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VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X 945 TENSÕES E CONTRADIÇÕES NA POLÍTICA NACIONAL DE INCLUSÃO ESCOLAR: SOBRE A SECADI 1 GIOVANI FERREIRA BEZERRA 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL (UFMS/CPNV) RESUMO: A extinção da Secretaria de Educação Especial (Seesp) e o deslocamento de suas atribuições para uma diretoria da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) incita o revigoramento do debate sobre as políticas públicas no cenário educacional brasileiro, precipuamente quanto à inclusão escolar de pessoas com deficiência, ao sinalizar para um novo arranjo no Ministério da Educação. Refletir sobre o impacto de tal reestruturação ministerial nos rumos do projeto inclusivista de nosso país, tendo-se por base material uma sociedade capitalista, é, pois, o objetivo central deste trabalho, que, ao defender o atendimento das necessidades educacionais específicas apresentadas por alunos com deficiência ou outras singularidades, questiona a retórica do igualitarismo das “diferenças” e a intersetorialidade como garantia de inclusão. PALAVRAS-CHAVE: Políticas públicas. Educação Especial. Inclusão Escolar. INTRODUÇÃO Atualmente, no Brasil, percebo aumentar a tensão em torno da política educacional inclusiva encabeçada pelo Ministério da Educação (MEC) 3 , alvo de críticas por significativa parcela de 1 Este artigo retoma, atualiza, acrescenta e, em alguns aspectos, sintetiza informações e análises que apresentei, juntamente com Araujo, em outro trabalho, já aprovado para publicação, na Revista Brasileira de Educação (RBE). Nesse trabalho, pontuamos aspectos históricos sobre os meandros político-legais da Educação Especial no Brasil, desde a década de 1970, por meio de analogias com mitos gregos, bem como explicitamos as constantes alterações na estrutura ministerial quanto ao órgão responsável por essa modalidade educacional, ao longo do tempo. Por ora, em virtude da própria delimitação espacial, restrinjo-me às mudanças mais recentes nessa área, apresentando um novo artigo. Sendo assim, considero que o presente texto pode ser lido de forma complementar e, sobretudo, mais atualizada em relação àquele que ainda será lançado pela RBE (Cf. BEZERRA; ARAUJO, 2013, no prelo). 2 Professor-assistente na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Naviraí (UFMS/CPNV). Mestre em Educação. Contato: Rodovia MS 141, Km 04, Saída para Ivinhema, Cx Postal 103, CEP 79950.000 Naviraí MS. E-mail: [email protected] 3 Essa tensão a que me refiro parece agravar-se ainda mais com a promulgação do decreto n° 7.611, de 17 de novembro de 2011, que, embora não seja objeto deste texto, tem suscitado, desde seu lançamento, debates calorosos no país. Segundo analistas, tal decreto traz a prerrogativa de se aceitarem matrículas de alunos com deficiência apenas em escolas ou instituições especiais; contrariando, assim, as orientações afirmadas pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva , lançada em janeiro de 2008, pela qual a educação especial passa a ser entendida como um conjunto de serviços educacionais complementares e/ou suplementares, mas não substitutivos, ao ensino regular. Diante disso, o decreto vem sendo objeto de discussão no meio acadêmico, jurídico e mesmo na imprensa pedagógica. O MEC, todavia, em nota técnica,

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VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X

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TENSÕES E CONTRADIÇÕES NA POLÍTICA NACIONAL DE INCLUSÃO

ESCOLAR: SOBRE A SECADI1

GIOVANI FERREIRA BEZERRA2

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL (UFMS/CPNV)

RESUMO: A extinção da Secretaria de Educação Especial (Seesp) e o deslocamento de suas

atribuições para uma diretoria da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,

Diversidade e Inclusão (Secadi) incita o revigoramento do debate sobre as políticas públicas

no cenário educacional brasileiro, precipuamente quanto à inclusão escolar de pessoas com

deficiência, ao sinalizar para um novo arranjo no Ministério da Educação. Refletir sobre o

impacto de tal reestruturação ministerial nos rumos do projeto inclusivista de nosso país,

tendo-se por base material uma sociedade capitalista, é, pois, o objetivo central deste trabalho,

que, ao defender o atendimento das necessidades educacionais específicas apresentadas por

alunos com deficiência ou outras singularidades, questiona a retórica do igualitarismo das

“diferenças” e a intersetorialidade como garantia de inclusão.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas públicas. Educação Especial. Inclusão Escolar.

