teoria e debate_ a estratégia da pinça - 1990 - ds

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  • 7/31/2019 Teoria e Debate_ A estratgia da pina - 1990 - DS

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    Debate: A estratgia da pinaTeoria e Debate n 12 - outubro/novembro/dezembro de 1990

    publicado em 10/04/2006

    O partido revolucionrio deve dirigir o duplo movimento dos trabalhadores - nas lutas sociaise na institucionalidade - sobre os centros de dominao da burguesia.

    por Juarez Guimares *

    H uma aparente contradio nos prprios termos do debate sobre o socialismo e aestratgia para alcan-lo. Pois o PT um partido essencialmente pragmtico. Ele senfrenta os problemas que a realidade lhe coloca e que pode resolver. Pretender moldar opartido para um plano futuro pareceria, assim, um esforo destinado a se desfazer comonuvem diante de suas duras realidades polticas e organizativas.Este carter pragmtico faz parte da natureza do PT, um partido surgido no auge da crise domovimento socialista internacional, e que nasceu sem modelos, sem referncias "luminosas"no plano mundial. A relao que ele estabelece com os trabalhadores muito diversa de umadelimitao estrita tpica de um partido de quadros.Mas o fato que o "futuro" est batendo s nossas portas. O peso das nossas indefinies

    estratgicas atravessa hoje todos os planos de nossa atividade na luta de classes: estrigorosamente expresso nas administraes populares, cujas intenes polticastransformadores esto soterradas pelo peso das opes administrativistas; fere fundo omovimento sindical dirigido por petistas, que v seu horizonte economicista e os seusmtodos de organizao e luta corporativos se tornarem impotentes at para exercer umaao eficaz de defesa dos salrios e empregos; recorta a nossa atividade parlamentar, que seencontra em geral sitiada e autonomizada, incapaz de se ligar organicamente ao movimentoreal de luta dos trabalhadores. Volta-se, enfim, contra o prprio processo de construo dopartido, que acumulou enormes carncias organizativas, profundos desequilbrios entredireo e base, entre crescimento de sua influncia e capacidade de organiz-la.Por isso mesmo, o debate de natureza programtica e estratgica que ora travamos s ter

    valor se, em vez de apenas especular sobre o futuro, servir para exercer a crtica do nossomovimento, de seus avanos e impasses. O que se exige dele que nos fornea opesviveis, abrangentes e coerentes para superar tais obstculos.H uma relao direta entre nosso objetivo de construir uma democracia socialista e o nossocampo estratgico: a luta poltica de massas, a partir de uma posio poltica independentedos trabalhadores, que busca construir uma hegemonia socialista na sociedade.Esta opo estratgica difere muito da posio que foi majoritria durante dcadas naesquerda brasileira a noo de uma revoluo de carter democrtico-burgus, defendidapelo PCB, que tinha como desdobramento imediato a perda de independncia poltica dostrabalhadores -, e tambm das propostas foquistas ou sectrias, que acabam por substituir omovimento real dos trabalhadores pela ao de uma vanguarda popular e herica.

    Exatamente por ser uma opo de luta pela democracia socialista, esta opo estratgicaexige a ruptura com o Estado burgus. Isto , exige o desmonte de suas estruturas derepresso, dos inmeros mecanismos da burocracia atravs dos quais o grande capital fazvaler os seus interesses. Exige, alm disso, a criao de uma nova legalidade assentada emuma nova concepo de representao poltica e de exerccio de poder.Para dirigir este processo de ruptura, os trabalhadores tm, desde j, que preparar ascondies polticas e materiais para dobrar a violncia que ser desencadeada pelas classesdominantes em defesa de seus privilgios. Os trabalhadores no fazem a apologia daviolncia. Tm, pelo contrrio, o interesse em realizar as transformaes sociais com o menoruso possvel de violncia e inscrevem, na sua proposta de democracia, a defesa estratgicados direitos humanos e das liberdades democrticas que as classes dominantessistematicamente violam. Mas reservam-se o direito legtimo de responder violncia dasminorias dominantes contra a vontade transformadora das massas trabalhadoras.

