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RESUMO Objetivo: Avaliar os níveis de estrôncio sérico e sua correlação com o tempo em diálise e idade de pacientes em tratamento hemodialítico, além de dosar os teo- res de estrôncio sérico dos indivíduos participantes do estudo na água e na fração ácida do concentrado utilizado para hemodiálise e em amostras de água natural. Métodos: O estudo foi conduzido com 123 pacientes portadores de insu- ficiência renal crônica em tratamento em três hospitais de Belo Horizonte e 137 indivíduos com função renal normal que constituíram o grupo controle (GC). O teor de estrôncio sérico foi determinado em amostras de todos os indivíduos par- ticipantes do estudo, utilizando a técnica de espectrometria de absorção atômica com forno de grafite (ETAAS). Para a dosagem do metal na água e no concen- trado para Hemodiálise (HD), utilizou-se a técnica de espectrometria de emissão por plasma indutivamente acoplado (ICP OES). Resultados: A concentração média de estrôncio sérico nos pacientes do hospital A (245 ± 48μg/L) não foi sig- nificativamente diferente do hospital B (244 ± 32μg/L), mas diferente do hospital C (133 ± 24,0μg/L) e do GC (37 ± 10μg/L), de acordo com o teste de Tukey a 95%. A correlação entre os níveis de estrôncio e o tempo em diálise foi positiva nos 3 hospitais, r= 0,745; 0,561 e 0,518 para os hospitais A,B,C respectivamente, e p< 0,001, mas não apresentou significância com a idade dos pacientes. Na água de diálise os valores foram < 0,2μg/L e no concentrado de HD foram 7,5 ± 3,0mg/L no hospital A; 8,0 ± 5,3mg/L no B; e 3,3 ± 2,6mg/L no C. Conclusão: Os resultados, indicam que os pacientes em hemodiálise apresentam teores de estrôncio elevados quando comparados com indivíduos com função renal normal e risco de acúmulo do metal no organismo, provavelmente relacionado aos altos teores de estrôncio nas soluções de diálise. Os níveis de estrôncio em água e concentrados de diálise devem ser monitorados para prevenir possíveis distúr- bios metabólicos nos pacientes. (J Bras Nefrol 2005;27(1):15-21) Descritores: Estrôncio. Insuficiência renal crônica. Hemodiálise. Doença óssea renal. ABSTRACT Serum Strontium Levels In Chronic Renal Failure Patients Undergoing Hemodialytic Treatment. Objective: To evaluate serum strontium levels in chronic renal failure (CRF) patients undergoing hemodialysis (HD), and to correlate the serum levels with time on dialysis and patients age. Furthermore, to determine strontium concen - tration in water and dialysis concentrates. Methods: Serum strontium levels were determined in 137 subjects with normal renal function (CG) and 123 patients with CRF, dialysed in three different hospitals (A, B, and C) using elec - trothermal atomic absorption spectrometry (ETAAS). Strontium was measured in water and hemodialysis concentrate samples using inductive plasma spectrom - etry emission (ICP OES). Results: Mean serum strontium concentrations in Teores de Estrôncio Sérico em Pacientes Portadores de Insuficiência Renal Crônica em Tratamento Hemodialítico Olguita G. Ferreira Rocha Eleonora Moreira Lima Adriane Souza Oliveira Fernanda Andrade Reis Edna M. Alvarez Leite Faculdade de Farmácia da UFMG Setor de Análises Químicas da Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais – CETEC, Belo Horizonte, MG. Faculdade de Medicina da UFMG Recebido em 11/08/04 Aprovado em 02/02/05 Órgão Financiador: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG.

