teoria sobre o método científico

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Teoria sobre o método científico Em busca de um modelo unificante para as ciências e de um retorno à universidade criativa Alberto Mesquita Filho Começo, regra geral, as minhas lições sobre Método Científico dizendo aos meus alunos que o método científico não existe. Acrescento que tenho obrigação de saber isso, tendo eu sido, durante algum tempo, pelo menos, o único professor desse inexistente assunto em toda a Comunidade Britânica. ... Tendo, então, explicado aos meus alunos que não há essa coisa que seria o método científico, apressome a começar o meu discurso, e ficamos ocupadíssimos. Pois um ano mal chega para roçar a superfície mesmo de um assunto inexistente. Karl R. Popper [1] Vide também O MÉTODO CIENTÍFICO Publicado no ECC em abril/2006 Resumo: Este artigo é o primeiro de uma série de artigos relacionados à metodologia científica e cuja temática foi dividida em cinco tópicos principais. Corresponde a uma versão atualizada de considerações expressas pelo autor a partir de 1983, em livros, artigos e conferências citados no texto; colaborou, para esta atualização, a experiência adquirida pelo autor no processo de remodelação da PróReitoria Comunitária da USJT (19921993), bem como aquela adquirida junto aos demais membros da equipe criada pelos Conselhos Superiores da USJT (1994) expandida em 1995 com a finalidade de implantar o Centro de Pesquisa da USJT. Os conceitos foram axiomatizados, de forma a darem corpo a uma nova teoria sobre o método científico, permitindo mesmo a constatação de possíveis aplicações dentro de um contexto abrangente, tais como: 1) a teoria fornece os meios necessários para que se promova a integração das ciências; e, 2) propicia a sustentação de um projeto visando a caracterizar a universidade como o local apropriado para a formação de cientistas. Os cinco tópicos a serem abordados são, pela ordem: I Introdução, na qual é proposta a regra delimitante da ciência; II O macrométodo científico e a História da Ciência; III O papel da universidade na produção de conhecimentos; IV O método científico propriamente dito: a) A teoria da prática em ciência; b) A prática da teorização científica; V O micrométodo científico e a Filosofia da Ciência. Este artigo foi publicado na revista Integração ensinopesquisa extensão [vide Integração II(7):25562,1996] e, na versão atual, conta com ligeiras modificações de estilo e/ou de localização das referências, promovidas pelo autor em outubro de 2009, sem contudo alterar o conteúdo expresso no texto original. Outros artigos desta série podem ser lidos em Ensaios sobre a filosofia da ciência e também na seção Filosofia da Ciência deste site.]

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Teoria sobre o método científicoEm busca de um modelo unificante para as ciências

e de um retorno à universidade criativa

Alberto Mesquita Filho

Começo, regra geral, as minhas lições sobre MétodoCientífico dizendo aos meus alunos que o método

científico não existe. Acrescento que tenho obrigaçãode saber isso, tendo eu sido, durante algum tempo,

pelo menos, o único professor desse inexistenteassunto em toda a Comunidade Britânica.

...Tendo, então, explicado aos meus alunos que não háessa coisa que seria o método científico, apresso­me

a começar o meu discurso, e ficamosocupadíssimos. Pois um ano mal chega para roçar a

superfície mesmo de um assunto inexistente.Karl R. Popper [1]

Vide também O MÉTODO CIENTÍFICO

Publicado no ECC em abril/2006

Resumo: Este artigo é o primeiro de uma série de artigosrelacionados à metodologia científica e cuja temática foi divididaem cinco tópicos principais. Corresponde a uma versãoatualizada de considerações expressas pelo autor a partir de1983, em livros, artigos e conferências citados no texto;colaborou, para esta atualização, a experiência adquirida peloautor no processo de remodelação da Pró­Reitoria Comunitária daUSJT (1992­1993), bem como aquela adquirida junto aos demaismembros da equipe criada pelos Conselhos Superiores da USJT(1994) expandida em 1995 com a finalidade de implantar oCentro de Pesquisa da USJT. Os conceitos foramaxiomatizados, de forma a darem corpo a uma nova teoria sobreo método científico, permitindo mesmo a constatação depossíveis aplicações dentro de um contexto abrangente, taiscomo: 1) a teoria fornece os meios necessários para que sepromova a integração das ciências; e, 2) propicia a sustentaçãode um projeto visando a caracterizar a universidade como o localapropriado para a formação de cientistas. Os cinco tópicos aserem abordados são, pela ordem: I ­ Introdução, na qual éproposta a regra delimitante da ciência; II ­ O macrométodocientífico e a História da Ciência; III ­ O papel da universidade naprodução de conhecimentos; IV ­ O método científicopropriamente dito: a) A teoria da prática em ciência; b) A práticada teorização científica; V ­ O micrométodo científico e aFilosofia da Ciência.

Este artigo foi publicado na revista Integração ensino­pesquisa­extensão [vide Integração II(7):255­62,1996] e, na versão atual,conta com ligeiras modificações de estilo e/ou de localização dasreferências, promovidas pelo autor em outubro de 2009, semcontudo alterar o conteúdo expresso no texto original. Outrosartigos desta série podem ser lidos em Ensaios sobre a filosofiada ciência e também na seção Filosofia da Ciência deste site.]

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1. Colocação do problema.

Método, entre outras coisas, significa caminho para chegar a umfim ou pelo qual se atinge um objetivo. Que dizer então dométodo científico? [2] Poderia dizer que é o caminho trilhadopelo cientista quando em busca de "verdades" científicas.Percebam que estou meramente jogando com as palavras eassociando­as ao conceito de método acima postulado. Quaissão as "verdades" científicas? O que é ser cientista? O que éciência? Existe uma ciência única? Quando nos reportamos auma hipotética linha demarcatória, a separar o que julgamos seruma verdade científica de outras possíveis verdades, a que nosestamos referindo?

