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Alertas sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu Organizador A. Oswaldo Sevá Filho TENOTÃ-MÕ

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Alertas sobre as conseqüências dosprojetos hidrelétricos no rio Xingu

Organizador A. Oswaldo Sevá Filho

TENOTÃ-MÕ

TENOTÃ - MÕ

2005

TENOTÃ - MÕ

Osw

aldo

Sev

á

Ficha TécnicaorganizaçãoA. Oswaldo Sevá Filho

ediçãoGlenn Switkes

projeto gráficoIrmãs de Criação

produção gráficaIrmãs de CriaçãoDanilo Henrique Carvalho

fotoscapaAndreas MissbachBeto Ricardo, ISA

tiragem1000 exemplares

1ª edição • 2005

[email protected](11) 3822.4157

realização

APRESENTAÇÃO ....................................................... 07Resumos técnicos e históricos das tentativas debarramento do rio XinguGlenn Switkes e Oswaldo Sevá

MENSAGEM DE ABERTURA ................................... 09Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu

RESUMO EXECUTIVO............................................. 13Glenn Switkes e Oswaldo Sevá

PARTE I – OS XINGUANOS E O DIREITO

CAPÍTULO 1 .............................................................. 29Povos indígenas, as cidades, e os beiradeiros dorio Xingu que a empresa de eletricidade insisteem barrarOswaldo Sevá

Informes das lideranças em Altamira, Pará1.1. O assédio da Eletronorte sobre o povo e asentidades na região de Altamira ............................... 55Antonia Melo

1.2. A Terra do Meio e os projetos dehidrelétricas no Xingu ............................................... 58Tarcisio Feitosa da Silva

CAPÍTULO 2 .............................................................. 63Uma abordagem jurídica das idas e vindas dosprojetos de hidrelétricas no XinguRaul Silva Telles do Valle

CAPÍTULO 3 .............................................................. 74Xingu, barragens e nações indígenasFelício Pontes Jr e Jane Felipe Beltrão

3.1. As pressões da Eletronorte sobre os autores do EIAtrecho extraído de Louis Forline e Eneida Assis ..............91

PARTE II – ELETRICIDADE PARA QUEM?ÀS CUSTAS DE QUEM?

CAPÍTULO 4 .............................................................. 95Grandezas e misérias da energia e da mineraçãono ParáLúcio Flávio Pinto

CAPÍTULO 5 ............................................................ 114Análise do projeto Belo Monte e de sua redede transmissão associada frente às políticasenergéticas do BrasilAndre Saraiva de Paula

5.1. A eletricidade gerada em Tucuruí:para onde? para quê? ............................................... 135Rubens Milagre Araújo, Andre Saraiva de Paula eOswaldo Sevá

5.2. Dados de vazão do rio Xingu durante o período1931-1999; estimativas da potência, sob a hipótesede aproveitamento hidrelétrico integral ................ 145Oswaldo Sevá

CAPÍTULO 6 ............................................................ 150Especialistas e militantes: um estudo a respeitoda gênese do pensamento energético no atualgoverno (2002-2005)Diana Antonaz

PARTE III – NATUREZA: AVALIAÇÃO PRÉVIADO PREJUÍZO

CAPÍTULO 7 ............................................................ 175Evolução histórica da avaliação do impactoambiental e social no Brasil: sugestões para ocomplexo hidrelétrico do XinguRobert Goodland

7.1. A lógica da Volta Grande adulterada:conseqüências prováveis afetando moradoresurbanos, rurais e ribeirinhos em Altamira emunicípios vizinhos; efeitos possíveis para osarquipélagos, pedrais, cachoeiras,e na “ria” do baixo Xingu. ...................................... 192Oswaldo Sevá

7.2. Informe sobre a “Vazão ecológica”determinada para a Volta Grande do rio Xingu ....... 199Ivan Fumeaux

CAPÍTULO 8 ............................................................ 204Hidrelétricas planejadas no rio Xingu comofontes de gases do efeito estufa: Belo Monte(Kararaô) e Babaquara (Altamira)Philip M. Fearnside

Sumário

PARTE IV – O ANTI-EXEMPLO ALI PERTO,O POVO AMEAÇADO E CONFUNDIDO

CAPÍTULO 9 ............................................................ 245Política e sociedade na construção de efeitosdas grandes barragens: o caso TucuruíSônia Barbosa Magalhães

CAPÍTULO 10 .......................................................... 255Índios e barragens: a complexidade étnica eterritorial na região do Médio XinguAntonio Carlos Magalhães

CAPÍTULO 11 .......................................................... 266Dias de incertezas: O povo de Altamira diantedo engodo do projeto hidrelétrico Belo MonteReinaldo Corrêa Costa

PARTE V – OUTRO FUTURO: NÃO BARRAR RIOSNEM GENTE, QUE VALEM E VALERÃO POR SI

CAPÍTULO 12 .......................................................... 281Conhecimento crítico das mega – hidrelétricas:para avaliar de outro modo alterações naturais,transformações sociais e a destruição dosmonumentos fluviaisOswaldo Sevá

CAPÍTULO 13 .......................................................... 296Contra-ataque! Choque da Comissão Mundialde Barragens estimula a indústria de grandesbarragens à açãoPatrick McCully

13.1. Barragens e desenvolvimento: um novomodelo para tomada de decisões ............................ 301Comissão Mundial de Barragens

ANEXOSManifestos e cartas abertas das entidades daregião paraense do rio Xingu (2001 e 2002) ......... 317

Glossário ................................................................... 335

Endereços de contato de grupos trabalhandoem defesa do Xingu ................................................. 341

Resumos biográficos dos autores ............................ 343

Este é um livro feito de capítulos e notas técnicas inéditas, e de alguns trechos extraídos de trabalhos jápublicados, que foram assinados por 20 pessoas que acompanham de perto o problema dos projetoshidrelétricos no rio Xingu e na região amazônica. É uma obra de militantes de entidades, de jornalistas,e de pesquisadores de várias áreas acadêmicas, participantes de um Painel de especialistas e de entidadespor nós organizado. Esperamos que seja uma ferramenta fundamental para ampliar e aprofundar odebate sobre a proposta da construção do Complexo Hidrelétrico do Xingu.

Nosso livro é para atualizar um embate de mais de vinte anos.

Nosso compromisso é com as pessoas que vivem e viverão no vale do Xingu, especialmente os que estãoameaçados por esses projetos. Estes milhares de moradores urbanos e rurais, os ribeirinhos, beiradeirosde todo tipo, as muitas aldeias indígenas e seus muitos descendentes, desaldeiados, soltos pelo mundo,misturados com os demais brasileiros, quase todos vão sendo cercados em seu pedaço amazônico.

Cercados lá onde já viviam há muito, e lá aonde chegaram há mais tempo, nessas glebas que transforma-ram em roças e pomares, em seus recantos cheios de riquezas cobiçadas pelos predadores que a especu-lação move, que o desgoverno acomoda.

São levas de gentes e gerações que se entrecruzam, os xinguanos antigos como os vários grupos Kaiapó,os Parakanã, os Araweté e os Juruna, também os seringueiros do curto segundo ciclo da borracha (nosanos 1930, 1940), e xinguanos recentes como os colonos e fazendeiros dos travessões da Transamazôni-ca, os pobres e os peões, os comerciantes e artesãos que já estavam e os que vêm chegando a Altamira, aSão Félix do Xingu e tantas cidadezinhas e vilarejos.

Todos vão tendo agora que conviver, que se aliar com - ou explorar - os demais pobres errantes que vão àfrente da expansão, essa infantaria que vai garimpando ouro, estanho e pedras, serrando árvore, abrindoestrada, fazendo pasto, quase todos trabalhando pros donos, tentando sobreviver, e muitos ainda conse-guindo enviar um pouco de renda pros seus que ficaram, pros que deles dependem.

Nesse meio de mundo, chamado de Terra do Meio, um Brasil fervilhante e conflituoso, onde semprecabe cometer mais uma pilhagem – ou então criar grandes oportunidades nesta imensa continuidadefragmentada por seus enclaves e por eixos conectados aos circuitos internacionais, pontilhada de pistasde pouso, tracejada de rotas fluviais, um conjunto bem distinto daquela Amazônia distante, paradisíaca,despovoada ou com tão pouca gente, que tudo se manteria em equilíbrio na natureza intocada.

Esse livro trata sim, de um dilema real, um drama nacional, uma encruzilhada para a humanidade: Paraonde vai essa Amazônia ainda brasileira, mas nem tanto? Que chances terão esses povos? Que possibilida-des terão essas matas, esses igapós, igarapés e grandes rios, e todos os seus bichos?

Nosso compromisso também é com a busca interminável e acidentada da verdade mais objetiva dentroda desinformação crescente promovida pelos próprios projetistas e interessados em tais projetos. Tive-mos que lidar quase sempre com a verdade parcial segmentada e com a manobra viciada que forja gran-de parte da informação empresarial e governamental; tivemos que lidar com as versões explícitas e as

Apresentação:Resumos técnicos e históricos das

tentativas de barramento do rio Xingu

Glenn Switkes e Oswaldo Sevá

07

implícitas, as razões assumidas e as finalidades escondidas, as declarações retumbantes e as vazias. Tenta-mos separar os dados corretos dos incorretos, discernir algo de razoável em meio ao sem propósito esurreal, à mistificação que tais mega-projetos desencadeiam.

Reconhecemos também como predecessor deste livro, o volume “As Hidre-létricas do Xingu e os Povos Indígenas”, publicado em 1988 pela ComissãoPró-Índio de São Paulo. Vários autores dos textos nesta publicação participa-ram na tentativa histórica para elucidar a problemática das propostas parahidrelétricas no Xingu naquela época.

Passados dezessete anos, a idéia de barrar o Xingu, duas vezes derrotada,tenta se concretizar ainda uma vez. Não estamos nos opondo frontalmente anada, mas fazemos questão de poder pensar de modo distinto. Com parcosrecursos e muita disposição, nos empenhamos para destacar e tornar públi-cas as avaliações distintas das oficiais e as outras visões do vale do rio Xingu ede sua gente.

Agradecemos o apoio do professor Célio Bermann no começo dos trabalhospara este livro, a firmeza e a humanidade da pessoal da FVPP: Antônia Melo, Marta Sueli Silva, AntoniaMartins “Toinha”, e também Juraci Galvino Moreira, Luziane do Socorro Costa Reis e Abimael MaranhãoPalhano, os pilotos Ruck e Sabá, a dona Miriam Xipaia, seu Miguelzinho, e o padre Paulo Machado.

Também devemos destacar pelos trabalhos nos mapas, agradecemos a colaboração do equipe de Geo-processamento do Instituto Socioambiental: Alicia Rolla, Edna Amorim dos Santos, Fernando Paternost,Cícero Cardoso Augusto e Rosimeire Rurico Sacó, e apoio do foto arquivista Claudio Aparecido Tavaresdo ISA.

Também devemos destacar o apoio do Sérgio Schlesinger da FASE e o Programa Brasil Sustentável eDemocrático, e Lúcia Andrade da Comissão Pró-Índio de São Paulo.

Reconhecemos a contribuição valorosa do Dr. Marcelo Cicogna e o professor Dr. Secundino Soares Fi-lho, da FEEC Unicamp.

Para o seu patrocínio, agradecemos a Fundação Conservation, Food, and Health, a Fundação Ford, aFundação C. S. Mott, a Fundação Overbrook, e a Sigrid Rausing Trust.

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Ao ver, com profunda gratidão, concluído este trabalho, vem-me, de repente, a lembrança do Xingu dosanos 60, época em que aqui cheguei. Jamais se apagam em minha memória as primeiras impressões que tivedestas plagas. Estão gravadas, de modo indelével, em meu coração. Vindo da Europa fiquei extasiado con-templando um dos mais espetaculares espaços que Deus criou. Será um último resto do paraíso perdido?

Este rio caudaloso com suas águas verdes-esmeralda, ora calmas e misteriosas, ora indômitas e violentas,este vale com suas selvas exuberantes, igarapés e igapós, várzeas e imensos campos naturais mudaria aminha vida e dará um rumo todo especial à minha vocação missionária. Encontrei neste mundo verde umpovo que ainda estava convivendo pacificamente com a natureza e hauriu seu vigor dos divinos mananciaisda Amazônia. Mas já naquele tempo pairou algo como uma Espada de Dámocles em cima da família xinguara.As ameaças de expulsão do paraíso e de destruição do lar (em grego: “oikos”) já se anunciavam numhorizonte cada vez mais sombrio, carregado de presságios de um futuro tempestuoso e sacrílego.

O dia 9 de outubro de 1970 é uma data histórica para o Xingu. Em Altamira já há meses se comentavaque “finalmente o progresso vai chegar”. Os comerciantes vibraram com os “rios de dinheiro” que iriaminundar a cidadezinha até então esquecida do mundo e isolado no meio da mata. Para os habitantes dacapital Belém o Xingu era sinônimo de terra de “índios selvagens e ferozes”, de região infestada pelamalária e outras doenças tropicais. Agora, tudo isso mudaria. Nesse dia de intenso calor chegou a Altamirao Presidente da República, o General Emílio Garrastazu Medici. Já dias antes aterrissaram possantesaviões Hércules na pista de pouso de piçarra para admiração ou espanto da população local só acostuma-da a ver hidraviões amerissarem nas águas do Xingu ou algum DC-3 da FAB fazer uma escala em Altamira.O Jornal de São Paulo descreve a visita presidencial:

“O general Medici presidiu ontem no município de Altamira, no Estado do Pará, a solenidade de implantação, em plena selva,do marco inicial da construção da grande rodovia Transamazônica, que cortará toda a Amazônia, no sentido Leste-Oeste,numa extensão de mais de 3.000 quilômetros e interligará esta região com o Nordeste. O presidente emocionado assistiu àderrubada de uma arvore de 50 metros de altura, no traçado da futura rodovia, e descerrou a placa comemorativa (...) incrus-tada no tronco de uma grande castanheira com cerca de dois metros de diâmetro, na qual estava inscrito: ‘Nestas margens doXingu, em plena selva amazônica, o Sr. Presidente da República dá inicio à construção da Transamazônica, numa arrancadahistórica para a conquista deste gigantesco mundo verde’”.

Foi a época do “Integrar para não entregar”. Não entendi e jamais entenderei como o presidente podiaficar “emocionado” ao ver uma majestosa castanheira cair morta. Não entendi as palmas delirantes dacomitiva desvairada diante do estrondo produzido pelo tombo desta árvore, a rainha da selva. Aplausopara quem e em razão de que? A placa fala da “conquista deste gigantesco mundo verde”. A implantaçãodo marco pelo presidente não passa de um ato cruel, bárbaro, irracional, macabro. O que significa“conquistar”? É “derrubar”, “abater”, “degolar”, “matar”, “assassinar”? Um emocionado presidente inau-gura a destruição da selva milenar! Por incrível que pareça, derrubar e queimar a floresta é doravantesinônimo de desenvolvimento e progresso.

Altamira tornou-se famosa de um dia para o outro e o Xingu um novo Eldorado. A propaganda governa-mental incentivou milhares e milhares de famílias a abandonarem o nordeste das secas periódicas e o

Mensagem de Abertura

Dom Erwin Kräutler - Bispo do Xingu

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sudeste, centro e sul com “pouca terra disponível” e rumarem para a Amazônia onde vastas terras esta-vam aguardando sua chegada e garantindo melhores condições de vida do que nos estados de origem.Reportagens sobre o sucesso da empreitada governamental se multiplicaram e tiraram as dúvidas dequem ainda ficou reticente.

Nada, porém, se falou dos povos que habitavam as terras que a Transamazônica cortou de leste a oeste. Aliáso Presidente Medici já não quis saber deles. Simplesmente os ignorou, chamando a região de “terra semhomens” a ser povoada por “homens sem terra”. Na cabeça do general não existiam índios no trecho, por-que não podiam existir e se, porventura, existissem, sua existência teria que ser ignorada. A nova rodoviapassou a 3 quilômetros da aldeia dos Arara no igarapé Penetecaua. Os índios fugiram com medo do chumbodas espingardas. Foram perseguidos até por cachorros. A brusca e forçada convivência com os “brancos”trouxe a morte à aldeia. Sucumbiram fatalmente a surtos de gripe, tuberculose, malária, até de conjuntivite.O mundo lá fora nada soube desta desgraça que desabou sobre um povo e continuava a aplaudir a “conquis-ta deste gigantesco mundo verde”. A que preço? O pior estava ainda por acontecer. Jamais me esqueço dodia em que pelas ruas de Altamira corria a notícia de que, finalmente, os “terríveis Araras” haviam sidodominados. Como prova de que o “contato” com os Arara tinha sido “amistoso” e um sucesso total, trouxe-ram uns representantes daquele povo, até então vivendo livre na selva xinguara. Nus, tremendo de medo emcima de uma carroça, como se fossem algumas raras espécies zoológicas, foram expostos à curiosidade popu-lar na rua principal da cidade. O que na realidade aconteceu no coração e na alma do povo Ugorogmo,quem será capaz de descrever? Os poucos sobreviventes continuam apavorados, na insegurança, como “es-trangeiros em sua própria terra”. A demarcação de sua área é sempre de novo protelada.

A rodovia Transamazônica foi inaugurada. Mais uma vez o presidente da República vem a Altamira. Maisuma vez se descerra uma placa de bronze, desta vez incrustada num feio paredão de cimento que seergue do descampado. A paisagem está mudada. A selva sucumbiu. As palavras continuam bombásticas:“Retornando, depois de vinte meses, às paragens históricas do Rio Xingu, onde assistiu ao início daconstrução desta imensa via de integração Nacional, o Presidente Emílio Garrastazu Medici entregouhoje ao tráfego, o primeiro grande segmento da TRANSAMAZÔNICA, entre o Tocantins e o Tapajós,traduzindo a determinação do povo brasileiro de construir um grande e vigoroso País. Altamira, 27 desetembro de 1972”.

A “Integração Nacional”, o que realmente é? “Integrar”, pelo que se vê, é, de um lado, agredir violenta-mente a obra da criação sem nenhum plano que visasse um desenvolvimento sustentável para região, ede outro, impulsionar a migração interna para resolver problemas fundiários nas regiões centro, sudestee sul do País. Através do desterro de milhares de famílias para a Transamazônica pretendeu-se fazer uma“reforma agrária” naquelas regiões sem mexer com os proprietários de grandes extensões de terra pro-dutivas e improdutivas. Deportando para a Amazônia o excedente de agricultores, os “sem terra”, todoseles potenciais invasores de fazendas, evitar-se-á problemas nos estados de origem dos desterrados e segarante o sossego e a paz para o latifúndio.

Mas, embutido no Projeto de Integração Nacional já se encontrava outro plano. As rodovias que sangra-vam as florestas cortavam também os grandes rios amazônicos, exatamente nas proximidades das princi-pais quedas d’água, prevendo a médio prazo a possibilidade de construir barragens para geração deenergia. A Rodovia Transamazônica foi inaugurada em setembro de 1972. Já em 1975, a Eletronortecontratou a firma CNEC (Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores) para pesquisar e indicar olocal exato de uma futura hidrelétrica. Em 1979 o CNEC terminou os estudos e declarou a viabilidade deconstrução de cinco hidrelétricas no Xingu e uma no rio Iriri, escolhendo inclusive os nomes para asmesmas, todos eles indígenas: Kararaô, Babaquara, Ipixuna, Kokraimoro, Jarina e Iriri. Por que nomesindígenas, já que a existência dos povos indígenas deve ser ignorada? Os Juruna, Xipaia-Curuaia, Kayapó,Arara, Assurini, Araweté e Parakanã não contam. Sem dúvida se achará uma “solução” para eles, mesmoque esta se transforme em “solução final”, a famigerada “Endlösung” que o nazismo encontrou para osjudeus. Os nomes indígenas para as hidrelétricas projetadas seriam assim um “in memoriam” para estespovos que, junto com as famílias de seringueiros, pescadores e ribeirinhos, “cediam” suas terras ances-trais para o progresso e desenvolvimento da região. Muitos de nossos conterrâneos sonharam novamentecom rios de dinheiro que inundariam nossas cidades. À população local negou-se as informações neces-sárias para avaliar o projeto. A transparência no fornecimento de dados não fazia parte da estratégia dosórgãos governamentais.

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Assim a Igreja do Xingu tomou a iniciativa de denunciar as ameaças que pairavam sobre a região doXingu e seus povos. Digo “povos”, no plural, pois é esta a realidade do Xingu. Colocamos em pauta nasreuniões das comunidades a verdadeira história da hidrelétrica projetada. Elaboramos cartilhas comdados obtidos algumas vezes até de forma “ilícita” (pelo menos do ponto de vista dos órgãos governa-mentais). Os trabalhadores locais traziam informações que ouviam nos acampamentos dos engenheiros.Pessoas que tinham acesso a informações, no-las passavam de forma secreta com medo de retaliação.Colaboramos com a Comissão Pró-ìndio de São Paulo e passamos a buscar ajuda com especialistas liga-dos a Universidades Brasileiras e do exterior.

Confesso que nem imaginávamos poder contar com um apoio todo especial. A expressão “apoio à nossacausa” nem é apropriada neste caso, pois os índios Kayapó do Alto Xingu, assumiram a “sua” causa quetambém é nossa, a defesa de “sua” terra e de “seus” direitos que são a terra e os direitos dos demais povos doXingu. Soube das intenções dos Kayapó apenas algumas semanas antes de acontecer aquilo que eles mes-mos denominaram de I Encontro das Nações Indígenas do Xingu, marcado para fevereiro de 1989. Algu-mas lideranças Kayapó vieram a Altamira e me convidaram para uma reunião. Comunicaram-me sem ro-deios que estavam decididos de vir a Altamira para um grande encontro e marcaram a data. Dei-lhes aentender que um encontro deste porte exigia uma intensa preparação e o tempo para isso era muitopouco. Pedi, por isso, que adiassem o evento por alguns meses. Não havia jeito de convencer os líderesKayapó. Sem meias palavras me disseram: “O encontro está marcado! Queremos que nos ceda a Bethânia!Só isso!” A Bethânia, o Centro de Formação da Prelazia do Xingu, há oito quilômetros de Altamira, tornou-se de 20 a 25 de fevereiro de 1989 a aldeia principal dos Kayapó. O evento que reunia em torno de 600índios, pintados para guerra, teve enorme repercussão em todo o Brasil e no exterior. A foto que retratoua cena em que a índia Tuíra esfregou um facão na cara de José Antônio Muniz Lopes, então diretor deengenharia da Eletronorte, percorreu o mundo, tornando-se símbolo e uma espécie de logotipo da hostili-dade total dos índios em relação às projetadas barragens. Enquanto os Kayapó estavam reunidos na Bethâniaas comunidades de Altamira se organizaram num ato público no bairro de Brasília. Levantaram sua vozcontra os órgãos do governo que operam na surdina e excluem deliberadamente a sociedade civil da dis-cussão de projetos que afetam a população e o meio-ambiente. A vitória estava do lado dos índios e de todosque se opuseram à concretização do megaprojeto. Kararaô foi arquivado! Aparentemente!

A alegria durou pouco. No fim da década de 90 o projeto ressurgiu, se bem que sob outro nome e comroupagem nova. A Eletronorte e demais órgãos governamentais aprenderam dos “erros” da década de 80e trocaram o modo de agir. Um grupo de especialistas fora contratado que passou a analisar as forçaspolíticas na região. Foram feitas pesquisas sobre os nossos movimentos sociais, as ONGs, os sindicatos, ospovos indígenas, tudo no intuito de mapear possíveis focos de resistência ao projeto agora denominadode UHE Belo Monte. O nome “Kararaô”, o grito de guerra, foi substituído pelo bucólico “Belo Monte”para que o povo do Xingu não lembrasse mais o facão da Tuíra e os rostos pintados de urucum dosKayapó contrários à hidrelétrica.

A estratégia mudou por completo. Nossas lideranças foram continuamente convidadas para reuniõescom grupos de técnicos das empresas do governo que, é óbvio, usaram de todos os meios para mostrar olado positivo do empreendimento. Outro alvo foram os jovens. Patrocinando festas e promovendo excur-sões à região da UHE Tucuruí procurava-se conquistá-los para idéia de que a hidrelétrica será um bemenorme para a região. Com volumosos presentes o governo aliciou descaradamente as comunidadesindígenas. De antemão evitavam-se reuniões com grandes grupos para impedir que a sociedade se orga-nizasse e discutisse abertamente os prós e contras do projeto. Políticos estaduais e municipais de poucacultura e muita fanfarrice encheram a boca proclamando a UHE Belo Monte a salvação do oeste do Paráe pregando que o Brasil necessita deste impulso energético para evitar o colapso de sua economia.

Mas, Deus seja louvado, um grupo de especialistas, professores e pesquisadores de renome, apoiadospor instituições e ONGs e a Igreja do Xingu organizaram este livro que, sem dúvida, desmistifica todoo discurso bombástico do Governo Brasileiro e das empresas interessadas na barragem do Xingu. No-vamente a espada afiada de Dámocles paira sobre o Xingu e seus povos, pendurada num fio muitodelgado, podendo cair a qualquer momento. Mas a lenda contada pelo escritor romano Horácio emuma de suas odas não termina em tragédia. O fio tênue resistiu e a espada não se desprendeu. É esta anossa esperança! Que a sensatez vença a insanidade e o Xingu continue lindo e pujante, também paraas futuras gerações!

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Agradeço, de coração, ao Professor Oswaldo Sevá da UNICAMP e ao Jornalista Glenn Switkes da IRNpelo trabalho incansável na organização desta obra e a todas as pessoas que participaram deste projetoem defesa do Xingu e de seus povos.

Altamira, 30 de novembro de 2004.

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1 . Resumo do projeto de aproveitamento hidrelétrico integral do rio XinguUma obsessão da engenharia mundial é esta “idéia fixa” de barrar todos os rios, aproveitando-se quedasd’água existentes, ou construindo-as em rocha, terra e em concreto armado, para instalar grupos turbo -geradores e produzir energia elétrica.

Estas entidades geográficas, hidro - geológicas e biológicas, os rios, a um só tempo são vazões vivas deágua se deslocando pelo planeta, e são meios bio-químicos da vida estável de cada local, e da vida dosanimais migratórios. Numa visão mutilante da realidade, rios e suas terras ribeirinhas passam a ser olha-dos apenas através de uma calculadora, como se existissem apenas para serem bloqueados por um pare-dão e para terem a sua energia em parte aproveitada.

Deste ponto de vista, o Xingu é “um bom potencial”, como eles gostam de dizer. Só que...muita aten-ção, pois uma de suas características mais importantes, que os indígenas e os beiradeiros conhecem,é que é exageradamente variável o seu fluxo de água, ao longo dos meses, em intervalos de semanas,e até, de dias!

É rio que enche rápido e muito, proporcionalmente à área em que capta a sua água. Na média dabacia, a vazão de água drenada para o rio principal pode estar acima de 17 litros de água por segundo,proveniente das chuvas regulares caindo em cada km2 de terreno nessa bacia. Nas bacias dos rios Ara-guaia e Tocantins, este indicador fica entre 14 e 16 l/s por km2, na bacia do Paraná, em 11 l/s por km2,e na do São Francisco, que atravessa uma extensa zona semi - árida, a coleta de água pelo rio principalfica na média de 5 l/s por km2!

Comparando-se os números de vazão d água dos rios: o mais volumoso, o Amazonas já teve registros, emÓbidos, antes de receber o Tapajós e o Xingu, de mais de 200 mil m3/segundo. O Xingu não é dosmaiores afluentes do Amazonas, mesmo assim, o patamar dos seus números indica o dobro da vazão nascheias no rio São Francisco (de 11 a 12 mil m3/s no trecho das usinas de Paulo Afonso) e um patamarbem acima do que as do rio Paraná em Itaipu (cheias de 20 a 22 mil m3/s).

Mas o Xingu é rio que seca rápido e que pode permanecer muito tempo bem baixo, quatro meses,digamos. Vejamos, por exemplo, os valores medidos lá na cidade de Altamira, Pará, no trecho quase finaldo rio Xingu, com sua vazão praticamente toda formada:

• as médias mensais baixas ficam abaixo de 1.000 metros cúbicos de água por segundo

• os valores mínimos são entre 450 a 500 m3/s em Setembro e Outubro

• as médias mensais altas são acima de 25 mil m3/ segundo

• “picos” de cheia registrados ou extrapolados acima de 30 mil m3/ segundo

Pois bem, conhecidas as vazões, para chegarmos à potência mecânica própria do rio, e que poderia seraproveitada, a equação dependerá precisamente dos desníveis verticais, das alturas das quedas d’água.

Resumo Executivo

Glenn Switkes e Oswaldo Sevá

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Segundo o documento “Estudos de Inventário hidrelétrico da Bacia hidrográfica do Rio Xingu”, elaborado pelaempresa de consultoria CNEC – Camargo Corrêa, em 1980, a “melhor” alternativa de aproveitamentointegral da bacia do Xingu (alternativa A dos estudos feitos) seria:

• entre a altitude próxima dos 281 metros, no norte de Mato Grosso, próximo da rodovia BR 080, prova-velmente localizada na Terra Indígena Kapoto-Jarina e/ou na faixa Norte do Parque Indígena do Xin-gu – e - a altitude próxima dos 6 metros, num ponto rio abaixo da vila de Belo Monte do Pontal e, pelamargem esquerda, perto da foz do igarapé Santo Antonio, rio acima de Vitória do Xingu, no Pará:

• fazer cinco barramentos no rio Xingu (eixos Jarina, Kokraimoro, Ipixuna, Babaquara e Kararaô) e umbarramento no rio Iriri, seu afluente esquerdo, o maior deles (eixo Cachoeira Seca).

As represas destas seis usinas hipotéticas alagariam ilhas e terras florestadas, muitas ainda virgens, confor-me aquele estudo de inventário mencionado, somariam quase 20 mil km quadrados, o equivalente aquase metade das áreas já inundadas por represas de todos os tipos no país, até hoje. Nestes 2 milhões dehectares, uma boa parte são glebas ribeirinhas incluídas em várias Terras Indígenas já homologadas,algumas delimitadas mas invadidas, outras ainda não homologadas.

Somente a represa de Babaquara, podendo atingir um alagamento de mais de 6.500 km2, seria a primeiramais extensa no país e a segunda no Mundo. A maior represa é a de Akosombo, no rio Volta em seu trechobaixo-médio, um “lago” de mais de 8 mil km2, dividindo ao meio o pobre e conflituoso Ghana, na ÁfricaOcidental. A mais extensa represa brasileira é a de Sobradinho, rio São Francisco, na Bahia, com 4.200km2 na cota máxima; a segunda maior é a de Tucuruí, no rio Tocantins, Pará com 2.800 km2 (SP-MS).

Mas a repercussão conjunta dessas obras iria muito além de terras alagadas. As conseqüências de tipodestrutivo e conflitivo deverão crescer muito por causa dos impactos:

• das estradas inteiramente novas a abrir, e de outras existentes a ampliar,

• das faixas das Linhas de Transmissão;

• das áreas alagadas e das áreas usadas para acesso às obras e para a abertura de novas linhas.

Basta conferir no mapa temático preparado pelo laboratório de geo processamento do ISA, em anexo aesse resumo executivo, para comprovar as numerosas interferências e superposições desses impactos emterritórios que têm atualmente destinações as mais variadas, e que aparecem na cartografia como ummosaico bem complicado, composto por:

a) extensas glebas de terras da União, as chamadas “terras devolutas”; e de modo similar, glebas arreca-dadas pelo INCRA e ou pelo Instituto Estadual de Terras, o ITERPA e que vêm sendo licitadas, leiloa-das para particulares, griladas e invadidas;

b) áreas protegidas como as Reservas Biológicas, e as áreas delimitadas para manejo como as Flonas, asFlorestas nacionais,

c) perímetros e acessos reconhecidos como reserva de garimpo, ou na prática transformadas em inva-sões garimpeiras,

d) além de áreas imensas cobrindo um grande número de autorizações para prospectar o subsolo, outor-gas para pesquisa e para lavra de minérios valiosos

Haveria também profundas conseqüências fundiárias e sócio-econômicas, por causa da perda de superfí-cies de terra, de ilhas, das riquezas das matas e de áreas cultivadas e com fruteiras, e também por causa damodificação territorial que obriga a retraçar estradas, caminhos, pontos de embarque e desembarquefluvial. Haveria a perda de benfeitorias e serviços existentes nas posses de grupos nativos ou de gruposmigrantes de décadas atrás, nos assentamentos antigos e novos do Incra, em fazendas de colonizadoresprivados, e em latifúndios, que podem conter ainda extensões ou fragmentos de mata.

Mostramos no capitulo 1, de autoria do professor Oswaldo Sevá, algumas das características locais de cadatrecho do Vale do Xingu ameaçado de sofrer as conseqüências de cada uma das seis obras previstas.Registramos os focos de conflito que caracterizam a ocupação recente, pelos brasileiros não índios epelas atividades econômicas de relevância nacional e internacional (como o soja, o gado, a madeira delei, o ouro) nessa região onde antes só residiam os índios.

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A primeira proposta para represar o rio Xingu despertou uma forte oposição dos povos indígenas e um amplogrupo de ambientalistas e movimentos sociais. As movimentações das lideranças indígenas, incluindo viagensinternacionais e audiências com ONGs e Bancos multilaterais, culminando no “Encontro dos Povos Indígenas emAltamira” em fevereiro de 1989, tiveram grande repercussão, enterrando por um tempo o projeto Kararaô, aprimeira etapa do plano da Eletronorte para o aproveitamento hidrelétrico do rio Xingu.

2. A segunda tentativa frustrada de barrar o rio XinguAté 1999, a empresa foi, em geral discretamente, intensificando a implantação do projeto: fez modifica-ções geográficas e técnicas relevantes no projeto, rebatizou-o pela 2ª vez, agora seria o CHBM - Comple-xo Hidrelétrico de Belo Monte, somente com as obras da 1ª usina na Volta Grande. Passou a chamar deUsina ou Aproveitamento Altamira a anterior usina Babaquara, mas desmentia que iria faze-la, insistindoque Belo Monte tinha viabilidade mesmo que fosse um barramento “isolado” no rio Xingu.

Por volta de 1999, a Eletronorte, derrotada dez anos antes, parecia se recompor. Tornara-se um entepolítico regional em Altamira, na Transamazônica, o quê está devidamente registrado nos depoimentose informes apresentados nesse livro pelas lideranças locais Antonia Melo e Tarcísio Feitosa da Silva.

Mas, havia o desgaste provocado pelos sucessivos erros na condução dos problemas e das providênciasnecessárias em Tucuruí, sua obra exemplar e anti-exemplar. Ao longo destas duas décadas, muito seescreveu e muito se falou sobre a usina de Tucuruí e os problemas no entorno de sua represa com 2.400km2, e rio abaixo da barragem. Os desdobramentos sociais do investimento hidrelétrico vão ganhandoamplitude e abrangência, seja porque novos fatos não cessam de surgir, como a chamada etapa II, commais uma Casa de força e com a sobre-elevação do nível da represa e o aumento de mais 400 km2 na áreaalagada; seja porque o movimento social - como no mito grego de Sísifo – recria a atualidade em cadaconjuntura. A antropóloga Sonia Magalhães explica, em seu capitulo desse livro, com base em uma longavivência de pesquisa in loco, como a dinâmica social e a vida política do país e da região determinam adimensão dos efeitos sociais das grandes barragens.

Existem várias referências feitas em 2001, 2002, repetidas em 2004 pela presidência da Eletronorte sobre apróxima hidrelétrica a ser construída – agora chamada Altamira.1 O próprio Ministério de Minas e Energia,nas suas apresentações sobre os planos de expansão do setor elétrico na região amazônica, mostra a usinaAltamira, junto com Belo Monte (ver mapa abaixo). E, no orçamento federal do ano de 2004, R$ 2 milhõesforam destinados aos estudos de viabilidade da Babaquara, para ficar prontos até o ano de 2007.2

A finalidade da obra em si continuava obscura, fugidia, sobretudo porque eram intensas as críticas nocaso da usina de Tucuruí, por causa também do prejuízo que o país estava tendo com os contratos depreços obtidos pelas industrias de alumínio que se instalaram em Belém e em São Luis.

Em 2001, a partir de fevereiro e março de um verão pouco chuvoso, ficou claro que o sistema Sudeste -Centro Oeste e o sistema Nordeste de eletricidade tinham pouca reserva de água em muitas das maioresrepresas existentes na bacia do Paraná e do São Francisco. Uma crise de oferta de eletricidade se insta-lou, dadas as insuficiências no sistema detransmissão inter-regional. Foi quando osbarrageiros reapresentaram Belo Montecomo “a salvação do país”, e por isto, rei-vindicavam que os “empecilhos” fossemremovidos e que as obras como estas pu-dessem iniciar o quanto antes!

Tais jogos de esconder a finalidade, de cri-ar racionalidades após os fatos consuma-dos, de embaralhar ou camuflar alternati-vas, foram analisados com detalhe nos ca-pítulos desse livro assinados pelo jornalistaLúcio Flávio Pinto, que detalhou os desen-contros dos números econômicos – finan-ceiros e expôs sem retoques as grandezas e

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Fonte: Ministério de Minas e Energia, 2002. Integração Energética naAmazônia, no site http://www.caf.com/attach/8/default/PalestraIIRSA-19-11-02-ENERGIA-BR.pdf em 10/11/04

misérias desse “Pará exportador de minérios e de energia”, e pela engenheira e antropóloga Diana Antonaz,que entrevistou figuras proeminentes da intelectualidade “elétrica” e “petrolífera”, analisando quais osdiscursos e as lógicas daqueles que hoje ocupam posições centrais no setor de energia do governo. Cons-tatou, aliás, que a idéia de desenvolvimento defendida por estes técnicos volta-se para uma populaçãoabstrata, uma massa sem identidades e culturas, em vez de considerar as necessidades concretas de pesso-as de carne e osso.

Em fins de 2000 a Eletronorte firmou contrato com uma fundação chamada Fadesp, ligada à Universida-de Federal do Pará, através da qual foram formadas equipes de pesquisadores para elaboração do Estudode Impacto Ambiental. As condições desse contrato e a tentativa de obter a licença ambiental apenas noâmbito paraense, da Secretaria estadual de Tecnologia e Meio Ambiente, motivaram a iniciativa em 2001,do Ministério Público Federal em Belém, de peticionar uma Ação Civil Pública, e um dos pontos fortesde questionamento era a obrigatoriedade de consultar os indígenas das Terras Indígenas que fossemafetadas, e obter autorização do Congresso Nacional (artigo 231 da Constituição Federal).

A Eletronorte tentou contornar esta exigência quando redesenhou o projeto Belo Monte, colocando obarramento principal nas Ilhas Pimental e da Serra, uns 50 km rio acima da posição anterior , abaixo daprimeira grande cachoeira, Jericoá. E restringiu a condição de afetadas pelas obras apenas as terras quefosse alagadas. Assim, geograficamente, a área da T.I. Paquissamba, dos índios Juruna, deixaria de ficarsubmersa para ficar no trecho “seco” da Volta Grande, onde as vazões seriam sempre bem inferiores àsmédias historicamente observadas.

Quanto aos indígenas da região que seriam atingidos, são muitos mais do que os 50 e poucos Jurunaresidentes na T.I. Paquissamba. Alguns dos autores desse livro puderam comprovar que alguns milharesde beiradeiros mantêm contato cotidiano com Altamira, mesmo residindo 50 km ou mais rio abaixo ourio acima da cidade. Publicamos no livro, como um anexo, os dados cadastrais coletados pelo CIMI -Conselho Indigenista Missionário, que apontam mais de 400 moradores indígenas das etnias Xipaia,Kuruaia, Arara, Juruna e Kaiapó morando no trecho das barrancas do rio Xingu que seriam afetadas pelarepresa e nos trechos que ficariam na parte seca, rio abaixo da Ilha Pimental.

A própria Eletronorte reconheceu há muitos anos, e depois passou a negar, quando escolheu a alterna-tiva chamada Kararaô em 1988, que uma das alternativas em estudo (Kararaô III/Koatinema II) muitosimilar à atual Belo Monte traria “impactos indiretos de maiores proporções, devido à interrupção do fluxod´água no trecho da Volta Grande, o que interfere nos ecossistemas aquáticos e marginais e nas populações ribeiri-nhas e indígenas ali estabelecidas...” e admitiu uma população indígena na Volta Grande de “344 indivídu-os afetados diretamente” (Usina Hidrelétrica Kararaô, Efeitos e Programas Ambientais: Síntese, Eletronorte/CNEC, Outubro 1988).

Tais fatos e as várias versões sobre quem e quantos seriam atingidos, bem como o seu atual modo de vida,foram pesquisados e relatados pelo antropólogo Antonio Carlos Magalhães, e pelo geógrafo Reinaldo Costa,em outros dois capítulos do nosso livro.

A decisão judicial decorrente dessa Ação Civil Pública foi a de embargar o EIA e o processo de licencia-mento, decisão tomada em primeira instância em Belém, ainda em 2001, e mantida até a última instân-cia, em Brasília. Era a segunda derrota do projeto Belo Monte, em fins de 2002.

Tais tópicos foram devidamente detalhados e ponderados ao longo desse livro, no capítulo assinado peloadvogado Raul Silva Telles do Valle, do setor jurídico do ISA – Instituto SocioAmbiental de SP., e no capítu-lo assinado pelo Procurador Federal em Belém, Felício Pontes Jr e pela a antropóloga Jane Beltrão, daUniversidade Federal do Pará.

3. Simulação das potências hidráulicas do rio Xingu, se as usinas funcionassem desde 1931Metodologia: A simulação aqui usada foi feita usando-se o modelo Hydrolab (Cicogna e Soares Fo., 2003,FEEC, Unicamp) que foi alimentado pela base de dados do SIPOT - Sistema de Informações do PotencialHidrelétrico, da Eletrobrás), que informa os valores numéricos da vazão d’água do rio Xingu em Altamira,mensurados in loco ou extrapolados, desde o ano de 1931 até o ano de 1996. Destacamos o subperíodode 1949 a 1956, por ser considerado o de melhor pluviosidade, do ponto de vista da geração hidrelétrica

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nos rios brasileiros do hemisfério Sul. Não se trata portanto de afirmar quanto da sua potência instalada,tais usinas poderiam no futuro acionar, e sim, trata-se de deduzir como elas teriam funcionado no passa-do, se existissem nesses pontos desses rios que apresentaram essas vazões. Neste item apenas resumimosos números das simulações feitas para três tipos de situações hipotéticas.

