teoria e filosofia da comunicação - jensen

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31 Klaus Bruhn Jensen * Teoria e filosofia da comunicação * Professor na Universidade de Copenhagen (Dinamarca). Resumo Primeiramente, este artigo traça o perfil da comunicação como um «campo de estudos de suporte prático» na cultura e sociedade contemporâneas. Em seguida traça as origens dos conceitos-chave da teoria da comunicação nas «tradições intelectuais» desde a Grécia clássica, passando por fontes modernas de «disciplinas científicas humanísticas e sociais», assim como por pesquisas interdisciplinares. Essas fontes forneceram diversos modelos de «processos comunicativos», que, por sua vez, influenciaram diferentes abordagens de «processos de pesquisa». Palavras-chave: teoria da comunicação, dupla hermenêutica, tradições intelectuais, conceitos interdisciplinares, pesquisa em comunicação AbsTRAcT is essay first outlines the profile of communication as a scholarly field with a practical stake in contemporary culture and society. e following traces the origins of key concepts of communication theory in intellectual traditions since classical Greece, and in modern sources within humanistic and social scientific disciplines as well as interdisciplinary research. ese sources have been fed selectively into various models of the process of communication, which, in turn, have informed different approaches to the process of research. Key words: communication theory, double hermeneutics, intellectual traditions, in- terdisciplinary concepts, communication research

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Teoria e Filosofia Da Comunicação - Jensen

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    K l a u s B r u h n J e n s e n *

    Teoria e filosofia da comunicao

    * Professor na Universidade de Copenhagen (Dinamarca).

    Resumo

    Primeiramente, este artigo traa o perfil da comunicao como um campo de estudos de suporte prtico na cultura e sociedade contemporneas. Em seguida traa as origens dos conceitos-chave da teoria da comunicao nas tradies intelectuais desde a Grcia clssica, passando por fontes modernas de disciplinas cientficas humansticas e sociais, assim como por pesquisas interdisciplinares. Essas fontes forneceram diversos modelos de processos comunicativos, que, por sua vez, influenciaram diferentes abordagens de processos de pesquisa.Palavras-chave: teoria da comunicao, dupla hermenutica, tradies intelectuais, conceitos interdisciplinares, pesquisa em comunicao

    AbsTRAcT This essay first outlines the profile of communication as a scholarly field with a practical stake in contemporary culture and society. The following traces the origins of key concepts of communication theory in intellectual traditions since classical Greece, and in modern sources within humanistic and social scientific disciplines as well as interdisciplinary research. These sources have been fed selectively into various models of the process of communication, which, in turn, have informed different approaches to the process of research. Key words: communication theory, double hermeneutics, intellectual traditions, in-terdisciplinary concepts, communication research

  • 32 matrizes ano 2 n 1 segundo semestre de 2008

    Teoria e filosofia da comunicao

    a teoria da comunicao possui razes clssicas na histria das idias. Se a filosofia tradicionalmente debate a produo do conhecimento humano da realidade, a teoria da comunicao dedica-se mdia, mo-dalidades e mensagens em que humanos trocam, refletem e ordenam diferentes perspectivas dessa realidade. Revisando certas questes epistemolgicas, ticas e polticas, enquanto responde crescente influncia da informao e tecnologias da comunicao na sociedade e na cultura no sculo XX, a pesquisa em comu-nicao desenvolve-se nos cruzamentos da filosofia social e teoria cientfica.

    A comunicao se estabeleceu como uma categoria particular da atividade humana a partir do desenvolvimento da mdia eletrnica durante a ltima metade do sculo XIX. Esse desenvolvimento encorajou pesquisadores e outros comentadores a pensar sobre as diversas prticas de interao social face a face, atravs de fios, pelo ar em termos de sua familiaridade. Na formulao opor-tuna de Peters (1999: 6), a comunicao de massa se antecipou, concedendo ateno especial e explcita s variantes da comunicao em pesquisas, assim como na sociedade como um todo. At a inveno do telgrafo, o transporte e a comunicao eram inseparveis (Carey, 1989: 15), uma vez que qualquer ato comunicativo dependia da presena fsica de bardos, manuscritos, livros, jornais, ou outra mdia impressa. Com as telecomunicaes nasceram diferentes maneiras de interagir no tempo e no espao. J com as tecnologias digitais, cada vez mais presentes no cotidiano e na organizao diria, chegaram novos meios de informao e comunicao, cujas implicaes sociais provaram ser mais radicais que a imprensa e o telgrafo, mais uma vez exigindo que as pesquisas em comunicao revisassem os seus conceitos fundadores.

    Primeiramente, este artigo traa o perfil da comunicao como um campo de estudos de suporte prtico na cultura e sociedade contemporneas. As sees seguintes traam as origens dos conceitos-chave da teoria da comuni-cao nas tradies intelectuais desde a Grcia clssica, passando por fontes modernas de disciplinas cientficas humansticas e sociais, assim como por pesquisas interdisciplinares. Essas forneceram diversos modelos de processos comunicativos, que, por sua vez, influenciaram as diferentes abordagens de processos de pesquisa.