Afirma­se, com grande freqüência, que o cientista é aquele quese utiliza do método científico. Os que aceitam esta verdade, ehá muitos que o fazem devem procurar uma conceituaçãopara método científico diferente da exposta no parágrafoanterior, sob pena de andarem em círculo. Ou definimos cientistaa partir da definição de método algo tentado por Popper aopropor o falsificacionismo [3] ou definimos método a partir dadefinição de cientista; do contrário não chegamos a nada.Conservarei a idéia de método científico como caminho trilhadopelo cientista, com o que estou assumindo o risco de ter quedefinir ciência e/ou cientista. Este é um dos objetivos a serperseguido neste artigo.

2. O que é ciência?

Não é fácil definir ciência, e são inúmeros os tratados sobre oassunto a abordarem esta dificuldade. Ao leitor principiante emciência e que queira penetrar na complexidade do tema, ouentão perceber a quantas anda nossa ignorância a respeito,sugiro, se tiver pendores filosóficos, que comece pelo livro deChalmers (1976) [4]; ou então, se preferir algo mais ameno emais voltado à prática científica, pelo livro de Beveridge (1980)[5]. Ao leitor acomodado, e que não tenha amplo conhecimentodo assunto, ou mesmo para aquele que pretenda prosseguir comesta leitura ciente de que é possível, pelo menos em nívelconjetural, enfrentar o desafio apontado, relatarei aqui aconclusão de um ensaio, que sintetiza uma idéia que me ocorreuhá cerca de dez anos [6], e que apresentei, na sessão dedebates da mesa redonda A Pesquisa na UniversidadeParticular, ocorrida por ocasião da IV Semana de Psicologia daUSJT (1994), com as seguintes palavras:

"Vejo a ciência como a área do conhecimento que seapóia não num método, mas sim na regra darepetitividade, a que eu tenho chamado de regracientífica fundamental:

Se em dadas condições, um determinadofenômeno, sempre que pesquisado, serepetiu, é de se admitir que em futurasverificações o mesmo suceda." [7]

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A regra científica fundamental, conquanto aceita, intuitivamente,por todos os cientistas, ocupa, entre os mesmos, e até entre osfilósofos da ciência, um papel secundário, quando nãototalmente ignorada. Via de regra, considera­se a ciência comoque apoiada em regras outras, como por exemplo: o princípio dacausalidade de Kant, a regra metodológica de Popper que seassocia a seu método dedutivo de prova, o princípio ouargumento indutivista, e as regras ou critérios de utilidade. Comoposições extremas, e apoiadas em regras mais rígidas, podemoscitar a visão paradigmática de Thomas Kuhn, a defender odogmatismo científico; o ponto de vista de Chalmers, aquestionar a argumentação filosófica, no que diz respeito àdelimitação da ciência; e a visão anarquista de Feyerabend, a seopor frontalmente ao racionalismo em ciência.

A fim de ilustrar o comentado no parágrafo anterior, vejamoscomo Thomas Kuhn (1962) defensor de uma posiçãocientífico­filosófica incompatível com a que aqui pretendoapresentar retrata a importância da repetitividade dos eventoscomo algo a semear o surgimento de novas idéias:

Existem, em princípio, somente três tipos defenômenos a propósito dos quais pode serdesenvolvida uma nova teoria. O primeiro tipocompreende os fenômenos já bem explicados pelosparadigmas existentes. Tais fenômenos raramentefornecem motivos ou um ponto de partida para aconstrução de uma teoria. Quando o fazem, ... asteorias resultantes raramente são aceitas, visto que anatureza não proporciona nenhuma base para umadiscriminação entre as alternativas. Uma segundaclasse de fenômenos compreende aqueles cujanatureza é indicada pelos paradigmas existentes,mas cujos detalhes somente podem ser entendidosapós uma maior articulação da teoria. Os cientistasdirigem a maior parte de sua pesquisa a essesfenômenos, mas tal pesquisa visa antes à articulaçãodos paradigmas existentes do que à invenção denovos. Somente quando esses esforços dearticulação fracassam é que os cientistas encontramo terceiro tipo de fenômeno: as anomaliasreconhecidas, cujo traço característico é a sua recusaobstinada a serem assimiladas aos paradigmasexistentes. Apenas esse último tipo de fenômeno fazsurgir novas teorias. [8]

Ora, se um determinado fenômeno, sempre que pesquisado, serecusou obstinadamente a ser assimilado aos paradigmasexistentes, e se esta recusa é quem orienta a caracterização denovas teorias, e mais: se a ciência é, fundamentalmente, oconjunto das idéias e teorias geradas pela mente humana, bemcomo a aplicação, pelo homem, dessas idéias e teorias, embusca de um relacionamento sadio com a natureza e com osseus semelhantes, podemos sossegadamente concluir queciência é o processo pelo qual o homem se relaciona com osfenômenos universais que se sujeitam à regra científica

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fundamental.

3. O "ser" cientista.

Cientista, diz­nos Ferreira (1986), é a pessoa que cultiva ou queé especialista em alguma ciência, ou em ciências [9]; e ciência éum processo definido no item anterior. Se aceitarmos estaspremissas, concluiremos que o conhecimento científico é aquelefactível de reprodução, enquanto o cientista é aquele que, dealguma forma, cultiva esses conhecimentos. É importante aquisalientar que, muitas vezes, o que se espera reproduzir é umdado probabilístico. Por exemplo, se dissermos que 80% dasmoléculas de um gás são do elemento químico oxigênio, isto nãosignifica estarmos afirmando ser oxigênio esta ou aquelamolécula objeto de verificação experimental; o que a regra nospreconiza é que, independentemente de qual cientista for tentarreproduzir a medida, ou do local escolhido para que estasegunda medida seja efetuada, observando­se as condições emque a mesma foi realizada anteriormente, o valor obtidoconcordará com o valor precedente, dentro de uma margem deerro também estimável por métodos experimentais.

Todos nós, vez ou outra, nos comportamos como cientistas. Sercientista não é possuir um rótulo, mas sim postar­se com umaatitude científica; por outro lado, mesmo aquele que se dizcientista, vez ou outra assume atitudes não científicas e penetraem terrenos apoiados em regras próprias ou, até mesmo, semregras. O rótulo é freqüentemente utilizado quando queremosnos referir às pessoas que se utilizam de seus talentoscientíficos como meio de vida: seriam então os cientistasprofissionais.