A) BELO MONTE COMO APROVEITAMENTO ÚNICO NA BACIA DO XINGU: se apenas uma usina hipoté-tica, Belo Monte funcionou abastecendo a rede básica nacional entre 1931 e 1996

A potência máxima assegurada teria sido 1.356 MW

(ou seja: se naquele período, durante alguns dias a demanda ultrapassou 1.356 MW, a vazão turbinávelpela usina não assegurou mais do que esta potência, e a demanda teria que ser atendida por outra centralna mesma rede)

B) BELO MONTE COM BABAQUARA (ALTAMIRA) REGULARIZANDO O RIO XINGU: se apenas duas usi-nas hipotéticas, Belo Monte e Babaquara funcionaram conjuntamente entre 1931 e 1996

A potência máxima assegurada nas duas usinas teria sido 7.950 MW

Fazendo-se a repartição desta potência entre as duas usinas, supondo o aproveitamento total da água nasduas usinas (sem vertimento turbinável), teríamos:

31% da potência total seria fornecida pela usina Babaquara 3.078 MW

69% da potência total seria fornecida pela usina Belo Monte 4.872 MW

Para comparação: era previsto como potência instalada nas duas usinas 17.772 MW

Sendo Belo Monte, na versão mais recente, com uma Casa de Força complementar,

ou então 12.090 MW

na versão anunciada em outubro de 2003, com metade de potência na Casa de Força principal de BeloMonte.

A conclusão evidente é que somente com as duas usinas hipotéticas, Belo Monte e Babaquara funcionan-do, é que a situação operacional e econômica melhorou e passou a ser aceitável, pois para uma potênciainstalada de 12.090 MW, a máxima assegurada foi de quase 8.000 MW.

C) REPRESAMENTO INTEGRAL DO RIO XINGU E IRIRI: se as seis hipotéticas usinas funcionaram con-juntamente no período 1931-1996 (Jarina, Kokraimoro, Ipixuna, Iriri + Babaquara e Belo Monte)

A potência máxima assegurada nas seis usinas teria sido 12.806 MW

Para comparação, eis os números das potências previstas para serem instaladas, conforme a diretriz de “Apro-veitamento hidrelétrico integral” do rio Xingu, (IHX, CNEC, Eletronorte, 1980) e registradas no SIPOT:

1. Eixo Jarina 620 MW

2. Kokraimoro 1.490 MW

3. Ipixuna 1.900 MW

4. Iriri 770 MW

5. Babaquara 6.590 MW

6. Belo Monte* 11.000 MW

ou então: * na versão reduzida anunciada em outubro de 2003 5.500 MW

total da potência prevista para instalar 22.370 MW

ou, total incluindo Belo Monte versão reduzida 16.870 MW

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4. Resumo das dimensões do projeto da usina Belo Monte versão 2004A potência total prevista na 2ª versão do projeto, que vigorou desde 1998 até meados de 2003, era de11.182 Megawatts, dos quais 182 MW numa Casa de Força complementar, situada no paredão principal daIlha Pimental, e 11.000 MW na Casa de Força principal (Belo Monte); esta é a mesma potência previstana versão anterior do projeto, Kararaô, de 1988, mas é maior do que a potência de 8.400 MW indicada noInventário Hidrelétrico do Xingu (CNEC, Eletronorte, 1980).

A amplitude das variações da vazão do rio Xingu é muito grande, e as duas “meias” represas previstas teriampequena capacidade de armazenamento de água. Esta Casa de Força principal trabalharia com a capacidademáxima ou próxima dela durante três meses por ano no máximo; e muitas vezes, nem isto. Somente nosmeses de Março, Abril e Maio, o rio Xingu costuma ter uma vazão média mensal superior ao engolimentomáximo das turbinas de 13.900 m3/s. O Estudo de Viabilidade entregue à Agência ANEEL aponta uma“energia firme” da ordem de 4.700 MW médios (correspondendo a 42 % da potência nominal prevista, umíndice perto dos índices comuns a outras usinas no país), como que sugerindo ao leitor que a usina gerariapelo menos nesta faixa de potência, sempre, mesmo nos meses mais críticos do ano. Os cálculos que pude-mos fazer indicam que esta “energia firme” somente teria alguma chance de ser mantida, se fosse de fatoconstruída a outra represa rio acima, chamada antes de Usina Babaquara, rebatizada Usina Altamira, comum grande reservatório de acumulação, e prevista para alagar uma área de mais de 6 mil km2..

A instalação de dez grupos turbo-geradores (TGs) com 550 MW cada, numa primeira etapa, totalizando5.500 MW, ou de quatorze TGs, totalizando 7.700 MW não resolve o problema decorrente da amplitudedas vazões do rio. Embora, com uma potência menor, a usina possa funcionar “perto da capacidademáxima” por um período de tempo maior a cada ano; por exemplo, instalando-se dez TGs, a vazãod’água turbinada cairia para a faixa de 6.950 m3/s, o quê seria em geral factível por um período de até seismeses, de Janeiro a Junho, se considerarmos as vazões mensais médias já registradas no passado.

As superfícies totais ocupadas pela água represada e pelos canais seriam da ordem de 440 km2 a 590 km2,uma quarta parte dessa área estaria na represa dos quatro igarapés, criada em terra firme e três quartosdessa área ficariam na calha do Xingu; no projeto anterior, a área chegava a 1100 km2 .

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O volume d´água armazenado seria da ordem de 3,8 bilhões de m3 de água, com uma profundidade médiadas duas represas e do sistema de canais entre 6 e 8 metros. (v. quadro 2.3-1 do Estudo de Viabilidade).Pela concepção adotada para a obra, não seria obtida alguma regularização da vazão do rio. A “corrente-za” do Xingu estaria sendo conduzida por três canais principais e alagados rasos, até uma barragem alta(em relação à cota onde ficam as máquinas geradoras e o canal de fuga) mas com pouca profundidade epouco volume acumulado. As máquinas turbo-geradoras engoliriam a vazão que estiver chegando com orio Xingu na primeira represa; no jargão da engenharia elétrica, a usina trabalharia na modalidade “a fiod’água”. Na hipótese de realizar a obra em duas grandes etapas, cortando a potência inicialmente insta-lada pela metade, foi dito que seria construído apenas um canal de adução, retificando um dos doisigarapés, de Maria e Gaioso, e que seria construída a metade da Casa de Força principal. Construir oprojeto em duas fases não diminuirá os impactos ambientais ou sociais daquele conjunto de obras; detodo modo os três grandes paredões de rocha e concreto teriam que ser feitos: 1) na Ilha Pimental, abarragem do vertedouro principal , trancando o rio para forçar o desvio da Volta Grande e abrigando acasa de força auxiliar de 182 MW; 2) a barragem do vertedouro complementar abaixo da CachoeiraJericoá, na margem esquerda do Xingu; 3) o paredão final da segunda represa onde ficaria o prédio daCasa de Força principal, onde hoje passa a rodovia Transamazônica, entre a balsa de Belo Monte doPontal e Altamira, e o canal de fuga das águas turbinadas até a margem esquerda do Xingu, próximo doigarapé Santo Antonio.

5. Rotas possíveis para a eletricidade de Belo Monte e a (ir)racionalidade elétricaA destinação da eletricidade que seria gerada não está clara nem compromissada, até fins de 2004.

Pela lógica, são apenas duas possibilidades:

1. atender o consumo de outras regiões e/ou

2. atender a região Norte; e aí os fluxos de energia podem se bifurcar em• para atender os mercados convencionais urbanos e rurais da região e / ou• para atender os consumidores eletrointensivos aí já instalados e/ou• atender os eletrointensivos que venham a se instalar.

Os argumentos e as promessas de atender o Centro Sul e o Nordeste com a eletricidade proveniente deBelo Monte são freqüentes no EIA embargado, no estudo de viabilidade apresentado à Aneel, e nodiscurso de muitas autoridades econômicas e do setor elétrico, nos governos anteriores e no atual.

Para fornecer na base do sistema, somente com a geração adicional de Belo Monte, é difícil que sejustifique, impossível, talvez. Em nossa simulação do passado, a usina teria fornecido nas ultimas setedécadas, um patamar mínimo de 1300 MW nos meses secos mais favoráveis de todo o período.

Mas, nos meses com mais água e nos anos mais favoráveis, esta usina poderia também despachar exce-dentes sasonais para o Nordeste ou para o Centro Sul, mas isto dependeria de como estivesse despachan-do a usina de Tucuruí e da capacidade operacional de transmissão das atuais interligações Norte Sul I eII. Quanto à eventual complementaridade entre a sasonalidade do Xingu em Belo Monte e a sasonalidadedos rios onde ficam as usinas no Sudeste e no Nordeste, trata-se de logro técnico, pois poderia haveriauma defasagem de apenas 40 dias ou 50, entre o pico da cheia , por exemplo, na bacia do Paraná, emfinal de janeiro, inicio de fevereiro , e na bacia do Xingu, em Março ou Abril.

As obras de transmissão para ligar esta energia desde o Xingu até a Linha tronco Norte Sul seriambastante caras e acrescentariam 60% a 70% ao custo de geração; somente o custo desta transmissão eraestimado, em 2001, na faixa de 12 dólares/Megawatt x hora. No capitulo desse livro preparado peloengenheiro eletricista André Saraiva de Paula são ressaltadas as imprecisões, da ordem de bilhões dedólares, conforme as fontes de informação, quanto ao montante de investimento na construção do siste-ma de transmissão associado à usina Belo Monte.

A empresa pode até baratear, na aparência, estes custos, já que ao longo dos anos, vêm sendo incorpora-das nos Planos Decenais da Expansão da Transmissão algumas obras que visam ao reforço da ligaçãoNorte-Sul e à sua integração com o hipotético sistema de transmissão vindo da Volta Grande do Xingu.Mas a manobra é fictícia pois objetivamente são montantes já gastos para a mesma finalidade futura.

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Os mercados locais convencionais, as maiores cidades dos Estados do Pará, do Maranhão e do Tocantinsestão abastecidos, sem qualquer razão para crise ou déficit, e mesmo que avance a carga requisitada pelaeletrificação rural, o fato é que são modestos nestes Estados o tamanho populacional e a dimensão eco-nômica. Comunidades na área rural e isoladas na mata, nas beiras dos rios têm mais chances de serematendidas por eletricidade obtida por meio de placas foto-voltaicas, micro-hidrelétricas, e de moto-gera-dores queimando óleo diesel, e eventualemnte óleo vegetal.

Já os grandes clientes (indústrias metalúrgicas e a mineradora CVRD) estão por enquanto garantidoscom o acréscimo de geração na etapa II da usina de Tucuruí, quase pronta, e com os contratos (assinadospela 1ª vez em 1984) recentemente refeitos ou substituídos.

A outra única opção, que explique a decisão de construir e instalar uma usina desse porte nesse local -–além do intercâmbio regional - é a eletricidade adicional a ser despachada por Belo Monte servindo paraviabilizar novas ou futuras ampliações das atividades de mineração e metalurgia na região.

Por exemplo, mais um ou dois mil Megawatts garantidos seriam um bom reforço na transmissão paraVila do Conde, PA e para Ponta da Madeira, São Luis, MA, onde ficam as fundições de alumínio; ouentão para uso em Açailândia, MA (ferro-gusas ou ferro-ligas) ou na Serra Norte, PA, na ampliação dasminas de ferro e de manganês e nas novas instalações de concentração e de fundição de cobre da CVRD,inauguradas em 2004 pelo Presidente Lula e o Diretor Presidente da CVRD, Roger Agnelli.

De quebra, eventualmente os guseiros e fundições elétricas de ferro-ligas podem se ampliar, e podemtambém ser construídas novas instalações na região, além da sempre falada hipotética usina siderúrgicamaranhense. A empresa norteamericana Alcoa está avaliando a implantação de uma mina de bauxita erefinaria de alumina em Juriti Velho, na região de Santarém, PA, e já manifestou seu interesse em sersócia do mega-projeto Belo Monte.

Esta “opção” pelo uso da eletricidade futura do Xingu no suprimento da mineração e da metalurgiaaparece oficialmente como uma dentre outras alternativas, sempre de modo diluído numa cesta deopções...mas está presente de forma mais nítida nos mapas das LTs publicados entre 1999 e 2002.

Só que, para os empreendedores e para o próprio governo federal, não ficaria bem esta “repetição deTucuruí”: poucos querem assumir que esta eletricidade de alto custo e de grande impacto seria exclusiva-mente ou principalmente para a viabilizar a mineração e a metalurgia de exportação.

6. Resumo das conseqüências locais das obras hipotéticas da usina Belo MonteOs territórios que seriam mobilizados por este conjunto de obras civis, e mais os que seriam afetadosdiretamente pela inundação e pela mudança radical das condições locais, incluem

1) um grande setor terrestre da Volta Grande entre o rio e rodovia Transmazônica, no trecho dos assen-tamentos do Incra e das fazendas entre Altamira e a balsa em Belo Monte do Pontal, mais as terrasribeirinhas e barrancas do rio Xingu ao longo de duzentos km, em dois trechos totalmente distintos:

2) no primeiro trecho com oitenta a noventa km de extensão, barrancas, terras ribeirinhas e ilhas seriamcobertos de água pelo menos até a cota 97 metros, (em alguns documentos é mencionada a cota 98m)formando a represa “da calha do rio”. Seriam alagados os terrenos perto dos vários igarapés desembo-cando no rio Xingu, e, na cidade de Altamira, seriam afetadas as áreas baixas que ladeiam os igarapésAmbé, Altamira e Panelas. (detalhes a seguir)

3) e no segundo trecho, mais cento e dez km ao longo da Volta Grande até o local previsto para o canalde fuga, onde a água turbinada na usina re-encontra o rio Xingu, o leito natural desse rio ficarásempre com uma vazão bem menor do que as mínimas históricas. (mais detalhes adiante)

Mais de 2 mil famílias desta periferia urbana seriam obrigados a se mudar, além das 800 famílias na zonarural e 400 famílias ribeirinhas.

No total, seriam 3.200 famílias, aproximadamente 16.000 pessoas, a .grande maioria das quais tempouquíssima informação precisas sobre o projeto e as conseqüências que teria a expulsão de suas casas ede suas terras. Na versão fabricada pela Eletronorte, são todos miseráveis, morando muito mal, sem

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serviços públicos mínimos, e ficarão bem melhor após serem indenizados ou nos novos assentamentosque a empresa generosamente lhes oferece.

O artigo do Robert Goodland, apresenta um padrão internacional de análise dos impactos das grandesbarragens e reconhecimento dos direitos dos atingidos por barragens que poderia indicar procedimen-tos mais adequados para o planejamento de grandes obras no futuro.

O uso de avaliação estratégica ambiental possibilitaria a avaliação comparativa dos impactos e benefíciosde várias opções de projetos de desenvolvimento regional.

O reconhecimento do direito de consentimento anterior e informado (Prior Informed Consent) é talvez aúnica maneira conhecida de garantir que os atingidos por projetos do setor elétrico possam ser sujeitosparticipantes e ativos na determinação do seu próprio futuro.

Resumindo-se os efeitos hipotéticos da represa de Belo Monte em Altamira:

Pode-se deduzir das cartografias que a área construída de Altamira ficaria entrecortada pelos remansosdos igarapés, que estariam represados ao longo de alguns km correnteza acima de sua foz na margemesquerda do Xingu.

Igarapé Ambé. Seriam alagados os terrenos e fornos dos oleiros e a área do balneário São Francisco, aolado da ponte do acesso rodoviário que liga a cidade à Transamazônica. Várias residências de um lado eoutro desta ligação viária teriam que ser retiradas, ou teriam seu terreno diminuído; talvez a própria pistateria que ser elevada e uma nova ponte construída. Na boca do igarapé no Xingu, também haveriaremanejamentos a fazer, e talvez a serraria e a cerâmica antigas sejam atingidas; o bairro dos pescadorese carroceiros talvez ficassem cercados de água do igarapé e do rio.

Igarapé Altamira. Seriam alagadas as margens atuais, onde ficam as palafitas, na altura do cruzamentocom a rua Comandante Castilho, e todo o espraiamento do igarapé no bairro Brasília, interrompendoruas, e em alguns casos, tendo que elevar as pistas, as pontes de travessia e as pinguelas que o povo usatodo dia. A conferir, casa por casa, como ficaria o bairro chamado São Sebastião, onde residem os índiosxipaia e arara, além de moradores não índios.

Igarapé Panelas. Seriam alagados os terrenos e fornos dos oleiros, e talvez a água atingisse trechos daestrada que liga com o Aeroporto, e a ponte. A verificar como ficariam as duas serrarias que ainda funci-onam por ali. Uma perda importante seria a Praia do Pajé, com o seu sitio arqueológico, indicandopresença antiga de indígenas por ali.

Calçadão da Beira–Rio. A água represada bateria no muro de arrimo da avenida João Pessoa, uns doismetros abaixo da calçada, a conferir. Remanejamento total de todas as moradias ribeirinhas desde o BISaté o Xingu Clube, e modificação radical dos “portos” dos batelões e voadeiras, por exemplo, na rampado “Seis” onde há varias casas que ficariam abaixo da cota 97 metros.

A avaliar como ficariam alguns tubulões que despejam águas pluviais (e talvez esgotos clandestinos) nomuro de arrimo, com as bocas de saída uns três metros abaixo da calçada.

A paisagem da ilha Arapujá bem em frente da cidade ficaria mutilada, a ilha quase toda submersa, so-mente as arvores mais altas aparecendo.

Efeitos prováveis nas imediações da cidade: As atuais praias desapareceriam ou ficariam com a largurabem reduzida; a maior parte das ilhas ficaria bem reduzida, com a água batendo quase sempre nasárvores. Também mudaria, claro, o modo de operação da balsa que liga a margem esquerda (entre acidade e o aeroporto) com a margem direita (rodovia “Trans-Assurini”). E os pontos atuais de retirada deareia e de seixos do fundo do rio seriam abandonados, e outros seriam abertos.

Conseqüências na parte fluvial da Volta Grande do Xingu: Os arquipélagos sucessivos, desde rio acima deAltamira até a altura das Ilhas Pimental e da Serra, uma faixa de uns 80 km de comprimento por 8 , 10, 20km de largura, ficariam totalmente cobertos. Senão, quase isto, ficando para fora, até que morram deuma vez, as copas de árvores mais altas, castanheiras, sumaúmas.

Os igarapés Gaioso e da Maria seriam rasgados por máquinas, com largura de até 500 metros, com ofundo concretado, e suas barrancas acrescentadas de diques altos; seriam os tais canais de derivação do

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fluxo d água represado em direção à represa dos “cinco igarapés”. Os pequenos afluentes dos igarapés deGaioso e de Maria seriam contidos do “lado de fora” dos diques, e formariam alagadiços intermináveis noInverno e barreiros esquisitos no verão, problema aliás já pressentidos pelos moradores das comunida-des rurais nos travessões 27 e 45.

Toda a faixa dos dois igarapés e dos morrinhos que dividem suas bacias fluviais, seria atravessada pela maiorestrada de serviço da obra (barragem Pimental e um grande alojamento), e também seria atravessada porlinhas de transmissão de eletricidade em tensão de 69 kV para suprir o canteiro de obra; e quando começas-se a operar, atravessariam ali as faixas das linhas de 230 kV vindo da Casa de Força complementar.

A maior parte da vazão que chega e passa pela represa acima da Ilha Pimental, seria desviada pelos canaisde derivação para a represa e só seria devolvida ao rio Xingu depois de turbinada na casa de força prin-cipal em Santo Antonio do Belo Monte.

A descida encachoeirada da Volta Grande tem uns 150 km de comprimento; grosso modo, a primeiraterça parte ficará sob a água da represa; nos dois terços finais, a calha do rio será a mesma, mas a vazãoserá sempre menor do que as menores vazões históricas observadas no rio a cada mês.

As vazões liberadas pelo operador da usina para jusante, em 2/3 da Volta Grande serão sempre menoresque os “piores meses” em termos de vazão.

Supondo-se que o operador seria a Eletronorte e que ela cumprissse daqui a tantos anos a sua promessaatual, os números tirados do EIA apontam a situação seguinte:

• no Inverno amazônico, as mínimas mensais mais baixas foram em Março, com 9.561 m3/segundo e emAbril, 9.817 m3/s, e conforme o EIA, seriam liberados um mínimo de 15,7 % e 20, 4 % destas vazões;respectivamente - 1.500 m3/ s em Março e 2.000 m3/ s em Abril

• em pleno Verão, as mínimas mensais do rio Xingu ali foram de 908 m3/s em Agosto - e a liberação seriade apenas 250 m3/s, uns 27%; e 477 m3/s em Setembro - quando a liberação seria de apenas 225 m3/s.Em Outubro, a mais baixa das mínimas mensais, com 444 m3/s, a liberação no vertedouro do Pimentalseria de apenas 200 m3/s.

Ou seja, nos dois meses do verão com o rio sempre mais seco, seriam liberadas a jusante do Pimental,vazões equivalentes a 45 % - 47 % das vazões mínimas históricas destes dois meses.

Simplesmente nunca naquele trecho o rio teve tais vazões, nem poderia ter, a não ser durante umacatástrofe climática!

A navegação que é bem difícil no Verão, ficaria impossível.

A calha do rio, larga com vários km de ilhas e pedras ficaria praticamente no seco com poças de água,quentes durante o dia, como em geral a água nos trechos mais rasos é quente no Verão, e mornas duran-te boa parte da noite.

Como ficarão os peixes, retidos nas poças, sem chance de circular, de nadar contra a correnteza? E oscarizinhos dourados que todos querem vender para o exportador, sumirão? O mosquito da pedra todostemem que prolifere ainda mais, faz sentido, ele sempre aumenta no verão. Moluscos há muitos nosbancos de areia, podem dominar ou desaparecer? E os pássaros que os comem? E as cobras e quelôniosque estão sempre por ali? E as abelhas que ficam na florada dos arbustinhos das restingas?

Se houver o barramento , com o ex- rio ficando bem mais seco, isto facilitaria para os garimpeiros, pois alâmina d água sempre seria menor do que hoje, os mergulhadores poderiam ficar mais no raso, ou até,desnecessários, pois em muitos trechos, o fundo do rio estará quase sempre à mostra...

Podem até procurar ouro com menos dificuldade e menos custo, só que também eles precisam de águapara beber e lavar seu cascalho e sua bateia. Suas dragas precisam de rio navegável para se deslocar de umponto a outro de garimpagem. As pilhas de seus rejeitos, que já afloram atualmente ficarão como pirâmi-des eternas ao longo do leito antigo do rio.

Para os que moram nas barrancas e mesmo para dentro, mas próximos do rio, haveria um transtornogrande, aumento de despesas e dos problemas com a captação de água. Talvez algum colapso ocorra em

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várias casas e comunidades que usam água de poço. Isto porque o lençol freático no verão fica em geralno nível de 6 a 8 metros abaixo do solo, contando-se a partir das barrancas altas do rio, onde ficam ascasas. Se o rio estiver barrado com a vazão bem mais baixa que o usual, estes lençóis podem baixar metrose metros, e alguns podem secar de vez.

Na confluência do rio Bacajá com o Xingu, o encontro das vazões dos dois rios produz atualmente algotipicamente amazônico: no verão, o rio Bacajá vindo com pouca água pela margem direita, escorre len-tamente para dentro do Xingu também com pouca água; no inverno, o Xingu pode vir com tanta forçaque ao invés do Bacajá despejar a sua água ali naquele ponto, o Xingu é que invade o afluente e formaráuma barreira hidrodinâmica, uma espécie de freio, que o povo e os engenheiros chamam de remanso.Este remanso poderia nunca mais existir, se de fato forem liberadas no Xingu as tais vazões ínfimas. OBacajá chegaria com a sua vazão usual, e escorreria direto no Xingu, sem qualquer resistência ou amor-tecimento; no trecho final do Bacajá, durante o Inverno, haveria no lugar do remanso que atualmente seforma, uma correnteza mais veloz e um aumento na erosão das barrancas.

Todas as grandes cachoeiras, a começar pela Jericoá, secariam muito, ficariam com quase uma quartaparte de água que deveriam ter, p.ex. em Agosto, ou menos da metade do que deveriam ter, p.ex. emOutubro. Aumentariam muito as extensões de praias e ilhas de areia. A vegetação de restinga e algunsmanguezais na parte baixa tendem a morrer, pois podem ficar uma ou mais estações sem ser afogadaspela água que as fertiliza. Ou, porque suas raízes ficariam distantes dos lençóis subterrâneos da região dacachoeira, que tenderiam a baixar, em relação aos níveis de hoje.

Rio Xingu abaixo da praia da Jericoá, começam a desaguar pela margem esquerda, os quatro igarapésque nascem lá perto dos lotes da Transamazônica e dos travessões 45 e 55, e que vêm até aqui na zona dascachoeiras: o Paquiçamba, depois o Ticaruca, o Cajueiro, e o igarapé Cobal.

Estes quatro igarapés foram escolhidos para compor uma parte do projeto Belo Monte - a “represa emterra firme”, que serviria para encurtar o trajeto das águas até o desnível final em Santo Antonio doBelo Monte.

Como as barragens que formariam a tal represa são verdadeiros diques, elas não teriam vertedouros nemcomportas. Conclusão: dali para baixo, cada igarapé represado ficaria completamente seco no início dotrecho, talvez se torne intermitente no Verão, e, apenas na época mais chuvosa, poderia reconstituir umapequena parte de sua vazão usual. Nas margens destes igarapés pode haver um rebaixamento dos lençois,ou – ao contrário, pode minar água acumulada kms acima, na represa.

7. Resumo das conseqüências ambientais e alguns riscos dos projetos Belo Monte e Baba-quara no âmbito regional e planetárioO sistema hídrico represa de hidrelétrica é, em cada local, inédito, algo que nunca houve antes; a represa sesobrepõe ao ecossistema fluvial anterior. Os habitats existentes são destruídos, inteiramente ou em parte,e outros habitats serão criados na represa e nos novos relevos e interfaces por ela definidos. Se e quandofor feita a 1a. obra, seriam mais de 400 km2, ou 40 mil hectares cobertos por duas “meias” represas ligadaspor meio de canais; se for feita a segunda seriam mais de 6.000 km2 ou 600 mil hectares. Nesses novossistemas ocorrerão:

Mecanismos certeiros, mas com diferentes resultados em cada represa:

• estratificações de temperaturas e luz por camadas, conforme se aprofunda na massa d’água, quantomais fundo mais frio e mais escuro;

• afogamento e putrefação da vegetação, do húmus e dos resíduos orgânicos do solo anterior - no fundoda represa, com a emissão conseqüente de ácidos orgânicos voláteis ou gasosos, de hidrocarbonetos, degases carbônicos, e às vezes de sulfetos voláteis ou gasosos;

• formação e decadência lenta dos “paliteiros” de árvores moribundas nas áreas onde antes havia árvo-res, mais a formação e putrefação lenta dos falsos brejos que se formam nas margens mais rasas eremansos da represa;

• acúmulo de sedimentos trazidos pelo rio e afluentes da represa e retenção de uma parte desses sedi-mentos pelas plantas aquáticas;

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• evaporação da lâmina d’ água, evaporação nos vertedouros construídos e no turbilhão dos canais defuga da usina; evapotranspiração das plantas aquáticas;

• seleção forçada das espécies da microfauna, dos bichinhos que vivem nos sedimentos e dos peixes,crustáceos, moluscos e batráquios que sobrevivem no lago;

• bloqueio ou dificuldades nas rotas migratórias de espécies aquáticas; novos pontos de parada em rotasmigratórias de aves e de animais peri - aquáticos; proliferação de insetos dos tipos de águas paradas(nos remansos) e dos tipos de águas revoltas (nos vertedouros da barragem).

Em cada novo ecossistema, as populações destas espécies poderão se reproduzir enquanto as condiçõesbiogéoquímicas não se alterarem muito, enquanto não houver descontinuidades grandes na cadeia alimen-tar, na oxigenação da água do rio. Poderão se reproduzir enquanto estiverem dentro de um rio e de umarepresa com condições hidrodinâmicas e bioquímicas suportáveis, dentro de extremos delimitados (p.ex. derenovação e velocidade ou estagnação da água, de sua acidez e temperatura, da concentração de íons metáli-cos e ou de compostos orgânicos tóxicos) por parte das espécies que ali vivem, e das que por ali passam.

As represas sempre ficam sujeitas às possibilidades de degradação provocadas por eventos e atividades nabacia de montante, nos rios e igarapés que as formam, e nas terras em toda a sua orla: os mais comuns sãoo aumento da sedimentação por causa de erosão e do acúmulo de esgotos e de efluentes industriais não– tratados; contaminação decorrente do uso de agro-químicos; fermentação do material orgânico exce-dente com consumo de uma parte do oxigênio dissolvido na água.

Como a atividade agrícola e agropecuária vêm se intensificando na área drenada pelos mesmos igarapésque hipoteticamente desembocariam nas represas, haverá sempre o risco de acúmulo de excesso denutrientes (nitratos, fosfatos) e de amônia dissolvidos na água e nos sedimentos. Como os esgotos dacidade de Altamira também podem se acumular em trechos da represa, deve-se contar com a ocorrênciade proliferação de algas e de plânctons de determinadas espécies, por exemplo, de cianobactérias e deoutras que provocam intoxicações nos peixes e nos humanos. O processo é conhecido como eutrofizaçãodo corpo d’água, e potencializa vários dos efeitos já descritos.

As árvores deixadas em pé nos reservatórios – formando a paisagem chamada de paliteiros – vão sedecompondo e sua parte exposta acima da água emite gás carbônico (CO2). No fundo dos reservatóriosnão há oxigênio, e a decomposição produz o gás metano (CH4).

Nos primeiros anos o metano vem da decomposição das camadas de folhas da floresta, do húmus, e deuma parte do carbono do solo; o gás continua sendo produzido em anos posteriores pela decomposiçãode plantas herbáceas que crescem, a cada ano, nas áreas expostas temporariamente, na vazante, ou seja,quando o nível d’água desce. A água que passa pelas turbinas vem de níveis mais profundos nos reserva-tórios, onde o metano é mais concentrado.

O artigo do pesquisador Philip Fearnside analisa minuciosamente esse processo de emissão de gases carbônicos,que contribuem para o aumento do efeito estufa no nível global, considerando a hipótese de construçãodas duas usinas, Belo Monte e Babaquara. Uma parte do gás metano produzido no enorme reservatório deBabaquara seria liberada na própria represa e na barragem (vertedouros e turbinas) e outra parte seriarepassada a jusante para a represa Belo Monte, fazendo aumentar as suas emissões próprias.

O conjunto formado por Belo Monte e Babaquara teria um saldo negativo, em termos de emissões degases de efeito estufa, quando comparado com uma usina termoelétrica à gás natural durante pelo me-nos 41 anos após o enchimento da primeira represa.

Além disto, aumentando a formação, dentro da água das represas, de ácidos orgânicos (acético, fórmico)e eventualmente de sulfetos, haveria a acidificação progressiva da água, com conseqüências comprova-das para a saúde animal e humana, e também para as instalações da usina. Os prejuízos decorrentes dacorrosão acelerada de todas as partes metálicas dos equipamentos em contato com a água, já foramcomprovados pela mesma Eletronorte na usina de Balbina, Amazonas, e pela Celpa, na usina de Curuá-Una, próximo de Santarém, PA.

Com a acidez, haverá uma maior solubilização de íons de metais pesados existentes na própria terra emcontato com rio (leito e barrancas, rochas e lajes), e dos compostos trazidos pelos sedimentos e pelacorrenteza, ou eventualmente resíduos de atividades econômicas como o uso de mercúrio no garimpo;

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ocorrerá o processo de bio-metilação de metais pesados e em seguida, o processo de bio–acumulaçãodesses metais, ao longo da cadeia alimentar, aa contaminação atingindo, com taxas de concentraçãoexponenciais, os animais aquáticos e peri-aquáticos (síndrome de Minamata).

Grandes estruturas e represas também costumam provocar eventos sísmicos, ou tremores de terra; e nocaso das duas represas Belo Monte e Babaquara, que se formariam sobre leito rochoso cristalino, comfraturas naturais e cavernas, aumenta também o risco de extravazamento da água acumulada para terre-nos localizados em bacias vizinhas – que usualmente ocorre também (chamado de percolação) atravésdos paredões das barragens e dos diques laterais dessas represas, trinta deles na represa Belo Monte emuitos mais, com dezenas de km de comprimento na represa Babaquara.

Enfim, trata-se da destruição de um dos monumentos fluviais do País e do Mundo, a Volta Grande do rioXingu, algo para o quê é impossível de se estabelecer compensações, ou mesmo mitigações. Isto é o queestá sintetizado, na forma de uma teoria geral sobre estas mega-hidrelétricas, no ultimo capítulo do livro,de autoria do professor Oswaldo Sevá.

8. A terceira tentativa dos barrageiros e dos “eletrointensivos”, desde 2003.

Durante os anos 1990 e no começo da década atual, a polarização política e partidária que se formou emAltamira e no Pará a propósito desse mega-projeto, indicava quase sempre os parlamentares e candidatos dospartidos então considerados de esquerda, o PT, PCdoB, PSB, como sendo opositores do Belo Monte, e- porsimetria, eram a favor da obra os partidários locais e regionais dos governos estaduais do PMDB (J. Barbalho) edepois do PSDB(A . Gabriel e S. Jatene), alinhados, neste caso, com o governo federal na era Cardoso-Maciel.

Em 2001 e 2002, todos que acompanhavam o caso tinham a sensação de que uma vitória do candidatoLula poderia sepultar o projeto Belo Monte e os demais que eram mantidos na berlinda exatamentepelos políticos e militantes da antiga oposição.

Mas não! Uma das razões é que, durante os primeiros meses do novo governo, em 2003, o senador JoséSarney, aliado do governo Lula, convencia a cúpula federal da importância e oportunidade do projetoBelo Monte. No início de 2004, mostrou que ainda comandava o seu feudo na máquina federal, provo-cando a troca de presidente da Eletrobrás, que é a empresa acionista principal da Eletronorte e dasoutras geradoras estatais Furnas e Chesf.

Os “novos” dirigentes marcam o retorno do engenheiro Muniz e de sua equipe à frente do projeto debarrar o Xingu. Mas agora, tiveram que se contorcer para diminuir o tamanho do investimento previsto,reconhecendo que a empresa não tem como bancar sozinha, e que precisa atrair investidores para seassociarem ao seu projeto Belo Monte, e além disso, parecem ter convencido a presidência do banco estatalBNDES, mesmo sem a devida análise técnico-econômica, de assegurar uma parte do financiamento.

A “saída” agora apontada como natural é a formação de um consórcio de grupos poderosos, capazes dealavancar o financiamento aqui e no exterior, e depois, contratar a compra de alguns pacotes de eletrici-dade de bom tamanho: as três geradoras estatais, mais as empreiteiras, lideradas pela Camargo Correa, asfabricantes de equipamento pesado como a ABB, a Voith-Siemens, e as indústrias grandes consumidorasde eletricidade, lideradas pelas mineradoras e metalúrgicas Alcoa, CVRD, e a australiana BHPBilliton.

A Eletronorte portanto, será provavelmente uma sócia menor desse denominado Consórcio Brasil, e pro-vavelmente restará a ela a função de fazer o serviço político local, dobrar os resistentes, neutralizar osdescontentes, fomentar os apoiadores. E talvez venha a administrar a sua insistente “inserção regional”,repartindo os “royalties” futuros por meio de uma “special purpose company”, tudo dentro de seu delíriode poder regional, de se tornar um Estado dentro do Estado do Pará.

A novidade agora é algo bem mais estratégico: todos podemos ter a certeza de quem vai operar – não seráa Eletronorte sozinha nem a principal sócia – e de quem vai usar a eletricidade dessa obra, se acaso umdia ela chegar a ser feita – não será o “resto do país”, nem o Nordeste à beira da crise, muito menos amalha elétrica Centro Oeste Sudeste, e sim as indústrias eletrointensivas que já comandam esse mesmoespetáculo na Amazônia paraense e maranhense e pelo mundo afora há um século.

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Notas

1 Em 2001: o então Presidente da Ele-tronorte, José Muniz Lopes, em entre-vista com a jornal O Liberal (Belo Mon-te entusiasma a Eletronorte por SôniaZaghetto, 15/07/2001), afirmou “Nóstínhamos, no planejamento do setor elétricopara o intervalo 2010/2020, três novas usi-nas: a de Marabá, a de Altamira (antigaBabaquara) e a usina de Itaituba (São Luísdo Tapajós).Alguns jornalistas dizem que

para aprimorar esses estudos. Ora, você ima-gina que pedaço de Brasil poderemos ter se,em seqüência às obras de Belo Monte, pu-déssemos dar início logo às obras de Marabá,mais na frente às obras de Altamira e de-pois Itaituba”.

2 http://www.planobrasil.gov.br/arquivos_down/relatorio_avaliacao.pdf em 01.04.05

não falo dessas usinas porque quero escondê-las. Apenas elas não estavam na ordem dodia. Como brasileiro, com compromissos his-tóricos com a região, não poderia deixar decolocar para apreciação das entidades su-periores a necessidade que nós avancemosos estudos relacionados a essas usinas. Elasforam analisadas num primeiro momento,mas não tiveram seus estudos aprofunda-dos. O que estou pedindo agora é autorização

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PARTE IOs Xinguanos e o Direito

Paul

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Xingu é o nome de um ente mítico no Brasil. Já oera para muitos povos indígenas que viviam nasmargens do grande rio e de seus afluentes há sé-culos, talvez mais de mil anos.

Para nós não-índios, tornou-se mito nas últimasdécadas: nome de um pedaço da Amazônia, nomede um dos afluentes da margem direita do Ama-zonas, que os escolares decoram na aula de Geo-grafia do Brasil:...Javari... Juruá... Purus... Madeira...Tapajós... Xingu!

É também uma associação de idéias imediata comíndios que ainda “vivem como índios”.

Xingu, o rio que nasce e cresce no Mato Grosso edepois cruza o Pará, e os índios xinguanos estãono horário nobre. Na noite da 1ª sexta feira desetembro de 2003, o programa de reportagens damaior emissora de TV edita o “Kuarup” dosKamayurá e dos Yawalapiti, e de seus convidados.Pudemos ver seus homens e mulheres com pou-ca roupa e muita pintura, em suas cerimônias,suas lutas; pudemos vê-los trabalhando sua roçae sua farinha, banhando no riozão e nos igarapés.Vimos os velhos sábios fumando na pajelança, oscaciques puxando cantos para reavivar o espíritode seu padrinho branco, Orlando Villas Boas, fa-lecido um ano antes. Em uma epopéia do nossotempo, os irmãos Villas-Boas, Leonardo, Cláudioe Orlando, indigenistas respeitados e abnegados,funcionários do antigo SPI – Serviço de Proteçãoao Índio (posteriormente absorvido pela FUNAI- Fundação Nacional do Índio) obtiveram do

Capítulo 1

Povos indígenas, as cidades, e os beiradeiros do rio Xinguque a empresa de eletricidade insiste em barrar

Oswaldo Sevá

Tenotã Mõ, a ação inauguradorada mulher Kaiapó Tu-Ira contrao engenheiro Muniz(Primeiro resumo histórico, até 1989)

governo federal que decretasse, na década de1960, a demarcação de um conjunto de terras in-dígenas, o PIX - Parque Indígena do Xingu, noquadrante nordeste do território de Mato Gros-so, hoje com cerca de 25 mil km2 de extensão. Namesma época, outro sertanista lendário, ChicoMeirelles tentava proteger os grupos indígenasdo baixo Xingu e Iriri, da região que hoje é cor-tada pela Transamazônica. Povos que se acaba-vam nas guerras entre si, contra os brancos, numenredo de tocaiais e massacres, vinganças e reta-liações sem fim.

Nas décadas seguintes, além dos povos do PIX, tam-bém os Kaiapó, os Xavante, e outros povos e gru-pos moradores na bacia fluvial do Xingu e em áre-as próximas, na bacia do Araguaia, tornaram-se co-nhecidos e reconhecidos nas andanças dos caci-ques pelos gabinetes e pelos plenários das Câma-ras, Assembléias e Congressos. Falaram com mi-nistros e presidentes, puseram cocares de penaslindas na cabeça de alguns deles, especiais para asfotos.

Nos anos 1980, um desses militantes era o caciqueXavante Mário Juruna, eleito deputado federalpelo partido PDT com a benção do então gover-nador Leonel Brizola (RJ), com seu gravadorzinhode pilha, gravando, por desconfiança e garantia,todas suas conversas com os brancos.

Dentro dos limites das terras indígenas (T.I.) jádemarcadas e homologadas, que supostamenteestariam protegidas, muitos grupos indígenas têm,

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ainda hoje, que enfrentar palmo a palmo, hectarepor hectare, os invasores, garimpeiros, madeirei-ros, grandes grileiros, e até...brasileiros miseráveisabrindo roças e montando barracos nas barrancase nas capoeiras.

Ou então, como já se vê em vários casos, caciquesse põem (ou são postos?) a negociar acordos e com-pensações, pelo uso das riquezas localizadas pertode suas aldeias, no interior de suas terras legaliza-das; alguns em uma tribo podem se envolver comalguns madeireiros e garimpeiros. Isto é suficien-te para, depois, explodir alguma violência de umou de outro lado. Por decisão da FUNAI (Funda-ção Nacional do Índio, subordinada ao Ministérioda Justiça) ou, então, por iniciativa deles mesmos,abriram pistas de pouso, compraram motores depopa, camionetes. Fizeram também parcerias comas celebridades, as igrejas, as ONGs, receberammuitos pesquisadores e repórteres.