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RESUMO

O b j e t i v o : Avaliar os níveis de estrôncio sérico e sua correlação com o tempo emdiálise e idade de pacientes em tratamento hemodialítico, além de dosar os teo-res de estrôncio sérico dos indivíduos participantes do estudo na água e nafração ácida do concentrado utilizado para hemodiálise e em amostras de águanatural. M é t o d o s : O estudo foi conduzido com 123 pacientes portadores de insu-ficiência renal crônica em tratamento em três hospitais de Belo Horizonte e 137indivíduos com função renal normal que constituíram o grupo controle (GC). Oteor de estrôncio sérico foi determinado em amostras de todos os indivíduos par-ticipantes do estudo, utilizando a técnica de espectrometria de absorção atômicacom forno de grafite (ETAAS). Para a dosagem do metal na água e no concen-trado para Hemodiálise (HD), utilizou-se a técnica de espectrometria de emissãopor plasma indutivamente acoplado (ICP OES). R e s u l t a d o s : A concentraçãomédia de estrôncio sérico nos pacientes do hospital A (245 ± 48µg/L) não foi sig-nificativamente diferente do hospital B (244 ± 32µg/L), mas diferente do hospitalC (133 ± 24,0µg/L) e do GC (37 ± 10µg/L), de acordo com o teste de Tukey a95%. A correlação entre os níveis de estrôncio e o tempo em diálise foi positivanos 3 hospitais, r= 0,745; 0,561 e 0,518 para os hospitais A,B,C respectivamente,e p< 0,001, mas não apresentou significância com a idade dos pacientes. Naágua de diálise os valores foram < 0,2µg/L e no concentrado de HD foram 7,5 ±3,0mg/L no hospital A; 8,0 ± 5,3mg/L no B; e 3,3 ± 2,6mg/L no C. C o n c l u s ã o : O sresultados, indicam que os pacientes em hemodiálise apresentam teores deestrôncio elevados quando comparados com indivíduos com função renal normale risco de acúmulo do metal no organismo, provavelmente relacionado aos altosteores de estrôncio nas soluções de diálise. Os níveis de estrôncio em água econcentrados de diálise devem ser monitorados para prevenir possíveis distúr-bios metabólicos nos pacientes. (J Bras Nefrol 2005;27(1):15-21)

Descritores: Estrôncio. Insuficiência renal crônica. Hemodiálise. Doença óssearenal.

ABSTRACT

Serum Strontium Levels In Chronic Renal Failure Patients UndergoingHemodialytic Treatment.

O b j e c t i v e : To evaluate serum strontium levels in chronic renal failure (CRF)patients undergoing hemodialysis (HD), and to correlate the serum levels withtime on dialysis and patients age. Furthermore, to determine strontium concen -tration in water and dialysis concentrates. M e t h o d s : Serum strontium levelswere determined in 137 subjects with normal renal function (CG) and 123patients with CRF, dialysed in three different hospitals (A, B, and C) using elec -trothermal atomic absorption spectrometry (ETAAS). Strontium was measured inwater and hemodialysis concentrate samples using inductive plasma spectrom -etry emission (ICP OES). R e s u l t s : Mean serum strontium concentrations in

Teores de Estrôncio Sérico em Pacientes Portadores de Insuficiência Renal Crônica em Tratamento Hemodialítico

Olguita G. Ferreira RochaEleonora Moreira LimaAdriane Souza Oliveira

Fernanda Andrade ReisEdna M. Alvarez Leite

Faculdade de Farmácia da UFMGSetor de Análises Químicas da

Fundação Centro Tecnológico deMinas Gerais – CETEC,

Belo Horizonte, MG.Faculdade de Medicina da UFMG

Recebido em 11/08/04Aprovado em 02/02/05

Órgão Financiador: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG.

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Teores de Estrôncio Sérico na I.R.C16

patients from hospital A (245 ± 48µg/L) and hospital B (244± 32µg/L) did not differ, but were significantly deviated fromhospital C (133 ± 24 g/L) and CG (37µg/L ± 10µg/L)(Tukey 95%). The correlation between serum levels andtime on dialysis was significant (r= 0.745; r= 0.561; r=0.518; P< 0,001) for all hospitals. On the other hand, therewas no significant correlation between strontium levels andage of patients. Water strontium levels were < 0.2µg/L forall hospitals, and in dialysis concentrates were 7.5 ±3.0mg/L for hospital A; 8.0 ± 5.3mg/L for hospital B and 3.3± 2.6mg/L for hospital C. C o n c l u s i o n s : The results of thepresent study indicate that patients on hemodialysis havehigher strontium levels than individuals with normal renalfunction, and are at increased risk for strontium accumula -tion, probably associated with the presence of high levelsof the metal in dialysis solutions. Strontium levels in waterand in hemodialysis concentrates should be monitored inorder to prevent possible metabolic disorders. (J BrasNefrol 2005;27(1): 15-21)

Keywords: Strontium. Hemodialysis. Chronic renal fail -ure. Renal osteodystrophy.