A filosofia, por exemplo, é um campo de atuação bem maisabrangente que aquele ditado pela regra científica fundamental.Poderíamos dizer que a filosofia comporta a ciência, ainda queesta idéia não agrade a alguns cientistas; mas jamaispoderíamos dizer, e quanto a isso todos são concordes, que aciência comporta a filosofia. O bom cientista utiliza­se dafilosofia, da mesma forma que a maioria dos indivíduos comsede se utilizam do copo. Outras áreas do conhecimento seriam:1) o ocultismo e aqui poderíamos incluir, a título de exemplo, aalquimia e a astrologia; 2) as artes e vale a pena aqui frisarque a arte pode ser encarada cientificamente, postura esta quefoi frequentemente adotada por Leonardo da Vinci [10], edefendida em sua Teoria do Conhecimento. 3) a teologia; etc. Abusca pela verdade, que também é objetivo da grande maioriadestas áreas não científicas, segue­se por caminhos nemsempre limitados ou compatíveis com a regra científicafundamental.

O cultivo da ciência pode se dar através da observação dealguns ou todos dentre seus objetivos nobres, quais sejam: 1)aquisição, transmissão e aplicação de conhecimentos científicosjá sistematizados; e 2) produção e divulgação de novosconhecimentos. Visto sob este ângulo, são cientistas: 1) oestudioso e/ou o professor e/ou o profissional bacharel em

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quaisquer das ciências; 2) o tecnólogo; 3) o pesquisador emáreas científicas; 4) o teorizador em ciências; 5) e o autor deartigos científicos relatando idéias próprias e/ou revisõesbibliográficas. Sob um ponto de vista mais rigoroso, o cientistaseria apenas aquele capaz de dominar as técnicas inerentes atodos os objetivos nobres acima apontados.

Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Percebam que jáconceituamos ciência e já conseguimos ir além, a ponto defornecer dados para que se analise o comportamento daquelesque trabalham em ciência. Observado este comportamento,poderíamos assumir como cientistas aqueles que realmentecontribuem para o progresso das ciências. Adotarei esta postura,mas gostaria de esclarecer, conforme será comentadooportunamente, que a noção de progresso aqui defendida é umpouco mais abrangente do que aquela preconizada pelospensadores iluministas [11] que tanto influenciaram ospositivistas. Aceita esta premissa a de que cientistas sãosomente aqueles que real e diretamente [12] contribuem para oprogresso das ciências suponha que consigamos caracterizaros cientistas, assim definidos, como aqueles que, ao contribuirpara o progresso das ciências, se utilizam de um métodocomum, a que chamaremos método científico. Poderemos,então, afirmar, e não se trata aqui da busca por uma definição,que o cientista é aquele que se utiliza do método científico; oraciocínio cíclico, da forma como foi agora utilizado, está livre deconseqüências funestas. Notem, com o auxílio da figura 1, asintetizar as idéias principais aqui focalizadas, que, do ponto devista conceitual, não estamos andando em círculo.

REGRA CIENTÍFICA FUNDAMENTAL

Se em dadas condições, um determinadofenômeno, sempre que pesquisado, serepetiu, é de se admitir que em futurasverificações o mesmo suceda.

DEFINIÇÃO DE CIÊNCIA

Ciência é o processo pelo qual o homemse relaciona com os fenômenosuniversais que se sujeitam à regracientífica fundamental

OBSERVAÇÃO DO COMPORTAMENTO DOS QUETRABALHAM EM CIÊNCIA

VERIFICAÇÃO DE QUE ALGUNS CONTRIBUEM PARA OPROGRESSO DAS CIÊNCIAS

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Cientista é todo ser racional que contribuidiretamente para o progresso dasciências.

CONSTATAÇÃO DE QUE ESTES SE UTILIZAM DE UMMÉTODO COMUM

Figura 1 ­ Para explicação vide texto

Resta­nos, então, para que a idéia ganhe em consistência,comprovar a existência de um único método científico; e isto nãoparece ser uma tarefa fácil. Antes de enfrentarmos estadificuldade, vamos verificar como as idéias aqui apresentadas seconformam a conceitos classicamente adotados como modelosde método científico.

4. O argumento indutivista.

Uma crítica imparcial, conquanto demolidora, ao indutivismo, éapresentada por Chalmers nos três primeiros capítulos de seulivro [13]. Veremos aqui apenas alguns tópicos interessantes doponto de vista epistemológico, e/ou necessários para um melhorentendimento da teoria ora sendo apresentada.

Um sumário completo do argumento indutivista da ciência estáesquematizado na figura 2, adaptada de Chalmers [14]. Chamaa atenção a omissão da dedução de hipóteses: o indutivistaadmite ser possível partir da observação e chegar a leisapelando exclusivamente ao raciocínio indutivo. O métodoindutivo baseia­se na crença de que é possível confirmar umenunciado universal (lei) através de um certo número deobservações singulares. Via de regra, quando se questiona oindutivista a respeito da omissão da hipótese, ele logo repeteuma frase de Newton: Não faço hipóteses. Obviamente esteindutivista ingênuo ouviu esta frase, sabe que foi proferida porNewton, mas demonstra não saber a que Newton estava sereferindo. A hipótese, a que Newton se refere, não é a mesmaque hoje se conceitua nos tratados de metodologia científica oude estatística. Newton deixou bastante claro, em sua obra, quenão fazia, como cientista, especulações ou conjecturasinfundadas. No que se refere a hipóteses, no contexto em que otermo é hoje aceito, raríssimos foram os cientistas que, em suafase produtiva, as levantaram em número tal cuja ordem degrandeza se aproximasse daquela atingida por Newton .