Difundiu-se nosanos 1980 uma forteimagem dos “índiosdo Xingu” freqüen-tando as pequenas emédias cidades doMato Grosso e doPará, viajando longepara as capitaisCuiabá e Belém, epara a capital fede-ral Brasília. Suas li-deranças e comitivasfreqüentaram a todahora a sede daFUNAI, pediam au-diência em várias outras instâncias de governo,marcaram presença na ocasião das votações naAssembléia Constituinte Federal, durante o anode 1988.

Foi então, nessa mesma época, que o governo fe-deral anunciou sua disposição de construir cincohidrelétricas de grande porte no rio Xingu e umaem seu maior afluente o rio Iriri. Todas elas iriaminterferir bastante com as terras ribeirinhas, asilhas, as matas e igapós, os rios e igarapés; e amea-çariam a existência e o futuro dos povos indígenasque ali moram, a grande maioria dentro das T.I.no norte de Mato Grosso e no centro do Pará.Ameaçariam também, ao mesmo tempo, dezenasde milhares de moradores das duas maiores cida-des de todo o vale xinguano:

Altamira: em cuja região também moram centenasde índios fora das aldeias, nas barrancas do rio, nas

palafitas e em bairros da cidade; se houvesse umarepresa no nível projetado para Belo Monte, nascotas 97 a 98 metros, os três igarapés principais daárea urbana seriam represados por vários km, ul-trapassando inclusive a faixa da rodovia Transama-zônica, que contorna a cidade pelo lado Norte eSão Félix do Xingu: prevista para ser inteiramentecoberta por uma das seis represas projetadas,Ipixuna, que atingiria também terras ao longo dorio Fresco, inclusive a T. I. Caiapó; e na faixa darodovia ligando com Cumaru e Redenção.

No final da década de 1970, técnicos da empresade consultoria CNEC, de SP haviam calculado ochamado “potencial hidráulico” do rio Xingu.Governantes da época e tecnocratas das empresasde eletricidade repetiam o número estrondoso: ashidrelétricas somariam mais de 22 milhões dekilowatts, num tempo em que a potência total ins-talada no país mal passava dos 50 milhões de kW.

Aí começa a entrarna história a Eletro-norte, que haviasido criada pelosmilitares do gover-no federal, em 1973por recomendaçãoestrangeira, para fa-cilitar os esquemasdas grandes emprei-teiras e dos grandesconsumidores deeletricidade. Consi-deravam então umdesfecho único, ób-vio: as obras seriam

feitas, e a Eletronorte seria a proprietária das usi-nas. Os tecnocratas se justificavam afirmando queesta eletricidade seria usada para atender o siste-ma nacional.

Incrível que a mesma ladainha continue sendo re-petida hoje, sem qualquer razão que se possa crer!

Alguns fatos vêm desmentindo as frases retumban-tes da Eletronorte:

1) a usina de Tucuruí no rio Tocantins havia sidoanunciada como a salvação, diante da má qualida-de da energia elétrica em Belém e na região Nor-deste; mas quando foi inaugurada em 1984, a prin-cipal destinação da eletricidade era o suprimentogarantido, 24 horas por dia, e a baixo custo, dosprocessos de mineração e de beneficiamento deminério na Serra dos Carajás e dos processos defundição de ferro - ligas em Tucuruí, (Camargo

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Corrêa Metais, em associação com o grupo euro-peu Brown Boveri) e de fundição de alumínio emBarcarena ao sul de Belém, (Albrás, associação dogrupo CVRD, a “Vale” com metalúrgicas japone-sas) e outra similar na Ponta da Madeira, Ilha deSão Luís (Alumar, associação da Alcoa, outrasmetalúrgicas, o grupo Camargo Corrêa).

2) antes mesmo de Tucuruí operar, já estavaenergizada a Linha de Transmissão Nordeste –Norte, que saia da usina de Boa Esperança (rioParnaíba, PI-MA) até São Luís, passando por Pre-sidente Dutra, no centro do Maranhão...com aenergia elétrica proveniente da Chesf!

3) somente no final da década de 1990, esta LTNorte – Nordeste foi interligada com a malha elé-trica Centro – Oeste e Sudeste do sistema interliga-do nacional (por meio das LTs Norte-Sul I e II, en-tre Imperatriz e Açailândia/MA - e – Serra da Mesa/GO e Brasília/DF.

No final dos 1980,quando foram anun-ciadas e logo questi-onadas as obras doXingu, estávamossob o governo JoséSarney (1985-89)1.Um dos apadrinha-dos do presidente setornará um persona-gem central no ro-teiro das barragensprojetadas no Xin-gu, o engenheiroJosé Antonio MunizLopes, também ma-ranhense, e que era diretor de engenharia e nessacondição foi representar sua empresa uma mani-festação pública única, numa pequena cidade nomeio da floresta.

O “Encontro dos Povos Indígenas em Altamira” tevegrande repercussão no exterior e no Brasil, me-receu uma reportagem longa e fiel, umdocumentário produzido e exibido pela TV Cul-tura poucos meses após. O programa integrou asérie Repórter Especial, e foi feito pelo jornalis-ta Delfino Araújo que lhe deu o título adequa-do: “Kararaô, um grito de guerra”. As palavras es-colhidas pela empresa para batizar suas barra-gens projetadas no rio Xingu são nomes indíge-nas, e nesse caso, Kararaô, o nome da primeiraobra projetada pela Eletronorte, ali na VoltaGrande do Xingu, seria um grito de guerra na lín-gua kaiapó2.

O evento teve duração de vários dias, e foi promo-vido e organizado pelas entidades dos índios e porpesquisadores, liderados pela Comissão Pró-Índiode São Paulo, que havia editado também o primei-ro e importantíssimo livro sobre o assunto, com oapoio da Prelazia do Xingu e de seu bispo, domErwin Krautler.3

Com grande destaque nas imagens e nas notícias,pudemos conhecer as lideranças indígenas regio-nais e suas falas às vezes suaves, às vezes raivosas,sempre firmes, sérias: os caciques caiapós Kube-Ie Paulo Paiakan, e o cacique Megaron, hoje chefedo posto da Funai na complicada região da rodo-via BR 163, norte de MT e sul do Pará.

E mais o Ailton Krenak, da entidade UNI - Uniãodas Nações Indígenas, o Davi Kopenawa, dosIanomami de Roraima, os irmãos Terena, o coro-nel Tutu Pombo, e o famoso cacique Raoni, que

então fazia parceriasmusicais com o can-tor inglês Sting; etambém algumas li-deranças dos índiosdos Andes e da Amé-rica do Norte. Ali es-tavam os índios combordunas e tacapespor eles fabricados eenfeitados, sendo fil-mados e entrevista-dos como sujeitoshistóricos desta ba-cia fluvial:

- os temidos Kaiapódas Terras Indíge-

nas Kararaô, perto de Altamira e da T.I. Kaiapóperto de São Felix do Xingu, seu ramo Xicrinque fica pelas terras dos rios Bacajá e Cateté, seuramo Mekragnoti que fica no sul do Pará, naTerra do Baú, e mais os Juruna da TI Paquiçam-ba, ali mesmo na Volta Grande - mais os Asurinida Terra Koatinemo, os Araweté do IgarapéIpixuna, seus vizinhos Parakanã (que vieramcontrariados da beira do Tocantins, por causade Tucuruí), mais os Xipaia e Curuaia do rioCuruá no oeste do Pará, e na margem esquerdado rio Iriri, os Arara que haviam sido trazidosda faixa ao Norte da Transamazônica.

Todos direta e indiretamente ameaçados pelasobras previstas.

No dia em que o engenheiro Muniz compôs amesa diretora dos trabalhos no ginásio coberto

RaoniAguirre/Switkes/AMAZÔNIA

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de Altamira, vários índios vieram se manifestar alimesmo em frente à mesa, alguns falando em sualíngua ao microfone e sendo traduzidos. Tu-Ira,prima de Paiakan, se aproximou gesticulando for-te com o seu terçado (tipo de facão com lâminabem larga, muito usado na mata e na roça, gritan-do em língua kaiapó). Mirou o engenheiro, seurosto redondo de maçãs salientes, traços de algumantepassado indígena, e pressionou uma e outrabochecha do homem com a lâmina do terçado,para espanto geral. Um gesto inaugurador.4

Situação que merece uma palavra-chave dos índi-os Araweté da Terra Ipixuna, no médio Xingu, re-colhida pelo antropólogo Eduardo Viveiros deCastro5:·

“Tenotã Mõ significa “o que segue à frente, o que começa”.

Essa palavra designa o termo inicial de uma série: oprimogênito de um grupo de irmãos, o pai em relação aofilho, o homem que encabeça uma fila indiana na mata,a família que primeiro sai da aldeia para uma excursãona estação chuvosa. O líder araweté é assim o que come-ça, não o que comanda; é o que segue na frente, não oque fica no meio.

Toda e qualquer empresa coletiva supõe um Tenotã mõ.Nada começa se não houver alguém em particular quecomece. Mas entre o começar do Tenotã mõ, já em si algorelutante, e o prosseguir dos demais, sempre é posto umintervalo, vago mas essencial: a ação inauguradora érespondida como se fosse um pólo de contágio, não umaautorização”. (pág.67)

Geografia da expansão violenta: rastros doconflito nas terras ricas da bacia do Xingu.6

Dentre os grandes afluentes do Amazonas, apenasdois rios, o Tapajós e o Xingu nascem e correminteiramente em território brasileiro. O rio Xinguse forma a uns duzentos km a Nordeste da capitalCuiabá, na altura do paralelo 15 graus Sul; e dalisua bacia se estende na direção Norte, entra noPará pela fronteira Sul e segue até um pouco alémdo paralelo 2 graus Sul, perto das cidades de Portode Moz e Gurupá. Ali num mundo de águas emen-dadas, praias e ilhas, o Xingu começa a desembo-car no rio Amazonas, no início do estuário amazô-nico aberto para o Atlântico equatorial.7

Dali para o Leste, uma vasta planície de lagos cha-mados baías, são ligados, pelos furos, canais natu-rais, com as águas dos rios Anapu e Pacajá, pordetrás da ilha de Marajó, entre Portel e Breves, e comas águas do rio Tocantins, que desemboca do ou-tro lado de Marajó, na região de Cametá.

No sentido da largura, o vale do Xingu fica apro-ximadamente entre os meridianos 52 graus e 55graus Oeste. Começa em uma generosa bacia denascentes de numerosos rios, em forma de umapêra no Norte de MT. Entrando no Pará, a larguradas terras banhadas pelos rios da bacia do Xinguse amplia bastante incorporando a Oeste as terrasdo rio Iriri, seu maior afluente.

O sentido geral da descida das águas do Xingu edo Iriri é para o Norte, dos altos cerrados doschapadões e de suas grotas florestadas do PlanaltoCentral, até a calha baixa do Amazonas, exatamen-te como fazem os seus grandes rios vizinhos e qua-se paralelos, os rios Araguaia e o Tocantins, do ladoLeste, e o rio Tapajós, do lado Oeste. O Xingu érepleto de meandros, com algumas “esquinas” bemangulosas, corredeiras quase retas cavadas em fa-lhas rochosas de bom tamanho, todo coalhado deilhas pedregosas e às vezes, de ilhas com morros, oXingu faz várias voltas bem amplas, e até uma Vol-ta Grande.

Uma alça de mais de duzentos km de comprimen-to, fazendo quase 360 graus, com a cidade deAltamira, PA bem na primeira esquina do rio. Umgrafismo forte, vai virando símbolo regional, nasfotos aéreas e de satélite, é um ponto de interro-gação um tanto deitado; na geologia, pode-se ima-ginar o degrau cristalino da planície amazônicasendo contornado, lavado e enfim rasgado pelascorredeiras de águas verde-escuras e luminosasdo Xingu.

O rio Xingu só pode ser navegado, a partir do rioAmazonas, ao longo de uns trezentos km, entran-do pela foz, passando pela cidade de Senador JoséPorfírio, antiga Souzel, até o porto de Vitória do Xin-gu. Rio acima logo adiante, interrompe-se o per-curso fluvial por causa do extenso lajeado rocho-so, o degrau que contorna todo flanco Sul da ca-lha amazônica aflorando no trecho encachoeira-do da Volta Grande, num desnível de quase 100metros, da cidade de Altamira até ali.

Nos trechos médios do rio, navega-se por percur-sos descontínuos, e com dificuldades nos mesesali chamados de Verão, Julho a Outubro. Apenasduas cidades se estabeleceram na beira – rio nomédio vale: Altamira, onde se reinicia a possibili-dade de navegação acima da Volta Grande, peloXingu e pelo Iriri, seu maior afluente; e a antigaBocca do Rio, atual São Félix do Xingu, mais ao Sul,na foz do rio Fresco, afluente direito do Xingu.Ambas foram recentemente revitalizadas, estabe-lecendo ligações rodoviárias e aéreas com outrascidades do Pará e do país.

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Altamira, mesmo pequena para os padrões do Su-deste, é o maior centro urbano em todas as mar-gens do Xingu e também no traçado da rodoviaTransamazônica, a BR 230, neste longo trechoentre Marabá e Itaituba, e também um dos mais

extensos municípios do país, maior do que al-guns Estados e países (com mais de 100 mil km2,equivalente a quase metade da área do Estadode São Paulo). Antes ligada à economia extrati-vista tradicional, borracha, castanha, pesca, a

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cidade se tornou importante na década de 1970,durante a época da abertura da rodovia e do esta-belecimento dos colonos assentados pelo Incra epor empresas de colonização e cooperativas agrí-colas vindas do Sul e do Sudeste do país. Nestamesma época eclodem os surtos de garimpagemde ouro e as frentes de extração de madeiras delei, algumas perduram até hoje, outras novas fren-tes surgem, parecendo inexoráveis, pois “ainda seacha” ouro e muita madeira valiosa. Ao longo dafamosa rodovia Transamazônica, Altamira é sinô-nimo de “Rua”; o povo vai para “a Rua”, quandovai aos bancos, lojas, hospitais, nas sedes das re-partições estaduais e federais, e para as aulas nasfaculdades (um campus da universidade federalUFPA, outro da estadual, UEPA).

E assim, a cidade vai polarizando a vida da região,incluindo os portos fluviais das cidades de Vitóriado Xingu e de Senador Porfírio; umas três dezenasde agrovilas e vilarejos, mais algumas cidades pró-ximas que cresceram rapidamente, como Anapu ePacajá, ao longo da Transamazônica (sentidoMarabá), e no sentido inverso, Brasil Novo,Medicilândia, Uruará, se formos pela rodovia norumo de Rurópolis, Itaituba e Santarém, que é ver-dadeira capital do Oeste paraense, e ponto de li-gação fluvial permanente e de grande porte entreBelém e Manaus pelo rio Amazonas.

Em São Félix do Xingu, o antigo isolamento, mes-mo estando à beira do grande rio num trecho na-vegável, foi rompido com a proximidade do proje-to mineral da província de Carajás, com o garim-po intenso, disseminado, o movimento dos peque-nos aviões, e, com a primeira etapa da abertura deum terceiro eixo transversal ao vale do Xingu, arodovia PA 279, que por sua vez, precipitou maisoutras frentes madeireiras. Ao longo desta estra-da, duzentos e cinqüenta km no meio da selva, apartir de Xinguara, surgiram várias vilas e a cida-de-serraria de Tucumã.

Por aí o vale do médio Xingu ficou bem mais próxi-mo dos surtos econômicos da mineração e dos gran-des garimpos nos municípios de Carajás (CVRD,mina Serra Norte), e das cidades de Parauapebas, emais ao Sul, Xinguara e Redenção. Todas estas cidadestêm aeroportos movimentados, e são servidas pelarodovia estadual PA 150, eixo de ocupação recentedo Leste paraense. Incluem-se nesta porção geo-eco-nômica as terras e cidades na margem esquerda dorio Araguaia (Conceição do Araguaia e São Geraldo doAraguaia), região também famosa por ter sido umfoco de movimentos camponeses desde os anos 1950,e onde atuou uma guerrilha que foi destroçada pe-las Forças Armadas no início dos anos 1970.

A combinação de todas as áreas na bacia do Xingunas quais a cobertura vegetal original de mata ede cerrados foi arrasada ou está sendo bem adul-terada, é visível, de forma destacada numa ima-gem fotografada pelos satélites ou num mosaicode imagens vistas a partir dos aviões.

O arranjo cartográfico peculiar que resultou podeser sucintamente interpretado do seguinte modo:

• estratégias territoriais resultam das decisões deEstado e de alguns agentes econômicos, incluin-do-se as levas de garimpeiros, posseiros e traba-lhadores volantes, que vão junto nestes surtos deocupação pioneira das áreas antes habitada porindígenas e por ribeirinhos, e das áreas antes ra-refeitas ou intocadas;

• esta expansão geo-econômica se dá a partir dametade Norte das bacias do Tocantins e do Ara-guaia, já ocupada, e pressiona para o Oeste, en-grossando as faixas alteradas que aparecem nasfotos como “espinhas de peixe” na Transamazô-nica e nos seus “travessões”, típicos do trechoparaense Marabá - Altamira – Itaituba;

• as duas rodovias de ligação do vale do Xingu como Sul são corredores que abraçam o formato Nor-te-Sul desse vale; são grandes extensões contínu-as de terras alteradas, com faixas de dezenas dekm de cada lado das rodovias, começando pelaque liga Marabá a Barra do Garças, a rodovia PA150 continuada pela BR 158;

• esta banda oriental do vale do Xingu está, nasfotos de satélite, visivelmente mais alterada quea banda ocidental; vê-se uma concentração demuitos focos de queimada, grandes áreas de pas-tagens; e uma cunha aberta sobre o trecho mé-dio do vale; e sabe-se que isto corresponde àslevas de brasileiros justamente entrando peloúnico trecho em que as terras indígenas não sãoemendadas;

• isto se explica: mesmo existindo ali próximo duasFlonas - Florestas nacionais e uma Rebio - Reser-va Biológica, ficaram no mapa alguns “corredo-res” não protegidos, o maior deles, contornan-do de um lado e de outro a TI dos Xicrin doCateté, ligando São Félix do Xingu e a bacia do rioFresco, com uma parte já ocupada a Leste, nasbacias dos rios Itacaiúnas e Parauapebas, afluen-te esquerdo do Tocantins;

• na parte ocidental do vale do Xingu, onde passaa rodovia que liga Cuiabá a Santarém (BR 163), asua faixa de terras alteradas é um pouco menorque as faixas das demais rodovias apenas no ladosul paraense; pois no trecho mato-grossense, as

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grandes extensões demonstram as etapas da al-teração, nem sempre tão planejada nesta seqüên-cia exata, mas sempre comprovada: exploraçõesde garimpos e de madeiras de lei, a abertura dasestradas de madeira, depois as derrubadas e quei-madas, depois as pistas de pouso, as pastagens,enfim as grandes plantações de soja;

• no norte de MT, no entorno do Parque Indíge-na do Xingu e da TI Capoto – Jarina, fecha-se ocerco: nas fotos, as manchas das áreas alteradasvão se adensando a partir da “pinça” formadapelas duas rodovias BR 158 e BR 163, e a superfí-cie da terra mexida, com sinais da intervençãohumana e de máquinas, vai se avizinhando doslimites dos territórios demarcados e homologa-dos, como se fossem estrangular os perímetrosjustapostos das TIs.

Vendo agora o mapa regional numa escala nacio-nal, constatamos que entre Guarantã, ultima cida-de mato-grossense na rodovia BR 163, saindo deCuiabá - e as proximidades de Itaituba e Rurópolis,no Oeste paraense, fica o maior trecho ainda nãoasfaltado deste eixo terrestre brasileiro.

Eixo de “penetração”, portanto um imperativogeopolítico, conforme concebido há quase meioséculo pelos estrategistas militares como o gene-ral Golbery do Couto e Silva, intelectual palaciano

e articulador político durante os anos negros daditadura brasileira.

Foi nestes tempos que começou, a partir do famo-so Posto Gil, em Diamantino, MT, a ser rasgada nocerrado e na selva a famosa Cuiabá a Santarém.

Um jornalista especializado em política ambientaldefiniu o projeto de asfaltamento destes 760 km comoo “enigma ambiental de Lula”, informando que em 10de julho de 2003, foi criado um consórcio integradopor empresários da Zona Franca de Manaus, paraquem o asfaltamento e a construção de instalaçõesintermodais próximo de Santarém encurtariam aslinhas fluviais de cargas e carretas, do percurso atualManaus a Belém, para um percurso bem mais curto,Manaus a Santarém; diminuiriam também as distânci-as terrestres totais entre Manaus e algumas das maio-res cidades do Centro Oeste e do Sudeste. O consór-cio teria sido estimulado pelo governador BlairoMaggi, (MT, eleito em 2002 pelo PPS), consideradoo maior produtor “individual” de soja do país. 8

Este projeto foi mantido sob protestos de muitaspessoas e entidades na Amazônia e até no exteri-or, sendo um item destacado do Plano Plurianualde investimentos 2004-2007, o PPA conduzido pelogoverno Lula – Alencar no 1º semestre de 2003.

O Ministério do Interior pretende utilizar recursosdo Fundo Constitucional do Norte, um sucedâneo

Menino Kayapó,Gesellschaft für Ökologische Forschung, Pabst/Wilczek

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Festival do Kuarup, o ritual mais conhecido dos povos do Parque Indígena do Xingu, aldeia dos Yaualapiti.Marcello Casal Jr./ABr

do Finam gerido pela Sudam, para financiar anova rodovia Cuiabá a Santarém, que custaria 175milhões de dólares, algo na faixa de meio bilhãode reais! As Terras Indígenas dos Kaiapó(Mekragnoti e Baú) e dos Panará ficam perto, apouca distância e às vezes encostadas no eixo darodovia a ser asfaltada!

As disputas econômicas, fundiárias e étnicas quesão um fio condutor da história do país, apenascomeçaram ao longo da porção paraense da 163,mas podem durar décadas essas brigas armadas nadisputa pelas glebas, pelo mogno, pelos minérios,pelo acesso à água! A quem pertencem? Na práti-ca, parece que ficarão nas mãos dos mais violen-tos. Na letra da lei, contudo, quase 40% das terrassão dos índios e seus descendentes: “Do ponto devista político, a importância dos índios na região doXingu é inquestionável. Sua expressão na área da baciado rio, que vai do Mato Grosso ao Pará, é muito grande.São 27 etnias distribuídas por 26 terras indígenas, quecorrespondem a 38,5% da área da bacia.” 9

Mesmo que dentro das T.I. a degradação seja pou-ca, as invasões e o fogo prosseguem sempre aqui eacolá; mas de fato, estes perímetros “com os índi-os dentro” estão se transformando em santuários.Na epiderme da Terra, são manchas verdes que

resistem e ainda se impõem diante da fragmenta-ção e dos rastros ocre-amarelo-magenta–roxa quese destacam nas imagens da Amazônia vista do alto.10

Se pensarmos na preservação e na boa utilizaçãodo rio, nada está resolvido nem assegurado com ahomologação e a defesa dessas terras, pois elas nãoincluem exatamente as nascentes e os altos rios detodos os formadores do Xingu. As terras homolo-gadas - e especialmente o PIX - estão como umafaixa em torno da calha central do rio Xingu, emseu trecho médio, que é onde está repercutindo oprocesso de degradação significativa da coberturavegetal, da água e da biodiversidade.

Mas o processo que ali repercute de fato se iniciario acima, nas terras dos não – índios, no avançodos madeireiros, nas fazendas, nos pastos, nos ga-rimpos que vão pipocando em seu entorno.

Este é, em resumo, o Xingu dos índios e o Xingudos não – índios: Terras ricas, muitas em estadovirgem, madeiras valiosas, a bacia fluvial de umrio monumental, onde se pretende construir seisgrandes hidrelétricas.

Adiante veremos as regiões em que iria “se hospe-dar” cada uma dessas usinas projetadas nos anos

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1980 pelos barrageiros da Eletronorte, do escritó-rio CNEC e da empreiteira Camargo Correa, parano final retomarmos o resumo histórico das tenta-tivas de implantação de tais projetos.

O começo do rio Xingu, em Mato Grosso.O Parque Indígena e a TI Capoto–Jarinaseriam afetados pelo primeiro barramento- Jarina - projetado no Sul do Pará.

Comecemos a percorrer o rio como ele mesmo ofaz, pelo começo, pela parte alta.

Lá onde o rio ainda é pequeno, não dá para fazergrandes barragens; mais abaixo, lá onde o rio co-meça a ficar maior, é dos índios há muito tempo.A cento e poucos km a nordeste de Cuiabá, capi-tal de MT, fica a cidade de Nova Brasilândia e dalio espigão do Planalto central se divide em dois; aquase 1000 metros de altitude, vai se abrir o valedos formadores do Xingu, os rios Culuene,Curisevo, Batovi, Ranuro, todos escorrendo rápi-do na direção Norte e Nordeste.

As cidades próximas do início do Xingu sãoParanatinga, perto do divisor entre os formado-res do Culuene e os formadores do rio Teles Pi-res, bacia do rio Tapajós, e mais para o Leste,Canarana, na bacia do rio Tanguro, afluente di-reito do Culuene. Formando um triângulo comestas duas cidades, mais para o Sul, fica Campiná-polis, do lado de lá do divisor de águas entre oCuluene e o rio das Mortes (bacia do rio Ara-guaia). No centro desta região, forma-se o riopropriamente dito, o Xingu, e ali moram indíge-nas há centenas, talvez mais de mil anos. A partirdos anos 1960, um processo de demarcação e ho-mologação concluído apenas em 1991, garantiuuma área de 26 mil km quadrados, uma faixa de50 km ou mais em cada margem do rio para den-tro: Parque Indígena do Xingu, o PIX.

A população no interior do Parque deve estar per-to de 4.000 habitantes; os dados dos pesquisado-res da Unifesp (Escola Paulista de Medicina) em1999 indicavam 3705 indígenas de 15 povos, maisde 700 Kaiabi, mais de 300 Kuikuro, outros tantosKalapalo e Kamayurá, mais de 200 Ikpeng, e tam-bém de Waurá, Suiá, Yawalapiti.

Nos sertões, entre as cidades e tantas fazendas, namesma bacia do rio Xingu, moram milhares deXavante: 376 na Terra Indígena (TI) MarechalRondon (nascentes do Curisevo); 3.354 na TIParabubure, a Oeste de Campinápolis, e uma partedos 1.667 xavantes a Leste de Canarana, na TI

Pimentel Barbosa (parte desta TI fica na bacia dorio das Mortes, parte da bacia do Araguaia).

A ocupação não-índia das terras das cabeceirasprovocam efeitos cada vez mais no interior do PIX.Os desmatamentos não poupam as matas ciliaresdos rios e às vezes nem as grotas e nascentes, aexposição de terra nua, o uso de tratores, tudo istorepercute no assoreamento dos rios, na perda deprofundidade e mudanças de praias e bancos deareia, na mudança até de turbidez e coloração daságuas, tornando mais difícil a pesca com flecha,atividade fundamental nas aldeias. Conforme aentrevista de André Villas Boas, relatada no volu-me Povos Indígenas do Brasil, 1996 – 2000, ISA:

“Em 1998, as queimadas em fazendas pecuárias localizadas a nor-deste do Parque ameaçaram atingi-lo, o que provocou a mobilizaçãodos órgãos públicos responsáveis. Também nesta época o avanço dasmadeireiras instaladas a Oeste do PIX começou a chegar perto doslimites físicos definidos pela demarcação. Assim os índios do PIXestão diante de sinais concretos de perigo, mais graves do que asprimeiras invasões e pescadores e caçadores, ainda na década de1980. Entre os moradores do PIX, fortaleceu-se a percepção de queestá a caminho um incômodo “abraço”: o parque vem sendo cercadopelo processo de ocupação no seu entorno e já se evidencia como uma“ilha” de florestas na região do Xingu.” (p.631)

Ao Norte do PIX, fica a única cidade encostadanos seus limites, São José do Xingu. Ali, o perímetroindígena é limitado por um ângulo quase reto,contido pelo traçado da rodovia BR 080/MT 32211,já quê, do lado de lá também existiam aldeias. Opovo dessas aldeias nos anos 1960 e 70 havia rejei-tado a proposta de se mudar para dentro do PIX,conseguiu também a demarcação de outra TI, bemmenor é verdade, mas ainda protegendo as duasbandas do rio Xingu; é a terra chamada de Capo-to – Jarina, onde em 1997 moravam 577 Kaiapódo grupo Metuktire.12

O trecho médio alto do Xingu em território mato-grossense atravessa o PIX inteiro e toda a TI Capo-to- Jarina, e certamente sofreria bastante com osefeitos do barramento do rio logo abaixo, no sul doPará, num eixo denominado Jarina. No mínimo,porque ficaria afetada a navegação mesmo a depequeno porte, porque prejudicaria a circulaçãodos peixes; seria bloqueada a piracema no rio prin-cipal e nos afluentes, e, além disso, a população dasespécies típicas das corredeiras diminuiria.

Rios e igarapés de nome Jarina13 e Jarinal há mui-tos pela mata, um deles é o afluente esquerdo doXingu, rio Jarina cuja bacia, de porte médio, ficano norte de MT, desde a altura da BR –080 até adivisa MT – PA. Escolheram o nome deste rio paraa usina projetada em outro rio, o Xingu, e queseria localizada em outro Estado, o Pará.

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O barramento previsto da usina Jarina seria no tre-cho do rio Xingu ao entrar no sul do Pará. O rioXingu neste ponto já está bem formado, e suasvazões extremas variam entre mais de 9.000 m3/se menos de 400 m3/s. O canal de fuga estaria, namédia operacional, na cota 256,8 metros, e logo aseguir rio abaixo, estaria o remanso da represaseguinte (Kokraimoro).

Ao que tudo indica, seriam represados, da bar-ragem para cima: a foz e o baixo vale do Ribei-rão da Paz, toda a calha e as baixadas do Xinguaté a fronteira Sul do Pará, entrando pelo nortede MT. As águas quase paradas entrariam talvezpela foz e um bom trecho do Rio da Liberdade,

na margem direita do Xingu, e todas estas ter-ras estão dentro da TI Menkragnoti.

Mais para o Sul, a represa poderia entrar tambémpela vizinha TI Capoto – Jarina; e era previsto arepresa avançar por 60 km nesta terra indígena,até perto do vilarejo de Piara-Açu, município deSão José do Xingu, MT, e da BR 080. Efeitos de inun-dação ou de represamento chegariam assim à foze ao baixo vale do rio Jarina e também às aldeiasSuiá, Kaiapó e Panará próximas da margem esquer-da do Xingu.15 Até que sejam divulgadas cartogra-fias mais rigorosas e em escala pequena, comaltimetria detalhada, podemos supor que esta re-presa avançaria para o Sul do paralelo 10 graus30m, e assim iria submergir ou diminuir o degrauda cachoeira von Martius.

Uma grande usina neste trecho vai desarranjarbastante a vida dos indígenas na área, já marcadapelos problemas nas relações com os madeireirose os garimpeiros, além dos fazendeiros com seufogo e sua terra nua, suas aplicações de “venenos”.Deve ser hoje mais numerosa a população destaimensa TI: mais do que os 657 kaiapó grupoMenkragnoti e outros ainda isolados que ali mo-ravam há quase dez anos.16

Suas terras homologadas começam ainda no nor-te de MT, incluem um bom trecho da divisa esta-dual MT/PA, e se prolongam quase 300 km pelamargem esquerda do Xingu até a sub bacia do altoIriri, totalizando quase 50 mil km2, nos municípi-os de Altamira e de São Felix do Xingu.

Usina hidrelétrica inventariada Jarina

Capacidade instalada 600 MW depois 620 MW 14

8 Turbo geradores (TG ) de 77,5 MW each, com

capacidade total de turbinar até 3120 m3/s

Coordenadas 9 graus 2m Sul,

52 graus 4 m Oeste, a 1.234 km da foz.

Altura média da queda projetada: 23 m

Reservatório: áreas estimadas 1.168 km2

(na cota mínima 273 m) a 1.900 km2

(na cota máxima 281 m)

Volume: 9.000 hectômetros cúbicos

(cota 273 m) a 21.400 hm3 (cota 281 m)

Perfil longitudinal rio Xingu, no Pará, com seis barragens projetadas

Fonte: Dados do Inventário Hidrelétrico do Xingu, CNEC/Eletronorte, 1980 adaptado por O. Sevá, 2003.

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UHE inventariada Kokraimoro

Capacidade instalada: 1.900 MW , depois 1.490 MW 17

10 turbo-geradores (TGs) com capacidade

para turbinar 4.020 m3/s

Coordenadas: 7 graus 26m 30s Sul,

52 graus 40m 30s Oeste, a 1.009 km da foz

Altura média da queda projetada: 42,9 m

Reservatório: áreas estimadas nas cotas mínima

e máxima 940 km2 (na cota 245 m)

a 1.770 km2 (cota 257 m)

Volume: 12.450 hm3 (cota 245 m)

a 28.500 hm3 (cota 257 m)

O segundo barramento, Kokraimoro, outrausurpação de nomes e terras kaiapó

A região a ser afetada por essa hipotética grandeusina ficaria rio acima, não muito distante da ci-dade de São Félix do Xingu. O rio Xingu neste pon-to ainda se parece com o da barragem prevista Ja-rina: uma vazão extrema na seca, menor do que400 m3/s (mensal) e, na cheia, o valor extremomensal pode passar de 10.600 m3/s.

Os engenheiros do CNEC e da Eletronorte colo-caram o barramento previsto praticamente emcima do Posto Indígena Kokraimoro.18 A aldeia queem 1980, o próprio CNEC dizia ter 120 pessoas,ficaria a 500 metros a jusante do eixo traçado, napratica, seria destruída e o seu local ocupado pelocanteiro de obras, pelas pilhas de material, e pelotráfego de peões, veículos pesados, etc.

A represa encobriria a Cachoeira da Pedra Seca, tam-bém afogaria os afluentes rios Preto, Pereira e JoséBispo, terras ribeirinhas dentro da TI Kaiapó, ondeem 1998 moravam 2866 Kaiapó de vários grupos,19

inclusive os Kokraimoro cujo nome e cuja identida-de foi usurpada pelas empresas ao nomear o eixoinventariado, - mais os grupos A Ukre, os Gorotireno rio Fresco, que também seriam afetados pelarepresa da terceira usina inventariada, Ipixuna, maisos Kaiapó Kikretum, os Moikarakô.

Na mesma TI Kaiapó que vai até perto da rodoviaPA 279 e da cidade de Tucumã, com extensão demais de 30 mil km2 moram ou perambulam mui-tos garimpeiros não índios, e foi estabelecida umaReserva Garimpeira, a Cumaru, em área distantede qualquer represa projetada no Xingu.

A hipotética represa Kokraimoro se estenderia parao Sul, com uma grande barriga virada para o Oeste,

A terceira barragem - Ipixuna: mais Paraka-nã atingidos? a cidade de São Felix do Xingudesaparecida?

O rio neste trecho está bem mais encorpado, ten-do recebido o acréscimo de vazão de um grandeafluente, o rio Fresco. A vazão mínima mensal ain-da fica abaixo dos 500 m3/s e a máxima já ultra-passa 18.000 m3/s.

Mais uma confusão com nomes de projetos de usi-nas: Ipixuna é um nome comum na Amazônia, emespecial no Pará, mas, por ali, é o nome do princi-pal igarapé nas terras dos Araweté, uma T.I. quefica na banda direita do Xingu, no trecho antes dafoz do Iriri. A obra batizada pelos engenheirosbrancos como Ipixuna ficaria longe dali, bem aci-ma da foz do Ipixuna no Xingu, num arquipélagofluvial que é o ponto de encontro desta terra dosAraweté com outra terra indígena apenas delimi-tada, mas não homologada, chamada Apyterewa,onde moravam, em 1999, 240 Parakanã (remanes-centes e parentes daqueles quase 500 Parakanã queforam atingidos pelas obras de Tucuruí nos anos1980, e que foram remanejados para o lado Sul dafaixa da rodovia Transamazônica).

A barragem ficaria num trecho de corredeiras elajes cortando o Xingu (rio abaixo da cidade deSão Félix, até as Cachoeiras da Pedra Preta ePiranhaquara), e suas águas represadas se prolon-gariam pelo afluente rio Fresco, formando umarepresa com extensão de quase 3.300 km2 (seria

UHE inventariada Ipixuna

Capacidade instalada: 2.300 MW

depois 1.904 MW20

(16 TG de 119 MW cada com

capacidade de turbinar 5744 m3/s)

Coordenadas: 5 graus 39m 30s Sul; 52 graus

40m 30s Oeste, a 710 km da foz do Xingu

Altura média da queda projetada: 38,3 m

Reservatório: áreas estimadas 2.020 km2

a 3.270 km2 (na cota máxima 208 m)

Volume: 25 km3 (cota 195 m)

até 60 km3 na cota 208 m

avançando rio acima, na margem direita cobrindoterras e afogando rios da TI Kaiapó, na esquerda osda TI Menkragnoti, e mais ao Sul ainda, poderiaatingir até as terras identificadas, mas nãodemarcadas dos Kaiapó grupo Kuben Kran Ken, queeram 82 pessoas em 1998.

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uma represa maior do que Tucuruí, que ficou commais de 2.800 km2).

A terra indígena dos Parakanã chamada Apyterewa,não está ainda homologada, e sim sob a mira demadeireiros e de garimpeiros; talvez esses índios nãotivessem sua terra alagada, mas ficariam cercadospor estradas de acesso ao canteiro de obras; oigarapé Bom Jardim, que garante o acesso a aldeia,partindo da margem direita do Xingu, ficaria aolado do canteiro de obras e logo abaixo do pare-dão, o que teria reflexos em sua hidrologia. A re-presa Ipixuna alagaria o igarapé do Pombal, as lo-calidades de São Sebastião, São Francisco, e Triun-fo; e provocaria algo desconhecido, inaceitável:

“Inundaria a cidade de São Félix do Xingu, umloteamento de propriedade do Instituto de Terras do Pará,ITERPA, localizado junto a esta cidade, e uma série depovoados ribeirinhos.” 21

Anfrisio foram abertos às custas da difícil navega-ção rio acima pelo Xingu e pelo Iriri, numa áreasempre visitada e roçada pelos índios Xipaia,Curuaia e pelos Kaiapó que eram temidos por to-dos. Os resultados foram muitos mortos e feridosde ambos os lados. 23 Isto tudo na “época dos ameri-canos”, quando se tentava implementar o projetoFordlândia no Tapajós, e quando atuava naintermediação do látex a empresa RubberDevelopment Company, RDC, em várias áreas ex-trativistas do Pará.

A principal cachoeira do rio, não muito alta, compoucos metros de desnível, porém de difícil trans-posição, fica logo abaixo da foz do Riozinho, e sechama Cachoeira Seca. O nome talvez se expliquepor causa das vazões mínimas do Iriri, que são bembaixas para um rio amazônico bem comprido, poisficam na faixa de 60 m3/s. Mas as vazões máximasvão a mais de 9.500 m3/s.

Diante deste desafio em termos de tamanho daamplitude das vazões (a máxima mais de cento ecinqüenta vezes a mínima), os engenheiros quecriaram este inventário hidrelétrico da bacia deci-diram projetar o seguinte: barrar a própria Cacho-eira Seca com um degrau de 29 metros e uma áreainundada imensa, e com uma oscilação tambémgrande (de mais de 10 metros) entre os níveisoperacionais máximo e mínimo. Na hipótese deexistir um dia, essa represa seria uma espécie de“banheira” que, durante alguns meses, ficaria noseco mais da metade de sua área, que seria alagadana estação chuvosa seguinte.

A segunda TI dos índios Arara, com 57 moradoresem 1999, se chama Cachoeira Seca do Iriri, bemperto de onde provavelmente os engenheiros de-cidiram assinalar o ponto de barramento num tre-cho logo abaixo da grande esquina do rio Iriri,que faz 90 graus para o rumo Nordeste, e ondedesemboca o afluente Riozinho do Anfrisio.

As águas ficariam represadas desde a Cachoeira Seca,entrando pelo Riozinho, e se estendendo rio Iririacima até a foz do rio Curuá, e rio acima tambémum trecho, nesse que é o maior afluente do Iriri,afogando as localidades de Entre Rios, Cajueiro,Bonfim e pelo menos duas aldeias Xipaia - Curuaia,uma na TI Curuá, delimitada, mas ainda não homo-logada, onde moravam 91 pessoas em 1999, outrana TI Xipaia, que estava em fase de identificação noano de 2000, com 67 pessoas. 24

Na falta de cartografia mais detalhada, deduzi-mos se acaso tal obra venha de fato a ser concre-tizada, a represa subiria com dois braços, pelosrios Iriri e Curuá até a altura do paralelo 6 graus

UHE inventariada Iriri

Capacidade instalada 900 MW depois

770 MW, potência firme 380 MW,

7 TGs de 110 MW cada, com capacidade

de turbinar 3.070 m3/s

Coordenadas: 4 graus 44m 30s Sul, 54 graus

36 m 30 s Oeste, a 320 km de sua foz no

Xingu, a 406 km fluviais de Altamira

Altura média da queda projetada: 29 m

Reservatório: áreas estimadas 1710 km2

(na cota mínima 195,7 m) a 4.060 km2

(na cota máxima 206 m) 22

No Iriri, o passado de guerras de índios e serin-gueiros; no futuro, a segunda maior área inunda-da da bacia do Xingu ?

Este rio Iriri é bem peculiar, uma espécie de irmãomenor do Xingu, também nasce no MT, perto dadivisa com o Pará, na região do entroncamento daBR 163 com a BR 080, perto de Guarantã do Nortee Pontes de Lacerda e depois vai seguindo no rumoNorte, às vezes até inclinando para Noroeste. Rece-be o seu maior afluente Curuá e praticamente sedirigia para desembocar no Amazonas, quando omesmo escudo rochoso da Volta Grande do Xinguobrigou-o a dobrar à direita, quase 90 graus, seguin-do para Nordeste e indo desaguar na margem es-querda do Xingu. Nesta “esquina”, recebe o famo-so Riozinho do Anfrisio, nome de um seringalistaimportante de Altamira. Como alguns outros aven-tureiros também o fizeram, os seringais do coronel

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Usina projetada: Babaquara,

depois chamada “Altamira”

Capacidade instalada 6.300 MW,

depois 6.588 MW

18 TGs de 366 MW cada, com capacidade

de turbinar 12.096 m3/ segundo

Coordenadas estimadas: paralelo 3 graus 30 min

Altura média da queda projetada: 61 metros

Reservatório: áreas estimadas nas cotas mínima

e máxima da água 2560 km2 (na cota 142 m)

a 6.140 km2 (na cota 165 m)

Volume: 47 km3 na baixa (cota 142 m), para

143,5 km3 na alta (cota 165 m)

Sul. Pode-se supor que a represa não chegaria aatingir diretamente a Flona Altamira nem a TIvizinha, chamada Baú, onde viviam em 1994, 128Kaiapó grupo Mekragnoti.

