teoria critica e (semi)periferia - principal · o que o comandante marcos do zapatismo depois...

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J osé M aurício D omingues TEORIA CRITICA E (SEMI)PERIFERIA Belo Horizonte Editora UFMG 2011

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J o s é M a u r í c i o D o m i n g u e s

TEO R IA CRITICA E (S E M I)P E R IF E R IA

Belo H orizonte Editora U FM G

2011

CAPÍTULO 2

MODERNIZAÇÃO GLOBAL, "COLONIALIDADE" E UMA SOCIOLOGIA CRÍTICA PARA A

AMÉRICA LATINA CONTEMPORÂNEAUm debate com Walter Mignolo

INTRODUÇÃO

A discussão das relações entre a América Latina, a moder­nidade e o Ocidente tem uma longa tradição no pensamento social que se desenvolveu nesse subcontinente desde suas in­dependências da Espanha e Portugal.1 Questões de identidade, especialmente em relação ao Ocidente e às especificidades dos novos países, assim como realizações práticas, estão presentes nisso, implicando todos os tipos de posições e, de certo modo, antecipando o que mais tarde emergiu como teoria pós-colonial com referência à Ásia e à África. Esses temas não podem deixar de reemergir agora, ante as mudanças recentes de grande alcance que se processam na América Latina.

Parcialmente em continuidade com aquela tradição intelec­tual, em parte como uma tentativa de romper com ela, um tipo mais específico de teorização pós-colonial ou “ descolonial” ganhou força mais recentemente em relação à América Latina, reunindo-se em torno ao projeto “modernidade/colonialidade” .2 No centro de suas perspectivas se encontra a crítica ao ocidenta- lismo como uma contrapartida necessária e inclusive originária

do orientalismo.3 Intelectuais mais velhos, Aníbal Quijano e Enrique Dussel têm exercido uma forte influência sobre o projeto e se associaram a ele, embora, creio, suas perspectivas não sejam exatamente as mesmas, especialmente em relação à modernidade. Como herdeiro do Grupo Latino-Americano de Estudos Subal­ternos, que funcionou entre 1992 e 2000 nos Estados Unidos,4 talvez mais seletivamente e contando com um ponto de vista mais específico, o projeto tem mantido certo grau de pluralidade, mas tem tido em Walter Mignolo sua principal expressão.

Originalmente, uma corrente nascida e nutrida nos Estados Unidos e conquanto não tenha havido até hoje qualquer debate sistemático de suas concepções nos países latino-americanos, o impacto do projeto no subcontinente tem crescido. Suas teorias espelham e de algum modo expressam questões que são desafios reais na América Latina. De fato, a democratização (uma verda­deira “revolução molecular” , não obstante o projeto neoliberal e em oposição a ele), a complexificação social e a globalização têm implicado transformações de largo alcance na América La­tina, incluindo mudanças na construção das identidades e nos movimentos sociais, embora com magnitude e direção variáveis em cada país.5

Este texto apresentará, inicialmente, um esboço detalhado das ideias de Mignolo, passando então a uma crítica mais geral de seu trabalho, que se calca em uma rejeição integral da mo­dernidade e em uma perspectiva unilateral da questão étnica. Como um dos poucos a propor uma teorização da América Latina hoje e como o membro intelectualmente mais produtivo daquele projeto,6 além de serem suas ideias avançadas de ma­neira radical e provocativa, esse procedimento permitirá uma compreensão clara dos insights e limitações do projeto pós/ descolonial. Proporei, então, o arcabouço de um ponto de vista sociológico alternativo, que considero mais apropriado para tratar da situação atual. Isso servirá como pano de fundo para a introdução de uma concepção mais sutil e complexa da mo­dernidade, cujo desenvolvimento será tratado mediante a ideia

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de “giros modernizadores” contingentes, episódicos. Estes nos levam, hoje, ao desdobramento da terceira fase da modernidade, de modo particular na América Latina. Assim, poderemos dar conta também da emergência de seus novos movimentos sociais, os quais têm por vezes uma base étnica.

AS IDEIAS-CHAVE DE MIGNOLO

Dois livros são fundamentais para o arcabouço geral de Mignolo: Local Histories!global designs. Coloniality, subaltern knowledges, and border thinking (2002) e The idea of Latin America (2005a), embora The darker side o f the Renaissance (1995) já apresentasse alguns elementos essenciais. Mignolo tem ideias interessantes. Suas perspectivas são minadas, contudo, por dois equívocos: 1) uma concepção reducionista da modernida­de, na qual somente a dominação surge como relevante, sem permitir que nenhuma ambivalência emerja; 2) a ideia de que apenas aquilo que não é moderno - ou se acha ao menos em uma posição ambígua em relação à modernidade - tem valor na América Latina. Isso produz um espelho bastante invertido da teoria da modernização, com sérias consequências culturais e políticas. A ênfase crescente em um “giro descolonial” ou no “desprendimento”7 parece ser uma tentativa algo velada de superar esses impasses.

PENSAMENTO FRONTEIRIÇO E EXTERIORIDADEUm bom lugar para começar é a noção de “pensamento fron­

teiriço” . Mignolo8 o define como “gnose fronteiriça” - a gnosio- logia sendo entendida como discurso sobre o conhecimento, a doxa e a episteme. Ele emergiu no início da colonização como uma consequência lógica da “ diferença colonial” , como uma “enunciação fraturada em situações dialógicas com a cosmo­logia territorial e hegemônica” , como um “campo de batalha” (não como uma “enunciação híbrida” ). Ele se constitui nos momentos em que “ . . .o imaginário do mundo moderno racha” ,

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permanecendo dentro de seu imaginário, mas “ reprimido pela dominância da hermenêutica e da epistemologia” .9 O pensa­mento fronteiriço se estrutura “em uma dupla consciência” , “uma dupla crítica que opera no imaginário do sistema mundial moder- no/colonial” . Como “crítica cultural” , ele estabelece alianças com a crítica monotópica da modernidade (Kierkegaard, Nietzsche, Heidegger, Marx, Freud, Derrida), afirmando, porém, a irredu- tibilidade da diferença colonial. Não é nem contracultura nem uma síntese hegeliana, mas antes uma “ fagocitose da civilização pelo bárbaro” , implicando uma forma “bárbara” de teorização (para além de dar sentido aos fatos ou de uma desconstrução, um estilo, aliás, que Mignolo parece perseguir firmemente). O “pensamento outro” implica a diversidade do mundo, formas inesperadas de conhecimento, como uma “configuração-chave” do pensamento fronteiriço: “pensar a partir de conceitos dicotô­micos antes que ordenar o mundo em dicotomias.” 10

O “pensamento fronteiriço” surge “na interseção das histórias locais” , efetivando “desígnios globais e histórias locais que lidam com eles” , histórias locais derivando de uma “perspectiva subal­terna” , desígnios globais consistindo no resultado de um “desejo de homogeneidade” e de uma “necessidade de hegemonia” .11 Ele se opõe a “universais abstratos” , enquanto a gnose fronteiriça é o “ futuro localismo planetário epistemológico e crítico” .12 Antes que um significante vazio, ele funciona como um conector que pode introduzir a diversidade das histórias locais em um projeto universal, deslocando o universalismo abstrato e permitindo a “diversalidade como projeto universal” .13

Isso ressoa muitos dos temas da Escola de Frankfurt, mas mesmo em diálogo direto Mignolo não se engaja com seus argumentos contra o “ logocentrismo” .14 A abordagem de Horkheimer visava interrogar a base da teoria tradicional em uma sociedade capitalista. A teoria crítica agora, por meio do pensamento fronteiriço, argumenta Mignolo, deve ser aplicada a formas europeias de pensar de modo que conhecimentos silen­ciados e subjugados se “descolonizem” e o “desprendimento” ,

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afastando-se da modernidade, se faça possível.15 Antes que suas ideias, o lócus de enunciação da Escola de Frankfurt é o que lhe interessa: sendo judeus - um traço “étnico” que eles nunca pri­vilegiaram -, aqueles autores estavam postos numa posição de exterioridade (ver adiante) e produziram um tipo de “teorização bárbara” . Hoje, pessoas de origem estrangeira estão na mesma posição nos Estados Unidos.16

