tensão na soteriologia paulina

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TENSÃO NA SOTERIOLOGIA PAULINA por Eldo Carlos de Azevedo Lima Resenha apresentada em cumprimento às exigências da disciplina Novo Testamento do curso Mestrado em Teologia 0

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Page 1: Tensão na soteriologia paulina

TENSÃO NA SOTERIOLOGIA PAULINA

por

Eldo Carlos de Azevedo Lima

Resenha apresentada em cumprimento às exigências da disciplina Novo

Testamento do curso Mestrado em Teologia

INSTITUTO BÍBLICO EBENÉZER2004

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Page 2: Tensão na soteriologia paulina

TENSÃO NA SOTERIOLOGIA PAULINA

STUHLMACHER, Peter; HAGNER, Donald A.Lei e Graça em Paulo.São Paulo:Ed.Vida

Nova, 2002.126 p.

As Escrituras Sagradas são claras ao afirmarem que: “justificados pela fé,

temos paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” Rm 5.1 . Infelizmente, alguns

estudiosos têm surgido propondo que o apóstolo Paulo não dá realmente primazia para a

questão da justificação dos crentes, judeus ou gentios, como os cristãos têm crido ao longo de

sua tradição histórico-teológica. Frente a esta “nova perspectiva de Paulo”, Peter

Stuhlmacher, professor emérito da Universidade de Tübingen, na Alemanha, e Donald A.

Hagner, professor de Novo Testamento no Fuller Theological Seminary, nos Estados Unidos,

prestigiam o meio evangélico com um manuscrito que não poderia ter chegado em melhor

hora. Paulo, o judeu convertido, fariseu, aluno de Gamaliel, tinha domínio das Escrituras

hebraica e grega e da tradição de fé do judaísmo primitivo. Sua mensagem da justificação dos

ímpios trazia Abraão como nosso pai, sendo o primeiro a acreditar no Deus único que justifica

o ímpio e cuja fé lhe é impetrada para justiça.

Segundo Peter Stuhlmacher, a justificação é um ato de julgamento do fim dos

tempos, pois esta é a visão veterotestamentária judaica (Zc 14; Jl 3; Ml 4; Is 24-27, etc). Ele

cita o suplicante em 1 QS 11.10-15, que antecipando Paulo, diz: “...Quanto a mim, se eu

tropeçar, as misericórdias de Deus serão minha salvação eterna...minha justificação será pela

justiça de Deus que dura para sempre...E me acolherá por sua graça...e na grandeza de sua

bondade perdoará todos os meus pecados”.Assim, há um processo contínuo de crescimento

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dessa tradição em Israel e no judaísmo antigo, por trás da idéia da justificação (Ez 18; Jó

16.19, 19.25-27). Pode-se ver a partir de Is 40 que Deus posta-se ao lado de Israel no processo

legal contra seus adversários entre os povos. Israel se estabelece em salvação pela justiça que

procede de Deus (Is 54. 14,17). Quanto aos ímpios, podemos ver que Abraão foi eleito sem

qualquer mérito, estando implícita neste fato a idéia da justificação dos ímpios. A visão de

que o Deus do A.T. é acima de tudo vingativo e cheio de ira não encontra respaldo real frente

ao divino amor e misericórdia imerecida de Deus (Os 11.8-9). É dito que Deus é compassivo,

de ânimo longo e que perdoa o pecado e iniqüidade (Ex 34. 6-7).

O autor afirma ser Ex 34. 6-7, a fórmula da graça do A.T., e que apesar Dele

punir o pecado dos pais até os trinetos, Sua graça vai muito mais longe (Ex 20. 5-6). Paulo

utiliza muito a expressão “justiça divina” ou “justiça que procede de Deus”, construções essas

que remontam ao A.T. e judaísmo primitivo, os quais mostram a ação da Deus em propiciar

bem-estar e salvação para criação, Israel e no contexto do juízo (final). Em Romanos, ele

mostra o processo, o resultado e o dom gracioso da justiça de Deus da qual tem parte os que

crêem (Rm 3.5, 25-26; 4.25; 5.18). A posição paulina sobre a justificação, foi coordenada

ainda, com a tradição dos apóstolos e exame da igreja de Jerusalém (Gl 2.2), ficando clara,

por parte dos discípulos, que Paulo pregava o mesmo evangelho que eles (1 Co 15.1-11).