Ali se forma um dos grandes conflitos fundiários eétnicos - sociais, na região ao Sul da cidade de NovoProgresso, justamente onde esta TI fica próxima daFloresta Nacional de Altamira, e do eixo da rodo-via Cuiabá a Santarém.25

Não longe desta confusão, milhares de km qua-drados de glebas públicas antigas, de algum modopassaram estão sendo tomadas por grandes emprei-teiras, p.ex., a CR Almeida, do Paraná, e por gru-pos madeireiros poderosos de São Félix do Xingu ede Altamira. O resultado hipotético desta represaIriri, calculada em alguma prancheta há mais devinte anos, é que o rio Curuá também ficaria, comoo seu irmão maior, Iriri, metade represado. Paraquem mora rio acima, isto influiria bastante napesca. De todo modo, como nas demais represashipotéticas aqui mencionadas, exigiria dos mora-dores uma convivência hoje desconhecida, com aproximidade de uma nova massa d’água muitoextensa, cuja área superficial e cujas profundida-des seriam bem variáveis ao longo do ano, e con-forme o modo de operação da projetada usina.

Xingu e seu irmão Iriri, construindo seis obrasenormes - seria obtida num trecho a partir daconfluência do Iriri, daí para baixo. Isto, prova-velmente por duas razões: primeira, o acréscimode vazão do Xingu pela contribuição do Iriri deveser, no período em que o rio enche, de Dezem-bro a Maio, da ordem de 40% da sua vazão antesde receber o afluente; segunda, o desnível dacorrenteza inicialmente pequeno, abaixo destaconfluência, passa por Altamira, e se acelera abai-xo da cidade, onde o rio faz uma manobra “radi-cal”, vinha no rumo Nordeste, se vira para o Sul,se retorce de novo e termina rumando para oNorte, é a Volta Grande.

Eis o atrativo (!) para os calculistas do setor elétri-co: uma queda natural em várias etapas, ao longode uns 400 km de rio, com desnível natural de unscem metros, e que seria, ampliada para uma quedaartificial de 150 metros, em duas etapas, por meio dedois paredões:

o 1º paredão vencendo um desnível natural de 90metros (Usina Kararaô, depois Belo Monte);

o 2º paredão mais acima, e neste caso, seria um des-nível completamente criado, de 60 metros (eixo eusina Babaquara, hoje chamada usina Altamira)26.

As vazões mínimas estimadas para o rio Xingu notrecho da ilha Babaquara, a partir das mediçõesem Altamira, seriam menores que 800 m3/segun-do e as máximas seriam maiores de 32.000 m3/segundo. Como a altura da barragem é exageradapara um trecho de rio praticamente em uma pla-nície com ondulações e colinas, o resultado é queo armazenamento de água bate recordes em ter-mos de engenharia: 47 km3 na baixa (cota 142 m),para 143,5 km3 na alta (cota 165 m); ao quêcorresponderia certamente uma trágica coleção derecordes também de destruição ambiental.

Babaquara seria, sozinho, o terceiro maior pro-jeto em toda a bacia amazônica e no país em ter-mos de capacidade instalada (os dois maioresprojetos para os rios brasileiros eram os da usi-na Kararaô prevista para 11.000 MW e da usinaItaituba, no Tapajós, com 13.000 MW). A repre-sa da famosa usina hipotética Babaquara seria amais extensa do país e a segunda mais extensano Mundo.27

Com a cota máxima da represa projetada em 165metros de altitude, o paredão de quase 10 kmbarrando o rio e a planície, seria construído numponto a pouco mais de dez km rio acima da ci-dade de Altamira, no meio de um longo trechoem que o rio chega se espraiando por entre um

O maior reservatório e a mais cara de todas usi-nas, Babaquara, fechando a foz do Iriri no Xingu,alagando trechos de várias Terras Indígenas e umaFloresta Nacional

A Eletronorte devidamente instruída pelo relató-rio de inventário hidrelétrico feito em 1980 peloCNEC – Camargo Correa, anunciava, em 1988,que 70% da potência total prevista - ou seja - 70%da eletricidade que se poderia arrancar do rio

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extenso arquipélago com ilhas de aluvião eentrecortado de pedrais, que seria alagado daíaté a foz do Iriri.

Ali a represa abriria dois longos e amplos braços,um prosseguindo pelo Xingu para o Sul, e outropelo Iriri para Oeste. No ramo Sul, as águas re-presadas entrariam pelo igarapé Ipiaçava no in-terior da TI Terra Indígena Koatinemo, onde vi-vem os Assurini, 91 deles em 1999. A represa ala-garia também terras ribeirinhas na TI dos Arawetédo Ipixuna, com 269 moradores no ano de 2000,a água cobrindo sua aldeia e entrando peloigarapé Ipixuna. A represa iria pelo Xingu aci-ma, até a foz do rio Pardo, ao sul do paralelo 5graus, perto da terceira barragem prevista(Ipixuna, a montante).

A hipotética mega–represa amazônica teria tam-bém um outro braço de mesma dimensão paraOeste, subindo pelo rio Iriri desde sua foz, ala-gando terras da TI Kararaô (28 pessoas deste gru-po cf Funai Altamira, em 1998) na margem di-reita, e atingindo terras ribeirinhas na margemesquerda do Iriri nas duas TI Arara, (num totalde 200 moradores), provavelmente inundandototalmente ou inviabilizando três aldeias, e indoaté perto do meridiano 56 graus, na CachoeiraSeca, onde seria o paredão da quarta usina pre-vista, Iriri.

Como tudo neste aproveitamento integral do Xin-gu decorre justamente da idéia fixa de obter amáxima potência, escolheram elevar o “paredão”para que a represa de Babaquara ficasse na cota166 metros – que seria a melhor opção para re-gularizar a vazão dos dois grandes rios, e para au-mentar, na usina seguinte, rio abaixo, seja Kararaôseja Belo Monte, o aproveitamento da potênciahidráulica e da eletricidade fornecida ao longodo ano.

Quando a Eletronorte anunciou os seus projetosem 1988, dando grande destaque às duas maioresusinas, Kararaô e Babaquara, já se sabia que oscustos de investimentos de Babaquara eram mui-to grandes, e uma das razões era exatamente anecessidade de se construir 48 km de barragens,pois além dos paredões principais, muitos diqueslaterais seriam exigidos para conter o extravaza-mento para as bacias fluviais vizinhas.

Com tantos paredões, a movimentação de concre-to e de enrocamento terra-rocha exigiria um volu-me de 170 milhões de m3, enquanto a barragembrasileira de maior volume de paredões constru-ídos, a de Tucuruí, significou 70 milhões de m3.

E tudo isto resultou nos números recordes de Ba-baquara: seria o maior alagamento do país, e aomesmo tempo, teria um índice de custo muito ele-vado, estimado então em 916 dólares por kilowattinstalado (custo sem os juros após a construção esem investimento em transmissão), portanto, uminvestimento de 6 bilhões de dólares.

Entretanto, as razões explicadas sempre comaquele jargão técnico de engenharia ou de eco-nomia, às vezes não passam pela lógica elemen-tar da dinâmica dos fatos físicos, nem resistem aqualquer comentário fundamento sobre as incer-tezas sempre presentes, nem sempre sabidas...esobre a maior ou menor confiabilidade das má-quinas e dos humanos.

Para o leigo, se 70 % do aproveitamento estari-am nestas duas obras, nesta Volta Grande transfi-gurada em dois imensos paredões, uma granderepresa e outra enorme, seria correta fazê-las an-tes das demais. Errado, pois em muitas regiões,começou-se pela usina “mais alta”, e em seguida,as outras que foram sendo feitas rio abaixo, tive-ram melhor aproveitamento, cada uma delas, etambém em sua produção conjunta de energia, esob condições operacionais previstas econcatenadas para tanto.

Errado também, elas só representam 70 % do to-tal inventariado, se todas as outras cinco barragensestiverem feitas, as usinas funcionando, pois sãoas represas rio acima que controlam em parte ofluxo de água que enche as duas represas maisbaixas (Babaquara e Belo Monte) para que pos-sam de fato turbinar a plena carga.

Agora, as duas represas são obras distintas, podemser feitas em qualquer ordem. Pela lógica parcialdo retorno do investimento, se faria primeiro amais barata (Kararaô ou Belo Monte), e, com arenda desta se poderia fazer a segunda, mais cara.Errado de novo, pois a usina debaixo só gerariaenergia de forma rentável ao longo do tempo seexistir a represa de cima, (Babaquara), com gran-de volume d’água acumulado, prevista e instruídapara operar visando a regularização das vazões quechegariam na represa rio abaixo.

O quebra-cabeça se presta a muita confusão edesinformação. Pelo menos para este nosso livro,fique certo que não acreditamos nunca que “ape-nas uma” destas duas usinas será feita. Quem o afir-ma, está deliberadamente escondendo a lógicaeconômica baseada na contingência hidrológicado rio...ou então, é porque acreditou no que disseo “lobby” atual do projeto Belo Monte.

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Belo Monte, ex-Kararaô: Kaiapó em guerra, Juru-na ameaçados, e os desaldeiados

Nos anos de 1915 a 20, quando um estudioso pio-neiro, o antropólogo austríaco Curt Nimuendajuestabeleceu contato com os grupos indígenasXipaia do baixo e médio Xingu, ele desenhou emum mapa o seu percurso, a região entorno, e ogrande meandro do rio (que ainda não se chama-va “Volta Grande” ) em cujo trecho final, onde ofluxo da correnteza aponta novamente para oNorte, ele escreveu “ Salto Itamaracá”.28 Assinalouas únicas localidades urbanas da época, na conflu-ência do Xingu com o Amazonas: Porto de Moz, rioacima, na margem direita do trecho bem largo, avila Souzel (hoje seria a cidade de Senador JoséPorfírio, nome de outro dos coronéis mandantesde tudo no baixo Xingu); o último porto antes do

trecho encachoeirado, Vitória do Xingu, e o primei-ro porto no trecho acima das cachoeiras, a vila deAltamira.

Em um recanto da margem esquerda, cercada demorros e platôs baixos, em frente a uma das gran-des ilhas do Xingu, a Arapujá, a cidade fica no pri-meiro “cotovelo” onde o traçado do rio que vinhadescendo no rumo quase Nordeste quebra para oLeste e depois para o Sul, como se estivesse voltan-do em direção às suas nascentes. Rio abaixo umlongo trecho de ilhas aluvionais, depois morros erochedos no meio e na barranca do rio, a larguraaumenta e a profundidade diminui, começam ospedrais intermináveis, e vão se preparando as que-das. Uma esquina abrupta e um novo rumo da ca-lha do rio, para o Nordeste, o piso é de lajes ro-chosas que cruzam quase toda a largura do rio; éum trecho com grandes ilhas algumas também ro-chosas, próximo da Terra Indígena Paquiçamba,abaixo da foz do rio Bacajá; descendo mais vêm asgrandes cachoeiras, a primeira delas a Cachoeirado Jericoá, altura relativamente pequena, 12 a 15metros, mas uma largura extraordinária, mais de5 km. É apenas a primeira de uma série de cincoou seis. Talvez o Salto Itamaracá assinalado porNimuendaju seja um outro nome para alguma dasduas últimas cachoeiras, chamadas agora a Assas-sina e a da Baleia.

E ali, após a ultima correnteza mortal, formou-seum poção, dizem, descomunal. Lá onde começa a

Cachoeira Jericoá volta grande do XinguO, Sewá out 2003

UHE projetada: Kararaô, depois Belo Monte

Capacidade instalada: 8.400 MW, depois

11.000 MW, depois 11.181 MW,

depois 5.681 MW

Reservatório: áreas estimadas 897 km2

na cota 90 m, a 1225 km2 na cota 96

(projeto inicial Kararaô), depois da alteração

da configuração feita em 1997: 470 km2

Volume: 3,8 bilhões de m3

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“ria” do Xingu: a água já fica abaixo da cota 10metros de altitude, o rio se prepara para escorrermais lentamente até confluir, mas tem dezenas demetros de profundidade.

Foi este desnível de oitenta e cinco a noventametros entre Altamira e o final da Volta Grande,abaixo de Belo Monte do Pontal, que despertou oímpeto dos engenheiros calculistas, tratava-se, semdúvida, de um belo potencial hidráulico.

Todos ali sabem, e os instrumentos também me-dem e acusam, uma respeitável diferença entre seuvolume de água em Outubro (bem pequeno parao tamanho do rio, dos arquipélagos e corredeiras,que ficam algumas secas) - e em Março, Abril, quan-do o nível do Xingu sobe vários metros, a água seesparrama, entra pelos igarapés, o rio fica cauda-loso no canal central e torrencial, violento nosboqueirões das lajes e nos estreitos formados pormorrotes das ilhas e das margens.

Imaginando que o Xingu fosse barrado e, de al-guma forma fosse obtida uma queda com esta al-tura, (a represa na cota 97 ou 98 metros, e a saí-da da água turbinada, no baixo Xingu, na cota 6a 10 metros), turbinando a vazão portentosa demais de 10 mil m3/segundo (um pouco acima dasmédias anuais das vazões mensais), os primeiros

cálculos apontaram uma potência de 8.400 MWa instalar. Depois, engenheiros e financistasdimensionaram a capacidade total em 11.000 MW.Esta potência exigiria uma vazão de 14.000 m3/s,que em geral só é atingida durante 3 a 4 mesesdo ano.

A represa que seria formada com o barramentoKararaô, (que foi então escolhido bem em cimado trecho encachoeirado abaixo da 1ª grande ca-choeira, a Jericoá) ocuparia quando cheia até uns1200 km2, afetando bastante toda a faixa ribeiri-nha no lado de dentro da Volta Grande, a mar-gem esquerda do Xingu, desde os igarapés deMaria e Gaioso, abaixo de Altamira - até a aldeiaPaquiçamba e daí em diante até se completar avolta do rio.

Na margem direita, a represa projetada avançariadezenas de km adentro pelos rios afluentes, inclu-indo o maior deles, o Bacajá. Pelas duas margens,a água ficaria represada em toda a calha do Xin-gu, transbordadas, segurando os igarapés lá emcima bem antes de suas barras atuais, inclusive naárea urbana de Altamira, onde teriam que ser re-movidos os pontões, palafitas e passarelas que fi-cam abaixo ou próximo da cota máxima, anuncia-da como 98 metros, às vezes 97 metros.

Usina Hidrelétrica de TucuruíAguirre/Switkes/AMAZÔNIA

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Esta lâmina d’água, que nas beiradas seria bemrasa, quase um manguezal, um pantanal, se esten-deria ainda muitos km e muitas ilhas e praias rioacima até bem perto do paredão seguinte, a usinaprojetada Babaquara.

Após a primeira derrota dos seus projetos, em 1989,a Eletronorte continuou trabalhando em cima desua “cria” predileta, o mega-projeto Belo Monte.Reapresentou-o em 1997 com uma modificação noarranjo: deslocou o eixo do principal paredão paraum trecho mais alto, na Ilha do Pimental, e alte-rou bastante os canais de ligação da represa com aCasa de Força que continuaria sendo lá em baixo,na margem esquerda, entre as localidades de BeloMonte do Pontal e de Vitória do Xingu.

As mudança feitas pelos engenheiros subtraiu defato, mais de 700 km2 da área inicial a ser inunda-da, e ao invés de quase afogar os Juruna, deixariaa aldeia no trecho do rio abaixo do paredão dabarragem Pimental. No trecho fluvial que ficariapor muitos meses bastante baixo, por causa daretenção da água na represa e do seu desvio pe-los canais. A mesma mudança “de represa” nãoaltera a potência prevista para instalar na casa deforça principal, vai além, e cria uma usina secun-dária com mais 181 MW, pela qual seria turbina-da, mesmo nos meses secos, uma “vazão ecológi-ca”, fixada e fiscalizada, naturalmente, pela pró-pria Eletronorte.

Dentre os que mais seriam atingidos pelo projetoBelo Monte, estão os índios Jurunas que, em 1988,eram 35 pessoas na aldeia Paquiçamba, na mar-gem esquerda do Xingu, naquele trecho de arqui-pélagos, furos e paranás, corredeiras e pedrais. Naversão remodelada, esta T.I. se tornaria uma ilhaoriginal, cercada pela água da represa no ladoNorte e, do outro, por um trecho de rio com avazão bastante diminuída em todas as épocas doano, quase seco de uma vez no verão amazônico.

Esta aldeia Juruna, onde mora o único grupo deíndios reconhecido pela Eletronorte, pode vir aser transformada em uma “vitrine” para os visitan-tes; bastaria que prevalecesse a mesma orientaçãoque teve a Eletronorte com os Waimiri - Atroaridesalojados e depois re-assentados na represa deBalbina, rio Uatumã, AM, e com os Parakanã, idempor causa da represa de Tucuruí.

Mas haveria também os demais, que saíram de suasaldeias, ou cujos pais o fizeram, e que estãodesaldeiados, e são beiradeiros do Xingu na VoltaGrande. A antropóloga Lúcia Andrade, da CPI-SP,que os conheceu na época em que se anunciou o

primeiro projeto de usina, em 1988, estimava a po-pulação indígena da região da Volta Grande em100 pessoas incluindo as que estão dentro da terraPaquiçamba, e as que vivem ali perto em ilhas e namargem direita do Xingu, e alguns grupos que seurbanizaram, morando na Vila São Sebastião, bair-ro Recreio, em Altamira, junto com grupos de ín-dios Xipaia e Curuaia.29

O CIMI – Conselho Indigenista Missionário, deAltamira registra, em 2003, um total de quase 400pessoas, agrupadas em dezenas de famílias Xipaia,Curuaia, Caiapó, e em um aldeamento de índiosArara do Pará, um povo que se espalha nas duasbeiras do Xingu e nas ilhas da Volta Grande, espe-cialmente nas localidades Ilha da Fazenda e Maias,- os quais seriam certamente atingidos pela forma-ção daquela represa do primeiro projeto, pois osseus locais atuais seriam alagados mesmo, ou fica-riam à beira do futuro “lago”. Ou então, poderi-am ser prejudicados também pela interrupção deacessos e percursos, por causa da proximidade comcanteiros de obras, vias de acesso e com a monta-gem de torres e linhas de transmissão, e pelo ala-gamento de igarapés.

Mesmo mudando o nome da usina para Belo Mon-te e mudando o eixo do barramento para a IlhaPimental, muitos ainda seriam atingidos pela mu-dança do regime do rio Xingu e dos afluentes queali desembocam, exatamente no trecho que fica-ria mais tempo mais seco, abaixo do vertedouroprincipal ali previsto; e isto teria repercussões apósa lendária Cachoeira Itamaracá, no final dascorredeiras, no “poção” defronte à vila de Belo Mon-te do Pontal.

Uma outra TI importante na região, chamada Trin-cheira - Bacajá, onde moravam 382 pessoas dosgrupos Xicrin, Kararaô, Parakanã, Araweté eAsurini do Xingu, estava muito ameaçada pois orepresamento do rio Bacajá avançaria até uma dasaldeias, a da Trincheira.30 Por isto, o engenheiroMuniz, já como presidente da Eletronorte, podiadeclarar no início de 2000:

“Na primeira versão do projeto, se o lago ficasse com 1,2mil km2, isto praticamente significaria a morte do rioBacajá, um afluente do Xingu. Com a redefinição doprojeto, a Eletronorte garante que o Bacajá, para alíviodos ambientalistas, não será comprometido”31

O que também não é a previsão correta: com oredesenho da represa, o Bacajá passaria a desaguarno trecho em que o Xingu teria de 15% a menosde 50% de sua vazão natural, e portanto, o seu tre-cho final poderia sofrer mudanças drásticas na

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dinâmica fluvial (p.ex. escoando mais rápido,erodindo mais as barrancas, não preenchendo la-goas e várzeas marginais).

O histórico continua: até a segunda derrota da Ele-tronorte (1989-2002)

Uma das miragens tecnocráticas dos anos 1980:duas mega-hidrelétricas Kararaô e Babaquara,previstas para instalar mais de 17 milhões de kW,duas grandes represas somando mais de sete milkm quadrados de alagamento, centenas de kmde barrancas de grandes rios alagados na“forquilha” formada pela confluência do rio Iririno Xingu, dali até o final da Volta Grande. Apósiniciado e tornado irreversível o grande e longocanteiro de obras de Tucuruí, esta nova miragemtornou-se o carro-chefe da investida dosbarrageiros na Amazônia: barrado o Tocantins, queseja agora o Xingu!

Este “complexo hidrelétrico de Altamira” (ocodinome prestigiando a cidade beira –rio queficaria praticamente espremida entre a represade Kararaô e o paredão de quase 70 metros deBabaquara), foi o primeiro “projetão” da empre-sa Eletronorte a ser fortemente questionado porvários agentes sociais e políticos, dentro e fora daregião e do país. A primeira derrota dos projetosde usinas hidrelétricas no rio Xingu não foi ex-plicitamente assumida pela empresa nem pelo go-verno federal.

Essa atitude: ser derrotado e nem mesmoreconhecer...fazia muito sentido no ambiente po-lítico em que viveu o país na década de 1980. Seantes foram feitos, sem qualquer limitação ou cons-trangimento inicial, projetos igualmente danosose insensatos – Tucuruí, no Pará, Balbina, no Ama-zonas, Samuel em Rondônia – se foram conduzi-dos pela mesma empresa Eletronorte e pelas mes-mas grandes empreiteiras (Camargo Correa,Andrade Gutierrez, CBPO e outras) - em 1988, 89já não seria tão evidente! O primeiro sinal de quea Eletronorte recebera um golpe - e não apenasum engenheiro havia tido as bochechas apertadaspor um facão - foi a mudança de nome, um tipode manobra que a empresa ainda faria outras ve-zes, confundindo a opinião pública e atrapalhan-do a formação das bases de informações e de da-dos técnicos.

O projeto Kararaô se chamaria agora Belo Monte,registrando assim, singelamente o nome de duasvilas da rodovia Transamazônica, onde se toma oferry-boat para transpor o rio Xingu, entre a margem

direita (Belo Monte do Pontal) e a margem esquer-da (Santo Antonio do Belo Monte).32

Não vivíamos mais, formalmente, numa ditaduramilitar. Já havíamos saído às ruas, numerosos e porvárias vezes; em 1988, uma nova Constituição ha-via sido costurada sob a maestria do deputadoUlysses Guimarães (PMDB), e em Outubro de 1989votaríamos, após um jejum de 29 anos, para presi-dente da República! Na Constituição foram ins-critos artigos específicos a respeito do meio ambi-ente (artigo 225) e dos povos indígenas (artigo231), comentados em seguida.

Não fique a impressão de que nada foi feito pelaempresa e pelo “lobby” barrageiro desde a pri-meira derrota, até o seu primeiro ressurgimen-to, em 1998-99, na campanha eleitoral de 1998e nos primeiros meses do segundo mandato Car-doso-Maciel.

A empresa gastou muitas homens-Hora de traba-lho técnico, teve despesas de todo tipo, salários,contratos e subcontratos, acampamentos e missõesterritoriais variadas, além de certa dose de gastosem publicidade, propaganda e relações públicasna região, em Belém, em SP e outras capitais, e noexterior. Conforme pudemos deduzir da leitura dodocumento técnico relevante mais recente33, aempresa veio detalhando bastante o chamado “pro-jeto de engenharia básica”, sempre com base nosdelineamentos do documento mais antigo de to-dos, o Inventário Hidrelétrico do Xingu, uma en-comenda da Eletronorte, feita pelo escritórioCNEC, da Camargo Correa, SP, em 1980.

Até 1999, a empresa foi, às vezes discretamente,intensificando a implantação do projeto: fez mo-dificações geográficas e técnicas relevantes no pro-jeto, rebatizou-o pela 2ª vez, agora seria o Com-plexo Hidrelétrico de Belo Monte (CHBM), so-mente com as obras da 1ª usina na Volta Grande.E aumentou um pouco a confusão das denomina-ções: passou a chamar de Usina ou Aproveitamen-to Altamira a anterior usina Babaquara.

Contudo, não havia elaborado nem contratadoa elaboração de um Estudo prévio de ImpactoAmbiental, portanto, nem tinha como cumpriro que era exigido desde fins de 1988, pelo artigo225 da Constituição Federal: atividades potencial-mente poluidoras e degradantes do meio ambi-ente devem obter suas licenças ambientais e paratanto devem apresentar aos organismoslicenciadores os respectivos Estudos Prévios deImpacto Ambiental. E, quanto ao artigo 231 daC. F., que exigia que as minerações e as obras de

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hidrelétricas em Terras Indígenas fossem auto-rizadas pelos próprios índios ameaçados pelasobras e pelo Congresso Nacional - a Eletronortetentou contorná-lo quando redesenhou o pro-jeto Belo Monte, colocando o barramento prin-cipal nas Ilhas Pimental e da Serra, uns 50 kmrio acima da posição anterior, abaixo da grandecachoeira, Jericoá.

Geograficamente, a área da T.I. Paquissamba, dosíndios Juruna, deixaria de ficar submersa para fi-car no trecho “seco” da Volta Grande, onde as va-zões seriam sempre bem inferiores às médias his-toricamente observadas.

Assim a empresa pode, até hoje, esgrimir o argu-mento de que “não há Terras Indígenas atingidas”pelas obras de Belo Monte.34 Quanto aos indíge-nas da região que seriam atingidos, muitos maisdo que os 40 ou 50 Juruna que a Eletronorte reco-nhece como residentes na T.I. Paquissamba e diznão estarem ameaçados pelas obras, a empresamesmo sabia, graças aos estudos do CNEC no fi-nal dos anos 1970, dessas populações debeiradeiros em toda a Volta Grande. Após essamanobra de re-localização do eixo do barramentoe do “by-pass” geográfico na única T.I. homologa-da daquele trecho de rio, a empresa passou a ten-tar descaracterizar os demais índios ou seus des-cendentes que por ali estivessem desgarrados desuas aldeias, inclusive os moradores da área urba-na de Altamira.35

Fomos informados repetidas vezes a respeito demilhares de beiradeiros que mantêm contatos co-tidianos, de interesse familiar, previdenciário e deatendimento de saúde, educacional e comercialcom Altamira, mesmo residindo 50 km ou mais riobaixo ou rio acima da cidade. Sabemos ainda que,no trecho que seria afetado pela represa de BeloMonte ou pela parte seca do rio abaixo da IlhaPimental, quase 400 moradores indígenas dasetnias Xipaia, Curuaia, Arara, Juruna e Kaiapó fo-ram recentemente cadastrados pelos técnicos lo-cais do CIMI - Conselho Indigenista Missionário.36

O fato é que o lobby barrageiro na Amazônia semanteve numa corda bamba neste longo período:obteve novos trunfos, sim, mas carrega passivosmais pesados do que antes. A Eletronorte esten-deu sua linha de 230 mil volts desde Tucuruí atéas cidades de Novo Repartimento, Anapu, Altamira,Medicilândia, Uruará e Rurópolis, ao longo de cen-tenas de km da Transamazônica, e dali dois circui-tos de 138 kV para Itaituba e para Santarém, comisto atendendo uma das principais demandas daregião. Vale lembrar que uma das correntes mais

fortes na movimentação em Altamira em 1989 ti-nha como lema “Linhão sim, barragem não!”

Como acontece em toda empresa de eletricidade,foi a partir da derrota de 1989, que os dirigentes egerentes da Eletronorte passaram a fazer políticanos municípios, a interferir bastante; mandaramseus assessores e contratados percorrer a área, sehospedar nos hotéis, alugar barcos e aviões. Emmeados dos anos 1990, decidiram marcar presen-ça, começaram a promover excursões para os es-colares, professores, pescadores, índios, em roma-ria de visitação à usina e ao “lago” de Tucuruí.

Organizavam reuniões com vereadores e prefei-tos e os estimulavam com promessas de royaltiesque engordariam os orçamentos das prefeituras,e de oportunidades de negócios e serviços paraquando os canteiros de obra se instalassem. Agin-do em várias frentes, a empresa e seus contratadosintensificam o mapeamento das lideranças locais,para em seguida passar a assediar algumas delasem prol de um cooptação, de uma mudança depostura pública, passando das posições divergen-tes ou contrárias à obra para uma posição de ne-gociação, de apoio, e talvez até de “parceria” comos empreendedores! Por volta de 1998, 1999, aEletronorte, derrotada dez anos antes, se recom-punha, tornava-se um ente político regional emAltamira, nesta região da Transamazônica.37

Mas, havia o desgaste provocado pelos sucessivoserros na condução dos problemas e das providên-cias necessárias em Tucuruí, sua obra exemplar eanti-exemplar. Pouco podia diante da corrosão dasua imagem empresarial, pela disseminação de tan-tos problemas ambientais e sociais ali provocados,e não resolvidos, pendentes, ano após ano, algunsaté hoje.38

No segundo semestre de 2000 a Eletronorte fir-mou convênio de quase 4 milhões de reais com aFadesp, fundação ligada à Universidade Federaldo Pará, através da qual foram contratados pes-quisadores para elaboração do Estudo de Impac-to Ambiental.39 As condições desse convênio e atentativa de obter a licença ambiental apenas noâmbito paraense, da Secretaria estadual deTecnologia e Meio Ambiente, motivaram a aber-tura de uma Ação Civil Pública. A decisão judicial,uma liminar embargando o EIA, suspendendo oprocesso de licenciamento, foi tomada pelo juizRubens Rollo de Oliveira, da Justiça Federal emBelém, em maio de 2001.

No mês de agosto, um evento traumático para omovimento popular e para as entidades regionais

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que reagrupam assentados, pequenos fazendeiros,comunidades rurais: o assassinato de seu líderAdemir Federici, o Dema. Mesmo que tenha sidopor encomenda de madeireiros por ele denuncia-dos, e não por encomenda do “lobby” barrageiro,o fato conhecido é que Dema criticava os projetosde barragens e incluía este ponto na sua luta polí-tica, em seus discursos.

Em Novembro, após ser confirmada a decisão ju-dicial pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região,em Brasília, a mesma liminar foi mantida na ulti-ma instância no Supremo Tribunal Federal.

Era a segunda derrota do projeto Belo Monte, emfins de 2002.40

A finalidade da obra em si continuava obscura,fugidia, sobretudo porque eram intensas as críti-cas em cima da usina de Tucuruí, por causa tam-bém do prejuízo que o país estava tendo com oscontratos de preços obtidos pelas industrias de alu-mínio que se instalaram em Belém e em São Luís.

Ficava sempre mal definida, nos informes oficiaise nos discursos de palanque, a destinação da ele-tricidade prometida pelo projeto Belo Monte, comprevisão de instalar 11.182 Megawatts na versão quevigorou entre 1998 e outubro de 2003.

Em 2001, a partir de fevereiro e março de um Ve-rão pouco chuvoso, ficou claro que o sistema Su-deste - Centro Oeste e o sistema Nordeste de ele-tricidade passavam por uma crise de oferta de ele-tricidade, em parte relacionada com uma crise deoferta “de água para turbinar nas usinas existen-tes na bacia do Paraná e do São Francisco” e emparte relacionada com insuficiências no sistema detransmissão inter-regional. Foi quando osbarrageiros reapresentaram Belo Monte como “asalvação do país”, e por isto, reivindicavam que os“empecilhos” fossem removidos e que as obrascomo estas pudessem iniciar o quanto antes!41 42

Localmente, a Eletronorte tentava contornar a se-gunda derrota pondo em campo mais gente. Des-ta vez, contratou um núcleo de pesquisa da Uni-versidade de Brasília, o Centro de DesenvolvimentoSustentável, para ir a campo com a missão de aper-feiçoar os mecanismos de “inserção regional” doseu mega-projeto. Na prática porém prosseguiu ocerco, o assédio às lideranças e à opinião pública.

A empresa adquiriu ou alugou prédios em Altami-ra, em pontos nobres da avenida Beira Rio, lugarmais freqüentado da cidade nas noites e finais desemana. Num deles construiu um tipo centro cul-tural, com micro-computadores e ligações de

internet para uso dos “excluídos digitais”; enquan-to no calçadão em frente, erigeu um quiosque,onde instalou uma maquete grande, vários metrosquadrados, do seu projeto alagando boa parte daVolta Grande...que era, certamente, para o povoir se acostumando àquela futura paisagem.

Noutro prédio em rua mais comercial, próximade prédios públicos, instalou a sede de um “Con-sórcio Belo Monte”, formado pelos prefeitos dosmunicípios de uma região fictícia definida como“de influência” da mega-obra, os quais teriam di-reito, no futuro aos “royalties” que a lei obriga ashidrelétricas a pagar às prefeituras que tiveramterras ocupadas pelas obras e pela represa.

É toda uma construção ideológica e institucionalque vai avançando, se enredando nas forças locaise fazendo links com as forças “de fora”; até na pre-visão meteorológica numa TV aberta estadual apa-rece a temperatura e a chuva na localidade BeloMonte, omitidas algumas cidades importantes doPará. Algo que nos faz recordar o percurso feitonas ultimas décadas para se tentar criar uma re-gião “do Carajás”, cujo núcleo seria o impérioterritorial da CVRD englobando também as áreasindustriais e portuárias ao Sul de Belém e na Ilhade São Luís. Conforme o veredicto do antropólo-go Alfredo Wagner B. Almeida em seu mapeamen-to dos conflitos em toda a região:

“O ‘espaço’ na versão dos planejadores corresponde ao des-conhecimento e ao descaso das realidades localizadas. Desteprisma, a região é inteiramente naturalizada pelo pensamentotecnocrático, endossando a arbitrariedade da delimitação. Aúnica identidade que lhe corresponde é aquela forjada nossuportes técnicos às iniciativas empresariais mencionadas.Não há quem se auto-defina como vivendo, morando, traba-lhando ou de passagem por esta região inventada nos gabi-netes definidores de estratégias empresariais. O sentimentode pertencer a ela só surge forte na solicitação de incentivosfiscais e creditícios. A denominação ‘Carajás’ por conseguin-te torna-se recorrente na razão social de hotéis, agropecuárias,madeireiras, estabelecimentos comerciais e projetosincentivados”.(p.28/29)

Atualizando: de 2002 a 2004, a terceira tentativados barrageiros e dos “eletrointensivos”, e as ra-zões da discordância e do repúdio ao barramentodo Xingu

Desde as eleições de 1998, a polarização política naregião de Altamira, e no Pará colocava os partidári-os do projeto megalômano da Eletronorte juntocom o governo do Pará (na época, Almir Gabriel,do PSDB) e com o grupo do PFL que tomou contado Ministério das Minas e Energia no governo Car-doso-Maciel - e do outro lado, os “contrários ao Belo

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Monte”: lideranças indígenas, entidades de extrati-vistas, de trabalhadores e de moradores de assenta-mentos rurais, algumas delas ligadas à Igreja Cató-lica através da CPT e de outras ações pastorais, ou-tras com a presença forte ou dominante de militan-tes dos Partido dos Trabalhadores, outras ligadasaos movimentos de atingidos de barragens de ou-tros regiões, à Contag e à CUT.

Por um momento, durante o ano de 2002, osparaenses e os que de longe acompanham o casotiveram a sensação de que uma vitória do candida-to Lula em 2002 poderia sepultar o projeto BeloMonte e os demais, de vez. Seria um alívio paratanta gente, que pudessem cuidar dos projetos quelhes interessam de perto, no dia a dia, viver, pre-servar, produzir, e não ser infernizado por essemeteoro caído sobre suas cabeças. Mas não!43

Uma das razões é que, vinte anos depois, o agorasenador Sarney e aliado do governo Lula, pareceter persuadido a cúpula federal da importância eda excelente oportunidade do projeto Belo Mon-te. No mínimo, mostrou que ainda comandava oseu feudo, tendo recentemente conduzido a trocade presidente da empresa “holding” Eletrobrás,que é a acionista principal da Eletronorte.44

Todavia, esses “novos” dirigentes já tiveram que re-conhecer que o rio não fornecerá a potência ne-cessária para a instalação dos 11.000 MW, e que aEletronorte não tendrá como bancar sozinha o in-vestimento, que precisam ser atraídos investidorespara se associar, além de uma parte do financia-mento ser assegurada pelo banco estatal BNDES.45

De tal modo que a saída agora apontada comonatural é a formação de um consórcio de grupospoderosos, capazes de alavancar o financiamento:as empreiteiras Camargo Correa e Andrade Guti-errez, as fabricantes de equipamento pesadoAlstom, Asea Brown Boveri, General Eletric e VoithSiemens, e grupos capazes de contratar a comprade alguns pacotes de eletricidade de bom tama-nho, como as empresas mineradoras emetalúrgicas como a Alcoa, a CVRD, a australianaBhpBilliton.

O atual governo delineou também a participaçãoacionária das ainda poderosas estatais Furnas eChesf - a Eletronorte seria uma sócia menor desseConsórcio Brasil 46. Pelo visto, restará a ela continu-ar a fazer o serviço político local, de dobrar os re-sistentes, de embolsar os descontentes, e de fomen-tar os apoiadores. Talvez viesse a administrar a sua“inserção regional”, por meio de uma “special purposecompany”, tudo dentro de seu delírio de poder re-gional, de sua obsessão em se tornar - como a “Vale”

fez com o seu Carajás - um Estado dentro do Esta-do do Pará.

A novidade nesta terceira tentativa não é tanto queos políticos do Partido dos Trabalhadores estejamse tornando favoráveis aos projetos no rio Xingu etambém aos anunciados para o rio Madeira, emRondônia. A novidade agora é algo bem mais es-tratégico, pois podemos ter mais certeza de quemiria operar a usina – não seria a Eletronorte sozi-nha, nem majoritária - e de quem vai usar a eletri-cidade dessa obra, se acaso um dia ela chegar a serfeita – não será o “resto do país”, nem o Nordesteà beira da crise, muito menos a malha elétricaCentro Oeste Sudeste. E sim as indústrias eletro-intensivas que já comandam esse mesmo espetá-culo pelo mundo afora há um século.

As razões da primeira discordância continuam depé, desde 1988, 89, quando o antropólogo DarrellPosey levou os caciques Kube I e Paiakan a NewYork para audiência junto ao Banco Mundial e àsONGs, e desde quando o mundo viu Tu Ira comseu terçado nas bochechas do engenheiro Muniz.47

Os conflitos provocados pelas empresas de eletri-cidade ao anunciar obras que alagam ou afetamdiretamente Terras Indígenas vão pipocando,muito além da região amazônica, por exemplo nasbacias dos rios Paraná, Tibagi e Iguaçu e em obrasna Argentina.

Problemas que foram assim apontados em umacompilação de pesquisas recentes pelos antropó-logos Silvio Coelho dos Santos e Aneliese Nacke48:

“Como visto, o envolvimento tardio de antropólogos e ou-tros especialistas não conduziu às reorientações necessáriasnos procedimentos que as empresas vinham tendo para comaos indígenas. A atuação do órgão de assistência, a Funai,sintonizada com os interesses das empresas do setor elétrico,nos casos em questão, dificilmente poderia ter sido pior. Issopermitiu a apropriação das terras indígenas; a protelação doprocesso de regularização dessas terras; a colaboração, semcrítica, na transferência compulsória das populações afeta-das; a negligência na adequada negociação das compensa-ções pelos prejuízos; e, finalmente, a subordinação explícitado órgão às empresas do setor elétrico. As iniciativas visandoao reparo destas situações decorreram fundamentalmente depressões internas e externas, sempre tardias, e tendo efeitoslimitados.(...)Especificamente para as populações indígenas,todas as experiências vivenciadas em relação à implantaçãode projetos hidrelétricos foram desastrosas. As iniciativas demitigação dos prejuízos sempre foram parciais e de feitoslimitados, tendo as empresas do setor elétrico dificuldadesem realmente compreender as reais dimensões da questão.Mais recentemente, com o processo de privatização do setorelétrico, novas ameaças emergiram, especialmente devido àcrônica falta de compromisso das empresas privadas com adefesa dos interesses das minorias indígenas. Essa é a maiorrazão para que as terras indígenas fiquem efetivamente li-vres e fora do alcance dos projetos hidrelétricos.”.

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O fato de tais projetos no Xingu representaremmais uma frente de ameaças à Amazônia poderiaquestionar os seus anunciadores e defensores, masnão! A Amazônia como reserva de biodiversidade,de biomassa e de vida aquática vai cedendo espa-ço e vitalidade para a Amazônia supridora de me-tal e de eletricidade contida em metais e minériospara o mundo rico da Europa, EUA, Japão e ago-ra, também para a China.

Não resta mais dúvida também de que o Pará vaise transformando num enclave como os que exis-tem na Austrália, no Chile, na África do Sul, gran-des supridores da industria pesada mundial. Ohistoriador Pere Petit, ao correlacionar as elitespolíticas com os novos negócios dos recursos mi-nerais e hidrelétricos:

“Há relações econômicas entre algumas regiões com o merca-do internacional que, num determinado momento históricopodem ser de maior importância que as estabelecidas comoutras regiões ou estados do mesmo país – em decorrência daexpansão espacialmente desigual do sistema capitalista; veja-se por exemplo, a Amazônia brasileira durante o ciclo da bor-racha, e o atual `ciclo do minério´ no estado do Pará”.49

A imagem da Amazônia brasileira como “pulmão”do planeta não se justifica tecnicamente, pois aregião já contribui razoavelmente para aumentaros gases que acentuam o efeito estufa, por causa

Pedra gravada com inscrições, Volta Grande do Xingu.Oswaldo Sevá

das queimadas anuais, vinte mil km quadrados, oumais, a cada ano incluindo-se na conta as queima-das nas matas de terra firme e na transição para oscerrados do Planalto central.