Como há histórias distintas, simultâneas e o pensamento des- colonial é a “epistemologia pluriversal do futuro” , libertando-se da “tirania do universal” , projetos descoloniais podem subsumir a teoria crítica de orientação marxista, mas o caminho oposto está vedado. Mais uma vez, o interesse de Mignolo por Marx descansa basicamente em seu judaísmo: ele pode ter sentido o diferencial racial inscrito em seu corpo, traduzindo-o em um diferencial de classe.17 Toda a questão da estrutura de classe da modernidade - uma das contribuições cruciais de Marx ao pensamento crítico - e, nesse sentido, de todas as sociedades de classe, não desempenha nenhum papel nos escritos de Mignolo. Ele reduz inclusive os “ camponeses” bolivianos Aymara a uma condição exclusivamente “indígena” .18

Mignolo reconhece que um tipo de deslocamento que carac­teriza o pensamento fronteiriço já se encontrava presente no caso singular da “dupla consciência” criolla, a qual fracassava em seu autoreconhecimento enquanto tal, mas era uma expres­são de protesto, rebelião e crítica por parte das elites coloniais locais. Sua consciência crítica emergia não de não serem consi­derados humanos, mas de não serem considerados europeus ao mesmo tempo que americanos. Em sua concepção de mundo, a classificação racial se manteve, assim como a segmentação da humanidade. Eles acabaram se alienando ao adotar desígnios ocidentais.19 Certo avanço e a crítica do ocidentalismo e da ociden­talização estavam presentes nas obras de Leopoldo Zea e Edmundo 0 ’Gorman (respectivamente, um filósofo e um historiador que pertencem a uma importante corrente do pensamento mexicano). Todavia, a questão étnica - a única que parece despertar realmente

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o interesse de Mignolo - não os alcançou.20 José Carlos Mariátegui foi o primeiro a se pôr como um tradutor entre o marxismo e as cosmologias indígenas, o primeiro caso de pensamento fronteiriço na história local dos Andes e da América Latina, o primeiro a fazer o que o comandante Marcos do zapatismo depois faria.21

A “dupla tradução” , ou “infecção” , da revolução teórica dos zapatistas permitiu um novo imaginário ético e político quando formas marginalizadas de conhecimento passaram ao duplo movimento de “entrar/deixar entrar” (getting in/letting irí). A tradução aqui segue em mão dupla, uma vez que a epistemologia marxista, ocidental, é apropriada pelos ameríndios, mas é trans­formada e devolvida com a contribuição destes últimos ao mundo contemporâneo. A tradução pode, contudo, pôr-se como mais unilateral, porquanto Mignolo sugira que aquilo que permanece como exemplos realmente paradigmáticos da crítica subalterna/ colonial localizam-se no Caribe, na Mesoamérica e nos Andes. O pensamento fronteiriço e seu tipo de crítica carecem ser, portanto, não apenas periféricos, mas também de base étnica, de modo a validar seu lócus de enunciação.22 Esse é aparentemente o caso do papel do vice-presidente da Bolívia, Álvaro Garcia Linera: um homem de origem criolla, ele é considerado um mero tra­dutor (em mão única) das concepções e proposiçõès dos povos indígenas.23 Isso parece ser uma consequência de uma passagem na introdução original de Mignolo24 do conceito de pensamento fronteiriço, quando argumentou que o moderno/colonial não pode ser pensado de dentro da modernidade.

Em grande medida esses problemas dependem da relação entre pensamento fronteiriço, modernidade e a noção de “ex­terioridade” , que Mignolo encontra em Levinas e Dussel. Sem pretender tratar aqui da complexa abordagem filosófica de Levinas, vale, portanto, recuperar seu conceito original, dirigido contra a ontologia, e em particular a concepção de Hegel da totalidade. Para ele, os seres resistem à “ totalização” , em sua “heterogeneidade radical” : “ ...a exterioridade, como a essência do ser, significa a resistência da multiplicidade social à lógica que

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totaliza o múltiplo.” Mas os “eus” (les moi’$) não formam uma totalidade em si, tampouco; não há um “plano privilegiado” em que pudessem ser compreendidos isoladamente. A “multiplici­dade” não existe sem relações.25 Mignolo se punha claramente contra uma espécie de monodologia, na qual os seres discretos seriam absolutamente autodeterminados.26

No período colonial, argumenta Mignolo, os intelectuais Astecas e Incas não podiam se relacionar com a filosofia cristã da história de dentro dela; tinham de tratá-la de uma perspectiva de “exterioridade” como “o externo feito, ou construído, pelo interno” . Mas isso foi então subsumido sob uma concepção epocal, unilinear e progressiva (desenvolvimentista) da história universal, à qual cada história local está vinculada, encontrando sua expressão-mor na Filosofia da história de Hegel.27 Hoje, uma história global ou universal é uma tarefa impossível ou di­ficilmente crível. As histórias locais estão vindo para a linha de frente, não obstante a hegemonia dos desígnios globais, com as antigas missões civilizatórias cristãs e renascentistas estando na retaguarda do neoliberalismo de livre mercado.28 A exterioridade não desaparece, porém, de modo algum. É como se Mignolo estivesse buscando também uma posição de onde a modernidade pudesse ser criticada com muito mais certeza e confiança. De maneira clara (e explícita), ele não persegue uma crítica ima­nente da modernidade, ou seja, uma crítica que a repreenda por fracassar no cumprimento de suas promessas - a qual, desde Marx, passando por muitos marxistas, e chegando à Escola de Frankfurt, tem estado no cerne da teoria crítica. Uma vez que a modernidade não pode ser criticada de dentro e o pensamento fronteiriço é o lócus de tal crítica, a exterioridade tende a implicar uma relação meramente externa com a modernidade, embora tenha sido definida como o exterior criado pelo interior, de certo modo mantendo-se, portanto, dentro de seus limites. Ambiguida­de analítica, antes que uma teorização dialética, desponta aqui, em contraste com a definição de Levinas da totalidade como englobando a multiplicidade de seres irredutíveis.29

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MODERNIDADE/COLONIALIDADEO par modernidade/colonialidade tem sido absolutamente

essencial para Mignolo. Ele parte da tese de Wallerstein30 sobre o “ sistema mundial moderno” , e a localização da América se põe como um tópico derivado. Ele tem grande dívida com a perspectiva da colonialidade do poder tal qual proposta por Quijano,31 implicando: 1) uma classificação das pessoas au­xiliada pela “cultura” - estreitamente vinculada ao racismo e ao capitalismo; 2) estruturas institucionais que cumprem esse papel; 3) a definição dos espaços apropriados ao processo; 4) uma perspectiva epistemológica para organizar a nova matriz do poder e canalizar a produção de conhecimento. O ocidentalismo é tanto uma “metáfora-chave” quanto uma “autodescrição” do Ocidente. De forma mais significativa e decisiva, Mignolo crê que, assim como o capitalismo não pôde existir sem o colonialismo, a modernidade não “ ...se sustenta por si mesma, porquanto não possa existir sem seu lado mais escuro: a colonialidade” .32

A “diferença colonial” (uma alternativa conceituai à “ dife­rença cultural” , uma invenção colonial/imperialista, que então é oposta ao “relativismo cultural” ou ao “multiculturalismo” como uma resposta neutra) consiste no “espaço” de efetivação da colonialidade do poder, mas é também onde a “restituição dos conhecimentos subalternos” ocorre e o pensamento fronteiriço emerge. Eis aí onde as “histórias locais” , que inventam e reali­zam os desígnios locais, se encontram com as “histórias locais” como o espaço físico, bem como imaginário, onde os “desígnios globais” são adaptados, rejeitados, integrados, ou ignorados, e o confronto de dois tipos de história acontece. A colonialidade é distinta mas relacionada ao colonialismo, referindo-se à “estru­tura lógica da dominação colonial” . Estava tão clara em 1500 como agora sob a administração Bush, enraizada na “ ferida colo­nial” dos “condenados da terra” , uma consequência do racismo. Imperialismo/colonialismo são momentos da história, ao passo que modernidade/colonialidade são fenômenos mais profundos, atravessando a história do século XVI aos nossos dias.33

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A construção da nação nas Américas do século XIX e no sé­culo XX da Ásia e da África foi a “reconversão da colonialidade do poder” , isto é, o “colonialismo interno” .34 As independên­cias foram reais, tendo impacto sobre o imaginário social; elas foram amortecidas uma vez que os criollos e os elos coloniais, seja internos ou externos, limitaram o alcance dos processos de descolonização. A exceção fora a negra e derrotada Revolução Haitiana. A descolonização após a Segunda Guerra Mundial não foi epistêmica, porém agora há uma imaginação que se destaca com veemência do capitalismo, do estado moderno, do poder militar, para além das quatro ideologias modernas (o conser­vadorismo, o liberalismo, o socialismo e a colonialidade).35 No caso haitiano, em particular, vale já notar que, de maneira estra­nha, porém compreensível, dada sua posição, Mignolo escolhe desconsiderar a enorme relevância do imaginário moderno e da Revolução Francesa em sua independência, embora decerto os franceses não aceitassem a revolução negra emancipatória.