Assim, conforme os versículos 3-5 de 1 Co 15, cristologia e justificação estão ligados tendo

por base Is 53. 10-12. Já Rm 3. 25, traz a morte de Jesus e a justiça de Deus ligadas pela

exposição cristológica de Lv 16, a tradição o Dia da Expiação. É notório, então, que a

doutrina da justificação paulina baseava-se nas Escrituras Sagradas e nas tradições

doutrinárias desenvolvidas antes de Paulo, nas igrejas primitivas de Jerusalém, Damasco e

Antioquia. Para Paulo, a revelação da justiça de Deus dando a palavra da reconciliação (1 Co

5.19), era um contraposto direto à revelação no Sinai. Paulo, via que o brilho da glória divina

na face de Cristo exaltado excedia grandemente a glória da Torá (cf. 2 Co 3. 11 com 4.6), e

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admitiu que todo seu zelo pela Lei mosaica o fizera um guerreiro contra os caminhos de Deus

em Cristo. Desde então, ele era visto como apóstata pelos judeus legalistas e ainda sofria

críticas de judeus cristãos pela maneira que falava contra a Lei. Segundo os autores, com

respeito à Lei, Paulo não logrou êxito de acordo completo com os apóstolos antes dele ou seus

contemporâneos, no entanto, o evangelho de Jesus os ligava a Paulo e este a eles, o que era

mais sublime que detalhes de soteriologia e ética.

William Wrede, propôs em 1904, que a justificação é uma “doutrina polêmica”

do apóstolo, e não básica; mais adiante, na década de 30, Albert Schweitzer chamou a

doutrina da justificação pela fé de “...uma cratera secundária, formada dentro dos limites da

cratera principal, a doutrina mística da redenção por meio do estar em Cristo” p. 36. Que os

oponentes de Paulo influenciaram a formação da doutrina da justificação, fica claro por

Gálatas e Filipenses, porém, a doutrina não se esgota com seu uso polêmico contra os

judaizantes, e sua apresentação abrangente no Evangelho aos Romanos descaracteriza essa

polêmica. Para Paulo, Israel fora eleito para justificação através de Jesus, o Cristo, já em

Abraão, mas, ela será completada quando “todo Israel” for redimido de seus pecados e guiado

ao alvo de sua eleição pelo Cristo Libertador que virá de Sião (cf. Rm 11. 26). Assim, a

justificação é a quintessência da ação criativa e graciosa de Deus com relação a gentios e

judeus e, o Cristo crucificado e ressuscitado é o Senhor messiânico do mundo, sendo a

garantia da justificação, o Juíz do mundo e o Libertador de “todo Israel”.

Com relação à “nova perspectiva de Paulo”, é mister sabermos sobre a reforma

luterana e as conseqüências na época. Para Lutero Deus revela Sua justiça pelo evangelho,

justiça passiva com que o Deus misericordioso nos justifica pela fé. Ocorre que, Lutero

identifica-se com Paulo em sua luta contra os defensores da doutrina católica tradicional como

aquele contra os judaizantes. Em 1929, Wener Georg Kümmel, dissertou sobre a diferença

entre Paulo e a reforma luterana. Em 1938, Paul Althans, distingue entre as doutrinas paulina

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e luterana da justificação. Apesar das distinções, homens como Kümmel, Althans, Joest e

Rudolf Bultmann, ainda viam como correta e promissora a intensidade da soteriologia e

análise teológica da doutrina da justificação paulina feitas por Lutero. A causa dessa aceitação

foi pelo entendimento católico da justificação continuar atrelada ao veredicto de “justificação

pelas obras”. Sem vergonha alguma, também colocaram os judeus-cristãos e judeus que se

opunham ao Paulo histórico sob o mesmo veredicto. Todavia, os manuscritos de Qumran,

mostraram que a visão paulina deixou a Reforma em dívida com sua caracterização dos

oponentes judeus como defensores da justificação pelas obras. Desde 1961, Krister Stendahl,

que recorre a Albert Schweitzer, sustentava que a justificação não era o centro da mensagem

paulina de salvação. Mais tarde, Ernst Käsemann, contradisse Stendahl, afirmando que “a

Basiléia de Deus é o conteúdo da doutrina paulina da justificação”. Em 1977, E. P. Sanders

afirma que a aliança do Sinai é a grande dádiva da graça divina para seu povo eleito, Israel. D.