    A DuPLA HeRmeNuTIcA DA PesQuIsA em comuNIcAoComo perspectivas da realidade, podemos dizer que todos os campos acadmi-cos so comprometidos com a hermenutica, interpretando o mundo a partir de pontos de vista especficos. Melhor dizendo, a pesquisa em comunicao pertence quelas esferas acadmicas comprometidas com a hermenutica du-pla, interpretando as interpretaes ou compreenses que as pessoas tm sobre

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    como e por que elas se comunicam e restituindo essas interpretaes de segunda ordem s pessoas em questo e sociedade como um todo. Comparadas s cincias naturais e fsicas, as cincias sociais e humanas estudam realidades pr-interpretadas. Nas palavras do antroplogo Cliford Geertz (1983: 58), grande parte das pesquisas em comunicao e cultura humana procuram determinar do que os humanos so capazes.

    A noo de hermenutica dupla familiar desde as primeiras teorias cul-turais e sociais; podemos citar, por exemplo, a abordagem de Max Weber para compreender (Verstehen) os sentidos subjetivos como uma maneira de descrever (Erklren) eventos socialmente objetivos. A terminologia especfica da dupla hermenutica foi desenvolvida por Giddens (1979), que se baseou nos questio-namentos de Winch (1963) s concepes cientfico-naturais predominantes nas cincias sociais ps-1945. Por um lado, as cincias sociais encontram um mundo pr-interpretado em forma de afirmaes, comportamentos e documen-tos fornecidos pelos atores sociais. Por outro, as intervenes e interpretaes apresentadas pelas pesquisas sociais e culturais no podem deixar de fazer a diferena nos domnios estudados desde reconsideraes respondentes, ainda que inapropriadas, de opinies em pesquisas polticas, a reconcepes maiores, por exemplo, da natureza das transaes econmicas ou da psicologia individual, instigadas pela disseminao dos trabalhos de Marx e Freud.

    A pesquisa em comunicao pode ser considerada dupla hermenutica por trs diferentes razes. Primeiramente, os estudos em comunicao se voltam para processos bsicos em que a realidade social interpretada e reinterpretada no cotidiano, na conversa diria e nas instituies especializadas, das escolas s novas mdias. Segundo, como um campo, a pesquisa em comunicao tem sido, a partir da articulao do sculo XIX de uma categoria denominada comunica-o, uma reao ao crescimento de um setor social de instituies dedicadas informao e comunicao, as quais Beniger (1986) se refere como revoluo do controle, que foi concluda no final dos anos 30 na alvorada da pesquisa moderna em comunicao. Das burocracias governamentais s pesquisas de mercado e a mdia de massa, esse setor produz informaes que permitem planejamento, coordenao e controle de mbito social. Terceiro, as rpidas transformaes das prticas comunicativas na sociedade do sculo XX e o vantajoso sucesso das tradies de pesquisas individuais que os explicam, levaram o campo a se tornar cada vez mais interdisciplinar, observando a comunicao por meio de diferentes perspectivas das cincias humanas, sociais e, em certo grau, das cincias naturais. Assim, a dupla hermenutica da pesquisa em comunicao se desdobra simultaneamente no interior do campo acadmico e em seu vnculo com o campo emprico de estudo.

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    Teoria e filosofia da comunicao

    A noo de dupla hermenutica pode ser concretizada na referncia formu-lao de McQuail (2005) sobre os cinco tipos de teoria. A teoria cientfica a concepo mais comum do termo, abrangendo conceitos explanatrios gerais e modelos aplicveis a uma grande variedade de instncias empricas, associadas especialmente s tradies scio-cientficas (e naturais cientficas) de pesquisa quantitativa. A teoria cultural um legado das artes e das humanidades, valendo-se de abordagens textuais e outras abordagens qualitativas, que tm contribudo significativamente para a pesquisa interdisciplinar contempornea. A teoria normativa dedica-se a resultados legtimos e meios de organizao de recursos da comunicao, especialmente a mdia de massa, da impressa Internet. Enquanto a pesquisa em comunicao desenvolve-se na interface da filosofia social e da teoria cientfica, as teorias normativas tambm se desenvol-vem como uma rea isolada das atividades de pesquisa, particularmente consi-derando a imprensa, sustentando-se no planejamento e debate pblico. A teoria operacional o domnio dos profissionais da mdia e outros comunicadores e comuniclogos, representando as regras prticas e o conhecimento tcito, assim como as posies ticas e ideolgicas a respeito da finalidade e status de seu trabalho. Dessa forma, a teoria operacional constitui tanto um objeto de pesquisa emprica, no caso de estudos de jornalistas e professores de comunicao, como tambm uma fonte de compreenso terica em processos comunicacionais. Por fim, a teoria do cotidiano trata de interaes individuais entre cidados, consumidores, fontes de informao e a mdia. Praticamente todos possuem uma noo de como a comunicao opera, e aos interesses de quem.