Uma vez que a modernidade se calca na colonialidade e a reproduz, não pode ser o veículo de sua superação.36 Já enfatizei os efeitos problemáticos de sua conceitualização da modernidade, como ela se relaciona com a “exterioridade” e o modo como vê a relação entre modernidade e pensamento crítico. Aqui é im­portante sublinhar que Mignolo trabalha com um pensamento dicotômico - bom/mau - e que a complexidade da modernidade - seus dois lados: liberdade e dominação - é tratada de forma redutiva, com somente as últimas (dominação/mau) de fato de­sempenhando qualquer papel. Mercê dos suportes de sua teoria, Mignolo37 explícita e espantosamente aceita a tese de Huntington em seu Choque de civilizações de que há uma afirmação das sociedades que não são ocidentais e de seus valores, junto a uma rejeição do Ocidente - na verdade, da modernidade.38 Deve-se notar que, não obstante o quão invertida sua visão possa ser, ela compartilha a mesma separação entre a modernidade e o outro. O que parece ameaçador para Huntington é celebrado por Mignolo.

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É curioso observar que Mignolo não tem simpatia pelas ci­ências sociais, a sociologia em particular: elas seriam cúmplices da modernidade. Além disso, os estudos de área e as ciências sociais deslocaram o ensaísmo como uma forma de teorização.39 Todavia, ele se apoia em Wallerstein e Quijano e vem usando sua periodização da modernidade como se iniciando no século XVI, flertando ainda ocasionalmente com definições pós-modernas e com a “ sociedade em rede” de Castells.40 Conquanto argu­mente por uma superação das humanidades, ele se aferra a essas armas - as suas próprias: compromissadas com o “giro descolonial” e a transdisciplinaridade elas poderiam ser agora extremamente relevantes.41

A AMÉRICA LATINA E A LIBERAÇÃOA “ideia de América Latina” se destaca em seu último livro.

Inicialmente, é a “ invenção” da América, ligada à colonialidade, que captura sua atenção, contra a visão de sua “descoberta” pelos europeus. Seguindo a Quijano e Wallerstein,42 Mignolo afirma que a americanidade e a colonialidade estão “mutuamente imbri­cadas” e se baseiam na exploração de índios, africanos e brancos oriundos do sul, dependendo também da eliminação, em especial, dos imaginários originais indígenas e de sua organização social. As independências criaram eventualmente novos países, gestan- do a América Latina, nem tanto como um subcontinente, mas como um projeto político das elites “creole-mestizas” . O Brasil ocupou, nisso, uma posição específica, descentrada.43 A história da América “Latina” pós-independência teve como protagonis­tas suas “elites locais” , que abraçaram a “modernidade” e sua lógica de colonialidade, ao passo que o destino das pessoas de origens indígenas, africanas ou que eram pobres e mestiças era a pobreza e a marginalização. O pós-colonialismo é aqui muito limitado, na verdade não tendo lugar, crê Mignolo: ele se refere a uma ilusão e a uma alienação, assim como ao nascimento do colonialismo interno. Somente o surgimento de movimentos sociais oposicionistas, especialmente aqueles liderados por

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descendentes de indígenas e africanos, não impregnados por tradições republicanas, liberais e socialistas, permite novas perspectivas e a superação dessa “ fratura” .44

Sua luta contra os “ universais” é então retomada. Embora a “dignidade humana” se destaque no zapatismo, ela não deve ser vista como um universal abstrato, operando em vez disso como um “conector de experiências coloniais similares” . Aparente­mente esquecendo-se da contribuição dos românticos, Mignolo45 afirma que cultura é um termo que adquiriu seu significado corrente no século XVIII, substituindo a religião e auxiliando ' a expansão colonial - comunidades de nascimento passaram a ser conceitualizadas como “comunidades nacionais” . “Mandar obedeciendo” é o título de uma declaração zapatista em que se destacam “justiça, liberdade e democracia” . Mas “democracia” , argumenta Mignolo, funciona aí exatamente como a palavra “dignidade” , conforme mencionado anteriormente: “ [a]s pala­vras são usadas universalmente, mas já não têm significado uni­versal.” Pronunciadas pelos zapatistas elas são diferentes do que é dito em Washington ou por funcionários do governo mexicano. Por que isso deveria ser surpresa é, na verdade, a surpresa, pois está mais que estabelecido em qualquer ramo das humanidades ou das ciências sociais que os imaginários sempre implicam múltiplos significados e leituras. Isso é, contudo, diferente de dizer que com o que seja que for pronunciado esses termos são cunhados do zero, como se não houvesse uma longa história - global - por trás deles, no caso dos zapatistas, obviamente, a primeira grande revolução do século XX.

Referindo-se ao processo boliviano, Mignolo46 nota que nem tudo é democrático no Ayllu (a comunidade indígena), mas que este nunca é o caso em lugar nenhum. A Europa não possui o monopólio da democracia e de suas origens. Ademais, o Ayllu não é mais exatamente o que fora antes dos tempos coloniais, ainda que os laços comunitários permaneçam cruciais aí. Para ele, no caso de Evo Morales - mas também de Hugo Chávez - a ideia de “giro à esquerda” compreende de modo apenas parcial

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o que está em questão, ao desconsiderar o giro descolonial, de suma importância, uma vez que o movimento é sustentado ba­sicamente pela memória indígena.

Numa afirmação ainda mais problemática (de certo modo retomando assertiva sobre Francisco Bilbao e o liberalismo do século XIX),47 ele diz que tanto na Argentina quanto na Bolívia a esquerda estava “fora do lugar” - como um “transplante para as colônias” , um “movimento nostálgico de criollos e mestizos imitando a Revolução Francesa” .48 Em contraste com Morales, e mesmo Chávez, Fidel Castro e Salvador Allende eram alternativas que mudavam o “conteúdo do sistema” , não o sistema enquanto tal: eles “ ...vêm de dentro da própria modernidade.”49 Ele vai então ainda mais longe, afirmando que a “nacionalização” na Bolívia consistia em um termo ruim tanto para a esquerda quanto para a direita: apenas para o povo Aymara era essa uma boa ideia, uma vez que para eles nem a natureza é exterior ao homem, nem deveria ser o espaço mercantilizado, consistindo antes em “terra” impregnada de significado (colonial e anticolonial). O mesmo ocorre com o gás, que tampouco é uma mercadoria. Some-se a isso que Mignolo afirma que Chávez é diferente de Perón: este não se identificava com os “câbezitas negras” (trabalhadores pobres, misturados racialmente) que lhe davam suporte, ao passo que aquele se apoia nas memórias subalternizadas dos mestiços. Aí se localiza o giro “descolonial” da Revolução Bolivariana - agora levada adiante por mestiços. Lula, por sua vez, é mais um giro à esquerda - porém autônomo -, demonstrando que o sonho de uma esquerda global não tem sentido hoje.50

Política à parte, Mignolo acredita que as lutas mais radicais do século XXI serão travadas no campo do conhecimento, nas “mentes” das pessoas. A “ latinidade” está sendo desconstruída pelos índios, afro-americanos, mulheres de cor, gays e lésbicas, levando a uma “consciência crítica” e à “descolonização” .51

Chegamos finalmente à noção de “liberação” , utilizada por Mignolo em lugar de “emancipação” , pois quer falar desde uma perspectiva das “fronteiras externas” , sendo que aquela última

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pertenceria às fronteiras internas do sistema mundial moderno/ colonial. Ele retoma a afirmação de Dussel52 de que a “ética do discurso” (uma versão standard do multiculturalismo, que mantém os abstratos universais) acomoda o “ reconhecimento da diferença” e a “inclusão do outro” , este último tendo, contudo, pouco a dizer nesse sentido, ao contrário de “ética da liberação” . Ainda se apoiando em Dussel, Mignolo assevera que a moder­nidade tem um “conceito racional de emancipação” , mas que surge também como um “mito” que justifica a violência geno- cida. Num movimento geopolítico, ele sugere que seria melhor usar a palavra “ liberação” - política e econômica, assim como epistêmica - de acordo com os movimentos reais no Terceiro Mundo. A emancipação está comprometida com a modernidade, logo, não serve para muita coisa. A liberação aponta para um “descolamento” , para a descolonização e para o pensamento fronteiriço, distanciando-se de uma trajetória linear da história e do pensamento ocidentais. Isso é o que resulta do Fórum Social Mundial e de outros incontáveis movimentos similares, como o zapatismo, a filosofia da liberação, os movimentos de indígenas e de afro-americanos.53 Em contrapartida, cumpre observar que, embora crítico da modernidade, Dussel54 propõe o conceito de “transmodernidade” para permitir o que seria, de modo hege- liano, uma superação dialética da modernidade, antes que sua mera dissolução.