INTRODUÇÃO

Atualmente, no Brasil, percebo aumentar a tensão em torno da política educacional inclusiva

encabeçada pelo Ministério da Educação (MEC)3, alvo de críticas por significativa parcela de

1 Este artigo retoma, atualiza, acrescenta e, em alguns aspectos, sintetiza informações e análises que apresentei,

juntamente com Araujo, em outro trabalho, já aprovado para publicação, na Revista Brasileira de Educação

(RBE). Nesse trabalho, pontuamos aspectos históricos sobre os meandros político-legais da Educação Especial

no Brasil, desde a década de 1970, por meio de analogias com mitos gregos, bem como explicitamos as

constantes alterações na estrutura ministerial quanto ao órgão responsável por essa modalidade educacional, ao

longo do tempo. Por ora, em virtude da própria delimitação espacial, restrinjo-me às mudanças mais recentes

nessa área, apresentando um novo artigo. Sendo assim, considero que o presente texto pode ser lido de forma

complementar e, sobretudo, mais atualizada em relação àquele que ainda será lançado pela RBE (Cf.

BEZERRA; ARAUJO, 2013, no prelo).

2 Professor-assistente na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Naviraí (UFMS/CPNV).

Mestre em Educação. Contato: Rodovia MS 141, Km 04, Saída para Ivinhema, Cx Postal 103,

CEP 79950.000 Naviraí – MS. E-mail: [email protected]

3 Essa tensão a que me refiro parece agravar-se ainda mais com a promulgação do decreto n° 7.611, de 17 de

novembro de 2011, que, embora não seja objeto deste texto, tem suscitado, desde seu lançamento, debates

calorosos no país. Segundo analistas, tal decreto traz a prerrogativa de se aceitarem matrículas de alunos com

deficiência apenas em escolas ou instituições especiais; contrariando, assim, as orientações afirmadas pela

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, lançada em janeiro de 2008,

pela qual a educação especial passa a ser entendida como um conjunto de serviços educacionais complementares

e/ou suplementares, mas não substitutivos, ao ensino regular. Diante disso, o decreto vem sendo objeto de

discussão no meio acadêmico, jurídico e mesmo na imprensa pedagógica. O MEC, todavia, em nota técnica,

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educadores e estudiosos da inclusão escolar, como atesta, por exemplo, o Manifesto da

Comunidade Acadêmica pela Revisão da Política Nacional de Educação Inclusiva, divulgado

em 2011. Nesse cenário conturbado, em que ainda se opõem, de um lado, “[...] discursos em

defesa „ampla, geral e irrestrita‟ da educação inclusiva [...]” (GLAT; PLETSCH, 2011, p. 26)

e, de outro, o posicionamento que recomenda “[...] cautela na instituição radical de uma

política de inclusão escolar que não ofereça a opção de serviços especializados substitutivos

(escolas e/ou classes especiais) para os alunos que, no momento, ainda deles necessitarem”

(GLAT; PLETSCH, 2011, p. 26), entendo que seja imprescindível provocar uma reflexão

acerca das últimas ações do MEC.

Há algum tempo, o ministério promoveu a extinção da antiga Secretaria de Educação Especial

(Seesp) e introduziu os assuntos de sua competência na estrutura da Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), perante o Decreto presidencial nº

7.480, de 16 de maio de 2011. A designada Secadi surgiu, por sua vez, da reestruturação

realizada na ex-Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), à

qual se “acrescentou” o eixo da inclusão (BRASIL, 2011a). Posteriormente, esse decreto foi

revogado, passando vigorar o decreto n.º 7.690, de 2 de março de 2012, com discretas

alterações na composição da recém-criada Secadi. Em linhas gerais, segundo divulga o

próprio Ministério da Educação, em sua página na internet, pode-se dizer que:

A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

(SECADI) em articulação com os sistemas de ensino implementa políticas

educacionais nas áreas de alfabetização e educação de jovens e adultos, educação

ambiental, educação em direitos humanos, educação especial, do campo, escolar

indígena, quilombola e educação para as relações étnico-raciais. O objetivo da

SECADI é contribuir para o desenvolvimento inclusivo dos sistemas de ensino,

voltado a [sic] valorização das diferenças e da diversidade, a [sic] promoção da

educação inclusiva, dos direitos humanos e da sustentabilidade sócio-ambiental

visando a [sic] efetivação de políticas públicas transversais e interssetoriais [sic]

(SECRETARIA..., 2012, s.p., grifo meu).

Diante do exposto, o escopo deste artigo é refletir, mesmo que de forma breve, sobre

possíveis repercussões dessa reestruturação administrativa realizada no MEC para os

(re)encaminhamentos da educação especial e inclusiva. Toma-se por base o agravamento das

contradições concernentes às políticas públicas ultimamente delineadas pelo governo federal,

cujo caráter pretensamente inclusivo, agregando uma diversidade cada vez maior de

“excluídos”, discriminados ou desassistidos, como sugerem, por exemplo, as variadas

atribuições da Secadi, opõe-se à base material capitalista de nosso país. Nessas circunstâncias,

a ruptura com o panorama político vigente, caracterizado por medidas lenitivas de inclusão e

valorização idealizada das “diferenças”, sob apelos pseudodemocráticos, enseja o debate

alega não ter havido qualquer retrocesso ou alteração significativa em relação à citada política, mantendo-se

assegurado o direito de todos à participação em um sistema educacional inclusivo. Diante do impasse

ultrarrecente, aguardam-se análises mais abrangentes sobre o assunto (Cf. BRASIL, 2011b; GONZAGA, 2011;

NOTA..., 2011; NOZU; BRUNO, 2012; SANTOMAURO, 2012).