INTRODUÇÃO

O acúmulo corporal de metais e sua correlação como desenvolvimento de doença óssea renal têm sido estuda-dos em pacientes portadores de insuficiência renal crônica(IRC). Neste aspecto, o metal mais estudado é o alumínio(Al), sendo que manifestações clínicas dos pacientes estãorelacionadas à presença do Al no sangue e o acúmulo dometal no organismo1 , 2. Altos teores do metal têm sido rela-cionados a distúrbios clínicos nos sistemas músculo-esquelético, nervoso central e hematológico2 - 5.

O efeito do estrôncio no metabolismo ósseo depacientes com IRC tem sido investigado com interesse cres-cente na última década. Estudos realizados por D’Haese6,Schrooten et al.7 e Cabrera et al.8 relacionam a presença dometal, no osso, com a osteomalácia de diálise (OM).

O estrôncio é o 15o elemento químico em abun-dância na crosta terrestre, onde é encontrado em concen-trações de até 450mg/kg. É um dos constituintes de apati-tas, onde a concentração do metal pode chegar a 73g/kg.Em água do mar o estrôncio é o elemento traço maisabundante, alcançando valores de até 8mg/L. Em águasnaturais é encontrado em concentrações variando de0,021mg/L até 0,375mg/L. É um dos constituintes na-turais de alimentos e bebidas, sendo que carne, aves, ve-getais e frutas contêm baixas concentrações do elemento,variando de 0,3 a 5,1mg/kg, enquanto que em cereaispode estar presente em concentrações de até 25mg/kg. Oteor do elemento na dieta humana varia de acordo com aárea geográfica e o tipo de alimento consumido8.

Uma revisão, feita por Cabrera et al.8, de estudosrealizados em camundongos sugere que os efeitos doestrôncio no osso dependem da dose e que, mesmo embaixas concentrações (dieta com estrôncio < 4g/L), podeocasionar aumento da taxa de formação óssea e da densi-dade óssea trabecular. Essa observação pode ter aplicaçõesterapêuticas, particularmente em condições de doençascaracterizadas por acelerado processo de remodelamentoósseo e desmineralização. Por outro lado, uma dieta comaltas doses de estrôncio (> 4g/L) pode causar hipocalcemiapela inibição da síntese da 1,25 dihidroxivitamina D e daabsorção intestinal do cálcio, afetando o metabolismoósseo. Segundo estudos realizados por Cabrera et al.8, aadministração de doses intermediárias (3g/L) de estrôncioem água determinou o aparecimento de osteomalácia(OM) em camundongos com disfunção renal.

Schrooten et al.7 comprovaram, através da admi-nistração de alumínio e estrôncio a animais de laboratórioe posterior exame histológico ósseo, a existência derelação entre a presença desses metais no osso e apareci-mento de doença óssea. O resultado do estudo mostrouum aumento do osteóide no grupo ao qual foi administra-do estrôncio, comparado aos grupos controle e no querecebeu alumínio, sugerindo o acúmulo de estrônciocomo causa de OM.

Em 2000, D’Haese et al.6, analisando os resultadosde análises histológicas de 100 biópsias ósseas depacientes em hemodiálise, demonstraram a associaçãoentre o aumento da concentração de estrôncio ósseo e oaparecimento de OM.

Estudo realizado por Schrooten et al.9 em 34 cen-tros de tratamento dialítico de diversos países, sendo 17da Europa, 1 da América Central, 9 da América do Sul, 1do Japão e 6 da África, sugere a existência do acúmulo deestrôncio em pacientes em diálise, sendo o teor do metalvariável de centro para centro.

Apesar de várias pesquisas sobre o estrôncio, nãofoi encontrado na literatura brasileira relato de estudossobre o acúmulo do metal em pacientes em hemodiálise enem de valores de referência nacionais.