Aumentou também o desmatamento conformese ampliaram as áreas mineradas e garimpadas,as aberturas das estradas e de uma longa ferroviaconstruída para o escoamento da produção mi-neral, a abertura de pistas de pouso e das faixaspara a passagem de Linhas de Transmissão de ele-tricidade para essas atividades. E, com a forma-ção de mais represas artificiais, vai aumentar bas-tante e durante prazos longos, trinta anos, oumais, a emissão de gases carbônicos e ácidos or-gânicos típicos da putrefação da massa orgânicano fundo das represas50.

A atitude dos barrageiros que escolheram desde1980 o rio Xingu como seu alvo, vai se tornando umtanto esquizofrênica, cada vez mais dissociada da re-alidade. Só o que lhes interessa no momento é:

“vencer a resistência de organizações ambientais e das co-munidades locais do Pará, para poder levar adiante a cons-trução da hidrelétrica” 51

Mas para isto, para levar adiante, eles têm que tor-nar atrativo e irreversível o seu negócio. Ou então,quem sabe? Estaria agora o governo se adaptando

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às exigências de alguma entidade financeira, a qual- já tendo avaliado os dados disponíveis, a maioriadeles já vencidos, trazidos de 1980 ou de 1988 parahoje, - poderia ter concluído que a obra é muitocara e que o retorno é pouco garantido. Por isto, oslobbistas insistem em atrair mais parceiros privados,por isto avisam que ficará mais barato, pois será fei-to apenas um canal de adução, e que serão encomen-dadas “somente” dez das enormes máquinas de 550MW cada, além é claro, de divulgar uma obscuradiminuição do sistema de transmissão. 52

O quê de fato temos pela frente, são projetos dis-tintos, que competem ou até conflitam entre si.São visões e propostas de distintos grupos de inte-resse e de distintas classes sociais para o mesmoespaço territorial, são demandas de utilizaçõesdistintas para os mesmos bens coletivos, e para osmesmos recursos públicos. No Vale do Xingu as-sim revisto, lá mesmo onde se pretende promo-ver novas e grandes alterações, vive-se em um tipode guerra social, eclodindo em todos os conflitoso direito aos recursos naturais, e em vários deles,atuando também causa de fundo étnico, bastan-te acirrado. A Natureza e as pessoas – as que alise reproduzem há muito tempo e as recém chega-das - estão à mercê de ações nefastas e de ameaçasseguidas, investidas de aventureiros impunes e de

empresas muito poderosas. Na essência, uma guer-ra de desiguais: aventureiros e empresas, livres paraagir, acobertados em seus desmandos, muito bemrepresentados na máquina pública em todas esfe-ras e instâncias de poder...enquanto o povo e osíndios só contam praticamente com eles mesmos,uns poucos abnegados que os ajudam, e partes damáquina pública, raras, que conseguem cumprirsua função. Defendemos e brigamos pela únicasaída honrosa, não criminosa diante da responsa-bilidade pela história humana e do planeta, que é* interromper a idéia de barrar o Xingu e demaisrios na Amazônia.

Sob a ditadura e diante do poderio dos cartéis in-ternacionais, não pudemos evitar que na Amazô-nia paraense fosse instalado um reduto da indús-tria eletrointensiva mundial.

Que possamos então limitar este avanço, e no fu-turo, revertê-lo!

Que a Eletronorte, destinada a ser uma sócia me-nor, e o Consórcio Brasil, ainda um fantasma do pro-vável operador da usina, possam desistir. Tenhamque desistir desse projeto Belo Monte.

Os índios é que decidirão! Os beiradeiros e osmoradores de Altamira e São Felix também!

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1 Sarney era então um político mara-nhense, ex-presidente da ARENA, opartido oficial da ditadura, governouo país pelo fato de ter sido o vice – pre-sidente do político mineiro TancredoNeves, eleito indiretamente em 1984,e falecido antes de sua posse. É bastan-te comentado que o clã político Sarneyfez da Eletronorte um dos seus feudosdentro da máquina federal, e sistema-ticamente indica seus diretores; domesmo modo teria feito na empresa deeletricidade estadual Cemar e naCVRD, enquanto foram estatais.

2 Quando a empresa escolheu os no-mes de seus projetos, Kararaô já era adenominação oficial de uma Terra In-dígena a Sudoeste de Altamira, perten-cente a um grupo Kaiapó, localizadano triângulo formado pela foz do rioIriri no rio Xingu... T.I. que não seriadiretamente atingida pela hipotéticarepresa que usurpou o seu nome e simpela outra represa projetada, denomi-nada Babaquara.

3 SANTOS e ANDRADE, orgs: “As hi-drelétricas do Xingu e os povos indí-genas”, Comissão Pro Índio de S.P.1988. Posteriormente foi publicadauma versão desse livro em língua in-glesa, pela Cultural Survival, Boston,MA. Dentre os estudiosos que colabo-raram com capítulos naquele livro, trêsdeles colaboram, dezesseis anos depois,nesse livro: os antropólogos Sônia Ma-galhães, Antonio Carlos Magalhães eo engenheiro Oswaldo Sevá.

4 O que se passou desde então, é oassunto desse capítulo: o vale do Xin-gu e muitas terras de sua bacia fluvial,vão sendo ocupados de modo confli-tivo. Todas as seis obras projetadaspela Eletronorte atingiriam Terras In-dígenas desde o norte de MT até naVolta Grande do Xingu, por causa doalagamento, e da proximidade ou docruzamento com a abertura de estra-das de serviço e com a passagem dasfaixas de linhas de transmissão previs-tas. Visto esse panorama, ao final docapitulo faremos o segundo resumohistórico, até a segunda derrota dosprojetos de barramento, e atualizare-mos esta batalha até o segundo semes-tre de 2004.

5 CASTRO, E. V. de “Araweté o povodo Ipixuna” CEDI-Centro Ecumênicode Documentação e Informação (ISA),S.P.,19926 Devido à grande extensão de terrase locais aqui descritos e ao grande nú-mero de cidades, rios, áreas protegidas,e estradas federais (as BRs) e estadu-ais (siglas PA e MT) que mencionamos,favor consultar durante a leitura as car-tografias inseridas no capitulo, elabo-radas pelo Laboratório de GeoProces-samento do Instituto Sócio Ambiental,SP, chefiado por Alicia Rollo. Imagenssimilares e cartas temáticas podem serconsultadas no sitio www.sociambiental.orge na página www.fem.unicamp.br/~seva7 Para destacar as referências mais co-nhecidas, que são os nomes das cidades,foram escritos em italico em todo o texto.Adiante, foram negritados os númerosde população em algumas Terras Indí-genas, nomes de usinas e projetos hi-drelétricos e algumas de suas dimensõesfísicas, como as superfícies alagadas eas cotas de alagamento das represas.8 Carlos Tautz, artigo publicado nonúmero 99 de “O Pasquim21”, de14.02.2004. Informa que no mesmoconsórcio do asfaltamento, estão tam-bém os agenciadores de soja, que utili-zariam a rodovia asfaltada no sentidoinverso, para exportar via Santarém,mais as empresas rodo-fluviais (delogística industrial e comercial) e asempreiteiras de construção. Além deum “brinde” extra que foi anunciado,a associação de capitais com a estatalPetrobrás, não se sabe bem ao certocom qual função.9 “Povos Indígenas do Brasil”, ISA, SP,2000, página 635.10 Outros perímetros institucionaisalém das TIs parecem estar ajudando aconter o alastramento da devastação, asFlorestas Nacionais, duas em todo o valedo Xingu: uma chamada Flona de Alta-mira, mas que fica a centenas de km dedistância desta cidade, lá na banda es-querda do rio Curuá, e à direita dequem vai pela BR 163, no trecho deNovo Progresso a Itaituba; outra é aFlona do Xingu, que acompanha a mar-gem direita do baixo rio Iriri, e atraves-sa o triângulo da foz do Iriri até a mar-

gem esquerda do Xingu; o perímetroda Flona envolve a TI dos Kararaô queocupa o bico do triângulo; na margemoposta do rio Iriri, ficam as TIs Arara, ea chamada Cachoeira Seca do Iriri, tudoisto rio acima de Altamira.11 A estrada é uma longa transversalainda em terra, mas que liga tempora-riamente os dois corredores rodoviári-os cada vez mais movimentados, a BR158, entre o Sudeste do Pará e o Lestedo MT, e a BR 163, a famosa CuiabáSantarém.12 “Povos Indígenas do Brasil”, ISA, SP,2000, página 488-48913 Jarina é a palmeira mais baixa daAmazônia, sua folhagem começa seabrir quase ao rés do chão, os caixosficam baixos, e os coquinhos têm umasemente muito dura, que após o poli-mento da casca, fica branca leitosa. Poristo, a semente de jarina é conhecidacomo “marfim vegetal”, cada vez maisutilizada no artesanato e adereços in-dígenas e não – indígenas em várioslocais da Amazônia.14 cf entrevista do presidente da Ele-tronorte, à Gazeta Mercantil de 15 defevereiro de 2000, citada em Povos In-dígenas do Brasil, ISA, SP, 2000, Boxpágina 23615 SANTOS e ANDRADE, orgs: “As hi-drelétricas do Xingu e os povos indíge-nas”, Comissão Pro Índio de S.P. 1988p.191 conforme dados do Inventário hi-drelétrico do Xingu, CNEC, 198016 cf Tanaka, 1994, in “Povos Indígenasdo Brasil”, ISA, SP, 2000, página 48817 cf entrevista do presidente da Ele-tronorte, à Gazeta Mercantil de 15 de fe-vereiro de 2000, citada em “Povos In-dígenas do Brasil”, ISA, SP, 2000, Boxpágina 23618 cf pgs 191-2 e mapa temático da pg193, SANTOS e ANDRADE, orgs: “Ashidrelétricas do Xingu e os povos indí-genas”, Comissão Pro Índio de S.P. 198819 cf dados da Fundação Nacional de Saú-de, Funasa, 1998, citados em “Povos In-dígenas do Brasil”, ISA, SP, 2000, pg 48820 cf entrevista do presidente da Ele-tronorte, à Gazeta Mercantil de 15 defevereiro de 2000, citada em “Povos

Notas

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Indígenas do Brasil”, ISA, SP, 2000,Box página 23621 SANTOS e ANDRADE, orgs: “As hi-drelétricas do Xingu e os povos indí-genas”, Comissão Pro Índio de S.P.1988, p.19122 Esta represa seria, quando cheia, umpouco menor que a represa brasileiramais extensa, a de Sobradinho, no tre-cho médio do rio São Francisco, com4.200 km2. (Apenas quando fica cheia,o quê é cada vez mais raro atualmen-te). Na época de formação deste “lago”,em meados dos anos 1970, foram de-salojados quase 100 mil moradores, in-cluindo quatro cidades baianas antigas!23 Fatos inusitados e ricas versões so-bre as várias guerras movidas pelos ín-dios contra os seringueiros e seringa-listas, e sobre algumas chacinas de ín-dios promovidas pelos brancos, na épo-ca do famoso sertanista ChicoMeirelles, são recompilados por umdos filhos do “coronel” Anfrisio Nunesem obra recentemente publicada emBelém: NUNES, André Costa. “A Bata-lha do riozinho do Anfrisio. Uma his-tória de índios, seringueiros, e outrosbrasileiros”. Halley Gráfica e Editora,Belém, 2003.24 Conforme dados da Funai, Gerenciade Altamira, em “Povos Indígenas doBrasil”, ISA, SP, 2000, página 48925 O conflito de tornou assunto damídia nacional em 2003; por exemplo,uma reportagem de capa na edição dedomingo do Estado de São Paulo, 14de setembro de 200326 Não utilizaremos a nomenclaturaAltamira para esta usina, pois foi umaalteração praticamente de imagem fei-ta pela Eletronorte e querendo home-nagear a parte da cidade de Altamiraque apóia o projeto. A meu ver, dar aoprojeto o nome da cidade mais impor-tante próxima ao projeto é aumentara confusão, principalmente depois detantas mudanças de nomes e de “com-plexos”, desde 1988.27 A primeira represa em termos deárea alagada é a represa da usinaAkosombo, no Ghana, com 8 mil km2,e que deslocou mais de 100 mil pesso-as, com potencia de 700 Megawatts,cuja eletricidade supre uma fundiçãode alumínio, de capital europeu e ame-ricano, localizada no litoral Atlânticoda África Ocidental.28 conforme desenho cartográfico daépoca, reproduzido em SANTOS, AN-DRADE, 1988, p.13829 SANTOS, ANDRADE, 1988, pg 147.Esta população de índios e descenden-tes de índios desaldeiados constava jáno estudo de Kararaô, feito para a Ele-tronorte em 1978; foi verificada quasetrinta anos depois nas duas observaçõesde campo feitas por COISTA, em 2002,

SEVA em 2003 e MAGALHÃES em 2004,autores desse livro; o resumo do levanta-mento cadastral das famílias feitas peloCIMI é apresentado mais na frente30 De toda forma, a TI Trincheira –Bacajá seria indiretamente atingidapor outras obras do mesmo elenco con-cebido pelo CNEC e pela Eletronorte:1) aí passariam as estradas de acessoao canteiro da usina Ipixuna, agravan-do-se os problemas já havidos quantoao controle do acesso dos garimpeirose das prospecções de interesse daCVRD, já que a TI fica bem próximadas reservas minerais da Serra Norte;2) o setor Noroeste da TI Trincheirana divisa com a TI Koatinemo, ficariaquase encostado no braço do igarapéIpiaçava, que seria represado pela re-presa de Babaquara.31 entrevista do presidente da Eletro-norte, à Gazeta Mercantil de 15 de fe-vereiro de 2000, citada em “Povos In-dígenas do Brasil”, ISA, SP, 2000, Boxpágina 23632 Sem o saber, a empresa está reavi-vando uma memória não tão longín-qua do povo nordestino: Belo Montefoi também o nome anterior do vilarejono sertão baiano, onde o líder popu-lar Antonio Conselheiro construiu asua próspera cidade de excluídos e re-sistentes da sociedade latifundiária deentão, a famosa Canudos, arrasada nocomeço do século XX pelo exércitorepublicano.33 O Estudo de Viabilidade do projetoBelo Monte (apresentado pela Eletro-norte à agencia reguladora ANEEL emfevereiro de 2002, num pacote de oitoCDs), demonstra que a empresa aper-feiçoou os métodos de captura e análi-se cartográfica, altimétrica e hidroló-gica, os parâmetros técnicos, desenhose plantas, ampliou o preenchimentodas planilhas de cálculos de estruturas,de materiais, e o planejamento dalogística da hipotética obra, e os res-pectivos orçamentos.34 Tais tópicos foram devidamente de-talhados e ponderados ao longo desselivro, no capítulo assinado pelo advo-gado Raul Silva Telles do Valle, do se-tor jurídico do ISA – Instituto Socio-Ambiental, SP, e no capítulo assinadopelo Procurador Federal Felício Pon-tes Jr e a antropóloga Jane Beltrão, deBelém, Pará.35 No site do ISA –Instituto Socio Am-biental, matéria assinada por TicianaImbroisi, comentava em 03 de setem-bro de 2001 uma intervenção públicadesse tipo militante do “lobby” barra-geiro, feita na capital federal: Durantepalestra comemorativa da Semana daEngenharia Civil, realizada em 28/08,no auditório da Faculdade deTecnologia da Universidade de Brasília(UnB), foi explicado porque a UHE de

Belo Monte não alagará áreas indíge-nas. Antônio Coimbra, funcionário daEletronorte e professor do Departa-mento de Engenharia da UnB, decla-rou que os grupos indígenas da regiãonão serão afetados, tendo em vista que“nem índios mais são”. Ele mostroufotos de indígenas desaldeados – queem sua opinião não são índios – mo-rando em casas sobre palafitas - apa-rentemente indesejáveis como mode-lo de moradia por não terem “sequerum vaso sanitário” – e revelou sua in-dignação com as condições de vida dapopulação local. Partidário da menta-lidade “eletronórtica”, Coimbra acre-dita que as compensações previstaspara os atingidos serão muitíssimo maisbenéficas do que a situação atual emque se encontram.36 Tais fatos e os desencontros das vá-rias versões - sobre quem, quantos ecomo seriam atingidos - foram pesqui-sados e relatados pelo antropólogoAntonio Carlos Magalhães, e pelogeógrafo Reinaldo Costa, em outrosdois capítulos do nosso livro.37 Em nossa pesquisa de campo emAltamira, ouvimos depoimentos de vá-rias pessoas confirmando este tipo deação política por parte da empresa es-tatal. Nesse livro, tais fatos são retoma-dos nos informes elaborados pelas li-deranças da região Antonia Melo eTarcísio Feitosa da Silva e nas declara-ções públicas e cartas de princípiosanexadas ao final.38 Analisado pela antropóloga SoniaMagalhães em nosso livro, com rique-za de detalhes e recapitulando desde adécada de 1970.39 Um relato interessante, surpreenden-te até, das condições em que trabalha-ram os pesquisadores contratados foipublicado no exterior, em um periódi-co especializado, do qual há um excertona íntegra nesse livro: FORLINE, Louise ASSIS, Eneida “Dams and socialmovements in Brazil: quiet victories onthe Xingu” Practicing Anthropology, vol.26 no. 3 Summer 2004 pp 21-2540 Assim foi noticiado em Belém: Opresidente do Supremo Tribunal Fede-ral (STF), Marco Aurélio Mello, man-teve ontem a liminar que paralisou osestudos de impacto ambiental da usi-na hidrelétrica de Belo Monte, no rioXingu.(...) Marco Aurélio manteve adecisão mesmo tendo o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro,dado dois pareceres a favor da suspen-são da liminar. Também de nada adi-antou a deliberação da Comissão deConstituição e Justiça da Câmara dosDeputados, que, em resposta à consul-ta feita pelo deputado federal AnivaldoVale (PSDB-PA), registrou que não ha-via necessidade de autorização do Con-gresso Nacional para a realização de

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estudos de impacto ambiental visandoà futura construção do Complexo Hi-drelétrico Belo Monte. Matéria:Mantida liminar que suspende BeloMonte - O Liberal-Belém, 06/11/200241 Aliás, o mesmo tipo de pressão foifeito, na mesma ocasião, pelo “lobby”das termelétricas (movidas pela quei-ma de gás natural, de resíduos de pe-tróleo e de carvão mineral). As empre-sas e suas engrenagens pela mídia vêminsistindo em apressar a emissão dasautorizações da ANEEL, as licençasambientais, e em antecipar os resulta-dos ( sempre favoráveis...) dos pedidosde financiamento.42 Tais jogos de esconder a finalidade,de criar racionalidades após os fatosconsumados, de embaralhar ou camu-flar alternativas, foram analisados comdetalhe em alguns outros capítulosdesse livro assinados pelo jornalistaLúcio Flávio Pinto, pelo engenheiroeletricista André Saraiva de Paula, epela engenheira e antropóloga DianaAntonaz, que entrevistou figuras proe-minentes das intelectualidades “elétri-ca” e “petrolífera”, analisando como seformou o pensamento dominante atu-al sobre a energia e a sociedade no país,e sobre a função do Estado.43 Conforme matéria “Kararaô vem aí:projeto tem a simpatia dos principaiscandidatos às eleições presidenciais” as-sinada por Carlos Tautz, revista Ecolo-gia e Desenvolvimento, 10 de junho de2002, “A construção da megahidrelé-trica no rio Xingu, no Pará, conseguea simpatia dos adversários FernandoHenrique Cardoso, Lula e Garotinho.Deve começar a sair do papel antes dofinal do mandato do próximo presiden-te da República.”44 Conf. Agência Estado, despacho deKelly Lima, de 27 de abril de 2004: Aministra de Minas e Energia, DilmaRousseff, confirmou ontem a indicaçãodo atual presidente da Eletronorte,Silas Rondeau, para substituir LuizPinguelli Rosa na presidência da Ele-trobrás. (...) Na semana passada,Pinguelli convocou entrevista coletivapara anunciar que estava deixando ocargo para que o governo acomode ospartidos aliados. Dilma informou que,para o lugar de Rondeau na Eletronor-te, será nomeado o atual diretor dePlanejamento da Eletrobrás, Roberto

Salmeron. (...) A ministra não quis co-mentar eventuais efeitos negativos deingerência política na substituição dePinguelli. “Nosso governo não é‘unipartidário’ e, por isso, a composi-ção da base do sistema político é crucialpara as relações do Executivo e doLegislativo. Então, é absolutamentefundamental considerar critérios degovernabilidade, que se compõem comsustentação política e capacitaçãogerencial e técnica”, declarou a minis-tra. Rondeau foi indicado pelo presi-dente do Senado, José Sarney (PMDB),aliado de primeira hora do governoLula, e que teve participação importan-te na aprovação das reformas previden-ciária e tributária.45 Conforme matéria assinada porClaudia Costa, revista Brasil Energia, ou-tubro de 2004 ... “na lista de vantagens(dessa nova concepção anunciada) estáa redução do tamanho da obra - o quepoderá atrair mais parceiros privados,pois haverá queda nos custos do em-preendimento” - Título da matéria: “Oprojeto reformulado de Belo Monte.A megausina de 11 mil MW terá suaconstrução em duas etapas, uma delasgarantida, com 5,6 mil MW. A potên-cia complementar virá quando o siste-ma precisar de energia.”46 Conforme matéria “Governo costu-ra associação na hidrelétrica da BeloMonte” assinada por Leila Coimbra eChristiane Martinez, revista Valor Eco-nômico, 01 setembro de 2003, “Via Ele-trobrás e suas subsidiárias Furnas, Ele-tronorte e Chesf, o governo negociasociedade com um consórcio privado,que ainda está sendo formatado masque já reúne as fabricantes de equi-pamentos Alstom, ABB, GeneralElectric e Voith Siemens e as constru-toras Camargo Corrêa e Andrade Gu-tierrez... No caso de Belo Monte -cujos estudos ambientais e de viabili-dade econômica estão em fase maisadiantada - costura-se uma fatia de49% para as estatais Furnas, Chesf eEletronorte, enquanto o consórcioprivado ficaria com 51%. Segundo umespecialista do setor... as duas obrasserão suficientes para ocupar todo oparque industrial nacional de fabrica-ção de equipamentos para geraçãopor quase dez anos...Há um estudo naEletronorte que prevê a redução dacapacidade de Belo Monte para 60%

do total original, com o objetivo dereduzir o impacto ambiental da obra.Mas as fabricantes de equipamentoslutam para que ela venha a ser cons-truída com os 11 mil MW originais...Para garantir a viabilidade das obras,o ministro do Planejamento, GuidoMantega, tem mantido uma agendade reuniões com representantes daAssociação Brasileira da Infra-estrutu-ra e indúsria de Base (Abdib) entida-de que engloba praticamente todas asempresas ligadas à cadeia elétrica nopaís, lideradas pelas fabricantes deequipamentos. No setor elétrico, o‘Consórcio Brasil’ já foi apelidado de‘Consórcio Abdib’.”47 Ver a respeito o ensaio por nós ela-borado e publicado no ano seguinte aesses eventos: SEVA Fo., A . Oswaldo“Ecologia ou Política no Xingu?” vol.4 série Documentos / Instituto de Es-tudos Avançados/USP, Ciências Ambi-entais, São Paulo, junho 1990.48 SANTOS, Silvio Coelho dos e NACKE,Aneliese (orgs) “Hidrelétricas e povosindígenas” Letras Contemporâneas Ofi-cina Editorial, Florianópolis, 2003. Tre-chos extraídos das páginas 13 e 17.49 PETIT, Pere “Chão de promessas:elites políticas e transformações econô-micas no estado do Pará pós-64”, edi-tora Paka-Tatu, Belém, 2003. pg.34. vertambém a crítica feita sobre esse “des-tino” do Pará, pelo jornalista Lúcio Flá-vio Pinto em nosso livro.50 é o que está discutido e quantificadono capítulo do cientista Phillip Fearn-side em nosso livro.51 Extraído de artigo da revista BrasilEnergia, outubro 2004; este periódicoempresarial usualmente repercute os“lobbies” em favor dos negócios e pro-jetos do setor elétrico e do setor petró-leo e gás.

52 O quê talvez possa significar o lan-çamento de uma ou duas LTs por alimesmo, por exemplo, para abasteceralguma nova mineração ou indústriano Baixo Amazonas, entre Santarém eMacapá, ou então - para reforçar os cir-cuitos de Tucuruí, abastecendo novosempreendimentos na Serra dos Carajáse também na região de Paragominas,onde já funciona um novo corredor deexportação de bauxita pela margemdireita do rio Tocantins.

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Informes das Lideranças em Altamira, Pará

1.1. O assédio da Eletronorte sobre opovo e as entidades na região de Altamira

Antônia MeloEm nome do MDTX- Movimento Pelo Desenvolvimento

da Transamazônica e Xingu (conjunto de 113 entidades).

Em fevereiro de 1989 as nações indígenas lidera-das pelos Kaiapó mobilizaram–se contra o nefastoempreendimento de construção de seis usinas hi-drelétricas no rio Xingu. Realizaram em Altamirao I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu comapoio de organizações ambientalistas do Brasil edo mundo, e de organizações populares locais eregionais, da Prelazia do Xingu, do CIMI - Conse-lho Indigenista Missionário, dos Sindicatos de Tra-balhadores Rurais, de movimentos sociais comoMovimento Pela Sobrevivência da Transamazôni-ca e Xingu (que hoje se chama MDTX - Movimen-to Pelo Desenvolvimento da Transamazônica eXingu),– a CRACOHX -Comissão Regional dosAtingidos pelo Complexo Hidrelétrico do Xingu,e mais a Fundação Chico Mendes. Participaramdo evento pesquisadores do museu Emilio Goeldi,ambientalistas como Camilo Viana, o deputadoFernando Gabeira, a atriz Lucélia Santos, e notá-veis internacionais como Sting e Anita Roddick,entre outros.

Os povos indígenas deram o grito de guerra. Aíndia Kaiapó Tuíra, num gesto de indignação pôso seu facão afiado no rosto do então diretor deEngenharia e Obras da Eletronorte, José AntonioMuniz Lopes, desafiando a mentira e prepotênciado poderio econômico. Foi então dado um bastano tal projeto faraônico.

Após dez anos da primeira grande investida, a esta-tal Eletronorte e seus apoiadores voltaram à cenapara tentar construir a mesma usina Kararaô, agora

chamada Belo Monte. No final do ano 2000 e nodecorrer dos anos 2001 e 2002 a Eletronorte, comescritório já instalado em Altamira e conhecedorado potencial da organização que tem o povo da re-gião, intensificou os seus métodos de aliciamentoda população local e das instituições. Foram assedi-ados os prefeitos e os vereadores dos municípiosonde seriam localizadas as obras (Altamira e Vitó-ria do Xingu, e os municípios vizinhos, Anapú, Bra-sil Novo, Senador José Porfírio e Uruará) criaramo Consórcio intermunicipal Belo Monte junto comos prefeitos da região, com sede em Altamira, e ins-talaram um espaço Cultural na orla do cais.

Fizeram contato, propondo barganhas e compen-sações para as entidades de classe, as organizaçõespopulares, as comunidades indígenas, e os dirigen-tes de órgãos públicos, com o claro objetivo deromper com qualquer ação de resistência ao pro-jeto de barragens no rio Xingu.

A Eletronorte articulou o apoio do comércio lo-cal, através da ACIAPA - Associação ComercialAgropastoril de Altamira, da AMEALT - Associa-ção dos Micro-empresários de Altamira, e do CDL-Clube de Dirigentes Lojistas, do Sindicato Patro-nal dos Produtores Rurais, e da AMUT - Associa-ção dos Municípios da Transamazônica, e tambémo apoio dos Vereadores da Região, principalmen-te os ligados ao PSDB e PMDB. Os então prefeitosDomingos Juvenil - Altamira (PMDB), AnselmoHoffman - Vitória do Xingu (PT), Gerson Cam-pos - Porto de Moz, (PSDB), Mário Lobo - Uruará

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(PSDB), João Escarpario - Placas (PSDB), e Anto-nio Lorezoni - Brasil Novo congregaram-se no cha-mado Consórcio intermunicipal Belo Monte, quefoi articulado pelo ex-presidente da EletronorteJosé Antonio Muniz Lopes e outros políticos dogrupo Sarney.

O MDTX - Movimento pelo Desenvolvimento daTransamazônica e Xingu, articulador e mobiliza-dor do movimento social da região, tinha comoprincipal líder naquela época o Ademir AlfeuFedericci , conhecido como Dema. Morador dacidade de Medicilândia, o sindicalista e ex-verea-dor do Partido dos Trabalhadores era uma lide-rança regional considerada insubstituível, e querepresentava a esperança de vitória de um novomodelo de desenvolvimento, mais humano e emharmonia com a natureza. Seu papel era o de fo-mentar as discussões sobre os principais proble-mas regionais e o de defender a proposta popularde um novo modelo de desenvolvimento para aregião com a consolidação da agricultura familiare questionando os investimentos feitos com apoioda Sudam na região. Dema também fez denunciasàs autoridades competentes sobre a invasão demadeireiros e do roubo de mogno em terras indí-genas, e participava com outras lideranças regio-nais num vigoroso movimento social contra as bar-ragens no Xingu, contrapondo-se ao atropelo e aoautoritarismo da Eletronorte, que tentava empur-rar goela abaixo tal projeto. Foi Coordenador Ge-ral do MDTX e vinha desempenhando com deter-minação as ações de resistência e mobilização so-cial contra o projeto Belo Monte. Em 2001, junta-mente com outras lideranças, assinou um docu-mento de apoio à ação da Polícia Federal na inves-tigação dos envolvidos no caso Sudam.

Dema foi assassinado em sua casa, na noite de 25 deagosto de 2001, quando se aproximava de seus ide-ais. Hoje duas pessoas estão presas, acusadas do cri-me, mas ainda falta chegar aos possíveis mandantes.

Entre todas as honrarias póstumas que se possadedicar ao companheiro Dema - ainda é muitopouco pela bravura destemivel da doação da suavida, pela justiça social, pelo povo da Transamazô-nica e do Xingu, - uma das homenagens foi a cria-ção do FUNDO DEMA constituído com os recur-sos da venda de um grande lote de Mogno apre-endido pelo governo federal, e que foi doado peloIBAMA, órgão do Ministério do Meio Ambiente, epelo Ministério Público Federal, às entidades FVPP- Fundação Viver Produzir e Preservar, de Altamirae FASE (Federação dos Órgãos Assistenciais e Edu-cacionais, escritório de Belém, PA).

Desde aquela época, para desenvolver suas açõesautoritárias a direção da Eletronorte fazia propa-ganda enganosa na grande mídia e nos meios decomunicação local, com promessas de muitosempregos; abusando do poder, entrando sem au-torização dos proprietários nas suas terras demar-cando os piques da obra, e cortando plantaçõesde vários agricultores da Volta Grande como ocor-reu no travessão do km 27.

A Eletronorte patrocinou desde festas escolares,material e jogos de futebol, camisetas, até o trans-porte para levar e trazer estudantes para visitar amaquete da hidrelétrica, miniatura de uma obraque se apresentava como uma obra perfeita, po-rém enfeitada de inverdades. Os visitantes tinhamque escutar funcionários treinados para repetirexplicações ensaiadas sobre as belezas do projeto,e assinar um livro especialmente aberto para co-lher assinaturas dos visitantes.

A reação dos que freqüentavam era diversificada:uns achavam maravilhas, outros ficavam caladoscom dúvidas, outros questionavam e não tinhamrespostas. Os da Eletronorte estavam sempre pre-sentes nas manifestações das pessoas contrárias àobra, filmando tudo nos encontros, nos seminári-os, palestras promovidas por nossas entidades.

Por exemplo, no primeiro Encontro dos agriculto-res do Km 27 em 2002, com a presença de visitantesaliados das entidades e de representante do Minis-tério Público Federal, - a direção da Eletronortepagou pessoas e moto-táxis para ir até lá vestindo acamiseta da empresa com a frase “Queremos BeloMonte”, e mandou distribuir bebida alcoólica.

Tais pessoas foram usadas, induzidas para tumultu-ar o evento, mas não conseguiram pois a posição eorganização dos agricultores era firme. A tentativada Eletronorte de tumultuar o evento deixou maisclaro ainda, claro para os agricultores, essa práticaautoritária e truculenta que a empresa usa para con-seguir implantar seus projetos.

Além das ações locais de cunho assistencialista, aempresa usou outras estratégias, como a de levargrupos de lideranças à Tucuruí bancando todas asdespesas, com o melhor conforto possível para vi-sitar as obras da barragem. No caso da comitivados presidentes de Associações de Bairro, a em-presa gravou uma fita de vídeo de modo tendenci-oso, direcionado, com entrevistas de varias pesso-as de Tucuruí falando maravilhas da Eletronorte edos benefícios que receberam com a barragem.

Em Altamira esta fita, dentre outras era usada paraas reuniões que a Direção da Eletronorte fazia com

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as pessoas dos bairros no seu auditório, semprecom transporte à disposição para ir buscar os cida-dãos e levar de volta aos bairros. Por várias vezes,estudantes e professores das escolas de ensinomédio e dos campus universitários de Altamira(UFPA e UEPA) foram levados a Tucuruí, haven-do pessoas que participaram das caravanas que fi-caram indignadas com a conduta dos representan-tes da Eletronorte, pois a visita era esquematizadasomente nos lugares e com as pessoas determina-das pela empresa, sendo interditado entrevistaroutras pessoas para ouvir outras versões.

A Eletronorte distribuía também informativos ofi-ciais usando as entrevistas de lideranças, muitasvezes de forma distorcida, a exemplo da entrevistadada pelo Prof. Domingos à assessoria de impren-sa da Eletronorte por ocasião de sua visita emTucurui. Quando perguntado o que representavaTucuruí para Altamira, êle respondeu que os er-ros de Tucurui eram um espelho para Altamira.No jornal da Eletronorte o Professor teria faladofalou que Tucurui era um espelho para Altamiracomo se estivesse elogiando o projeto.

Quem ousasse questionar ou se opor ao proje-to, era tratado como inimigo, pois era “contra odesenvolvimento”.

Na caminhada das lutas das organizações sociaisde oposição frente ao projeto Belo Monte e à polí-tica energética brasileira, as eleições do 2002 for-taleciam a esperança de mudança com Lula presi-dente do Brasil. Mas foram os arranjos do governono Ministério de Minas e Energia, por exemplo,

colocando previsão de gastos com Belo Monte noPlano Pluri-anual de investimentos. Aí o governofoi contra a decisão da sociedade expressa nosfóruns do PPA realizados em 2003.

O governo atual fortaleceu os grandes projetos debarragens nos rios da Amazônia Brasileira, refor-çando a velha degradante política energética pen-sada pelo capital internacional, favorecendo olobby de empresas como Albrás/Alunorte, a Valedo Rio Doce, e a Alcoa, que se beneficiaram deenergia subsidiada pelo governo durante mais de20 anos.

Estas empresas há décadas se apossam de nossasriquezas contribuindo isto sim, para o aumento dadegradação ambiental, da pobreza e da miséria damaioria da população do Pará, que ainda tem quepagar a energia mais cara do País.

E o que é pior - tudo em nome do desenvolvimen-to e crescimento econômico do País.

No decorrer dos anos 2003 e 2004 persiste a vonta-de do governo em construir Belo Monte, pressio-nado pelas empresas metalúrgicas internacionais,enquanto as organizações da sociedade civil, as nãogovernamentais e outras instituições vêm trabalhan-do e pressionando para que também o governo in-vista em fontes de energia renováveis1, para um novomodelo energético do Brasil com justiça social.

Para tanto é necessário e urgente que a sociedadeacorde da inércia, que parta para a mobilização,para que sejam ouvidas as vozes nos campos e nasruas das cidades.

1 Nota dos editores: A maioria dosmovimentos representados no Fórumnacional das entidades ambientaisFBOMS e alguns pesquisadores não in-

cluem as grandes hidrelétricas dentroda categoria energia nacional renovável.Ao contrário do governo brasileiro quedespachou sua ministra Dilma Roussef

para a Conferência de Bonn, Alemanha,sobre energias renováveis, em meadosde 2004, com a missão de impor asmega-usinas como “renováveis”.

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O Governo Federal nas duas últimas décadas vemanunciando a possibilidade de barrar os rios Xin-gu e Iriri para obter geração de energia elétrica.Os empreendimentos anunciados contem barra-mentos colocados estrategicamente no entorno daúltima área preservada no oeste do Pará localiza-das entre os Rios Xingu, Iriri e Curuá, (na áreageográfica dos municípios de Altamira e São Felixdo Xingu) conhecida como Terra do Meio.

O que devemos apresentar aqui será um apanha-do das discussões junto a instituições da socieda-de civil, pastorais da Igreja Católica e Metodistaentre outras, movimentos sociais da região de Al-tamira e da Transamazônica que apresentam umasérie de razões para não construção de tais hidro-elétricas, que se construída poderão criar danossociais, culturais, ambientais e econômicosirreparáveis na região.

Nestes últimos anos, milhares de famílias vieram àprocura de emprego e terra motivados pela gran-de crise que o Brasil vem passando nas últimasdécadas e que atingi o centro - sul, estamos viven-do na região agora o novo boom que é da ocupa-ção desenfreada de terra/floresta para produçãode gado e grãos. O Xingu que passou na décadade 40 e 50 pelo boom Borracha/Seringa, na déca-da de 70 pela implantação da Transamazônica, nadécada de 80 pela mineração/garimpo (decassiterita, estanho e ouro), e entre a década de80 e 90 à exploração desenfreada do mogno(Swietenia macrophylla - ouro verde da Amazônia),a Bacia do Xingu agora enfrenta o processo de

pecuarização e substituição da vegetação nativa porgrandes e extensivas plantações de grãos que jáiniciou em suas cabeceiras, processo relacionadointimamente a exploração ilegal de madeira de lei(cedro, jatobá, maçaranduba, muiracatiara, ange-lim vermelho e pedra entre outras).

A Terra do Meio é hoje a última região intocada noEstado do Pará, e é circundada por um conjuntode terras indígenas e florestas nacionais, fator queimpediu até agora o processo desenfreado, rápido,violento e espontâneo de ocupação humana movi-dos pela força econômica do gado verde e dos grãoscomo motor principal na soja que vem chegandopouco a pouco no interior da Terra do Meio.

A Terra do Meio é parte da bacia do Rio Xingu.Com um total de 511.891 km2 (quinhentos e onzemil oitocentos e noventa e um quilômetros qua-drados) a Bacia do Xingu fica localizada no inter-fluvio dos rios Tapajós e Tocantins/Araguaia, pas-sando pelos territórios dos estados do Mato Gros-so e Pará.

Na bacia do Rio Xingu, temos hoje 40% da área dabacia protegida por terras indígenas chegando aototal de 198.887,29 km2 além de duas florestas nacio-nais somando 9.549,56 km2, sendo um dos maiorescorredores de florestas conservados na Amazônia.

Para contextualizar historicamente a região, lem-bremos que em 16 de junho de 1970 o Plano deIntegração Nacional criado através do Decreto Leinº 1.106 pelo então Presidente Médici, deu porprioridade a abertura das rodovias Santarém-

Texto Coletivo que acumula as discussõesdo Movimento Social do Xingu e daTransamazônica quanto a possívelconstrução dos primeiros barramentosdo rio Xingu — a Uhe Belo Monte(ex. Uhe Kararaô).

Informes das Lideranças em Altamira, Pará

1.2. A Terra do Meio e as hidrelétricasdo Xingu

Organizado por Tarcísio Feitosa da SilvaSecretário Executivo da ComissãoPastoral da Terra – Prelazia do Xingu

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Cuiabá (BR-163) e a Transamazônica (BR-230) queabriu no meio da floresta fulcros para ocupaçãohumana e como decorrência grandes áreas de flo-restas foram substituídas por lavoura de subsistênciae logo depois por pastos extensivos e agora pelapresença da soja. Com a grande quantidade demadeira disponível na floresta e com o aparado defiscalização do Estado incapaz ou inexistente as ár-vores de lei tipo mogno e cedro foram as primeirasa serem retiradas da floresta.

As estradas abertas na década de 70 com sentidoleste – oeste e norte - sul foram colocadas exata-mente no meio da floresta para cruzar com os gran-des rios amazônicos nos locais onde poderiam rea-lizar possíveis aproveitamentos hidroelétricos. Asestradas também servem de suporte para instala-ção de grandes e extensas redes de distribuição deenergia direcionadas às grandes consumidoras deenergia levada até os complexos das empresas de alu-mínio: Albrás (CVRD, Nippon Amazon AluminumCompany), Alunorte (CVRD, NAAC, NorskHydro) e Alumar (Alcoa, BhpBilliton e Alcan).

Os anunciados empreendimentos envolvendo ca-pital público e privado destinado as mega-obrasde infra-estrutura como o asfaltamento das rodo-vias Transamazônica e Santarém-Cuiaba, constru-ção da Hidrelétrica de Belo Monte (ex-UheKararaô, parte do Complexo Hidroelétrico do rioXingu), e Programa de Eletrificação Rural colo-cou a região no novo alvo do setor especulativo deterras e na implantação de grandes propriedades.O primeiro setor a se estabelecer na região foi osetor madeireiro, agraciado com a energia elétri-ca disponível através da linha de Tucuruí que en-controu aqui o ninho próprio para se reproduzirde forma veloz. Entretanto ainda não tevem suaenergia disponibilizada as unidades rurais de pro-dução familiar localizadas no interior dos traves-sões e nos assentamentos ao longo do rio Xingu,Ituna e Bacajaí.

Nas bacias do Tocantins/Araguaia e do Tapajós aexploração ilegal/criminosa de madeira, a pecua-rização violenta, e a chegada dos mega-plantadoresde grãos, especificamente a soja, colocou o Estadodo Pará como refém e em alguns casos subjugou opróprio Estado ao poder paralelo. Quando ao Es-tado era a força econômica da soja e da pecuáriaou quando apresentada sua força armada contralideranças comunitárias/sindicais, populações tra-dicionais e contra trabalhadores teve ai a perda devidas humanas e da floresta.