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Figura 2 ­ O argumento indutivista (segundo Chalmers)

O argumento indutivista baseia­se na crença no princípio daindução que, dentre outras formas, pode ser enunciado como:"Se, em dadas condições, um determinado fenômeno, sempreque pesquisado, se repetiu, em futuras verificações o mesmosucederá." [15] Escolhi esta versão para que fique claro ocontraste entre o princípio da indução e a regra científicafundamental explícita na figura 1. Três comentários merecemser feitos a respeito: 1) Conquanto seja usado como regrametodológica, o princípio da indução não define o número deobservações singulares a permitir uma generalização (obtençãode leis). 2) Esta e outras falhas conceituais, inerentes aoargumento indutivista, propiciam interpretações ingênuas aoprincípio, conforme veremos abaixo. 3) O princípio, sem perderem generalidade, no que diz respeito às premissas (tem omesmo campo de atuação que a regra científica fundamental), epara que possa caracterizar­se como metodológico, e nãoapenas norteador, torna­se mais restritivo que a regra científicafundamental afirma, ao invés de supor. Consequentemente,os que abraçam esta ideologia, devem procurar por uma outradefinição de ciência que não a apresentada no item 2 e figura 1.As consequências epistemológicas daí resultantes serão objetode discussão em itens posteriores.

O indutivista ingênuo é aquele que, dentre outras falhasconceituais e/ou de raciocínio, consegue provar"cientificamente", por exemplo, a inexistência de Deus, pelosimples fato de Deus não se manifestar a ele; tendo em vistaque ele não possui uma regra para delimitar a ciência que nãoseja o princípio da causalidade não há efeito sem causa eletenta inverter o princípio que no caso ficaria: não há causasem efeito e, apelando para o argumento indutivista,consegue, por métodos "científicos" chegar a conclusões nãocientíficas no caso, teológicas. Mais comum, no entanto, é oerro, agora não tão ingênuo, cometido por alguns indutivistasque conseguem provar "cientificamente" que "todas as maçãssão vermelhas", prova esta "válida" somente até o dia em queeles se depararem com maçãs verdes. Neste caso, a falhadecorre da crença num método repleto de incoerências internas.

5. O argumento dedutivista.

O argumento dedutivista, ainda que não isento de críticas,

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representou, sem dúvida alguma, uma evolução, no sentido emque propiciou uma metodologia científica dotada de coerênciainterna. A esse respeito, é dito, com freqüência, que o raciocíniodedutivo constitui o argumento da lógica.

A fim de padronizar comparações, apresentarei o argumentodedutivista como apoiado no seguinte princípio: Se em dadascondições, um determinado fenômeno, sempre que pesquisado,se repetiu, qualquer afirmação decorrente desta premissa, paraque seja hipótese, deverá ser passível de verificaçãoobservacional. A figura 3 ilustra a proposição deste argumento.

Figura 3 ­ O argumento dedutivista

É importante observar que nem toda a afirmação "deduzida"será uma hipótese, motivo pelo qual não utilizamos o argumentológico se, e somente se, ao enunciarmos o princípio [16]. Emparticular, é de se ressaltar a opinião de Severino (1994) arespeito:

"É preciso não confundir hipótese com pressuposto,com evidência prévia. Hipótese é o que se pretendedemonstrar e não o que já se tem demonstrado." [17]

A lógica dedutiva, ao caminhar do geral para o particular, nosgarante a formulação de hipóteses; e hipótese "comprovada"através de uma observação controlada (teste e/ou experiência)nos permite suspeitar, através de um raciocínio indutivo (dosingular para o geral), sua condição de lei. Observem o cuidadona colocação das palavras: Eu disse nos permite suspeitar, enão nos permite garantir. Por que esse cuidado? Aexperimentação não nos garante verdades? A esse respeito,Popper assim se referiu:

"Não há um método para determinar se uma hipóteseé ‘provável’, ou provavelmente verdadeira." [18]

É interessante notar que algumas limitações inerentes aoindutivismo, e que propiciam o aparecimento de conclusõesingênuas, são aqui substituídas por uma impossibilidade. Sobesse aspecto, o dedutivismo não solucionou o problema, mas,simplesmente, reduziu a possibilidade de que se cometessemdeterminados raciocínios ingênuos.

Rigorosamente falando, o problema não é tão insolúvel assim.

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Será insolúvel tão­somente para aqueles que julgam estar,cientificamente, buscando por verdades absolutas. A verdadecientífica, e só o leigo talvez não saiba, é uma verdadeprovisória, tomada por empréstimo da natureza e da forma comoela se nos aparenta ser. As verdades científicas de hoje serão,quando não negadas, lapidadas e reformuladas amanhã. Sechegaremos ou não, por métodos científicos, à verdadeabsoluta, é um questionamento que a ciência não estáaparelhada para responder. E talvez nunca esteja, o que nãonos impede de que continuemos procurando pela verdade.

Popper foi mais além, demonstrando ser impossível até mesmoprobabilizar uma afirmação comprovada por um raciocínio quesiga a metodologia dedutiva (incluindo, e é aí que reside oproblema principal do método, a indução vide lado direito dafigura 3). A esse respeito, Popper propõe a substituição dotermo probabilizar por corroborar: Uma hipótese seria tanto maiscorroborável quanto mais propiciasse verificações experimentais;e teria sido tanto mais corroborada, e não há como se atribuirnúmeros probabilísticos a esse efeito, quanto mais resistisse aessas verificações. Siegel (1977, tradução) adota,provavelmente com o mesmo objetivo, a expressão grau deaceitabilidade.

"Efetuamos pesquisas a fim de determinar o grau deaceitabilidade de hipóteses deduzidas de nossasteorias." [19]

Esta impossibilidade em garantir um acerto preocupou bastantePopper, e, certamente, foi um dos motivos que o levou aexpandir o argumento dedutivista através da proposição dofalsificacionismo, a ser apresentado no item 7.

