teorema de zorn

13

Click here to load reader

Upload: ediclerton-rabelo

Post on 05-Dec-2015

221 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Fundamentos da Matemática.

TRANSCRIPT

Page 1: Teorema de Zorn

TEOREMA DE ZORN

DAS AULAS DE ANÁLISE SUPERIOR DO PROF. A. WEIL

EDISON FARAH

1. Um importante teorema de caráter existencial, que intervem na teoria

dos conjuntos, é o chamado “Teorema de Zorn”, devido a Max Zorn. A

demonstração deste teorema que afirma a existência de pelo menos um ele-

mento maximal num conjunto ordenado indutivo1 2 baseia-se no conhecido

axioma da escolha (ou axioma de Zermelo), frequentemente citado, sob for-

mas diversas, naturalmente equivalentes entre si (o próprio teorema de Zorn

pode ser considerado como uma forma de tal axioma). Um dos enunciados

do axioma de Zermelo, que se encontra no livro de N. Bourbaki (Théorie des

Ensembles) é o seguinte:

Seja Rtx,yu uma relação entre um elemento genérico x de um conjunto E

e um elemento genérico y de um conjunto F. As relações

“qualquer que seja x P E existe y P F tal que Rtx,yu”

e

“existe uma aplicação f de E em F 3 tal que, qualquer que seja

x P E, Rtx, fpxqu”,

são equivalentes.

O axioma de Zermelo consiste, precisamente, na afirmação dessa equiva-

lência.

2. É fácil ver que o axioma de Zermelo, enunciado como acima, é equi-

valente à seguinte proposição (que será um segundo enunciado do referido

axioma):

1As definições de elemento maximal de um conjunto ordenado, e de conjunto ordenado

indutivo serão dadas mais adiante.2No seu trabalho “A remark on method in transfinite algebra” BULLETIN OF THE AMERI-

CAN MATHEMATICAL SOCIETY - VOLUME XLI, NUMBER 10-OCTOBER, 1935), Max Zorn

admitiu o referido teorema como axioma.3Uma aplicação f de um conjunto E num conjunto F é uma função definida em E, com

valores em F; a cada x de E corresponde, pela aplicação f, um único y de F, e escrevemos,

então: y “ fpxq.1

Page 2: Teorema de Zorn

2 EDISON FARAH

Se I é um qualquer conjunto de índices e pXiqiPI é uma família de sub-

conjuntos de um conjunto C tais que Xi ‰ H 4, qualquer que seja i P I, o

produtoś

iPI Xi não é vazio.

Mostremos que o primeiro enunciado acima implica o segundo. Com

efeito, seja I um conjunto qualquer de índices, pXiqiPI uma família de sub-

conjuntos de um conjunto C, tais que Xi ‰ H, qualquer que seja i P I,

e consideremos a relação Rti,yu (i P I, y P C) que consista na afirmação

“y P Xi”. Ora, qualquer que seja i P I existe y P C tal que Rti,yu, pois ne-

nhum dos Xi é vazio. Portanto, pelo primeiro enunciado, existe pelo menos

uma aplicação f de I em C tal que, qualquer que seja i P I, Rti, fpiqu; em

outras palavras, se Xi ‰ H qualquer que seja i P I, existe pelo menos uma

aplicação f de I em C tal que, para todo i P I, fpiq P Xi. Como o produtoś

iPI Xi é, por definição, o conjunto de tais aplicações f, ele não é vazio,

donde se conclui o segundo enunciado.

Reciprocamente, o segundo enunciado implica o primeiro. De fato, seja

Rti,yu uma qualquer relação entre um elemento genérico i P I e um elemento

genérico y P C, que goze da seguinte propriedade P: “qualquer que seja i P I,

existe pelo menos um y P C tal que Rti,yu”. Designando por Xi o conjunto

dos y P C tais que Rti,yu, teremos, em virtude da propriedade P, Xi ‰ H

qualquer que seja i P I; então, pelo segundo enunciado, temosś

iPI Xi ‰ H,

isto é, existe pelo menos uma aplicação f de I em C tal que, qualquer que seja

i P I, fpiq P Xi, ou seja, Rti, fpiqu, para todo i P I. Em resumo, admitindo

o segundo enunciado, a propriedade P da relação R tem por conseqüência:

“existe uma aplicação f de I em C tal que, qualquer que seja i P I, Rti, fpiqu”,

o que demonstra nossa afirmação.