O presente trabalho tem como objetivo determinaros teores de estrôncio em amostras de soro de pacientesem hemodiálise e indivíduos com função renal normal, naágua e na fração ácida do concentrado para hemodiálise,e em amostras de água. O estudo tem, também, comoobjetivo avaliar a existência de eventuais correlaçõesentre o nível sérico de estrôncio com a idade e tempo detratamento, e com os teores do metal na água e na fraçãoácida do concentrado para HD. Paralelamente, o estudocontempla a verificação do metal em amostras de águanatural provenientes de diversas regiões do Estado deMinas Gerais.

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17J Bras Nefrol Volume XXVII - nº 1 - Março de 2005

MÉTODOS

O estudo foi conduzido com 123 pacientes porta-dores de IRC em tratamento hemodialítico em três hospi-tais da região metropolitana de Belo Horizonte, no perío-do de outubro de 2002 a dezembro de 2003, a saber:

Hospital A – 35 pacientes (19 homens e 16 mu-lheres) com idades variando de 19 a 84 anos e tempo dediálise de 8,0 ± 4,9 (1 a 19 anos);

Hospital B – 46 pacientes (27 homens e 19 mu-lheres), idades de 23 a 74 anos, tempo de diálise de 4,6 ±2,3 (2 a 10 anos);

Hospital C – 42 pacientes (22 homens e 20 mu-lheres), idades de 22 a 80 anos, tempo de diálise de 4,9 ±4,6 (1 a 22 anos).

Em todos os hospitais avaliados, o tratamento daágua era efetuado por osmose reversa. Nos hospitais A eB os concentrados para HD eram adquiridos no comércio,sendo que o hospital C fabricava a sua própria solução.

Pacientes e Controles

Todos os pacientes selecionados para o estudopreencheram questionários com dados pessoais e clínicos,incluindo a modalidade e o tempo do tratamento dialítico.A medicação utilizada incluía, dentre outros, anti-hipertensivos, 1,25 dihidroxivitamina D, carbonato decálcio, bicarbonato de sódio, complexo B, vitamina C esulfato ferroso. A maioria recebia carbonato de cálciocomo quelante de fósforo, e alguns utilizavam hidróxidode alumínio por curto período de tempo.

O acompanhamento dos pacientes foi feito por umperíodo aproximado de um ano através de dosagenstrimestrais de estrôncio sérico, sendo os resultados apre-sentados no presente estudo a média do período. As qua-tro dosagens do metal durante um ano objetivaram detec-tar eventuais erros na avaliação final, ocasionados porvariações pontuais, uma vez que os pacientes estão emcontato com água e soluções que podem conter o metal.

O GC foi estabelecido através da seleção de 137indivíduos que apresentavam função renal normal, sendo 71do sexo masculino e 66 do sexo feminino, com idades va-riando de 18 a 62 anos. Todos os indivíduos selecionadostiveram a função renal verificada pela dosagem da creatini-na sérica e cálculo da taxa de filtração glomerular (TFG)pela fórmula de Cockcroft-Gault1 0 - 1 2. A superfície corporalfoi calculada utilizando-se a formula de Mosteller1 3, sendoos resultados de TFG apresentados em mL/min/1,73m2.Foram considerados com função renal normal aqueles indi-víduos que apresentaram TFG> 60mL/min/1,73m2 14.

Nos indivíduos do GC foi efetuada apenas umadosagem durante o período de realização do estudo,

supondo que, uma vez que o estrôncio é eliminado prin-cipalmente pela via renal, as concentrações séricas dometal não devem apresentar variações significativas nes-ses indivíduos.

Coleta das Amostras

As amostras de sangue foram coletadas em dupli-cata em tubos com baixo teor de metais, sem adição deanticoagulante, utilizando-se o sistema a vácuo. Apóscentrifugação, o soro obtido foi transferido para frascosde polietileno previamente descontaminados e armazena-dos a -20oC até o processamento da análise.

As amostras de água foram coletadas com freqüên-cia mensal, no ponto de entrada das máquinas de hemo-diálise, em todos os três hospitais envolvidos no estudo, epreservadas com ácido nítrico purificado por sub-ebulição,até pH menor que 2, e mantidas em temperatura ambiente1 6.