    Hiptese Central

    http://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/debate-estrategia-da-pincahttp://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/debate-estrategia-da-pinca
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    A criao desta possibilidade de ruptura com o Estado burgus deve ser entendida como umprocesso consciente de construo de uma dualidade de poderes.Neste sentido, a hiptese estratgica central deve basear-se na noo de que a ruptura coma ordem burguesa ser o resultado de um movimento articulado, em pina, dos trabalhadoressobre o centro de poder burgus - isto , pela combinao do avano sobre ainstitucionalidade com a criao do poder popular.Esta hiptese central estabelece um trao de diferenciao ntido entre a experinciabrasileira e a experincia bolchevique, onde as possibilidades de acumulao de foras noplano institucional eram bastante reduzidas. Estabelece tambm um marco distinto dosmodelos de guerra popular prolongada, em que a acumulao de foras se faz atravs daconfrontao armada com a institucionalidade que se quer destruir.Ela procura superar o falso dilema entre "guerra de movimento" e "guerra de posio", oumesmo o entendimento que v estas duas modalidades de ao dos trabalhadores comofases sucessivas no tempo. Adota a viso de um confronto de massas prolongado contra oEstado e o grande capital, uma "guerra de movimento prolongada", onde a ocupao deposies est desde o incio subordinada a esta estratgia de ruptura com a ordem.O erro de direita - reformista ou social-democrata estaria em centrar os objetivos e a dinmicado movimento dos trabalhadores no sentido de conquistar o poder via um deslocamento da

    correlao de foras no interior do Estado burgus. O equvoco bsico desta viso o deencarar a mquina do Estado burgus como se ela fosse neutra, em querer fazer de umaestrutura construda para oprimir e alienar o poder aos trabalhadores um instrumento-chavepara a transformao social.No plano da economia, o desdobramento deste erro consiste em encarar a luta de classes apartir de uma tica distributivista, abandonando qualquer perspectiva, em futuro previsvel, desocializao dos meios de produo. A tentativa de conciliar as ambies distributivistas coma dinmica capitalista acaba sendo formulada atravs de uma aproximao com teoriaskeynesianas e neokeynesianas.Acaba ocorrendo, desse modo, uma "diviso de trabalho" entre partido e sindicato: o primeiroconcentra-se em uma dinmica de disputa eleitoral, tendendo a deslocar seus centros de

    gravidade para a vida parlamentar; o movimento sindical esgota-se em uma dinmicaeconomicista, tendendo a institucionalizar-se e a verticalizar suas estruturas.O erro de carter esquerdista consistiria em estabelecer um programa maximalista,combinado com a pretenso de criar o poder popular margem da conjuntura, semequacionar a relao de seu desenvolvimento com a crise da institucionalidade burguesa.Esta viso esquerdista est em geral associada incapacidade de conceber o partido comode massas e democrtico.

    Cinco elementosO principal problema a ser equacionado a dinmica, a dialtica que se necessitaestabelecer entre estes avanos sobre a institucionalidade burguesa e a construo de

    formas do poder popular. Podemos apontar cinco elementos estratgicos que condicionaroas possibilidades de vitria dos trabalhadores: a construo do partido revolucionrio, acriao dos organismos de poder popular, a formao do bloco antimonopolista, a ocupaode posies na institucionalidade e o enfrentamento do problema militar.A partir desta perspectiva, o partido revolucionrio deve cumprir o papel insubstituvel de"articulador da pina", isto , dirigir o duplo movimento dos trabalhadores na institucionalidadee nas lutas sociais - sobre os centros de dominao burguesa. Para ser capaz de cumpriresta funo, o partido no apenas tem de ter construdo a crtica programtica dainstitucionalidade burguesa, como ter o seu centro de gravidade organizacional junto aoprocesso de criao dos organismos de poder popular.De todos os elementos estratgicos, a construo do partido revolucionrio o fundamental,pois exerce um efeito direto sobre os outros. o instrumento principal de construo dahegemonia, momento de sntese da estratgia e da ttica.Os organismos de poder popularcorrespondem incorporao de dezenas de milhes aoprocesso da luta de classe. So a fora orgnica da revoluo. Constituem os instrumentos

