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    Autoras: Profa. Renata Christina LeandroProfa. Amarilis Tudella Nanias

    Colaboradora: Profa. Maria Francisca S. Vignoli

    Teoria Geral do

    Serviço Social

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    Professoras conteudistas: Renata Leandro / Amarilis Tudella Nanias

    Amarilis Tudella Nanias

    É assistente social graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP no ano de 1980. É

    professora do Ensino Superior desde o ano de 1997. Tem mestrado em Serviço Social na área de políticas públicas, alémde ser especialista em políticas públicas no Contexto do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Tem participaçãoativa como membro da diretoria da OSCIP Pró-Mulher no município de Votorantim, no combate à violência contra amulher. Atua há mais de 30 anos em programas e projetos junto às prefeituras e conselhos municipais de toda a regiãode Sorocaba. É voluntaria no CAPS de Votorantim, com atividades lúdicas de pintura em tela. Além disso, é escritora depoemas e contos premiados. Atualmente é coordenadora do curso de Serviço Social da Universidade Paulista – UNIPnas categorias presencial e educação a distância, além de lecionar diversas disciplinas em ambas as categorias.

    Renata Leandro

    Reside no município de Campinas (SP). Em 2002, graduou-se em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica

    de Campinas (PUC–Campinas). Tem especialização na área de violência doméstica contra crianças e adolescentes peloLaboratório da Criança (LACRI) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP, 2005), em sexualidadehumana pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP, 2009) e é pós-graduandaem Formação em EaD pela UNIP. Atualmente, é docente na UNIP, campus  de Sorocaba, consultora em gestão públicae captadora de recursos e responsabilidade social no primeiro e no segundo setor. Possui experiência em gestãosocial, tendo atuado como gestora municipal no município de São Thomé das Letras (MG) e na Secretaria Estadual deDesenvolvimento Social e Direitos Humanos no estado do Rio de Janeiro. Atuou, também, em Centros de Referênciade Assistência Social (CRAS) no município de Campinas, no atendimento matricial de famílias e na área de crianças eadolescentes com suas respectivas famílias, no Projeto Rotas Recriadas (atualmente denominado Programa Municipalde Enfrentamento à Exploração Sexual Infantojuvenil), de 2003 a 2007.

    © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ouquaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem

    permissão escrita da Universidade Paulista.

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    N179t Nanias, Amaril lis Tudella

    Teoria Geral do Serviço Social / Amarillis Tudella Nanias; RenataChristina Leandro. – São Paulo: Editora Sol, 2014.

    200 p., il.

    Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos ePesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-037/14, ISSN 1517-9230.

    1. Serviço Social. 2. Instrumentos legais. 3. Terceiro setor. I. Título.

    CDU 364

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    Prof. Dr. João Carlos Di GenioReitor

    Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

    Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias

    Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

    Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez

     Vice-Reitora de Graduação

    Unip Interativa – EaD

    Profa. Elisabete Brihy

    Prof. Marcelo Souza

    Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar

    Prof. Ivan Daliberto Frugoli

      Material Didático – EaD

      Comissão editorial:Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)

      Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)  Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)  Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)  Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

      Apoio:  Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD  Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

      Projeto gráfico:  Prof. Alexandre Ponzetto

      Revisão:  Geraldo Teixeira Jr.  Virgínia Bilatto

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    Sumário

    Teoria Geral do Serviço SocialAPRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9

    INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9

    Unidade I

    1 TEORIAS DO SERVIÇO SOCIAL .................................................................................................................... 111.1 O Tomismo ..............................................................................................................................................11

    1.1.1 O Neotomismo .........................................................................................................................................121.1.2 O Serviço Social e sua atuação sob influência do Neotomismo .........................................121.2 A abordagem positivista – uma primeira forma do pensamento social.O Positivismo, Funcionalismo e sua influência na atuação profissional doServiço Social tradicional ......................................................................................................................... 15

    1.2.1 Positivismo, Funcionalismo e sua influência na atuação profissional doServiço Social tradicional ...............................................................................................................................181.2.2 O Positivismo ............................................................................................................................................181.2.3 Funcionalismo ..........................................................................................................................................201.2.4 O Serviço Social tradicional e a atuação pautada no Positivismo e

    Funcionalismo .....................................................................................................................................................211.3 A aproximação do Serviço Social com a Fenomenologia ....................................................24

    1.3.1 A Fenomenologia de Edmund Husserl ...........................................................................................251.3.2 A aproximação do Serviço Social com a Fenomenologia ........................ ........................... .... 26

    2 CAPITALISMO E SERVIÇO SOCIAL: DIALOGANDO COM KARL MARX..........................................272.1 Relação capital x trabalho ................................................................................................................ 282.2 A Revolução Industrial e a maior precarização da relação capital x trabalho ............282.3 A Organização da assistência social e o importante estudo de Mary Richmond ...... 302.4 O Serviço Social e o desenvolvimentismo ..................................................................................32

    2.4.1 Configurações do Serviço Social em face da perspectiva desenvolvimentista ............. 332.4.2 Redefinições do Serviço Social no processo de expansão capitalista na era dodesenvolvimentismo .........................................................................................................................................35

    2.5 O Serviço Social e a “Geração 1965” ............................................................................................ 372.5.1 O Serviço Social e os ditames da Ditadura a partir de 1964 ................................................38

    2.6 Serviço Social nos anos de 1970 ....................................................................................................432.6.1 Política do Estado de Bem-Estar Social no Brasil e Serviço Social nosanos de 1970 .......................................................................................................................................................44

    2.7 O Serviço Social e o Marxismo........................................................................................................482.8 O método do materialismo histórico dialético ........................................................................48

    2.9 Relação capital/trabalho e mais-valia ......................................................................................... 49

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    2.10 O Serviço Social e a aproximação com a teoria marxista .................................................50

    3 TRABALHO NO CAPITALISMO .....................................................................................................................533.1 O capitalismo e a exploração da força de trabalho ................................................................583.2 A intrínseca relação do Serviço Social com o sistema capitalista .................................... 623.3 Trabalho, pobreza e exclusão social nos contextos rural e urbano ..................................63

    3.4 Capital x trabalho: uma relação de conflitos sociais ............................................................. 643.5 Particularizações dos campos de prática do Serviço Social: conflitos econtradições ................................................................................................................................................... 68

    3.5.1 Particularização dos campos de práticas do Serviço Social: correlação deforças e superação ....................... .......................... ........................... .......................... .......................... ............. 713.5.2 Estado e Serviço Social ......................... .......................... .......................... .......................... .................. 713.5.3 Questões sociais ......................................................................................................................................733.5.4 Demandas sociais....................................................................................................................................74

    4 O SERVIÇO SOCIAL NO PROCESSO DE REPRODUÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS .................... 75

    4.1 Perspectivas de análise .......................................................................................................................754.2 A intervenção do agente profissional nas relações sociais .................................................794.3 O significado dos serviços sociais ..................................................................................................844.4 Relações sociais e Serviço Social ...................................................................................................864.5 O Serviço Social e as novas configurações para os serviços sociais ................................884.6 Paradigmas metodológicos do trabalho social ........................................................................ 954.7 Autoimplicação entre conhecimento e prática .......................................................................964.8 Pode-se pensar o conhecimento como instrumento de trabalho doassistente social? ..........................................................................................................................................97

    Unidade II

    5 SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE ...................................................................................1065.1 Perspectiva de análise.......................................................................................................................1065.2 A globalização e sua influência no contexto social .............................................................1085.3 Cidadania e ideologia .......................................................................................................................1115.4 Pensando na contemporaneidade ...............................................................................................114

    6 SERVIÇO SOCIAL E INSTRUMENTOS LEGAIS .......................................................................................1176.1 Instrumentalidade com categoria para a atuação do Serviço Social ...........................119

    6.1.1 As competências do trabalhador assistente social e suas inserções emespaços socioinstitucionais ..........................................................................................................................121

    6.2 Trabalho profissional: dilemas para reflexão ...........................................................................1266.2.1 O Serviço Social e a prática institucionalizada....................... .......................... ....................... 1326.2.2 As estratégias e técnicas profissionais: a relação teoria e prática................................... 135

    6.3 Mercado de trabalho: transformações conjunturais e a inserção doassistente social ..........................................................................................................................................138

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    Unidade III

    7 PROJETO NEOLIBERAL .................................................................................................................................1457.1 As bases de organização do trabalho .........................................................................................1477.2 A classe trabalhadora no contexto pós-reestruturação produtiva ................................1497.3 Hegemonia do projeto neoliberal: Estado-sociedade .........................................................152

    7.4 A (contra)reforma do Estado .........................................................................................................1538 O TERCEIRO SETOR .......................................................................................................................................156

    8.1 Concepção histórica do terceiro setor .......................................................................................1598.1.1 Primórdios da ação pública não-estatal .......................... .......................... .......................... ...... 1608.1.2 Redução do Associativismo no ápice do welfare-state  ........................................................1618.1.3 Fortalecimento do terceiro setor ....................................................................................................161

    8.2 Definição do terceiro setor .............................................................................................................1628.3 As Leis e o terceiro setor..................................................................................................................163

    8.3.1 Criação de uma organização do terceiro setor....................... .......................... ....................... 163