Em muitos casos a ação ilegal/criminosa mantém umíntimo financiamento do braço/banco financeiro do

narcotráfico, como se dá na região conhecidacomo sul do Pará, onde volumosas quantias decapital transitam livremente, inclusive entre ban-cos estatais e privados da região, ou do própriofinanciamento público quando emprestam dinhei-ro sem analisar criteriosamente os documentosfundiários das propriedades e acabam financian-do a destruição de terras/florestas públicas.

Com os espaços ao longo das estradas já ocupadose com um grande bolsão de terras/florestasdesprotegidas entre os rios Xingu, Iriri e Curuá,foi para lá que seguiram nos últimos anos os gran-des grileiros que já convertem de forma rápidagrande áreas de floresta em pastos.

A força de trabalho humano usada nessas regiõesnão poderia ser outra, senão, o trabalho semi - es-cravo e mesmo o trabalho escravo. Seres humanosescravizados, enganados com promessas de bonssalários são jogados no interior da floresta, ondesão colocados em baixo de lonas plásticas, comosua sede de trabalho aonde até a água vem de ca-cimbas abertas ao relento, sem nenhuma condi-ção de higiene.

Os trabalhadores são obrigados a cumprir contra-tos de derrubada de floresta ou de retirada demadeira por troca de alimentos. E no fim do tra-balho não recebem nada. Se reclamarem ou ten-tarem empreender fuga, são acionados no interi-or da floresta e nas vilas próximas, milícias arma-das e treinadas em perseguição. O clima de terrore medo encontra-se estabelecido na região conhe-cida como Terra do Meio.

Muitos capangas, bem armados e com um sistemade comunicação que passa pelo rádio de escuta dafreqüência da polícia indo até telefones celularesvia satélite, protegem as imensas áreas griladas. Aautoridade por parte do crime organizado nessaregião é tamanha, que juizes são expulsos de suascomarcas, promotores não permanecem por mui-to tempo em suas jurisdições e policiais prestamserviços às milícias armadas.

A União quando anuncia que realizará operaçõesno Estado do Pará nessa região é preciso ter a cons-ciência do atraso de no mínimo 10 anos. Pois jáatuou a máfia do minério, a máfia do mogno eagora atua a máfia da grilagem de terra.

Trecho do Relatório do Grupo de Assessoria In-ternacional (IAG) do Programa Piloto para a Pro-teção das Florestas Tropicais do Brasil para da XXIReunião O Plano BR-163 Sustentável no quadro daspolíticas governamentais para Amazônia, Brasília, 26de julho a 6 de agosto de 2004:

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“As missões de campo apontaram para uma situação grave,com acirramento do conflito social, aumento da grilagemde terras e postura agressiva dos atores que promovem aampliação das fronteiras locais. Há uma defasagem entre olento ritmo das ações do Estado e a aceleração das dinâmi-cas de ocupação. A falta de confiança na capacidade de atu-ação do Estado gera freqüentemente um clima de desobedi-ência civil aberta e declarada em relação ao Estado de Direi-to. Foi observado um aumento das invasões de unidades deconservação e das terras indígenas.”

A ocupação desenfreada de terras/florestas públi-cas que ocorreu na região do sul do Pará foi ali-mentada pelas condições dadas dos grandes proje-tos ali implementados como aberturas de estradas,Ferro Carajás e a Uhe Tucurui. A Uhe Belo Monte(ex-Uhe Kararaô) se construída, será o grandeimpulsionador da destruição das florestas na Terrado Meio dando suporte para ocupação de 7.678.048hectares (sete milhões, seiscentos e setenta e oitomil e quarenta e oito), sem proteção e tendo ape-nas 1,7% de floresta alterada em 2002 segundo oLaboratório de Geo-processamento do InstitutoSocioambiental. Ali estará o novo palco do arco dedesmatamento como ocorreu ao sul do Pará.

A possível construção da Uhe Belo Monte, será nãosó um grande lago, mas vai trazer para a regiãomilhares de famílias em busca de terra “livres” naregião e se deslocarão automaticamente para asregiões ao sul da Transamazônica. Daí encontra-ram as áreas já griladas e com proteção armadaatravés das milícias como ocorre hoje.

O movimento social e pastorais sociais da regiãoformando um total de 114 entidades que integramo Movimento Pelo Desenvolvimento da Transama-zônica e Xingu apresentaram ao Governo Brasilei-ro a proposta de re-ordenamento fundiário paraimpedir o avanço do desmatamento na região. Estaproposta teve no resultado a “Formulação de umaProposta Técnica para Implantação de um Mosaico deUnidades de Conservação no Médio Xingu” tal estudofoi conduzido pelo Instituto Sócioambiental e finan-ciado pelo Programa de Ações Estratégicas para aAmazônia Brasileira – PRODEAM (OEA/SUDAM).

Os Estudos Preliminares e Formulação de uma Pro-posta Técnica para Implantação de um Mosaicode Unidades de Conservação no Médio Xingu vemsendo deixado abandonado nas gavetas dosgestores ambientais. Tal estudo serviria de basepara um novo modelo econômico de desenvolvi-mento regional, que garantiria os serviços ambi-entais das florestas, o uso racional das comunida-des e famílias de extrativista com manejo florestalde produtos madeireiros e não madeireiros. Sen-do um novo impulsionador econômico na região.

Nos estudos preliminares foi a recomendação dacriação de um mosaico de unidades de conserva-ção dentre elas Reservas Extrativistas, Parque Na-cional, Florestas Nacionais e Áreas de ProteçãoAmbiental. Tais medidas garantiriam antes de tudoa proteção da Bacia do Xingu que hoje conta com40% de sua área geográfica reservada à territóriosindígenas e a duas florestas nacionais.

O mosaico também servirá para impedir as gran-des derrubadas de floresta que vem ocorrendo naregião principalmente na região da Estrada daCanopus e suas vicinais. Com a criação do mosaicoa Bacia do Xingu seria integralmente protegida,com a característica econômica do uso de suas flo-restas na forma sustentável baseado nas unidadesde produção familiar ou comunitária que realizamum impacto mínimo a floresta e ao meio ambiente.

Para atingir tais objetivos será necessário desen-volver ações de combate ao desmatamento, traba-lho escravo, grilagem de terras públicas e a explo-ração ilegal de madeira. Se faz ainda necessáriolevantamento da população e do seu uso sobre áre-as de floresta, e ações organizativas (encontros, reu-niões e assembléias) para formação política e soci-al das famílias e das comunidades buscando os di-reitos básicos e o planejamento coletivo da gestãoterritorial.

Gerar uma aliança entre as famílias de extrativis-tas/ribeirinhos, pescadores e comunidades indí-genas hoje ameaçadas será fundamental para ga-rantir a Terra do Meio protegida dos grupos orga-nizados de destruidores da floresta que chegamem busca do lucro baseado na pecuária extensivae plantação de grão em grandes áreas.

Uma dessas áreas no qual temos a promessa doGoverno Federal é a Resex Riozinho do Anfrísioque conta 736.941,41 ha (Setecentos e trinta e seismil e novecentos e quarenta e um hectares e qua-renta e um centiares), condicionará proteção in-tegral de um dos principais e mais conservadosafluentes da Bacia do Rio Xingu — o Riozinho doAnfrísio(nota ed.: no 9 de novembro de 2004, PresidenteLula decretou a criação da reservas extrativistas Riozinhodo Anfrísio (736.000 hectares) no município de Altami-ra e Verde para Sempre (1,28 milhão de hectares) nomunicípio Porto de Moz.).

Além disso teremos a formação de corredor de áre-as verdes composto por Unidades de Conservação(Floresta Nacional de Altamira e Resex do Riozinhodo Anfrísio) e Terras Indígenas (Cachoeira Seca/Iriri, Xipaya, Curuaya e Baú), localizadas entre oRio Iriri e a BR 163. Tal corredor poderá segurar o

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avanço do desmatamento sobre este restante de flo-resta e impedir o seu avanço sobre a região conhe-cida como Terra do Meio.

Se criada a Resex Riozinho do Anfrísio o EstadoBrasileiro estará a garantir aos homens, mulheres,jovens e crianças (ribeirinhos, extrativistas e pes-cadores) daquela localidade a continuidade deuma vida harmônica na convivência com a flores-ta. Além de proporcionar a essas famílias que láhabitam desde da época áurea da borracha a so-brevivência em suas áreas de uso - coletivo. Aindaestaremos também perpetuando condições de diasmelhores às gerações futuras.

Com apenas o anuncio da abertura dos estudospara criação da Resex as famílias que de lá saíramnas décadas de 80 e 90 por falta de escola, postode saúde, também pela insegurança fundiária e vi-eram morar na periferia da cidade de Altamira jádemonstram o desejo retornar à região trazendono coração esperança de dias melhores. Há espe-rança nas famílias de tempos melhores onde po-derão finalmente processar e comercializar os re-cursos florestais (andiroba, copaíba, castanha,madeira, peixe e etc) existentes em grande quan-tidade naquela região.

Hoje tal região é palco da presença de pistoleiros,grileiros e compradores de terra que por influên-

cia do asfaltamento da BR 163 já pressionam asfamílias a se retirarem de suas localidades. As ame-aças não cessam ou de forma velada ou mesmodireta colocando placas dentro dos castanhaisproibindo a entrada das famílias, queimando ca-sas como aconteceu agora dia 29 de junho na lo-calidade Praia Grande. São inúmeras as intimida-ções e ameaças contra as famílias que lá moram.

Dessa região do Riozinho pelo menos temos notí-cias que chegam; agora imaginem as áreas maisdistantes no Iriri e no Curuá onde nem notíciaschegam por causa da distancia. Sabemos sim dasameaças e do trabalho escravo. Não houve uma sóderrubada naquela região em que não se usou tra-balho escravo ou forçado. Algo habitual já que nãohá punição exemplar para tal crime.

Tais situações só tendem ao agravamento, se nãohouver um ordenamento territorial, baseado nautilização sustentável dos recursos naturaisrenováveis e na gestão dos não renováveis (ex. dosrecursos hídricos).

É necessário levar em consideração a existência decomunidades, famílias de pescadores, ribeirinhose extrativistas e povos indígenas que necessitamde uma proteção especial por parte do GovernoFederal, assim como também a imediata proteçãode seus territórios que inclui hoje a demarcação e

Extração ilegal de madeira, Terra do Meio,Greenpeace/Beltra

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homologação da Terra Indígena Xipaya e da Ter-ra Indígena Curuaya, e da des-intrusão da TerraIndígena Cachoeira Seca/Iriri. A TI CachoeiraSeca/Iriri, por omissão do Governo Brasileiro eseu órgão indigenista, durante os últimos 12 anosfoi ocupada por famílias de pequenos agricultoresdesavisados que ali era terra indígena. Em 1996era uma média de 400 famílias; hoje estamos comaproximadamente 1.500 gerando um conflito so-cial que só favorece a exploração ilegal de madei-ra e grilagem do território indígena. Este povo in-dígena (os Araras do Pará – autodenominadosWogorogma) é um dos mais frágeis povos do Bra-sil por causa do seu pouco tempo de contato coma sociedade nacional.

Garantir a integridade física, social, cultural e eco-nômica das comunidades indígenas, ribeirinhas,dos pescadores, de pequenos extrativistas que pos-suem modos próprios e mecanismos de uso dos

recursos florestais, sendo levados em consideraçãopelo mercado local, regional, nacional e interna-cional pode ser a saída da sobrevivência responsá-vel e sustentável da floresta.

Não é necessário dizer a catástrofe que seria a cons-trução da Uhe Belo Monte (ex-Uhe Kararaô) paraa região da Bacia do Xingu — só aumentará o qua-dro de destruição que cerca ou que se encontradentro da Terra do Meio. Infelizmente hoje partedo Movimento Social e grupos de empresários vemcomungando na região com um processo arrisca-do de barganha “toma lá, dá cá” junto ao GovernoFederal, entendo de será possível a convivência dedois modelos de desenvolvimento na Amazônia —um que mantém a floresta e usa seus recursos emforma racional e sustentável e outro que substituia floresta por extensas áreas de capim e soja, e ex-pulsa comunidades tradicionais, indígenas e famí-lias de agricultores de suas terras.

Fundo Dema

O Ibama doou seis mil toras de mogno apreendidas na

região de Altamira, sul do Pará, cujo valor bruto foi

estimado em cerca de sete milhões e meio de reais, e o

valor líquido em cerca de três milhões e quinhentos mil

reais, para que a FASE (Federação de Órgãos de Assistência

Social) criasse um fundo permanente de financiamento

de projetos de proteção ambiental, manejo florestal comunitário e ações de

desenvolvimento e inclusão social, com seus parceiros na região. A doação

qualificada do mogno apreendido golpeou a exploração ilegal e selou

uma aliança inédita entre o governo federal, o Ministério Público, as ONGs e o

movimento social da região em favor do desenvolvimento sustentável e

democrático da Amazônia.

O Fundo Dema, criado a partir desta proposta, é organizado e administrado

pela FASE em parceria com FVPP (Fundação Viver, Produzir, Preservar/

Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu).

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IntroduçãoTentar entender o histórico do processo de con-cepção, elaboração e aprovação administrativa daUsina Hidrelétrica de Kararaô, hoje denominadaoficialmente de Complexo Hidrelétrico de Belo Monte,não é tarefa fácil e tampouco indicada para os nãoiniciados. Os dados oficiais, os relatos históricos,as inúmeras manifestações de autoridades e órgãosde governo, as fofocas que correm soltas por en-tre os grupos políticos, todos são contraditórios eincompletos, o que transforma a resposta a umasimples pergunta - “afinal, qual é o projeto do CHEBelo Monte?” - em um angustiante desafio de mon-tagem de peças de um quebra-cabeça cuja formafinal ninguém conhece.

Filho pródigo dos projetos megalômanos de infra-estrutura do governo militar, o projeto de implan-tação do CHE Belo Monte traz consigo muitas dascaracterísticas dessa época, como a falta de trans-parência nas informações oficiais, decorrente desua classificação como “empreendimento estraté-gico” para o desenvolvimento nacional, e a desor-dem – irregular em muitos casos – nos processosde aprovação junto aos órgãos de governo. Tam-bém não poderia ser diferente para uma obra quefoi inicialmente planejada em 1975, por umaconsultoria técnica contratada pela Eletrobrás, eque, desde então, já teve de suportar mais de 15presidentes diferentes da estatal, 13 diferentesministros de minas e energia e não se sabe quantastrocas de equipe técnica.

Capítulo 2

Uma abordagem jurídica das idas e vindas dosprojetos de hidrelétricas no Xingu

Raul Silva Telles do Valle

O presente artigo analisa, desde o ponto de vistajurídico, a imbricada história do CHE Belo Mon-te, com o objetivo de mostrar as inúmeras incon-gruências, contradições e ilegalidades que até hojevigem em torno do projeto.

Os passos do processo de “licenciamentode projetos de geração de energia” e suarelação com o licenciamento ambientalPara se planejar e construir uma usina hidrelétri-ca no Brasil é necessário percorrer um longo pro-cesso administrativo de autorizações e registros.Em nosso sistema jurídico, os potenciais hidrelé-tricos – “matéria-prima” para a produção de ener-gia elétrica – sempre foram considerados uma ri-queza estratégica para o desenvolvimento nacio-nal e por isso estão arrolados dentre os bens daUnião (art.20, VIII da Constituição Federal de1988), tal qual as riquezas minerais do subsolo(art.20, IX), de forma que qualquer pessoa quequeria explorar algum desses potenciais deve sesujeitar a um processo administrativo de concessão deuso de bem público, mediante o qual o legítimo titu-lar desses bens – a União – concede a um particu-lar - ou mesmo a uma empresa pública, que fazparte da Administração Pública indireta, e por-tanto tem personalidade jurídica própria e distin-ta do ente público que a criou – o direito de ex-plorar com exclusividade um bem que é de domí-nio público.

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Há uma farta legislação que, pelo menos desde adécada de 30, regulamenta os procedimentos ne-cessários para se obter a autorização para construire explorar centrais de geração de hidreletricidade.Embora essa legislação tenha sido bastante modifi-cada ao longo das décadas, o pressuposto que sem-pre a permeou é o de que cabe ao Estado garantir o“aproveitamento ótimo” do potencial hidrelétricobrasileiro, seja como agente planejador oufiscalizador das atividades dos agentes de mercado.

O aproveitamento ótimo, sob a ótica da legislaçãoenergética e da grande maioria dos técnicos dosetor de produção de energia elétrica, significaexplorar ao máximo todo o potencial hidrelétricode nossos rios, o que demanda um planejamentoprévio que evite que o aproveitamento de um de-terminado potencial hidrelétrico – que, em termosreais, é um desnível de altura em determinado tre-cho de rio – venha a prejudicar outros aproveita-mentos no mesmo corpo d’água ou, porventura,na mesma bacia hidrográfica1. Os órgãos públicosencarregados de planejar a expansão do sistemade geração de energia elétrica no Brasil semprepensaram as usinas hidrelétricas, tomadas indivi-dualmente, como partes de um conjunto maior,que seria o aproveitamento hidrelétrico do rio, oqual é composto por um conjunto de obras que,embora possam ser construídas por pessoas dife-rentes e em épocas distintas, obedecem a umamesma concepção, a um mesmo projeto cuidado-samente planejado para aumentar a sinergia en-tre as diversas partes do conjunto.

Para se concretizar esse objetivo, a legislação exige

que o primeiro passo a ser dado para se planejar oaproveitamento de potenciais hidrelétricos comcapacidade de geração superior a 30.000 Kw2, é aelaboração de um estudo de inventário hidrelétrico.Este, segundo sua definição legal, é a “etapa deestudos de engenharia em que se define o poten-cial hidrelétrico de uma bacia hidrográfica, medi-ante o estudo de divisão de quedas e a definiçãoprévia do aproveitamento ótimo” (art.1º Resolu-ção ANEEL nº 393/98). Portanto, antes de se ini-ciar a elaboração de um projeto de engenhariamais detalhado para um determinado barramen-to, é necessário que o Poder Público tenha defini-do quantos aproveitamentos existirão naquele de-terminado rio e qual a concepção geral – localiza-ção, tamanho de lago, tamanho da queda d´água– de cada um deles.

Percebe-se, portanto, que os estudos de viabilida-de são de fundamental importância para o plane-jamento da expansão do setor elétrico e têm umaenorme relevância socioambiental, na medida emque é a partir de suas conclusões que serão defini-das quantas barragens um mesmo rio terá, qualserá a área alagada, e, portanto, é nessa etapa quesão definidos os elementos que mais tarde impli-carão em impactos sobre a qualidade da água,fauna aquática e terrestre, vegetação e populaçãoafetada. Por essa razão, esse estudo, durante suaelaboração, deveria avaliar os impactos ambientaisdecorrentes das diversas alternativas, de forma agerar o menor impacto possível e garantir o usomúltiplo das águas. Isso, no entanto, quase nuncaocorreu, pois apenas muito recentemente, a par-tir da década de 90, em função da organização da

Principais normas referentes ao licenciamento ambiental no Brasil

1) Decreto 24.643, de 10/07/1934 – Código de águas

2) Lei 6.938, de 31/08/1981 - Política Nacional do Meio Ambiente

3) Resolução CONAMA 01/1986 – Dispõe diretrizes sobre a Avaliação de Impacto

Ambiental

4) Resolução CONAMA 06/1987 – Dispõe sobre o licenciamento ambiental do setor

elétrico

5) Lei 7.804/89 – Altera a Lei 6.938/81, tratando de competências do licenciamento

ambiental em seu art. 10.

6) Decreto 99.274, de 07/06/1990 – Regulamenta a Lei 6.938/81, tratando do

licenciamento

6) Resolução CONAMA 237/97 – Define e dispõe sobre o licenciamento ambiental, o

Estudo de Impacto Ambiental e dá outras providências.

7) Resolução Aneel 393/98 – Informações gerais sobre o inventário

8) Resolução Aneel 395/98 – Dispõe sobre estudos de viabilidade

9) Resolução Aneel 398/01 – Dispõe sobre o inventário hidrelétrico, tratando até mesmo

dos critérios de escolha do melhor inventário apresentado.

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Principais normas referentes a licitações e ao licenciamento de projetos hidrelétricos no Brasil:

1) Decreto-Lei Federal nº 185, de 23/02/1967 – Esta-

belece normas para contratação de obras e para re-

visão de preços em contratos de obras ou serviços a

cargo do Governo Federal.

2) Decreto-Lei nº 200, de 25/02/1967 – Dispõe sobre

licitações para compras, obras, serviços e alienações.

3) Portaria DNAEE n º 99 de 1979 (D.O. 17/09/1979)

– Dispõe sobre normas para apresentação de proje-

tos de exploração de recurso hídricos.

4) 03/1983 – Eletrobrás publica “Instruções para estu-

dos de viabilidade de aproveitamentos hidrelétricos”

5) 06/1984 – Eletrobrás publica “Manual de inventá-

rio de bacias hidrográficas”

4) Portaria DNAEE nº125, de 21/08/1984 – Dispõe so-

bre procedimentos de aproveitamento hidrelétrico.

5) Decreto-Lei nº 2.300 de 21/02/1986 – Dispõe sobre

licitações e contratos da Administração Federal.

6) Portaria DNAEE nº 43, de 04/03/1988 – Aprova o

inventário realizado na bacia do rio Xingu, nos esta-

dos de Mato Grosso e Pará.

7) Lei Federal nº 8.666 de 21/06/1993 – Institui normas

para licitações e contratos da Administração Pública.

8) Lei Federal nº 8.833 de 08/06/1994 – Altera a lei

8.666/93

9) Portaria DNAEE nº 769, de 25/11/1994 – Constitui

um Grupo de Trabalho (GT) para avaliar a propos-

ta apresentada pela Eletronorte sobre a nova confi-

guração da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

10)Lei Federal 8.987, de 13/02/1995 – Dispõe sobre

o regime de concessão e permissão da prestação

de serviços públicos

11) Lei Federal 9.074, de 07/07/1995 – Estabelece nor-

mas para a outorga e prorrogações das concessões

e permissões de serviços públicos.

12) Decreto Federal nº 2003, de 10/09/1996 – Dispõe,

em seu art 3º, sobre o programa de licitações após

a aprovação de estudos de inventário.

13) Lei 9.427, de 26/12/1996 – Cria a Agência Nacio-

nal de Energia Elétrica.

14) Lei 9.433, de 08/01/1997 – Institui a Política Na-

cional de Recursos Hídricos, regulando a outorga

do uso de recursos hídricos.

15) Lei Federal 9.648, de 27/05/1998 – Altera a lei

8.666/93 (lei das licitações)

16) Resolução Aneel nº 393, de 04/12/1998 – Estabe-

lece procedimentos gerais para o inventário hidre-

létrico.

17) Resolução Aneel nº 395, de 04/12/1998 – Dispõe

sobre o registro e aprovação dos estudos de viabili-

dade de hidrelétricas.

18) Instrução normativa do Ministério do Meio Ambi-

ente (MMA) nº 4, de 21/06/2000 – Dispõe sobre a

outorga de direito de uso de recursos hídricos em

corpos d´água da União.

19) Resolução Aneel nº 398, de 21/09/2001 – Dispõe

sobre o inventário

20) Resolução Conselho Nacional de Política

Energética (CNPE) nº1, de 04/03/2002 - Cria GT

para estudar plano de viabilização para implanta-

ção de Belo Monte.

21) Resolução CNPE nº2, de 06/08/2002 - Prorroga

até o dia 30/11/2002 a apresentação dos resulta-

dos do GT da resolução anterior.

22) Resolução CNPE nº18, de 17/12/2002 - Determi-

na a continuidade das providências para o desen-

volvimento e a viabilização do Complexo Hidrelé-

trico Belo Monte.

sociedade civil brasileira, que passou a denunciaros impactos das grandes barragens, a dimensãoambiental passou a ter algum peso no planejamen-to do setor elétrico.

O interessante é que, inobstante a importânciaestratégica dos estudos de inventário, até a ediçãoda lei que regulamenta o novo modelo elétricobrasileiro (Lei Federal nº 10.847, de 15 de marçode 2004) e cria a Empresa de Pesquisa Energética– EPE, a responsabilidade pela condução dos es-tudos de viabilidade era delegada a particulares.Isso fez com que quase todos os estudos, elabora-dos por aqueles que têm como interesse precípuoproduzir energia para venda ou uso industrial, tra-tassem dos rios como meras matérias-primas paraa produção de sua mercadoria – energia elétrica –sem se preocupar seriamente com a garantia deusos múltiplos e tampouco com a dimensãosocioambiental envolvida na implantação desses

empreendimentos. Por isso, a marca dos estudosde viabilidade elaborados até hoje, principalmen-te aqueles anteriores à década de 90, é a absolutaausência ou irrelevância da dimensão ambientalou social em sua concepção.

A etapa seguinte à elaboração dos estudos de in-ventário é a dos estudos de viabilidade. Não há umadefinição legal do que seja propriamente esse es-tudo, mas ele é, basicamente, um aprofundamentodos trabalhos de engenharia focado para um de-terminado barramento, já previamente definido noinventário aprovado pelo órgão competente (hojeANEEL), onde o interessado procura avaliar, basica-mente, a viabilidade econômica do empreendimento,identificando as condicionantes físicas para suaimplantação (estrutura geológica do local deimplantação, disponibilidade de material paraconstrução, dentre outros), detalhando suas carac-terísticas estruturais (tipo de barragem, material

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utilizado, tamanho do lago, localização das casasde força, dentre outros) e prevendo com mais pre-cisão quanto será demandado de tempo e recur-sos, financeiros e tecnológicos, para a construçãoda usina hidrelétrica. É, portanto, um documentode natureza eminentemente técnico-econômica,cujo objetivo principal é sinalizar aos possíveis in-vestidores a rentabilidade do negócio.

O estudo de viabilidade deve ser aprovado pelaANEEL (art.3º, Resolução ANEEL nº395/98), queo analisará sob diversos aspectos, dentre os quais,teoricamente, o ambiental. Ocorre que a dimen-são ambiental nunca foi seriamente levada em con-sideração pelos técnicos da ANEEL, que sempreenxergou essa exigência legal (art.12, ResoluçãoANEEL nº395/98) de uma forma burocrática, de-legando aos órgãos de controle ambiental essa ta-refa, e exigindo do interessado em aprovar o estu-do apenas que tenha dado início ao processo delicenciamento ambiental junto ao órgão compe-tente. Portanto, esses estudos sempre foram apro-vados e, muitas vezes, colocados “à venda” em pro-cessos licitatórios, sem mesmo se saber sobre a via-bilidade ambiental do empreendimento a ser even-tualmente construído, já que nem a licença préviaambiental era exigida como condição para a reali-zação do leilão de venda dos estudos e para a assi-natura dos contratos de concessão.

De qualquer forma, deve ficar claro que o estudode viabilidade está profundamente atrelado ao in-ventário hidrelétrico da bacia hidrográfica, pois éum detalhamento deste. Isso significa que, embo-ra a estrutura física do empreendimento seja rele-vante para determinar seus impactos ambientais,não é na fase dos estudos de viabilidade que sepoderá “adequar ambientalmente” o empreendi-mento, pois aí suaconcepção já estádefinida, e o máxi-mo que se poderáfazer é amenizar al-guns poucos impac-tos com soluções deengenharia. O mo-mento crucial paradeterminar os im-pactos de uma de-terminada hidrelé-trica é na definiçãoda partição de quedasdo rio, que é quandose define o aproveita-mento ótimo do po-tencial hidrelétrico

daquela bacia hidrográfica e, portanto, fica determi-nado quantos barramentos haverão e, mais, comoeles deverão operar para criar uma sinergia epotencializar a produção de energia em cada usina.

Por mais absurdo que pareça, até hoje o processode Avaliação de Impacto Ambiental – AIA3 semprefoi – e continua sendo, embora existam tímidospassos do atual governo4 para modificar essa lógi-ca – centrado no estudo de viabilidade, ou mesmono projeto básico, que é um aprofundamentodaquele, e não no inventário hidrelétrico. Isso sig-nifica que a avaliação será sempre sobre as conse-quências, se tornando na verdade uma mera men-suração de impactos, pois as causas jamais serãoquestionadas e avaliadas, e mais, não poderão seralteradas, uma vez que o inventário já está aprova-do e a concepção das barragens já é apresentadacomo um fato. Isso contraria a própria concepçãoda AIA, que é muito mais do que um mero proce-dimento que identifica medidas mitigadoras paraum projeto pronto, sendo na verdade um processono qual a própria proposta colocada inicialmente podeser completamente alterada, modificada, transforma-da, ou, eventualmente, rejeitada.

Como fica evidente, o diálogo entre ambos siste-mas – de aprovação “energética” e de avaliaçãoambiental – é absolutamente esquizofrênico, e oarranjo jurídico que o sustenta traz como conse-qüência alguns paradoxos. Se, no processo de ava-liação de impacto ambiental, chega-se à conclu-são que aquela determinada usina é ambiental-mente inviável da forma como está planejada, aúnica opção que resta é negar a licença para cons-trução, pois não há como alterar sua concepção,já que esta foi prevista num projeto maior, que estáfora de questão e que só faz sentido se concretiza-

do tal como planeja-do. Por outro lado,se a licença ambien-tal é negada parauma das usinas pro-jetadas, e ela nãopode ser implanta-da, então todo o es-tudo de inventáriofica prejudicado,pois a partição dequedas foi planeja-da para se obter oaproveitamento óti-mo, e sem aqueladeterminada barra-gem não só ele nãoserá alcançado mas,

Indígenas aplaudem a aprovação das garantiasdos direitos indígenas na Constituinte, 1988,

Aguirre/Switkes/AMAZÔNIA

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caso já se soubesse de antemão que uma barragemnaquele local não seria possível, poderia ter se op-tado por um outro arranjo que dispensasse aquelabarragem e incrementasse a potência das demais,chegando mais próximo de um hipotético apro-veitamento ótimo. Ademais, como muitas vezes asbarragens no mesmo rio funcionam em série, comuma regularizando a vazão ou estocando água paraaquela que está a jusante, impedir a implantaçãode uma pode inviabilizar todo o sistema, o que émenos preocupante quando isso ocorre já na pri-meira a ser implantada, mas muito mais sério quan-do algumas já foram implantadas na expectativade que as outras o serão também. Nesses casos, apressão sobre o processo de licenciamento ambi-ental é enorme, e os órgãos ambientais ficam pra-ticamente atados a uma única opção, a de aprovaro empreendimento, contrariando assim o dispos-to na Resolução CONAMA 01/86, que determinaque deverá ser sempre avaliada a opção de nãoimplantação (art.5º, I).

Toda essa digressão foi necessária para poder explicaro status atual do licenciamento do CHE Belo Montee, mais, demonstrar suas inúmeras incongruências.

O licenciamento de Belo Monte e as demaisusinas hidrelétricas do rio XinguComo explicitado em outros capítulos dessa obra,o projeto da UHE Kararaô é fruto de um dessesestudos de inventário elaborados durante a déca-da de 70, com pouca ou nenhuma preocupaçãode ordem socioambiental. Esse estudo, elaboradopelo Consórcio Nacional de Engenheiros Consul-tores (CNEC) e contratado pela Eletrobrás, defi-niu que o rio Xingu deveria ter, para se obter ofamigerado aproveitamento ótimo, um conjuntode seis barragens (Jarina, Kokraimoro, Ipixuna,Iriri, Babaquara e Kararaô). Essa foi a partição dequedas definida no estudo como a mais apta aobter o máximo de energia gerada, e este foi oestudo oficialmente apresentado em 1980 ao en-tão Departamento Nacional de Águas e EnergiaElétrica – DNAEE, antecessor da ANEEL enquan-to órgão de gestão do setor elétrico, que foi apro-var o estudo apenas oito anos depois.

O fato é que, oficialmente, existe apenas um in-ventário hidrelétrico do rio Xingu apresentado eaprovado, e esse aponta a construção de seis usi-nas, que por sua vez trabalhariam em série parapoder contornar o obstáculo natural representadopela grande variação de vazão do rio nas diferen-tes estações do ano . Essas seis usinas, se construí-das, irão inundar uma área de 18 mil quilômetros

quadrados, incluindo aí o território de 12 povosindígenas, e transformar o rio Xingu em uma sériede grandes lagos, alterando completamente suadinâmica e desestruturando inexoravelmente to-das as cadeias ecológicas que dele dependem. Ouseja, a concretização do previsto no inventário hi-drelétrico do rio Xingu significaria uma verdadei-ra catástrofe ambiental, social e cultural, pois des-truiria o rio e afetaria significativamente a vida detodos os povos indígenas que vivem em seu entor-no. Foi por essa razão que ocorreu, já na décadade 80, organizações sociais, Igreja, povos indíge-nas e lideranças políticas se reuniram no famosoEncontro de Altamira e iniciaram o movimentopara impedir a implementação desse projeto, de-nunciando perante o público os impactos inaceitá-veis que poderiam ser causados.

Em função da reação da sociedade perante a amea-ça representada pelo conjunto de represas no rioXingu, a Eletrobrás e sua subsidiária, a Eletronor-te, “colocaram na geladeira” o inventário aprova-do, por não haver como defendê-lo publicamente,diante do absurdo e da ilegalidade de suas conse-qüências. Quando, já na segunda metade da déca-da de 90, voltaram a falar publicamente do projetode construção de usinas no rio Xingu, o foco pas-sou a ser exclusivamente a implantação da UHEKararaô, rebatizada de CHE Belo Monte. Portanto,“desapareceram” com as demais usinas e passarama alegar que elas não seriam mais construídas, emfunção de seus impactos socioambientais, o que vemsendo reafirmado até hoje.

O Conselho Nacional de Política Energética –CNPE, colegiado vinculado ao Ministério de Mi-nas e Energia – MME que tem como função auxi-liar no planejamento da expansão do sistema bra-sileiro de geração de energia elétrica, criou em2002, em função da crise de energia pela qual pas-sou o país, um grupo de trabalho para “viabilizar aimplantação de Belo Monte” (Resolução CNPE nº01, de 04 de março de 2002). Esse GT apresentou,em dezembro do mesmo ano, um relatório final,no qual conclui pela viabilidade e necessidade deimplantação do empreendimento, considerando“apenas a existência do CHE Belo Monte no rioXingu, de tal forma que não é imputado ao mes-mo qualquer benefício de regularização a mon-tante, apesar dos estudos inventário hidrelétricodo rio Xingu, realizados na década 70, terem iden-tificados quatro aproveitamentos hidrelétricos amontante”. Portanto, o governo federal vem aca-tando oficialmente a idéia de que Belo Monte se-ria um empreendimento isolado, que existiria in-dependentemente das demais usinas do Xingu, o

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RESOLUÇÃO Nº 2, DE 17 DE SETEMBRO DE 2001 Dispõe sobre o reconhecimento do interesse estratégico da

Usina Hidrelétrica Belo Monte, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA - CNPE, no uso das atribuições que

lhe confere o art. 2º da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, o art. 2º, § 3º, inciso III, do Decreto nº 3.520, de 21 de

junho de 2000, e tendo em vista as deliberações aprovadas na 3a Reunião Ordinária do Conselho, realizada no dia

1º de agosto de 2001, resolve:

Art. 1º Reconhecer o interesse estratégico da Usina Hidrelétrica Belo Monte, a ser construída em trecho do rio

Xingu, no Estado do Pará, no planejamento de expansão da hidreletricidade até o ano de 2010, e propor que seja

autorizada a continuidade dos estudos de viabilidade econômico-financeira, projeto básico, licenciamento ambiental,

e a realização de estudos referentes a:

I - participação de capital privado na modelagem financeira do empreendimento, preferencialmente na condição

de controlador;

II - forma de integração da usina ao sistema interligado, considerando os aspectos energéticos, comerciais e do

sistema elétrico;

III - impactos de sua operação no parque gerador nacional;

IV - confiabilidade da rede básica face ao sistema de transmissão associado;e

V - impactos financeiros da execução da obra no Orçamento da União.

Art. 2º Recomendar que os estudos de impacto ambiental e do uso múltiplo das águas do reservatório a ser formado

com a construção da UHE Belo Monte sejam realizados com a participação dos Ministérios de Minas e Energia, do

Meio Ambiente, do Planejamento, Orçamento e Gestão, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da

Agência Nacional de Energia Elétrica e da Agência Nacional de Águas, compreendendo nesse estudo a avaliação

do potencial do empreendimento na promoção do desenvolvimento econômico e social na Região.

Parágrafo único. A Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS, por intermédio da Centrais Elétricas do

Norte do Brasil S.A. - ELETRONORTE, deverá iniciar os estudos, conforme estabelecido no caput e em conjunto

com o Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos - CCPE e o Comitê Técnico de

Planejamento do Suprimento de Energia Elétrica do CNPE.

Art. 3º Os estudos de que trata o art. 2º desta Resolução deverão ser apresentados à Secretaria-Executiva do CNPE,

até 17 de dezembro de 2001, para possibilitar manifestação do Conselho quanto à construção da UHE BeloMonte.

Art. 4º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

JOSÉ JORGE DE VASCONCELOS LIMA

Ministro das Minas e Energia

que se reflete não apenas em alguns – poucos –documentos oficiais, mas no discurso da maiorparte das autoridades.

Ocorre que, embora a concepção da partição dequedas tenha sido profundamente modificada, nun-ca foi apresentado um novo estudo de inventário eo aprovado nunca foi cancelado. Isso significa que,para todos os fins legais, o projeto para o rio Xingué de construção de seis barragens, e Belo Monte éapenas uma delas, devendo, portanto, ser analisa-da em função do conjunto, e não isoladamente.

Mas essa não é apenas uma conclusão “formal”,derivada de um preciosismo jurídico que analisao processo apenas quanto a seus atos oficiais. En-tender Belo Monte como uma peça de um que-bra-cabeça maior é uma conclusão lógica derivadada análise de sua concepção estrutural.

O primeiro estudo de viabilidade da UHE Belo Mon-te, baseado no estudo de inventário hidrelétricoaprovado em 1988, foi entregue ao DNAEE em 11de outubro de 1989, e previa a formação de um lagode 1225 km2 na cota 96 m, para uma geração de

cerca de 8.400 MW de potência máxima. Esse estu-do, no entanto, jamais chegou a ser aprovado peloDNAEE, pois cerca de três anos e meio depois, em1993, técnicos do DNAEE e da Eletrobrás firmaramentendimento no sentido de ser necessária uma re-visão dos estudos até então procedidos, com vistas àsua “viabilização sócio-política”5.

Em 25 de novembro de 1994, o DNAEE criou umgrupo de trabalho (Portaria nº 769) composto portécnicos da Eletronorte, da Eletrobrás e do pró-prio DNAEE, que tinha como objetivo:• reavaliar energeticamente a configuração

estabelecida nos estudos viabilidade, com fins deconfirmar a atratividade do empreendimento;

• atualizar os estudos ambientais, hidrológicos ede orçamento;

• analisar e propor ações para viabilização sócio-política do empreendimento.

Desse GT surgiu a idéia de se alterar o projeto deengenharia, de forma diminuir o tamanho do re-servatório e assim minimizar os impactos ambien-tais de qualidade da água no rio Bacajá, eliminar ainterferência do reservatório com a área indígena

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Paquiçamba e diminuir a área de inundação do re-servatório, minimizando os custos com relocações6.Acreditava-se, portanto, que estaria afastada gran-de parte dos problemas apontados pelos opositoresdo projeto, sem perda de energia, ou melhor, comum aparente ganho energético, que saltaria de 8.400MW para 11.181 MW de potência máxima.

Essa proposta foi encaminhada à Eletrobrás que,em outubro de 1999, solicitou ao Ministério de Mi-nas e Energia autorização para dar prosseguimen-to aos estudos que validariam a alternativa propos-ta, incluindo neles, os estudos de mercado e do sis-tema de transmissão associado. No mesmo mês, aautorização foi concedida, e um novo estudo de vi-abilidade foi iniciado, já a partir do novo projetode engenharia, que transformaria a UHE Belo Mon-te em uma usina praticamente a fio d´água, ou seja,sem reservatório de acumulação, como já explica-do no capítulo 1. Esse estudo de viabilidade foi con-cluído em fevereiro de 2002, e logo em seguidaapresentado à ANEEL, que até 21/07/2004 classi-ficava-o como “em análise”, ou seja, sem um resul-tado quanto a sua aprovação ou não.

Ocorre que esse novo estudo foi feito sem ter havi-do qualquer modificação no inventário hidrelétri-co aprovado em 1988, o que contraria a regulamen-tação legal sobre a questão. Todo estudo de viabili-dade deve estar baseado em um inventário aprova-do, e, portanto, deve seguir o que está nele estipu-lado. O inventário do rio Xingu oficialmente apre-sentado prevê a construção de seis barragens, cadauma com uma determinada concepção estruturaljá definida para poder aproveitar o máximo do po-tencial hidrelétrico, e nele nada consta sobre esse“novo arranjo” para Belo Monte. Para que um novoestudo de viabilidade fosse elaborado, seria neces-sário, antes, rever o inventário aprovado, apresen-tando um novo estudo que contemplasse as novaspropostas tanto para o CHE Belo Monte quantopara as demais barragens originalmente previstas.Um estudo de viabilidade sem um inventário que osustente é, juridicamente, viciado.

Sem um novo inventário elaborado e aprovado, nãohá como afirmar que não se pretende construiroutras barragens ao longo do rio Xingu, pois essaafirmação não só contraria a única informação ofi-cial disponível, mas também vai de encontro a to-das as informações técnicas até agora levantadas.

Como já demonstrado em outros capítulos dessaobra, embora tenha sido apresentado um novo es-tudo de viabilidade que contemple Belo Montecomo uma usina a fio d´água, sem modulação deponta, e neste se afirme que “o CHE Belo Monte é

viável economicamente independente de outrosaproveitamentos”, razão pela qual “não estão sendoconsiderados nos seus estudos sócio-ambientais osimpactos sinérgicos com eventuais futuros aprovei-tamentos hidrelétricos na bacia”6, há sérias razõespara se duvidar da credibilidade dessas afirmações.