    Um denominador comum para os cinco tipos de teoria que eles permitem s pessoas agirem como estudiosos, reguladores, profissionais e usurios da co-municao. O que caracteriza o estudioso da comunicao o seu potencial para auto-reflexividade sistemtica e sustentada em concluses e aes fundamenta-das. A pesquisa em comunicao considera teorias cientficas normativas, opera-cionais, cotidianas e as outras teorias citadas; ela restitui teorias reconsideradas. Como em outros campos acadmicos, a pesquisa em comunicao equivale a uma instituio pensante (Douglas, 1987), efetuando uma dupla hermenutica contnua acerca das instituies e prticas contemporneas de comunicao. Sendo assim, o campo foi constitudo por uma grande variedade de tradies na histria das idias, e de disciplinas na pesquisa universitria moderna.

    TRADIes INTeLecTuAIs ATRAVs Dos scuLosSem dvida, o mais antigo conjunto de idias de grande influncia nas teorias da comunicao vem da tradio retrica. Para Aristteles, a retrica era fonte de um tipo particular de conhecimento provvel e razovel, enquanto a lgica

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    geraria um conhecimento exato ou necessrio (Clarke, 1990: 13). O legado da retrica, ento, o reconhecimento da ntima relao entre saber qual a cir-cunstncia e saber como comunicar sobre ela. O que sabemos, como indivduos ou comunidades, depende crucialmente das capacidades mentais e dos recursos materiais disponveis para articular tal conhecimento. Como a produo de conhecimento na cincia, a produo de significados na comunicao pode ser relacionada nfase relativa tanto nas entidades carregadas de insight intelec-tual quanto nos processos que resultam em tal insight. Essa distino entre o significado como produto pr-definido ou processo participativo pode ser remontada em vrias teorias da comunicao posteriores, descritas por James Carey (1989) como modelos rituais e de transmisso de comunicao.

    A retrica se constituiu a partir de recursos e convenes de tradies orais antigas, ainda que a retrica clssica tenha sido codificada e consolidada como uma parte de uma transio para a cultura literria (Havelock, 1963). Alm disso, o ponto de partida da retrica era a fala, especialmente em relao realidade, e como argumentar sobre ela. Em comparao, a hermenutica se desenvolveu fora de uma prtica de leitura e compreenso de textos escritos ou narrativos. Considerando os textos originalmente pertencentes aos campos da religio e do direito, particularmente textos do incio do sculo XIX em diante, os princpios e procedimentos da hermenutica foram aplicados s artes e a outros tipos de textos sem dvida, experincia humana como tal. No somente a Bblia e os clssicos, mas as sociedades modernas e subculturas prestam-se s anlises hermenuticas. Uma contribuio da hermenutica do sculo XX foi o que Paul Ricoeur identificou nos trabalhos de Marx, Niestzsche e Freud, e mais tarde desenvolveu como hermenutica da suspeita (Ricoeur, 1981: 46). Seu propsito era descobrir princpios velados nos discursos e aes de pessoas e instituies sociais, expondo interesses e motivaes que para elas podem estar igualmente veladas. Essa leitura nas entrelinhas da sociedade com propsitos reformatrios e teraputicos tem sido de interesse central dos estudos crticos em comunicao.

    Desde a potica clssica na tradicional histria da arte at o modelo mo-derno, a esttica sempre permaneceu como uma fonte de inspirao para o exame sistemtico de como as expresses e experincias significativas ocorrem na comunicao humana. Alm dos domnios isolados de descrena e contem-plao desinteressada, a esttica tambm serve para explicar como as formas especficas de representao relacionam-se com as funes do mundo real das mdias. Podemos dizer que a teoria esttica recente re-enfatiza uma compre-enso das artes como fenmenos materialmente fundamentados e prticas socialmente situadas (e.g., Summers, 2003). No caso das formas miditicas

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    Teoria e filosofia da comunicao

    digitais e interativas, a esttica tem se voltado ao estilo e tem sido abordada por estudiosos e profissionais para justificar a reelaborao da mdia e dos gneros familiares nas novas formas de representao e interao.

    As humanidades modernas tomaram forma por volta do incio do sculo XIX como uma configurao inclusiva das tradies eruditas, incorporan-do a retrica, a hermenutica, a esttica e outras abordagens para o estudo da histria, da cultura e da comunicao (para uma viso geral, ver Jensen 2002b) ainda que a noo de comunicao estivesse em formao naquele sculo (Peters, 1999). O contexto era a reconcepo das universidades como instituies produtoras de conhecimento por meio da pesquisa, associadas tradio humboldtiana na Alemanha (Fallon, 1980; Rudy, 1984). Isso con-trastava, nos domnios da histria e da cultura, com concepes precipitadas de conhecimento como autoconscincia ou aprendizagem clssica, tal qual sancionada e administrada por uma categoria de eruditos (Kjorup, 2001: 20-22). Enfatizando procedimentos analticos e estruturas conceituais para a pesquisa sobre cultura e conscincia humana por meio de ateno detalhada s fontes histricas e outras fontes empricas, as humanidades ajudaram a moldar as bases da pesquisa em comunicao moderna.