    8.4 Principais tipos de organizações do terceiro setor no Brasil ............................................1648.4.1 A face do terceiro setor no Brasil ....................... .......................... .......................... ....................... 1648.4.2 As igrejas .......................... .......................... .......................... .......................... ........................... .............. 1648.4.3 Os sindicatos ....................... .......................... ........................... .......................... .......................... .......... 1658.4.4 As cooperativas ....................... .......................... .......................... .......................... .......................... ...... 1658.4.5 As fundações ...................... .......................... ........................... .......................... .......................... .......... 1668.4.6 As associações ......................... .......................... .......................... .......................... .......................... ...... 1668.4.7 Qualificações das OTS: Título de Utilidade Pública e Certificado de Filantropia........ 1668.4.8 O Título de Utilidade Pública....................... .......................... .......................... .......................... ...... 1678.4.9 Qualificações de OTS: Título de OSCIP – Organização da Sociedade Civil

    de Interesse Público ......................... .......................... .......................... .......................... .......................... ...... 1688.4.10 Procedimentos para a qualificação ......................... .......................... ........................... .............. 1698.5 Certificado de Entidade Beneficente da Assistência Social (CEBAS) .............................1698.6 Gestão de organizações do terceiro setor ................................................................................170

    8.6.1 Funções administrativas.....................................................................................................................1718.6.2 Instrumentos de gestão no terceiro setor ..................................................................................1718.6.3 Gestão social ....................... .......................... ........................... .......................... .......................... .......... 173

    8.7 Desafios do terceiro setor: legitimidade ...................................................................................1748.7.1 Legalidade ........................ .......................... .......................... .......................... .......................... ............... 1748.7.2 Legitimidade ....................... .......................... ........................... .......................... .......................... .......... 175

    8.7.3 Eficiência .......................... .......................... .......................... .......................... .......................... ............... 1768.7.4 Sustentabilidade ......................... .......................... .......................... .......................... ........................... . 178

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     APRESENTAÇÃO

    Nosso objetivo é oferecer ao aluno do SEPI/SEI um material de apoio para o acompanhamento dadisciplina Teoria Geral do Serviço Social . Essa matéria fará parte do aprofundamento do aluno quantoao Serviço Social e sua institucionalização no Brasil, apresentando parâmetros para a compreensão daprofissão no seu contexto sócio-histórico.

    A disciplina pretende proporcionar a apreensão crítica em relação à teorização do Serviço Social,explicitando a constituição e desenvolvimento dessa profissão na divisão sociotécnica do trabalho, bemcomo sua inserção e especificidade.

    Oferecemos ao aluno subsídios teórico-metodológicos para a compreensão do desenvolvimentoe inserção do Serviço Social na divisão do trabalho e no processo de reprodução das relações sociais.Objetiva-se explicitar o significado da profissão na sociedade capitalista e apreender as implicações

    sociais que permeiam as condições do exercício profissional.

    O Serviço Social surgiu em decorrência da divisão social e técnica do trabalho, afirmando-se dentroda sociedade como uma profissão dotada de uma dimensão teórico-metodológica e técnico-operativa,indissociada das ordens éticas e políticas. Surgido no contexto do desenvolvimento capitalista e doagravamento da questão social, apresenta-se, como categoria profissional, nessa mesma divisão sociale técnica do trabalho, e como categoria de classe trabalhadora, desenvolvendo uma atividade de cunhosocial.

    Iniciamos esse curso compreendendo a concepção teórica da reprodução das relações sociais dentrodo sistema capitalista e sua mistificação junto às relações sociais.

    INTRODUÇÃO

    Estudaremos a institucionalização do Serviço Social no Brasil: demandas societárias e respostasprofissionais entre as décadas de 1930 e 1970, as construções teórico-metodológicas relevantes doperíodo, o processo de organização política da categoria e a construção de um novo projeto ético-políticoprofissional.

    Para tanto, faz-se necessário compreender as correntes teóricas do Neotomismo, Positivismo,Funcionalismo, Fenomenologia, Marxismo, e como essas correntes teóricas influenciaram o ServiçoSocial tradicional, até a aproximação do Serviço Social com a corrente teórica marxista. Nesse sentido,você aluno conhecerá o processo de construção do projeto ético-político da profissão de Serviço Social.

    Sendo o Serviço Social uma profissão que atua nessas questões, discutiremos sobre as formas deexpressão do trabalho, em especial na sociedade brasileira, conceituando o que é trabalho e sua aplicaçãonas diferentes sociedades dentro da corrente marxista, isto é, o significado de trabalho na visão marxista;para melhor apreender a nova estrutura e organização do mundo do trabalho na contemporaneidadeque é a plataforma que impulsiona o homem na sociedade capitalista. É a partir dele que o homem serelaciona com a natureza e com os demais homens, criando relações sociais e de trabalho.

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    Por fim, estudaremos a história da cooperação às comunidades por meio das organizações do terceirosetor, por meio de conceito de terceiro setor e sua caracterização, seus desafios, marco legal do terceirosetor (Lei 9.790/99) e a inserção do Serviço Social no terceiro setor.

    Desta forma, o aluno conhecerá a história da formação e fortalecimento do terceiro setor no Brasile no mundo, as rotinas de gestão e planejamento no terceiro setor, compreendendo a ação voluntária apartir de sua concepção e marcos éticos.

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    TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL

    Unidade I

    1 TEORIAS DO SERVIÇO SOCIAL

    Nesta unidade, apresentar-se-ão as influências de várias teorias e pressupostos filosóficosem sua formação e atuação em diversas épocas desde a origem do Serviço Social. Essas teoriasperpassam a profissão desde seu surgimento até o Movimento de Reconceituação da profissãoem meados dos anos de 1980. Trataremos, nesta aula, da atuação do Serviço Social pautada nainfluência católica sob orientação da teoria neotomista, passando pelo Positivismo até a teoriacrítica marxista.

    1.1 O Tomismo

    A teoria filosófica de São Tomás de Aquino (1225-1274) da Escola Medieval Escolástica, o Tomismo,discute o Realismo e o Nominalismo. Essa teoria defende que a substância primeira é o indivíduo(Nominalismo). Em conformidade com o pensamento de Aristóteles, defende que a filosofia é umaimprescindível teoria para resolver os problemas do mundo.

    Tomás de Aquino afirma que o intelecto humano deriva da vontade de Deus, portanto a vontadenecessariamente tende para o bem. Existem dois elementos fundamentais para um ato integralmentemoral: a razão, que é um elemento objetivo; e a vontade, que é um elemento subjetivo. O homem éum animal social, considerado um ser político que vive em sociedade. A primeira convivência social dohomem é a família, a segunda forma em que ele convive socialmente é o Estado.

    Para São Tomás de Aquino, o Estado deve ser um meio para a convivência social do indivíduo, e nãoo contrário. O Estado não pode e não deve ter uma função puramente material e repressiva, mas devetambém ter uma função espiritual e organizadora da vida e sociedade. O ser deve ser primordial, emdetrimento de ideologias e posicionamentos políticos. O que se deve privilegiar é o bem-estar do ser. OEstado, apesar de sua completude, deve ficar subordinado à religião, à moral e à Igreja.

    Segundo assevera Aranha e Martins (1993, p. 103):

    É um fato que esses princípios naturalmente inatos à razão humana sãoabsolutamente verdadeiros; são tão verdadeiros, que chega a ser impossívelpensar que possamos ser falsos. Tampouco é permitido considerar falsoaquilo que cremos pela fé, e que Deus confirmou de maneira tão evidente.Já que só o falso constitui o contrário do verdadeiro, como se concluiclaramente a definição dos dois conceitos, é impossível que a verdade sejacontrária aos princípios que a razão humana conhece em virtude das suasforças naturais.

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    Unidade I

    Dessa forma, apontamos que a religião está ligada ao transcendental e à metafísica, o que correspondeao bem eterno das almas, segundo os ensinamentos de Deus. São Tomás de Aquino afirma que a palavrade Deus não pode ser ultrapassada pelo entendimento humano, e não se pode alegar argumentoscontra a fé cristã. A valorização deve estar voltada para o universal, a autoridade, a verdade eternarepresentada pela fé.

    1.1.1 O Neotomismo

    O Neotomismo tem seus preceitos teóricos baseados na teoria Tomista de São Tomás de Aquino, comuma atenção voltada para a pessoa humana, que tinha na existência uma dualidade: uma temporal,outra atemporal. O temporal diz respeito às coisas terrenas do corpo e do material; o atemporal dizrespeito à alma, à transcendência que conduz a pessoa à vida eterna.

    Os princípios do Neotomismo correspondem a princípios imutáveis, considerados como verdade

    pura pela Igreja Católica. De acordo com esses preceitos, o homem precisa do corpo e da sociedadepara trabalhar sua alma enquanto faz o bem; cumprir moralmente os desígnios de Deus, para alcançara transcendência e mundo metafísico.

    Segundo Guedes (2000), o Neotomismo apresenta o homem como um ser composto de “corpo ealma”, um ser social completo. Esse ser utiliza a sociedade para o cumprimento do fim último, que éalcançar o céu, a transcendência da alma.