As amostras de concentrado para hemodiáliseforam coletadas diretamente dos frascos originais parafrascos de polietileno, também com freqüência mensal.

Paralelamente, foram coletadas, também, amostrasde água natural de diversas regiões do Estado de MinasGerais.

Controle da Contaminação

Todas as análises foram realizadas dentro de umaárea limpa classe IS0-7, equipada com fluxo laminar classeI S O - 51 5, uma vez que a determinação de metais traço, prin-cipalmente quando esses estão presentes na atmosfera,exige cuidados especiais para evitar erros analíticos.

Foram estabelecidos procedimentos para coleta,manuseio, transporte e armazenamento das amostrasobjetivando minimizar eventual contaminação pelo metaldurante o processo analítico. Todo o material utilizado(balões, ponteiras de micropipetas, béqueres etc.) foi depolietileno ou teflon, previamente lavado com umasolução de ácido nítrico 20%, seguido de limpeza porultra-som por 30 minutos e enxaguado com água purifi-cada (resistividade 18 megaohms). O material que neces-sitava de secagem prévia foi mantido sob fluxo laminarclasse ISO-5. Os responsáveis pela coleta das amostras eos analistas foram orientados quanto à importância docontrole da contaminação no processo analítico.

Análise Laboratorial

A concentração de estrôncio foi determinada nosangue dos pacientes e dos indivíduos do GC, na água enos concentrados utilizados na preparação do dialisato eem 553 amostras de água natural.

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Nas amostras de soro utilizou-se a técnica deespectrometria de absorção atômica com forno de grafite(ETAAS)17-19, sendo as amostras diluídas 5x com tritonX-100 (0,1% em água purificada). Nas amostras de águae concentrados para HD foi usada a técnica de espec-trometria de emissão por plasma indutivamente acoplado(ICP OES). Os equipamentos utilizados foram: espec-trômetro de absorção atômica (Perkin-Elmer 4100 ZL) eespectrômetro de emissão atômica indutivamente acopla-do (ICP OES, Perkin Elmer-Optima 3000).

A metodologia utilizada foi validada de acordocom procedimentos recomendados por organismos ofici-ais20-25. Os resultados dos testes de exatidão feitos atravésdo cálculo da recuperação da adição de estrôncio àsamostras de soro, em concentrações ao longo da faixa detrabalho (até 100µg/L), situaram-se em torno de 111%,com desvio padrão de 5%. A análise do material de refe-rência certificado (MRC – NIST-1643D), produzido peloNational Institute of Standard Tecnology , contendoestrôncio na concentração de 294,8 ± 3,4µg/L apresentouresultado de 291,1 ± 10,2µg/L e erro relativo de 1,24%em relação ao MRC.

Análise Estatística

Os dados são apresentados como média ± desviopadrão (M ± DP). O teste estatístico usado foi análise devariância para dados contínuos de três ou mais grupos(ANOVA), com teste post hoc (Tukey 95%)26. A existên-cia de correlações foi avaliada por regressão (ANOVA).O nível de significância escolhido foi p< 0,05. Para oscálculos estatísticos usou-se o programa Microsoft Excel2000 (Microsoft Corporation).

RESULTADOS

Os teores de estrôncio encontrados na água paraHD apresentaram valores próximos ao limite de quantifi-cação (LQ) da técnica ICP OES (LQ= 0,2µg/L).

O teor de estrôncio encontrado nas 553 amostrasde água natural analisadas variou de 3 a 552µg/L.

As amostras de concentrados utilizados para HD(fração ácida) apresentaram teores de estrôncio variáveisnos 3 hospitais selecionados: 7,5 ± 3,0mg/L no hospitalA; 8,0 ± 5,3mg/L no hospital B e 3,3 ± 2,6mg/L no hos-pital C.

O valor de estrôncio sérico encontrado no grupocontrole variou de 15 a 64µg/L (37 ± 10µg/L).

A concentração sérica de estrôncio encontrada nospacientes dos 3 hospitais envolvidos no estudo é apresen-tada na tabela 1.