    Se o incio do sculo XIX foi marcado pela institucionalizao das huma-nidades como uma das correntes que mais tarde influenciaram as pesquisas em comunicao, no sculo XX presenciamos uma predisposio da Academia a uma segunda corrente das cincias sociais (para uma viso geral, ver Murdock, 2002). Respondendo a uma realidade de intensas e velozes mudanas sociais, vrias disciplinas cientfico-sociais surgiram a fim de efetuar uma dupla herme-nutica da economia, da poltica e da cultura. possvel dizer que, introduzidas no campo da pesquisa em comunicao, as diversas disciplinas cientfico-sociais e seus especialistas posicionam-se em um eixo simultaneamente epistemo-lgico e poltico que oscila do consenso ao conflito. A comunicao parte e parcela de um contnuo trabalho social de coordenao e confrontao, de processos micro-sociais a estruturas macro-sociais. Existe ainda um abismo nas conferncias e publicaes atuais entre as anlises funcionais, de Spencer e Durkheim em diante, e a teoria crtica, de Marx, passando pela Escola de Frankfurt economia poltica da mdia, estudos feministas e de gneros e teoria ps-colonial.

    Esse duplo legado das cincias sociais para a pesquisa em comunicao tem se complexificado e enriquecido em diversos aspectos. O mais importante, talvez, que as abordagens interpretativistas e construtivistas serviram como uma lembrana constante de que a conduta da vida social depende crucialmente dos recursos simblicos disponveis. A comunicao antecipa aes sociais e

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    configura a estrutura social. A interao simblica, que surgiu da grande tra-dio filosfica do pragmatismo, exerceu grande influncia nos estudos sobre a contribuio da comunicao ao senso de comunidade e de individualidade. Alm disso, nas cincias sociais e humanidades, a fenomenologia reafirma a compreenso de conscincia como um todo vivido e interpretado. Embora a fenomenologia possa ser interpretada no contexto social como uma reao defensiva contra o reducionismo dos moldes positivista e psicologista, ela se torna um ingrediente ativo da teoria social do sculo XX e da metodologia qualitativa. Um exemplo caracterstico, que sugere perspectivas disciplinares e interdisciplinares distintas da comunicao como um objeto de anlise, a psi-cologia em processos sociais, que tem sido abordado de vrias maneiras como uma questo de interpretao ou medida, explicao ou desenvolvimento.

    coNcePes INTeRDIscIPLINARes ATRAVs DAs DcADAsO incio do sculo XX marcou o surgimento de dois nveis de desenvolvimento no campo acadmico que estimularam os estudos em comunicao ps-1945. Por um lado, as disciplinas acadmicas especializadas se tornaram a ordem do dia, operacionalizando idias intelectuais em conceitos explanatrios para a pesquisa emprica, enquanto cuidava das necessidades das profisses e buro-cracias na sociedade moderna. Considerando que a cultura nacional e a cultura acadmica so diferentes (sobre o caso da Alemanha, ver Lblich, 2007), a autntica e reconhecida histria dos estudos em comunicao nos Estados Unidos (Dennis & Wartella, 1996) indicativa de uma viso abrangente de que a pesquisa em comunicao se sustenta de disciplinas cientfico-sociais especficas (para uma crtica ver Hardt, 1999). Embora Schramm (1997) des-creva o seu desenvolvimento em referncia aos seus antepassados (Lewin, Kurt; Lasswell, Harold D.; Lazarsfeld, Paul F.; Hovland, Carl I.), a substncia conceitual e analtica derivada de disciplinas impessoais (cincia poltica, sociologia, psicologia social e experimental).

    importante dizer que uma histria similarmente parcial dos estudos da comunicao poderia ser contada sob a perspectiva das humanidades. Alm das tradies histricas e intelectuais j notadas, os candidatos a fontes disci-plinares incluem histria da arte, teoria literria, lingstica e estudos flmicos. interessante notar que a segunda edio da obra amplamente divulgada de Lowery e DeFleur sobre o marco milirio (scio-cientfico) da pesquisa em comunicao de massa faz referncia a um crescente paradigma do signifi-cado (Lowery e DeFleur, 1988: 455), que poderia admitir um marco milirio humanstico. Apenas sete anos mais tarde, no entanto, na terceira edio, essa antecipao de uma possvel convergncia foi substituda por um retorno s

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    Teoria e filosofia da comunicao

    mltiplas e paralelas teorias centradas, cada uma explicando conjuntos de eventos ou fenmenos de claras fronteiras (Lowery e DeFleur, 1995: 397). O crdito de disciplinas relevantes e a definio de interdisciplinaridade perma-necem, assim, contraditrios.