Mignolo afirma que a disseminação da democracia no Oriente Médio por Bush é uma ilustração do projeto de Habermas para “completar” a modernidade: emancipação. Para dar base a sua crítica ele usa a ideia de Koselleck de “espaço de experiência” e “horizonte de expectativas” , falando, então, de histórias locais e de espaços específicos com diferentes horizontes, os quais podem ser, para a descolonização, pluriversais e vinculados ao pensa­mento fronteiriço.55 A influência de Kant é enorme na vinculação entre Ilustração e emancipação. Mas isso seria autocontraditório, conquanto suma no discurso da modernidade: para alcançar o que Kant propõe (“entendimento sem tutela” ) temos de ir

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contra a tutela de Kant por meio do pensamento fronteiriço.56 A liberação deve dar um passo à frente. Penso que apenas fortes preconceitos podem explicar como se pode vislumbrar que isso não equivalha à emancipação - não obstante variações retóricas, uma estratégia aparentemente crucial para Mignolo - e não seja profundamente tributário da modernidade, em especial de seus horizontes de expectativa, que são a esta altura verdadeiramente globais em grande medida - para não falar do comentário incri­velmente duro sobre as concepções de Habermas. Se temos em mente a recente aceitação por Mignolo,57 a despeito de reservas, do valor da cidadania para a humanidade (em uma situação transformada e dependente da superação do racismo), a questão se faz ainda mais pastosa.58

UM SOBREVOO CRÍTICO

Podemos agora propor uma avaliação crítica geral dos traba­lhos de Mignolo e introduzir algumas interpretações alternativas, que serão apresentadas de modo sistemático na próxima seção. Como já assinalado, o principal problema em seu arcabouço geral é a estranha, mas bastante concreta, inversão de algumas operações-chave da teoria da modernização.59 Aquele velho paradigma costumava opor tradição e modernidade, com esta última se pondo como uma grande realização evolutiva. Uni­versalismo, individualismo, neutralidade afetiva, racionalidade, o império da lei e vários outros aspectos eram opostos a todas as “tradições” existentes na América Latina (aquelas de origem ibérica e, mais ainda, aquelas cujas raízes eram indígenas ou africanas), com seu particularismo, irracionalidade, patrimonia- lismo, familismo, afetividade excessiva etc. Mignolo evita afirmar que as culturas indígenas são, hoje, realmente tradicionais. Em vez disso, é sua exterioridade o que importa para ele. Contudo, uma vez resolvida essa questão, a operação pode seguir seu curso sem impedimentos - e, com efeito, sua retórica se tornou crescentemente mais dura nesse sentido. Assim, nada importa

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se não tiver origens indígenas - ou “radicalmente” africana (seu único exemplo sendo o Equador), como se outros movimentos negros, evidenciando outras características (quer dizer, que não sejam fortemente “africanizados” , por exemplo como sói ocorrer no Brasil) não desfrutassem de validade.60 Ademais, porquanto não implique um corte epistêmico com a modernidade (logo, com a colonialidade), no mínimo se vê comprometido com 500 anos de dominação, ao contrário do novo projeto descolonial. Essa inversão da tradicional perspectiva exótica e geopolítica da teoria da modernização e inclusive do senso comum das socie­dades norte-americanas e europeias lamentavelmente o levaram às vizinhanças das perspectivas de Huntington.

Não tenho dúvidas de que o pensamento fronteiriço - nos quadros mais amplos da dupla tradução sugerida interessante­mente em algumas passagens dos escritos de Mignolo, não na­quele mais estreito que prevalece, calcado na questão étnica - é uma estrutura compartilhada em todas as Américas e, amiúde, em todo o mundo por pessoas de origens não ocidentais, espe­cialmente quando a cultura ocidental lhes é imposta. Este é - ou costumava ser obviamente, o caso com os povos indígenas na América Latina. Mas seria incorreto descartar outras formas de pensamento fronteiriço e “exterioridade” - no sentido de Levi- nas, isto é, pertencendo a uma totalidade, sem contudo, permitir a redução à lógica de suas tendências dominantes. Brancos de classes diferentes, negros com todos os tipos de orientação cul­tural, mestiços ou mestizas, tendem nas Américas a sentir que não pertencem ao Ocidente e que não são inteiramente parte dele ou que ao menos ocupam posição problemática. Esta foi a intuição de Zea61 há um bom tempo, embora antes que rejeitar tonalidades étnicas ele tivesse um modelo abrangente e unitário do homem latino-americano. Mais especificamente, as pessoas sabem ou percebem que pertencem à modernidade, mas sentem que a sua posição é marginal ou periférica, porquanto não sejam completamente aceitos naquela ou porque também pertencem a outras configurações civilizatórias, ainda que entrelaçadas. Como

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reagem a isso varia muito, de uma demanda de reconhecimento e inclusão na modernidade mais ampla, além de talvez uma postura crítica (variando de um pensamento fronteiriço suave a um “pensamento outro” radicalizado),62 chegando a uma ten­tativa desesperada de imitar os Estados Unidos e a Europa (ou mesmo o Japão), isto é, os países centrais da modernidade. Isso foi assinalado pelos sociólogos mediante o conceito de “efeito demonstração”63 e por um debate intelectual infindável, no qual as particularidades de “nossa América” foram opostas ao que era um modelo reificado com o qual tínhamos de nos conformar.64 Ademais, muito mais atenção deveria ser dirigida, ao contrário das concepções de Mignolo, aos aspectos “contraditórios” e “ambivalentes” de todos os sistemas e afirmações culturais, que impedem qualquer “pureza” , seja esta baseada em uma tradição supostamente sem manchas ou não (como é o caso de Mignolo), nos quadros de uma compreensão flexível, híbrida, fragmenta­da, flutuante e transformativa das formas culturais. Inclusive o local da fala (seu lócus de enunciação) não permite certeza: o contexto não pode ser lido de forma “mimética” do conteúdo, ou vice-versa.65

Originalmente, Mignolo sugerira que a incomensurabilidade subjaz ao relativismo cultural, com o pluralismo ou a diversidade ocorrendo em comunidades culturais heterogêneas. Durante os séculos XVI e XVII o problema do relativismo cultural como confrontos de quadros conceituais incomensuráveis fora o caso nas Américas. Mas poderíamos dizer que, desde o começo da colonização, sua história é aquela da “transformação do relati­vismo cultural em diversidade cultural” ? Isso seria verdadeiro se assumíssemos que os

...os legados ameríndios e nativo-americanos e a versão ameri­cana (do norte, do sul e do Caribe) da civilização ocidental foram transform ados a um ponto tal que a incomensurabilidade inicial entre quadros conceituais converteu-se em diversidade cultural por meio de diálogos entre indivíduos racionais, da violência entre

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comunidades gerada pelas necessidades possessivas da expansão ocidental, e por confrontos entre quadros conceituais.66

Essa linha de raciocínio desapareceu dos escritos de Mignolo: a “exterioridade” , entendida como se descartasse a modernidade e a totalidade, a substituiu. Histórias paralelas proveriam assim algo como um tipo de pureza - a não contaminação pela mo­dernidade - e uma outridade radical.

Toda essa linha de raciocínio levanta a questão do “essen- cialismo” . Mas Mignolo se precaveu nesse sentido. Ao falar dos latinos, pondo-se contra os paradigmas modernos nos Estados Unidos - onde a eles se juntam pessoas com outras origens -, ele não se refere a todos os latinos, mas sim a projetos que derivam deles e assumem “histórias de opressão” e a “ ferida colonial” , como uma questão de “ética” , “escolha” , não de “cor da pele” . De modo similar, os projetos dos negros não precisam representar “todos os negros” , nem ser apenas para os negros. Ele rejeita - apenas a princípio, mas não de fato, a meu ver - o “mito moderno da representação” , bem como a ideia de “uma posição segura, racial, ideológica ou religiosa” .67 Agregue-se a isso que, ao passo que o indigenismo é uma coisa externa aos povos indígenas (relativa a intelectuais, estados, ONGs etc.), conquanto em sua defesa ou em aliança com eles o indianismo se caracteriza pela crença de que “lo índio” se vincula profunda­mente a suas configurações pré-colombianas: ameríndios e não ameríndios poderiam compartilhar essa crença. O zapatismo foi além disso (incluindo a demanda indianista dos povos indígenas insurrecionais) e estabeleceu a tradução como pensamento fron­teiriço.68 Esta é também uma afirmação que corretamente aponta para algo além do essencialismo, embora se possa perguntar se a posição de Mignolo não segue sendo realmente uma espécie de indigenismo avant-garde.