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contra-hegemônico sobre o modelo inclusivo oficial, doravante referendado por políticas

intersetoriais. As proposições advindas desse debate têm importante papel a assumir como

catalisadoras de transformações substanciais na gestão pública, para além da simples

intersetorialidade, haja vista que esta ainda permanece muito aquém da apreensão totalizante

e inter-relacionada do fenômeno educativo, vale dizer, de seu entendimento como rica síntese

de múltiplas determinações.

Meandros político-pedagógicos da inclusão escolar e algumas notas sobre a Secadi

Em 2008, foi lançada, pelo governo federal, a Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI). Esta, pelo menos em tese, eliminou a

possibilidade de se matricular alunos com deficiência, altas habilidades ou transtornos

globais do desenvolvimento em escolas ou classes especiais, de forma substitutiva à escola

comum. A nova política materializou, por assim dizer, a vitória decretada do “paradigma

inclusivista”, ao passo em que institui uma discursividade consensual, neutralizando as

ambiguidades na interpretação jurídica dos dispositivos legais concernentes à promoção da

escola inclusiva (BRASIL, 2008b).

A PNEEPEI ressignificou o próprio conceito de educação especial, cuja responsabilidade

precípua passou a ser a de organizar, fomentar e apoiar a oferta, no contraturno, do

Atendimento Educacional Especializado (AEE) aos os alunos supracitados, em caráter

complementar e/ou suplementar à sua frequência na sala de aula comum. Passou-se a admitir,

como locus desse AEE, tanto as antigas escolas especiais, redefinidas, porém, como centros

educacionais especializados em deficiência, devidamente conveniados aos sistemas de ensino,

quanto as escolas públicas. Nesse último caso, a realização do AEE é viabilizada em salas de

recursos multifuncionais, instaladas na própria escola onde está matriculado o aluno que dela

necessitar, ou, então, disponíveis em outra escola pública da rede regular de ensino (BRASIL,

2008a4, 2009, 2011b; FÁVERO; PANTOJA; MANTOAN, 2007). Não obstante os avanços

relacionados ao reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência, especificamente

quanto à sua prerrogativa de ter acesso à educação não segregada, sem óbices legais, pode-se

dizer que a implementação da PNEEPEI pelo MEC continuou suscitando muitas críticas e

contradições, na medida em que se impingiu “[...] aos sistemas [escolares] uma diretriz

política não consensual, fundamentada no princípio da inclusão total” (MANIFESTO..., 2011,

s.p. grifo nosso).

Tais contradições, ontológicas, tornam-se mais claramente explicáveis quando percebidas no

bojo de políticas públicas estruturadas sob o modo de produção capitalista. Com efeito, nota-

4 O decreto n°. 6.571/2008, que dispunha sobre o Atendimento Educacional Especializado, em consonância com

a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, lançada em janeiro de 2008,

foi revogado pelo decreto n°. 7.611/2011. Esse é um dos motivos que têm gerado inquietação entre defensores da

inclusão total. Não obstante, no que tange à revogação, o MEC alega “[...] que esta medida se deu em razão de

que todo seu conteúdo foi incorporado pelo Decreto n°. 7.611/2011 [...]” (NOTA..., 2011, s.p.).

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se a objetivação de medidas inclusivas paliativas e focais, que não questionam a estrutura

socioeconômica excludente; antes, corroboram para reproduzir, de maneira tácita, a lógica de

que se nutre o capital. Daí ser possível afirmar que “É próprio dessa lógica de exclusão a

inclusão. A sociedade capitalista desenraíza, exclui, para incluir de outro modo, segundo

suas próprias regras, segundo sua própria lógica” (MARTINS, 2009, p. 32, grifos do autor).

Na direção do exposto, é oportuno perquirir sobre o sentido da proposta inclusiva, que, como

fenômeno educacional, não está alijada, nem ocorre independentemente, das contradições e

mediações sociais mais amplas da base produtiva. Vale, pois, considerar “[...] em que medida

as políticas públicas denominadas inclusivas garantem o acesso à escolarização, uma vez que

estamos inseridos numa forma de organização econômica, cultural e social excludente”

(FREITAS, 2011, p. 221). E, dessa forma, cabe também esta indagação: “Estamos tratando da

inclusão de indivíduos excluídos do sistema escolar por apresentarem necessidades

específicas de aprendizagem ou estamos tratando de políticas sociais que tentam combater a

exclusão social por meio da inclusão escolar?” (MELO; LIRA; FACION 2009, p. 61).