3. Voltando ao teorema de Zorn, os termos maximal e indutivo que inter-

vêem no seu enunciado e cujos significados daremos a seguir encontram-se

no já citado livro de N. Bourbaki (Théorie des Ensembles), assim, como to-

dos os conceitos e algumas notações que utilizamos aqui. Vejamos, então, a

definição de

4. Elemento maximal (e elemento minimal). Seja E um conjunto ordenado

por uma relação de ordem que se escreve x ě y (x,y P E). Diz-se que um

elemento x de um subconjunto X de E é um elemento maximal (minimal) de

X se não existe, em X, nenhum elemento z tal que z ą x (respect. z ă x).

4Designamos pelo símbolo H, o conjunto vazio.

Page 3: Teorema de Zorn

TEOREMA DE ZORN 3

EXEMPLOS:

pe1q. Seja E o conjunto dos pontos de um plano referidos a um sistema de

coordenadas cartesianas ortogonais e estabeleçamos entre os elementos de E

a seguinte relação de ordem:

p0, 1q

p0, 0q p1, 0q

FIGURA 1.

P ě P 1 (P de coordenadas ξ e η,

P 1 de coordenadas ξ 1 e η 1), quando,

na relação de ordem habitual entre

os números reais se tem:

ξ ě ξ 1 e η ě η 1.

Com isto, vê-se facilmente que,

por exemplo, o conjunto A dos pon-

tos do triângulo retângulo de vérti-

ces, digamos: p0, 0q p1, 0q e p0, 1q

(fig. 1), tem, para elementos maximais, todos os pontos da hipotenusa.

pe2q. Seja F o conjunto de todas as partes do espaço ordinário E, isto é,

F “ P pEq 5.

Se entre os elementos de P pEq (que são partes de E) estabelecermos a

seguinte relação de ordem

X ě Y pX P P pEq , Y P P pEqq ,

quando X Ą Y (isto é, quando contém Y) diremos que P pEq é um conjunto

ordenado pela relação de inclusão. Posto isto, seja F1 o conjunto das esferas

e semi-espaços de E cujos contornos passam pela origem; cada um de tais

semi-espaços é um elemento maximal de F, como se vê facilmente.

Pode acontecer que um conjunto ordenado não possua elemento maximal

(ou minimal). Assim, neste segundo exemplo, se retirarmos de F1 os semi-

espaços a que nos referimos, obteremos um conjunto F2 que não possui

nenhum elemento maximal. O conjunto dos subconjuntos infinitos enume-

ráveis de um conjunto dado, não enumerável, não tem nenhum elemento

maximal, nem minimal.

5. Conjunto ordenado indutivo. Para a definição de conjunto ordenado

indutivo são necessárias mais duas noções: a de extremo superior de um

conjunto ordenado e a de conjunto totalmente ordenado.

5Designaremos sistematicamente por P pEq o conjunto das partes de um conjunto E

qualquer.

Page 4: Teorema de Zorn

4 EDISON FARAH

Extremo superior. Seja X uma parte de um conjunto ordenado E. Dizemos

que um elemento s P E é extremo superior de X, e escrevemos s “ sup pXq,

quando:

1º) Qualquer que seja x P E tem-se

s ě x;

2º) Se s 1 P E é tal que, qualquer que seja x P X,

s 1 ě x,

deve-se ter, necessariamente, s 1 ě s.

NOTA. Se na definição acima substituirmos o sinal ě por ď, teremos a de-

finição de extremo inferior, isto é, o elemento s será o extremo inferior do

conjunto X.