    Por outro lado, a pesquisa em comunicao sempre foi tendenciosamente interdisciplinar. Isso evidente, no somente em histrias do Partido Whig a respeito das origens interdisciplinares do campo, mas tambm em algumas das mais influentes contribuies a seus conceitos e tcnicas analticas. Ao menos duas dessas fontes podem ser identificadas. Primeiro, a semitica e o estrutu-ralismo, em mltiplas variantes e em combinao a outras tradies de pesquisa, como por exemplo, a retrica e a hermenutica, forneceram estruturas detalhadas e rigorosas para o estudo do que Ferdinand de Saussure chamou, h um sculo, de a vida dos signos na sociedade. Desenvolvendo-se nos estudos da lgica e da linguagem do sculo XIX, essas tradies inspiraram muitos lingistas e tericos literrios do perodo entre-guerras, e consolidaram-se em uma corrente de estu-dos miditicos humansticos dos anos 60, embora tenham mais tarde tambm influenciado a pesquisa scio-cientfica sobre comunicao e cultura.

    A segunda famlia de tradies interdisciplinares mais comumente asso-ciada s cincias sociais e s concepes tcnicas e sistemticas da vida social. A ciberntica, herdeira da engenharia e das cincias naturais, se tornou indepen-dente durante os anos 40 e 50 como uma cincia generalizada de controle da comunicao entre humanos e mquinas. A tradio semelhante da teoria dos sistemas, tendo perdido seu sonho original de uma teoria de todos os sistemas, exerce hoje fraca influncia. Enquanto isso, as teorias da informao como uma categoria lgica, estatstica e algortmica representavam a chave do projeto e do estudo das mdias de comunicao por todo o perodo ps-1945.

    Apesar da familiaridade entre as categorias analticas, por exemplo, da semitica e da ciberntica, qualquer convergncia dessas e outras fontes interdis-ciplinares em alguma teoria consensual da comunicao no est em progresso e talvez nunca ocorra, e pode no ser vantajosa. Ao invs disso, a convergncia entre as cincias humanas, sociais, e em certo nvel, das cincias naturais e exatas pode ser vista como uma expresso de um ethos profissional e uma agenda de pesquisa, em que devem refletir um grau de maturidade disciplinar que leve em considerao a tolerncia intelectual e a curiosidade. Pelo menos desde a questo do crescimento do campo do Journal of Communication (1983), tal posio tem avanado amplamente ainda que a tolerncia possa se tornar indiferena entre os nichos. Alm disso, o processo pode tomar a forma de convergncias locais, mas no uma convergncia global no campo. Para trazer baila outros casos de linhas de estudo incompatveis, podemos citar

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    os estudos culturais e as cincias cognitivas que, cada uma sua maneira, integraram elementos de diversas disciplinas das humanidades e cincias so-ciais. Elas constituem interdisciplinas por si mesmos e componentes de outras disciplinas e campos existentes, incluindo a pesquisa em comunicao. Ao passo que os estudos culturais trouxeram a hermenutica clssica e outras estratgias analtico-discursivas bastante difundidas na sociedade moderna, investigando suas entrelinhas e fissuras, as cincias cognitivas revisitaram tardiamente a noo de inteligncia artificial, desenvolvida anteriormente pela neurocincia e pela antropologia.

    O propsito da teoria da comunicao, assim, no deve ser a construo de uma estrutura interdisciplinar a partir de blocos disciplinares, mas esboar um plano de como estruturas mltiplas poderiam ser construdas e reconstrudas. A afirmao de Craig (1999) sobre a teoria da comunicao como uma prtica metadiscursiva bastante sugestiva: a teoria da comunicao constituda em e por meio de atos comunicativos que se voltam a problemas prticos e questes de comunicao no mundo real, e que desenvolve solues e reflexes diversas e concorrentes. A meta-perspectiva de Craig sobre o campo revelou sete tradi-es da teoria da comunicao: retrica, semitica, fenomenologia, ciberntica, psicologia social, teoria sociocultural e teoria crtica. Enquanto suas definies e delimitaes permanecem contestveis, esse precisamente o ponto de um meta-modelo constitutivo: a teoria da comunicao uma prtica comunicativa, e se desenvolve na relao com outras prticas e contextos comunicativos.

    So essas prticas que podem ser vistas, mais geralmente, como instncias dos estudos da dupla hermenutica. A pesquisa em comunicao inter, trans e multidisciplinar e tradicional; tudo isso em resposta a uma realida-de que se comunica infinitamente ou o tenta fazer. A infra-estrutura das instituies de pesquisa, jornais e conferncias oferece evidncias ainda mais antigas dessa dialtica. Alm das distines disciplinares e sistemticas, tais como comunicao e a lei, economia miditica, produo e contedo midi-tico e efeitos miditicos, o campo tem sido organizado de acordo com os domnios da relevncia prtica, por exemplo, da comunicao educacional e da comunicao estratgica, e com vistas a noes contraditrias, tais como comunicao popular. Novas configuraes institucionais de uma herana terica surgem; identidades disciplinares revisadas com uma posio direta sobre comunicao emergem, como no caso das cincias da informao (que em alguns cenrios costumam ser conhecidos como biblioteconomia), cujas questes de pesquisa, com a digitalizao, sobrepem crescentemente as inte-raes homem-mquina. E, devido centralidade da mdia e da comunicao na sociedade contempornea, as pesquisas em comunicao so freqentemente