Na esteira dessas considerações, é possível inferir que a inclusão escolar de pessoas com

deficiência, na direção que lhe dá o poder público e as diretrizes internacionais, tem sido mais

uma resposta às necessidades de se forjar consensos e mitigar tensões sociais em torno do

atual modelo societário - para serem mantidas as condições de acumulação e reprodução

capitalista - do que componente revolucionário, questionador da ordem vigente. No que tange

aos pressupostos subjacentes às proposições inclusivistas, percebe-se que “[...] tal discurso se

constitui em uma narrativa que, ao ser incorporada pelo campo educacional, pode ser

considerada como „ideologia da inclusão‟” (CORREIA apud MICHELS, 2011, p. 221).

Na contramão de uma perspectiva totalizante, o discurso inclusivista hegemônico tende a

limitar o debate educacional às implicações decorrentes do ingresso de alunos com

deficiências às escolas regulares. Isso é feito tomando-se como pano de fundo a concepção de

escola redentora, no sentido de que “[...] a educação volta novamente a ser encarada como

capaz de produzir a superação da exclusão social”. (DUARTE, 2001, p. 142). Nessas

condições, a escola inclusiva é interpretada como se tivesse, per se, poderes taumatúrgicos

para enfrentar a realidade nacional contraditória e conflituosa que a condiciona. Apela-se

mesmo à idealização, que produz a negação da objetividade da deficiência. Afinal, entende-se

que ser “diferente” é normal. Consequentemente, a própria deficiência e as demais

singularidades humanas se reduzem a diferenças para serem celebradas, a um “slogan”

politicamente correto; ou, até mesmo, a um “privilégio”, comemorado como nova forma de

“riqueza (multi)cultural”. Nessa ordem das ideias, entende-se que:

Escola inclusiva é uma escola onde se celebra a diversidade, encarando-a como

uma riqueza e não como algo a evitar, em que as complementaridades das

características de cada um permitem avançar, em vez de serem vistas como

ameaçadoras, como um perigo que põe em risco a nossa própria integridade, apenas

porque ela é culturalmente diversa da do outro, que temos como parceiro social

(CÉSAR apud SANCHES; TEODORO, 2006, p. 70, grifos meus).

O resultado de semelhante mistificação ideológica tem sido a defesa do igualitarismo

abstrato, que, paradoxalmente, e já no ponto de partida, considera todos iguais na diferença.

Chega-se a dizer literalmente que “Todos se igualam pelas suas diferenças” (ROPOLI et al.,

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2010, p. 8, grifo nosso). Ora, estando todos “iguais”, não há perspectiva de ação

revolucionária para superação das limitações individuais impostas pelas deficiências,

tampouco da sociedade de classes, a qual não só alimenta as desigualdades existentes como

gera constantemente novas formas de exclusão, ao celebrar – e manter – as “diferenças”; sem

desencadear, de fato, respostas educativas adequadas e bem-estruturadas para fazer frente às

demandas peculiares dos estudantes com deficiência ou quaisquer outras singularidades. Com

o igualitarismo, apesar de ser isto paradoxal, todos são reconhecidos e homogeneizados como

sujeitos “singulares” que apresentam “necessidades especiais”. Consoante essa lógica, as

“diferenças” e necessidades individuais são naturalizadas, enaltecidas nas construções

discursivas pós-modernas; porém, negligenciadas na realidade objetiva. O excerto seguinte é

bastante ilustrativo a esse respeito, porquanto se compreende que

A retórica do igualitarismo, quando este não se vê dentro de uma perspectiva das

nossas necessidades, das diferenças significativas que alguns de nós possuem,

embora possa encantar e seduzir aqueles menos preparados, não passa disso mesmo:

uma discussão palavrosa, pobre de ideias. Ao pretendermos fazer crer que todos

temos necessidades educativas especiais, no que toca à educação, isto simplesmente

quererá dizer que nenhuma criança tem realmente necessidades educativas especiais.

Ou não será assim? E, se assim for, então todas elas terão o mesmo sucesso escolar,

serão capazes de fazer as mesmas coisas, de resolver os mesmos problemas e por aí

afora (CORREIA, 2006, p. 241).

Com base nas proposições apontadas, penso que essa igualdade idealizada, no ponto de

partida, tem de ser analisada com mais cuidado. A apreensão justifica-se porque tal

posicionamento pode escamotear as reais necessidades dos alunos com deficiência,

supostamente autossolucionadas na simples convivência e interação com o outro; na

exacerbação da sensibilidade de educadores e educandos dispostos a vivenciarem o

encantamento da inclusão, entendida como “nossa capacidade de entender e reconhecer o

outro e, assim, ter o privilégio de conviver e compartilhar com pessoas diferentes de nós”

(MANTOAN, 2005, p. 24). Tal igualitarismo revela-se, então, pseudodemocrático, porque se

concebe a existência, em termos formais, de uma suposta uma igualdade jurídico-social,

quando não cognitiva, para todos os educandos que chegam à escola inclusiva, considerada,

do ponto de vista do senso comum educacional, como um espaço harmônico, democrático e

equânime.