A discussão deve fazer-se, portanto, múito mais empiricamen­te orientada. Carecemos acessar concretamente os projetos, de modo a saber o que estamos discutindo, uma vez que sua direção

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não pode ser suposta a priori. Pode ser interessante evocar uma avaliação bastante diferente do zapatismo por um membro an­terior do grupo latino-americano de estudos subalternos. Para Saldana-Portillo,69 o que realmente importava em sua luta era a demanda por autonomia e cidadania para o índio enquanto índio, para além da mestizaje (a ideologia oficial do estado), e a tentativa de mobilizar todos os setores da sociedade e do estado mexicano para uma verdadeira democracia. Foi aí que o governo rompeu as negociações de meados dos anos 1990. Mera autonomia seria muito menos problemática e já fora cedida a outras regiões. De todo modo, nada tinha a ver com um retorno “ ingênuo” a pautas pré-colombianas na concepção zapatista, mas sim com uma combinação dos termos ocidentais de repre­sentação política com “ tradições heterogêneas de representação indianista” , estando as mulheres interessadas, especialmente, em superar as tradições políticas maias dominadas pelos homens. Destarte, se ideias como liberdade, igualdade, dignidade e justiça já apontam o horizonte da modernidade, a noção de cidadania e modernização democrática do conjunto da sociedade mexi­cana pôde, efetivamente, pôr os Zapatistas, com suas próprias invenções e contribuições transformadoras, firmemente dentro da modernidade. O mesmo pode ser sugerido das perspectivas de García Linera.70 Embora este admita a existência de distintas “civilizações” na Bolívia, hoje, ele acentua a necessidade de o país alcançar uma “modernidade política” que comece onde ele realmente se encontra, assim articulando as “ instituições moder­nas” e as “ instituições tradicionais” . Se ecos problemáticos da teoria da modernização surgem em sua formulação, seu ponto é benfeito politicamente, assim como teoricamente. Isso é pre­cisamente o que ele considerou, de maneira bastante ampla, o “nacional-popular em ação” .71

Ao passo que a emergência dos movimentos dos povos “ori­ginários” e, em menor grau, dos movimentos negros em vários países do subcontinente contemporâneo é, de modo bastante apropriado, uma preocupação-chave do trabalho de Mignolo - e

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na teorização pós-colonial latino-americana mais amplamente localizá-los fora da modernidade é, contudo, incorrer em erro. Gostaria de, em vez disso, sugerir que eles podem levar a cabo algumas mudanças nos quadros epistêmicos modernos, mas que isso se faz em estreita conexão com giros modernizadores episódicos, contingentes, que constroem caminhos específicos pela modernidade, mesclando distintos “ espaços de experi­ência” e “horizontes de expectativa” , derivando de panos de fundo civilizacionais diferentes. A interação entre memórias e criatividade, de maneira aberta, é, nisso, crucial. Privar esses movimentos sociais de um laço originário com a modernidade leva, quaisquer que sejam as boas intenções, a um giro similar ao daqueles que têm, desde o período colonial e especialmente após as independências, tentando desqualificar sua participação na pólis moderna. Uma efetiva democratização, derivada de um giro modernizador específico, só é possível em alguns desses países se essa participação acontece. Mas tem sido alçado por outros agentes e meios alhures na América Latina. Se não volta­mos à dicotomia entre tradição e modernidade, aos espelhos em que aparecemos como criaturas exóticas, conquanto desta vez a dicotomia possa ser autoinflingida e divida os países latino- -americanos entre aqueles com vastas populações indígenas e aqueles que delas se vêm “privados” .

O caso da Bolívia é especialmente claro nesse sentido. Não apenas têm aqueles movimentos base étnica: têm também um for­te componente de classe e nacional, em geral referido a uma iden­tidade com muitas camadas (como “camponeses originários” ), aos direitos sobre a terra, à agricultura, ao pequeno comércio e ao reconhecimento dentro de uma nação mais inclusiva, vista também como autônoma em relação a forças externas. Recupe­rando temas dos anos 1950, a herança de lutas sociais das classes médias e do poderoso movimento dos mineiros, nacionalista, democrático e socialista, outrora também relativo à nacionali­zação das minas, é uma grande influência nas memórias e nos programas dos movimentos dos povos indígenas, assim como na

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plataforma do Movimento ao Socialismo (MAS) de Evo Morales. Isso aparece nos movimentos pela nacionalização da produção de gás, vista como central para o orçamento do estado e para o futuro desenvolvimento do país. É verdade que o katarismo, um movimento indígena autônomo dos anos 1970-1980, bem como temas culturais mais antigos que apontam para a autonomia e a autodeterminação, deve receber também destaque nessas novas construções. Os legados Aymara e Quéchua, entre outros, segue vivo. Isso acontece, porém, de modo seletivo de forma bastante modernizada, no que concerne ao imaginário, às instituições e práticas sociais (por exemplo, na mescla de sindicalismo rural e antigas estruturas do Ayilu).72

Quéchuas, Maias, Mapuches, Tarascanos e muitos outros grupos étnicos nas Américas podem ter, de fato, uma contribuição particular aos desenvolvimentos contemporâneos. Pertencendo à modernidade e ao mesmo tempo trazendo à cena suas próprias heranças, podem delinear um ângulo particularmente crítico em relação a processos epistemológicos e sociais contemporâneos. Há, de todo modo, muitas formas de criticar a modernidade e assumir uma identidade moderna. As pessoas podem enfatizar a etnicidade ou a raça, mas podem escolher direções distintas. Se nos voltamos para as classes, o mesmo se verifica. A modernidade é intrinsecamente hierárquica em termos de suas relações sociais; desde ao menos Marx, sabemos que a aceitação das ideologias dominantes pelos trabalhadores é tão factível quanto o desenvol­vimento de algum tipo de pensamento crítico. As Américas são cortadas por esse tipo de perspectivas múltiplas de pensamento fronteiriço, e é de sua concreta pluralidade e mistura que as lutas sociais se formam ou ao menos são informadas. Consequências políticas que se desdobram disso prontamente - e praticamente hoje - contradizem o programa avançado por Mignolo. Seu projeto é demasiado estreito mesmo para países como a Bolívia, o Equador e o México, cujas forças transformadoras não são exclusivas ou sequer principalmente “originárias” , para não falar de países como o Brasil e a Argentina, por exemplo, onde a situação assume um contorno bastante distinto.

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Para seguir explorando isso, introduzirei uma discussão con­ceituai específica dos múltiplos e multidimensionais aspectos da modernidade. A sociologia será decisiva aqui, de maneira a prover uma perspectiva alternativa e renovada da América Latina contemporânea.73

MODERNIDADE E MUDANÇA SOCIAL NA AMÉRICA LATINA CONTEMPORÂNEA

Gostaria de começar com a afirmação de que vivemos hoje em uma civilização moderna global, que é agora extremamente heterogênea.74 A modernidade, ao expandir-se, tem tido tamanho impulso que se mostra capaz de trazer à sua órbita outros elemen­tos civilizacionais, orieritando-os e transformando-os de algum modo sob sua hegemonia. Foi isso que aconteceu nas Américas. Enquanto a modernidade se desdobrava, uma complexificação evolutiva também se desenvolvia, implicando mais pluralismo social, graças a uma crescente diferenciação social (que contou também com processos de desdiferenciação - por exemplo, a cidadania como status universal). Isso finalmente se combinou

_ com uma radicalização da globalização, implicando ainda que outros elementos civilizacionais paulatinamente se inserissem mais fortemente na própria modernidade e se fizessem mais importantes para ela. Enquanto a modernidade se desenvolvia, processos profundos de desencaixe se desdobravam, derivados da expansão dos mercados capitalistas, da abrangência dos tentá­culos do estado-nação (engendrando uma demanda por inclusão por parte daqueles que não eram reconhecidos como cidadãos adequados) e intensificando os processos de comunicação. Res­postas a esta contínua modernização entrelaçam memórias e giros modernizadores criativos por parte de subjetividades coletivas de todos os tipos, cuja direção é contingente e depende, em grande medida, dos giros de outros agentes sociais, por seu turno, mais uma vez, desencadeando novos processos de modernização.