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    Teoria e filosofia da comunicao

    questionadas em pblico a prestar contas sobre papel da comunicao nas transformaes sociais; podemos citar, por exemplo, a referncia a uma possvel era de ps-modernismo e comunicao. As respostas efetuam, assim, uma dupla hermenutica na comunicao viva.

    o PRocesso De comuNIcAoEm relao s divergncias disciplinares e intelectuais, a maioria das formas de pesquisa em comunicao compartilha ao menos uma compreenso em comum dos processos de comunicao. Diversos modelos de comunicao tm sido empregados desde os primrdios do campo como representaes simplificadas, mas heuristicamente teis, do domnio de estudo. Os termos emissor-receptor, mensagem e canal podem ser considerados relativamente unnimes, especialmente se considerarmos a reversibilidade dos papis e o feed-back. No entanto, no que se refere ao contexto dessa interao, as abordagens das cincias humanas e sociais tendem concordncia. Considerando que o cientista social ideal e tpico caracterizado por Lasswell (1948) considerar os contextos em termos de ambiente natural e cultural embutidos na comunicao e sendo representados por ela, o seu contraponto humanstico jakobsoniano (Jakobson, 1960) considerar literalmente contextos como textos, como sendo sempre estruturas discursivas. E, embora esses dois modelos clssicos de co-municao possuam mais do que uma semelhana superficial, eles envolvem epistemologias alternativas. No paradigma de Lasswell, os comunicadores so indivduos ou instituies reais que dizem algo intencionalmente por meio de um canal fsico a algum, induzindo certos comportamentos; no modelo jakobsoniano, comunicadores equivalem a funes imanentes ou traos em um texto. Esse recente foco nos veculos discursivos da comunicao reenfa-tizado pela categoria de cdigo, tal como a lngua e cinematografia inglesa, que complementa o canal fsico (denominado por Jakobson de contato) no paradigma de Lasswell, os cdigos no so elementos essenciais. Um terceiro modelo fundamental, que possui origem na engenharia, mas amplamente aplicado s cincias da comunicao, refere-se a qualquer coisa que se esteja transmitindo por meio de algum canal de comunicao como uma mensagem, comunicao essa que pode ser mal-sucedida devido a um rudo (Shannon e Weaver, 1949). Em resumo, o contedo significativo do processo comunicativo pode ser definido tanto positivamente, como selees e combinaes no interior de um cdigo de expresso, quanto negativamente, referindo-se quela poro da mensagem que no sofre interferncia de um rudo no canal de transmis-so assim como em termos indiretos das intenes e comportamentos dos emissores e dos receptores.

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    A tradicional fronteira entre as abordagens das cincias humanas e sociais para o processo comunicativo pode ser traada em duas concepes distintas de comunicao: como um modo de representao ou um meio de ao. Por um lado, as humanidades enfatizam as formas simblicas por meio do qual os humanos re(a)presentam diferentes aspectos da realidade como parte de um processo intersubjetivo de cognio e reflexo. As teorias destacam a representao como uma expresso cognitiva e esttica, como uma forma externa de troca, e como uma fonte internalizvel de experincia. Por outro, as cincias sociais do prioridade comunicao como um meio de interao social coordenada, ou como um tipo de interao por si mesmo, desenvolvendo todas as formas de prticas sociais, culturais e psicolgicas.

    Devido o seu foco em formas de representao na comunicao, as hu-manidades tm gerado um legado frtil de conceitos a respeito dos veculos de comunicao. Primeiro, os textos foram compreendidos, desde os anos 60, como portadores de cultura, incluindo tanto a mdia impressa quanto a au-diovisual, ilustraes e artefatos do cotidiano. Os conceitos de textualidade e intertextualidade, derivados da teoria literria do sculo XX, sugerem que no-textos so ilhas textos que adentram em redes de configuraes histricas ancestrais e contemporneas. Muito antes dos hipertextos e da world wide web, as cincias humanas reconheceram a interconectividade dos textos como ns da comunicao e da cultura.

    Segundo, o discurso refere-se ao uso da lngua e de outros signos em con-textos sociais, s vezes instantneos concretos de um texto particular (e.g., um espetculo de Hamlet). O discurso, assim, desloca a ateno de entidades textuais para os processos localizados em que a comunicao se desdobra. Em um sentido mais amplo, o discurso se refere ao uso de signos que articulam e testemunham vises de mundo, ideologias e formaes culturais prprias. Os discursos multiplicam-se na cultura por meio da comunicao. E tambm, de acordo com as teorias de cultivo como compreendidas pelos estudos midi-ticos, a comunicao cultiva humanos, para melhor ou para pior, por meio das mdias historicamente disponveis.

    Nas tipologias dos veculos de comunicao, as humanidades freqen-temente concedem ateno especial ao gnero como um nvel intermedirio de anlise de textos ou discursos especficos e suas estruturas institucionais e miditicas. Enquanto a teoria literria tradicionalmente examina gneros picos, lricos e dramticos e suas variantes culturais e histricas, os estudos da comunicao e da mdia se dedicam a uma grande variedade de gneros (e subgneros), muito alm da fico gneros que incluem o noticirio e as sries televisivas, email e jogos de online, disputas amorosas e dilogos paciente-

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    Teoria e filosofia da comunicao

    terapeuta. Os gneros so equivalentes textuais de uma grande variedade de prticas sociais, no pblico e no privado, ambientes online e offline, como explo-rado, por exemplo, na comunicao organizacional (e.g., Yates e Orlikowski, 1992) e no contexto da comunicao mediada por computadores.