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    do aprendizado das grandes massas na arte de governar.O ritmo e as formas de construo do poder popular devem estar sincronizados,subordinando o acmulo dos trabalhadores no campo institucional. Devem se articular com aluta pela construo de uma hegemonia democrtica e popular.Sua massificao s ocorrer no prprio processo de gestao de uma crise revolucionria. Oque se trata hoje de construir embries, de realizar um esforo concentrado para superar oslimites corporativos dos organismos de tipo meramente reivindicatrio, para conquistar alegitimidade das organizaes populares que minem e conflitem com o poder do capital e doEstado.O movimento operrio tem todo o interesse que a polarizao da luta de classes no ocorraapenas de forma estritamente classista mas forme um bloco antimonopolista, isolando osncleos de resistncia do grande capital. Isto significa travar conscientemente a luta pelahegemonia no campo dos setores sociais aos quais interessa a democracia: a coeso doenorme bloco dos assalariados, com toda a sua diferenciao, a atrao da pequenaburguesia urbana e rural, alm da neutralizao de setores do mdio capital.Na hiptese estratgica que estamos adotando, a disputa e ocupao de posies nainstitucionalidade burguesa oferece aos trabalhadores melhores condies para dialogar,expressar interesses e atrair setores sociais que, do ponto de vista estritamente classista,

    dificilmente seriam polarizados.Um quarto elemento: a acumulao de foras na institucionalidade burguesa integra oprocesso de construo da hegemonia, de alterao da correlao de foras entre as classessociais e do isolamento do grande capital.Ela tem um sentido de negao evidente: trata-se de ir minando os mecanismos de controle ereproduo do grande capital, impedindo que ele possa movimentar um aparelho de Estadocoeso e integrado contra o poder popular. Mas deve ter igualmente um sentido positivo: aocupao de posies nos campos parlamentar e executivo pelos trabalhadores tem j de ircriando referncias novas de exerccio do poder. Portanto, a prpria ocupao de posies nainstitucionalidade deve ser acompanhada de uma prtica que supere os seus limites, as suasdistores.

    noproblema militarque a utilidade desta construo estratgica aparece mais claramente.Os trabalhadores tm poucas chances de vitria em um processo de dualidade de poderes,se enfrentarem o aparelho blico do Estado burgus disciplinado e inteiro. Se contra este nofor desenvolvida uma luta democrtica de massas que o deslegitime, que o divida ouneutralize, se no se avanar no processo de desmilitarizao do aparelho de Estado, asclasses dominantes podero resolver uma crise de regime pelas armas, como fizeram emoutros perodos.Esta presso democrtica tem que ser combinada desde j com as iniciativas do movimentooperrio e popular (tticas de massa contra a represso, estruturas de autodefesa, criao deredes e estruturas ao abrigo da represso policial etc), que, em uma conjuntura de formaodos organismos de poder popular, podem e devem transformar-se em uma acumulao

    prpria no campo militar.

    Desvios e Tenses a partir desta viso estratgica que procuramos caracterizar a origem daqueles impassesdo nosso movimento poltico que mencionamos no incio do artigo.Estes impasses tm origem no fato de que nosso movimento poltico est tensionado para odesvio estratgico de direita - reformista ou social-democrata - que caracterizamos h pouco.Utilizando a imagem da "pina", como se ela estivesse desequilibrada: o seu braoesquerdo (a construo do movimento socialista de massas) est deprimido e subordinado aoseu brao direito (a ocupao de posies na institucionalidade). E precisaramos terexatamente o inverso.Esta tenso social-democratizante ou desequilbrio da "pina" manifesta-se hoje atravs (epor causa) de quatro aspectos globais. O primeiro deles a nossa debilidade hegemnica,nossa diluio ideolgica, nossa dificuldade em criar um campo de massas para uma viso demundo socialista. Esta insuficincia particularmente grave no momento em que vivemos