OBSERVAÇÃO. Decorre, da definição, que se um conjunto X admite um ex-

tremo superior (interior) s, este é único. Se s “ sup pXq (inf .pXq), e s P X s se

diz máximo (respect. mínimo) de X.

EXEMPLOS:

pe3q. Seja T o conjunto de todas as esferas de centro na origem e raios

não maiores que 1, do espaço ordinário E. O conjunto T que é uma parte

do conjunto ordenado por inclusão P pEq admite, para extremo superior, a

esfera de centro na origem e raio 1. Como esta esfera pertence a T ela é o

elemento máximo de T .

pe4q. O conjunto A, considerado no exemplo (e1), admite para extremo

superior o ponto Q ” p1, 1q (fig. 4). A origem é o extremo interior de A e é

o elemento mínimo deste conjunto.

p0, 1q

p0, 0q p1, 0q

Q ” p1, 1q

FIGURA 2.

Um conjunto ordenado pode não

admitir extremo superior (inferior).

Assim, por exemplo, considerando-

se o conjunto R dos números raci-

onais (ordenado pela relação de or-

dem habitual), os números de R cu-

jos quadrados são menores que 2

formam um conjunto X que não ad-

mite extremo superior.

Conjunto totalmente ordenado.

Seja E um conjunto ordenado pela

relação x ě y. Um subconjunto X de E se diz totalmente ordenado se, quais-

quer que sejam x e y pertencentes a X, se tenha: ou x ě y, ou x ď y.

Page 5: Teorema de Zorn

TEOREMA DE ZORN 5

Em outras palavras, X é totalmente ordenado quando uma das três relações:

x ą y, x “ y e x ă y é sempre verificada, e, a verificação de uma delas exclui

a de outras duas.

EXEMPLO:

pe5q. No exemplo (e1) o conjunto X dos pontos da bissetriz do primeiro

quadrante é totalmente ordenado; o conjunto E dos pontos do plano não o

é.

Vejamos, enfim, a definição de

Conjunto ordenado indutivo. Um conjunto ordenado E se diz indutivo

quando todo subconjunto de E, totalmente ordenado, admite um extremo

superior.

EXEMPLO:

pe6q. O conjunto F dos subgrupos de um grupo G (P pGq ordenado pela

relação de inclusão) é indutivo. Com efeito, se F1 é uma parte qualquer de

F, totalmente ordenada, a reunião dos subgrupos de F1 (reunião esta, que é,

como facilmente se vê, um subgrupo de G) é o extremo superior de F.

Um exemplo de conjunto ordenado não indutivo é o conjunto ordenado,

E, citado no exemplo (e1). De fato, o conjunto dos pontos da bissetriz do 1.º

quadrante é totalmente ordenado e não admite extremo superior.

6. Passemos agora, à demonstração do teorema de Zorn do qual um dos

enunciados é o seguinte:

Todo conjunto ordenado indutivo, E, possui pelo menos um elemento ma-

ximal.

A demonstração deste teorema baseia-se num lema fundamental, que cha-

maremos de L, e no axioma de Zermelo. A prova do lema L cujo enunciado

é:

Seja E um conjunto ordenado indutivo. Se, então, f é uma aplicação de E

em E tal que, para todo x P E, fpxq ě x, existe pelo menos um x P E tal que

fpxq “ x,

independe, como veremos, do axioma de Zermelo.

7. Vejamos como se conclui o teorema de Zorn, uma vez admitidos o

lema L e o axioma da escolha. Para isso, a cada x P E façamos corresponder

o conjunto Hx definido da seguinte maneira:

Hx “ tyuyąx py P Eq, se existe y P E tal que y ą x;

Page 6: Teorema de Zorn

6 EDISON FARAH

Hx “ txu se não existe y P E tal que y ą x.6

Como, qualquer que seja x P E, Hx ‰ H, podemos afirmar, em virtude

do axioma de Zermelo, a existência de uma aplicação f de E em E, tal que,

qualquer que seja x P E, fpxq P Hx, o que equivale a dizer que fpxq ě x,

qualquer que seja x P E. Portanto, do lema L segue-se que existe em E pelo

menos um elemento x “ b tal que fpbq “ b. Este elemento, b, é maximal,

pois, por um lado temos fpbq P Hb, e, por outro, fpbq “ b, donde Hb “ tbu,

o que nos mostra a inexistência de um elemento y P E tal que y ą b; portanto

b é, efetivamente, um elemento maximal de E, ficando, assim, demonstrado

o teorema de Zorn.