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Porém, mudanças vêm ocorrendo, e a periodização da moder­nidade deixa isso claro. Podemos discernir três fases, começando por fins do século XVIII ou do XIX, quando um imaginário realmente moderno e instituições modernas já existem ao menos minimamente e como um télos contingente de desenvolvimento em algumas partes do globo.75 A primeira foi liberal, na Europa e nos Estados Unidos, ainda mais restrita na América Latina que no Ocidente, mercê da preeminência de poderosos senhores de terra. A segunda foi organizada pelo estado - implicando desenvolvimentismo e corporativismo em muitos países latino- -americanos. A terceira, atual, é uma fase de mais complexidade e pluralização da vida social, na qual o neoliberalismo tem des­frutado, ao menos por ora, de enorme influência.76 Ao passo que as duas primeiras fases da modernidade se enraizavam em um projeto de homogeneização da vida social por meio do estado e do mercado, a terceira fase - especialmente através de suas cole­tividades dominantes: corporações, organizações internacionais, estados centrais - já o abandonou, optando concretamente por um quadro mais heterogêneo e contingente para a vida social, uma vez que a sua complexidade hoje converteu aquele projeto, na melhor das hipóteses, em uma miragem, igualmente incapaz de sustentar estratégias efetivas de controle. Os estados-nação e seu projeto de homogeneização tiveram de se adaptar a essas mudanças e já não parecem capazes de impor seja identidades ge­rais sem levar em conta o pluralismo social ou de excluir aqueles que não se adéquam aos padrões escolhidos pelas coletividades dominantes (uma projeção ocidentalista-embranquecedora na América Latina), em especial, posto que a “revolução molecular” , ou seja, um processo paulatino mas incansável de democratização social e política, vem se desenvolvendo no subcontinente. Os intelectuais têm refletido isso, e os movimentos sociais têm visto mais espaço abrir-se para a afirmação de suas particularidades. Se aquilo que Walsh77 chamou de “ interculturalidade” , isto é, a absorção pela sociedade abrangente de formas e conteúdos enraizados em fontes não ocidentais, é levado em conta, para

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além do mero reconhecimento multicultural, as coisas tendem a tornar-se conflituosas e muito mais complicadas. Em compensa­ção, se essas particularidades não chegam realmente a ameaçar aquelas coletividades poderosas, elas podem ser acomodadas e aceitas neste enquadramento novo, mais amplo, da modernidade contemporânea.

A abertura das identidades e a própria emergência dos movi­mentos étnicos, que o estado já não pode evitar, compõe aspecto fundamental da terceira fase da modernidade, tanto quanto re­sulta de um par de décadas de militância étnica. Anteriormente, uma identidade camponesa e de movimentos de classe, lado a lado com o nacionalismo das classes médias em uma moldura desenvolvimentista, foi o ponto nodal da formação da identi­dade. Isso não significa que as identidades étnicas não fossem importantes: apenas elas tendiam a não ser racionalizadas ou politizadas tão amiúde (conquanto nem sempre) como o são hoje. Nesse sentido, os movimentos sociais são agora bastante plurais e dependem de mecanismos de rede para se organizarem internamente, bem como para tecer alianças.78

A modernidade é, ademais, um fenômeno duplo; é por isso que devemos manter uma relação ambivalente para com ela, que tem em seu cerne alguns sistemas de dominação muito es­tabelecidos: o capitalismo, o estado burocrático e a patriarquia, assim como o racismo. Enquanto os dois primeiros são intrín­secos à modernidade, os últimos podem manter uma relação mais contingente com ela, não obstante o quão entrelaçados todos têm estado desde seus inícios. Mas a modernidade tem também alguns elementos imaginários-chave - emancipatórios - que têm fornecido seu “horizonte de expectativas” por todo o planeta: liberdade, igualdade e solidariedade, com a respon­sabilidade cumprindo papel mais discreto embora bastante importante.79 É bastante provável, como Marx argumentou em sua crítica imanente, que eles não possam se realizar na modernidade, carecendo, portanto, de um tipo diferente de sociedade no qual pudessem ser dialeticamente superados,

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inclusive, é claro, a “colonialidade”, um aspecto histórico do nascimento e expansão da modernidade, não importa como seja ela conceitualizada. Pode ser também que perspectivas que insiram nas discussões modernas contemporâneas elementos de outras fontes civilizacionais venham a prover novos elementos de crítica - por exemplo, ao insistir no momento comunitário da democracia, como é o caso da Bolívia hoje. Seja como for, uma abertura da cidadania e, em certa medida, a sua transformação, bem como uma reestruturação da nação se encontram no centro de todos esses movimentos e de suas propostas “ epistêmicas” .

Novos princípios de pensamento e teorização sistemática podem ser propostos por construções do “pensamento frontei­riço” , enraizadas nos movimentos dos povos originários, alcan­çando maturidade em formas variadas do “pensamento outro” (oxalá não dicotômicas). Mas outros movimentos e sua própria variante de “pensamento fronteiriço” , orientada para raça, de trabalhadores, mulheres, ambientalista, ou seja lá o que for, se põem em pé de igualdade com movimentos de base étnica, es­pecialmente em países em que esses são, de longe, minoritários. Já passamos há muito dos dias em que os movimentos de classe trabalhadora podiam demandar um posição absolutamente central na mudança social. Não é razoável esperar que outros movimentos parciais tomem seu lugar. Esta não é, seguramente, a perspectiva dos zapatistas. Esses movimentos tornam-se real­mente ameaçadores quando tecem amplas alianças, e questões mais abrangentes - como a bandeira tradicional da esquerda de nacionalização ou uma mais recente, retomada ainda que trans­formada e democraticamente radicalizada, da cidadania - são perseguidas até o fim. Esses giros modernizadores, que tomam distintas direções, se desenvolverão inevitavelmente por inter­médio da modernidade, conquanto não necessariamente dentro de seus limites, caso sobrevenha uma mudança social radical. Enquanto o neoliberalismo reitera aqueles sistemas modernos de dominação (especialmente, o capitalismo e o poder burocrá­tico estatal, com uma democracia de baixa intensidade), aqueles

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giros democráticos podem permanecer dentro da modernidade (embora ampliando seus horizontes democráticos, no plano do imaginário e institucionalmente) ou apontar para além dela, de todo modo sendo informados por ela e com ela se engajan­do - mesmo se as subjetividades coletivas que as impulsionam centralmente incluem outros elementos civilizacionais. Isso está em parte ocorrendo agora, quando alguns daqueles movimentos assumem o télos contido no horizonte de expectativas da mo­dernidade e emprestam novas especificidades a tradições liberais e socialistas mais antigas, criativamente transformando-as em larga medida, o mesmo acontecendo com as tradições indígenas, que se modernizaram, elas próprias, de forma radical. Misturas e flutuações de significado não poderiam deixar de surgir nesse processo.

Sem dúvida, uma perspectiva na qual uma única racionalidade preside o processo histórico, implicando uma totalidade muito fechada e densa, já não se sustenta, para além de ilusões ideoló­gicas e projetos de poder. Isso é radicalmente distinto de passar por cima da unificação da história por meio da constituição e da expansão da modernidade, levando a um aprofundamento da globalização. A totalidade emergente, todavia, não dá cabo das especificidades espaçotemporais locais - elas são o próprio substrato da história global, isto é, do espaço-tempo global, que inclui lugares e projetos hegemônicos, assim como resistências e projetos de oposição, além de acomodações. Uma totalidade heterogênea, com desenvolvimentos contraditórios e multiface- tados, tem de ser, portanto, reconhecida.80 A “pluriversalidade” é e pode tornar-se um traço mais forte do mundo contemporâneo, mas se desenvolverá, necessariamente, em um diálogo com a uni- versalidade/modernidade, apontando para uma totalidade mais aberta que aquela postulada por Hegel e perspectivas similares.

Porém, uma análise mais completa do vínculo entre moder­nidade e colonialidade precisa ser realizada, de modo que essas questões sejam mais adequadamente tratadas, o mesmo ocorrendo com as definições e ligações entre colonialismo, “colonialidade”

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e também a problemática noção de “colonialismo interno” . Mas aí a sociologia terá de ser mobilizada de novo, uma vez que tem sido a disciplina na qual, quaisquer que sejam seus vieses e limi­tações, a modernidade tem sido teorizada, embora, de fato, ela ainda necessite abrir-se para sua dimensão global de forma mais concreta e empírica, assim como teoricamente orientada do que tem feito até hoje.

