utilizing an investment simulator, this study tested the endowment and disposition effects in 226 university students who are taking classes in Capital Markets in 4 universities of Santa Catarina State. The results demonstrate that Prospect Theory better describes the behavior of participants than Expected Utility Theory. The students were affected by different initial portfolios that were randomly attributed. They also tend to liquidate their investments more quickly when they rise in price then when they fall in price, or that is, they have a disposition for risk in the field of losses and an aversion to risk in the field of gains. It is hoped that the results of this study stimulate new empirical studies of investor behavior, and thus contribute to the development of the field of Financial Behavior, particularly in Brazil.

Key words: Prospect Theory; Behavior Finance, Endowment Effect, Disposition Effect, Experimental Economics.

IINTRODUOEsta seo se prope a fazer um breve histrico do desenvolvimento das finanas - a comear pelas finanas tradicionais -, para tratar em seguida das finanas modernas e, finalmente, das finanas comportamentais, que, segundo Haugen (2000), podem ser englobadas nas novas finanas, e introduzir os principais conceitos deste trabalho. Tambm se prope a discutir os conceitos de racionalidade dos tomadores de deciso e da eficincia dos mercados, alm da questo da diversificao ou concentrao de investimentos, que representa um ponto de divergncia entre as escolas de finanas. A literatura no precisa em delimitar o momento em que o estudo de finanas se diferencia do estudo de economia e contabilidade, para se firmar como uma rea cientfica peculiar. Para muitos estudiosos de finanas, principalmente aqueles ligados ao mercado financeiro, o livro de Gerald M. Loeb (1935) - The Battle for Investment Survival marca o nascimento das finanas. Juntamente com Graham e Dodd (1934), Willians (1938) e Dewing (1953), este livro de Loeb formou algumas geraes de analistas financeiros. A anlise financeira tradicional supe que o mercado nem sempre est certo e que possvel ganhar dinheiro descobrindo quando o mercado est errado (LOEB, 1935). Entende-se por mercado a soma de todos os investidores que compram e vendem determinado ativo em um mercado organizado. A teoria financeira tradicional considera que os mercados esto sujeitos a comportamentos irracionais. Considera-se que um mercado se comporta de forma irracional quando muitos investidores esto muito otimistas e dispostos a pagar o que os ativos no valem, ou muito pessimista quando no esto dispostos a pagar o que os ativos valem em relao ao seu fluxo de caixa descontado.

TEORIA DO PROSPECTO: UMA INVESTIGAO UTILIZANDO SIMULAO DE INVESTIMENTOS

A literatura sobre irracionalidade de mercados ampla. Em 1841, Charles Mackay (19951) publicou um tratado sobre as irracionalidades dos mercados e dos homens de negcios. Kindleberger (1996) procurou descrever a gnese de uma mania especulativa. Chancellor (2001) retratou oito casos clssicos de especulao financeira nos quais, aparentemente, a racionalidade dos agentes econmicos no se manifestou. A idia de que os mercados pudessem se comportar de forma irracional contrariava os princpios da teoria da utilidade (BERNOULLI, 19542). De acordo com esta teoria, em condies de incerteza as pessoas racionais processam as informaes objetivamente; consideram toda informao disponvel e respondem a novas informaes com base em um conjunto claramente definido de preferncias. Assim, investidores racionais, ao comprar uma ao ou ativo, processam as informaes disponveis objetivamente e os erros que cometem na previso do futuro so aleatrios e no resultantes de uma tendncia de otimismo ou pessimismo (BERNSTEIN, 1997 p. 187). O conceito de racionalidade do tomador de deciso, presente na Teoria da Utilidade, se fortaleceu significativamente com Von Neumann (1928). Posteriormente, Von Neumann e Morgenstern (1944), em um artigo que tratava da Teoria dos Jogos, consolidaram a idia de comportamento econmico racional e da racionalidade na tomada de decises econmicas. Segundo eles, com base na premissa da racionalidade dos tomadores de deciso, os mercados no poderiam ser previstos nem poderiam se comportar irracionalmente. Como se ver na seqncia, a hiptese da racionalidade do tomador de deciso basilar nas finanas modernas. A Teoria dos Jogos causou grande impacto na economia e nas finanas. Grandes economistas, como Adam Smith, Irving Fisher e John Maynard Keynes, no trabalhavam com a suposio de que o homem fosse racional (The Economist, Dezembro 18-24, 1999). Porm, aps essa teoria, a Economia foi dominada pelos chamados economistas racionalistas, que passaram a utilizar intensamente a matemtica em seus modelos econmicos. O pressuposto do homem econmico racional e, principalmente, de mercado racional cresceu muito a partir de Von Neumann e Morgenstern (1944). Um mercado

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Reimpresso do original de 1841 Reimpresso do original de 1738

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considerado racional se o movimento dos preos seguir um caminho aleatrio e, portanto, no puder ser previsto. O movimento chamado de racionalista, desencadeado nas Cincias Econmicas, no tardou a se refletir no campo das finanas. Logo no incio dos anos cinqenta, Markowitz (1952) publicou um artigo histrico Portfolio selection, no Journal of Finance. Neste artigo, foram colocadas as bases das novas finanas, pois considerava que os mercados no poderiam ser previstos, portanto um investidor individual no poderia ganhar sistematicamente mais do que a mdia do mercado, ou seja, as bases do conceito de mercado eficiente que s foi formalizado anos mais tarde por Fama (1970). Assim, as finanas incorporam os pressupostos da racionalidade e imprevisibilidade dos mercados desenvolvidos pela teoria dos jogos. Markowitz (1952) definiu risco, pela primeira vez, como uma varivel aleatria e tratava da forma como risco e o retorno se comportavam quando ativos adicionais eram adicionados a uma carteira. Este conceito de risco embasou a idia de diversificao de investimentos. A defesa da diversificao parte do pressuposto que os mercados no podem ser previstos e que os investidores, portanto, no podem obter uma rentabilidade superior da mdia do mercado. A defesa da imprevisibilidade dos mercados e da diversificao dos investimentos causou uma ruptura nas finanas. As finanas que passaram a adotar as premissas da racionalidade dos tomadores de deciso, da imprevisibilidade dos mercados, passaram a se chamar de Finanas Modernas; em oposio, as finanas que defendiam a previsibilidade dos mercados e a concentrao dos investimentos passaram a se chamar Finanas Antigas ou Tradicionais. Aprimorando a teoria das Finanas Modernas, no incio da dcada de sessenta, Modigliani e Miller (1961) defenderam a irrelevncia do pagamento dos dividendos para o preo das aes. Segundo eles, o pagamento de dividendos irrelevante para a riqueza total dos acionistas. Sharpe (1964), baseado nas premissas de que o investidor racional, avesso ao risco e sempre procura maximizar seu bem-estar, formulou um modelo para avaliar ativos em condies de risco: o CAPM (Capital Asset Pricing Model).

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Fama (1970) formalizou de forma mais precisa um mercado eficiente. Porm, a noo de um mercado eficiente j tinha sido mencionada por Gibson (1889, apud Shiller 2000, p. 162). Gibson afirmou que quando as aes se tornam publicamente conhecidas no mercado aberto, o valor que elas adquirem pode ser considerado como o julgamento mais inteligente a respeito delas. Tambm, corroborando com a idia de eficincia dos mercados Bachelier (19953), afirmou que a esperana matemtica do especulador zero. Em um mercado eficiente, os preos dos ttulos refletem completamente as informaes disponveis naquele momento. Em um mercado perfeitamente eficiente, no se pode ganhar de forma sistemtica mais que a mdia do mercado. De acordo com a opinio de Haugen (2.000 p 16 e 17), as Finanas Modernas e a Moderna Teoria de Portflios sustentam-se nestes quatro paradigmas: 1) Teoria de Portflio (MARKOWITZ, 1952); 2) Teorema da Irrelevncia (MODIGLIANI E MILLER 1961); 3) CAPM (SHARPE, 1963, 1964) e 4) Hiptese do Mercado Eficiente (FAMA, 1970). Alm destes trabalhos, tambm bastante importantes foram: Tobin (1958), Treynor (1961), Lintner (1965), Mossin (1966) e Black (1972). As Finanas Modernas e a Moderna Teoria de Portflio (MTP) consideram que os investidores agem racionalmente no mercado financeiro e consideram toda a informao disponvel para tomar decises. Neste ambiente, o investidor no tem como tirar proveito de outros investidores menos informados ou que estejam agindo irracionalmente. Portanto, no consegue ganhar com estratgias especulativas e tem maior retorno aplicando em uma carteira de mercado (S, 1999:24). De acordo com a opinio de Shiller (2000, p. 163), A teoria dos mercados eficientes tem por base que habilidades diferentes no levam a desempenhos diferentes nas aplicaes. A teoria afirma que as pessoas mais inteligentes no sero capazes de se sair melhor que as menos inteligentes. Em termos de retorno esperado sobre os investimentos, pode-se escolher aes aleatoriamente. A discusso sobre a eficincia dos mercados ainda um dos tpicos no resolvidos em finanas. Tambm, como se viu, um dos pressupostos da teoria de mercados eficientes