8. Demonstração do lema L. Afim de provar o lema L demonstraremos,

primeiramente, três lemas auxiliares que chamaremos de l1, l2 e l3; para isso

vamos utilizar certas definições que serão introduzidas no número seguinte.

9. Seja f uma aplicação de E em E, tal que fpxq ě x, qualquer que seja

x P E; fixemos um elemento a de E e designemos por A a família dos sub-

conjuntos X de E que gozam das três seguintes propriedades:

pP1q. a P X;

pP2q. fpXq Ă X, isto é, se x P X, fpxq P X;

pP3q. Se T Ă X e T é totalmente ordenado, sup pTq P X.

A família A não é vazia, pois o conjunto E, por exemplo, goza das três

propriedades citadas. Por outro lado, a intersecção de conjuntos de A per-

tence, evidentemente, a essa família; em particular a intersecção de todos os

conjuntos de A pertence a A e é o menor conjunto de A. Designemos por A

essa intersecção, isto é, ponhamos

A “č

XPA

X

e introduzamos os conjuntos Ix e Sx (x P A) definidos da seguinte maneira:

Ix “ conjunto dos y P A tais que y ď x;

Sx “ conjunto dos y P A tais que y ě x.

Posto isto, se designarmos por B o conjunto dos elementos x P A que

gozam da seguinte propriedade:

“y P Ix implica: ou y “ x ou fpyq ď x",

6Com o símbolo tyuyąx designamos o conjunto de todos os y de E tais que y ą x. O

símbolo txu designa o conjunto que só contém o elemento x.

Page 7: Teorema de Zorn

TEOREMA DE ZORN 7

resultará o seguinte

10. LEMA l1. Se x é um elemento qualquer de B 7 tem-se:

A “ Ix Y Sfpxq.

Demonstração. Provemos primeiramente que qualquer que seja x P B, a P

Ix. Seja Z o conjunto dos elementos z P E tais que z ě a e mostremos que

Z P A. De fato, Z goza da propriedade (P1), o que é imediato. Quanto à

propriedade (P2) podemos afirmar o mesmo, pois

fpzq ě z ě a, donde fpzq P Z.

O conjunto Z também goza da propriedade (P3), pois se W é totalmente

ordenado e W Ă Z, temos: sup pWq ě a, donde sup pWq P Z.

Portanto, Z P A, donde A Ă Z, o que nos permite afirmar que se x P A,

x ě a,8 isto é, a P Ix qualquer que seja x P B, pois B Ă A.

Ponhamos agora

X 1 “ Ix Y Sfpxq px P Bq

e mostremos que X 1 P A. A propriedade (P1) é satisfeita por X 1, pois, como

mostramos há pouco, a P Ix, qualquer que seja x P B, donde a P X 1.

O conjunto X 1 também satisfaz (P2). de fato, se y P X 1, dois casos podem

dar-se:

1º) y P Ix; 2º) y P Sfpxq.

No primeiro caso, ou y “ x, ou fpyq ď x (definição de B); se y “ x, teremos

fpyq “ fpxq P Sfpxq, donde fpyq P X 1; se y ă x, fpyq ď x, donde fpyq P Ix, e,

portanto, fpyq P X 1. Considerando, agora, o segundo caso, isto é, y P Sfpxq,

teremos, por ser fpyq ě y ě fpxq, fpyq P Sfpxq, donde fpyq P X 1. O conjunto

X 1 goza, pois, da propriedade (P2).