Nesse ponto, é preciso esclarecer que não endosso uma proposta reacionária ou

preconceituosa, na contramão da história, advogando a escolarização de pessoas com

deficiência em instituições segregadas. Em outras palavras, “Não reivindicamos escolas

públicas organizadas de forma diferenciada, com procedimentos pedagógicos e

metodológicos distintos, visando ao atendimento de clientelas desiguais, para se caminhar no

sentido de se manter, acrescentar ou isolar as diferenças” (SANFELICE, 1989, p. 34). Na

direção apontada, também concordo com o mesmo autor, quando este, ao considerar a

incorporação dos “deficientes mentais” nas escolas públicas comuns, podendo-se generalizar

suas formulações para a inclusão escolar de alunos com outras deficiências, cita que: Nossa posição, portanto, não é de discriminação da clientela „deficientes mentais‟ do

âmbito da educação formal pela não aceitação dela no seu interior ou por uma

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fictícia aceitação, em suposta condição de igualdade e que é apenas formalmente

democrática, mas de fato discriminadora.

A nossa posição é de defesa de uma efetiva democratização da oportunidade de

acesso à educação formal por parte dessa clientela, assumindo a escola a

necessidade de cumprir sua especificidade a partir das características reveladas por

essa mesma clientela (SANFELICE, 1989, p. 36).

Com base no exposto, depreende-se que, ao se ter como princípio fundante o igualiarismo das

diferenças, a “escola inclusiva”, tal como ainda hoje está erigida em nosso país, desconsidera

que a prática pedagógica, em relação às pessoas com deficiência, detém uma especificidade

teórico-metodológica concreta. Em vez disso, dá-se a entender que tudo pode ser resolvido

apenas com aceitação e voluntarismo, segundo um discurso que eleva a diversidade à

condição de fetiche pedagógico. Não basta, pois, somente reconhecer que há um curso

diferenciado no desenvolvimento ontogenético, ou se preocupar com as singularidades desse

desenvolvimento apenas nos momentos reservados ao AEE, assim deslocado, no tempo e no

espaço, da sala de aula comum. Há que se objetivar uma proposta educacional coerente,

abrangendo todas as situações educacionais vivenciadas pelos estudantes, a fim de que se

vislumbre, com o desenrolar do processo pedagógico, uma prática democrática.

Tem se verificado, no entanto, a apologia do humano como parte, fragmento e diferença, em

um mosaico de diversidades agrupadas por justaposição, na escola e na sociedade como um

todo, sem que sejam consideradas as reais condições de aprendizagem dos estudantes, pois,

idealisticamente, todos teriam, agora, as mesmas oportunidades educacionais e materiais.

Nessas circunstâncias, a referência às lutas de classe, vistas como algo já superado pela

concepção pós-moderna, que plasma o movimento inclusivista, é sistematicamente

abandonada. No limite, dá-se ensejo para fragmentação das lutas sociais diante do imperativo

de políticas focais, mais facilmente digeridas pela racionalidade econômica vigorante e pela

governabilidade baseada em concessões paliativas; inócuas, todavia, para a transformação da

sociedade de mercado estabelecida. Destarte, “O que ocorre, entretanto, sob o manto da

universalidade das diferenças sem nenhuma mudança nos modelos políticos organizacionais

vigentes, é que se estruturam práticas de políticas públicas inclusivas de maneira isolada da

realidade objetiva da exclusão social em nosso país” (PADILHA; CAIADO, 2010, p. 114).

As alterações ultrarrecentes na estrutura ministerial do MEC herdam esse contexto e nele se

realizam. Com efeito, o decreto nº 7.480, de 16 de maio de 2011, substituído pelo decreto n°.

7.690, de 2 de março de 2012, traz à tona justamente o descompasso estrutural entre a

proposta de uma política pública inclusiva e a realidade objetiva da exclusão

social/educacional manifesta em nosso país. Sem fomentar amplo debate, promove-se, no

interior desse ministério, por força de decreto, o fechamento da Seesp e a diluição de seus

encargos na Secadi; apesar de ainda existirem muitas dúvidas operacionais quanto aos rumos

da inclusão escolar de pessoas com deficiência, suscitadas ou não suficientemente

esclarecidas pela própria política nacional de educação especial na perspectiva inclusiva.