G. Dunn, com base em Sanders e Stendahl, diz que o judaísmo primitivo não traz justificação

pelas obras, sendo antes uma religião de graça divina e que o ensino Paulino de justiça sem

obras da Lei gira em torno da igualdade soteriológica entre judeus e gentios diante de Deus.

Essa nova perspectiva sobre o ensino Paulino tem sérias deficiências

exegéticas. O quadro apresentado por Sanders, por exemplo, sobre a soteriologia judaica

primitiva, é parcial. Temos textos rabínicos que colocam as duas concepções soteriológicas

lado a lado, sendo visto tanto o princípio de eleição quanto de retribuição. Muitas vezes, os

julgamentos rabínicos sobre graça e retribuição no juízo final, ficam em suspenso. Há alguns

comentários sobre o significado das boas obras que os fiéis deviam acumular ao longo da

vida. Em 4 Q 398 (4 QMMT) frag. 14, col. II: 2-7 diz com clareza que aquele que obedecer às

obras (sacerdotais) da Lei, isto lhe será contado como justiça no final dos tempos. O apóstolo

Paulo, conhecia e respeitava a dádiva da Torá para Israel, mas precisava da resposta sobre em

que termos gentios e judeus seriam salvos no juízo final. Tal resposta não podia ser achada

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com clareza na tradição judaica, antes, foi encontrada por ele em Jesus Cristo. O que levaria a

salvação final não era observar a Lei, mas sim, só a fé em Jesus. Stendahl e Dunn fogem do

problema sobre a justificação no juízo final, obscurecendo a questão principal que movimenta

Paulo em Romanos. No juízo, nenhum gentio ou judeu terá condições de alegar ter sido

cumpridor reto da Lei de Deus. A única esperança para ambos é confessar que Jesus é o

Cristo a quem Deus estabelece no calvário como o novo “lugar de expiação” ou

“propiciatório”(hilasterion). Quem crê nesse Cristo é justificado por Deus.

Segundo os autores, a opinião sobre Gl 2.16 e Rm 3.20,28, dos proponentes da

nova perspectiva, de que Paulo deseja corrigir a idéia judaica de que a justificação pode ser

recebida só por membros do povo da aliança, distintos de gentios pela circuncisão,

observância das leis alimentares, normas de pureza e do sábado, é muito estranha; pois a

tradição, a história e o contexto quanto ao uso das palavras em tais passagens, não sustenta tal

exposição. O contexto deixa claro que nenhuma carne, nenhuma pessoa será justificada com

base nas obras da Lei. Paulo afirma que o pecado detém todos sob seu controle, não

permitindo que ser humano algum se conforme a vontade divina de todos os mandamentos

expressos na Torá (Gl 3.10; 5.2). O uso de erga e erga nomou entre os essênios, se

assemelha ao uso nas cartas paulinas, deixando claro que a posição de Dunn, em diferenciar

estritamente, “obras da Lei”, implicando os “marcos” israelitas, e “obras” que são eticamente

relevantes, é artificial. Paulo não via as obras da Lei completas com a manutenção dos

“marcos”. Ele iguala “obras” com obediência aos mandamentos (Gl 5.6 comp. 1 Co 7.19; 2

Co 9.8; Ef 2.10). De acordo com os autores a nova perspectiva “não consegue dar espaço a

nenhuma relação clara entre a cristologia e a justificação” p. 53. Ela difere erroneamente

justificação e misticismo de Cristo e não vê que tal distinção advém de uma compreensão

falha da expiação.

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Uma perspectiva verdadeira se abre quando vemos que todas as declarações

sobre a justificação achadas em Romanos estão no contexto do serviço missionário de Paulo

aos gentios. A citação paulina ao Deus que vivifica os mortos (Rm 4.17), era exigência diária

de fé entre os fariseus quando louvavam ao Deus único. Em Dn 12.1-3, temos a ressurreição

dos mortos para a glória e julgamento anunciados , e em 1 Enoque 61. 62, ocorre comunhão

dos justos com o Filho do Homem messiânico numa refeição. Pela oração no templo, uso dos

Salmos e liturgia da Festa dos Tabernáculos, os judeus mantinham viva a expectativa da