Vejamos a propriedade (P3). Para isso mostraremos primeiramente que se

T é um conjunto totalmente ordenado, contido em Ix, resulta: sup pTq P Ix.

Com efeito, qualquer que seja t P T devemos ter t P Ix, donde t ď x.

Portanto, pela definição de extremo superior, segue-se que sup pTq ď x, donde

sup pTq P Ix. Se, agora, T Ă X 1, ou será T Ă Ix, ou existirá pelo menos um

t P T tal que t P Sfpxq, isto é, t ě fpxq. Se T Ă Ix, teremos, conforme notamos

há pouco, sup pTq P Ix, donde sup pTq P X 1; suponhamos, então, que existe

um t P T tal que t ě fpxq; como sup pTq P A (pois A Ă X 1), segue-se que

sup pTq P Sfpxq, donde sup pTq P X 1, ficando, assim, verificada a propriedade

(P3).

7O conjunto B é, como mostraremos a seguir, não vazio.8Isto equivale a dizer que Ia “ tau, o que, por sua vez, prova que B não é vazio, pois

a P B.

Page 8: Teorema de Zorn

8 EDISON FARAH

Portanto X 1 P A. Como A é o menor dos conjuntos que gozam das três

propriedades (P1), (P2), (P3), e, por outro lado, X 1 Ă A, segue-se que X 1 “ A,

isto é,

A “ Ix Y Sfpxq px P Bq.

11. LEMA l2. Seja T um subconjunto de B, totalmente ordenado. Desig-

nando, então, por s o extremo superior de T , tem-se

(1) Ix “´

ď

tPT

Ix

¯

Y tsu.

Demonstração. Temos

(2) Is Ą´

ď

tPT

Ix

¯

Y tsu,

pois, se y pertence ao segundo membro de (2), ou y “ s (e, neste caso, y P Is),

ou y PŤ

tPT It, donde existirá um t P T tal que y ď t; mas y ď t ď s (pois

s “ sup pTq) e, como t P T Ă B Ă A, teremos, também, y P Is. Seguem-se,

portanto, a relação (2).

Por outro lado, se y P Is, isto é, y P A e y ď s, y pertencerá ao segundo

membro de (2). Com efeito, se y “ s é imediato; se, então, y ă s, existe um

t 1 P T tal que t 1 ě y, pois, do contrário, isto é, se y R It qualquer que fosse

t P T , resultaria, em virtude da igualdade

A “ It Y Sfptq pt P T Ă Bq,

y ě fptq ě t (t qualquer de T ), donde y ě s, o que contradiz a hipótese

y ă s. Fica, pois demonstrada a inclusão do primeiro membro de (2) no

segundo membro da mesma relação, resultando, disso, a igualdade (1), como

afirma o lema l2.

12. LEMA l3. Enunciado. “A “ B”.

Demonstração. Bastará provar que B P A (pois B Ă A e A é o mínimo de

A), isto é, que B goza das três propriedades (P1), (P2) e (P3). O conjunto B

goza da propriedade (P1), pois a P B (n. 10, chamada 8). A propriedade (P2)

(“x P B implica fpxq P B”) ficará verificada se provarmos que y P Ifpxq tem

por conseqüência y “ fpxq ou fpyq ď fpxq, onde x P B. Ora, da igualdade

A “ Ix Y Sfpxq px P Bq

(n.º 10, lema l1) concluímos que, se y P A e y ď fpxq, devemos ter y ď x

ou y “ fpxq. Se y ď x, teremos, por ser x P B, ou y “ x, ou fpyq ď x; para

y “ x será fpyq “ fpxq, e, para fpyq ď x, resulta fpyq ď fpxq, pois fpxq ě x.

Portanto, se y ď fpxq, isto é, y P Ifpxq, ou será y “ fpxq ou fpyq ď fpxq, o que

prova a pertinência fpxq P B, seguindo-se, pois, a propriedade (P2).