Independentemente das dificuldades apontadas neste e nositens precedentes, a verdade é que a ciência progride, e esteprogresso é guiado por homens que conhecem o terreno poronde pisam. E conquanto todos saibam da não existência, emciência, de verdades absolutas, da impossibilidade de se chegara uma solução definitiva para os problemas científicos, e da nãoexistência de provas observacionais irrefutáveis, quase todos[20] entendem e concordam com a afirmação de GIL (1994)expressa a seguir:

"A pesquisa científica inicia­se sempre com acolocação de um problema solucionável. O passoseguinte consiste em oferecer uma solução possívelatravés de uma proposição, ou seja, de umaexpressão suscetível de ser declarada verdadeira oufalsa. A esta proposição dá­se o nome de hipótese.Assim, a hipótese é a proposição testável que podevir a ser a solução do problema." [21]

6. O que é teoria?

É importante salientar que a finalidade primordial da ciência nãoé formular hipóteses, e sim, sistematizar teorias; e que teoria não

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é pura e simplesmente uma coletânea de hipóteses: Teoria é umconjunto de hipóteses coerentemente interligadas, tendo porfinalidade explicar, elucidar, interpretar ou unificar um dadodomínio do conhecimento [22]. Por que, então, os livros demetodologia insistem em justificar os métodos através dehipóteses únicas e, via de regra, desinteressantes, tais como: Asmaçãs são vermelhas, os cisnes são brancos, etc.?

A verdade é que nem sempre é fácil encontrar teorias ao mesmotempo simples e de amplo espectro, ou seja, que possam serentendidas por leitores das várias áreas do conhecimento. Poroutro lado, os argumentos que corroboram ou derrubam teoriassão, em princípio, idênticos aos que corroboram ou derrubamhipóteses poderíamos também dizer que uma hipótese é, ousimula ser, uma teoria, cujo conjunto de hipóteses é unitário. Emgeral, a dificuldade inerente ao grau de complexidade de umateoria, pode ser superada, desde que o cientista conheça afundo esta teoria, cujo grau de aceitabilidade pretende testar, edomine a lógica envolvida em situações similares, porémsimples, como aquelas que aparecem nos compêndios sobre oassunto.

A ênfase, dada pelos textos de metodologia científica, a métodosrelacionados a testes de hipóteses, contrasta com a quaseausência de referências a métodos relativos à prática dateorização. Existem exceções a esta regra, e eu não poderiadeixar de citar [23] os livros de Bunge [24] e de Lacey [25],indicados especialmente para os iniciantes da área de exatas.Embora não especificamente dirigido a esta temática, há que sedestacar também o livro de Bohm e Peat [26] e que merece serlido, posto que focaliza a essência da problemática aquiapontada; neste caso, e por este motivo, é indicado aosiniciantes de todas as áreas.

A prática da teorização, com raríssimas exceções, não seaprende na escola. Grandes teorizadores, por terem aprendido autilizar uma técnica não encontrada nos livros tradicionais, e quenem mesmo é ensinada na maioria dos regimes de iniciaçãocientífica, chegaram a ser confundidos com gênios. É bempossível que estes gênios tenham adquirido esta práxiscultuando algum resquício da filosofia que a sociedade modernanão conseguiu despedaçar.

A lacuna, acima apontada, fomenta a ingenuidade ou, atémesmo, o charlatanismo, multiplicando. sobremaneira, o númerodos que, sem estarem devidamente preparados para teorizaruma atividade que não é elementar ainda assim teorizam, eteorizam mal fato este que chega a incomodar cientistas derespeito que ocupam postos importantes nas universidades [27].Por outro lado, e em decorrência disto, permite que se condene,à marginalidade científica, e por períodos variáveis de tempo,todos aqueles que, certos ou errados, pretendem evoluirseriamente no sentido de atender à finalidade última da ciência:a edificação de teorias representacionais.

Que métodos estes homens seguiram que não a paixão, a

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devoção, a persistência e a crença num espírito universal?Espírito este que, segundo alguns admitem, não está a sedivertir com nossos erros e "acertos", o que foi sintetizado, pelomaior dos gênios do século XX, nas seguintes palavras: Deusnão joga dados. A resposta nos é dada pelo próprio autor destaafirmação:

"O alvo de construir uma teoria de campoeletromagnético da matéria permanece inatingível porora, embora em princípio nenhuma objeção possa serlevantada contra a possibilidade de vir a se alcançartal objetivo. O que reteve qualquer tentativa posteriornessa direção foi a falta de qualquer métodosistemático que levasse a uma solução" [28]

Será que não existem métodos ou regras a serem adotadosnesta práxis? E por falar nisso, a prática da teorização não seriauma "teorexis"? [29] Será que teorizar em ciência é umaatividade puramente filosófica? Não existe uma metodologiacientífica a orientar aqueles que se preocupam em decifrar ossegredos que estão por trás dos fenômenos que se adaptam àregra científica fundamental? Caso exista um método a sersistematizado: Seria ele diferente do método científico? O que éo método científico?

Tentarei, dentro do possível, e da finalidade a que me propus aoconceber esta série de artigos, responder, oportunamente, e/ouorientar o leitor, se houver como, no que diz respeito aosquestionamentos aqui assinalados. De qualquer forma, maisdetalhes sobre teoria e/ou teorização serão apresentados notópico IV­b: A prática da teorização (em preparo).

7. O falsificacionismo.

O falsificacionismo não foi proposto como um método novo, massim como um critério, ou conduta, a ser ou não adotado poraqueles que se conformam ao método dedutivo de prova. Nãohá nada, no falsificacionismo, do ponto de vista metodológico,que não esteja previsto, ou que não decorra naturalmente deuma opção a ser seguida, espontaneamente ou não, por este ouaquele dedutivista. Qual seria então este critério? Com quefinalidade foi proposto? A resposta a estas perguntas, bem comoo mérito do falsificacionismo constituem o objetivo deste e dospróximos dois itens.