“Basiléia” de Sião. Para Paulo, a expectação futura era do Reino de Deus e do Seu Ungido em

Sião. Ele reconheceu no Jesus ressuscitado no caminho de Damasco, o Filho de Deus

messiânico prometido (Gl 1.16; 2 Co 4.6; 5.16). O surgimento e crescimento da igreja

primitiva são equiparados à reconstrução do “tabernáculo caído de Davi” (At 15.16 comp. Am

9.11,12), e pela pregação do evangelho a todos os povos, deveriam preparar o caminho para o

Reino de Deus e de Seu Cristo. Alcançando êxito nessa missão, será a hora da parousia de

Cristo (Mt 28.18-20 comp. Mt 24.14; Mc 13.10). Ocorrerá um julgamento mundial confiado a

Cristo Jesus por Deus (Rm 2.5, 16; 14.7-12; 1 Co 11.32; 2 Co 5.10; Cl 3.6; Ef 5.6), os santos,

ao lado de Cristo, julgarão o cosmo e os anjos caídos (1 Co 6.2,3), e “todo Israel” será salvo

pelo Cristo-Libertador que vem de Sião (Rm11.26 comp. Sl 50.2), Lúcifer e a morte serão

destruídos e a criação redimida da maldição que surgiu na queda de Adão (Rm 16.20; 1 Co

15.26; Rm 8.19-21). A maneira apocalíptica de Paulo ensinar já tinha destaque na cultura

apocalíptica judaica e na pregação de Jesus. A ressurreição cristã primitiva era prenúncio da

ressurreição de todos os mortos que ocorreria no final dos dias (1 Co 15.20, 22; Rm 1.4; Cl

1.18; Ap 1.5). Paulo, se via como o apóstolo aos gentios por amor a Israel, o que fica claro

pelo seu empenho em favor da igreja-mãe em Jerusalém. O Cristo de Rm 4.25, é para o

apóstolo o advogado vivo dos crentes ante o tribunal divino, desde ser exaltado, e que

intercede por eles até o juízo final (Rm 8.34). Para ele o tema na justificação é o Reino de

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Deus que Jesus anunciava, o Reino de Deus é o conteúdo da doutrina paulina da justificação.

Assim, a justiça, o Cristo, o povo e o Reino de Deus seriam todos inseparáveis. A justificação

dos homens ante o tribunal de Deus é o ápice da soteriologia do evento da justificação,

porém, não seu alvo. A escatologia paulina compreende a missão, morte vicária, ressurreição

e exaltação de Jesus Cristo, Sua 2ª vinda em poder e glória e o fim, quando o Deus único será

tudo em todos ante Sua nova criação (1 Co 15.28).

A obra analisada passa a tratar então sobre o processo da justificação, que tem

em Jesus Cristo, sua figura central de acordo com Paulo. Deus, por meio de Jesus Cristo

efetuou a redenção de que todos os pecadores necessitam para obter a salvação. Na missão,

morte, ressurreição e no domínio de Cristo, o Deus único colocou em atuação Sua própria

justiça salvadora. Assim, em Cristo Jesus e por intermédio Dele, Deus é o Deus gracioso de

todos os que crêem. Há uma relação paulina entre justificação, expiação e a reconciliação (1

Co 1.30; 2 Co 5.16-21; Rm 3.24-26; 4.25; 5.1-11). Na tradição de Cristo Jesus, a justificação,

a expiação e o perdão dos pecados se acham tão unidos quanto em Qumram. Ainda antes de

Paulo surgir no cenário apostólico, a igreja primitiva recebeu as palavras de Cristo e

interpretou Sua morte na cruz em termos da teologia da expiação. Tal fato pode ser visto na

tradição da última ceia, bem como nas fórmulas cristológicas primitivas citadas por Paulo (1

Co 15.3-5; 2 Co 5.21; Rm 3.25,26 e Rm 4.25). Quando por trás dos textos cristológicos

paulinos, Is 53.10-12, como visto em Gl 1.4; 2 Co 5.21, Rm 4.25; 5.8 e 8.34, temos a ênfase

em que Cristo realiza a justificação pelos pecadores como o Servo Sofredor vicário. Desde a