PALAVRAS FINAIS

Transformações de largo alcance têm caracterizado as últimas décadas na América Latina, expressando o desenvolvimento es­pecífico do que defini como a terceira fase da civilização global moderna. Há poucas tentativas de uma teorização geral desse processo. A abordagem pós-colonial em que me detive anterior­mente, sobretudo os trabalhos de Walter Mignolo, implicitamente visa superar esse vazio. Contudo, considero-a deficiente em vários aspectos, especialmente por conta de sua simples inversão das polaridades da teoria da modernização, de seu descarte integral da modernidade e de sua sobrevalorização da questão étnica. A adição de ideias como “giro descolonial” não levou Mignolo muito longe na superação dos problemas que seus principais tra­balhos evidenciam, uma vez que suas suposições básicas não são confrontadas e efetivamente resolvidas. Propus uma teorização mais sociológica que apontou para a crescente complexidade da modernidade, carregada de aspectos opressivos, mas contendo também possibilidades de emancipação (pouco importando se optamos pelo termo liberação ou não). Estas se expressam em particular nos múltiplos movimentos sociais contemporâneos do subcontinente, embora para fazer com que aquele potencial mo­derno se realize possa ser necessário, em algum momento, ir além dele. Creio que viver e teorizar da periferia ou da semiperiferia deve levar a mudanças nos conceitos e a uma perspectiva distinta da modernidade, de acordo com a própria dinâmica social que tais sociedades demonstram, e que a mentalidade “colonial” deve

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ser política e teoricamente evitada pelo investigador. Pode haver muito que aprender de formas indígenas de pensamento, mas a contribuição das ciências sociais para a compreensão desse processo não pode ser desprezada.

As abordagens pós-coloniais ou descoloniais podem, cer­tamente, ter sua própria contribuição nessa aventura, mas um diálogo mais sistemático com as ciências sociais é com certeza necessário. Ao mesmo tempo, a sociologia latino-americana tem de se ver com teorizações gerais, para além da mera descrição, de estudos de caso e de uma posição “crítica” vagamente definida. Assim pode retomar sua grande tradição, encarnada em tipos como Florestan Fernandes, Pablo González Casanova e Gino Germani, contribuindo, assim, com sua parte para processos hodiernos e futuros de emancipação no subcontinente, bem como no plano global.

(Publicado em Theory, Culture & Society, v. 26, 2009. Agradeço a Frederic Vandenberghe e a Manuela Boatca, pelos comentários a versões anteriores deste texto, esta última a despeito de concepções bastante diferentes e especialmente por disponibilizar textos de outra maneira difíceis de reunir. Agradeço ainda os comentários de Mike Featherstone.)

NOTAS

1 DOMINGUES, José Maurício ([1992] 2003). A América. Intelectuais, identidadese interpretações. In :____. Do Ocidente à modernidade. Intelectuais e mudançasocial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Idem (2005). Social theory, Latin America and modernity. In: DELANTY, Gerard (Org.). Handbook o f European Social Theory. London: Sage.

1 ESCOBAR, Arturo (2003). The Latin American modernity/coloniality research program. In: O’DONNELL, Guillermo et al. Cruzando fronteras en América Latina. Amsterdã: CEDLA; CORONIL, Fernando (2004). Latin American post­colonial studies and global decolonization. In: LAZARUS, Neal (Org.). Reader on Postcolonial Studies. Cambridge: Cambridge University Press.

3 CORONIL, Fernando (1996). Beyond Occidentalism: Toward nonimperial geohistorical categories. Cultural Anthropology, v. 11; SAID, Edward (1978). Orientalism. New York: Vintage.

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4 RODRÍGUEZ, Ileana (2001). Reading subalterns across texts, disciplines, and theories: from representation to recognition. In; RODRÍGUEZ, Ileana (Org.). The Latin American Subaltern Studies Reader. Durham, NC/London: Duke University Press.

5 DOMINGUES ([2008] 2009). A América Latina e a modernidade contemporâ­nea. Uma interpretação sociológica. Belo Horizonte: Editora UFMG.

6 ESCOBAR, op. cit.; MIGNOLO, Walter D. (2000). Local Histories/Global Designs. Coloniality, Subaltern Knowledges, and Border Thinking. Princeton, NJ: Princeton University Press.

7 MIGNOLO, Walter D. (2007). Introduction. Cultural Studies, v. 21; Idem (2007). Delinking. The rhetoric of modernity, the logic of coloniality and the grammar of de-coloniality. Cultural Studies, v. 21.

8 Idem. Local Histories/Global Designs, p. X, 11-12.

9 Ibidem, p. 16-23.

10 Ibidem, p. 81-87, 110, 303, 327.

11 Ibidem, p. 310.

12 Ibidem, p. 88, 157.

13 Ibidem, p. 92; MIGNOLO, Walter D. (2001). Coloniality of power and subal- ternity. In: RODRÍGUEZ, op. cit., p. 257, 263-264.

14 Ver DOMINGUES, José Maurício (2002). Interpretando a modernidade. Ima­ginário e instituições. Rio de Janeiro: FGV Editora, cap. 1-2, 4.

ls MIGNOLO. Introduction; Idem. Delinking. Especialmente, p. 485.

16 Idem. Local Histories/Global Designs, p. 39,100-109, 316.

17 Idem. Delinking, p. 155-164, 494.

18 Ibidem, p. 496.

19 Idem. The Idea o f Latin America. Oxford: Blackwell, p. 62-71; Idem (2000). La colonialidad a lo largo y a lo ancho; el hemisferio occidental en el horizonte colonial de la modernidad. In: LANDER, Edgardo (Org.). La colonialidade del saber: eurocentrismo y ciências sociales. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso.

20 Idem ([1995] 2003). The Darker Side o f the Renaissance. Ann Arbor, MI: Uni­versity of Michigan Press; p. 323-324; Idem. Local Histories/Global Designs, p. 108-109.

21 Ibidem, p. 140-141.

22 Ibidem, p. 103.

23 MIGNOLO. (2006). Evo Morales en Bolivia: ;giro a la izquierda o giro des- colonial? In: CRUZ, José da (Org.). Democracias en desconfianza. Ensayos en sociedad civil y política en América Latina. Montevideo: Coscoroba. p. 96-98.

24 Idem. Local Histories/Global Designs, p. x-xi.

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25 LEVINAS, Emmanuel (1961). Totalité et infini. Essai sur Pexteriorité. La Haye: Martinus Nijhoff. p. 268-71.

26 Quanto a Dussel, basta notar aqui que ele fala da “alteridade metafísica” e da liberdade radical daquilo que se constitui em exterioridade ao sistema, sublinhando, porém, também, que a exterioridade deveria ser pensada como “transcendentalidade interna” em relação à totalidade. Ademais, ele não reduz de forma alguma a exterioridade e a mudança social aos grupos originalmente pré-colombianos. DUSSEL, Enrique ([1977] 1996). Filosofia de la liberación. Bogotá: Nueva América. Especialmente, p. 55-64.

27 MIGNOLO, Walter D. (2003). Second Thoughts on the Darker Side of theRenaissance: Afterword to the Second Edition. In:____. The Darker Side o f theRenaissance, p. 427-428, 454.

28 Idem. Local Histories/Global Designs, p. 21-22.

29 Exatamente no fim de Local Histories/Global Designs, Mignolo (Ibidem, p. 338) observa que “ externo (inside) e interno (outside)” , “centro e periferia” são “metáforas duplas” , antes que elementos de uma ontologia da realidade: o que importa é seu lócus de enunciação. Mas isso não corresponde realmente aos argumentos substantivos postos em seus trabalhos, a menos que os tomemos como uma construção bastante arbitrária, idiossincrática.

30 WALLERSTEIN, Immanuel (1974, 1980, 1989). The Modern World System. New York: Academic Press. v. 1-3.

31 QUIJANO, Aníbal ([1989] 2007). Coloniality and Modernity/Rationality. Cultural Studies, v. 21; Idem (1993). Colonialidad dei poder, eurocentrismo y América Latina. In: LANDER, op. cit.

32 MIGNOLO, Local Histories/Global Designs, p. xi, 13-17, 23, 245, 328; Idem. Second Thoughts on the Darker Side of the Renaissance, p. 451, 543-544; Idem. The Idea o f Latin America, p. 30.