Page 9: Teorema de Zorn

TEOREMA DE ZORN 9

Vejamos a propriedade (P3) (“Se T é totalmente ordenado e T Ă B, s “

sup pTq P B”). Ora, se T possui elemento máximo a verificação de (P3) é

imediata. Suponhamos, então, que T não tenha elemento máximo. Devemos

provar que s P B, isto é, que se y P Is, ou temos y “ s, ou fpyq ď s. Ora, em

virtude do lema anterior, o fato de que y P Is implica y “ s ou y PŤ

tPT It.

Se y “ s a condição é satisfeita. Suponhamos, então, que y ‰ s, isto é, que

y PŤ

tPT It. Neste caso haverá um t P T tal que y ď t. Por outro lado,

como T não possui elemento máximo haverá um t 1 P T tal que t 1 ą t, donde

y ă t 1. Então y P It, donde, por ser t 1 P B e devendo excluir-se o caso em

que y “ t 1, vem fpyq ď t 1. Mas t 1 ă s, portanto fpyq ă s. Em resumo, se

y P Is, ou y “ s ou fpyq ă s, o que permite afirmar que s P B, isto é, que B

goza, também, da propriedade (P3).

Portanto, B P A, donde, segundo o que observamos no princípio deste

número,

B “ A,

c.q.d.

13. LEMA L. Existe um elemento b P E tal que fpbq “ b.

Demonstração. Provemos, em primeiro lugar, que A é totalmente ordenado.

Sejam, com efeito, x e y dois elementos quaisquer de A e, portanto, de B,

pois B “ A. Temos, então,

A “ Ix Y Sfpxq.

Como y P A, ou será y P Ix, ou y P Sfpxq, isto é, ou y ď x ou y ě fpxq ě x.

Portanto, A é totalmente ordenado.

Seja, então, b “ sup pAq. Como A P A, teremos b P A [prop. (P3)], pois

A é um conjunto totalmente ordenado contido no próprio A. Da relação

b P A segue-se [prop. (P2)] que fpbq P A. Ora, por ser b “ sup pAq temos

b ě fpbq, e, pela definição f, fpbq ě b; portanto, fpbq “ b, ficando, enfim,

demonstrado o lema L. Pelo que observamos no n.º 7, segue-se o teorema de

Zorn.

OUTRAS FORMULAÇÕES DO TEOREMA DE ZORN

14. Seja E um conjunto qualquer e suponhamos que P pEq esteja ordenado

pela relação de inclusão. O teorema de Zorn pode, então, enunciar-se do

seguinte modo:

pE2q. Se F é uma família de subconjuntos de E, tal que: a reunião dos

conjuntos de toda subfamília totalmente ordenada, F 1, de F, pertence a F,

Page 10: Teorema de Zorn

10 EDISON FARAH

existe, nesta família, pelo menos um conjunto maximal M (isto é, um con-

junto que não é parte própria de nenhum subconjunto de E pertencente a F).

Com efeito, dizer que a reunião dos conjuntos de toda subfamília total-

mente ordenada F1 Ă F pertence a F equivale a dizer que F

1 admite, em F,

um extremo superior. Em outras palavras: a família F (ordenada pela relação

de inclusão) é indutiva, e, portanto, se lhe pode aplicar o teorema de Zorn

com o enunciado (E2).

15. Uma outra formulação do mesmo teorema é a seguinte:

pE3q. Seja P uma propriedade comum a certos subconjuntos finitos de

um conjunto E. Existe, em E, pelo menos um subconjunto maximal M tal

que toda parte finita de M goza da propriedade P (M é, neste caso, um

subconjunto tal que, não existe, em E, nenhum subconjunto A, cujas partes

finitas gozem da propriedade P, do qual M seja um subconjunto próprio).