Conforme demonstram os dados expostos na notatécnica do Capítulo 5, obtidos a partir de uma si-mulação da geração de eletricidade de Belo Mon-te em sua atual concepção, ou seja, operando a fiod’água e sem outras barragens a montante pararegularizar a vazão do rio Xingu, Belo Monte con-seguiria operar em sua carga máxima, produzin-do 11.182 MW de energia, durante, no máximo,apenas três meses do ano. Isso significa que, du-rante nove meses do ano, ou seja, durante 75% dotempo, a usina ficaria com turbinas uma capacida-de de produção ociosa, em função de não haverágua suficiente para girá-las.

Mas isso não é o mais espantoso. Pelas simulaçõesfeitas para o período de 1931 a 1996, a potênciaassegurada máxima teria sido de 1.356 MW, ou seja,seria garantido, durante o ano inteiro, uma po-tência que corresponde a cerca de 1/10 do núme-ro que vem sendo alardeado (11.182 MW) comoo grande trunfo para a construção da obra e apre-sentado oficialmente como a energia que seria efe-tivamente gerada. Esse dado, que não vem sendodivulgado pelo Ministério de Minas e Energia oupela Eletronorte, e que não consta nem mesmodos estudos de viabilidade entregues, nos quais sefala na produção de 4.700 MW “médios”, é de sumaimportância para avaliar a validade desses estudos,pois levanta sérias dúvidas quanto à viabilidadeeconômica do empreendimento.

Segundo os dados apresentados no relatório doCNPE para analisar a viabilidade da implantaçãode Belo Monte, os custos do empreendimento,compreendendo tanto a estrutura de geraçãoquanto de distribuição, girariam em torno de US$5,25 bilhões, o que, considerando a potência má-xima a ser gerada (11.182 MW) e custos de investi-mento de menos de 400 dólares por kw/instalado- valor extraído do inventário realizado há mais devinte anos - faria com que a usina produzisse ener-gia a 12,4 US$/MWh, custo considerado baixo parao setor elétrico. Porém, como visto, esse valor depotência máxima seria atingido durante apenasdois ou três meses do ano, sendo que no restantedo ano a energia gerada seria muito inferior, o quesignifica que os custos apresentados tanto nos es-tudos de viabilidade, quanto no relatório do CNPEestão subavaliados.

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O que isso significa? Significa que verbas do erá-rio público serão investidas em um projeto cujoaproveitamento econômico é mais do que duvido-so, e que trará, mesmo com sua reformulação es-trutural, graves impactos ambientais. Segundo o“modelo institucional financeiro” proposto peloCNPE, “a estruturação do projeto, vislumbrada nacondição da participação majoritária da iniciativaprivada, no que se refere à redução dos riscos re-lativos aos aspectos ambientais e de inserção regi-onal, sugere a presença da Eletrobrás, assumindoa coordenação dessas atividades”. Vê-se, portanto,que haverá pesados investimentos de uma empre-sa pública para ancorar o grupo de investidores egarantir a captação de recursos no mercado finan-ceiro com os menores riscos possíveis aos parcei-ros privados, pois “a reconhecida capacidade demobilização de recursos da Eletrobrás, inclusivepor meio do lançamento de papéis no país e nomercado internacional, seria um fator mitigadordo risco de financing para o empreendimento”7.

Surgem, portanto, duas questões de alta relevânciapolítica e jurídica: se está demonstrado que BeloMonte não gerará, durante grande parte do ano, aenergia que seus proselitistas afirmam, embora suaestrutura física permaneça a mesma, implicandopraticamente nos mesmos custos econômicos eambientais, tem essa obra realmente viabilidadeeconômica e ambiental? Como é possível investiruma quantia muito considerável de recursos públi-cos em um empreendimento que não só causarágrandes impactos ambientais e sociais mas, desde oponto de vista essencialmente financeiro, não traráo retorno que vem sendo por todos esperado?

Uma coisa é avaliar a obra diante da perspectiva deque ela gerará os 11.182 MW de energia firme du-rante o ano inteiro, que essa energia será distribuí-da de forma socialmente justa e voltada ao desen-volvimento regional, não sendo vendida com pre-ços subsidiados a grandes exportadoras de alumí-nio ou aço. Nesse caso, embora sua viabilidadesocioeconômica e ambiental possa ainda ser ques-tionada, há mais fatores positivos a serem coloca-dos na balança. Outra coisa é avaliar uma obra quegerará apenas 1.356 MW de energia firme durantetodo o ano, mas com os mesmos custos econômi-cos e ambientais. Devemos, enquanto sociedade,aceitar tantos impactos para gerar essa quantidadede energia? Devemos aceitar que volumosos recur-sos públicos, escassos para tantas áreas, sejam inves-tidos em um empreendimento cujo retorno econô-mico e social é profundamente questionável?

Aplicar recursos públicos dessa monta numa usinaque muito possivelmente operará muito abaixo de

sua capacidade máxima de produção atenta contraos princípios básicos da boa gestão administrativa.Em primeiro lugar, fere o princípio constitucionalda razoabilidade e proporcionalidade, pois serão dispen-sados muitos recursos para poucos resultados, oumelhor, para poucos benefícios econômicos e mui-tos prejuízos socioambientais. Em segundo lugar,fere o princípio constitucional da economicidade(art.70, parágrafo único, Constituição Federal), quesignifica saber se foi “obtida a melhor proposta paraa efetuação da despesa pública (...) e se ela fez-secom modicidade, dentro da equação custo-benefí-cio”8.

Mas o mais grave é que o documento oficialmenteapresentado, que vem servindo de base para todosos debates públicos acerca do empreendimento, eque subsidiará futuramente a elaboração do EIA/Rima para o processo de licenciamento9, apresentadados que estão sendo tecnicamente contestados,e que demonstram que o verdadeiro projeto não éesse que vem sendo vendido ao público. Por tudoque já foi exposto, o CHE Belo Monte claramentenão se sustenta técnica e economicamente sozinho,pois necessitará, num futuro breve, da construçãode pelo menos mais uma barragem a montante, pararegularizar a vazão do rio e melhorar seu aproveita-mento energético. Essa é uma realidade que, em-bora a Eletronorte venha tentando escamotear, nãotem como ser negada, o que leva até mesmo docu-mentos oficiais a ter de deadmiti-la, mesmo queindiretamente. Esse é o caso do relatório produzi-do pelo CNPE, que diz textualmente: “na hipótesede ser implantado qualquer empreendimento hi-drelétrico com reservatório de regularização a mon-tante de Belo Monte, poderá ser aumentado o conteúdoenergético desse Complexo, a ser definido com a revisãodos estudos de inventário do rio Xingu, a montan-te de Altamira”. O mesmo é repetido no Estudo deViabilidade entregue à ANEEL, onde, após afirmarque o estudo energético “considera apenas a exis-tência do CHE Belo Monte no rio Xingu”, faz a se-guinte observação: “frisa-se, porém, que a implantaçãode qualquer empreendimento hidrelétrico com reservatóriode regularização a montante de Belo Monte aumentará oconteúdo energético dessa usina”.

Como se vê, o projeto de aproveitamento hidrelé-trico do rio Xingu é, e sempre foi, o de construçãode uma série de barragens. Uma vez construídoBelo Monte, e diante dos vários bilhões de dólaresinvestidos, logo aparecerão críticos afirmando oabsurdo de existir uma obra desse tamanho quetrabalhe com pouco mais de 10% de sua capacida-de. Não demorará para que essas mesmas pessoaspassem a defender a construção de pelo menos

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mais uma barragem a montante, quando não todoo complexo de hidrelétricas previsto desde a dé-cada de 70. Afirmarão que essa é uma medida debom senso, pois não se pode investir tanto dinhei-ro em uma usina e deixá-la ociosa, e já que ela estáconstruída então deve-se viabilizar sua operação acontento. Isso significará a retomada integral doestudo de inventário original, com todos os impac-tos socioambientais disso decorrentes.

Mas por que, há vários anos, as sucessivas ges-tões da Eletronorte e do Ministério de Minas eEnergia vêm negando essa realidade? Por que nãoadmitem que o projeto continua sendo o mesmode sempre, apenas dividido em etapas imaginári-as? Por que elas sabem que a construção do com-plexo de usinas trará impactos ambientais, sociais,culturais e econômicos tão negativos que não teri-am como defendê-la publicamente, pois elas nãoseriam aceitáveis hoje, como já não foram no pas-sado. Por essa razão vêm omitindo informaçõesrelevantes, ferindo, portanto, o direito à informa-ção da sociedade brasileira.

O direito à informação, tutelado constitucionalmen-te, é um dos elementos centrais do Estado democrá-tico de Direito. É com base em uma informação atu-alizada, completa e compreensível que a sociedadecivil poderá, por um lado, saber quais as questõesque mais lhe interessam e que merecem sua inter-venção, e por outro, decidir com segurança sobreos temas postos em discussão. Por essa razão, a LeiFederal nº 10.650/03, determina aos órgãos e enti-dades da Administração Pública, direta ou indireta,o fornecimento de todas as informações ambientaisque estejam sob sua guarda e que versem sobre “po-líticas, planos e programas potencialmente causa-dores de impacto ambiental” (art.2º, II).

No caso sob análise, se está claramente omitindo in-formação ambiental. Segundo a Convenção deAarhus, que trata sobre o direito à participação nagestão ambiental e que é hoje tida como referênciainternacional sobre o assunto, informação ambientalé toda e qualquer informação que disponha sobre:a) o estado dos recursos naturais e bens ambien-

tais, como o ar, água, biodiversidade etc.;

b) atividades, públicas ou privadas, políticas, pla-nos, programas, leis ou qualquer outro fator fí-sico, biológico ou social que possam afetar demaneira significativa a qualidade ambiental;

c) análises econômicas e avaliações de custo-benefício quetenham sido ou venham a ser fundamento para qual-quer tipo de decisão concernente a questões ambientais;

d) o estado da saúde e bem estar humano, a quali-dade de vida, a situação de bens e patrimônios

históricos ou culturais, que possam ser signifi-cativamente afetados por qualquer alteraçãoambiental (art.2,3).

Portanto, ao negligenciar do público em geral da-dos cruciais para a análise custo-benefício do em-preendimento, o Governo Federal não vem cum-prindo com seu dever de informar adequadamen-te os cidadãos.

Mas o que ocorrerá se todo o complexo hidrelétricodo rio Xingu for realmente implementado? Uma áreade, no mínimo, 8.800 km2 seria completamentealagada, e o rio Xingu seria completamente altera-do, pois não seria mais um rio corrente, mas um con-junto de lagos. Nenhuma Terra Indígena do sul doPará e norte do Mato Grosso ficaria ilesa, pois outeriam áreas alagadas e utilizadas para a construçãodas barragens, ou, mais grave ainda, teriam sua caçae pesca radicalmente afetados, uma vez que o Xingue seus afluentes também o seriam. Ademais, as re-presas afetariam uma área de extrema importânciapara a conservação da biodiversidade, conhecida ge-nericamente como Terra do Meio, que hoje tem 98%de sua área com vegetação natural e que, por servircomo um grande corredor ecológico entre TerrasIndígenas e Unidades de Conservação situadas en-tre o sul do Pará/norte do Mato Grosso e o norte doPará, foi definida como de alta prioridade para a cri-ação de Unidades de Conservação pelo Ministériode Meio Ambiente10.

Infelizmente, até o momento os estudos de impactoambiental já elaborados para Belo Monte, cuja lega-lidade ainda está sendo judicialmente questionada,nunca trataram dos efeitos sinérgicos do complexode hidrelétricas na bacia do rio Xingu, cuidando deBelo Monte como se fosse uma obra isolada, semrelação com as demais barragens projetadas para omesmo rio. No momento11 não há nenhum proces-so de licenciamento ambiental oficialmente em cur-so, pois o que havia sido iniciado junto ao IBAMA foiarquivado. Mas poucas são as esperanças de que ele,quando for retomado, cumpra com o estipulado naResolução CONAMA 01/86 e realize a avaliação deimpacto ambiental tendo como referência a baciahidrográfica na qual está inserida a obra, e, assim,faça uma avaliação do conjunto de barragens.

Está claro que o Brasil não aceita mais esse tipo de“desenvolvimento”, que destrói tudo o que toca.Nossa Constituição Federal estabelece que a ordemeconômica deve ter por fim assegurar a todos exis-tência digna, e deve se basear no respeito ao meioambiente ecologicamente equilibrado (art.170).Isso significa que não há desenvolvimento comdestruição ambiental ou desajuste social.

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Entrevista com Nilvo Luis Silva, diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama, Ministério do Meio Ambiente

(fonte”O governo que planeja tem de estar integrado ao governo que licencia” entrevista concedida a Cláudia Siqueira e Roberto Carlos Francellino,

revista Brasil Energia, junho de 2004)

Como é a relação com o Ministério de Minas e Energia (MME)?

Nilvo: O MME e o MMA estão fazendo um levantamento dos estudos de viabilidade das hidrelétricas que não

iniciaram construção. O que estamos vendo no Brasil é isso: uma parte do governo faz concessão de hidrelétricas e

outro vai avaliar a viabilidade depois, muitas vezes dizendo “não”. É preciso haver uma integração maior entre a

área do governo que planeja e a que licencia.

Como está o licenciamento de hidrelétricas?

Nilvo: Não preocupa. O que temos é muito trabalho para garantir a expansão da geração. Primeiro, resolver alguns

empreendimentos que estão embargados judicialmente. E já vínhamos trabalhando com o MME para tratar a

questão dos conflitos sociais. Hoje o que preocupa são esses conflitos, e não os ambientais. O próprio setor elétrico

precisa se envolver mais na questão dos conflitos antes do licenciamento. Outro desafio será o aumento da demanda

com o novo modelo do setor elétrico. Estamos discutindo com os estados a melhor maneira de fazer esses

licenciamentos. (...) Muitas das reclamações da indústria contêm meias-verdades. Um artigo que saiu em “O Globo”

dizia que as obras estavam paralisadas por causa do Ibama. Das obras mencionadas no artigo não existia nenhuma

paralisada por causa do Ibama. Havia obras embargadas judicialmente e de licenciamento estadual.

Qual seria a forma de acelerar o processo?

Nilvo: Os estudos têm de ter mais capacidade. Em muitos casos o processo sai da esfera administrativa e vai para o

Judiciário, onde leva um tempo muito grande. É preciso conduzir o licenciamento com rigor, tendo uma preocupação

com o tempo, mas isso não pode ser a principal preocupação. Um exemplo é a negociação de indenizações.

Preferíamos que elas não fossem responsabilidade do órgão de licenciamento. Não podemos, contudo, ignorá-las.

Alguém teria de cuidar dessa parte, deixando para o Ibama apenas questões relativas ao meio ambiente.

Qual é a visão do Ibama sobre projetos de grande porte, como Belo Monte e rio Madeira?

O Ibama não pode ser contra ou a favor desses empreendimentos. Nosso papel é justamente ser uma espécie de árbitro

e dizer se ele é viável ou não. O que achamos é que os projetos devem ter mais qualidade, independente do seu porte.

Se o complexo hidrelétrico do Xingu for implan-tado, não só todo um conjunto de ecossistemas seráirremediavelmente degradado, mas a vida de to-das as populações indígenas que deles dependemserá, para sempre, alterada. As perdas ambientais,culturais e sociais para o país serão irreparáveis, eisso afronta os princípios básicos estipulados emnossa ordem constitucional. Isso vem sendo admi-tido até mesmo pelos proponentes do projeto, queafirmam no Estudo de Viabilidade que “emboraos estudos de inventário hidrelétrico do rio Xingurealizados no final da década de 70 tivessem identi-ficado cinco aproveitamentos hidrelétricos a mon-tante de Belo Monte, optou-se por não considerá-los nas avaliações aqui desenvolvidas, em virtude danecessidade de reavaliação deste inventário sob umanova ótica econômica e sócio-ambiental”12. Por essarazão eles hoje pregam que o estudo de inventáriodeve ser esquecido, o que, por todo o exposto, éevidentemente apenas da boca para fora, pois osdados vêm desmentir esse aparente desinteressepelos demais aproveitamentos hidrelétricos.

ConclusãoA sociedade brasileira tem o direito de ser ade-quadamente informada sobre os planos oficiaispara utilização do rio Xingu e quais suas conseqü-ências socioambientais. Esse direito, no entanto,vem sendo reiteradamente afrontado pelos órgãos

de governo que deveriam implementá-lo, na me-dida em que insistem em apresentar Belo Montecomo uma “obra prima” da engenharia que, sozi-nha, responderia por parte significativa da deman-da nacional por eletricidade.

Há no entanto várias evidências técnicas, políticase jurídicas que questionam essa afirmação e colo-cam em cheque a viabilidade do empreendimen-to, demonstrando que ele necessitaria da constru-ção das demais barragens previstas no Estudo deInventário Hidrelétrico do rio Xingu para ser eco-nômica e energeticamente viável. Essas evidênci-as, no entanto, não vêm sendo expostas ao grandepúblico, e nem vem levadas em consideração pe-las autoridades competentes, que relutam em acei-tar perante a sociedade uma realidade que, embo-ra os discursos tentem escamotear, os dados insis-tem em reafirmar: Belo Monte nunca deixou deser Kararaô.

As consequências da construção de um complexode barragens no rio Xingu, assim como em outrosrios brasileiros, devem ser cuidadosa e aprofunda-damente debatidas pela sociedade e pelo Gover-no Federal, sob pena de estarmos, de uma formamais sutil, reeditando as famigeradas práticas dogoverno militar de impor à sociedade obras e pro-jetos sem antes consulta-la quanto à sua conveni-ência. E isso imaginava-se que era uma página vi-rada em nossa história Republicana.

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Notas

1 A Lei Federal nº 9074/95 define oaproveitamento ótimo como “todopotencial definido em sua concepçãoglobal pelo melhor eixo do barramen-to, arranjo físico geral, níveis d’águaoperativos, reservatório e potência, in-tegrante da alternativa escolhida paradivisão de quedas de uma baciahidrográfica” (art.5º, £3º).

2 A potência superior a 30.000 Kw é oque diferencia a Usina Hidrelétrica –UHE das mini usinas e das PequenasCentrais Elétricas – PCE, que não se-guem as mesmas regras e os mesmosprocedimentos daquelas para sua im-plantação.

3 A AIA é um dos instrumentos da Polí-tica Nacional de Meio Ambiente (art.9º,

Lei Federal nº 6938/81) que tem comoescopo permitir ao Poder Público e àsociedade realizar uma análise dos pos-síveis impactos ambientais advindos daimplantação de um determinado empre-endimento, de forma que possa pesar osbenefícios e prejuízos que ele causará,para então avaliar a legalidade e a opor-tunidade de sua implantação.

4 Esse artigo foi terminado em marçode 2005, quando o Presidente da Re-pública era Luiz Inácio Lula da Silva, aMinistra de Meio Ambiente era MarinaSilva e a Ministra de Minas e Energiaera Dilma Rousseff.

5 cf. Estudos de Viabilidade do ComplexoHidrelétrico de Belo Monte – Relatório Fi-nal. Fevereiro de 2002.

6 Idem, pp.41.7 Plano de Viabilização para a Implanta-ção do Empreendimento Belo Monte – Rela-tório Final”. CNPE, dezembro/2002,pp.25.8 OLIVEIRA e HORVAT, 1999, pg.96.9 Sobre a situação jurídica do proces-so de licenciamento ambiental do CHEBelo Monte, ver Capítulo 310 cf. Ministério do Meio Ambiente.Biodiversidade brasileira: avaliação e iden-tificação de áreas e ações prioritárias paraconservação, utilização sustentável e repar-tição de benefícios da biodiversidade brasi-leira. Brasília, MMA/SBF, 2002.11 Março de 2005.12 pg.136.

74

Capítulo 3Xingu, barragem e nações indígenasFelício Pontes Jr e Jane Felipe Beltrão

A Ação Civil PúblicaA sociedade civil da região da Transamazônica edo Xingu no Pará representou ao Ministério Pú-blico Federal exigindo a fiscalização do empreen-dimento denominado Usina Hidrelétrica de BeloMonte (UHE), especialmente quanto aos seus as-pectos sócio-ambientais. Em 1999, informaçõesjornalísticas2 davam conta de que a Eletronorteplanejava, de novo, retomar o projeto de barra-mento do Rio Xingu.

A representação foi acolhida pelo Ministério Pú-blico Federal, que logrou “descobrir”3 tratar-se deum mega-projeto. Tem por escopo a geração de11.000 MW de energia e o alagamento de uma áreade 400 km2. É, segundo técnicos do setor, o maiorprojeto de hidrelétrica genuinamente nacional. Ocusto total está estimado em R$ 13 bilhões, deven-do entrar em operação plena somente entre osanos de 2012 a 2014. O projeto em face dos bene-fícios anunciados, ou melhor, alardeados pelaempreendedora poderia ter o respaldo da socie-dade civil, caso as conseqüências sócio-ambientaisnão se avizinhassem drásticas.

Segundo os prognósticos, a barragem produzirá:a inundação de parte da cidade de Altamira; odesaparecimento das praias da região; além deprovocar a acentuada diminuição do volumed’água à jusante da barragem, onde se localiza a

Terra Indígena Paquiçamba. O cenário que se vis-lumbra provoca espanto nos Arara “... ficamos tristede pensar que a Volta Grande do rio Xingu estáameaçada por pessoas que não sabem o quanto anatureza é importante para nós ...” acompanhadopela impertinente pergunta dos Kayapó, porque“... pagar com nossas terras e nossa vida o preçodo desenvolvimento da região?”4

Antevendo os inúmeros transtornos que o empre-endimento pode causar às sociedades localizadasna área de influência do Xingu, caso a obra se con-firme, o Ministério Público Federal protocolou umaAção Civil Pública em benefício de: A’Ukre, Arara,Araweté, Assurini, Gorotire, Juruna (Yudjá),Kararaô, Kayapó-Kuben Kran Ken, Kayapó-Mekrangnoti, Kikretum, Kokraimoro, Moikarakô,Panará, Parakanã, Pituiaro, Pu’ro, Xikrín, Xipaia-Kuruaia, posto que a Eletronorte “escolheu” alo-jar-se em área de influência indígena, ou seja, emterritório que historicamente tem dono e senhor.Entende-se por área de influência indígena ou ter-ritório indígena a base espacial onde uma deter-minada sociedade indígena se expressa cultural esocialmente, retirando deste território tudo que énecessário para a sobrevivência do grupo. Área deinfluência indígena ou território indígena não deveser confundido com terra indígena, ou seja, com oprocesso político-jurídico conduzido pelo Estadopara regulamentar as demandas de demarcação

Nós, índios Juruna, da ComunidadePaquiçamba, nos sentimos preocupados com aconstrução da Hidrelétrica de Belo Monte.Porque vamos ficar sem recursos de transporte,pois aonde vivemos vamos ser prejudicadosporque a água do rio vai diminuir como a caça,vai aumentar a praga de carapanã com abaixado rio, aumentando o número de malária,

também a floresta vai sentir muito com oproblema da seca e a mudança dos cursos dosrios e igarapés ... Nossos parentes Kaiapó,Xypaia, Tembé, Maitapu, Arapium, Tupinambá,Cara-Preta, Xicrin, Assurini, Munduruku, Suruí,Guarani, Amanayé, Atikum, Kuruaya ... vãoapoiar a Comunidade ...1

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dos territórios tradicionalmente pertencentes àuma sociedade indígena. No caso estudado, a áreade influência indígena ou o território indígenacorresponde ao rio Xingu e seu entorno, indicadaem documentos históricos coloniais e recentescomo local de abrigo de sociedades indígenas(aldeadas ou não) de diversas etnias, falantes dediferentes línguas, adaptadas a áreas ribeirinhas oude floresta, ou ainda aos pequenos fluxos dos inú-meros igarapés.5 As terras pertencem à União, mascom usufruto das sociedades indígenas. Para umavisão de conjunto do contexto do Xingu, consul-tar Quadro 1 abaixo.

Além das sociedades indígenas referidas, existemindivíduos Arara, Juruna, Kayapó, Kuruaia, Xipaiaque integram grupos estabelecidos na Volta Gran-de do Xingu, segundo levantamento realizado peloConselho Indigenista Missionário – Regional Nor-te II (CIMI) juntamente com o Movimento de Fa-mílias Índígenas Moradoras da Cidade de Altamira(MFIMCA), em dezembro de 2003. Há 82 famílias,que são constituídas por três e até 11 indivíduos,

vivendo nas mais diversas condições. Somam 404pessoas, números não definitivos, pois a região éde difícil acesso.8 Os grupos foram deslocados deseus territórios tradicionais por conta de disputasinterétnicas e invasões, terminando embrenhados,“perdidos e esquecidos” pelos recantos de uma dasregiões mais inacessíveis do Xingu, em que o riosofre um desnível de mais de 50 km, emparedadopelas serras e farto em cachoeiras e corredeiras.Trecho não navegável que, há séculos, desafia ohomem. Era o tempo em que, como contaNimuendajú:

“existiam no Xingu, de Altamira para cima, alguns milharesde habitantes e donos de seringais, ‘coronéis’ poderosos dosquais alguns dispunham de centenas de ‘cabras’ armados eque, na consciência do seu poder e certeza de sua imunida-de – porque, naquele tempo, havia dinheiro, ou julgava-seque houvesse, apesar de já haver começado a crise da borra-cha –, cometiam violências e mortes comparados às quais osataques Kayapó são brincadeiras.”9

Assim como há índios moradores da Volta Gran-de, cerca de 1.300 indígenas moram em Altamira,no “beiradão”, tanto que Arara, Kayapó, Kuruaia,

Quadro 1 Terras e Povos Indígenas no Xingu6

Povo

Parakanã

Arara

Araweté

KayapóKubenKran Ken

KayapóMekrangnoti

Arara

Xipaia-Kuruaia

Terra Indígena

Apyterewa

Arara

Araweté/Ig.Ipixuna

Badjonkore

Baú

CachoeiraSeca do Iriri

Curuá

População(n°, fonte, data)7

271 FunaiAltamira: 2002286 DSEIAltamira:2002

161 Funai/DSEIAltamira: 2002

285 FunaiAltamira: 2002278 DSEIAltamira 2002

82 GT/Funai: 98

128 NairTanaka: 94

64 Funai/DSEIAltamira: 2002

120 FunaiAltamira: 2002115 DSEIAltamira: 2002

Situação Jurídica

Delimitada.Port. Min. 267 de 28/05/92 declara deposse permanente (DOU, 29/05/92). Port. Funai710 de 30/08/96 cria GT p/estudos e levantamen-tos complementares na TI (DOU, 03/09/96).

Homologada. Reg. CRI e SPU. Dec. 399 de 24/12/91 homologa demarcação (DOU, 26/12/91).Reg. CRI Altamira (206.862 ha) Matr. 21.084,Liv. 2 ACC, fl. 255 em 15/07/92. Reg. CRI UruaráMatr. 103, Liv. 2-A fl. 103 em 06/02/96. Reg.SPU Cert. 04 de 22/06/94.

Homologada. Reg. CRI e SPU.Dec. do pres. F. H.Cardoso do Dia 05/01/96 homologa a demarca-ção administrativa (DOU, 08/01/96). Reg. CRIde S. Félix do Xingu, Comarca de S. Félix doXingu (175.126 ha) Matr. 1485, Liv. 2-H, fl. 76em 09/02/96. Reg. CRI de Senador José PorfírioMatr. 522, Liv. 2-C, fl. 29 em 09/02/99. Reg. CRIAltamira Matr. 22.357, Liv. 2-AAQ, fl. 220 em04/03/96. Reg. SPU Cert. s/n. em 20/05/97.

Identificada/Aprovada/Funai.Sujeita a Contesta-ção. Port. Funai 125, cria GT p/ estudos e identi-ficação da TI. Despacho do pres. da Funai apro-va estudos de identificação (DOU, 14/04/99).

Delimitada.Port. do ministro da Justiça 826 de11/12/98 declara de posse permanente dos índi-os (DOU, 14/12/98)

Delimitada.Port. Min. 26 de 22/01/93 declara deposse permanente indígena (DOU, 25/01/93). Port.Funai 428 de 27/04/94 designa antropólogo p/es-tudos antropológicos conclusivos (DOU, 06/05/94)

Delimitada.Port. minist. 550 de 16/11/92 decla-ra de posse permanente (DOU, 17/11/92).

Extensão(ha)

980.000

274.010

940.900

222.000

1.850.000

760.000

19.450

Município

AltamiraS. Félix doXingu

AltamiraMedicilândiaUruará

AltamiraS. Félix doXinguSe. JoséPorfírio

S. Félix doXinguCumaru doNorte

Altamira

RurópolisAltamiraUruará

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Quadro 1 Terras e Povos Indígenas no Xingu8

PovoTerra IndígenaPopulação

(n°, fonte, data)9 Situação JurídicaExtensão

(ha) Município

Kararaô

Kayapó

Koatinemo

Menkragnoti

Panará

Paquiçamba

Pu’ro – Baixo/Rio Curuá

Rio Merure

Rio Tapirapé/Tue-re

Trincheira/Bacajá

Xipaia

Kararaô

Kuben KranKenKikretumGorotireKokraimoroMoikarakôA’Ukre

Asurini doXingu

KayapóMekrangnotiKayapó(isolados)

Panará

Juruna

KayapóPu’ro(isolados)

KayapóPituiaro(isolados)

Isolados doRio Tapirapé

Asurini doXinguArawetéParakanãKararaôXikrin doBacajá

Xipaia-Kuruaia

33 FunaiAltamira: 200232 DSEIAltamira: 2002

2866 Funasa: 98

108 Funai/DSEIAltamira: 2002

657 NairTanaka: 94

202 ISA: 00

69 FunaiAltamira: 200279 DSEIAltamira: 2002

Sem informação

Sem informação

Sem informação

468 FunaiAltamira: 2002450 DSEIAltamira: 2002

87 FunaiAltamira: 200263 DISEAltamira:2002

Homologada. Dec. s/n. de 14/04/98 homologa ademarcação (DOU, 15/04/98). Resolução daCom. de Sindicância da Funai lista os ocupantesde boa fé da TI p/efeito de indenização debenfeitorias (DOU, 17/11/99). Port. 1160 criaCT p/realizar pagto das benfeitorias (DOU,23/12/99).

Homologada. Reg. CRI e SPU.Dec. 316 de 29/10/91 homologa ademarcação (DOU, 30/10/91).Reg. CRI Matr. 18.807, Liv. 2-AAD, fl. 129 em21/12/87. Reg. SPU Cert. 3 em 27/10/87

Homologada. Reg. CRI.Dec. s/n de 05/01/96 ho-mologa a demarcação (DOU, 08/01/96). Reg. CRIem Altamira Matr. 22.341, Liv. 2-AAQ, fl. 197 em05/02./96

Homologada. Reg. CRI e SPU.Dec. s/n de 19/08/93 homologa a demarcação (DOU, 20/08/83).Reg. CRI de S. Félix do Xingu (1.432.481 ha)Matr. 1209, Liv. 2-F, fl. 195 em 26/06/95; deAltamira (3.336.390 ha) Matr. 22.341, Liv. 2-AAQ, fl. 197 em 09/02/96; de Peixoto Azevedo(128.305 ha) Liv. 2-RG, fl. 01V em 27/09/93:de Matupá, Comarca de Peixoto Azevedo (17.078ha) Matr. 1742, Liv. 2-RG, fl. 01 em 12/12/93.Reg. SPU MT 26 em 03/05/94. Reg. SPU-PA 05em 05/07/94.

Delimitada.Em demarcação Port. do Ministroda Justiça n. 667 de 01/11/96 declara de possepermanente indígena (DOU, 04/11/96) Funaifaz contrato para demarcação física com TrêsIrmãos Engenharia e Planejamento ImobiliárioLtda. Valor R$ 148.925,70, vigência um ano apartir de 06/03/98 (DOU, 16/03/98) Foirepublicado o mesmo contrato em 13/04/98

Homologada. RG. CRI e SPU.Dec. 388 de 24/12/91 homologa a demarcação (DOU, 26/12/91), Reg. CRI Matr. 103, Liv. 2 A, fl. 108 em12/11/90. Reg. SPU Cert. 10 em 05/08/94.

A identificar

A identificar.(Verswijver, L. P: 86)

A identificar

Homologada. Reg. CRL.Dec. s/n de 03/10/96homologa a demarcação (DOU, 04/10/96). Reg.CRI em Senador J. Porfírio Matr. 535, Liv. 2 –C, fl. 42 Reg. CRI em Altamira 22.552, Liv. 2-AAQ, fl. 167 em 02/04/76. Reg. CRI em Pacajá1075, Liv. 2-I, fl. 142 em 04/05/98. Reg. CRIS. Félix do Xingu, área II Matr. 1.742, Liv. 2, fl.141 em 04/05/98. Reg. CRI S. Félix do Xinguárea II, Matr. 1‘743. Liv 2-I, fl. 142 em 04/05/98. Resolução 85 de 11/02/00 considera de boafé o ocupante não-índio José F. da Conceição(DOU, 14/02/00).

Em Identificação:Port. 974 de 15/10/99 criaGT para estudos de identificação da TI (DOU,18/10/99)

330.837

3.284.005

387.304

4.914.255

495.000

4.348

Sem informação

Sem informação

Sem informação

1.650.939

Sem informação

Altamira

S. Félix doXingu

Altamira

AltamiraS.Félix do Xingu

Guarantã doNorteAltamira

Se. JoséPorfírio

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Se. JoséPorfirio

Se. JoséPorfírioS. Félix doXinguPacajá

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Juruna e Xipaya entre outros, constituíram associ-ação e tentam, a duras penas, descobrir seus “pa-rentes”.10 A presença de índios em Altamira é so-bejamente conhecida pela Fundação Nacional doÍndio (FUNAI), mas esquecida, ou melhor, não re-conhecida para fins de exercício de suas obriga-ções tutelares.

Os indígenas moradores da Volta Grande junta-mente com o sem número de Curuaia, Xipaya eKayapó que vivem em Altamira são, do ponto devista dos impactos do empreendimento Belo Mon-te, os mais vulneráveis e que, portanto, demandammaior proteção. Especialmente porque morar lon-ge de seus territórios tradicionais não foi uma “op-ção”. Foi fruto de raptos, guerras interétnicas oudeslocamento compulsório produzido pelas fren-tes de expansão. Deixá-los entregues à própria sor-te fere direitos humanos fundamentais.

Notícias sobre os conflitos foram registradas porNimuendajú, na década de 40, em uma das mui-tas viagens que fez ao Xingu. Diz o etnólogo:“[n]a ilha do Bom Jardim encontrei uma personagem inte-ressante: Judith. Em 1936 atacaram os Górotire, na sua mi-gração para o norte, uma casa um pouco abaixo dePiranhaquara, matando a mãe de Judith e dois outros paren-tes e caregando-a como prisioneira. Ela estava entre osGórotire quando estes derrotaram os Açurini. Depois dequatro meses, estando os índios já outra vez a caminho doSul, Judith conseguiu fugir.

Havia então entre os Górotire um moço Yuruna [Juruna],prisioneiro de guerra como ela, de nome Utira, com o qualela fez amisade [sic]. Ele tinha então uns 20 anos, ela uns 16anos. Fugiram juntos e alcançaram a margem do Xingu naboca do Igarapé de Bom Jardim onde seringueiros os acolhe-ram. Judith estava longe de se conservar fiel ao seu salvadorque, enfim, sempre era um ‘bicho’ [índio]. Ao índio simpá-tico e moço ela preferiu um mulato velhusco, seringueiroem Bom Jardim com quem se amasiou. Utira foi levado paraAltamira onde o maquinista da usina elétrica tomou contadele, iniciando-o no ofício. A última vez que o vi foi quandopassou por mim nas ruas de Altamira, montado numa bici-cleta e metido num fato branco.”11

Contadas assim, histórias de raptos, alianças e de-sencontros não parecem trágicas. Mas quantos nãoforam os índios e não índios vítimas das desaven-ças, cujos descendentes continuam embrenhadosnos recantos do Xingu?

Voltando ao Xingu de hoje, é assustador ver que asituação das sociedades indígenas mesmo quandopossuem seus direitos assegurados e terras regis-tradas é frágil. Especialmente, porque o projetoda Eletronorte prevê a construção, além da casade força principal, de dois canais de adução (lestee oeste) para barrar o Rio Xingu, aproveitando aqueda d’água de 90 m do local para construir a

barragem. Isso quer dizer que dois rios serão usa-dos para ligar o local de represamento ao de gera-ção de energia. Mas, para desempenhar essa fun-ção, tais rios terão que ser alargados e estendidospara receber concreto numa faixa de 13 km, apro-ximadamente. Portanto, serão dois canais de 13km cada um, com 10 m de profundidade e 50 mde largura. O local escolhido para o empreendi-mento é a Volta Grande do Xingu, parte final dorio que atinge diretamente os municípios de Alta-mira, Anapu, Senador José Porfírio no estado doPará.12 Indiretamente, atinge os municípios deCumaru do Norte, Guarantã do Norte, Pacajá,Rurópolis e São Felix do Xingu, onde há territóri-os indígenas, conforme referido acima. Os movi-mentos sociais receiam, também a repercussão daobra, caso esta se concretize, sobre os municípioslocalizados na foz do Xingu.

Instada a se manifestar pelo Ministério Público, aEletronorte declarou, em fevereiro de 2000, queo projeto ainda não estava definido. Entretanto,em março de 2001, novamente provocada por for-ça da Ação Civil Pública já proposta, a Eletronorteinformou que o Estudo de Impacto Ambiental e oRelatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) es-tavam sendo providenciados através da Fundaçãode Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa(FADESP), e que o processo de licenciamentoambiental tramitava perante a Secretária Executi-va de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente(SECTAM) do estado do Pará, e não junto ao Ins-tituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur-sos Naturais Renováveis (IBAMA), como quer alegislação vigente, dadas as características da obra,analisadas na seqüência.

Segundo a demanda do Ministério Público Federalà Justiça, a Eletronorte contratou a Fundação deAmparo e Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP),sem licitação, para a elaboração do EIA/RIMA aopreço de R$ 3.835.532,00 (três milhões oitocentose trinta e cinco mil e quinhentos e trinta e dois re-ais).13 Além do que ficou constatado que o Termode Referência do empreendimento, o qual deter-mina o conteúdo do EIA/RIMA, não contou com aparticipação do Instituto do Patrimônio Históricoe Artístico Nacional (IPHAN), malgrado a área deincidência direta da obra abrigar sítios arqueológi-cos patrimônio cultural tangível e patrimônio cul-tural intangível constituído por costumes e tradi-ções dos povos indígenas e não indígenas na áreaonde o empreendimento deverá se estabelecer.14 OTermo de Referência, submetido e aprovado pelaSECTAM, órgão estadual incompetente para tal fim,determinou a realização de quatro campanhas15 de

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campo para a elaboração do EIA-RIMA. Verifican-do as datas do cronograma de execução, notou-seque o término de uma das campanhas estava pre-visto para novembro de 2001, sendo que afinalização do EIA-RIMA está prevista para marçode 2001. Impossível, portanto, de se completar areferida campanha, ou então o estudo e o pertinenterelatório não se pautaram por critérios científicos?

A competência, “não competente” referen-te ao licenciamento ambientalO Projeto UHE de Belo Monte é obra que, pelasdimensões, causará significativa degradação domeio ambiente. Portanto, para que seja legítima aexecução do projeto torna-se necessário o Estudode Impacto Ambiental, bem como o pertinenteRelatório (EIA/RIMA), como determinado pelaConstituição Federal, a saber:“[t]odos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equi-librado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qua-lidade de vida, devendo o poder público e a coletividadedefendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Para assegurar a efetividade desse direito incumbe ao PoderPúblico: disposto no item IV “exigir, na forma da lei, parainstalação de obra ou atividade potencialmente causadorade significativa degradação do meio ambiente, estudo deimpacto ambiental, a que se dará publicidade.”16

Portanto, a competência para o licenciamentoambiental é exercida por todos os entes da federa-ção, através dos órgãos integrantes do SistemaNacional de Meio Ambiente (SISNAMA), previstono artigo 6º da Lei 6.938/81, que diz:“[o]s órgãos e entidades da União, dos Estados, do DistritoFederal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as Fun-dações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela pro-teção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sis-tema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) ...”

Na tentativa de efetivar a utilização do sistemade licenciamento ambiental, o Conselho Nacio-nal de Meio Ambiente (CONAMA) editou a Re-solução 237/97, que estabelece critérios para arepartição das competências que assegura noartigo 4º que,“[c]ompete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis (IBAMA) órgão executor doSISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o art.10 da Lei n.º 6.938/81, de empreendimentos e atividadescom significativo impacto ambiental de âmbito nacional ouregional a saber: I. localizadas ou desenvolvidas conjuntamen-te no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plata-forma continental; na zona econômica exclusiva; em terrasindígenas ou em unidades de conservação do domínio daUnião; II. localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais esta-dos; III. cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os li-mites territoriais do país ou de um ou mais Estados; ...”