Páscoa, Jesus torna Sua morte eficaz frente ao tribunal Divino a favor de todos que o

confessam como Senhor (Rm 10.9-11). A justificação pela morte expiatória de Cristo fornece

ao batismo seu sentido sacramental exato: o evento do batismo é o evento da justificação. Ao

confessá-lo como seu Senhor e Salvador e ser batizado em Seu nome, o indivíduo ganha parte

em Sua morte e no poder de Sua nova vida. Reconhecidas as relações tradicionais e históricas

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da doutrina salvífica paulina, a separação entre os aspectos jurídico e participativo torna-se

supérflua. A justificação é então, um evento de santa justiça onde a diferença fatal entre

pecado e santidade de Deus não é obscurecida, antes, vencida. É também, um ato de criação,

pois caracteriza uma nova existência diante de Deus. Dessa forma justiça “imputada” ao

pecador e a justiça “efetiva’ que transforma o pecador no ser – motivo de polêmica entre

protestantes e católicos no século XVI – não pode se manter em Paulo, pois para o apóstolo,

as duas andam juntas. “Como garantia viva da dikaiosis dos que crêem, Cristo intercede

diante do trono de Deus por todas as pessoas que o confessam até o julgamento final e mesmo

no próprio julgamento”, afirmam os autores. O Cristo vivo e reinante, justifica e introduz no

Reino Divino todos os que crêem. A justificação pronuncia-se efetivamente na confissão

batismal e batismo (Rm 10.9,10; 1 Co 6.11; Rm 6.1-11). Tal ato baseia sua esperança de

justiça no juízo final, assim, inicia para o crente um estado de transição que dura até a

parousia (1 Ts 4.13-18; 1 Co 15.51).

Por Gl 2.16 e Rm 3.28, entendemos que ninguém é justificado por obras da

Lei, antes, somente pela fé em Jesus Cristo. Paulo declara ser a lei santa, justa, boa e

espiritual, porém, dadas suas exigências, tanto judeus quanto gentios comparecem no juízo

como transgressores (Rm 3.19,20; 7.12,14). Crentes gálatas judeus orientavam cristãos

gentios a efetuar a circuncisão, além do batismo, para lograr as bênçãos da aliança abraâmica,

mas Paulo afirmou que Abraão foi justificado só pela fé e que suas promessas aplicavam-se

aos crentes. A circuncisão selou, como um sinal, a justificação de Abraão pela fé (Rm 4.1-12).

A experiência de justificação e perdão não era para alguém justo que estava na Lei, mas para

o ímpio Abraão. Assim, a justiça só pela fé, é justificação em virtude da graça divina que abre

ao homem o caminho salvador de fé e lhe dá o poder de viver nesse caminho pelo Espírito de

Deus.

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Para Paulo, o sacrificio vivo que importa para Deus consiste em oração e

ações de obediência no viver diário no mundo. Os justificados e santificados por Cristo não

devem mais se conformar com este mundo nem nos pensamentos e nem em suas ações.

Devem aceitar-se na força e na fraqueza como Jesus os aceitou, em amor, e testemunhar ao

mundo incrédulo sobre seu Senhor, para que vejam na igreja que Jesus é Salvador e Senhor,

em quem o Deus único abriu o caminho para Seu Reino. Quanto ao destino desses cristãos no

juízo final, os autores afirmam que todos terão de comparecer no tribunal de Deus, onde suas

ações boas e ruins serão pesadas, havendo punição pelo mau e recompensa pelo que for bom

(Gl 6.2-5; 2 Co 5.10), porém, para o cristão não implicará em salvação ou perdição tal

julgamento, antes, determinará somente sua posição no Reino de Deus. Como na época de

Paulo a maior parte dos judeus se recusou a aceitar a fé em Jesus Cristo, a justificação e

julgamento final era um grande problema para Israel. Em Rm 9.1-5, Paulo mostra que Israel é

diferenciado dos gentios devido sua eleição e acredita ser impossível que a promessa divina a

Israel venha a falhar (Rm 9.6). Deus endureceu Israel dentro do contexto mais amplo de Sua

condução da maior parte obstinada do povo de Deus à salvação prometida a “todo Israel”.

Quando o número de gentios salvos se completarem, o endurecimento de Israel será

removido, Israel será redimido da incredulidade pelo Cristo manifesto em Sião e recebido na

aliança pelo perdão de seus pecados. Além dos homens, também a criação será redimida da

futilidade e morte herdadas desde Adão. A justificação final dos que crêem tem por objetivo a

glorificação dos mesmos e todo o restante da criação terá parte nessa glória (Rm 8.19-22,30).