Antes de mais nada afirmarei, sem me alongar, que uma teoria,adotado o argumento dedutivista, pode ser corroborada, ounegada, fundamentalmente, através de um dos trêsprocedimentos seguintes: 1) Pela corroboração ou negação deuma de suas hipóteses; 2) pela verificação ou negação de umade suas predições; 3) pela corroboração ou negação de teoriasauxiliares, deduzidas da teoria principal (teoria em teste, ou sobsuspeita); as teorias auxiliares podem ser de três tipos: teoriasou hipóteses de nulidade, teorias ou hipóteses salvadoras eteorias ou hipóteses assassinas [30]. Incluem­se no rol dasteorias auxiliares, como veremos oportunamente, as teorias

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transcendentais, frequentemente conotadas por experiências depensamento. As predições e as hipóteses ou teorias auxiliaressão teorias geradas utilizando­se do próprio argumentodedutivista, esquematizado na figura 3. Neste caso, o foco deatenção inicial, representado na figura como observação é,nada mais, nada menos, que a própria teoria que deu origem àpredição e/ou à teoria auxiliar.

Ao valorizar a falseabilidade, como critério a ser adotado pelosdedutivistas, Popper nada mais fez que tentar expandir, ou trazerpara o domínio da metodologia científica, uma práticaamplamente utilizada com sucesso em estatística: o critério detomada de decisão através da hipótese de nulidade (Ho):

"O primeiro passo, ou estágio, no processo detomada de decisão, é definir a hipótese de nulidade(Ho). Formula­se usualmente com o expressopropósito de ser rejeitada. Se é rejeitada, pode­seaceitar a hipótese alternativa (H1). A hipótesealternativa é a definição operacional da hipótese depesquisa do pesquisador. A hipótese de pesquisa é apredição deduzida da teoria que está sendocomprovada." [31]

A contribuição de Popper, a esse respeito, limitou­se à ênfaseque deu à importância da procura por hipóteses de nulidade. Atéentão, este costume estava restrito à procura por previsõesapresentadas, via de regra, pelo próprio autor da teoria e/ouhipóteses salvadoras levantadas pelos adeptos da teoria emfoco e/ou hipóteses assassinas levantadas pelos críticos dateoria em questão. As quatro têm uma característica comum: sãotodas teorias falseadoras.

A boa teoria, dentre outras qualidades [32], e segundo Popper, éaquela potencialmente geradora de hipóteses falseadoras; etanto melhor será quanto maior for o risco de ser negada. Elapode até mesmo ser derrubada no primeiro teste a que forsubmetida, o que não invalida o que foi dito: foi uma boa teoriaenquanto durou, e voltará a ser se conseguir ressurgir dascinzas. Dito em outras palavras: o critério, para se avaliar avirtude de uma teoria nascente, repousa no seu grau desubmissão a testes adversos. Uma teoria de baixo riscoraramente é bem vinda [33]; e uma teoria sem risco algum, naopinião de Popper, não é científica; e eu iria além: sequer éteoria.

Levando­se em conta que o critério falsificacionista peca pelasubjetividade, deve­se tomar cuidado ao se optar por uma teoria,em detrimento de outra, pelo fato de a primeira ser maisfalseável que a segunda. Diferentes hipóteses falseadorasdevem apresentar pesos diferentes; e este peso, mesmo quandobem estimado, freqüentemente o é por um processo subjetivo.Não é raro utilizar­se desta subjetividade inerente aofalsificacionismo para justificar escolhas feitas segundo critériospolíticos, econômicos, interesseiros, corporativistas, ou então

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apoiados em "princípios" outros que também deixam a desejar,no que diz respeito à ética do cientista.

8. Entendendo o falsificacionismo

Suponha que alguém deduza a seguinte hipótese H1: As maçãsdo Estado de São Paulo são vermelhas. A teoria, assimsimulada, é uma teoria de hipótese única. Percebam que, noargumento da hipótese, está se admitindo como pressupostosuma infinidade de conceitos, tais como fruta, maçã, cor,vermelho, local, São Paulo, Brasil, etc. Estes pressupostos são oque Severino chama de evidências prévias, como vimos noitem 5, e constituem uma das bases da argumentação deChalmers [34] ao contestar os que afirmam que a ciênciacomeça com a observação.

Um exemplo de previsão desta teoria seria: as maçãs de Jundiaídevem ser vermelhas, tendo em vista que Jundiaí se localiza noEstado de São Paulo.

Suponha, também, que alguém tenha demonstrado que, emcondições X, outra fruta que não a maçã, e que originalmenteera de determinada cor, se modifica; e conclui que, se a teoriasobre as maçãs for verdadeira, ela deverá permanecerverdadeira nas condições X. Pode­se, então, construir a seguintehipótese de nulidade Ho: Em condições X, obter­se­ão, em SãoPaulo, maçãs não vermelhas. Esta previsão não decorre dateoria (H1), mas de evidências prévias outras e estranhas àmesma. Se esta hipótese (Ho) for verificada, a hipótese originalH1 estará falseada.

Será que este simples fato condena a teoria original? Para ofalsificacionista ingênuo, sim. Para aquele que entendeu eaceitou o significado da afirmação de Popper, citada nesteartigo, ao final do quarto parágrafo do item 5, não. Optar poruma teoria não significa crer numa verdade absoluta. Se euafirmo que Ho é verdadeira, e conseqüentemente H1 é falsa, istonão significa que eu estou atribuindo o grau de veracidade 100%a uma hipótese e 0% à outra; significa, simplesmente, que averificação experimental me convenceu a optar por uma teoriaem detrimento da outra. A opção é uma das maneiras pelasquais o cientista expressa a sua fé na ciência [35], e ofalsificacionismo estabelece normas a lhe orientar nesta opção.

Suponha agora que, em condições X, ou em outra condiçãoqualquer, se encontrem, no Estado de São Paulo, maçãs verdes.Significa isto que a hipótese H1 é falsa? Não. Simplesmente elafoi falseada. Nada impede que amanhã, com a evolução daciência, se descubra que estes frutos verdes, a que hojeassociamos a idéia maçã, estejam inseridos num outro contexto,e que realmente não sejam maçãs.