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que os investidores agem racionalmente (FAMA, 1970). Ento, a discusso acerca da racionalidade dos tomadores de deciso tem importncia capital para as finanas. Na dcada de cinqenta, no campo da psicologia tambm se iniciou um intenso debate sobre a racionalidade dos tomadores de deciso. Na poca em que Markowitz formulou seu artigo, a psicologia era dominada pela escola behaviorista. Para os behavioristas, todo o comportamento humano poderia ser explicado pelas relaes estmulo-resposta (SKINNER, 1957). Segundo Skinner (1957), as decises que no levassem em considerao a razo seriam punidas com estmulos negativos. Assim, os estmulos negativos induziriam os humanos a utilizar a razo para tomar decises. Porm, a pressuposio de que o comportamento humano pudesse ser sempre explicado por uma sucesso de estmulos e respostas comeou a ser duramente criticada. No final da dcada de 50, alguns psiclogos influentes (MILLER, GALENTER E PRIBRAN, 1960; NEWELL, SHAW E SIMON 1957), insatisfeitos com as explicaes dos behavioristas tradicionais para uma srie de comportamentos humanos, iniciaram um novo campo de estudos chamado Psicologia Cognitiva. Um dos campos de estudos da Psicologia Cognitiva trata do processo de tomada de deciso dos humanos (STERNBERG, 2000 p 39). O estudo deste processo foi introduzido como tpico de estudo da Psicologia por Edwards (1954). Ao estud-lo, os psiclogos verificaram que em algumas situaes especficas os seres humanos violavam princpios da racionalidade ao tomarem a deciso. Simon (1956) props um modelo de racionalidade alternativo ao de Von Neumann e Morgenstern (1944). Para Simon, os humanos utilizam uma estratgia de deciso que ele chamou de Satisfying. Como os humanos, normalmente, tm dificuldades para considerar e avaliar todas as opes envolvidas em uma escolha, eles, normalmente, consideram somente algumas opes para tomar a deciso necessria. Em todo processo decisrio humano, somente em casos excepcionais se procura a alternativa tima; na maior parte dos casos, age-se sob condies de racionalidade limitada (bounded rationality).

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Tambm Allais (1953) questionou a o pressuposto de racionalidade dos tomadores de deciso. Em um experimento com prospectos arriscados4, ele demonstrou que o axioma da substituio da Teoria da Utilidade era violado pela maioria dos participantes. Segundo o axioma da substituio, se B preferido em relao a A, ento qualquer prospecto com probabilidade p de B (B,p) deve ser preferido a um prospecto com a mesma probabilidade p de A (A, p). Aps o trabalho de Allais, vrios outros foram publicados, demonstrando violaes dos axiomas da teoria da utilidade esperada (EDWARDS, 1955, 1962; QUIGGIN, 1982; SEGAL, 1987; QUIGGIN e WAKKER, 1994). Estes trabalhos demonstraram que algumas vezes os seres humanos violam os axiomas da racionalidade. Dois psiclogos cognitivos, Amos Tversky e Daniel Kahneman, foram alm da simples demonstrao de violao dos axiomas. Eles se preocuparam em criar um modelo descritivo da forma utilizada pelos humanos para tomar decises (KAHNEMAN e TVERSKY, 1972, 1973; TVERSKY e KAHNEMAN, 1971, 1973, 1974, 1982). Inicialmente, estes psiclogos notaram que os humanos utilizavam regras heursticas para tomar decises. Segundo Sternberg (2000), regras heursticas so atalhos mentais ou regras empricas para encontrar uma soluo para dado problema. A interferncia dessas regras em processos de deciso foi descrita em Tversky e Kahneman (1974). A utilizao de regras heursticas, na viso destes autores, pode gerar vieses nas decises. Um vis de deciso (biases) uma tendncia sistemtica de violar os axiomas da racionalidade ampla. Um fato importante que o vis pode, igualmente, afetar de forma semelhante um grande nmero de pessoas. Um segundo fator gerador de vieses de deciso foi agrupado sob o nome de Teoria do Prospecto - Prospect Theory5 (KAHNEMAN e TVERSKY, 1979). De acordo com essa teoria, os humanos utilizam duas fases no processo de escolha: a primeira, para editar os prospectos arriscados; a segunda, para avaliar estes prospectos. A fase de4 Prospectos arriscados so problemas com alternativas de ganhos ou perdas com probabilidades conhecidas. Algumas vezes, na literatura econmica, estes prospectos so chamados de loterias. 5 Em alguns trabalhos em lngua portuguesa, Prospect Theory traduzida como Teoria das Perspectivas. Neste trabalho ser utilizada a traduo Teoria dos Prospectos. Em uma conversa que Bernstein (1997, p. 270) teve com Daniel Kahneman e Amos Tversky, Bernstein perguntou o porqu de um nome to diferente do assunto tratado. Apenas quisemos dar um nome que as pessoas notassem e lembrassem, responderam.

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editar consiste em uma anlise preliminar das probabilidades oferecidas quando, freqentemente, se faz uma simplificao das probabilidades. Na segunda fase, as probabilidades editadas so avaliadas e a probabilidade de valor mais alto escolhida. A separao das decises em duas fases e, particularmente, a utilizao da fase preliminar de editar, que tenta simplificar o processo, muitas vezes gera vieses de deciso ou erros sistemticos. A existncia de erros sistemticos no mercado financeiro no compatvel com as Finanas Modernas. A possibilidade de existncia de erros sistemticos no processo de deciso causa uma ruptura nas finanas. Talvez por este fato a Econometrica, considerada por muitos como um dos mais prestigiosos peridicos econmicos, tenha aberto espao para um artigo de Kahneman e Tversky, (1979), que so psiclogos. Kahneman6 recebeu o Prmio Nobel de Economia de 2002 e a Academia Real de Cincias Sueca citou o artigo da Econometrica como um dos pontos decisivos para a concesso do prmio. A tendncia dos investidores a cometer erros sistemticos de avaliao chamada de iluso cognitiva (KAHNEMAN, SLOVIC e TVERSKY, 1982). Segundo Tversky e Kahneman, (1974), da mesma forma que os humanos tm dificuldade para julgar subjetivamente quantidades fsicas, tambm tm dificuldades para julgar subjetivamente probabilidades. Para Kahneman e Hall (1998), as iluses cognitivas so como iluses de tica; apesar de fceis de entender, so muito difceis de eliminar. Para eles, o objetivo de apreender sobre iluso cognitiva, e sua influncia no processo de tomada de deciso, poder reconhecer as situaes em que este erro particular pode se manifestar. Reconhecer as iluses cognitivas pode ajudar o investidor a evitar erros no processo de alocao de ativos e, por conseqncia, melhorar suas performances como investidor. Apesar de todos os avanos no estudo da tomada de deciso por parte dos psiclogos cognitivos, faltava algum para fazer a unio entre a Economia e a Psicologia Cognitiva. A unio foi feita por Richard Thaler.

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Amos Tversky faleceu em 1996.