Mesmo depois de uma década de intensos debates sobre a constituição da escola inclusiva,

haja vista o tema ganhar foros de política pública nacional, sobretudo a partir de 20015, alguns

5 O ano de 2001 pode ser considerado, em termos de política pública, um expressivo marco referente à

oficialização da escola inclusiva no Brasil, mediante a resolução n° 2, de 11 de setembro de 2001, que institui as

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questionamentos permanecem em evidência, como: a problemática das interfaces ainda não

satisfatoriamente estabelecidas entre sala de aula comum e sala de recursos multifuncionais

ou entre a sala de aula comum e as instituições especializadas que prestam o AEE; as lacunas

não resolvidas entre a formação especializada e a formação generalista dos professores, diante

da necessidade de ambos atuarem em contextos ditos inclusivos, de forma “articulada”; a

legitimidade de se admitirem ou não flexibilizações curriculares e até que ponto isso seria

adequado para alunos com deficiência; as dúvidas acerca das melhores opções de oferta do

AEE, isto é, se em espaços multifuncionais nas escolas ou centros especializados, bem como

sobre o formato desse atendimento; entre outras indagações deixadas em aberto até a

atualidade. A esse respeito, em 2009, já se alertava para o fato de que:

Considerada a complexidade do problema inerente a essa modalidade [a educação

especial] [...], será necessário instituir um espaço específico para cuidar da formação

de professores para essa modalidade de ensino. Do contrário essa área continuará

desguarnecida e de nada adiantarão as reiteradas proclamações referentes às virtudes

da educação inclusiva que povoam os documentos oficiais e boa parte da literatura

educacional nos dias de hoje (SAVIANI, 2009, p. 153).

Nesses termos, entendo que o fim da Seesp explicita algumas contradições, no sentido de que

demandas muito específicas no campo da educação especial sequer foram superadas. Sob o

comando da Secadi, há o risco de se tratar a inclusão escolar de alunos com deficiência cada

vez mais pelo viés da demagogia liberal e da pedagogia “multiculturalista”; isso com o

abandono das discussões mais concretas sobre a educação especial, na medida em que se

priorizam os motes genéricos e homogeneizantes da diversidade e da inclusão. Diante desse

quadro político, a ênfase em princípios inclusivistas põe em xeque a legitimidade da educação

especial, posto ficar secundarizada na pauta do ministério. Por conseguinte, o debate

entusiasmado, fomentado pelo próprio governo, ao longo dos anos 90 e começo dos anos

2000, sobre as eventuais possibilidades democratizantes da escola para todos, parece

arrefecer-se na transição da primeira para a segunda década deste século; na proporção em

que o apelo pela educação inclusiva tem promovido “[...] o esvaziamento da atuação

pedagógica especializada com os alunos em processo de inclusão” (BEYER, 2010, p. 38),

circunstância que tende a agravar-se com a nova estrutura funcional da Secadi.

O fechamento da Seesp, efetivado como uma decisão técnica da equipe de governo, sugere a

intensificação dessa crise em torno da educação especial, cada vez mais negada enquanto

campo de conhecimentos teórico-prático fundamental para mediar os encaminhamentos da

inclusão escolar. Desse panorama, ponderações críticas ganham maior evidência no debate

educacional, uma vez que, de fato, “Encontramo-nos num momento de encruzilhada

paradigmática na educação especial. [...]. Hoje, a educação especial, como área (ou subárea?)

de conhecimento, teórica e aplicada, encontra-se num verdadeiro processo de crise de

identidade (e de continuidade?)” (BEYER, 2010, p. 5). No interior da nova secretaria, a

diretrizes nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001), não obstante esta ainda

tivesse um caráter integracionista.

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Secadi, observa-se um mosaico de temas e interesses diversos, de tal forma que não é preciso

esforço para perceber o caráter difuso que deverá marcar sua atuação, haja vista a amplitude

dos trabalhos e demandas a serem atendidas. Há, inclusive, o aumento da fragmentação

político-administrativa em um número considerável de diretorias. Basta observar que, de

início, o decreto n°. 7.480/2011 previu quatro diretorias para essa pasta, a saber: 1. Diretoria

de Políticas para a Educação do Campo e Diversidade; 2. Diretoria de Políticas de

Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos; 3. Diretoria de Políticas de Direitos Humanos

e Cidadania; 4. Diretoria de Políticas de Educação Especial.

Posteriormente, o decreto n° 7.688, de 2 de março de 2012, acrescentou à Secadi a Diretoria

de Políticas de Educação para a Juventude (BRASIL, 2012a). Na mesma data, o decreto que

implatara a Secadi foi revogado, e passou a vigorar o decreto de n° 7.690/2012 (BRASIL,

2012b), já incorporando as mudanças introduzidas pelo decreto n° 7.688. No geral, porém, as

alterações foram mínimas para a Secadi, estabilizando-se esta estrutura regimental: 1.

Diretoria de Políticas de Educação do Campo, Indígena, e para as relações étnico-raciais; 2.