A obra move-se agora a testar a nova perspectiva de Paulo, cujo ponto

principal é a natureza do judaísmo do século I. Donald A. Hagner, afirma que o judaísmo não

era e não é uma religião em que Deus nos aceita pela justiça com base nas obras e que a

justificação pela fé não é o cerne da teologia paulina, mas sim uma tática pragmática que

facilitaria a missão aos gentios, sendo esses os pontos mais importantes para nova perspectiva

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de Paulo. Segundo a nova perspectiva, a teologia paulina tem sido mal entendida devido ser

interpretada à luz de Lutero e da Reforma. Bem, Lutero lutou com a questão do pecado e

justiça própria, o que não ocorreu com Paulo (Fp 3.6). Assim, sendo o judaísmo uma religião

da graça e não de obras de justiça própria, Paulo não teria que passar do legalismo para a

graça. Logo, Paulo não se converteu a uma nova fé ou trocou de religião, mas foi

comissionado para levar o evangelho aos gentios, diz a nova perspectiva. Ele teria continuado

judeu fiel por toda vida. Seu interesse maior seria a questão judeu-gentio, em particular a

conversão dos gentios e não algum problema humano universal. Não havia uma disputa com o

judaísmo ou a lei em si, pois se o mesmo é uma religião da graça, deduz-se enfim que “o

nomismo da aliança do Antigo Testamento é o meio divino de salvação para Israel”, enquanto

“...o evangelho livre da Lei é o meio divino de salvação para os gentios” p. 103

Tal conclusão é atraente, porém não bíblica, afirma Hagner. Com Esdras

ocorreu um regresso à Lei com maior compromisso, o que, se não extinguiu a graça, por certo

obscureceu a mesma. A falta de um pensamento sistemático e presença de opiniões

contraditórias sobre a graça e a Lei, eram vistas no primeiro século. Havia várias declarações

de caráter legalista nas obras rabínicas. Klyne Snodgrass indica esse fato ao declarar que

havia ênfase ao pesar boas ações contra as más em certos escritos e mantinha-se livros de

contas em outros, o que não pode ser desconsiderado. Friedrich Avemarie mostrou haver dois

modelos diferentes na soteriologia rabínica – um com base na eleição do judeu e outro, nos

feitos do israelita, o que indica não graça ou Lei, antes, as duas coisas juntas em uma tensão

não resolvida. Ainda que reconheçamos a ênfase nas obras ligada ao “permanecer” e não ao

“entrar”, como afirma Sanders, permanece a preocupação com as obras, e isso gera

insegurança preparando o terreno para que surjam tendências legalistas. A linha entre a

entrada e permanência torna-se muito tênue, tendendo a sumir. Muitas vezes a Lei é colocada

em posição prioritária e devastadora, o que não surpreende-nos nessa religião cujo cerne está

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na práxis e não na teoria (teologia). Na época de Jesus e Paulo, muitos – em oposição ao

entendimento melhor de sua fé – haviam caído no legalismo, e foram combatidos.

Quanto a justificação pela fé, como centro da teologia paulina, é mister

verificar até onde ela é mais que mero recurso para promoção do evangelho aos gentios, mas

necessária, mesmo para a salvação dos judeus. Hagner acredita que o elemento mais

fundamental na teologia paulina é que a “obra de Cristo inaugura um ponto escatológico

decisivo na história”. A ontologia cristã gira ao redor de um evento histórico de ruptura

profunda, onde tudo que é ordenado e regular é despedaçado. Essa era a real diferença entre

Paulo e a visão dos fariseus. Devido a doutrina da justificação pela fé ser verdadeira é que

Paulo se dedicava à missão aos gentios, ela abriu essa possibilidade. A mesma tem efeito para

ambos, judeus e gentios, por lidar com uma necessidade humana universal, vencer o domínio

do pecado e da carne. Conseqüentemente, Paulo abandona a soteriologia judaica e defende

unicamente da graça de Deus em Cristo, repudiando o conceito judaico de justificação.