Com efeito, seja F a família dos subconjuntos C de E tais que toda parte

finita de cada conjunto C P F goze da propriedade P e seja F1 uma sub-

família qualquer de F, totalmente ordenada (a relação de ordem em F é a

de inclusão). A reunião U dos conjuntos de F1 pertence a F, pois, dada

uma parte qualquer finita B de U e designando por a1, a2, . . .an os elemen-

tos de B, existirão n conjuntos C1, C2, . . .Cn, todos da família F1, tais que

ai P Ci (i “ 1, 2, . . .n); como F2 é totalmente ordenada, um dos conjuntos

Ci (i “ 1, 2, . . .n), digamos, Ck (1 ď k ď n) conterá cada um dos Ci, donde

Ck Ą B, o que nos permite afirmar que B goza da propriedade P e, portanto,

U P F. A família F é, pois, segundo observação análoga à que fizemos para o

enunciado (E2), indutiva, e, por conseguinte, podemos aplicar-lhe o teorema

de Zorn conforme o enunciado (E3).

APLICAÇÕES

16. Uma das aplicações do teorema de Zorn, que nos foi sugerida pelo

professor J. Dieudonné, é a seguinte:

1. Mostrar que todo conjunto infinito, E, é equipotente ao conjunto EˆE.

Para prová-lo admitiremos o seguinte lema (cuja demonstração se obtém,

também, utilizando-se o teorema de Zorn):

(a) Se A e B são dois conjuntos infinitos, equipotentes a um conjunto C e

sem elementos comuns, a reunião A Y B é equipotente a C.

Posto isto, indicando a relação de equipotência entre dois conjuntos C e

D pelo símbolo C „ D (a negação de C „ D indicaremos por C D),

Page 11: Teorema de Zorn

TEOREMA DE ZORN 11

consideremos a família F dos subconjuntos A de E tais que

A „ A ˆ A 9.

Ora, a cada conjunto A de F corresponde uma aplicação biunívoca fA

de A ˆ A sobre A. Seja G o conjunto dessas aplicações e ordenemo-lo por

prolongamento, isto é,

fA ě fB

se A Ą B (A P F, B P F) e, se x P B, fBpxq “ fApxq.

Seja, agora, G 1, uma qualquer subfamília de G, totalmente ordenada (à

qual corresponderá a subfamília F1, de F, que,certamente, será, também,

totalmente ordenada pela relação de inclusão), e mostremos que o extremo

superior de G 1 é uma aplicação biunívoca do conjunto S “Ť

APF 1pAˆAq “`

Ť

APF 1 A˘

ˆ`

Ť

APF 1 A˘

, sobre o conjunto S 1 “Ť

APF 1 A. Com efeito,

ponhamos, para cada x P S,

fpxq “ fMpxq`

x P M ˆ M, M P F1˘

.

O segundo membro desta igualdade não depende de M (desde que x P

MˆM), pois, sendo G 1 totalmente ordenado, temos, quaisquer que sejam M

e M 1 de F 1, fM ě fM 1 , ou fM ď fM 1 , donde, em qualquer caso, se x P MˆM

e x P M 1ˆM 1, teremos fMpxq “ fM 1pxq. Portanto, f é uma aplicação de S em

S 1. Se, agora, y e y 1 (y ‰ y 1) são dois elementos quaisquer de S 1 existirá, por

ser F1 totalmente ordenado, um conjunto M de F

1 contendo y e y 1, donde

y “ fMpxq e y 1 “ fMpx 1q (x e x 1 pertencentes a M ˆ M) e, portanto, x ‰ x 1,

pois fM é biunívoca. Mas fMpxq “ fpxq e fMpx 1q “ fpx 1q (x e x 1 pertencentes

a M ˆ M Ă S), portanto f é uma aplicação biunívoca de S “ S 1 ˆ S 1 sobre

S 1 ˆ E, donde f P G. Por outro lado, f é o extremo superior de G, pois S 1 é o

extremo superior de F1.

Portanto, pelo teorema de Zorn, existe, em G, uma aplicação maximal f˚

à qual corresponde o conjunto A˚ de F, isto é, f˚ é uma aplicação biunívoca

de A˚ ˆ A˚ sobre A˚, ou ainda:

A˚ „ A˚ ˆ A˚.