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Thaler comeou a se interessar por anomalias durante a elaborao de sua tese de doutorado na Universidade de Rochester. Em 1978, tomou conhecimento do artigo Judgment under uncertainty: Heuristics and biases, de Tversky e Kahneman, (1974). Segundo Thaler, aps ler o artigo ele mal podia se conter, tamanho fora o impacto (THALER, 1994 p. xii). Um ano aps, em 1979, veio a conhecer pessoalmente Tversky e Kahneman. O primeiro artigo de Thaler (1980) foi recusado por todas as publicaes econmicas importantes. Finalmente, foi aceito pelo estreante Journal of Economic Behavior and Organization, dedicado economia comportamental e organizacional. Atualmente, Thaler professor em Chicago, templo maior da economia, porm algumas de suas idias at hoje causam um certo desconforto em economistas mais ortodoxos. Thaler aproximou a Economia da Psicologia e, neste contexto, est na vanguarda de um grupo de economistas acadmicos que reagiram s falhas do comportamento racional. O artigo de Kahneman e Tversky (1979), na Econometrica, considerado um dos jornais de maior prestgio no campo econmico, um marco da aproximao da Psicologia e da Economia e Finanas. Tversky, Kahneman e Thaler inauguraram um novo campo de estudos, chamado por eles de Finanas Comportamentais (BERNSTEIN, 1997, p. 288). Em seu primeiro artigo publicado, Thaler (1980) observou que um colega, economista e enfilo, tinha comprado algumas garrafas de vinho Bordeaux alguns anos antes por US$ 10,00 (dez dlares americanos); este mesmo vinho era vendido na poca por US$ 200,00 (duzentos dlares americanos) em leiles. O economista, ento, bebia algumas garrafas em ocasies especiais, porm, no comprava novas garrafas e tampouco aceitava vender as garrafas pelos US$ 200,00 (duzentos dlares americanos). Thaler (1980) nomeou este fenmeno de efeito doao (endowment effect). Tal efeito acontece porque as pessoas freqentemente exigem um preo muito mais alto para vender um objeto do que estariam dispostos a pagar pelo mesmo objeto (THALER, 1980). Uma demonstrao do efeito doao, em laboratrio, foi conseguida por Knetsch e Sinden (1984). Eles distriburam para a metade de um grupo de alunos um ticket de loteria; a outra metade recebeu dois dlares. Algum tempo depois, foi oferecida a

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oportunidade de trocar os tickets de loteria por dois dlares e vice-versa. Um nmero muito pequeno de participantes aceitou essa troca. O efeito doao a primeira iluso cognitiva que vai ser testada neste trabalho. Tambm vai se testar o efeito disposio. Este efeito resultante do efeito reflexo, descrito na Teoria do Prospecto (KAHNEMAN e TVERSKY, 1979), segundo o qual os humanos tendem a ser avessos ao risco quando esto no campo dos ganhos, e propensos ao risco quando esto no campo das perdas. O efeito reflexo demonstra uma assimetria no modo como se tomam decises envolvendo ganhos ou perdas. Uma demonstrao do efeito reflexo foi dada por um experimento com prospectos arriscados, conduzido por Kahneman e Tversky (1979). Neste experimento, a maioria das pessoas preferiria um ganho certo de $3.000 a uma possibilidade de ganhar $4.000 com 80% de chance. Como o valor esperado de (4.000, 0,8) de $3.200, o grupo demonstrou averso ao risco, como se poderia prever pelo axioma da mxima utilidade esperada da teoria da racionalidade (VON NEUMANN e MORGENSTERN, 1944). Porm, em um outro prospecto para o mesmo grupo anterior, foi oferecida uma perda segura de $3.000 ou um prospecto arriscado de 80% de chance de perder $4.000. A maioria dos participantes preferiu arriscar. Como o valor esperado de ($-4.000, 0,8) de $-3.200, o grupo apresentava propenso ao risco. Assim, o mesmo grupo no primeiro experimento apresentou averso ao risco e no segundo experimento apresentou propenso ao risco. O efeito reflexo pode causar vieses de deciso nos investidores, por exemplo, a averso a realizar perdas ou efeito disposio - disposition effect (SHEFRIN e STATMAN 1985). Segundo o efeito disposio, os investidores tendem a manter por muito tempo em carteira aes com desempenho baixo e a venderem muito rpido aquelas com desempenho positivo (SHEFRIN e STATMAN 1985; ODEAN, 1998). As finanas comportamentais estudam o comportamento do investidor, particularmente no que tange forma como ele toma a deciso. Ela considera que os investidores no agem sempre racionalmente e que muitas vezes so afetados por iluses cognitivas que na maioria das vezes so prejudiciais aos investidores. A identificao e a compreenso

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das iluses cognitivas, bem como seus efeitos e formas de evitar estes efeitos, so os principais objetivos das finanas comportamentais (NOFSINGER, 2001). Hauguen (2000) passou a chamar as finanas que aceitam a irracionalidade dos investidores de Novas Finanas; elas tm como base a Estatstica, a Econometria, fatores ad hoc, e a Psicologia. Ele considera que as finanas comportamentais esto inseridas nas novas finanas. De acordo com as novas finanas, o mercado ineficiente e, assim, a melhor combinao entre risco e retorno no obtido com a de carteira mercado. Hauguen (2000, p. 20) diz que o mercado ineficiente comete muitos erros ao determinar o preo das aes. Estes erros resultam em tendncias. Aes com caractersticas especficas tendem a gerar retornos maiores. Assim, nas novas finanas a melhor carteira no a de mercado e a diversificao no mais o objetivo bsico dos investidores. Neste trabalho se utilizar a denominao finanas comportamentais, j que se ocupar apenas da parte comportamental das finanas. Pretende-se testar o efeito de duas iluses cognitivas - o efeito disposio e o efeito doao - em um mercado financeiro simulado. 1.1 TEMA DA PESQUISA

A influncia de duas iluses cognitivas em investidores - o efeito disposio (disposition effect) e o efeito doao (endowment effect) constituir o tema deste trabalho. Segundo Kahneman e Hall (1998), as decises financeiras so tomadas em situaes de alta complexidade e alta incerteza. Freqentemente, a carga emocional do momento da deciso financeira enorme. Este ambiente leva o investidor a confiar na intuio, que, muitas vezes, tem um papel crucial na maioria das decises financeiras. Neste ambiente surgem preconceitos de julgamento que o afastam da plena racionalidade. Assim, uma iluso cognitiva um agrupamento de preconceitos e vieses de deciso que afetam um grande nmero de investidores de forma semelhante. A primeira iluso cognitiva que se pretende estudar o efeito disposio. O efeito disposio resultado do efeito reflexo. O efeito reflexo faz os investidores apresentarem averso ao risco quando esto ganhando e propenso ao risco quando esto perdendo (KAHNEMAN E TVERSKY, 1979).

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Uma das tendncias que o efeito reflexo pode gerar nos investidores a venda muito rpida de aes com desempenho positivo (vencedoras) e manuteno por muito tempo de aes com desempenho negativo (perdedoras). Este fenmeno tambm conhecido como averso a realizar perdas, ou efeito disposio - disposition effect (SHEFRIN e STATMAN, 1985; BARBER e ODEAN, 1999). Normalmente, a recomendao dos analistas profissionais vender rapidamente as aes com perdas e manter as aes com ganhos (CONSTANTINIDES, 1983 e 1984). Klipp (1995, p. 102) diz: Para ser um negociador de sucesso, eu devo amar perder dinheiro e odiar ganhar dinheiro... O primeiro prejuzo o melhor prejuzo7, ou seja, ele recomenda que os investidores rapidamente vendam as aes perdedoras. Os analistas profissionais normalmente criticam a tendncia de realizao de ganhos muito rpido. Ao contrrio de realizar ganhos, os analistas sugerem que os investidores coloquem ordens de Stop Loss8 para proteger os ganhos9. Supondo que um investidor compre uma ao por R$ 1,00, se algumas semanas depois ela estiver sendo negociada a R$ 1,20, os analistas recomendam que ele coloque uma ordem de stop a R$ 1,15. Se a ao cair de preo, o investidor garante 15% de retorno, porm, se a ao subir para R$,1,40 o investidor poder alterar a ordem de stop para R$1,30. A idia bsica deixar os ganhos aumentarem e criar barreiras para proteger os ganhos em caso de queda. Diversos trabalhos demonstraram que os investidores realmente tm tendncias a vender rpido as aes com ganhos e a reter por longo tempo as aes com perdas. Shefrin e Statman (1985) trabalharam com dados de negociao com aes colhidas entre os anos de 1964 e 1970 por Schlarbaum, Lewellen e Lease (1978). Nestes dados, 58% das negociaes realizadas em at 30 dias aps a compra foram feitas com aes que subiram de preo (vencedoras). Entre um e seis meses, 57% das negociaes foram feitas com aes vencedoras e entre 7 e 12 meses, as negociaes com aes vencedoras representaram 59% das transaes. Shefrin e Statman (1985) tambm trabalharam com7 to be a successful trader, I must love to lose money and hate to make money.The first loss is the best loss; there is no better loss than the first loss... 8 Ordens de Stop Loss ou simplesmente Stop so ordens que o investidor d para a corretora para que venda uma ao a mercado (pela melhor oferta da hora) assim que uma determinada cotao prdeterminada for atingida. Tambm se pode dar a ordem de compra, por exemplo, se uma ao determinada atingir uma cotao x compre esta ao a mercado (pela melhor oferta de venda da hora). 9 Ver questionrio no apndice 1.