Stephen Westerholm, afirma que a visão paulina é que a justiça da Lei é ineficaz como acesso

para vida devido o pecado humano. Ao vislumbrar a realidade do Cristo crucificado como o

único hilasterion para perdão do pecado, o senso Paulino da grandiosidade do problema

humano cresceu de forma dramática. Para Hagner conversão é o termo correto para explicar o

fato de Paulo rejeitar o judaísmo e abraçar a fé da igreja primitiva que ele perseguia, porém,

não seria certo dizer que o mesmo converteu-se a uma nova religião, pois ele via o

cristianismo como a fé de seus antepassados alcançando uma fase escatológica antes de sua

consumação final. A igreja, por certo tempo, toma o posto de Israel, porém, não de todo, pois

em Romanos Paulo prevê um futuro para o Israel físico. Israel e a igreja, para o apóstolo, são

uma só entidade, o povo de Deus, que juntos experimentaram o alvo escatológico para o qual

a obra divina estava voltada desde Abraão. Paulo, na verdade, chamava os gentios para um

judaísmo completo, a fé iniciada com Abraão, onde gentios viravam judeus completos, filhos

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de Abraão pela fé, enxertados na oliveira, Israel. Em Rm 1.18-3.20, Paulo incrimina toda a

humanidade e crê que seu evangelho era relevante em âmbito universal. Ele se importava com

a salvação dos judeus tanto quanto dos gentios (1 Co 9.19,20), e o evangelho era primeiro

para os judeus (Rm 1.16), depois para nós. Paulo modificou o conceito padrão em que Israel

se apoiava, a saber, eleição incondicional com base nas promessas da aliança. Segundo Mark

Adam Elliott, que analisou os pseudepígrafes e os pergaminhos de Qumram, aquela vertente

judaica, os essênicos, possuíam a esperança de que apenas um remanescente de Israel lograria

se salvar, vindo condenação e juízo sobre a nação como um todo.

Para a soteriologia paulina, a declaração de que a Lei chegou ao fim é de

fundamental valor, no entanto, os libertos da Lei que seguem o que Jesus ensinou cumprem a

justiça da Lei independente da Lei, a saber, cumprem a Lei moral, resumida no amor (Rm

13.9,10; cf. Mt 22.37-40). Logo, o evangelho não descarta a Lei quanto a justiça, antes

sustenta sua intenção maior (Rm 3.31). Apesar de haver nítidas semelhanças entre a

soteriologia judaica e paulina, a base da soteriologia de Paulo é diferente, este é cristocêntrico

enquanto aquela é nomocêntrica. As boas novas do Evangelho, segundo Paulo, implica em

romper com a Lei e o judaísmo, e pelo fato da Lei distinguir entre judeus e gentios, ele ataca a

vanglória nos privilégios nacionais. Citando Grundry, Hagner concorda que usar a Lei como

base para justiça própria é o que Paulo vê como um equívoco no judaísmo palestino. O

apóstolo não via Cristo como apenas mais um acontecimento em série na história da salvação.

A ênfase nos marcos de fronteira e justificação nacional, na verdade, coloca a justificação

pela fé em posição periférica e pertinente só aos gentios. Na avaliação de Hagner, apesar de

contribuir com algumas idéias, a nova perspectiva de Paulo não constitui uma trilha valiosa

para avaliar fielmente Paulo e o judaísmo, na verdade, nos conduz ao erro.

Frente a grande influência e crescente propagação do liberalismo teológico e

novas formas de se ver o ensino das Escrituras, esta obra cai como uma luva nas mãos de todo

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cristão vocacionado por Deus para o ministério do ensino e Palavra. É importantíssimo sua

presença em seminários sérios e não pode faltar na biblioteca de todo amante das Escrituras.

Seu linguajar é compreensível, as idéias claras e o assunto atual. Tão somente uma afirmativa

é vista como equivocada, a de que Pedro se tornou “o alicerce da igreja de Deus e de seu

Cristo” p. 32, o que é claramente um conceito católico romano. No mais, ocorre uma análise

suficientemente profunda dessa “nova perspectiva de Paulo” e uma refutação e crítica sólidas

e bem fundamentada nas Escrituras e em textos periféricos. Todo estudante sério de Novo

Testamento e das Escrituras de modo geral, precisa ler tal obra como quem toma uma

vitamina para aumento da saúde espiritual, portanto, recomendo sua leitura como

indispensável ao povo de Deus.

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