33 Local Histories/Global Designs, p. ix, 77, 439-440.

34 Cf. GONZÁLEZ CASANOVA, Pablo (1965). Internal colonialism and na­tional development. Studies in Comparative International Development, v. 1. STAVENHAGEN, Rodolfo (1965). Classes, colonialism, and acculturation. Es­say in a system of inter-ethnic relations in Mesoamerica. Studies in Comparative International Development, v. 1.

35 MIGNOLO. Local Histories/Global Designs, p. 82-86,104,127-135,248,281, 313.

36 Ibidem, p. 6-7,11, 83.

37 Ibidem, p. 305-307.

38 Embora ele assevere que já avançara teses críticas, é apenas ao discutir um livro posterior de Huntington, Who are We/, que Mignolo realmente muda sua perspectiva e se distancia dele. Ele pode haver percebido o quão insustentável e perigosa era sua posição anterior. Idem (2005). Huntington’s fears: ôcLatini- dadôc in the horizon of the modern/colonial world. In: GROSFOGUEL, Ramón; MALDONADO-TORRES, Nelson; SALDÍVAR, José Davia (Org.). Latin@s in the World-System. Decolonization Struggles in the 21th Century. Boulder, CO: Paradigm.

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39 Idem. Local Histories/Global Designs, p. 143, 324.

40 Idem. The Darker Side o f the Renaissance, p. 329; Coloniality of power and subalternity, p. 426.

41 Idem (2006). Citizenship, knowledge, and the limits of humanity. American Literary History, v. 18, p. 324.

42 QUIJANO, Aníbal; WALLERSTEIN Imannuel (1992). Americanity as a con­cept, or the Americas in the Modern World-System. Internacional Social Science Journal, v. 134.

43 MIGNOLO. Local Histories/Global Designs, p. 6-10, 47, 59-60, 131.

44 Idem. The Idea o f Latin America, p. 22, 57-58, 65-68.

45 Idem (2002). The Zapatistas’ Theoretical Revolution. Review, v. XXV, p. 246- 249.

46 Ibidem, p. 256-260 et seq., 273-274.

47 Idem. The Idea o f Latin America, p. 70.

48 Idem. Evo Morales en Bolivia: {giro a la izquierda o giro descolonial?, p. 93-94.

49 Idem, op. cit., p. 100-101.

50 Ibidem, p. 101-106.

51 Idem. The Idea o f Latin América, p. 100-101; Idem. Citizenship, knowledge, and the Limits of Humanity, p. 323.

52 DUSSEL, Enrique ([1993] 1996). The Underside o f Modernity. Apel, Ricoeur, Rorty, Taylor, and the Philosophy of Liberation. Atlantic Highlands, NJ: Hu­manities Press.

53 MIGNOLO. The Zapatistas’ theoretical revolution, p. 7,267-268; Idem. Delink­ing, p. 458, 469.

54 DUSSEL, Enrique (1994). 1492: El encubrimiento del Otro. Hacia el origen del “mito” de la modernidad. La Paz: Plural Editores; Universidad Mayor de San Andrés.

55 MIGNOLO. Delinking, p. 454-458, 469, 494 et. seq.

56 Não obstante o quão problemática sua definição tripartida de conhecimentos e seus interesses subjacentes, os limites de seu eurocentrismo e seu neokantianismo disfarçado, a discussão de Habermas acerca da emancipação subjacente à teoria crítica não pode ser descartada sem mais nem menos. Outros, como Santos, mais próximos aos estudos pós-coloniais, celebram a reinvenção da emancipação e a mestiçagem, recorrendo ao herói revolucionário cubano de fins do século XIX, José Marti - uma linha de raciocínio que, por razões óbvias, Mignolo (The Idea of Latin America, p. 56) não pode explorar. Para aqueles autores, ver HABER­MAS, Jürgen (1965). Erkenntnis und Interesse. In: Technik und Wissenchaft ais Ideologic. Frankfurt am Main: Suhrkamp; SANTOS, Boaventura de Sousa (2001). Nuestra America: Reinventing a Subaltern Paradigm of Recognition and Redistribution. Theory, Culture & Society, v. 18.

37 MIGNOLO. Citizenship, knowledge, and the limits of humanity.

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58 Vale notar que isso não é, porém, um problema para QUIJANO, Aníbal (1993). Colonialidad dei poder, eurocentrismo y América Latina. In: LANDER, op. cit.

59 Para uma análise detalhada da teoria da modernização, ver FERES JR., João(2005) . A história do conceito de América Latina nos Estados Unidos. Bauru: EDUSC/ANPOCS.

60 Ver WADE, Peter (1997). Race and Ethnicity in Latin America. London: Pluto.

61 ZEA, Leopoldo (1976). El pensamiento latinoamericano. México: Ariel.

62 Cf. WALSH, Catherine (2006). Interculturalidad y colonialidad del poder. Un pensamiento y posicionamento otro desde la diferencia colonial. In: WALSH, Catherine etal. Interculturalidad, descolonización del estado y del conocimiento. Buenos Aires: Ediciones del Signo.

63 GERMANI, Gino (1965). Política y sociedad en una época de transición. Buenos Aires: Paidós.

64 DOMINGUES. A América. Intelectuais, identidades e interpretações.

65 Ver BHABHA, Homi K. (1994). The Location o f Culture. London/New York: Routledge; e, também, GARCÍA CANCLINI, Néstor (1990). Culturas híbridas: estratégias para entrar y salir de la modemidad. México: Grijalbo.

66 MIGNOLO. The Darker Side o f the Renaissance, p. 327.

67 Idem. The Idea o f Latin America, p. 113-114,141.

68 Idem. Local Histories/Global Designs, p. 149.

69 SALDANA-PORTILLO, Josefina (2001). Who’s the Indian in Aztlán? Re-writing Mestizaje, indianism, and chicanismo from the Lancadón. In: RODRIGUEZ, op. cit., p. 402-411 et seq.

70 GARCÍA LINERA, Alvaro (2006). Democracia liberal vs. democracia comuni­tária. In: WALSH, Catherine et al., op. cit., p. 82.

71 Idem (2006). El evismo: lo nacional-popular en acción. Revista del OSAL, n. 19.

72 Para uma visão geral do processo boliviano, ver MONASTERIOS, Karin; STE- FANONI, Pablo; DO ALTO, Hervé (Org.) (2007). Reinventando la nación en Bolivia. Movimientos sociales, Estado y poscolonialidad. La Paz: Clacso; Plural. Apoio-me aqui também em DOMINGUES, José Maurício; GUIMARÃES, Alice; MOTA, Aurea; SILVA, Fabricio Pereira da (Org.) (2009). A Bolivia no espelho do futuro. Belo Horizonte: Editora UFMG.

73 Não está claro o que a sociologia pode exatamente aprender dos estudos pós-coloniais para McLENAN, Gregor (2003). Sociology, Eurocentrism and postcolonial theory. European Journal o f Social Theory, v. 6; e COSTA, Sérgio(2006) . Desprovincializando a teoria sociológica: a contribuição pós-colonial. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 60. Espero aqui estar construindo algumas pontes.

74 DOMINGUES. Social theory, Latin America and modernity.

75 Discordo, é claro, da perspectiva braudeliana de Wallerstein (op. cit.) e de sua datação do início do capitalismo já no século XVI. Não é apenas a produção orientada para o comércio e o lucro, quaisquer que sejam as formas de trabalho que a provejam, mas sim um conjunto específico de instituições (que incluem

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relações capitalistas de produção) e um imaginário específico (embora isso tenha começado a emergir nas distintas renascenças) aquilo que, creio, caracteriza a economia da modernidade.

76 Ver DOMINGUES. A América Latina e a modernidade contemporânea.

77 WALSH, Catherine (2000). Política y significados conflictivos. Nueva sociedad, n. 165; Idem (2006). Interculturalidad y colonialidad dei poder. Un pensamiento y posicionamento otro desde la diferencia colonial. In: WALSH, Catherine et al. Interculturalidad, descolonización dei estado y dei conocimiento. Buenos Aires: Ediciones dei Signo.

78 DOMINGUES, José Maurício (2007). Aproximações à América Latina. Desafios contemporâneos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, cap. 5; Idem. A América Latina e a modernidade contemporânea, cap. 3.

79 Idem. Interpretando a modernidade.

80 Cf. QUIJANO, Aníbal (2000). Colonialidad dei poder y clasificación social. Journal o f World-Systems Research (Special Issue. Festschrift for Immanuel Wallerstein, Part I), v. XI, cuja perspectiva é, nesse sentido, bastante apropriada.

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