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    uma guerra ideolgica intensa e de longo alcance com o neoliberalismo, que utiliza a crisedos regimes do Leste Europeu para torpedear a conscincia socialista em formao.Esta debilidade hegemnica transparece igualmente na vertente agudamente economicistado nosso movimento, ou seja, na sua incapacidade em abordar os grandes temas dasrelaes humanas, do comportamento, dos valores culturais e ticos, da relao com anatureza. Chama a ateno a defasagem entre a extenso da influncia social queconquistamos (inclusive na intelectualidade) e a ausncia de um movimento cultural queintegre a nossas propostas de transformao do Estado e da economia em um novo sistemade valores humanos.Esta debilidade manifesta-se ainda na precariedade dos instrumentos de luta pela hegemonia(imprensa, meios de comunicao de massa, entidades culturais) que fomos capazes deconstruir at agora.O segundo aspecto a insuficincia programtica de nosso partido - que se desdobrainevitavelmente no horizonte reivindicatrio dos movimentos sociais que dirigimos em doisterrenos-chave. O primeiro deles o da definio do poder popular que queremos construir,dos princpios de organizao do Estado e da institucionalidade necessrios para a transioao socialismo. A ausncia da definio clara desses princpios acaba por fazer com que ascrticas que divulgamos sobre a institucionalidade vigente Constituio, parlamentos,

    executivos - acabe por se confundir muitas vezes com uma moralizao destas instituies,com a proposta de correo das distores de seu funcionamento (corrupo, privilgios etc.),que necessria. mas insuficiente.O outro terreno o das mudanas estruturais na economia brasileira que devemos propor. O6 Encontro Nacional do PT, realizado em 1989, aprovou o documento Diretrizes para umaao de governo, que indica as razes "antimonopolistas, antiimperialistas e antilatifundirias"de nossa proposta. Estas indicaes fundamentais, no entanto, no foram concretizadas emum programa claro que possa ser contraposto ao neoliberalismo.O processo de amadurecimento do capital monopolista no Brasil, ocorrido nas dcadas de 70e 80, traduz uma realidade cujas implicaes para a luta de classes foram apenasapreendidas de maneira parcial pelos trabalhadores. No h tradio de conscincia

    antimonopolista no Brasil.Esta limitao programtica, por sua vez, liga-se ao terceiro aspecto, que foi se tornandocada vez mais forte nesses ltimos anos: a perda da dimenso da globalidade e danecessria integrao dos vrios planos de atividade do nosso movimento. Isto , a criaode uma certa dinmica autonomizada da luta parlamentar, da atividade sindical e, maisrecentemente, das administraes populares.O resultado uma crescente tenso de adaptao das atividades e formas organizativas donosso movimento poltico s respectivas institucionalidades. Economicismo, parlamentarismoe administrativismo so os demnios que hoje nos rondam.Por fim, o quarto aspecto do desequilbrio: a dinmica de institucionalizao que inibe oprocesso de formao dos embries do poder popular, na medida em que pressiona para a

    corporativizao das entidades e movimentos. inegvel que existe hoje um enormedescompasso entre a influncia eleitoral do PT, o grau de sua incidncia na luta de classes eos patamares de auto-organizao j atingidos pelos trabalhadores.

    Renovao ProfundaAo identificarmos essas contradies estratgicas do nosso movimento poltico, o queestamos fazendo , simplesmente, como marxistas, entender que a luta de classes no sedesenvolve em uma s direo, por uma s via. importante notar que quando ostrabalhadores exercem um esforo de desestruturao do poder, as classes dominantesrealizam vrios movimentos e presses no sentido de neutraliz-lo e at integr-lo.No estamos dizendo que o PT vive hoje uma dinmica j definida de integrao nasociedade capitalista ou no Estado burgus. O que estamos identificando so tendncias daluta de classes que podem e devem ser combatidas e superadas por uma poltica conscientedos trabalhadores. assim que voltamos ao desafio proposto inicialmente no artigo. Para ser capaz de trabalhar

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    a hiptese estratgica central em um sentido revolucionrio, ser capaz de construir umahegemonia socialista na luta contra o grande capital e o Estado, o nosso movimento precisapassar por uma renovao profunda no campo ideolgico, programtico e organizativo.A luta fraterna e construtiva por esta renovao, em seus vrios aspectos, constitui o campodo trabalho criativo dos revolucionrios no interior do nosso movimento, no perodo queantecede a realizao do 1 Congresso Nacional do PT.

    *Juarez Guimares editor do jornalEm Tempo, publicao da tendncia DemocraciaSocial.