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  • TEOREMA DE MORLEY: O QUE OS TRINGULOS AINDA PODEM NOS REVELAR

    Daniel Cordeiro de Morais Filho, UFCG Arthur Cavalcante Cunha, UFCG

    Amauri da Silva Barros, UFAL

    Nvel Intermedirio INTRODUO

    Problemas de Geometria sempre encantaram os admiradores da Matemtica. Como

    a Geometria uma das mais antigas manifestaes matemticas da humanidade,

    era de se esperar, h alguns sculos atrs, que os mais importantes resultados sobre

    tringulos j tivessem sido descobertos e estabelecidos. Mas isso no verdade. No

    comeo do sculo passado ainda se estava descobrindo resultados envolvendo

    tringulos, e sobre um desses belos resultados que falaremos neste artigo.

    O PROBLEMA

    Como sabemos, as bissetrizes de um tringulo qualquer, semirretas que dividem os

    ngulos internos em dois ngulos congruentes, se intersectam em um ponto

    chamado incentro. Esse ponto tem a interessante propriedade de ser o centro de

    uma circunferncia inscrita no tringulo. O famoso matemtico grego Euclides

    (c.325 a.C-c.365 a.C.) provou esse resultado no Livro IV dos seus Elementos

    (Proposio 4), h pelo menos 24 sculos!

    Nessa direo, a histria guardou uma pergunta bem natural que parece no ter sido

    feita ao longo dos sculos: e se dividirmos os ngulos internos de um tringulo em

    trs partes iguais? Encontraremos algum resultado tambm interessante? Vejamos.

    As duas semirretas que dividem um ngulo interno de um tringulo em trs ngulos

    congruentes chamam-se trissetrizes. As trissetrizes de um tringulo geram seis

    pontos de interseo. H alguma propriedade interessante que envolve esses

    pontos? Para ver o que ocorre, preciso distinguir um pouco mais essas

    trissetrizes. Diremos que duas trissetrizes so adjacentes quando partem de vrtices

    opostos pertencentes a um mesmo lado do tringulo e formam o menor ngulo que

    uma trissetriz pode formar com esse lado.

    Una os pontos de interseo das trissetrizes adjacentes de um tringulo qualquer.

    Voc obter um tringulo. Observe melhor, mais do que isso, voc descobrir um

    resultado surpreendente: o tringulo obtido sempre um tringulo eqiltero! Vide

    figura a seguir.

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    Figura 1: O Tringulo equiltero DEF chamado Tringulo de Morley.

    Esse o Teorema de Frank Morley (1860-1937), matemtico anglo-americano,

    presidente da American Mathematical Society no binio 1919-1920, que provou

    esse teorema no final do Sculo XIX (vide uma pequena bibliografia de Morley em

    [1]). Na verdade, a demonstrao do teorema como conhecido hoje s foi publicada

    em 1929 ([2]).

    O enunciado do teorema o seguinte:

    Teorema de Morley: Em um tringulo qualquer, a unio dos pontos de interseo das

    trissetrizes adjacentes forma um tringulo equiltero.

    Uma animao do teorema pode ser vista em [3].

    Porque esse problema importante

    Bem, alm de ser um belo resultado, esse problema envolve um dos antigos

    problemas famosos da Matemtica, que a trisseco de um ngulo em trs

    ngulos congruentes. Saber se possvel fazer isso para qualquer ngulo usando

    apenas rgua e compasso um problema famoso, que levou 20 sculos para ser

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    resolvido, e a soluo negativa (vide [4]): no possvel, em geral, trissectar

    ngulos com rgua e compasso. Por essa razo, talvez os resultados envolvendo

    trisseco de ngulos tenham sido considerados desinteressantes, e velado o

    teorema at ser descoberto e provado apenas no comeo do sculo XX. Mas,

    convenhamos, na prtica, ningum precisa trissectar um ngulo para descobrir ou

    provar o Teorema de Morley!

    Em segundo lugar, das demonstraes possveis desse teorema (e h vrias, dos

    mais variados gostos, e algumas at bem modernas. Vide [5].) optamos pela que

    usasse certos resultados vistos na Trigonometria, que s vezes so apenas

    memorizados pelos estudantes do Ensino Mdio. Na maioria das vezes, esses

    resultados so apenas apresentados sem qualquer aplicao de destaque que

    merecesse estud-los. Nossa demonstrao tambm fornece a oportunidade de usar

    algumas identidades trigonomtricas como as que transformam produtos em soma,

    bem como uma aplicao das Leis dos Senos e dos Cossenos em um nico

    problema.