    A Encíclica Papal Aerteni Patris, de 1879, partia da compreensão de que era preciso um retorno àfilosofia de São Tomás de Aquino. Incentivava o resgate das doutrinas tomistas, julgando-as necessáriaspara um trabalho de doutrina dos católicos com as famílias, para que assim pudesse resolver, por meioda moral e catequização, os problemas sociais advindos da questão social.

    Após a encíclica Arteni Patris, as encíclicas Rerum Novarum (1881) e o Quadragésimo Ano (1921) tambémpropõem o envolvimento de todos os dissidentes da Igreja na resolução dos problemas sociais; inclusive o ServiçoSocial, que tem sua formação e sua atuação tradicional totalmente ligadas e voltadas para a Igreja Católica.

    Segundo aponta Guedes (apud  MALHEIROS, 2000, p. 5):

    A doutrina oficial da Igreja Católica (1930/1940) considera o homem comopessoa sobre a qual é possível reconstruir os valores morais da sociedade, quedeve caminhar para o bem comum. Segundo os primeiros assistentes sociais,o cumprimento desta doutrina é assegurado por uma sólida formação moral.

    1.1.2 O Serviço Social e sua atuação sob influência do Neotomismo

    O Serviço Social atuou, de forma tradicional, sob as influências da doutrina neotomista nos anosde 1939 a 1940. Tinha uma forte preocupação em trabalhar sob as mazelas advindas do capitalismo,munido do propósito de trabalhar a moral, a formação e o respeito à pessoa humana, de acordo com ospreceitos postulados pela perspectiva da filosofia neotomista.

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    TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL

    O Serviço Social, segundo Guedes (2000), situava-se sob a ideia de que o homem, como uma pessoahumana, era portador de um valor soberano ligado à metafísica e aos desígnios de Deus; e de um valortemporal ligado às coisas terrenas ou materiais própria de sua vida terrena.

     Observação

    Sob essa perspectiva, faz-se necessário afirmar que o atemporal ousoberano (alma) refere-se a elementos ligados aos princípios da fé, sendoinquestionáveis. O atemporal se sobressaia em relação ao temporal outerreno (matéria).

    A vida na terra deve ser vivida para se fazer o bem e praticar a obediência fiel às doutrinas da Igreja;uma vez que praticando os preceitos atemporais a pessoa humana caminha para a vida eterna.

    Assim, podemos pontuar que os assistentes sociais acreditavam ser guiados pelos preceitos da IgrejaCatólica. É preciso vida temporal em sociedade para que a pessoa humana possa realizar um bom caminhopara se chegar à verdadeira condição, que é o atemporal ou a transcendência. Essa forma de entender acondição humana relegava a historicidade das relações sociais e da exploração criadas pelo capitalismoà inércia, pois tende a considerar que os homens devem aceitar os desígnios de sua própria condição demiséria, que as condições de vida de cada um são uma forma de garantir a vida na terra. É essa sobrevivênciaque permitirá ao homem viver para poder alcançar a solicitude da alma ou o seu caminho atemporal.

    Conforme Araújo (1997), a visão neotomista afirma que o homem, por ser um ser humano à imageme à semelhança de Deus, tem direito a uma vida digna e merece liberdade, saúde, emprego e habitação,mas não como uma condição de direito e obrigação dos governos. Na visão dessa doutrina religiosa,os dogmas cristãos devem ser privilegiados em detrimento de ideologias políticas, posicionamentospartidários, governos e empresas.

    Podemos ressaltar que o Serviço Social tradicional difundia a ideia de saúde, habitação, moradia, nãodefendendo um posicionamento de luta por melhoria de qualidade de vida, mas uma ideia atribuída àmoral e religiosidade humana.

    Os assistentes sociais tradicionais atuavam sob a formação de um projeto societário que tinha oideal de moral cristã. O aperfeiçoamento da pessoa humana tinha como finalidade a vida eterna eatemporal, após o cumprimento da vida material terrena. Mediante essa perspectiva, os assistentessociais criticavam e repudiavam as ideias comunistas e liberalistas.

    As ideias comunistas eram consideradas contrárias às explicações sobrenaturais religiosas: o homempode fazer sua própria história voltada para uma compreensão materialista do homem. As ideias liberaiseram criticadas, pois eram individualistas e visavam à exploração e o lucro excessivo. Desconsideravamque o homem, como um ser humano, tem direito à dignidade; deve ter um mínimo de bem-estar parapoder viver sua existência física tão necessária para alcance da esfera atemporal e metafísica, comoprega o Neotomismo.

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    Unidade I

    Conforme afirma Ferreira (apud  GUEDES, 2000, p. 2):

    Os primeiros assistentes sociais acreditavam que uma das maneiras possíveisde alcançar o bem comum era o retorno aos antigos modelos de corporaçõesmedievais, identificados como formas de preservar o princípio naturalda vida associativa necessária para que o homem, ser incompleto sem asociedade, possa atingir seu fim último.

    Os assistentes sociais que atuavam sob a perspectiva neotomista defendiam a volta de um sistemaantigo de produção voltado para as corporações da era medieval. Criticavam a vida moderna e asformatações políticas do mundo moderno. Recriminavam também os valores morais dos capitalistas e aexploração, segundo Mancini citado por Guedes (2000). Difundiam que a crise do mundo moderno erauma crise espiritual, o mundo sofre, sofrem o Estado e os homens.

    Cabia, então, aos assistentes sociais realizar um trabalho de correção moral com os indivíduos que os fizessemretornar para a obediência dos desígnios naturais e à promoção humana, diferente de um trabalho politizadoque fortalecesse a promoção da cidadania e a luta por direitos sociais, conforme a atuação contemporânea.

    Os assistentes sociais tinham por obrigação em seu exercício profissional garantir a obediência aos“verdadeiros valores” da sociedade, a família, o trabalho e a religião. Segundo Ribera (apud  GUEDES,2000, p. 4), o trabalho dos assistentes sociais, junto aos operários, “deveria gravitar em torno da situaçãomoral e física do trabalhador”.

    A atuação do profissional se voltava para orientações vocacionais, prevenir acidentes de trabalho,transformações na vida do operário e sua família com vistas à correção moral e ao compromisso coma ordem social; mediar as desavenças entre trabalhadores e capitalistas; garantir o rendimento dasempresas e estabilizar as condições de trabalho. Este trabalho acabava por culpabilizar os trabalhadorese suas famílias, pois os problemas advindos da questão social como consequências do capitalismo eramconsiderados falta de moral e religião.

     Observação

    O alcoolismo, prostituição, moradias promíscuas, desemprego eraminterpretados como problemas individuais e passíveis de correção pelosassistentes sociais.

    Segundo assevera Telles (apud  GUEDES, 2000, p. 4),

    A família, ambiente natural à formação dos homens, fica comprometidaem quadros familiares que se constituem em ambientes promíscuos esem formação moral, os quais, muitas vezes, devem-se: à precariedade dehabitações, situações como a do concubinato, abandono de lar pelo chefe,mãe solteira, separações de cônjuges, menores pervertidos e alcoolismo.

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    TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL

    Os profissionais de Serviço Social ainda realizavam um trabalho de construção da unidade entre ostrabalhadores, não no sentido de lutar por direitos e união da classe trabalhadora, mas com intuito defazer frente ao movimento comunista que contagiava os operários nos anos de 1920, 1930 e 1940.

    Fazia-se necessário aos assistentes sociais, conforme percepção neotomista, abolir da vida dosoperários as desagregações espirituais, agitações, rebeldias e reivindicações.

    A correção moral, frente às desagregações, era a garantia de espírito, contribuição e pacificação entreas classes capital e trabalho, tão necessárias para a justa ordem natural e moral. Tudo isso gerava umaharmonia na sociedade, bem como a garantia de crescimento do capital. E ainda a justificativa que todasas coisas e pessoas têm seu lugar apropriado na ordem natural da vida, como nos prega o Neotomismo.

    1.2 A abordagem positivista – uma primeira forma do pensamento social.O Positivismo, Funcionalismo e sua influência na atuação profissional do

    Serviço Social tradicional

    O francês Auguste Comte (1798-1857), para elaborar sua teoria, foi influenciado pelos evolucionistasda biologia (Spencer e Darwin) e pela concepção, veiculada na modernidade, de um progresso econômicocontínuo e linear. Ideia defendida pelos liberais.

    O Positivismo é uma forma metódica, lógica, racional em que o indivíduo busca resolver suasnecessidades sociais, políticas, culturais, econômicas, tecnológicas e até religiosas, a partir dos fatosconcretos, com base na análise experimental, objetiva.

    Segundo Comte, a sociedade, inexoravelmente, caminhou do estágio primitivo aoindustrial-tecnológico. Nesta última fase, somente a ciência será capaz de responder ou de atender àsnovas demandas de uma sociedade cada vez mais complexa, não mais os estágios anteriores, o religiosoe o filosófico-metafísico.

    a) Ordem e progresso – parâmetros do Positivismo segundo a filosofia política de Comte, a históriada humanidade passa por três estágios: um teológico, outro metafísico e, finalmente, o positivo.Este último representava o coroamento do progresso da humanidade.

    O Positivismo encara o progresso como uma lei, pois tudo na sociedade surge da forma mais simplesaté chegar à mais complexa. Na lógica dessa teoria, os termos Ordem e Progresso seguem o seguinteargumento: se há progresso, ele não ocorre de tal forma que não haja o seu oposto. Nesse processo,tem-se aquilo que permanece (ou que é duradouro), que é estático, e aquilo que está em movimento,isto é, dinâmico.