    Apesar das diferentes concepes de contedo da comunicao, as ci-ncias sociais e humanas concordam sobre o conceito performativo de signi-ficado ou o conceito contextual de informao. As humanidades cada vez mais prestam contas ao sentido representacional em termos de sua contribuio para a contnua estruturao da cultura e da sociedade (Giddens, 1984); as cincias sociais, igualmente, tratam a informao como uma diferena que faz a diferena nas interpretaes assim como nas aes em contextos so-ciais e culturais. A comunicao tambm pode ser definida como prticas de interao humana que dependem da interatividade, no somente na nova mdia digital, mas tambm em toda a variedade de mdias e modalidades programveis atravs de um conjunto de combinaes extremamente complexas de materiais e recursos simblicos disponveis da comunicao que as representaes humanas da realidade e as interaes iterativas na e com essa realidade se tornam possveis. A comunicao permite dvidas e adiamentos paradas, reflexes e representaes antes de cada ao.

    A convergncia de conceitos sobre mdia e comunicao, como j indica-do, foi facilitada pelas novas formas e contextos miditicos de comunicao, que demandam pesquisas interdisciplinares. O ambiente miditico contemporneo foi moldado pela intermidialidade em um sentido tecnolgico, esttico e ins-titucional. Nesse processo, a nova mdia confia e molda os repertrios da mdia antiga. Algumas das questes para a nova pesquisa interdisciplinar so: como as diversas prticas dirias de comunicao se relacionam com a mdia como instituies especficas dedicadas comunicao sobre outras instituies na so-ciedade polticas, econmicas e culturais? Quais so os propsitos e fronteiras dos diferentes processos de comunicao? E quais deveriam ser os propsitos e estruturas institucionais dos diferentes tipos de pesquisa em comunicao?

    o PRocesso De PesQuIsAO processo de pesquisa pode ser visto como um caso especial no processo de comunicao, ainda que certamente seja contestvel, como observou Craig (1999: 155, nota 10), j que muito questionada a afirmao de que a pesquisa em comunicao a disciplina fundamental que explica todas as outras disciplinas, [todas as quais] que so constitudas simbolicamente por meio da comunica-o. A pesquisa em comunicao um tipo especfico de prtica comunicativa com propsitos e interesses sociais particulares. A concepo de interesse

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    DossI

    no conhecimento explanatrio, interpretativo ou emancipatrio sugere que os propsitos e interesses no so externos, mas aspectos constitutivos da cincia e da erudio. A distino entre a pesquisa administrativa e crtica (Lazarsfeld, 1941) baseada em premissas tericas e procedimentos de pesquisa, e no em preferncias polticas.

    Apesar da diversidade de abordagens de pesquisa que se inserem no campo da pesquisa em comunicao, possvel identificar certas posies prototpicas, fundamentadas em diferentes formas de inferncia. No cenrio acadmico, duas auto-concepes de pesquisadores do que eles acham que eles so capazes (Geertz, 1983: 58) so freqentemente colocadas em oposio umas s outras raciocnio hipottico-dedutivo apoiado pelas metodologias quantitativas, e raciocnio abdutivo baseadas na metodologia qualitativa. (De fato, provavel-mente grande parte dos estudos em comunicao, falando de maneira geral, baseia-se na induo pesquisas do tipo descritivo, comercial e/ou confidencial que sustentam estratgias comerciais e planejamento pblico). Essas posturas adotadas nas pesquisas acadmicas em comunicao esto ligadas s grandes tradies da epistemologia e da teoria da cincia, que historicamente represen-tam culturas distintas de pesquisa (Snow, 1964), apesar das vrias propostas de reintegrao (Brockman, 1995). De um lado, o racionalismo crtico desenvolve uma grande parte das pesquisas empricas em comunicao, particularmente estudos quantitativos. Isso apesar do fato de que a pesquisa prtica nem sempre corresponde s expectativas dos critrios estipulados por Popper, considerando a pesquisa em comunicao como um todo, como outros campos e disciplinas, e ainda assim ela continua a debater as definies e implicaes da objetividade nas cincias. De outro, o construtivismo exerce grande influncia, especial-mente nos estudos crticos, qualitativos e interpretativos em comunicao. Em suas verses mais radicais, podemos dizer que o construtivismo abandona uma noo moderna de erudio como representaes intersubjetivamente validadas da realidade que as coletividades sociais produziriam, preferindo a narrativa ao argumento.