Mostremos que A˚ „ E. De fato, se A˚ E existiria, certamente, no

complemento CpA˚q de A˚ um conjunto infinito A 1 tal que A˚ „ A 1. 10

9Existem subconjuntos de E gozando dessa propriedade. Basta, por exemplo, que A seja

enumerável.10Com efeito, A˚ não tem potência superior à de CpA˚q, pois, do contrário, A˚ teria,

como se vê facilmente pelo lema (a), potência superior a E, o que é absurdo.

Page 12: Teorema de Zorn

12 EDISON FARAH

Pondo, então

H “`

A˚ Y A 1˘

ˆ`

A˚ Y A 1˘

““

pA˚ ˆ A˚q Y`

A˚ ˆ A 1˘‰

Y“`

A 1 ˆ A˚˘

Y`

A 1 ˆ A 1˘‰

e notando que os conjuntos (infinitos) A˚ˆA 1, A 1ˆA˚, A 1ˆA 1 não possuem,

dois a dois, elementos comuns e são equipotentes a A˚ ˆ A˚ „ A˚, viria, em

conseqüência do lema (a) aplicado duas vezes:

H1 “`

A˚ ˆ A 1˘

Y`

A 1 ˆ A˚˘

Y`

A 1 ˆ A 1˘

„ A˚ „ A 1.

Portanto, existe uma aplicação biunívoca f1 de H1 sobre A 1. Seja, então, f̄

aplicação de H “ pA˚ ˆA˚q YH1 sobre A˚ YA 1, definida do seguinte modo:

f̄pxq “ f˚pxq se x P A˚ ˆ A˚

f̄pxq “ f1pxq se x P H1.

Então f̄ será uma aplicação biunívoca de

H “`

A˚ Y A 1˘

ˆ`

A˚ Y A 1˘

sobre A˚ Y A 1

e f̄ ą f˚, o que é absurdo, pois f˚ é maximal.

Portanto devemos ter:

A˚ „ E.

Desta relação e de A˚ „ A˚ ˆ A˚ segue-se que

E „ E ˆ E,

como queríamos demonstrar.

17. Vejamos outra aplicação do teorema de Zorn.

Num espaço de Hilbert H (de caráter enumerável ou não) um sistema

ortonormal S se diz completo quando o conjunto C de todas as combinações

lineares dos elementos de S é totalmente denso em H (isto é, todo conjunto

aberto de H contém pelo menos um elemento de C). Demonstra-se que a

definição de sistema ortonormal completo como demos acima é equivalente

à de sistema ortonormal maximal, isto é, um sistema ortonormal que não é

subconjunto próprio de nenhum sistema ortonormal de H.

O teorema de Zorn (enunciado (E4)) nos permite afirmar que:

Num espaço de Hilbert H qualquer existe, sempre, pelo menos um sistema

ortonormal completo (isto é, maximal).

Basta, com efeito, considerar os subconjuntos finitos de H, tais que cada

um deles seja um sistema ortonormal. A propriedade P a que nos aludimos

no enunciado (E3), corresponde, aqui, à ortonormalidade.

Page 13: Teorema de Zorn

TEOREMA DE ZORN 13

Outras aplicações do teorema de Zorn o leitor encontrará, frequente-

mente, na álgebra (por exemplo, na demonstração da existência de ideal

maximal num anel com elemento unitário 11; de corpo real maximal entre

um corpo real dado e uma qualquer extensão algébrica desse corpo 12. No

livro “CONVERGENCE AND UNIFORMITY IN TOPOLOGY”, de John W. Tu-

key, o autor sugere várias aplicações do referido teorema.

İİİİİİİİİİ

11Ver, por exemplo, “ÉLÉMENTS DE MATHÉMATIQUE”, par N. Bourbaki (Livre II, Algè-

bre) pg. 128.12Encontra-se, por exemplo, em “A remark on method in transfinite algebra” (BULLETIN

OF THE AMERICAN MATHEMATICAL SOCIETY – Volume XLI, Number 10 – October, 1935),

by Max Zorn.