    Esses dois elementos fazem parte da teoria positivista, na sua maneira de perceber e explicar asociedade:

    • estático: as instituições sociais como a família, a religião, o Estado, a educação, a economia, asquais são fundamentais para manter a sociedade equilibrada, isto é, ordenada;

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    • dinâmico: é tudo aquilo que se modica constantemente ou frequentemente – o que pode sercompreendido, tudo aquilo da parte das relações sociais, das mudanças e transformações queenglobam a sociedade. A sociedade industrial, por exemplo, é fruto das mudanças provocadasao longo do tempo. Conforme Ferreira (2003, p. 38), “a dinâmica, por seu lado, deveria voltar seuinteresse para o progresso evolutivo da sociedade, objetivando determinar suas leis e seu percursosucessivo e inalterável”, influência da biologia que busca analisar o fenômeno da vida sob a óticada evolução linear.

    Essa ideia de Estática e de Dinâmica está também diretamente relacionada à física de Newton(1643-1727), cientista cuja teoria torna-se paradigma da modernidade até o início do século XX, para odesenvolvimento das ciências naturais e humanas.

    A evolução da sociedade, segundo Comte, nos estágios: teológico, metafísico e cientifico, é umalei natural, mas não prescindia da necessidade de manutenção da ordem: no campo estático está

    a garantia do equilíbrio, mesmo sabendo-se da mudança em seu devido tempo e em sua devidaordem.

    Para uma melhor compreensão desse pensamento positivista, recorreremos a uma comparação,considerando uma turma escolar de algum curso: o que seria estático e o que seria dinâmico?

    Digamos que seria estática a instituição escolar, as matérias, as disciplinas da turma. O elementodinâmico, o contexto em que acontecem as aulas, o conhecimento adquirido por cada aluno e todasas mudanças que se dão ao longo do curso: os elementos estáticos favorecem a percepção do que faza turma; em relação aos dinâmicos, as mudanças podem ser individuais ou coletivas. Dependendo damagnitude das mudanças, quando atingem a totalidade, temos uma transformação profunda que, secomparada ao microcampo, que é a turma, tem-se uma revolução.

    O pensamento positivista nasceu em função da necessidade de responder objetivamente àsdemandas trazidas com a nova ordem industrial-capitalista. A preocupação central de Comte era emcomo manter essa nova ordem sem que a humanidade perdesse o rumo das coisas, isto é, sem queo individualismo colocasse em risco a própria existência social. É uma filosofia conservadora, que naépoca será justificada para manter o equilíbrio da sociedade capitalista, abalada pelos conflitos sociais já descritos anteriormente.

    O Positivismo, segundo cientistas sociais das correntes com influências marxistas, é conservador,determinista e autoritário, não considera as contradições sociais geradas pelo sistema capitalista. Emnome da ordem e do progresso, tais contradições são interpretadas pelos positivistas como desvio edevem ser corrigidas por meio de medidas necessárias à manutenção do status quo.

    b) Influências positivistas – as bases teóricas do Positivismo, elaboradas por Comte, deramorigem a outras correntes de pensamento sociológico – funcionalista no século XIX(Durkheim), sistêmica no século XX (Parsons) – com ampla aplicabilidade nas ciênciassociais, organizações, educação, entre outras. As pesquisas ditas objetivas, pautadas naestatística e quantificação dos dados, ganham força no século XX. Medir os comportamentos

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    TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL

    individuais e sociais, e as inteligências, constitui um dos métodos prioritários dessa correntepara diagnosticar problemas. A objetividade pretendida com base na razão instrumentalé a referência paradigmática e pragmática para a maior produtividade de bens materiais,simbólicos – culturais e educacionais.

    Na área de saúde, temos o exemplo do filme O óleo de Lorenzo , que mostra o confronto entreos pais desse menino (vítima de uma doença degenerativa conhecida como adrenoleucodistrofia)de um lado, e os médicos que se baseiam nas pesquisas realizadas até então, cujos resultadosnão garantiam a cura da doença, por outro lado. Os médicos não conheciam alternativas eprendiam-se aos parâmetros terapêuticos conhecidos. Para os pais do menino, não haviaalternativa a não ser lutar, procurando meios para encontrar a cura da doença. Essa história setornou bastante conhecida pela capacidade com que os pais do Lorenzo conseguiram enfrentaro problema, utilizando métodos de pesquisa experimentais, paralelamente à orientação dosmédicos. A partir de então, as crianças diagnosticadas no início da doença podem ser curadas

    com o óleo descoberto pelos seus pais.

     Saiba mais

    Assista ao filme O óleo de Lorenzo . Dir. George Miller. EUA, 129 minutos,1993.

    Do ponto de vista do atendimento às questões sociais, como violência, conflitos e movimentos

    reivindicatórios, a abordagem positivista, sob o lema da ordem e progresso, considera questões comodesvios como algo a ser corrigidos em função do equilíbrio e da ordem social.

    A influência positivista no Brasil se fez presente desde a Proclamação da República (1889),cujo ideário é expresso na nossa bandeira com o lema Ordem e Progresso. Na política, a posturapositivista é empregada pelos regimes políticos, inclusive nas ditaduras. Por exemplo: em nomeda ordem, os militares no Brasil, a partir de 1964, perseguiam, torturaram, mataram e fizeramdesaparecer várias pessoas ligadas aos movimentos sociais de esquerda, encaradas comosubversivas e perigosas.

    Na sociedade e nas empresas em geral, o Positivismo se faz presente pela utilização de métodosracionais, técnicas e instrumentos para quantificar dados e informações em nome da produtividade,eficiência e eficácia dos resultados pretendidos.

    Na atualidade, entretanto, novas abordagens são adotadas, com ênfase na teoria das inteligênciasmúltiplas e a valorização da emoção e afetividade para maior efetividade das ações humanas em suasmúltiplas manifestações. Percebe-se como o Positivismo se torna uma forma de estudar a realidadesocial com vistas à objetividade. Esse modelo de estudo e de análise sociológica segue uma lógicavoltada para a industrialização e a racionalidade. Foi assim que a Sociologia surgiu e, aos poucos, foi se

    desenvolvendo.

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    1.2.1 Positivismo, Funcionalismo e sua influência na atuação profissional do Serviço Socialtradicional

    A prática profissional do assistente social no decurso de sua institucionalização na América Latina eno Brasil incorporou várias correntes de pensamento, as quais deram sua contribuição no processo deconsolidação da profissão. As vertentes: positivista e funcionalista, apesar de suas limitações, serviramcomo norteadoras para a prática profissional em seus primórdios de implantação no Brasil.

    O Positivismo como corrente de pensamento originária das ciências sociais tem por base a teoriasociológica, a qual lhe serve de suporte. Esta vertente caracteriza-se como de cunho conservador, cujaorientação é de manutenção do status quo . O assistente social recebe influência dessa corrente e passaa expressar sua prática pautada nas ideias conservadoras, contribuindo assim para a manutenção eperpetuação da ideologia dominante, legitimando-a.

    A referida corrente teórica revela suas limitações e restrições, pois se caracteriza pela visãofragmentada da realidade social. Não considera a subjetividade, apenas os fatos que podem serobservados, quantificados. Outra característica fundamental é a despreocupação e desinteresse emconhecer as causas dos fenômenos, limitando-se às consequências destes.

    No que tange ao Funcionalismo, esta corrente recebeu influência do Positivismo, cuja interpretaçãoda realidade social se dá a partir do paralelo entre a sociedade e o organismo biológico, ou seja,comparam-se as duas situações.

    Desse modo, assim como no Positivismo, o Funcionalismo reflete uma visão fragmentadados fenômenos sociais ao revelar que cada parte tem sua função específica e que o todo funcionaharmonicamente.

    Diante disso, o Serviço Social pautou suas práticas sociais inserido nessa concepçãotradicional-conservadora desde sua gênese ao movimento de ruptura com o tradicionalismo na profissão,por ocasião do segundo lustro dos anos de 1970, cuja prática voltava-se para correção de disfunçõessociais, contribuindo assim para o ajustamento do indivíduo ao meio.

    1.2.2 O Positivismo

    O Positivismo é uma corrente de pensamento que foi sistematizada por August Comte, no séculoXIX, e que tem como ideia principal a premissa de que a vida social é regida por leis que são similaresàs leis da natureza. Os precursores desta teoria recorrem aos mesmos procedimentos utilizados nasciências naturais para a explicação dos fenômenos naturais para explicar também os fenômenos sociais,portanto esta corrente teórica foi denominada “Física Social”.

    A corrente do Positivismo tem sua origem em uma das ciências sociais: a Sociologia. ASociologia é a base teórica que vai dar suporte para os estudos teóricos e metodológicos doServiço Social, é uma ciência social capaz de explicar/interpretar a realidade social a fim deintervir para legitimá–la ou transformá-la. Partindo deste princípio, podemos afirmar que a

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    TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL

    corrente teórica do Positivismo foi utilizada para legitimar a sociedade capitalista, uma vez quea Sociologia positivista recorre aos mesmos procedimentos que as ciências naturais utilizavamna explicação dos fenômenos naturais, assim naturalizando os problemas sociais advindos daexpansão do sistema capitalista tais como: fome, miséria, exploração, doenças. Essas mazelas dasociedade capitalista burguesa eram consideradas imutáveis, uma vez que para o Positivismo asleis da natureza são imutáveis.