    Recapitulando, as duas abordagens prototpicas da pesquisa em comunica-o podem ser relacionadas a diferentes aspectos ou nveis de estudos empricos (Figura 1). Debates envolvendo a dicotomia qualitativo-quantitativo geralmente se concentram nesses nveis individuais, referindo-se especialmente aos nveis de coleta e anlise de dados. importante dizer que, no entanto, o projeto ou metodologia de pesquisa, e no a teoria, que distingue as pesquisas quanti-tativas e qualitativas embora as metodologias faam parte de um conjunto de estruturas tericas e tcnicas analticas. As similaridades e diferenas entre essas duas correntes so provavelmente melhor compreendidas se notarmos

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    como elas associam ou separam os diversos nveis de anlise. Os estudos quantitativos em comunicao tendem a assumir que a separao dos momentos de conceitualizao, projeto, compilao e anlise de dados e interpretao tanto possvel quanto desejvel. J a pesquisa qualitativa defende que ao menos certos fenmenos comunicativos requerem um processo de pesquisa que se mova de forma livre em todos os nveis analticos a fim de articular e diferenciar as categorias analticas, para que anlises detalhadas sejam parte constitutiva do processo. So essas diferenas que, sobretudo, justificam a resistncia entre duas correntes, que resumem as grandes dicotomias conceituais na histria da cincia moderna idiogrfico vs nomottico, verstehen vs erklren, mica vs tica.

    A pesquisa em mdia e comu-nicao atual vem passando por um processo de convergncia en-tre as tradies intelectuais e dis-ciplinares desde os anos 80, explo-rando a complementaridade das verses cientfico-sociais qualita-tiva e quantitativa, humanstica e social do processo de pesquisa. Se definido negativamente, o campo pr-paradigmtico, carente de um conjunto consensual de pre-missas metodolgicas, epistemo-lgicas e ontolgicas (Kuhn, 1970). Mas, se definido positivamente, o campo representa um lugar de di-logo entre, em um sentido frgil, paradigmas no plural. Uma vez

    que o processo aberto, a evidncia de publicaes e conferncias sugere que essa convergncia pode desenvolver-se, e at poderia ser consolidado em es-truturas epistemolgicas e meta-tericas que reconhecem o valor explanatrio da pesquisa qualitativa e quantitativa; podemos citar, por exemplo, o realismo cientfico (Jensen, 2002a; Pavitt, 1999).

    Em cada turno da pesquisa dialgica, a teoria e a filosofia da comunicao, no sentido de uma epistemologia que implica compromisso ontolgico e pol-tico, so imprescindveis. Na Figura 1, o nvel epistemolgico retroage sobre os objetos empricos de anlise, assumindo definies e justificativas prvias do que constituem objetos relevantes de anlise, e do que representam mtodos anal-ticos admissveis, permitindo inferncias para alm daqueles objetos. Algumas

    Figu r a 1 . Seis nveis da pesquisa emprica

    Objeto emprico de anlise

    Mtodos de coleta de dados

    Mtodos de anlise de dados

    Metodologia

    estrutura terica

    epistemologia

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    instituies de pesquisa internacionais em comunicao tendem a tratar a teoria e a filosofia como interesses distintos e temas desligados do ncleo das atividades de pesquisa. A ttulo de exemplo, a Filosofia da Diviso da Associao de Comunicao Internacional foi formada em 1985 em torno de elementos gmeos: a teorizao da comunicao e a politizao da filosofia (Erni, 2005: 374). Na prtica, a diviso representa um lar para os estudos filosficos, crticos e culturais (Erni, 2005: 371), questionando explcita e implicitamente premissas tericas e metodolgicas em outras sees dessa associao. Um de seus dilemas era como estabelecer um nicho para reflexo terica sem torn-lo um nicho para teorias particulares, repelindo uma hegemonia cientfica sobre seus outros no dilogo. Certamente, so necessrias duas partes para se comunicar, assim como reflexividade em ambas as partes para alcanar um dilogo. Um desafio importante para os futuros estudos em comunicao, nas divises, nichos e tradies, como acomodar e tratar a teoria e a filosofia da comunicao, no como prticas separadas ou auto-suficientes, mas como condies necessrias da pesquisa em comunicao como tal.

    O esforo sobre as agendas de pesquisa, conceitos tericos e procedimentos analticos so, enfim, partes de uma dupla hermenutica da pesquisa em co-municao. Os estudos em comunicao examinam a realidade contraditria das prticas comunicativas que os usurios e estudiosos da comunicao tanto se preocupam. Uma outra razo para teorizar a comunicao no incio do sculo XXI a sua transformao nas estruturas tecnolgicas e institucionais. A mdia livros, imprensa, rdio e teledifuso, a Internet sempre serviu como fontes de reflexo e deliberao em uma escala macro-social, como instituies pensantes (Douglas, 1987); a digitalizao afeta cada componente e processo dessas instituies quem, o que e como da comunicao. A pesquisa em comunicao cumpre o papel de instituio pensante de segunda ordem, sem garantias de que suas descobertas e insights possam ser adotados nos estudos ou prtica diria da comunicao. A comunicao dos estudos da comunicao , assim, uma questo incerta e inacabada.

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    Traduzido por Mariane MurakaMi

    Artigo recebido em 15 de setembro de 2008.