Diretoria de Políticas de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos; 3. Diretoria de

Políticas de Educação em Direitos Humanos e Cidadania; 4. Diretoria de Políticas de

Educação Especial; 5. Diretoria de Políticas de Educação para a Juventude. Como dispõe o

artigo 20 do decreto em vigência, o 7.690/2012, compete à Secadi:

I - planejar, orientar e coordenar, em articulação com os sistemas de ensino, a

implementação de políticas para a alfabetização, a educação de jovens e adultos, a

educação do campo, a educação escolar indígena, a educação em áreas

remanescentes de quilombos, a educação em direitos humanos, a educação

ambiental e a educação especial; II- implementar ações de cooperação técnica e

financeira entre a União, Estados, Municípios, Distrito Federal, e organismos

nacionais e internacionais, voltadas à alfabetização e educação de jovens e adultos,

a educação do campo, a educação escolar indígena, a educação em áreas

remanescentes de quilombos, a educação em direitos humanos, a educação

ambiental e a educação especial; III - coordenar ações transversais de educação

continuada, alfabetização, diversidade, direitos humanos, educação inclusiva e

educação ambiental, visando à efetivação de políticas públicas de que trata esta

Secretaria, em todos os níveis, etapas e modalidades; e IV - apoiar o

desenvolvimento de ações de educação continuada, alfabetização, diversidade,

direitos humanos, educação inclusiva e educação ambiental, visando à efetivação de

políticas públicas intersetoriais (BRASIL, 2012b, s.p.).

Pergunto-me se é possível construir, efetivamente, como arrolado acima, “políticas públicas

intersetoriais”, considerando-se a estrutura organizacional assumida pela Secadi; ou, se, ao

contrário, estamos apenas diante de um eufemismo para escamotear a justaposição apressada

de temáticas diversas, cujos apelos específicos ainda não foram sequer superados

historicamente, em suas especificidades. Poder-se-ia objetar, contudo, que essa tentativa de

articulação entre diversos campos político-educacionais não é, em princípio, indesejável.

Antes, a “intersetorialidade”, no jargão das políticas públicas - ou, no plano do conhecimento,

a interdisciplinaridade – supostamente vislumbrada com a Secadi representaria uma dimensão

teleológica a ser perseguida, pois a própria dinâmica da educação reclama a unidade do

diverso, a totalidade formativa, em oposição à unilateralidade, à parcialidade e à

fragmentação.

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Todavia, pode-se contestar esse argumento, na medida em que as mudanças recentes no MEC

obedecem mais à conveniência financeira e administrativa, “[...] sem nenhuma mudança nos

modelos políticos organizacionais vigentes [...]” (PADILHA; CAIADO, 2010, p. 114), do que

se pautam pela unidade de ação propriamente dita. Nessa linha de raciocínio, se pensarmos

sobre a interdisciplinaridade do conhecimento, princípio que tem se insinuado também na

gestão pública, traduzido em termos de intersetorialidade, as considerações abaixo medeiam,

pelo recurso da analogia, um entendimento desmistificado sobre as tais “políticas públicas

intersetoriais”. Para tanto, é preciso entender que a interdisciplinaridade

[...] nada mais é do que a inter-relação entre conteúdos fragmentados, sem superar

os limites da divisão e organização segundo os princípios da lógica formal. Ou seja,

uma „juntada‟ de partes sem que signifique uma nova totalidade, ou mesmo o

conhecimento da totalidade com sua rica teia de inter-relações; ou ainda, uma

racionalização formalista com fins instrumentais e pragmáticos calcada no

princípio positivista da soma das partes (KUENZER apud KUENZER, 2005, p. 88.

(grifo meu).

À luz dessas ponderações, com o fim da Seesp e a subsunção de suas funções no complexo

intrincado da Secadi, assiste-se ao entrecruzamento de projetos ambíguos e demasiadamente

vastos para soluções integradas no presente momento, porquanto na Secadi prevalece, ainda, a

lógica positivista da setorização política, caracterizada pela “juntada de partes”, para me

expressar conforme os dizeres supramencionados de Kuezer (2005). Em vez do todo

orgânico, intensifica-se o pragmatismo gerencial, que continua a lidar com o trabalho

parcelado. Em outras palavras, a dita intersetorialidade significa exatamente um “diálogo”

entre setores que, em última instância, continuam isolados, independentes e autônomos.

Nesses termos, quando se considera a atual estrutura administrativa da Secadi, “[...] nada

indica que a referência seja a totalidade do sistema ou ao seu núcleo essencial” (GRAMSCI,

1995, p. 36). O todo, aqui, é mais a soma do que a interação recíproca entre as partes.