    Para o Positivismo a sociedade foi concebida como um “organismo” constituído de partesintegradas que funcionam harmonicamente seguindo um modelo físico ou mecânico. O quecaracteriza o Positivismo com o nome de Biologismo, Fisiologismo ou mesmo como apontadoanteriormente, Física Social.

    As principais características do Positivismo são:

    • visão isolada dos fenômenos sociais, análise da realidade não de forma totalitária, mas por partesisoladas;

    • a realidade é somente dos fatos sociais que podem ser observados, os desejos e as subjetividadesnão são considerados;

    • desinteresse pelas causas dos fenômenos, ou seja, não busca o “porquê” dos acontecimentossociais.

    Segundo assevera Triviños (1987, p. 36).

    Mas ao Positivismo não interessavam as causas dos fenômenos, porque issonão era positivo, não era tarefa da ciência. Buscar as causas dos fatos, sejamelas primeiras ou finais, era crer demasiado na capacidade de conhecer doser humano, era ter uma visão desproporcionada da força intelectual dohomem de sua razão. Isso era metafísico.

    A teoria do Positivismo defende a neutralidade científica, a ciência deve estudar os fatospara conhecê-los, e apenas de modo desinteressado, sem buscar a intervenção e muito menos a

    transformação. Segundo Triviños (ibidem) “Este propósito do espírito positivo engendrou uma dimensãoque foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje, em alguns meios, se levanta como a bandeira daverdade: a da neutralidade da ciência”. Para a corrente teórica do Positivismo, toda afirmação sobre omundo deve ser analisada, confrontada e verificada, somente se constituindo em verdade o fenômenoque pode ser comprovado por meio de experiência.

    August Comte asseverou que a ordem do conjunto da sociedade é que a levaria para o progresso, eleanalisava a dinâmica social partindo do conjunto para as particularidades. Para o Positivismo de Comte,a ideia natural do direito dos seres humanos é substituída pela ideia do dever, o dever de todos para comtodos é que faria a harmonia na sociedade, esta deveria se organizar em torno da moral e do altruísmo(sacrifício e dedicação de todos) para alcançar o progresso.

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    1.2.3 Funcionalismo

    O Funcionalismo é uma corrente teórica trabalhada por Émile Durkheim, tem origem no Positivismoe faz uma interpretação da realidade social a partir da comparação da sociedade com um organismobiológico. O pensamento funcionalista parte do princípio de que a sociedade é um “todo orgânico”, ecada parte que a compõe tem sua função específica e deve funcionar perfeitamente para a manutençãoda ordem, ou seja, o organismo social é um conjunto de órgãos em funcionamento, assim como oorganismo biológico do homem.

    Durkheim afirmava que a sociedade é igual a um organismo social, e assim como o organismo possuivários órgãos (coração, pulmão, rins), o corpo social possui vários órgãos (instituições sociais, família,estado, escola, igrejas, clubes, sindicatos etc.) com funções específicas, cada instituição possui objetivospróprios diferentes, contudo, um depende do outro para funcionar bem.

    Se um órgão não vai bem, o todo social (sociedade) ou o organismo se recente (adoece), e prejudicao bom funcionamento do organismo social.

    Para Durkheim, a Sociologia tinha por finalidade não só explicar a sociedadecomo também encontrar soluções para a vida social. A sociedade, como todoorganismo, apresentaria estados normais e patológicos, isto é, saudáveis edoentios (COSTA, 1997, p. 61).

    Para o bom Funcionalismo ou harmonia desse organismo social (sociedade), existem dois fatoressegundo Durkheim: a moral social ou consciência coletiva e a divisão social do trabalho.

    A moral social ou consciência coletiva é o conjunto de normas de conduta ou de valores que sãocompartilhados pelos indivíduos na sociedade.

    A consciência coletiva não se baseia na consciência de indivíduos singularesou grupos específicos, mas está espalhada por toda a sociedade. Ela revelaria,segundo Durkheim, o “tipo psíquico da sociedade”, que não seria apenasproduto das consciências individuais, mas algo diferente, que se imporia aosindivíduos e perduraria através das gerações (COSTA, 1997, p. 62).

    A moral social tem a função de manter ordem. De acordo com Emile Durkheim sem leis de convivênciaa vida coletiva em sociedade seria impossível, para esse teórico o que mantém o “organismo social”saudável é a moral, e quando não pode ser exercida, ou perde sua eficácia na sociedade, faz comque apareçam problemas graves, dessa forma podemos apontar que para o Funcionalismo a causa dosproblemas sociais nas sociedades é exatamente a existência de uma crise moral.

    A divisão social do trabalho no organismo social de Durkheim distribui as tarefas, funções, profissõesentre os indivíduos, essa divisão social do trabalho causa uma interdependência entre os indivíduos eos organismos, provocando segundo essa teoria uma relação de cooperação e de solidariedade entre oshomens.

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    A Sociologia durkheimiana tem outro elemento importante para compreendermos a sociedade ditacomo um “todo orgânico”. De acordo com essa teoria os “fatos sociais” devem ser tratados como coisas,o que ocorre com os indivíduos na sociedade não está de fato relacionado ao contexto vivido por estes,mas são fatos isolados, desconectados, que acontecem por “culpa do próprio indivíduo”, como exemplopodemos apontar o suicídio que foi também o foco de estudo de Émile Durkheim.

    Procurando garantir à Sociologia um método tão eficiente quanto odesenvolvido pelas ciências naturais, Durkheim aconselhava o sociólogo aencarar os fatos sociais como coisas , isto é, objetos que, lhe sendo exteriores,deveriam ser medidos, observados e comparados independentemente doque os indivíduos envolvidos pensassem ou declarassem a seu respeito(COSTA, 1997, p. 61).

    Para Émile Durkheim o Funcionalismo explica ainda a solidariedade social, esta se divide em solidariedade

    mecânica e solidariedade orgânica. A solidariedade mecânica é o princípio que rege as organizações dassociedades primitivas, em que existe uma homogeneidade econômica e cultural entre os clãs, as famíliasos indivíduos. A solidariedade orgânica é produzida nas sociedades contemporâneas, e imputada por meioda divisão do trabalho, em que existe a diferenciação e complementações de funções. A divisão social dasfunções no trabalho exige cooperação entre os indivíduos de uma sociedade, imprimindo o conceito deque todos devem contribuir para o funcionamento do trabalho e consenso entre as classes.

    A partir dessa compreensão da solidariedade social apontamos que o princípio que rege asolidariedade mecânica é a semelhança, o consenso; e o que rege a solidariedade orgânica é a diferença.Essa diferença na sociedade orgânica para o Funcionalismo não quer dizer exatamente a discórdia ou oconflito, mas ao contrário, as diferenças entre as funções é que fazem com que essas se complementeme cooperem entre si. Daí a importância da consciência coletiva ser estabelecida na solidariedadeorgânica como elemento que estabelece o equilíbrio, a forma de integração social e o Funcionalismodas sociedades contemporâneas. A consciência coletiva é responsável por estabelecer regras e normasque coletivamente estarão ditando a integração e o bom funcionamento do organismo social.

    1.2.4 O Serviço Social tradicional e a atuação pautada no Positivismo e Funcionalismo

    A atuação positivista, funcionalista, permeou a atuação tradicional do Serviço Social conservador,

    esse período pode ser apontado desde a gênese da profissão até meados dos anos de 1960, e tem umaruptura com o Movimento de Reconceituação após os anos de 1970.

    Durante esse longo período em que o Serviço Social tradicional atuou pautado sob as concepçõesteóricas das correntes neotomista, positivista e funcionalista, esteve colaborando com a expansão dosistema capitalista e legitimando-o.

    Esse fato pode ser confirmado a partir da constatação de uma atuação assistencialista, de correçãodos indivíduos (principalmente a classe trabalhadora), desenvolvendo uma política que promova aintegração e a cooperação entre as divergentes classes sociais capital/trabalho, e ainda coibindo asiniciativas de reivindicação por parte dos trabalhadores explorados pelo capital.

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    Está voltado para uma ação de soerguimento moral da família operária,atuando preferencialmente com mulheres e crianças. Por meio de umaação individualizadora entre as “massas atomizadas social e moralmente”,busca estabelecer um contraponto às influências anarcossindicalistas noproletariado urbano (IAMAMOTO, 2007, p. 19).

    Conforme a citação anterior, pode-se apreender que o Serviço Social tradicional positivista/funcionalista, foi utilizado como um mecanismo de sustentação do sistema capitalista, como tambémfoi instituído para corrigir as ditas “disfunções” que porventura pudessem atrapalhar o crescimento daindustrialização no Brasil e assim garantir a força de trabalho, elemento indispensável à manutenção ereprodução do lucro do capital e reprodução do sistema capitalista.

    A mediação exercida pelo assistente social nas relações entre a indústria e a vida privada dotrabalhador se efetiva, ainda, pelo controle do acesso e uso dos chamados “benefícios”, previstos pela

    política de pessoal da empresa (empréstimos financeiros, adiantamentos salariais para necessidadesurgentes, cooperativas de consumo etc.) e pela política previdenciária.