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dados de fundos de investimentos e os resultados foram semelhantes. Eles concluram que a tendncia de vender aes ou fundos vencedores era forte e contrariava a recomendao comum dos analistas financeiros e as recomendaes de ordem fiscal. Segundo a teoria dos mercados eficientes, os preos devem descrever um caminho aleatrio (random walk). Assim, em um mercado estvel, as vendas com lucro devem se igualar s vendas com prejuzo. No perodo compreendido na pesquisa de Shefrin e Statman (1985), o mercado ficou relativamente estvel e subiu 9,51% nos sete anos da pesquisa. A variao mdia diria foi de apenas 0,0074% ao dia, com um desvio padro de 0,00659; houve 842 dias de baixa e 886 dias de alta e em 8 dias o mercado fechou estvel. Odean (1998) tambm testou a tendncia dos investidores de vender as aes vencedoras e manter as perdedoras. O estudo foi feito utilizando uma amostra de 10.000 contas em uma grande corretora americana. Ele chegou concluso de que os investidores tinham a tendncia de vender muito cedo as vencedoras e a manter por muito tempo as perdedoras; porm, esta tendncia se invertia no ms de dezembro. Segundo ele, a inverso da tendncia no ms de dezembro provavelmente ocorreu devido legislao do imposto de renda americano, que permite que os investidores compensem o prejuzo durante o ano fiscal. Barber e Odean (1999), em um amplo estudo sobre o efeito reflexo, trabalharam com 10.000 contas de investimentos em aes selecionadas aleatoriamente entre as que tinham realizado pelo menos uma transao em 1987. Analisando 162.948 transaes de aes, no perodo de janeiro 1987 a janeiro de 1993, eles concluram que os investidores eram significativamente afetados pelo efeito disposio. Segundo a metodologia adotada por Barber e Odean, a proporo mdia mensal de perdas realizadas (PLR) foi de 0,098 e a proporo de ganhos realizados (PGR) foi de 0,148. Boebel e Taylor (2000) analisaram 125 contas-clientes de uma grande corretora de aes da Nova Zelndia entre 1 de junho de 1988 e 30 de abril de 1999. Estes dados diferiam dos utilizados por Odean por dois motivos: o primeiro, que a legislao de imposto de renda da Nova Zelndia no permite que os prejuzos em negociaes com aes sejam abatidos do imposto e o segundo que a corretora analisada oferecia aconselhamento de experts em mercado de aes aos seus clientes. Boebel e Taylor

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no identificaram o efeito disposio nos clientes mais ativos (que realizam mais negcios), porm identificaram o efeito nos clientes menos ativos. Locke e Mann (2000) trabalharam com dados do mercado de commodities da Chicago Mercantile Exchange (CME) durante o ano de 1995. Eles analisaram negociaes de marco alemo, franco suo, gado vivo e carne de porco. Normalmente, nestes mercados somente profissionais atuam. Locke e Mann concluram que os traders profissionais tambm eram afetados pelo efeito disposio, pois realizavam rapidamente os ganhos e retinham por mais tempo os prejuzos. Chiu, Chen, Yeh e Shu (2001) conduziram um estudo com 13.337 investidores de fundos mtuos de uma Investment Trust Company em Taiwan. Os investidores foram selecionados aleatoriamente entre os clientes e o estudo compreendeu o perodo de janeiro de 1996 a dezembro de 2000. Eles verificaram forte influncia do efeito disposio nos investidores. Este efeito foi atenuado nos meses de janeiro e fevereiro. Segundo os autores, esta alterao nesses meses pode ter ocorrido pela forte necessidade de dinheiro por parte dos investidores para fazer frente aos gastos com a celebrao do ano novo lunar chins. Outros estudos (JACOBSEN e BROUWER, 2001; BROWN et al., 2002; GRINBLATT e HAN, 2001) tambm comprovaram que o efeito disposio afeta os investidores. A segunda iluso cognitiva que se pretende estudar o efeito doao. O efeito doao (endowment effect) foi descrito pela primeira vez por Thaler (1980). De acordo com ele, as pessoas costumam exigir por um objeto um preo muito mais alto do que elas estariam dispostas a pagar por este mesmo objeto. Como visto anteriormente, Thaler (1980) identificou o efeito doao a partir de uma observao do apego por algumas garrafas de vinho por um colega economista e enfilo. Tambm Knetsch e Sinden (1984), como relatado anteriormente, conseguiram uma demonstrao do efeito doao em laboratrio com um experimento com tickets de loteria. Em um outro teste do efeito doao, Kahneman, Knetsch e Thaler (1990) distriburam canecas de caf decoradas para metade dos estudantes de uma classe de uma universidade americana e no deram nada para a outra metade. A seguir, eles distriburam um questionrio em que perguntavam para aqueles que tinham recebido as

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canecas por que valor eles estariam dispostos a vender este objeto, e, para aqueles que no tinham recebido nada, quanto eles estariam dispostos a pagar pelas canecas. Os vendedores exigiam um preo mdio de $ 7,12 e os compradores estavam dispostos a pagar, em mdia, $ 3,12. Canecas semelhantes poderiam ser compradas na livraria da universidade por $ 5,00. Samuelson e Zeckauser (1998) tambm verificaram que no momento de decidir a tendncia preferir a situao corrente a uma proposta de alterao. Eles chamaram este fenmeno de tendncia ao status quo, status quo bias. Chegaram a esta concluso estudando uma alterao no sistema de planos de sade promovido pela Universidade de Harvard. A universidade introduziu uma nova opo de plano de sade para os professores novos; a maioria dos que ingressavam em Harvard preferia o plano novo, porm, os antigos, que tinham a opo de mudar de plano, raramente faziam esta opo. Johnson et al. (1993) estudaram uma alterao do sistema de seguros obrigatrios de automveis, promovida simultaneamente pelos estados norte-americanos da Pennsylvania e Nova Jersey. Os dois estados estavam criando uma alternativa mais barata, limitada s pessoas seguradas; em cada um dos estados, porm, a opo default era diferente. No estado em que a opo mais barata era default, a maior parte dos segurados permaneceu nesta opo. Onde a opo mais completa era default, a maior parte dos segurados permaneceu com o seguro mais caro, demonstrando uma exagerada preferncia pelo status quo. Kahneman, Knetsch e Thaler (1991) consideram que tanto a tendncia ao status quo quanto o efeito doao so a manifestao da assimetria de valor descrita por Kahneman e Tversky (1984) chamada de averso a perdas: loss aversion. Segundo a averso a perdas, os homens tendem a sentir mais dor por uma perda do que o prazer por um ganho semelhante. Igualmente, parecem sentir mais dor por perder um objeto do que pela utilidade que julgam que ele tenha (KAHNEMAN e TVERSKY, 1984). Assim, segundo Kahneman, Knetsch e Thaler (1991), a tendncia ao status quo e o efeito doao so resultantes da averso a perdas. Knez, Smith e Williams (1985) argumentaram que a discrepncia entre o preo de venda e o preo de compra poderia ser explicada pelos impensados hbitos de barganha

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de sub-avaliar a disposio para pagar - willingness to pay (WTP) - e superestimar o mnimo preo aceitvel para vender - willingness to accept (WTA). Coursey, Hovis e Schultze (1987) relataram que a discrepncia entre WTP e WTA diminua medida que os negociantes ganhassem experincia. Knetsch e Sinden (1987) verificaram que a discrepncia entre WTP e WTA realmente diminua com a experincia dos negociantes, porm nunca era eliminada. Kahneman, Knetsch e Thaler (1990) efetuaram vrios experimentos para verificar se a discrepncia entre WTP e WTA poderia ser eliminada pela experincia. Eles concluram que a discrepncia no poderia ser eliminada. Porm, a literatura no conclusiva sobre a possibilidade de o efeito doao ou discrepncia entre WTP e WTA desaparecer com a experincia. Knez Smith e Williams (1985), Coursey, Hovis e Schulze (1987), Brookshire e Coursey (1987) e Shogren et al. (1994) chegaram concluso de que, com a experincia dos negociadores, a discrepncia entre WTP e WTA e o conseqente efeito doao tende a desaparecer ou ficar muito pequeno. Kahneman, Knetsch e Thaler (1991) efetuaram novos testes e reafirmaram que o efeito doao e a tendncia do status quo permanecem mesmo com a experincia. Mais recentemente, teorias alternativas tentaram explicar a divergncia entre WTP e WTA, incluindo custos de compromisso (ZHAO e KLING, 2001) e custo de aquisio de informao (KOLSTAD e GUZMAN, 1999). Assim, as teorias mais recentes acreditam que o efeito doao apenas uma das possibilidades para explicar a divergncia entre WTP e WTA, que tambm poderia ser explicada pelos custos de compromisso e o custo de informao. Uma das tendncias que o efeito doao pode gerar nos investidores a de permanecer por muito tempo com um portflio que ele tenha recebido pronto. Por exemplo: um herdeiro que tenha recebido uma herana integralmente alocada em um determinado ativo tende a permanecer com este portflio por longo tempo. Nofsinger (2001) relata, como exemplo do efeito doao, o caso de sua esposa, que recebeu uma herana integralmente aplicada em U.S. savings bonds, que so investimentos ultraconservadores e de baixa rentabilidade. Apesar de ter grande