As relações entre o tempo de tratamento dialítico eo teor de estrôncio nos 3 hospitais selecionados sãomostrados nas figuras 1 a 3.

Visando melhor comparação entre os teores deestrôncio sérico dos três hospitais, os pacientes foramagrupados em quatro faixas de tempo de tratamentodialítico, a saber: Faixa 1 – pacientes que apresentaramtempo de diálise de 1 a 3 anos (1< t< 3); Faixa 2 – (3< t<6); Faixa 3 – (6< t< 9) e faixa 4 (t> 9). Estes dados sãoapresentados na figura 4.

DISCUSSÃO

Os resultados apresentados mostram definidoaumento dos níveis de estrôncio sérico em pacientes comIRC em HD, quando comparados aos encontrados nasamostras provenientes dos indivíduos com função renalnormal (P< 0,001). Houve um acréscimo de estrônciosérico de aproximadamente 7 vezes nos pacientes doshospitais A e B, e 3,6 vezes para aqueles do hospital C.Esse aumento do teor do metal está, provavelmente, rela-cionado com o tempo em que o paciente permanece emtratamento, conforme pode ser verificado pelas corre-lações significativas encontradas (figuras 1 a 3).

Não foi observada, no presente estudo, correlaçãosignificativa entre os níveis séricos do metal e a idade dospacientes (p> 0,05).

Os valores de referência de estrôncio em indivídu-os com função renal normal, descritos na literatura, apre-sentam-se bastante variáveis. Foram encontrados valoresdesde 16 ± 8ug/L 17 a 53,8 ± 15,3µg/L 27. Existem aindaoutros valores descritos na literatura: 36,5 ± 10,5µg/L 28;14 ± 7,6 9; 21,5 ± 0,6µg/L 29, variação de 28 a 4430 e 26,4± 5,9µg/L para homens e 28,3 ± 6,8µg/L para mulheres18.

O valor de estrôncio sérico encontrado nesse estu-do para os indivíduos do grupo controle foi de 37 ±10µg/L, concordante com valores descritos na literatura.Entretanto, deve-se considerar que teores do metal podemvariar de acordo com a região geográfica e com a alimen-tação dos indivíduos. Segundo Cabrera8, o estrôncio éencontrado em concentrações de aproximadamente

Tabela 1. Distribuição dos pacientes e teores de estrôncio sérico(µg/L).

Hospital Pacientes Faixa Tempo de etária tratamento

n anos anos Média ± DPA 35 19 - 84 1 - 19 245 ± 48B 46 23 - 74 2 - 10 244 ± 32C 42 22 - 80 1 - 22 133 ± 24

DP= Desvio Padrão

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450mg/kg na crosta terrestre e nos alimentos, principal-mente nos cereais, onde os teores do metal podemalcançar valores de 25mg/kg.

Os resultados obtidos no presente trabalho reve-laram que a água utilizada na hemodiálise não apresentouvalores elevados de estrôncio, podendo-se supor que aprincipal fonte de estrôncio para os pacientes em HD sejaproveniente da solução utilizada no preparo do dialisato.

Conclusão semelhante foi obtida em estudo desen-volvido por Schrooten et al. em 34 centros de tratamentodialítico, cujos pacientes apresentaram níveis séricos deestrôncio variando desde 25 ± 8µg/L até 466 ± 90µg/L;aqueles centros onde os pacientes apresentavam teoresmuito elevados de estrôncio sérico eram, também, os quemostravam teores mais elevados do metal no concentradoutilizado para preparo do dialisato (15,8mg/L).

A correlação entre os níveis de estrôncio sérico e otempo em tratamento dialítico foi positiva nos três hospi-tais participantes do estudo [r= 0,745; r= 0,561 e r= 0,518para hospital A, B e C respectivamente (p< 0,001)], su-gerindo acumulação progressiva do metal, associada aotempo em diálise.