    Esta área se revela como uma instância privilegiada de interferência emdecisões que, no capitalismo, tem sido atribuída ao próprio trabalhador, semingerência direta do capital. Trata-se de um empreendimento de tutela eprogramação do cotidiano do operário, incutindo nesse uma racionalidadede comportamento adequada à ordem capitalista (IAMAMOTO, 2007, p. 47).

    O Serviço Social em sua atuação tradicional atuava sob grande influência da Igreja Católica, essainfluência acompanha a profissão desde sua gênese, mas também pode ser atribuída à tentativa daIgreja Católica em resgatar um espaço perdido por esta instituição, como também contrapor-se às ideiascomunistas que estavam sendo difundidas no país entre o operariado. A atuação da profissão seguiaos moldes doutrinários de manutenção da ordem, com uma atuação missionária e evangelizadora dasociedade voltada para um projeto de recristianização da sociedade burguesa.

    Os assistentes sociais reafirmavam a ideia liberal em que todos eram livres e baseavam-se na ideia dalei natural, de que todos os indivíduos têm aptidões, capacidades e talentos, e podem vender sua forçade trabalho livremente, portanto aptos para conquistarem uma posição social privilegiada. O sucesso e

    o fracasso dos indivíduos são de responsabilidade exclusiva destes, a conquista de uma posição socialprivilegiada estava condicionada ao esforço pessoal de cada trabalhador. Uma vez afirmada essa condição,os assistentes sociais “culpabilizavam” os indivíduos que porventura não estavam em conformidade comesta ideia de acumulação e esforço para trabalhar para o capital e conseguir acumular bens por meiodo trabalho.

    A ideologia da classe dominante transfere das relações sociais de produçãopara o preparo individual, para a capacidade e o mérito pessoal, o vínculocausal responsável pela situação de privação material em que a classetrabalhadora se encontra (ROSSI, 1978, p. 30).

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    Destarte, a profissão trabalhava com os “clientes” (terminologia utilizada para denominar os usuários)que todos têm as mesmas igualdades de oportunidades no sistema capitalista, o que leva a camuflar oreal sobre as verdadeiras condições das classes sociais neste sistema de produção entre capital/trabalho.

    O termo cliente tão enfatizado pelo Serviço Social tradicional, deve serquestionado por estabelecer uma relação de dominação/subordinação, naqual o assistente social é considerado o dono do saber da verdade, o agentedo processo, como o “cliente”, é um ignorante que nada sabe, necessitandoda ajuda profissional. Este posicionamento reduz o “cliente” a um meroobjeto manipulável, uma vez que não crê no homem como um dotado decriatividade e capacidade de agir (COSTA, 1992, p. 3).

    Evidencia-se a intrínseca relação da profissão com o capital, e a afirmação das ideias positivistas/funcionalistas,que se tornam instrumento de orientação dos profissionais para buscar junto aos trabalhadores e suas famílias

    uma adequação à ordem social e correção das “condutas desviadas”, já que os problemas advindos da questãosocial eram considerados desvios de comportamento de quem não contribuía para a ordem e progresso, e soborientação dessas correntes, incompatíveis com as normas sociais e a dignidade humana.

    Ao profissional assistente social era exigida a “neutralidade científica” tônica do pensamentopositivista, este profissional não poderia se envolver com os problemas de seus clientes, e também nãoprimava pela transformação das situações em que se deparava, pois para o Positivismo os fenômenossociais são acontecimentos naturais, portanto imutáveis. Segundo Lowy (1975) a sociedade é regidapor leis naturais, quer dizer, leis invariáveis, independentes da vontade e da ação humana, a essência doprincípio do Positivismo. Outra premissa básica do Positivismo que guiava a atuação profissional era quena sociedade reina uma harmonia natural, o que Lowy (1975) denomina como “naturalismo positivista”,afirmação que claramente escamoteia as contradições entre capital/trabalho nas sociedades modernas.

    As ideias difundidas pelo Serviço Social na sociedade estavam profundamente carregadas de umconservadorismo positivista, com características de estaticidade, empregadas na noção “ordem e progresso”,inculcando consenso e harmonia social, primando pela manutenção da consciência coletiva, essas ideiaseram acompanhadas de uma atuação caridosa que tinha na “ajuda” o foco do exercício profissional.Segundo Lima (1975) o objeto do Serviço Social tem sido o homem desvalido, desajustado, desequilibrado,que não se adapta à ordem estabelecida. Trata-se de qualquer homem que precise de controle e direção.

    Para o estabelecimento do perfeito equilíbrio da ordem social, era necessária a colaboração de todos,e para que a sociedade mantivesse essa harmonia era necessário um profissional que contivesse osconflitos e as divergências existentes entre as classes sociais. O Serviço Social se encarregava desse papele para atingir esse propósito essa profissão estava submetida a uma formação de prática conservadora,com forte característica no empirismo, que tinha como meta o alcance da execução de atividadespreestabelecidas, com premissa no caráter imediatista e sem nenhuma possibilidade de impactar outransformar os problemas sociais postos à profissão até meados dos anos de 1960.

    Outro aspecto que permeava a formação do Serviço Social tradicional e deve ser apontado era que osmodelos teóricos operacionais da profissão estavam submetidos à realidade europeia, sem a mínima ligação

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    com o contexto da realidade brasileira, uma vez que foram trazidos por profissionais dos países hegemônicoseuropeus, esvaziados de um teor crítico, e completamente divergentes dos anseios e necessidades de nossapopulação, o que mais uma vez afirma o caráter positivista de “neutralidade científica”.

    A posição de “neutralidade” por parte do assistente social implica umposicionamento totalmente conservador, pois ele está tomando partido pelaomissão frente à realidade, assegurando assim, a permanência da situaçãovigente que ele considera ser compatível com o seu padrão de vida. Logo,não podemos considerá-lo “neutro”, haja vista ele está praticando um atopolítico, ou seja, a política do dominador (COSTA, 1992, p. 5).

    A sociedade é entendida do ponto de vista do Serviço Social tradicional positivista/funcionalista,como um todo harmônico integrado, essa integração corresponde à funcionalidade dos papéis ou funçõesque cada indivíduo deve desempenhar para o equilíbrio da sociedade. Quando não se desempenham

    corretamente essas funções, coloca-se em desequilíbrio o “todo social”, e a função do técnico assistentesocial é justamente, assegurando a eficácia em sua atuação, corrigir as disfunções dos indivíduos.

    Esse equilíbrio almejado na sociedade pelas teorias positivista/funcionalista visa ao “bem comum” e à“felicidade de todos”, tendo no Estado seu representante maior de autoridade e naturalmente que assegura oequilíbrio, por meio da imposição do respeito e da coerção utilizando-se a violência, em caso de necessidadede manutenção da ordem social. E o profissional de Serviço Social serve a essa ordem conscientizando osindivíduos, seus clientes, em relação aos valores universais, difundidos pela ideologia dominante: dignidade,liberdade, perfectibilidade, autodeterminação, participação, colaboração, trabalho etc. Segundo Costa (1992),partindo do pressuposto de que há comprometimento com desvendar o real, a verdade é papel de todaprofissão que pretende ser científica, o Serviço Social tradicional se mostrou insuficiente, pois esteve longe deselar uma prática ou compromisso que contribuísse para libertar o homem de seu estado de domesticação emque se encontrava. Ao contrário, o que se pode apontar foi uma ação voltada para humanização dos homens,harmonização da sociedade e correção de tudo que não se encaixa na perfeição da ordem, induzindo osinaptos a se adaptarem, integrarem e colaborarem com o meio social em que produziam lucro para o capital.

    O Serviço Social utilizava a metodologia de: caso grupo e comunidade, sendo a formação social, morale intelectual das famílias a célula básica do trabalho dos assistentes sociais, com intenção de instituir ahierarquia e a ordem na família e no trabalho, desconsiderando a substância profundamente desigual da

    sociedade capitalista, considerando como naturais as condições de exploração e as relações sociais quesustentavam o trabalho alienado inerentes ao processo de dominação e manutenção da ordem burguesa.

    1.3 A aproximação do Serviço Social com a Fenomenologia

    A prática profissional do assistente social está sob “a luz” de diversas vertentes, nos seus aspectosteológicos, filosóficos, sociológicos etc., algumas vezes no discurso e na prática, outras vezes no discurso,mas não na prática e vice-versa. Essa divergência acontece, entre outros fatores explicativos, pelasações dos grupos ou indivíduos que podem apresentar: um discurso teórico afinado com a prática;outras, um discurso que, na prática, não se efetiva pelas mais diversas razões políticas, ideológicas e,principalmente, profissionais, isto é, condições de trabalho. Na maioria das vezes, as instituições têm

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    seus saberes, concepções e visões próprias de mundo. A Fenomenologia é uma vertente de pensamentofilosófico que se fez presente com grande contribuição para o desenvolvimento do Serviço Social.

    1.3.1 A Fenomenologia de Edmund Husserl

    Para entendermos o que é Fenomenologia, primeiramente, vamos saber o que é fenômeno.

    Para a Fenomenologia, fenômeno é tudo que se mostra ou aparece, o que se torna visível. Fenômeno,da palavra grega phainómenom, semanticamente, significa iluminar e também mostrar-se ou aparecer.“Fenômeno é tudo que é percebido pelos sentidos ou pela consciência” (SANTOS, 1995).