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conhecimento financeiro e concordar que, em funo de sua idade e de seu patrimnio, a melhor aplicao para o montante recebido seria em investimentos mais arriscados e de melhor rentabilidade, ela permaneceu com o investimento recebido como doao. Krahnen, Rieck e Theissen (1997) conduziram um experimento em um mercado financeiro artificial10 com estudantes de graduao de Economia e Administrao da Universidade de Giessen. Com a finalidade de testar o efeito doao, eles distriburam para metade dos participantes um portflio composto de investimentos em aes e para a outra metade um investimento em dinheiro. Ao final de 14 rodadas do mercado artificial, eles notaram que os participantes que tinham recebido somente aes tinham maiores propores em aes do que aqueles que tinham recebido somente dinheiro. Assim, eles concluram que o portflio inicial tinha influncia na composio final da carteira mesmo aps 14 rodadas, e assim aceitaram a hiptese de que o efeito doao interfere nos investidores. Com a presente pesquisa, pretende-se verificar a influncia do efeito disposio e do efeito doao em decises de investimento. Isto ser feito utilizando um ambiente simulado de mercado de capitais, em que os participantes tero por misso gerir uma carteira de investimentos por um perodo, simulado, de 60 meses ou 20 rodadas trimestrais. 1.2 PROBLEMA

Um dos campos de estudos mais importantes de finanas o processo de alocao de investimentos. Este processo, normalmente, diferente quando se refere a empresas, fundos institucionais ou pessoas fsicas. Bayston e Droms (2000, p. 1) consideram que as caractersticas, circunstncias e oportunidades que so enfrentadas pelo investidor pessoa fsica so mais variadas e complexas do que para qualquer outra classe de investidor. Segundo eles, os investimentos feitos por pessoas fsicas ou para pessoas fsicas so um processo intrigante, pois cada indivduo diferente e a maioria no tem uma idia bem definida dos objetivos e da tolerncia a riscos. Alm disto, as caractersticas psicolgicas tm um papel fundamental na administrao de investimentos para pessoas fsicas.Um mercado financeiro artificial um jogo de empresas em que os participantes negociam aes ou outros investimentos dentro de determinadas regras que procuram imitar o mercado financeiro.10

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Raiffa (1968) divide a anlise de decises em trs categorias: anlise normativa: preocupada com a soluo racional para os problemas de deciso, define o processo de deciso ideal; anlise descritiva: relacionada maneira como as pessoas reais tomam decises de fato; anlise prescritiva: relacionada ao aconselhamento prtico para ajudar as pessoas a tomar decises mais racionais. A economia e as finanas modernas diferem de outras cincias sociais pela crena de que a maioria dos comportamentos das pessoas, ou agentes econmicos, pode ser explicada assumindo que elas tm um estvel e bem-definido padro de preferncias e sempre fazem escolhas racionais e claras (KAHNEMAN, KNETSCH e THALER, 1991). Porm, em inmeras situaes, humanos fazem escolhas no-racionais. Daniel Kahneman e Amos Tversky (KAHNEMAN e TVERSKY, 1972, 1990; TVERSKY e KAHNEMAN, 1971, 1983) sugeriam que as pessoas podem tomar decises baseadas em vieses e heursticas e que estes processos podem afetar um grande nmero de pessoas de forma bastante semelhante. Estes vieses e heursticas que afastam os tomadores de deciso da racionalidade so conhecidos como iluses cognitivas. Conhecer as iluses cognitivas pode ajudar os investidores a melhorarem sua capacidade de decidir. Tambm pode melhorar a capacidade prescritiva de analistas e conselheiros profissionais do mercado financeiro (THALER, 1993). 1.3 PERGUNTAS DE PESQUISA

Os investidores agem de forma racional ou so afetados por iluses cognitivas no processo de alocao de investimentos, conforme descrito na Teoria do Prospecto (KAHNEMAN e TVERSKY, 1979)? Para responder pergunta anterior, preciso responder a duas perguntas especficas: a) Os investidores so afetados pela iluso cognitiva do efeito doao (endowment effect)? b) Os investidores tendem a reter os investimentos quando o preo cai aps a compra e vender rapidamente os investimentos quando estes sobem de preo de acordo com o descrito no efeito disposio (disposition effect)?

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As hipteses do trabalho, inseridas no captulo de metodologia, foram estabelecidas a partir da formulao da pergunta de pesquisa. 1.4 OBJETIVOS

1.4.1 Geral Testar, atravs de uma simulao de investimentos, evidncias levantadas pela teoria do prospecto (KAHNEMAN e TVERSKY, 1979) de que os investidores so afetados pela tendncia ao status quo e pelo efeito reflexo que podem causar nos investidores as iluses cognitivas do efeito doao e disposio, violando, assim, a teoria da utilidade esperada. 1.4.2 Especficos Avaliar a validade da teoria de utilidade esperada, como um modelo normativo de escolha racional, na anlise de deciso sob condies de risco. Avaliar se os participantes de uma simulao de investimentos sero afetados pela iluso cognitiva do efeito doao. Avaliar se os participantes de uma simulao de investimentos sero afetados pela iluso cognitiva do efeito disposio. 1.5 JUSTIFICATIVA

A teoria da utilidade esperada tem dominado a anlise de tomada de decises sob risco. Ela tem sido aceita como um modelo normativo de escolha racional (KEENEY e RAIFFA, 1976) e amplamente aplicada como um modelo descritivo de comportamento econmico (ARROW, 1971; FRIEDMAN e SAVAGE, 1948). A teoria assume que todas as pessoas sensatas gostariam de obedecer aos axiomas da racionalidade (SAVAGE, 1954; VON NEUMANN e MORGENSTERN 1944) e que, na maior parte das vezes, a maioria das pessoas realmente obedece. Inmeros trabalhos, porm, tm demonstrado que os humanos em situaes cotidianas no se comportam de maneira totalmente racional (ALLAIS, 1953; SIMON, 1957;

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EDWARDS, 1955 e 1962; TVERSKY e KAHNEMAN, 1971, 1973, 1974, KAHNEMAN e TVERSKY, 1979). As falhas no processo racional de deciso fazem com que os humanos cometam erros sistemticos de avaliao de probabilidades e, por conseqncia, de riscos (TVERSKY e KAHNEMAN, 1974; KAHNEMAN e TVERSKY 1979). Estas falhas so chamadas, em Finanas Comportamentais, de iluses cognitivas. As iluses cognitivas, na opinio de Kahneman e Hall (1998), so como iluses de tica; apesar de fceis de entender, so muito difceis de eliminar. Para eles, o objetivo de apreender sobre iluso cognitiva, e sua influncia no processo de tomada de deciso, poder reconhecer as situaes em que este erro particular pode se manifestar. Reconhecer as iluses cognitivas pode ajudar o investidor a evitar erros no processo de alocao de ativos e, por conseqncia, melhorar sua performance futura. Diversos estudos empricos tm demonstrado os efeitos das iluses cognitivas (KAHNEMAN, KNETSCH e THALER, 1991; SMITH, FRANCIOSI, KUJAL, MICHELITSCH e DENG, 1996; BARBER e ODEAN, 2000). Thaler (1990) considera que os estudiosos de finanas estaro cometendo um erro se continuarem a supor dogmaticamente que os investidores so sempre racionais. Na viso de Shiller (1999), os mais significativos estudos em finanas empricas incorporam modelos de comportamento humano provenientes da psicologia, sociologia e antropologia. Nofsinger (2001) afirma que algumas decises de investimentos so afetadas por preconceitos psicolgicos, e estas decises podem ter grande impacto na riqueza, ou na falta dela, dos investidores. Em um artigo com o sugestivo nome de: O fim das finanas comportamentais, Thaler (1999) afirma que a questo atual no saber se as finanas modernas esto corretas ou no; a grande questo reconhecer que alguns investidores no agem racionalmente. Ele considera que se pode enriquecer a compreenso do mercado financeiro somando aos modelos um elemento humano que diferente do homem econmico racional. Para Thaler (1999, p. 16), em pouco tempo o termo Finanas Comportamentais no far mais sentido porque seus conceitos vo ser necessariamente incorporados teoria financeira dominante, posto que no considerar as evidncias apresentadas nos ltimos 15 anos seria irracional. O assunto Finanas Comportamentais continua; atualmente j