Por que então se dá preferência a verificações falseadoras emdetrimento das corroboradoras? Ora, isto nem sempre acontece,conquanto seja esta uma das regras propostas pelo

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falsificacionismo. Por exemplo, tanto a teoria da relatividade,quanto a mecânica quântica são teorias físicas amplamenteaceitas, graças a terem sido corroboradas por previsões que seconfirmaram; e pouco valor se deu a um grande número detestes que as falsearam. Por outro lado, estas duas teorias são,concomitantemente, aceitas pelos físicos, conquanto existamfortes argumentos a "provar" que cada uma destas duas teoriasfalseia a outra, e ambas falseiam a teoria de Maxwell, quetambém é aceita como verdadeira. Certos ou errados, nestecaso, os físicos modernos, dentre os quais se inclui Popper,fizeram uma opção contrária à norma falsificacionista, e não hácomo criticá­los por essa conduta, a menos que se pretendaatribuir ao falsificacionismo uma qualidade que ele não possui: ade estabelecer critérios absolutos de veracidade.

O falsificacionismo presta­se também a fomentar o diálogo e acriatividade. Neste caso, surge quase como que um apelo paraque se invista mais em experiências de pensamento, um recursolegítimo e de grande valor em ciência.

9. O falsificacionismo como delimitador da ciência

Vimos, no item 7, que, para Popper, uma teoria sem risco algumnão é científica, e eu acrescentei: sequer é teoria. Popper quisse aproveitar deste argumento para delimitar a ciência,utilizando­se então do falsificacionismo como critério decientificidade. Com esta opção, Popper desagradou a muitos econvenceu a poucos, ainda que sua idéia não fosse de todo má.

Não podemos, em sã consciência, dizer que a psicanálise, porexemplo, não pertença ao campo da ciência pelo simples fato deuma de suas "teorias" precursoras ser não falseável. Sequerpodemos dizer que o autor dessa idéia não fosse cientista: se éverdade que a psicanálise se desenvolveu em cima desta idéia,e apesar disso, conseguiu, de alguma forma, se impor comociência, muito provavelmente, queiramos ou não, seu autorcontribuiu diretamente para o progresso da ciência. Mesmo quehoje alguém chegasse a concluir, categoricamente, pelo caráternão científico da psicanálise, isto, de forma alguma, nosautorizaria a, hipoteticamente, condená­la à estagnação.

Se um cientista, utilizando­se de maus critérios, ou até mesmoapoiando­se em dogmas, constrói, de maneira não científica, umdeterminado campo do conhecimento, isto não significa que estecampo não possa vir a ser estudado cientificamente; e que nãose possam criteriosamente, aproveitar as conclusões de seusestudos. Nada impede que uma teoria, considerada hoje comonão científica, pelo fato de possuir uma ou mais hipóteses nãofalseáveis, adquira esse status após passar por ligeirasreformulações.

Não podemos assumir que um campo do conhecimento seja nãocientífico pelo simples fato de não encontrarmos nele teoriascientíficas. Este posicionamento de Popper, a meu ver, não sejustifica: o falsificacionismo não é um bom critério delimitador daciência, e isto eu espero que tenha ficado claro para o leitor. E

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mais: não existem áreas não científicas, mas sim áreas ondeainda não foram produzidos conhecimentos científicos. Oprogresso científico tem sua origem na intuição e, pelo menosnesta etapa, nada é absolutamente corroborável ou falseável.Podemos ainda dizer que a ciência não se localiza aqui ou acolá:sob esse aspecto, a ciência não tem fronteiras.

10. Enfim, a teoria do método

Nos demais artigos desta série, irei demonstrar ser possível,partindo da regra científica fundamental, desenvolver uma teoriasobre o método científico utilizando­se das três hipótesesseguintes:

1. O progresso científico tem sua origem naintuição.

2. A produção de conhecimentos passanecessariamente pelas etapas dedução,análise, indução e síntese, na ordemapresentada.

3. Os princípios científicos fundamentais sãouniversais.

Por questão de simplicidade, subdividirei o estudo do método emtrês etapas, correspondentes a cada uma das hipóteses: 1) oestudo do macrométodo científico; 2) o estudo do métodocientífico propriamente dito; e 3) o estudo do micrométodocientífico. Os tópicos, nos quais desenvolverei estas etapas,estão em fase de projeto, não havendo, portanto, previsãoquanto à época de publicação.

* * * * * *

Referências:

[1] POPPER, K. R., 1956, Acerca da inexistência do métodocientífico, in Prefácio da edição de 1956 do livro O realismo e oobjetivo da ciência, Publicações Dom Quixote (tradução), Lisboa,1987. Este prefácio foi lido num encontro dos Fellows of Centerfor Advanced Study in the Behavioral Sciences, em Stanford,Califórnia, em novembro de 1956. Voltar

[2] FERREIRA, A. B. H., 1986, Novo dicionário da línguaportuguesa, Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, p. 1128. Voltar

[3] POPPER, K. R., (1959), A lógica da pesquisa científica, Ed.Cultrix (tradução, 1975), São Paulo. Voltar

[4] CHALMERS, A. F., 1976 (tradução, 1993), O que é ciênciaafinal?, Ed. Brasiliense, São Paulo, 225 p. Voltar

[5] BEVERIDGE, W. I. B., 1980, Sementes da descobertacientífica, Edusp (tradução), São Paulo. Voltar

[6] MESQUITA F.° , A., 1987, Confesso que blefei! ­­ Físicaantiga vs moderna, editado pela USJT (na época Faculdades SãoJudas Tadeu), São Paulo, capítulo 13, A Ciência Existe!, p. 92­8.Voltar

[7] Perguntas e Debates, 1995, item V, Sobre Pesquisa e

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Filosofia da Ciência, p. 75., in Especial/Integração: A pesquisana universidade particular, Integração I(1):51­75, 1995. Esteensaio foi também apresentado e discutido em palestra (nãopublicada) que ministrei por ocasião da Semana de Filosofia daUSJT de 1994. Voltar

[8] KUHN, T. S., 1962 (tradução, 1975), A estrutura dasrevoluções científicas, Ed. Perspectiva, São Paulo, 257 pp.,capítulo 8, A natureza e a necessidade das revoluçõescientíficas, p. 131. [Os grifos são meus.] Voltar