    Entende-se por fenômeno tudo aquilo de que podemos ter consciência, seja qual for o modo. Destemodo os fenômenos são “[...] não só os objetos da consciência, mas os atos da consciência, sejam elesintelectivos, volitivos ou afetivos” (PAVÃO, 1981, p. 5).

    Fenomenologia, do termo grego phainesthai , aquilo que se apresenta ou que se mostra, e logos ,explicação, estudo.

    A Fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938) teve grande influência na filosofia contemporânea.A Fenomenologia estuda o universal, o que é conhecido por todos, o que é válido para todos os sujeitos.O que eu conheço o que eu vivencio. Para Husserl, a Fenomenologia é a vivência de todos e, por isso, omundo que eu conheço é o mundo que pode ser conhecido por todos.

     Lembrete

    Para Husserl, Fenomenologia é uma ciência eidética (eidos  = essência)descritiva da realidade vivida.

    Para Husserl, a Fenomenologia é o “estudo das essências”, ou podemos dizer o “estudo das significações”,por exemplo, a essência da percepção, a essência da consciência, a essência da imaginação, da paixão etc.

    Segundo Husserl, as ideias principais da Fenomenologia como ciência significam que ela é descritiva

    da estrutura essencial do vivido, que ela é concreta, intencional, compreensiva e interpretativa. Descrevero fenômeno, não explicar e nem analisar. O estudo da realidade social se volta para a vida cotidiana. Ossignificados sociais que se buscam compreender e interpretar emergem da vida cotidiana.

    A Fenomenologia não se interessa pela historicidade dos fenômenos. Ela busca a essência dosfenômenos e, para tanto, defende o isolamento deste visando compreender a sua pureza e, sobretudo,descrevê-lo. Husserl combateu o psicologismo que afirmava que “pensar” e “conhecer” eram eventospsíquicos e que, por isso, a lógica dependia das leis psicológicas.

    Para Husserl, a lógica nada mais seria do que a técnica do pensamento correto [...] a técnica nadamais é do que um caso particular de uma ciência geral e normativa. Husserl (apud  CBCISS) aponta que

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    o caminho para chegar à evidência das essências é “[...] a partir das vivências intencionais fundamentais.Os atos intencionais são as vivências, por exemplo, do ato de significar, do ato de perceber, do ato dequerer, do ato de imaginar, do ato de agir etc.”

    A intencionalidade é outra ideia fundamental da Fenomenologia. É a intencionalidade da consciênciaque sempre está dirigida a um objeto, o que nos remete ao princípio de que não existe objeto semsujeito. Intenção é a tendência para algo.

    Segundo Gamboa (1993, p. 19-20):

    A Fenomenologia consiste na compreensão dos fenômenos. Em suas váriasmanifestações, na elucidação dos supostos, dos mecanismos ocultos e suasimplicações, no contexto no qual se fundamentam os fenômenos. A compreensãosupõe a interpretação, é dizer, revelar o sentido dos sentidos, o significado que não

    se dá imediatamente, razão pela qual necessitamos da hermenêutica, da indagação,do esclarecimento das fases ocultas que se escondem detrás dos fenômenos.

    A Fenomenologia, ao contrário da ciência empírico-analítica, não confia na percepção imediata do objeto,é pela interpretação que descobre a essência dos fenômenos. O empirismo significa estabelecer argumentaçõesà luz da experiência, do cotidiano, por exemplo, aquele que trata doenças com remédios caseiros, sem noçõescientíficas sobre doenças. Ou aquele que constrói uma casa, ou móveis, sem ter noções de matemática.

    A Fenomenologia apresenta outras categorias de análise em que não nos deteremos neste texto, poisa ideia é apresentar a aproximação da postura do Serviço Social com essa corrente.

    1.3.2 A aproximação do Serviço Social com a Fenomenologia

    A prática profissional, na perspectiva da Fenomenologia, leva em conta a reflexão do vivido; nonível teórico possibilita ao profissional questionar o valor do mundo, já no nível da prática, agir comresponsabilidade em relação a esse mundo. O que implica respeito à dignidade humana e à capacidadede autodeterminação do homem.

    A preocupação do Serviço Social está em proporcionar condições para o homem agir, livre

    e conscientemente, e que para tal necessita de uma atitude reflexiva, a partir de situações vividas,buscando novos modos de ser, de modo crítico e consciente, estabelecendo relações com o mundo e nomundo, e o próprio mundo em si.

    As autoras do Serviço Social que representam esta proposta são Anna Augusta de Almeida (1978) quesintetiza os seguintes pressupostos teóricos: diálogo, pessoa e transformação social, e Ana Maria BrazPavão em seu livro O princípio de autodeterminação no Serviço Social: visão fenomenológica, que entendeque a filosofia é imprescindível na prática profissional do assistente social, à medida que possibilita umareflexão sobre essa prática, aponta a preocupação do Serviço Social com o homem a fim de torná-lo maiscrítico e reflexivo. Entende que é um processo educativo, que o homem enfrenta os desafios da realidadede forma dialógica, ao considerar a estrutura de vivido na sua historicidade e na sua cultura.

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    Em relação ao mundo, Pavão (1981, p. 36) afirma que:

    O mundo é assim um conjunto de significados, e o homem tem consciênciade si mesmo à medida que percebe os significados que são atribuídos porele, inclusive o significado de sua própria pessoa, em relação ao ente que eleé, ou seja, experiência de ser si mesmo.

    É nesse sentido que o Serviço Social poderá possibilitar ao homem a tomada de consciência de si emrelação ao próprio mundo. Este mundo são as estruturas de relações significativas nas quais o homemescolhe o seu modo de ser.

    O relacionamento entre o profissional e o usuário corresponde à maneira pela qual ambos percebemo mundo e travam relações com ele. O estabelecimento dessa relação, o acontecimento que é vivido,irá refletir na própria ação profissional. Há de se considerar que as relações sociais estabelecidas não

    estão somente relacionadas à intenção de cada profissional, mas também com a realidade à sua volta,determinada por conjunturas distintas em tempo e espaço.

    Pavão (1981, p. 74) observa que:

    Para o Serviço Social, trata-se de questionar, num sentido teórico, o valor domundo, ou seja, da realidade encontrada e confrontá-la com um “dever-ser”.Na prática, esse agir supõe compreender o valor ilimitado do mundo ecolocá-lo a distância, renovando sempre a responsabilidade em relação aele. Isso significa que o agir ético procura transformar o mundo para lhedar uma essência. Então, “teoricamente a questão se prende ao sentido dasações, e na prática, a questão refere-se ao objetivo das ações”.

    A perspectiva da Fenomenologia considera que o Serviço Social se preocupa com o homem com opropósito de torná-lo mais crítico e reflexivo em relação à realidade em que está inserido. É uma açãoeducativa, pois permite ao homem enfrentar os desafios da realidade, de forma dialógica. Essa atitudecrítico-reflexiva situa o homem no mundo, como atuante e participante de um processo que o torna“ser no mundo em si mesmo e ser com os outros”. Em síntese, é uma descoberta da “consciência em si”e uma formação da “consciência crítica”.

    2 CAPITALISMO E SERVIÇO SOCIAL: DIALOGANDO COM KARL MARX 

    Nos dias atuais, registra-se maior preocupação social com os direitos dos trabalhadores, segurançano trabalho, insalubridade, alimentação inadequada, salários baixos etc.

    Mas será que sempre foi assim? Será que o trabalho sempre foi concebido da mesma forma outivemos percepções diferenciadas? Obviamente, a história da sociedade humana nos levou por caminhosdiversos, muitos dos quais a história gostaria de não registrar. Mencionaremos alguns elementoshistóricos que poderão ser úteis a você durante seu percurso no curso que inicia.

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     Vamos iniciar esse “passeio” pelo século XVIII para conhecer alguns aspectos da relação capital xtrabalho, bem como a organização da assistência que resultou no surgimento do Serviço Social.

    2.1 Relação capital x trabalho

    Segundo Karl Marx, o modo de produção capitalista, baseado na relação capital x trabalho, é definidocomo um modo de produção cujos meios estão nas mãos de uma minoria, que constitui uma classedistinta da sociedade (CATANI, 2004, p. 17).

    O trabalhador vende a sua força de trabalho. Pela falta de poder de negociação, submete-se a trocar seuesforço físico, na produção, pela remuneração necessária ao atendimento de suas necessidades mais elementares.

    Os trabalhadores explorados organizam-se coletivamente, por meio dos sindicatos, para reivindicarseus direitos.

    Nessa relação de trabalho, surgem inúmeras demandas sociais não atendidas ou atendidas de maneiraprecária pelo capitalismo, como a atenção à saúde do trabalhador, à assistência social extensiva à família, àalimentação do trabalhador, à seguridade social e ao acesso aos serviços públicos de educação, entre outros.

     Lembrete

    Demanda social é a denominação técnica dada à necessidade social eque nessa situação representa as necessidades dos trabalhadores que nãosão atendidas por meio da remuneração de seu trabalho (remuneração, quena maioria das vezes tem seu valor estabelecido para o atendimento dasnecessidades básicas para se manter a sobrevivência).