    Demonstrao do Teorema de Morley

    Consideremos o tringulo ABC, da Figura 1, com ngulos internos ,a BAC

    b ABC e .c ACB Consideremos tambm o tringulo ,DEF formado pela

    interseo das trissetrizes adjacentes relativas a esses ngulos.

    A ideia dessa demonstrao calcular os comprimentos dos lados do

    tringulo ,DEF mostrando que so iguais. Como usaremos a Lei dos Senos, seja

    R o raio da circunferncia inscrita ao tringulo .ABC Vamos mostrar que

    8 sen sen sen .3 3 3

    a b cDE EF FD R

    Iremos usar as seguintes identidades trigonomtricas:

    1. 2

    sen 4sen sen sen3 3 3

    x x xx

    2. 21

    sen 1 cos 22

    x x

    3. 1

    sen sen = cos cos2

    x y x y x y

    4. 2 2

    cos cos cos cos3 3 3 3

    a b c c c

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    4

    5. 1

    cos cos cos cos2 2 2

    x y x yx y

    Pela Lei dos Senos aplicada ao tringulo ABC, e pela identidade (1) temos

    26. 2 8 sen sen sen .

    sen 3 3 3

    BC a a aR BC R

    a

    Considere agora o tringulo BDC. As medidas de seus ngulos internos so:

    ,3 3

    b cCBD BCD e

    23 2.

    3 3 3 3 3

    b cb c b c aBDC

    Agora, aplicando a Lei dos Senos ao tringulo BDC e usando a igualdade (6)

    obtemos:

    3

    2 23 3 3

    sen

    sen sen sen

    b

    a b a

    BCBC CDCD

    2

    3 3 3 3

    23

    8 sen sen sen sen

    sen

    a a a b

    a

    RCD

    7. 8 sen sen sen .3 3 3

    a b aCD R

    Fazendo o mesmo para o tringulo ACE, resulta em

    8. 8 sen sen sen .3 3 3

    a b bCE R

    Para encontrar o comprimento do lado DE, usaremos a Lei dos Cossenos ao

    tringulo CDE, e por (7) e (8):

    2 2 2 2 cos3

    cDE CD CE CD CE

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    2 2 2 2 2 29. 64 sen sen sen sen 2sen sen cos .3 3 3 3 3 3 3

    a b a b a b cDE R

    Para simplificar a escrita, chamemos

    = 8 sen sen ,3 3

    a bM R donde

    2 2 2 2= 64 sen sen .3 3

    a bM R

    De (2) e (3), segue da expresso (9) que

    2 2 1 2 2 1 2 2 1 2= 1 cos 1 cos 2 cos cos cos .2 3 2 3 2 3 3 3

    a b a b a b cDE M

    De (4) e (5), obtemos

    2 2 1 2 2 2 2= 1 1 cos cos cos cos cos cos2 3 3 3 3 3 3

    a b a b c c cDE M

    2 2 2 2 2 2= 1 cos cos cos cos cos 1 cos .3 3 3 3 3 3 3

    c a b a b c c c cM M M sen

    Logo,

    = sen =8R sen sen sen .3 3 3 3

    c a b cDE M

    Se fizermos o mesmo procedimento para os tringulos BDF e AFE, encontraremos

    que o comprimento dos lados DF e EF do tringulo DEF tambm dado por

    = = 8R sen sen sen .3 3 3

    a b cDF EF

    Portanto, como DE, DF e EF so iguais, o tringulo DEF equiltero. Como

    queramos demonstrar.

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    Concluso

    Em [3] pode-se encontrar 23 demonstraes desse teorema. Nossa demonstrao

    baseia-se no artigo [5], onde pode ser encontrado um detalhado histrico desse

    teorema, que parece ter cado no gosto de muitos. Enfim, ficar famoso por provar,

    em pleno Sculo XX, um teorema da Geometria Elementar um fato que muitos

    gostariam de ter tido o privilgio de que ocorresse com eles. Coisas da Histria,

    coisas da Matemtica...

    BIBLIOGRAFIA

    [1] http://faculty.evansville.edu/ck6/bstud/morley.html

    [2] American Journal of Mathematics, F. Morley, 51 (1929), pp. 465-472.

    [3] http://www.cut-the-knot.org/triangle/Morley/index.shtml

    [4] Gonalves, Adilson; Introduo lgebra, IMPA (1999).

    [5] Cletus O. Oakley e Justine Davis, The Morley Trisector Theorem, Amer. Math Monthly

    (1978), p. 737-745.O artigo pode ser encontrado na pgina

    http://www.haverford.edu/math/cgreene/399/morley/morley.pdf.