[9] FERREIRA, 1986, Idem, p. 404. Voltar

[10] Leonardo da Vinci, in The New Encyclopaedia Britannica,Vol. 22 (Macropaedia), Enc. Brit. Inc., Chicago, 1993, p. 946(Leonardo as artist­scientist). Voltar

[11] SANTOS, G. T., Os caminhos do pensamento científico apartir do Iluminismo, Integração I(5):131­6, 1996, conferênciaproferida por ocasião da Semana de Filosofia da USJT de 1995.Na sessão de debates, Santos, dentre outras consideraçõesinteressantes a respeito, faz a seguinte observação: O progresso,como vai ser definido no Iluminismo, é uma noção de abandono:passa pelo abandono necessário de coisas que ficaram ou quedeverão ficar no passado. Voltar

[12] O termo diretamente, aqui empregado, é essencial; a não serlevado em conta, corremos o risco de considerar como cientistas,dentre outros, os mecenas, que, no passado, contribuíram demaneira indireta para o progresso das ciências. Voltar

[13] CHALMERS, A. F., 1976, op. cit. (Voltar pelo browser), pp.23­63. Voltar

[14] Idem, (Voltar pelo browser) p. 28. Voltar

[15] Esta versão é uma adaptação do princípio da indução comoenunciado por CHALMERS (1976), op. cit. (Voltar pelo browser):"Se um grande número de As foi observado sob uma amplavariedade de condições, e se todos esses As observadospossuíam, sem exceção, a propriedade B, então todos os Aspossuem a propriedade B." Aparentes contradições, que oiniciante possa descobrir ao comparar os dois enunciados, nãocomprometem o raciocínio que se segue, razão pela qualadmitirei a equivalência sem justificá­la. Voltar

[16] Neste caso, o princípio ficaria: Se em dadas condições, umdeteminado fenômeno, sempre que pesquisado, se repetiu,qualquer afirmação decorrente desta premissa, será hipótese se esomente se for passível de verificação observacional. O primeirose torna a afirmação inconsistente. Voltar

[17] SEVERINO, J. S., 1994, Metodologia do trabalho científico,Cortez Editora, São Paulo. Voltar

[18] POPPER, K. R., 1956, op. cit. (Voltar pelo browser) Voltar

[19] SIEGEL, S., 1977, Estatística não­paramétrica, Ed. McGraw­Hill do Brasil, Ltda, São Paulo, p. 6. Voltar

[20] É possível que alguns, dentre os indutivistas, não concordemcom alguns dos termos da afirmação, por motivos que podem sersuspeitados, tendo em vista o apresentado neste e no itemanterior. Voltar

[21] GIL, A. C., 1994, Como elaborar projetos de pesquisas,

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Editora Atlas S. A., São Paulo, p. 35. [Os grifos são meus.]Voltar

[22] Em FERREIRA, A. B. H., 1986, op. cit. (Voltar pelobrowser), encontramos uma definição mais geral, a satisfazertambém o argumento indutivista: "Teoria é um conjunto deconhecimentos não ingênuos que apresentam graus diversos desistematização e credibilidade, e que se propõem a explicar,elucidar, interpretar ou unificar um dado domínio de fenômenos oude acontecimentos que se oferecem à atividade prática." Voltar

[23] Os três livros, citados a seguir, não são os únicos nosgêneros assinalados, a despeito da disparidade apontada. Aotempo em que registro, com estes exemplos, a exceção à regra,presto também uma homenagem a autores que, ao serem pormim lidos, transmutaram em dúvidas muitas das respostas aquestões fundamentais, e que eu, pretensiosamente, julgavapossuir. Voltar

[24] BUNGE, M., Teoria e realidade, Ed. Perspectiva (tradução,1994), São Paulo. Voltar

[25] LACEY, H.M., 1972, A linguagem do espaço e do tempo, Ed.Perspectiva S.A. Voltar

[26] BOHM, D., e PEAT, F. D.: Ciência, ordem e criatividade,Gradiva Publicações Ltda (tradução, 1989), Lisboa. Voltar

[27] A esse respeito vale a pena ler Científicos Chiflados,capítulo XIV do livro: BERNSTEIN, J., 1988, Observación de laCiencia, Ed. Fondo de Cultura Económica, México. Voltar

[28] EINSTEIN, A., Física e realidade, in Albert Einstein,Pensamento político e últimas conclusões (1983, tradução), Edit.Brasiliense S. A., São Paulo. [O grifo é meu.] Voltar

[29] Este termo eu utilizei pela primeira vez no artigo: MESQUITAF.° , A, 1983, Ciência empírica: uma arma ou uma dádiva?,Faculdade (Revista do IAMC), n.° 6, p. 28­43, agosto/83. Voltar

[30] Essa subdivisão é de natureza meramente acadêmica, epretende retratar a intenção, ou mesmo a expectativa, com que ateoria auxiliar (hipótese) foi formulada. Na prática, tanto aspredições quanto as teorias auxiliares de quaisquer dos gênerosapresentados podem tanto corroborar quanto falsear a teoriaprincipal, ou da qual foram derivadas. A expressão teoriaassassina eu utilizei, pela primeira vez, em 1993, em umaconferência, que proferi na USJT, intitulada: Nascimento, vida emorte de uma teoria. Voltar

[31] SIEGEL, S., 1977, op. cit. (Voltar pelo browser), p. 7. Voltar

[32] Por exemplo, coerência interna, abrangência, grau deaplicabilidade, beleza lógica, beleza matemática, etc. Voltar

[33] Vide, a esse respeito, o comentário de Thomas Khun citadono item 2 (Voltar pelo browser). As teorias que se acomodam aosparadigmas vigentes são, em geral, teorias de baixo risco. Voltar

[34] CHALMERS, A. F., 1976, op. cit. (Voltar pelo browser).Voltar

[35] Vide a poesia A fé do cientista, em MESQUITA F.° , A.,1983, op. cit. (Voltar pelo browser). Voltar

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