    2.2 A Revolução Industrial e a maior precarização da relação capital xtrabalho

    O século XVIII é um século de extremas mudanças: sociais, culturais, políticas, científicas, mas, sobretudo,econômicas. É como se expressou, sobre esse período, uma testemunha ocular, o pensador político Alexis

    de Tocqueville: “Estamos dormindo sobre um vulcão [...]. Os senhores não percebem que a terra treme maisuma vez? Sopra o vento das revoluções, a tempestade está no horizonte” (HOBSBAWM, 2002, p. 27).

    Iniciada na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, a Revolução Industrial imprimiu profundas eduradouras marcas na sociedade, fato que pode ser compreendido a partir de determinados fatores, tais como:

    a) substituição de ferramentas por máquinas;

    b) substituição do sistema de trabalho artesanal e doméstico pelo sistema fabril (fábricas);

    c) novas alternativas energéticas como o uso do vapor para movimentar o trabalho das máquinas,para a produção de bens e transporte (trens, navios).

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    A passagem da manufatura artesanal para a industrial multiplicou o resultado produtivo do trabalho.Essa evolução marcou o pioneirismo industrial inglês com relação ao restante da Europa.

    O destaque da Inglaterra se deve aos seguintes aspectos:

    a) acúmulo de capitais (exploração dos recursos minerais e matérias-primas das regiões colonizadase ocupadas);

    b) reserva de carvão;

    c) avanço tecnológico;

    d) existência de mercados consumidores;

    e) farta mão de obra existente nas colônias e evasão do camponês inglês para a cidade.

    A Revolução Industrial consolida duas classes antagônicas: de um lado, o empresariado (dono docapital, fábricas, máquinas, matérias-primas e bens produzidos); do outro, os operários, que vendem suaforça de trabalho aos empresários sem a justa remuneração.

    A Revolução Industrial provoca o aumento da população nas cidades, concentrando os trabalhadoresnas fábricas. Com o objetivo de aumento da produção, a divisão técnica do trabalho torna-se cada vezmais específica com as linhas de montagem no início do século XX.

    A cidade se apresenta como o símbolo exterior desse mundo industrial que surge. É na cidade queo progresso se manifesta e nela consolidam-se os problemas básicos com que até hoje padecemos,tais como: miséria, fome, desemprego e falta de habitação. Em relação a isso, Hobsbawn (2002, p. 295)afirma que,

    [...] para os planejadores de cidades, os pobres eram uma ameaça pública,suas concentrações potencialmente capazes de se desenvolver em distúrbiosdeveriam ser cortadas por avenidas e bulevares, que levariam os pobres dosbairros populosos a procurar habitações em lugares não especificados, mas

    presumidamente mais sanitarizados e certamente menos perigosos. [...] Paraos construtores e empreendedores, os pobres eram um mercado que nãodava lucro, comparado ao dos ricos com seus negócios especializados.

    A oferta de mão de obra e o desemprego iniciado pelo uso da máquina obrigam o trabalhador a sesubmeter ao controle do empregador, sob péssimas condições de trabalho e de salário. Democracia edireitos humanos e trabalhistas são apenas reflexos de um discurso vazio que, ainda no século XVIII, nãoganha espaço.

    Os empresários impõem duras condições aos operários para que aumentem a produção e garantammaior margem de lucro ao capital. A falta de cuidados especiais com a mulher, o trabalho infantil, a

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    precariedade das instalações fabris (má iluminação e circulação de ar) e jornadas de trabalhos queultrapassavam 15 horas diárias provocaram inúmeros acidentes, doenças, redução do tempo de vida, etc.O desemprego, a pobreza, a falta de moradia, também são problemas sociais provocados pela RevoluçãoIndustrial.

    Todos os problemas sociais, anteriormente mencionados, exigem uma resposta por parte do Estadoque passa a intervir junto à classe operária visando minimizar os problemas sociais provocados pelaRevolução Industrial. O Estado conta com o apoio da Igreja Católica e seus membros para intervir nosproblemas sociais com a finalidade de prover condições mínimas de sobrevivência para classe operária.A intervenção da Igreja Católica é realizada por meio de um trabalho que tem como base a filantropiae a caridade. Realizava arrecadação na forma de doações e campanhas e ações nas áreas da educação,saúde e assistência social.

    Porém é importante diferenciar caridade de ação social, que visa à emancipação. Por exemplo, na

    história brasileira, a Igreja Católica, no Período Colonial, estava encarregada de zelar pelo bem-estar dapopulação local como estratégia para tirar de foco o desinteresse da nação colonizadora em relação àsquestões sociais da colônia. Enquanto o Estado utilizava o exército para efetivar seu controle social, aIgreja, alinhada à política colonizadora de Portugal, proclamava a opção pelo Evangelho que na práticasignificava optar pelos pobres, ajudando a quem necessitasse.

    2.3 A Organização da assistência social e o importante estudo de MaryRichmond

    A Revolução Industrial provocou a reordenação da sociedade com a formação de classes sociaisantagônicas: detentores do capital x trabalhadores.

    Nessa época, negócios eram coisas para homens. As mulheres pertencentes ao segmento derenda alta limitavam-se a cuidar da casa, dos filhos e a participar dos grupos e trabalhos da Igreja.As damas de caridade, fortes aliadas dos movimentos filantrópicos da Igreja, tornaram-se comunsna sociedade através dos séculos. Eram voluntárias, utilizavam sua sensibilidade para chegar até osmais pobres e “supriam”, por meio de doações, as necessidades mais elementares, como alimentos,roupas e medicamentos. Elas desempenharam um papel importante na diminuição do sofrimento, umpapel de remediação da situação social, não de emancipação. No trabalho desenvolvido pelas damas

    de caridade, não havia organização ou a sistematização na assistência social prestada. As justificativaseram ideológicas ou religiosas.

    Em meados do século XIX, algumas experiências (na Inglaterra, França e Alemanha) foram realizadasnas paróquias, a fim de melhor organizar as ações caritativas. Constituem o primeiro esboço técnico daassistência social. Partiam da ideia da divisão da paróquia em grupos de vizinhos (setores) para facilitara distribuição da ajuda material e para os aconselhamentos às pessoas e às famílias.

    Em 1833, as conferências São Vicente de Paulo organizaram seus trabalhos a partir da divisãoterritorial para visitas, ajudas a domicílio e apoio estruturado em programas para crianças, jovens eidosos.

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    As “damas de caridade”, ou as pessoas que tinham tempo disponível para a ajuda aos necessitadosrealizavam (ESTEVÃO, 2005):

    a) identificação das necessidades de cada pessoa e de sua família;

    b) análise dos pedidos de ajuda das pessoas e famílias;

    c) estudo da melhor aplicação dos recursos disponíveis (racionalização dos gastos, priorizando asnecessidades principais);

    d) visitas aos pobres para levar ajuda material e realizar aconselhamentos;

    e) busca de vagas de trabalho para os desempregados.

    A partir desse trabalho sem sistematização, mas que tinha claro enfoque de atendimento àsdemandas sociais, em 1869 foi criada a Sociedade de Organização da Caridade em Londres. Ela tinhacomo princípios a prática da assistência social contemporânea, ou seja (ESTEVÃO, 2005):

    a) cada caso a ser atendido se iniciaria com uma pesquisa;

    b) o resultado dessa pesquisa seria encaminhado a uma comissão que decidiria sobre a ajuda;

    c) as ajudas aconteceriam para reconduzir a pessoa ao trabalho e a sua autossustentação;

    d) seriam realizados contatos com outras instituições (inclusive empresas) para promover areintegração da pessoa ao mercado;

    e) as instituições de caridade passariam a enviar os dados das pessoas e famílias atendidas para acomposição de um cadastro central;

    f) seria constituído um banco de dados sobre os projetos para que as ações pudessem ser repetidasquando necessário

    Esse tipo de organização proliferou pelos países capitalistas, tendo como enfoque a organizaçãoda assistência social (especialmente estampada pelas ações de filantropia das Igrejas e das damas decaridade) e proporcionar uma formação às pessoas interessadas em atuar nessa área. Temos o “berço”das escolas de Serviço Social.

    Antes da criação da primeira escola de Serviço Social no mundo, houve primeiramente umaescola de Filantropia Aplicada. Ela foi proposta por Mary Richmond da Sociedade de Organizaçãoda Caridade de Baltimore, durante a realização da Conferência Nacional e Correção em 1897, emToronto.

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     Saiba mais

    Mary Richmond foi uma Assistente Social norte-americana do início do

    século XX. Autora do livro Caso social individual , publicado em 1917, que tratada prática profissional do assistente social. Iniciou o estudo e a elaboração dedocumentos sobre o Serviço Social, apontou que praticar a “assistência social”como filantropia ou caridade era diferente de desenvolver o Serviço Social.

    Para saber mais, leia: RICHMOND, M. E. Caso social individual . 2. ed. SãoPaulo: Humanitas, 1982.

     Observação

    Na época de publicação das obras de Richmond e do desenvolvimento dosmétodos do Serviço Social (investigação individual, grupo e comunidade),o mundo passava por sua mais severa crise econômica: a quebra da Bolsade Nova Iorque. Esse seria o marco do fim do liberalismo econômico docapitalismo. No início do século XX, os EUA som