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no mais controverso, pois os analistas se acostumaram a pensar no comportamento humano como motriz do preo de aes. Para eles, em pouco tempo as pessoas ficaro surpresas com a forma espalhafatosa11 com que os artigos sobre finanas comportamentais eram recebidos na academia. A maior parte dos trabalhos sobre finanas comportamentais focaliza os erros que os humanos cometem. Porm, segundo Cohen (1981), a irracionalidade humana tambm limitada, pois agimos racionalmente em inmeras circunstncias. Assim como salientou Cohen (1981), os investidores podem melhorar suas performances, principalmente se obtiverem um feedback especfico quanto forma de melhorar suas decises futuras. O conhecimento, por parte do investidor, das iluses cognitivas que podem afetar o processo de deciso financeira permite-lhe evitar suas conseqncias. Desta forma, conhecer e fazer os investidores conhecerem as iluses cognitivas s quais eles esto sujeitos tem fundamental importncia para a melhoria do processo de alocao de investimentos. O estudo do efeito disposio importante porque, de acordo com uma consulta feita especialistas em mercado financeiro12 brasileiro e tambm em funo da experincia do pesquisador esta iluso cognitiva representa um dos principais fatores de reduo da rentabilidade dos investidores pessoas fsicas na bolsa de valores. At onde se tem conhecimento, nenhum estudo do efeito disposio foi efetivado no Brasil e tambm ele nunca foi estudado atravs de uma simulao de investimentos. O efeito doao tambm pode interferir fortemente na rentabilidade futura de uma carteira, j que muitos herdeiros podem ter tendncia a permanecer com a carteira que receberam como herana. O efeito doao pode imobilizar estes investidores que, algumas vezes, poderiam ganhar mais alterando o patrimnio recebido. O efeito doao foi estudado atravs de um mecanismo de leilo eletrnico por Krahnen, Rieck e Theissen (1997). Por quanto se sabe, nenhum estudo do efeito doao foi feito em um ambiente de simulao de investimentos no Brasil. A utilizao de simulaes de investimentos, seja em mercados reais seja em mercados artificiais, pode ajudar os investidores a melhorar suas performances sem os enormes11 12

Traduo do termo em ingls Fuss. Ver apndice 1.

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custos dos erros em investimentos reais. Assim, mesmo considerando que a simulao de investimentos, neste trabalho, apenas um mtodo para testar iluses cognitivas, no se pode deixar de salientar as virtudes deste efeito colateral. Com esta pesquisa pretende-se contribuir nos estudos das finanas comportamentais, especialmente na rea de aplicao de recursos de pessoas fsicas, rea em que as pesquisas ainda so incipientes. Pretende-se verificar, especificamente, se em um ambiente simulado de mercado de capitais, onde inexistem custos de transao, os investidores tendem a reter os investimentos perdedores por muito tempo e a liquidar investimentos lucrativos muito cedo. Tambm se pretende investigar se o portflio inicial recebido como doao interfere no desempenho dos investidores e saber por quanto tempo dura este efeito. 1.6 ESTRUTURA DO TRABALHO

Esta pesquisa foi organizada em cinco captulos. Este primeiro captulo introduziu o tema de pesquisa, exps o problema, os objetivos e a justificativa do trabalho. O captulo dois forneceu a literatura acadmica necessria compreenso e fundamentao do trabalho. O captulo trs mostrou o design e o mtodo de pesquisa. A descrio da simulao de mercado de capitais, os resultados alcanados, a anlise dos resultados foram apresentados no captulo quatro. As concluses, limitaes e recomendaes de pesquisa foram apresentadas no captulo cinco.

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IIFUNDAMENTAO TERICA2.1 CONTEXTUALIZAO

Neste captulo ser feita uma reviso da literatura de finanas, ressaltando as peculiaridades relativas gesto de investimentos, das finanas antigas, modernas e comportamentais. O processo de gesto de investimentos est inserido no campo de finanas, embora se deva fazer uma distino entre finanas e administrao financeira. Normalmente, a administrao financeira compreende a gesto de recursos internos da empresa (ROSS, WESTERFIELD e JAFFE, 1995; SANVICENTE, 1995; GITMAN, 1987). Segundo Gitman (1987), a administrao financeira est ligada economia e contabilidade, porm, distinta destas duas cincias, pois, segundo este autor, a gesto de caixa e a solvncia da empresa constituem o papel principal da administrao financeira. Brealey e Myers (1992, p. 4) tm uma viso um pouco mais ampla. Segundo eles, o gestor financeiro um mediador entre as operaes da empresa e o mercado de capitais. Eles afirmam, porm, que o gestor financeiro o responsvel por uma deciso significativa de investimento ou financiamento na empresa (BREALEY e MYERS,1992, p. 5). Apesar de considerarem que o administrador financeiro tem compromissos com o mercado, eles fixam claramente o escopo da atuao deste profissional como interno empresa. Assim, a gesto de investimentos parte do estudo de finanas, mas no da administrao financeira. Segundo Miller (1999), o enorme corpo de pesquisa em finanas nos ltimos quarenta anos se divide em dois caminhos: o da escola de economia e o da escola de administrao, que ele prefere tradicional diviso entre gesto de patrimnio e finanas corporativas.

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Para Miller (1999), ainda hoje so poucas as universidades que tm um departamento de finanas especfico e no h consenso em que rea exatamente o Departamento de Finanas deva ser alojado. Em algumas das grandes universidades mundiais ele est subordinado ao Departamento de Economia; em outras, dentro do Departamento de Administrao. Neste trabalho, entende-se que as finanas englobam toda a gesto de recursos do mercado de capitais, incluindo a administrao financeira. Desta forma trabalha-se no campo que Miller (1999) classifica como escola de economia, ou, de acordo com a viso tradicional, no campo da gesto patrimonial asset management. 2.2 TEORIA TRADICIONAL DE FINANAS (FINANAS ANTIGAS)

A base da anlise financeira tradicional a formao de carteiras de investimentos capazes de oferecer retornos superiores aos ndices mdios de mercado. Os modelos de avaliao de aes tentam revelar a ocorrncia de m precificao dos preos dos ativos pelo mercado, o que permite ao investidor ganhar do mercado atravs da incorporao ou eliminao da m precificao dos ativos que, porventura, forem identificados como subavaliados ou sobrevalorizados, respectivamente (BUENO, 2002). Ganhar do mercado significa ter uma remunerao maior que a mdia do desempenho do mercado. O desempenho do mercado normalmente representado por um ndice de mercado. Segundo Leite e Sanvicente (1995), um ndice de mercado avalia a flutuao mdia do nvel geral das cotaes de um dado mercado. Normalmente, os ndices de mercado so construdos de tal maneira que refletem o comportamento geral de um mercado de ativos, como, por exemplo, o ndice da Bolsa de Valores de So Paulo (Ibovespa), que mede o desempenho mdio das aes negociadas na Bolsa de Valores de So Paulo (Bovespa), ou um grupo peculiar de ativos em um mercado geral, como o ndice de Energia Eltrica (IEE), que mede o desempenho das aes de empresas de energia eltrica na Bovespa. A tnica do estudo de finanas na teoria tradicional a formao de portflios que possam render acima do retorno mdio de mercado. Os investidores que gerenciam uma

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carteira baseados nos preceitos da teoria tradicional so chamados de investidores ativos, pois tentam vencer o mercado. Dentre os investidores ativos, h duas categorias: os observadores de mercado market timers e os selecionadores de ttulos stock picking (DAMODARAN, 1997). Os observadores de mercado confiam em sua habilidade de prever a direo dos mercados financeiros. So chamados de analistas tcnicos ou analistas grficos. O analista tcnico tem como instrumento de trabalho sries histricas de preos, que lhe permitem traar grficos e projetar o comportamento da massa de investidores (DAMODARAN, 1997, p. 5). Os selecionadores de ttulos acreditam que suas habilidades se concentram em encontrar ttulos sub ou sobreavaliados. Os selecionadores de ttulos so chamados de analistas fundamentalistas e seus instrumentos bsicos de trabalho so as demonstraes contbeis e os planos de investimento das empresas e do setor em que elas atuam (DAMODARAN, 1997, p. 5). Apesar de fazerem parte da mesma escola de finanas, analistas fundamentalistas e analistas tcnicos tm enormes divergncias. Na prtica diria do mercado financeiro, comum que analistas tcnicos desprezem o trabalho dos analistas fundamentalistas e vice-versa. Os analistas tcnicos e os analistas fundamentalistas so enquadrados na mesma escola porque, apesar de divergirem nos mtodos, acreditam que o mercado pode ser previsto e que, portanto, possvel ganhar mais que o mercado. 2.2.1 Anlise Tcnica