Além da correlação positiva observada entre o teordo metal e o tempo em tratamento dialítico nos três hos-pitais analisados, observou-se, também, que os níveis de

estrôncio nos pacientes do hospital C apresentaram-semais baixos do que os encontrados nos outros dois hospi-tais, e que os hospitais A e B não apresentaram diferençassignificativas entre si, segundo teste de Tukey a 95%. Acorrelação mais significativa entre os níveis séricos deestrôncio e o tempo em tratamento dialítico foi encontra-da no hospital A, o hospital em que os pacientes per-maneceram em tratamento dialítico por mais tempo (8 ±5 anos). No hospital B, a média de tempo em tratamentofoi de 5 ± 2 anos e no hospital C de 4,9 ± 5 anos. Alémdisso, a concentração de estrôncio no concentrado de HDfoi menor no hospital C e semelhante nos hospitais A e B(teste de Tukey a 95%). O fato do hospital C ter apresen-tado teores de estrôncio séricos mais baixos em relaçãoaos demais e menor valor nos concentrados de HD sugereque a principal fonte de estrôncio para pacientes emhemodiálise seja o concentrado para HD (fração ácida).Essa suposição é reforçada quando se comparam os teo-res de estrôncio por faixas de tratamento hemodialítico(figura 4): os teores de estrôncio sérico nos pacientes dohospital C, além de se apresentarem diferentes dos outrosdois hospitais em todas as faixas (teste de Tukey a 95%),são também menores do que nos outros dois hospitais.

Essas constatações sugerem maior risco de efeitostóxicos decorrentes do acúmulo do metal no organismo

Figura 1. Hospital A: concentrações séricas de estrôncio e tempoem diálise.

Figura 3. Hospital C: concentrações séricas de estrôncio e tempoem diálise.

Figura 4. Concentrações séricas de estrôncio por faixas detempo de diálise

Figura 2. Hospital B: concentrações séricas de estrôncio e tempoem diálise.

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para os pacientes em tratamento dialítico prolongado, e apossibilidade de desenvolvimento de doença óssea rela-cionada ao estrôncio.

CONCLUSÃO

Os dados encontrados nesse estudo reforçam asevidências de que o estrôncio é acumulado nos pacientesem hemodiálise, e que esse acúmulo está relacionado como tempo em que o paciente permanece em tratamentodialítico.

A investigação mostrou, ainda, a necessidade demonitorar os teores de estrôncio no concentrado utilizadono preparo do dialisato, que provavelmente é a principalfonte responsável pelo acúmulo do metal, o que ocorre pro-gressivamente associado com o tempo de tratamento. Alémdisso, o fato de não terem sido encontrados níveis elevadosde estrôncio na água utilizada para hemodiálise não elimi-na a necessidade de monitorá-la também, uma vez que ometal ocorre normalmente na natureza, onde foi encontra-do em águas naturais, com teores variando de 3 a 552µg / L .Na eventualidade do sistema de purificação da água nãofuncionar adequadamente, poderá haver acúmulo lento egradativo, não só de estrôncio, mas também do alumínio ede outros metais prejudiciais à saúde do paciente.

AGRADECIMENTOS

Aos médicos nefrologistas e seus colaboradores:João Milton de Oliveira Penido, do Núcleo de Nefrologiade Belo Horizonte; Patrícia de Vasconcelos Lima, doInstituto Mineiro de Nefrologia de Belo Horizonte; enfer-meiras Rosister Veloso e Valéria Catarina da Silva Jorge,que colaboraram nas coletas de sangue do grupo controle;aos funcionários do laboratório de Toxicologia Ocupa-cional da Faculdade de Farmácia da UFMG pelasdosagens de creatinina; aos pacientes dos três hospitaisenvolvidos no estudo e indivíduos com função renal nor-mal que se apresentaram como voluntários; à Fundaçãode Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais e aFundação Centro Tecnológico de Minas Gerais –CETEC, pelo apoio financeiro e fornecimento da estrutu-ra analítica necessária.

REFERÊNCIAS

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21J Bras Nefrol Volume XXVII - nº 1 - Março de 2005

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Olguita G. Ferreira RochaRua Jornalista Juracy Manoel 16, apto. 30231140-370 Belo Horizonte, MGTelefone: (31) 3444-9813 ou (31) 3444-9251Telefone comercial: (31) 3489-2202E-mail: [email protected] / [email protected]