Ademais, essa complexidade, assim dividida em diretorias e subpastas, já não é mais

complexidade, senão simplificação do problema em fatias isoladas ou pouco inter-

relacionadas, deslocadas umas das outras. Fica a interrogação: Como será possível à Secadi

dirimir, sem uma alteração radical nos direcionamentos políticos do MEC, as questões

indígenas, a alfabetização, a educação de jovens e adultos, a educação do campo, a educação

especial, a educação ambiental, a educação quilombola, a educação em direitos humanos, e

toda a sorte de mais “diversidades” que se lhe acrescentem, senão pela via da fragmentação

disciplinar e mecânica, mantendo-se os pressupostos da lógica formal?

Apercebendo-se dessas nuanças arriscadas e ambíguas nos rumos tomados pela questão,

parcela considerável da comunidade acadêmica especializada expôs publicamente os receios

frente a essas últimas medidas, logo após a divulgação do fechamento da Seesp, em 2011,

quando ainda estava em vigência o decreto de n°. 7.480. Foi organizado um manifesto,

pedindo a revisão da política nacional de educação inclusiva. No documento, os redatores

relatam o distanciamento progressivo da Seesp, a partir de meados dos anos 2000, no tocante

à observância dos estudos e pesquisas desenvolvidos na área da inclusão. Disso, teria

resultado a emergência gradual de uma postura autoritarista, pela qual as diretrizes políticas

da Seesp/MEC foram se tornando “[...] um empreendimento cada vez menos conduzido de

forma coletiva e democrática, produzindo resultados que muito têm preocupado à comunidade

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acadêmica no país” (MANIFESTO..., 2011, n.p.). No texto, questionam também se, diante

dos “[...] problemas crônicos da educação de crianças e jovens com necessidades educacionais

especiais [...] esta medida [a extinção da Seesp com o deslocamento de suas funções para a

Secadi] trará algum benefício para esta parcela da população brasileira, além da possibilidade

de contenção de gastos para o atual governo” (MANIFESTO..., 2011, n.p., grifo nosso).6

Considerações Finais

Não se trata, porém, de alardear pessimismo fatalista, nem partidarismo corporativista em

relação à educação especial, mas de objetivar a crítica ao ecletismo que invade a Secadi, sem

notar-se um eixo, uma concepção filosófico-educacional que lhe dê a devida unidade em

torno dos múltiplos apelos suscitados. Na realidade, trata-se de alertar para o modo como se

pretende (re)conduzir as políticas educacionais no Brasil, sob os auspícios da Secadi, caso se

pretenda tomar como diretriz norteadora a democratização da escola pública e o efetivo

atendimento às necessidades educacionais apresentadas pelos alunos com deficiência ou

outras singularidades. Dessa perspectiva, “[...] no caso do aluno com NEE7, para além

discurso eminentemente social, que traz consigo o respeito por seus direitos, condição

inequívoca em uma sociedade democrática, haverá também a considerar o tipo de respostas

educativas que serão as mais adequadas às suas características e necessidades” (CORREIA,

2006, p. 256). Logo, sinaliza esse autor para a possibilidade de se pensar em pontos de partida

relativamente distintos e mais individualizados, no interior da escola comum inclusiva; para,

em decorrência do trabalho pedagógico realizado com “[...] qualidade, estruturação e

eficiência, atributos sem os quais não é possível dar resposta às necessidades educativas dos

alunos com NEE”, vislumbrar-se, mediatamente, “[...] o sucesso do aluno [com NEE] em

todas as vertentes, acadêmica, socioemocional e pessoal” (CORREIA, 2006, p. 265, 267).

Ressalto, contudo, que isso não resultará apenas de ações docentes esparsas e voluntaristas,

por mais bem-intencionadas que se coloquem. Para se ir além do cenário apresentado, é

fundamental, de imediato, não prescindir das múltiplas discussões a respeito do assunto,

resgatando-se para o campo político o “[...] pressuposto de que uma política tenha que ser um

processo de construção coletiva [...]” (MANIFESTO..., 2011, s.p.). Talvez este seja um passo

bastante elementar, mas irrenunciável, para que se recupere progressivamente, no âmago da

esfera governamental, o equilíbrio entre teorizar e agir inclusivamente; entre o discurso

grandiloquente que inclui e as políticas que objetivamente põem em risco a continuidade das

ações necessárias para esse fim. Políticas caracterizadas, ainda, pela justaposição de

reivindicações artificial e confusamente agregadas, sem rupturas significativas com a

setorização administrativa, o que, a despeito do discurso em prol de ações intersetoriais e

6 Entendo que o fechamento da Seesp se relaciona, em termos político-econômicos, ao intuito governamental de

realizar reformas políticas para enxugamento da máquina pública e contenção de gastos, haja vista o atual

contexto de crise econômica estrutural e a hegemonia do pragmatismo neoliberal, que tem caracterizado a gestão

pública no Brasil.

7 Necessidades educacionais especiais.

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