A anlise tcnica nasceu no Japo, h mais de 200 anos, em torno das negociaes com arroz. No final do sculo 19, um editor do Wall Street Journal, chamado Charles H. Dow, comeou a notar que o preo das aes tinha a tendncia de se mover em conjunto e iniciou um trabalho com ndices de aes13. Charles Dow, alm de ter colocado seuCharles H. Dow criou em 26 de maio em 1896 o Dow Jones Industrial Average (DJIA), o mais antigo indicador de mercado em atividade e o principal ndice de aes da New York Stock Exchange (NYSE). Ao longo do tempo, o Dow Jones se tornou o ndice mais conhecido dos EUA e do mundo. O Dow Jones tem sido atualizado por dcadas para melhor refletir as mudanas verificadas nas corporaes americanas e na economia, de uma forma geral. No incio, em 1896, o ndice era composto por 12 aes, tendo sido aumentado para 20 aes em 1916 e 30 em 1928, quantidade mantida at hoje.13

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nome no mais famoso ndice de mercado de aes do mundo o Dow Jones -, tambm ficou conhecido pela Teoria Dow, que um dos fundamentos da anlise tcnica. Segundo Magee e Edwards (1966), Charles Dow no escreveu nenhuma teoria. A Teoria Dow surgiu aps sua morte, quando William P. Hamilton assumiu o seu lugar no Wall Street Journal e passou a publicar as idias que deram origem Teoria Dow14. Estas idias foram posteriormente publicadas por Hamilton (1922) e Rhea (1932). A teoria, segundo Hamilton (1922), se sustenta em trs premissas bsicas: qualquer fato que possa vir a afetar o preo de uma ao ou de um ativo j est refletido no preo corrente do ativo, o que quer dizer que a nica coisa que interessa estudar o comportamento desse preo; os preos se movem em tendncias: o propsito da anlise tcnica identificar as tendncias nos seus primeiros estgios, para recomendar operaes que se beneficiem dessas tendncias, que so: acumulao, subida ou descida sensvel, euforia ou pnico e, finalmente, a distribuio ou nova fase de acumulao; a histria se repete: os padres dos grficos refletem quadros da psicologia altista ou baixista dos mercados; uma vez que esses padres funcionaram bem no passado, assume-se que continuaro funcionando bem no futuro. Os analistas tcnicos consideram que todas informaes relevantes para projeo do preo de uma ao se encontram nas sries de preos e qualquer outra informao irrelevante. Segundo Ross, Westerfield e Jaffe, (1995, p. 267) John Magee, um dos mais famosos analistas tcnicos, trabalhava em um escritrio com janelas tapadas para que nenhuma informao externa, que no os preos das aes, pudesse entrar. 2.2.2 Anlise Fundamentalista

Os analistas fundamentalistas no acreditam que todos os fatos que possam influenciar os preos estejam imediatamente refletidos nos preos correntes dos ativos. O analista fundamentalista acredita que muitas vezes o mercado no avalia corretamente as

Extremamente importante para a divulgao da Teoria Dow foi a Comisso Cowles para Pesquisa em Economia, fundada em 1932, por Alfred Cowles, no Colorado. Esta comisso patrocinou inmeros estudos sobre os mtodos de previso no mercado financeiro. Em 1939, a Comisso Cowles se mudou para a Chicago University, e, posteriormente, em 1955, se transformou em uma fundao e se transferiu para o Departamento de Economia da Yale University, onde permanece at hoje.

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empresas, e assim ele se debrua sobre os dados contbeis das empresas para enxergar aquelas que no estejam sendo negociadas por um valor justo. A anlise fundamentalista busca calcular o valor presente dos fluxos de caixa futuro que um determinado investimento possa trazer. Os mtodos da anlise financeira tradicional buscam encontrar um valor presente justo dos fluxos de caixa futuro de um dado investimento (DAMODARAN, 1997, p.1). Um dos postulados da anlise financeira tradicional que um investidor nunca deve pagar mais por um ativo do que o valor presente dos fluxos de caixa futuros deste investimento (GRAHAM e DODD, 1934). Para Damodaran (1997, p.5), o valor real de uma empresa pode ser relacionado s suas caractersticas financeiras suas perspectivas de crescimento, perfil de risco e fluxo de caixa. Assim, considera ele que: qualquer desvio deste valor verdadeiro sinal de que as aes esto sub ou supervalorizadas. Damodaran (1997) considera tambm que trs pressuposies sustentam as estratgias de investimento baseadas na anlise fundamentalista: o relacionamento entre o valor e os fatores financeiros subjacentes pode ser medido; o relacionamento se mantm estvel ao longo do tempo; desvios do relacionamento so corrigidos dentro de um perodo de tempo razovel.

Os instrumentos bsicos de trabalho dos analistas fundamentalistas so as demonstraes contbeis das empresas. A anlise fundamentalista consiste na utilizao de ferramentas analticas para verificar os fundamentos das empresas, ou seja, avalia de que forma os nmeros, o grau de endividamento, o histrico da empresa e as perspectivas para o setor impactam no preo do ativo. Tais indicadores, confrontados com o cenrio macroeconmico e o preo de mercado do papel, so utilizados para definir se determinada ao ou no um bom investimento. Para Graham e Dodd (1934), a fonte de valor de uma empresa so os dividendos que ela ir pagar no futuro. Um dos mtodos para a seleo de aes, propostos a partir desta constatao, foi o das taxas de retorno em dividendos de uma ao, ou dividend yield. Assim, a fonte de valor de uma ao o fluxo de caixa descontado dos valores futuros dos dividendos projetados.

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A anlise fundamentalista verifica se a estrutura de ativos de uma empresa compatvel com a estrutura de passivos, se os investimentos feitos so suficientemente lucrativos para pagar os juros e remunerar o patrimnio lquido. Segundo a anlise fundamentalista, existe uma relao ideal entre as contas do balano de uma empresa. O ativo circulante deve ser maior que o passivo circulante. Tambm o ativo realizvel em longo prazo deve ser maior que o exigvel em longo prazo. Existe um nvel considerado aceitvel de endividamento e capital prprio. Considera-se um desvio financiar o imobilizado com endividamento, pois este, por ter carter permanente, deve ser financiado com patrimnio lquido que, por no ser exigvel, mais apropriado para aplicaes sem liquidez. 2.2.3 Poltica de Investimentos

Apesar das diferenas em seus mtodos, a anlise tcnica e a fundamentalista procuram formar carteiras que possam render mais que a mdia do mercado. Tanto a anlise fundamentalista quanto a tcnica defendem a concentrao de investimentos e, portanto, so contrrias diversificao. Keynes (1939, apud Bernstein, 1992, p. 48) tambm defendia a diversificao: Sou a favor de concentrar meus investimentos tanto quanto o mercado permita [...] Supor que segurana consiste em se fazer pequenas apostas num grande nmero de companhias sobre as quais eu no tenho informaes para fazer um bom julgamento, comparada a uma posio substancial numa companhia sobre a qual eu tenho uma informao adequada, parece-me uma pardia. Loeb (1935 p 18) afirma que uma vez que voc obtenha confiana, a diversificao indesejvel. Diversificao uma admisso de quem no sabe o que fazer e um esforo para ter uma performance mdia. Ele considerava que o bom investidor deveria ter uma atitude especulativa e procurar encontrar opes de investimentos que rendessem acima da mdia de mercado. Loeb aconselhava os investidores a comprarem duas ou trs e no mximo quatro diferentes aes ou ttulos, e dizia que o bom investidor nunca poderia ficar satisfeito em obter uma rentabilidade ligeiramente superior do mercado.

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2.2.4

Crtica Teoria Tradicional de Finanas

A principal crtica feita teoria das finanas tradicionais que tanto a anlise fundamentalista quanto a anlise tcnica consideram informaes do passado para projetar o futuro. Esta suposio est em desacordo com o princpio da descontinuidade temporal. segundo o qual os sistemas complexos (as empresas, as sociedades e os mercados) no se comportariam no futuro como se comportaram no passado (ANSOFF, 1965). A anlise tcnica considera que os preos do passado so a melhor previso para os preos no futuro. A anlise fundamentalista projeta resultados futuros, lucros, por exemplo, baseados em dados do passado das empresas. Num estudo do relacionamento entre taxas de crescimento passadas e taxas de crescimento futuras, Little (1962) descobriu que poucas evidncias sustentavam a hiptese de que crescimento rpido em um perodo projetava crescimento no perodo seguinte. Para explicar este fenmeno, ele cunhou o termo de crescimento desordenado. Uma segunda crtica importante que no existem provas concretas de que se possa obter, de forma consistente e contnua, uma rentabilidade superior do mercado. Ou seja, no existe um mtodo especfico que possa ser repetido obtendo sempre um retorno superior ao do mercado. Desta forma, os mercados seriam, por natureza, eficientes. Um mercado eficiente se a cada momento o preo corrente a melhor estimativa para o preo dos ativos naquele momento. Isto no significa que os preos de mercado estejam sempre corretos. Em um mercado eficiente, os preos podem estar errados, porm, no pode existir uma tendncia no erro, ou seja, os erros de avaliao devem ser aleatrios (DAMODARAN, 1997, p. 184). A hiptese de o mercado ser eficiente s foi definida claramente por Fama (1970), porm, a idia j existia h muito tempo. Em 1889, George Gibson (apud Shiller, 2000, p. 162) dizia: as aes se tornam publicamente conhecidas no mercado aberto; o valor que elas adquirem pode ser considerado como o julgamento mais inteligente a respeito

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delas. Tambm Poincar, em 1900 (apud Bernstein, 1997, p. 200), j afirmava que a expectativa matemtica do especulador zero. De acordo com a teoria dos mercados eficientes, as aes ou ttulos refletem toda a informao disponvel a seu respeito (ROSS, WESTERFIELD e JAFFE, 1995, p. 263). Em um mercado eficiente, qualquer estratgia de negociao baseada em informaes passadas no gera lucros extraordinrios. Assim, para os defensores dos mercados eficientes, analisar demonstraes contbeis, como faz o analista fundamentalista, no faz qualquer sentido, considerando que o mercado sempre precifica corretamente os ativos. Em um mercado eficiente, os preos das aes seguem um caminho aleatrio e, portanto, as sries de preos no contm nenhum contedo informacional (ROSS, WESTERFIELD e JAFFE, 1995, p. 266). Observe-se que uma possvel confirmao do modelo do caminho aleatrio implicaria que as tcnicas de anlise grfica e os modelos economtricos de previso de preos de ativos consistiriam em esforo intil na busca de lucros extraordinrios. Considerando o princpio da descontinuidade temporal e a eficincia dos mercados, toda anlise, seja fundamentalista ou tcnica, intil. Talvez exista a um paradoxo, pois se os investidores gastam muito dinheiro, h muito tempo, com alguma coisa que intil, eles so irracionais. E se os investidores so irracionais, como podem o mercado ser eficiente? As finanas tradicionais nasceram no dia-a-dia do mercado, com homens de mercado. Segundo os crticos, ela carece de uma estrutura terica consistente. No existe mtodo de aplicao financeira que possa ser aplicado e que de forma sistemtica gere uma rentabilidade superior mdia do mercado. Com base neste fato, as finanas modernas recomendam que os investidores no tentem obter uma rentabilidade superior do mercado e sim que procurem uma rentabilidade igual do mercado ou uma rentabilidade de acordo com o nvel de risco que o investidor esteja disposto a suportar. 2.3 FINANAS MODERNAS

Diferentemente das finanas tradicionais, as finanas modernas nasceram dentro da academia e de l seguiram para o mundo do mercado financeiro.

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As finanas modernas se desenvolveram dentro dos departamentos de economia das universidades no incio dos anos 50. Nesta poca, a economia passava a ser fortemente influenciada pela teoria dos jogos de Von Neumann e Morgenstern (1944) e pelas suposies implcitas nesta teoria de que os agentes econmicos so racionais e os mercados so eficientes. At a dcada de 40, economistas famosos, como Adam Smith, Irving Fisher e John Maynard Keynes, fizeram uso da irracionalidade e outros aspectos da psicologia em suas teorias. Porm, nos anos ps-guerra, a economia foi dominada pela idia do homem econmico racional e pelo crescente uso da matemtica na economia, o que era enormemente facilitado pela teoria da racionalidade. A microeconomia, com sua teoria do comportamento do consumidor, e a teoria dos jogos forneceram o arcabouo terico para a idia de racionalidade do investidor. Segundo Pindyck & Rubinfield (1994), a teoria do comportamento do consumidor est baseada em trs premissas bsicas a respeito das preferncias das pessoas por uma determinada cesta de mercadorias em relao a outra: 1. as preferncias so completas: dois consumidores poderiam comparar e ordenar todas as cestas do mercado; para quaisquer duas cestas A e B, um consumidor preferir A em vez de B, B em vez de A, ou estaria igualmente satisfeito (indiferente) em relao a ambas; 2. as preferncias so transitivas: se um consumidor prefere a cesta A em vez da B, e prefere B em vez de C, logo tambm prefere A em vez de C; 3. as mercadorias so desejveis: consumidores sempre preferem levar uma quantidade maior de uma mercadoria. Fazendo analogia do consumidor com o investidor, pode-se dizer que: 1. as preferncias so completas: dois investidores poderiam comparar e ordenar todos os portflios de investimentos possveis; para quaisquer dois portflios A e B, um investidor preferir A em vez de B, B em vez de A, ou estaria igualmente satisfeito (indiferente) em relao a ambos; 2. as preferncias so transitivas: se um investidor prefere o portflio A em vez do B, e prefere B em vez de C, logo tambm prefere A em vez de C;

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3. os retornos so desejveis: investidores sempre preferem portflios com maior retorno esperado e maior segurana (menor risco). Segundo Kritzman (1992, p. 17), uma deciso tima equivale maximizao da utilidade esperada do investidor (maior retorno com menor risco). Investidores racionais sempre buscam maximizar sua utilidade esperada, ou seja, obter mais retorno com menor risco. Uma definio precisa e clara da racionalidade foi dada por Bernstein (1997): Sob condies de incerteza, a racionalidade e a medio so essenciais para a tomada de decises. As pessoas racionais processam as informaes objetivamente: os erros que cometem na previso do futuro so erros aleatrios, e no o resultado de uma tendncia obstinada para o otimismo ou o pessimismo. Elas respondem s novas informaes com base em um conjunto claramente definido de preferncias. Elas sabem o que querem, e lanam mo das informaes em apoio s suas preferncias (p. 187). Markowitz, o fundador das finanas modernas, no tinha nenhum interesse em investimentos em aes e, at escrever Portflio Selection, nada conhecia sobre o mercado de aes (BERNSTEIN, 1997, p. 249). At o momento em que se interessou por investimentos em aes, Markowitz trabalhava no nascente ramo de programao no-linear, onde teve contato com as idias de Von Neumann e Morgenstern (1944) e a teoria dos jogos. De acordo com essa teoria (VON NEUMANN e MORGENSTERN, 1944), os agentes econmicos alternam constantemente seus comportamentos para evitar que os seus oponentes lucrem ao conhecerem seus movimentos. Segundo eles, no possvel fazer previses econmicas, pois o comportamento dos agentes econmicos constantemente alterado, buscando garantir a imprevisibilidade de seus atos. Um dia, enquanto Markowitz esperava para falar com seu orientador de doutorado na sala de espera da Universidade de Chicago, teve contato com um corretor de aes. Deste encontro surgiu a idia de aplicar a programao quadrtica aos problemas de seleo de aes com que os investidores se deparam cotidianamente (BERNSTEIN, 1997, p. 250). Dois anos depois foi publicado no Journal of Finance o artigo Portfolio

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Selection (MARKOWITZ, 1952), que marca o nascimento das finanas modernas e da moderna teoria de portflios (MTP). 2.3.1 A Moderna Teoria de Portflio

Segundo Markowitz (1952), todo investimento apresenta um retorno esperado e uma varincia de possveis resultados em torno deste retorno esperado. Ele considerou o retorno como desejvel e a varincia, como indesejvel. Assim, montou um modelo de programao quadrtica capaz de maximizar os retornos e minimizar a varincia dado um nvel de retorno. Para montar seu modelo de programao, precisou adotar algumas premissas. De acordo com Sharpe, Alexander e Bailey, (1998, p. 263) e Sanvicente e Mellagi Filho (1995, p. 41), as principais premissas adotadas por Markowitz so: 1. Os investidores avaliam portflios apenas com base no valor esperado e na varincia (ou desvio padro) das taxas de retorno sobre o horizonte de um perodo. 2. Os investidores nunca esto satisfeitos. Quando postos a escolher entre dois portflios de mesmo risco, sempre escolhero o de maior retorno. 3. Os investidores so avessos ao risco. Quando postos a escolher entre dois portflios de mesmo retorno, sempre escolhero o de menor risco. 4. Os ativos individuais so infinitamente divisveis, significando que um investidor pode comprar a frao de ao, se assim o desejar. 5. Existe uma taxa livre