Essa disposição normativa vem sendo alvo de críti-cas por não ser exaustiva. Com efeito, não são ape-nas os casos nela elencados que devem ser licenci-ados pelo IBAMA. Outras hipóteses, inclusive pordeterminação constitucional, prevêem a compe-tência licenciatória federal, como quer Benjamim:“[n]esse ponto, a Res. CONAMA 237/97 é, no mínimo, in-completa, pois, na repartição das competências licenciatóriasambientais que fez, diz muito menos do que exige a Consti-tuição Federal. Além das hipóteses de licenciamento federalexpressamente listadas no ato regulamentar do CONAMA,cabe ao IBAMA, evidentemente, licenciar projetos em que aUnião seja especialmente interessada, o que ocorre quando:a) assim determina o ordenamento, expressando umavaloração direta de interesse federal; b) é de seu domínio obem imediato potencialmente afetado, ou ainda; c) por es-tar a União obrigada a fiscalizar o bem ambiental potencial-mente afetável...”17

No mesmo sentido se posiciona Florillo,“[v]ale frisar que essa competência material deverá serverificada ainda que o ente federado não tenha exercido asua atribuição legislativa. Ademais, deverá ser verificado seo bem a ser tutelado é de gerência da União (art. 20 III) oudo Estado (art. 26, I), para que se possa determinar qual oente responsável pela aplicação das sanções aplicáveis aocaso.”18

A definição sobre os bens da União é realizada pelaConstituição da República que no artigo 20 dis-põe como bens da União:“III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terre-nos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado,sirvam de limites com outros países, ou se estendam a terri-tório estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenosmarginais e as praias fluviais; ...” (Destaque nosso)

O sagrado Xingu dos povos indígenas nasce naregião leste do estado de Mato Grosso, mais preci-samente a oeste da imponente Serra do Roncadore ao norte da Serra Azul, onde se encontram osrios Kuluene e Sete de Setembro, seus formado-res. Após percorrer aproximadamente 2.100 km,fertilizando várias terras indígenas e não indíge-nas, deságua no Rio Amazonas, através de uma fozde 5 km de largura ao sul da Ilha de Gurupá, noestado do Pará.19

Diante dessas constatações e tendo como lastro alegislação vigente, é impossível não admitir que obem afetado pela construção da UHE de Belo Mon-te é da União. Portanto, o licenciamento ambien-tal somente poderá ser realizado pelo IBAMA, ja-mais pela SECTAM, como quer a Eletronorte. Hános autos do Processo 2001.39.00.005867-6 JustiçaFederal,20 tomado como fonte, ofício do titular daSECTAM (fls. 139-140) a informar que o Termode Referência do empreendimento em estudoobteve aprovação do órgão que dirige e do IBAMA.Fato é desmentido pelo Presidente do IBAMA no

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supra mencionado processo. Com efeito, o IBAMApode efetivar a sua competência licenciatória deforma originária ou supletiva. A primeira ocorrequando a licença afeta bem ou interesse da União.A supletiva se dá quando o Estado não está muni-do de órgão ambiental próprio – o que não é ocaso – ou ainda quando há receio de que o cami-nho seja ou possa ser materialmente ou formal-mente viciado. No caso sob julgamento, trata-sede competência originária do IBAMA, tendo emvista ser o Rio Xingu bem da União, haver poten-cial de energia hidráulica, além de outros aspec-tos que serão referidos adiante.

O termo de referência, “sem referências”A empreendedora não cometeu equívocos, ape-nas em relação à competência para licenciar aobra. O Termo de Referência ou Termo de Ori-entação e Referência é o instrumento orientadorpara a elaboração de qualquer tipo de estudoambiental (EIA/RIMA, PCA, RCA, Plano de Mo-nitoramento, entre outros).21 O documento deveanteceder à modificação do meio ambiente aoestabelecer o conteúdo que deve ter um estudoambiental de conformidade com a grandeza doempreendimento.22 Ele deve ser elaborado peloórgão ambiental encarregado do licenciamentoda obra, embora possa ser elaborado pelo pró-prio empreendedor e submetido à aprovação doórgão ambiental.

Voltando a Belo Monte, a Eletronorte, sem qual-quer preocupação ambiental, elaborou por contaprópria o Termo de Referência do empreendimen-to e o encaminhou para aprovação ao órgão ambi-ental não competente, a SECTAM. Esse fato se re-vestiu de gravidade extraordinária, posto que foio infausto Termo de Referência que possibilitou acelebração de Convênio entre a Eletronorte e aFADESP que prevê gastos na ordem de R$ 3,8 mi-lhões de reais em um EIA/RIMA, cujo conteúdofoi determinado por órgão incompetente. Valedizer, houve gasto de dinheiro público em um es-tudo ambiental que não servirá para licenciamen-to algum. Considerando a má aplicação dos recur-sos públicos, os integrantes do 1º Encontro dos Po-vos Indígenas da Volta Grande do Xingu, realizadoem 1º.06.2001, na Aldeia Paquiçamba exigem:“... que o dinheiro público que será investido na construçãodessa barragem seja revertido: na educação, na saúde, emfinanciamentos na agricultura familiar, na demarcação dasterras indígenas, na regularização fundiária dos lotes, namelhoria das comunidades locais, no apoioà organização decomunidades tradicionais, em projetos sustentáveis de usodos rios e das florestas de acordo com nossos interesses enecessidades.”

O Termo de Referência, nem foi requerido peloórgão ambiental competente como ordena a Lei,nem tampouco foi elaborado em estreita articula-ção com este. Resta patente que já nasceu viciado,vez que desrespeitou as orientações do Ministériode Meio Ambiente e os dispositivos da legislaçãovigente. Além das vicissitudes formais identificadasna fase preliminar à elaboração do Termo de Re-ferência, este, em seu bojo, apresenta algumasanomalias. Para um empreendimento do porte daUHE Belo Monte é imprescindível que, na sua ela-boração, o Termo de Referência conte com a par-ticipação de outros agentes sociais, como comuni-dade científica, órgãos públicos, grupos sociais atin-gidos pela obra, dentre outros. É nesse sentido aorientação do Ministério do Meio Ambiente, dosRecursos Hídricos e da Amazônia Legal:“[c]omo detentor das informações sobre o plano, projetoou programa a ser licenciado, deve elaborar o Termo de Re-ferência com os demais agentes sociais (...). Essa participa-ção propicia uma melhor compreensão das exigências ambi-entais e pode levar a eventuais reformulações ou adequaçãono projeto proposto, antes de submetê-lo formalmente aoórgão de meio ambiente. Isto contribui para a redução decustos e maior agilidade no processo de licenciamentoambiental do empreendimento.”23

A empreendedora parece se achar auto-suficien-te, ao mesmo tempo em que se esquiva dos pro-blemas sócio-ambientais, culturais e econômicosque a sua atividade trará à região. Despreza os de-mais integrantes do cenário social quando das dis-cussões preliminares referentes à construção deum empreendimento que, inevitavelmente, acar-retará mudanças significativas em âmbito local enacional. Questionada judicialmente, a Eletronor-te anexou ao processo Documentos que comprovam aparticipação da sociedade de Altamira-PA na Elabora-ção do EIA/RIMA de UHE de Belo Monte.24

Os documentos anexados tomam como partici-pação a assistência bancária25s a palestras sobre a“Implantação do Projeto da Hidrelétrica de BeloMonte” realizadas em associações clubes e esco-las em alguns municípios paraenses. A Eletronor-te fez fotocópias e apresentou as listas de freqüên-cia aos eventos, em número de sete, que não pa-recem obedecer a uma programação e tambémnão parecem atrair um público demasiadamentegrande, num total de 784 pessoas, o que dariauma média de 112 participantes por evento. Háeventos extremamente reduzidos com 12 partici-pantes dos quais cinco da Eletronorte e outroscom mais de duzentos participantes (Quadro 2).Qual a dimensão da participação em uma regiãohabitada milhares de pessoas? Como contemplarinteresses sem discussão?

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No quadro, o evento em negrito parece não dizerrespeito a UHE de Belo Monte, deve ter havidodescuido da empreendedora. É necessário obser-var que não há um evento na sede do municípiode Altamira. Há, no documento apresentado, umarelação de eventos, ocorridos em Brasília, aos quaisalguns representantes da Sociedade Civil Organi-zada, autoridades institucionais e políticos entreoutros parecem ter sido convidados pela Eletro-norte a se fazerem presentes, estão listados 128nomes entre entidades, autoridades civis e eclesi-ásticas, lideranças sindicais entre outras, inclusiveo Bispo do Xingu Dom Erwin Krautler, que enca-beça o documento, talvez (?) porque a Eletronor-te acredite que insatisfeitos, os habitantes do Xin-gu, possam queixar-se ao Bispo, como diz o adá-gio popular e, nada resolver!

Engana-se a Eletronorte quando toma assistênciaa eventos ou pagamento de deslocamento de lide-ranças locais como “participação”. Participação, noXingu, se expressa a partir da luta como: direito àinformação, discussão das informações oferecidas,agregação de informações obtidas pelos morado-res da região, conhecimento detalhado de proje-tos que digam respeito ao destino dos xinguenses,26

e sobretudo tomada de decisão após discussõesdetalhadas. Os movimentos sociais que ao longodo Xingu se multiplicam, possuem tradição políti-ca. Há anos o Movimento pelo Desenvolvimento da

Transamazônica e do Xingu, as Associações de PovosIndígenas do Xingu aldeados ou moradores da ci-dade e tantas outras entidades vem discutindo sis-tematicamente seus destinos. A Eletronorte fezquestão de desconhecer o fato, talvez (?) por,preconceituosamente, acreditar que Altamira é“terra de índio”, “de arigozada” “de nordestinos”,“de gauchada”, dada a afluência de migrantes des-de os idos do século XVIII, quando os sertões eramou pareciam inacessíveis, só que seus habitantespensam e procuram agir para superar desentendi-mentos e os massacres do tipo Vitória.27

No que tange à participação do IPHAN é necessá-rio considerar que o órgão deve analisar, juntamen-te com os interessados, os impactos advindos daconstrução da UHE de Belo Monte sobre sítiosarqueológicos, formações rochosas trabalhadascom pinturas rupestres, patrimônio cultural e his-tórico da região não registrado nem tombado. OXingu por ter sido um dos últimos afluentes doAmazonas a ser revelado ao colonizador, mantémtesouros escondidos, alguns deles só “preservados”pela retina de seus filhos ao vislumbrar a “terrasem males”, como reza a tradição Tupi. O inventá-rio e a avaliação patrimonial é de suma relevânciapara a formação da sociedade brasileira, paraenseem particular, bem como para a manutenção demarcadores que possam delinear políticas públi-cas e proteger o patrimônio histórico brasileiro.

Quadro 2 Eventos sobre a UHE de Belo Monte

Evento

1. Sem título

2. Situação atual dos estudosde viabilidade técnica,econômica e ambiental daUHE de Belo Monte

3. Sem título

4. Projeto casaFamiliar Rural –palestrante DarcílioVronski

5. Situação atual dos estudosde viabilidade técnica,econômica e ambiental daUHE de Belo Monte

6. Situação atual dos estudosde viabilidade técnica,econômica e ambiental daUHE de Belo Monte

7. Encontro da Eletronorte emPorto de Moz

Local/Município

Sem referências

Escola Municipal Irmã(nome ilegível) – BrasilNovo

Usina Abraham Lincon[sic] Medicilândia

Casa Familiar RuralAgrovila MiguelGustavo Medicilândia

Clube RitmusMedicilãndia

Clube SocrecaUruará

Sem referência Porto deMoz

Fonte: Processo 2001.39.00.005867-6, Justiça Federal.

Data

Sem data

21.06.2001

21.06.2001

20.06.2001

19.06.2001

18.06.2001

26. 05. 2001

Nº departicipantes

110

25

12

17

101

239

280

ParticipantesEletronorte

10

Nãodiscriminado

05

07

06

12

Sem referência

Referênciano processo

Fls. 694-497

Fls. 498

Fls. 499

Fls. 500

Fls. 501-504

Fls. 505- 512

Fls. 513- 520

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Sobre a dimensão do patrimônio, TympektodemArara foi enfático em carta a Fernando HenriqueCardoso, datada de 27.04.2002:

“senhor presidente, nós não queremos a terra com males,queremos rapidamente a terra demarcada para nossa comu-nidade Arara, todo mundo sabe que os índios precisam dasua terra, sem a terra ninguém vive, você tem tudo e não estánem aí pra nós índios, enquanto isso nos temos mal a terra evivemos na maior dificuldade, com medo dos madeireiros einvasores de terra indígena e pescadores... Todos nós índiosqueremos viver felizes na nossa terra ninguém gosta de vio-lência, sempre gostamos de brincar, caçar, trabalhar, andarna nossa terra.”28

No entanto, a Eletronorte ignorou/ignora pedi-dos, requerimentos, manifestações e tentativas dediálogo. Age de forma truculenta. Em passado nãomuito distante, há exemplo da intransigência daEletronorte quando da construção da UHE deTucuruí, conforme relata Santos:

“[p]rovocou o alagamento de cerca de 250.000 ha, atingindoos grupos indígenas Gavião e Parakanã.. Suas linhas de trans-missão atingiram os Guajajaras. Trata-se de um típico empre-endimento implantado durante a ditadura militar e voltadopara atender interesses transnacionais, interessados na pro-dução de eletrometalúrgicos, especialmente o alumínio.”29

Ainda hoje, a União responde pelos desmandosda década de 80, pois os processos continuam naJustiça e os Gavião Parkatêjê30 não arrefeceram nopropósito de ver seus direitos reparados. Some-seao exemplo, o trecho de carta desesperada dosJuruna, residentes na Terra Indígena Paquiçam-ba, enviada ao Ministério Público Federal (emepígrafe) que indica tanto o conhecimento tradi-cional de quem respeita a natureza, como a dispo-sição de não se submeter a imposições que com-prometam o sagrado Xingu.

Pelo exposto, é inegável constatar que a Eletro-norte desconsiderou os aspectos social, cultural eambiental, excluindo de sua atividade preliminarpeças fundamentais para a feitura de um Estudode Impacto Ambiental. Hipoteticamente, supõe-se que, pela pressa em levar a obra a termo,despreparo político ou má fé, a empreendedorarepete os erros ocorridos em outros locais do país.A literatura científica, sobre os problemas relacio-nados aos impactos produzidos pelas hidrelétricas,é vasta, alguns especialistas inclusive já colabora-ram com a empresa em outros momentos.31

Na edição de março de 2001, o periódico AgendaAmazônica traz matéria de capa intitulada Belo Monte– a maior Hidrelétrica a fio d’água do mundo. Nela ojornalista Lúcio Flávio Pinto aponta as contradi-ções do projeto, entre as quais o período de estia-gem, afirmando:

“[o] Rio Xingu está entre os grandes cursos d’água do plane-ta. No seu trecho final a Eletronorte projeta uma grande hi-drelétrica, só menor no Brasil à de Itaipu, com investimentode R$ 13 bilhões. O problema é que essa usina só vai podergerar a plena capacidade em metade do ano. Durante doisou três meses ela ficará parada ou a baixíssima produção.Mesmo sabendo que não será dona da obra a Eletronorteanda às pressas para queimar etapas. Isto é bom ?”

E, adiante, explica:“[p]ara as 20 máquinas alcançarem sua rotação máxima defábrica, precisam de 14 mil metros cúbicos de água (14 mi-lhões de litros) por segundo (700 m3 por cada máquina). Asvazões do Xingu variam entre um máximo de pouco mais de30 mil m3/segundo (menos da metade do recorde de vazãodo Tocantins) e um mínimo de 443 m3/s. Mas o Rio costumater estiagens rigorosas durante 2 a 3 meses. Isso significa quedurante esse período nenhuma das maravilhosas máquinasde Belo Monte poderá funcionar. Em outros três meses, ofuncionamento será de 2 a 4 máquinas. Ao longo de seis meseso Xingu verte menos do que os 14 mil m3 necessários paramanter a capacidade nominal da usina”

Das conseqüências relatadas acima, depreende-seo quanto é importante tratar com seriedade o Es-tudo de Impacto Ambiental, o qual revelará nãosó a viabilidade ambiental, bem como a possibili-dade econômica do empreendimento.32

Os direitos indígenasCom a promulgação da Constituição Federal de1988, os povos indígenas obtiveram o reconheci-mento de seus direitos originários sobre as terrasque tradicionalmente ocupam (art. 231). Em con-seqüência, tornou-se obrigatória a consulta aospovos indígenas em casos de aproveitamento derecursos hídricos ou de exploração mineral emsuas terras. A Carta Magna também reconheceu,aos índios, organização social, costumes, línguas etradições diversas. Em outras palavras, a lei supre-ma delineou as bases políticas em que se devemefetivar as relações entre os diferentes povos indí-genas e o Estado brasileiro.

A Constituição da República projetou, assim, parao campo jurídico, normas referentes ao reconhe-cimento da existência dos povos indígenas e defi-niu as condições para a sua reprodução e conti-nuidade física e social. Ao reconhecer os direitosoriginários dos povos indígenas sobre as terras tra-dicionalmente ocupadas, a Lei Maior incorporoua tese da existência de relações jurídicas entre osíndios e essas terras anteriores à formação do Es-tado brasileiro.

Não se pode pensar que tais inovações foram con-seqüências da magnanimidade dos constituintes emfavor dos índios. Na verdade, enquanto minorias

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étnicas, os povos indígenas estão protegidos pordiferentes convenções internacionais. O Brasil é sig-natário de várias delas, como a Convenção 169 daOrganização Internacional do Trabalho (OIT) ereferente à questão indígena, assinada em Gene-bra, revela o nítido propósito de garantir a diversi-dade étnica.

No nível interno, as lideranças indígenas se orga-nizaram e exerceram legítimas pressões sobre osconstituintes para assegurar seus direitos. A socie-dade civil também participou desse processo detomada de consciência sobre a nossa realidadeinterna. O Brasil é um país pluriétnico, multicul-tural e multissocietário e o Estado brasileiro deveefetivamente estar organizado para administrar osinteresses dos diferentes segmentos que o integram(artigo 216 da Constituição). Os povos indígenas,através de suas especificidades, lingüísticas, soci-ais e étnicas, contribuem à sua maneira para a for-mação desse mosaico étnico em que consiste o país.

Os indígenas conhecem os desmandos e estãoprontos a intervir em favor de suas sociedades, dos“parentes”, como informou Cláudio Mura, dirigen-te da Coordenação das Organizações Indígenas daAmazônia Brasileira (COIAB): “o governo faz pro-jeto de cima para baixo. Fica agradando [alician-do] liderança, fazendo promessas, mas não é isso

que queremos. Nós queremos é nos organizar, usu-fruir nós mesmos da riqueza de nossas terras.”33

Faz-se necessário asseverar que, como diz Geertz,o direito não se realiza somente como um conjun-to sistemático de leis, decretos, portarias, medidasprovisórias, procedimentos formais e princípiosabstratos. Consubstancia, também, o “... saber lo-cal; local não só com respeito ao lugar, à época, àcategoria e variedade de seus temas, mas tambémcom relação a sua nota característica.” (1998: 324)34

Nessa perspectiva, Belo Monte não pode ser redu-zida a uma questão técnica. Não é possível trans-formar diferenças sócio-culturais concretas embanalidade. Afinal, a sensibilidade jurídica dosíndios e dos xingüenses que se apresenta comple-xa dadas às múltiplas falas que implicam em supo-sições e histórias sobre ocorrências reais, passadase futuras, formuladas através de imagens relacio-nadas aos seus princípios culturais, não pode serdesconhecida. Aos indígenas está se imputando apesada carga de “obstruir o desenvolvimento”. Maiso que é o desenvolvimento feito às custas de vidas,de usurpação de terras? Aos índios, como aos de-mais moradores do território do Xingu, não se temgarantido os princípios constitucionais de ampladefesa de direitos, na medida em que a participa-ção é cerceada.

Claudia Andujar

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Os impactos que as Nações Indígenas “nãodesejam experimentar”A saga dos xinguenses, viva na memória dos índi-os e esmaecida – por conveniência – na memóriados brancos, é bastante conhecida na área doXingu, pois seguidamente seus territórios temsido invadidos pelas frentes de expansão que al-cançaram a bacia do Xingu e seus afluentes. Par-ticularmente, trágicas são as áreas entre o Xingue o Tocantins compreendendo o vale do Iriri edo Jamanxim; e entre o Xingu e o Tapajós, palcode inúmeras tocaias e região de intensos confli-tos étnicos.

Dois episódios rela-tados por Nimuen-dajú dão conta daguerra, no tempoem que se acredita-va que “[o] bicho[índio] só amansamesmo a bala.”(1982[1940]: p. 222)

Em carta a Schultz,chefe da equipeetnográfica do Servi-ço de Proteção aosÍndios (SPI), sobre aexpedição armadacontra os índios Pa-rakanã, descreve a postura de Carlos Teles, chefede polícia, à época da construção da Estrada Fer-ro do Tocantins, na década de 40. Diante dointerventor no estado do Pará, Coronel Barata, dizo etnólogo:“[d]e hoje em diante, quando avistarem os índios na estra-da de ferro, ninguém mais deve pesquisar se estes vinhamcom intenções pacíficas ou não, mas abrir fogo contra eles,e não deveriam atirar para o ar nem para o chão mas fazerpontaria certa! Ele, Teles, ficaria como responsável por to-das as conseqüências [sic] ... ou se acaba com os índios ouestes acabam com a civilização!”(1982 [1945]: p. 244. Des-taque nosso.)

As declarações ouvidas por Nimuedajú motivaramsua desistência em acompanhar as operações daFundação Brasil Central responsável pela constru-ção da Estrada de Ferro Tocantins, por antever acarnificina. Em relatório apresentado ao SPI sobreos Gorotire, em abril de 1940, conta Nimuendajú:“[o] resto daquele bando que aparecera no Jaraucu e quepor último acampou defronte a Itapinima, saira numa praiado Xingu, na boca do Tucuruí. Era apenas uma dúzia de ín-dios. Diversas embarcações que passaram encostaram e ostripulantes visitaram o acampamento sem incidentes. Depoisos índios apareceram em frente a Vitória pedindo que ostransportassem à margem direita do Tucuruí, no que foram

atendidos. Uma vez em Vitória, os índios foram levados parauma sala, e, quando estavam dormindo, as saída foramobstruídas por gente armada. O chefe do grupo, perceben-do o que se preparava, saiu, e, ao tentar apoderar-se de umacanoa no pôrto, foi morto a tiros. Os assassinos dizem queêle estava armado de revolver e que atirou primeiro. Em se-guida, fuzilaram também os que estavam na sala, morrendoao todo, entre homens, mulheres e crianças, 9 índios. Só es-capou um casal. – Foi isto o ‘ataque dos Kayapó a Vitória’.”(1982 [1940]: p. 227. Destaque nosso.)

Sem muito esforço, observa-se que intenso seráo impacto sócio-ambiental e cultural, especial-mente considerando o significado do Xingu,para os habitantes da região. A construção da

UHE de Belo Mon-te profanará o rio eameaçará às diver-sas populações in-dígenas residentesao longo do RioXingu, em especialà etnia Juruna, daTerra Indígena Pa-quiçamba.

A experiência viven-ciada, pelo contatocom os “parentes”expulsos de Tucu-ruí,35 faz Manuel Ju-runa antever a catás-trofe e afirmar:

“eu já fui duas vezes em Tucuruí e todas as vezes que chegolá o pessoal ‘tá tudo reclamando. Então tudo que o pessoalfala dessa barragem, além de afetar a água que nem a mata,não vai servir prá gente. Aí a gente não tá querendo nemeu, nem meu pessoal. Ninguém tá querendo não! De jeitonenhum!”36

Mas Manuel não é o único a compreender os im-pactos, caso o projeto seja implantado. A seguirapresentamos depoimentos de indígenas que com-partilham das preocupações do “parente”.

Diz Adoum Arara,“[d]epois da barragem, nós não vamos viver como agora sema barragem. Vai desaparecer o peixe, morrer muita caça, e agente vai passar fome, não vamos ter todas as coisas que temno rio e na mata. Uns vão embora porque o rio vai ficar cheioou vão morrer. Vai estragar a vida de todos os índios, ribeiri-nhos e da natureza que é a nossa vida. Nós não queremos abarragem de Belo Monte.”37

A compreensão da repercussão é aterradora. Dei-xa de existir caça, pesca e coleta. Produz a desa-gregação social pela ameaça de migração dada aoespectro da fome. O conhecimento de Adoum nãose aprende na escola, pauta-se pelo conhecimen-to vivenciado, é a chamada ciência do concreto, como

Manuel Juruna,Monti Aguirre/IRN

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quer Lévi-Strauss.38 O jovem Arara, da EscolaUgorogmo Oudo Tapeda Idekekpo, é acompanhado emseu receio pelos seus colegas que sem serem advo-gados, antropólogos, biólogos ou engenheiros,informam sobre o futuro:“... vai acabar com tudo, além de trazer doenças e muitaspragas e vai tirar a vida de muitas pessoas de índios, de bi-chos, vai acabar com o peixe, caça, aí nós vamos passar fome,vai alagar nossa terra, vai morrer muitas árvores de castanhae de outros que fazem parte da nossa natureza é dela quevivemos e por isso somos felizes.”39

Com a interrupção do curso do rio, Kuit prevê a prolifera-ção de diversas doenças que, se não forem controladas, po-dem levar a um processo de dizimação do grupo. Fala dadevastação da cobertura vegetal, da morte das castanheiras.Urge chamar atenção para a diferença feita pelo escriba: “...vai tirar a vida de muitas pessoas de índios ...” e, em seguida,enumera: “ de bichos, ...peixe, caça ...” Diferença que nósnão precisamos fazer, pois não sofremos preconceito, masque aos índios é fundamental, afinal, como dizem os maisidosos que não dominam o português: “nós não somos quenem jabuti para viver num pedacinho de terra, nós temospés para andar na mata, mão para trabalhar e matá caça.”40

No contraponto com a sociedade nacional, ou com os Karei(brancos), como dizem os Arara, a humanidade precisa serenfatizada, pois são tratados, ainda hoje, como bichos. Àsgentes o tratamento deve ser diferenciado, mas os Karei daEletronorte parecem não entender, pois não ouvem os do-nos da terra. No Dossiê o nome da empreendedora é, algu-mas vezes, trocado para “Eletromorte”, empresa que quer a“destruição do futuro”, como afirma Sílvia Juruna. O bradode Mobu-Odo Arara é contundente, na afirmação de direi-tos, previsão de futuro e disposição para luta,

“[v]ocês pensam que índio não é gente e que não tem valor?Mas nós somos gente e iguais a vocês brancos, temos o mes-mo valor que vocês. Vocês podem governar na cidade devocês, mas no rio, na nossa aldeia não é vocês que gover-nam. Tente respeitar os nossos direitos e o que é nosso. Nãoqueremos barragem! Não queremos Belo Monte!”41

Os depoimentos indicam a existência de um cor-po de categorias culturais, ou códigos normativosinstituídos socialmente que definem direitos edeveres entre os homens, bem como os meiosatravés dos quais os conflitos são dirimidos. Nãohá como deixar de perceber as categorias de res-peito à terra, à natureza, ao rio, mas sobretudosàs gentes.42

Na esteira da arguta compreensão dos povos indí-genas sobre os impactos, vejamos o que dizem osespecialistas.

Os impactos, desde a infausta concepção da UHEKararaô pela Eletronorte há uma década atrás, jávinham sendo delineados no chamado Livro Verde,como se constata a seguir:“(...) a pesquisa efetuada em convênio com a FUNAI,inventariou um total de 1.014 índios localizados na VoltaGrande do Xingu, na A I Bacajá, na Aldeia Trincheira, em

Altamira, no beiradão Xingu/Iriri/Curuá e na AI Curuá.Desse total cerca de 344 indivíduos serão diretamente afeta-dos pela formação do reservatório. (...) A população indíge-na dessa área soma 344 pessoas, agregadas em 42 grupos fa-miliares e em 61 famílias nucleares. Deste total, 193 perten-cem ao grupo Juruna, 79 pertencem ao grupo Xipaya, 06 aoGrupo Curuya, 06 ao Grupo Arara do Xingu e 02 ao grupoKayapó”43.

Essa situação gerou, à época, grande revolta às co-munidades indígenas, as quais relutaram de todasas formas contra a construção da então UHEKararaô, hoje denominada Belo Monte. Tal resis-tência deu ensejo à cena que correu o mundo, aíndia Tuíra, considerada símbolo da luta contraKararaô, encostou a lâmina de seu facão no rostodo representante da Eletronorte.

E nem se diga que o novo projeto da UHE de BeloMonte veio justamente para eliminar ou minimizaros impactos previstos para a UHE Kararaô, comotem afirmado o presidente da empreendedora.Não é a simples diminuição da área a ser inunda-da, ou a criação de dois canais de adução, que fa-rão com que as águas cheguem à Volta Grande doXingu com o mesmo volume e piscosidade de an-tes como se não houvesse interferência alguma.Além do mais, a obra – caso seja executada – acar-retará fato admitido pela Eletronorte (2002)“relocação de aldeia” ou “relocações de famílias”e “reformulação de situação fundiária” dos Juru-na da Terra Indígena Paquiçamba e dos indígenasque moram ao longo da Volta Grande (Arara, Ju-runa, Kayapó, Kuruaia e Xipaya).

No caso do baixo Xingu (Assurini do Xingu,Araweté, Parakanã, Kararaô e Xikrin do Bacajá) éadmitida a “reformulação de via de transporte”.Enquanto que, no caso dos indígenas do “beiradão”,em Altamira, (Arara, Juruna, Kayapó, Kuruaia eXipaya), está prevista a “possível relocação de fa-mílias por conta do alagamento de trechos da cida-de”. O “despreparo” do empreendedor é incomen-surável! Arrola pessoas, famílias e sociedades indí-genas com terras homologadas, como se os papéisda República fossem letra morta. Tratam indíge-nas que escorraçados de seus nichos originais mo-ram na Volta Grande e em Altamira, como se fos-sem “bichos” a quem se fará talvez (?) uma possívelconcessão. Além do que os indígenas moradoresda Terra Indígena Trincheira Bacajá perderão seudireito de ir e vir, já que há possibilidade de cerce-amento da locomoção.

Os Juruna, principal sociedade indígena a sersacrificada com os impactos gerados pela obra emtela, estão localizados à jusante do possível empre-endimento e dependem fundamentalmente das

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águas do Xingu parasobreviver. Eles sa-bem que, com obaixíssimo níveld’água, após o re-presamento, terãosérias dificuldadesde tráfego, além dopescado não resistirao calor forte deáguas tão baixas. Aestagnação daságuas aumentará,também, o númerode pragas, comoocorreu em Tucu-ruí, gerando, comcerteza, sérios riscos sanitários e a proliferação dedoenças, como a malária, na região.

Quer pelo próprio reconhecimento da Eletronor-te (Livro Verde), quer pelos dados científicos e co-nhecimento dos povos indígenas, a construção daUHE de Belo Monte necessitará do aproveitamen-to de recursos hídricos de Terras Indígenas, im-pondo os danos irreparáveis aos povos da floresta.

Como forma de assegurar a característica da na-ção como plural, e não mais “singular, sem ser”, aConstituição Federal assegura a apreciação e ava-liação dos indígenas mesmos, possibilitando-os ainterferência em seus destinos, como determina oartigo 231, parágrafo 3º:“[s]ão reconhecidos aos índios sua organização social, cos-tumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos origináriossobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo àUnião demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seusbens. Parágrafo 3º O aproveitamento dos recursos hídricos,incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra dasriquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetiva-dos com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as co-munidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nosresultados da lavra, na forma da lei.”(Destaque nosso)

Esse dispositivo é apenas uma das limitações cons-titucionais que o Poder Público no processo deimplementação de grandes projetos deve atender.

Em Tucuruí nada foi observado e, pelo andar dacarruagem, em Belo Monte a Eletronorte pensaem repetir a dose, só que de remédios amargoschegam o quinino e a mamona, os habitantes daárea de influência do Xingu querem e precisamser ouvidos. É interessante observar que o projetopensa em assentar-se em território indígena, masinvertendo a ordem, a Eletronorte fala em “áreade influência do CHE belo Monte”, na verdade oterritório é “xingüense”.

Em que pese o des-cumprimento dasnormas vigentes, opróprio GovernoFederal admitiu noPlano 2015 que oempreendimentoem discussão requero cumprimento deexigências constitu-cionais. Sobre o as-sunto, é de suma re-levância trazer àlume os estudos fei-tos por Becker, Nas-cimento e Couto:“[o] próprio texto do

Plano 2015 reconhece que entre as muitas interferências comas populações locais que a transmissão desses grandes blocosde energia irá ocasionar, a questão da população indígena sereveste de grande importância. O documento aponta para 5casos onde os empreendimentos estarão sujeitos a restriçõesconstitucionais. Tais empreendimentos são as Usinas Hidre-létricas de Belo Monte, Cachoeira Porteira, Cana Brava, Ji-Paraná e Serra Quebrada. Todos estes empreendimentoscausarão interferências em áreas indígenas, razão pela qualestão sujeitos às restrições constitucionais. A população in-dígena a ser direta ou indiretamente afetada pela constru-ção das hidrelétricas nestas áreas é de aproximadamente 7000indivíduos.”44

Desta forma, inquestionável a outorga congressualpara a grande obra antes de qualquer estudo am-biental. Com efeito, a via escolhida pela Eletronor-te juntamente com a FADESP pode causar o des-perdício de R$ 3,8 milhões, posto que, se o Con-gresso Nacional não conceder autorização, de nadaservirá o custoso EIA/RIMA, ferindo-se de morteo Princípio da Economicidade, artigo 70 da Consti-tuição Federal.

Há ainda uma outra questão a ser considerada,impeditiva do EIA/RIMA. Trata-se da previsão doparágrafo 6º, do artigo 231, o qual impede a ex-ploração dos rios existentes em áreas indígenas,ressalvado o relevante interesse público da União,definido em lei complementar: “[s]ão nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, osatos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a possedas terras a que se refere este artigo, ou a exploração dasriquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existen-tes, ressalvado relevante interesse público da União, segun-do o que dispuser lei complementar, não gerando a nulida-de e a extinção direito a indenização ou a ações contra aUnião, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias deriva-das da ocupação de boa-fé.” (Destaque nosso)

A lei complementar exigida pela Constituição da Re-pública ainda não foi promulgada. Isso inviabiliza

Luiz Xipaia,MDTX

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qualquer obra que tenha por objeto exploraçãode recursos hídricos em áreas indígenas.

Diante dessa visão, se não houver uma análiseteleológica dos parágrafos 3º e 6º do artigo 231 daConstituição da República, estes serão conduzidosà inaplicabilidade no que se refere aos recursoshídricos em geral.

Como se extrai do artigo 231, parágrafo 1º, da ConstituiçãoFederal:

“[s]ão terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as poreles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para assuas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservaçãodos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as ne-cessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,costumes e tradições.”

Para melhor elucidar a questão é válido transcrever trechodo estudo realizado por Roberto Santos45:

“[g]raças à raiz histórico-originária de sua posse, as terrasdos índios estão-lhes afetadas permanentemente (artigo 231,parágrafo segundo), dispondo eles de um “usufruto exclusi-vo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existen-tes”. Com o fim jurídico de proteger a posse indígena per-manente, o Estado brasileiro estatuiu que são bens da Uniãoas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, o que in-cluiu o solo, subsolo, águas superficiais e águas subterrâne-as. (Constituição da República/1988, artigo 20, item XI)

A importância das sociedades indígenasA preservação de áreas e adjacências intituladascomo indígenas assume papel fundamental paraa continuidade e perpetuação da cultura de umpovo. Desprovidos de seu habitat natural, os povosindígenas correm sério risco de extermínio pelaperda de vínculos históricos e sociais.

As sociedades indígenas são reconhecidas comosujeitos coletivos diferenciados de outros setoresda coletividade brasileira com identidade étnicaespecífica e direitos históricos imprescritíveis, de-vidamente reconhecidos pela Convenção 169. Por-tanto, o governo brasileiro deve assumir a respon-sabilidade de desenvolver-se com a participação dassociedades indígenas. Toda e qualquer ação queimplique em mudanças deve desencadear-se atra-vés de ação coordenada e sistemática que protejaos direitos indígenas e garanta a integridade físicae social dos indígenas, enquanto sociedades. Oartigo 6º da referida Convenção assegura a con-sulta aos povos interessados, “... mediante proce-dimentos apropriados e, particularmente, atravésde instituições representativas, ...” sempre que

medidas legislativas ou administrativas possamafetá-los diretamente.

Falcão, também, compartilha desse entendimento: “(..)não é apenas indígena a terra onde se encontra edificadaa casa, a maloca ou a taba indígena, como não é apenas indí-gena a terra onde se encontra a roça do índio. Não. A posseindígena é mais ampla, e terá que obedecer aos usos, costu-mes e tradições tribais, vale dizer o órgão federal de assistên-cia ao índio, para poder afirmar a posse indígena sobre de-terminado trato de terra, primeiro que tudo, terá que man-dar proceder ao levantamento destes usos, costumes e tradi-ções tribais a fim de coletar elementos fáticos capazes de mos-trar essa posse indígena no solo, e será de posse indígenatoda a área que sirva ao índio ou ao grupo indígena paracaça, para pesca, para coleta de frutos naturais, como aque-la utilizada com roças, roçados, cemitério, habitação, reali-zação de cultos tribais etc., hábitos que são índios e que, comotais, terão que ser conservados para preservação da subsis-tência do próprio grupo tribal.

A posse indígena, pois, em síntese, se exerce sobre toda aárea necessária à realização não somente das atividades eco-nomicamente úteis ao grupo tribal, como sobre aquela quelhe é propícia à realização dos seus cultos religiosos.”46

Urge reconhecer, por fim, que o conceito de terraindígena compreende não só a terra indígena pro-priamente dita, como suas adjacências, por exem-plo: rios, igarapés, posto que indispensáveis à sobre-vivência do grupo étnico. Trata-se do instituto jurídi-co chamado Indigenato. Não se vislumbra aí apenasuma questão de direito patrimonial, mas também umproblema de sobrevivência étnico-cultural.47

A UHE Belo Monte fere os direitos indígenas deinúmeras sociedades indígenas no estado do Pará(Quadro1). Portanto para fazer valer o Indigenatoe a legislação pertinente, torna-se necessário con-sultar lideranças, chefias, conselhos tribais, conse-lhos de anciãos e associações indígenas, sempreobservando as especificidades de cada sociedade.Aos povos interessados deverá ser dado“... o direito de escolher suas próprias prioridades no quediz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida emque afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espi-ritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de algu-ma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu pró-prio desenvolvimento econômico, social e cultural.” (Art. 7º/Convenção 169)

Assim sendo, o Estado brasileiro deve zelar paraque sejam efetuados estudos capazes de revelar aincidência social sobre o meio ambiente e a reper-cussão para as sociedades indígenas. Os estudosdevem ser considerados critérios fundamentaispara a execução ou não de Belo Monte.

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Quadro 3 - Entrevista com Felício Pontes Jr.

Entrevista concedida a Jane Felipe Beltrão em 09.03.2004

JFB – Como foi usado o estatuto do Indigenato no caso Belo Monte?

FPJr. – O indigenato foi decisivo para o sucesso até o momento das decisões judiciais a favor dos índios e contra a

UHE Belo Monte. Trata-se de um conceito de posse mais amplo do que o conceito tradicional usado na ciência

jurídica. O Indigenato toma a área utilizada por uma sociedade indígena como necessária à vida e esta, muitas

vezes, transborda os limites da terra indígena. Por isso, os tribunais por onde a ação civil pública foi julgada até

agora foram unânimes em considerar que a utilização do Rio Xingu afeta diretamente os povos indígenas que ali

vivem. Portanto, as normas de Direito Indígena devem ser respeitadas na implantação de um projeto que utilize as

águas do Rio Xingu. Aí está, na prática, a apropriação pelo Direito do instituto do Indigenato que, originariamen-

te, vem da Antropologia. É assim que o Direito alcança sua finalidade: ser apenas um instrumento e não um fim,

para que se alcance o ideal de justiça.

JFB – Quais os desdobramentos da Ação Civil Pública, após a concessão da Liminar e sua ratificação pelo Supremo?

FPJr. – A Ação ainda não chegou ao seu final. Está em grau de recurso de apelação no Tribunal Regional Federal da

1ª Região, em Brasília. É que, como foi julgada favoravelmente ao MPF pela Justiça Federal do Pará, a Eletronorte

apelou com o objetivo de modificar a decisão. Ainda não há data para o julgamento do recurso.

JFB – Como ficam os direitos indígenas se Belo Monte não sair da prateleira para o lixo?

FPJr. – Minha maior preocupação é com a remoção de povos indígenas. Fato inevitável com a construção da obra.

Sempre que o governo brasileiro teve que fazer remoção de povos indígenas as conseqüências foram catastróficas.

Veja o caso dos Panará, na divisa do Pará com o Mato Grosso, quando da abertura da Rodovia 163, Santarém-

Cuiabá. Boa parte da sociedade não resistiu, não se adaptou e morreu. A remoção, portanto, destrói a relação

mítica do indígena com a sua terra. Ou seja, destrói a própria cultura de um povo.

Destrói o próprio povo.

JFB – Do ponto de vista do Ministério Público Federal, quais são os próximos passos em

relação à Belo Monte?

FPJr. – Nós já apresentamos contra-razões ao recurso da Eletronorte. Há esperança

de que o TRF confirme a decisão da Justiça Federal do Pará. Quando a Eletronorte

recorreu da liminar em 2001, que paralisava todo o projeto, esse mesmo Tribunal

foi quem julgou favorável aos povos indígenas, por unanimidade, e confirmou que

o projeto UHE Belo Monte não estava respeitando os direitos indígenas e as normas

ambientais. Portanto, qualquer julgamento diferente agora será um contra-senso

diante dos precedentes do Tribunal Regional Federal de Brasília.

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REFERÊNCIAS

DocumentosProcesso 2001.39.00.005867-6/Justiça Fe-deral, referente à Ação Civil Públicamovida pelo Ministério Público Fede-ral contra as Centrais Elétricas do Nor-te do Brasil S/A e outro, protocoladoem 25.01.2001. (cinco volumes)

Jornais citadosAgenda Amazônica

A Província do Pará

Diário do Pará

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Referências eBibliografias

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1 Carta dos Juruna, manuscrita e assi-nada por 46 representantes indígenas,encaminhada à 6º Câmara do Ministé-rio Público Federal em 22.02.2001,cujos originais constam do Processo2001.39.00.005867-6/Justiça Federal.2 Os jornais impressos em Belém vei-culam desde de 1999, vez por outra,informações sobre Belo Monte. Na ver-dade, desde fevereiro de 1989, quandose realizou protesto contrário à constru-ção da Hidrelétrica de Kararaô, hoje, de-nominada Belo Monte. Dirigentes da Ele-tronorte e políticos que desejam o desen-volvimento a qualquer custo, de 1989 paracá, têm ganho as páginas dos principaisjornais de Belém posicionando-se sobreo assunto. Para verificar a ocorrência,conferir: A Província do Pará, Diário doPará e O Liberal.3 Na verdade não se trata de uma des-coberta, pois todos sabíamos que cedoou tarde os projetos referentes aos bar-ramentos dos rios da Amazônia seriamtirados da prateleira e que a sociedadeteria que agir, sob pena de ser submeti-da a propostas autoritárias as quais nãoformulou e tão pouco discutiu.4 Cf. Relatório do 1º Encontro dos PovosIndígenas da região da Volta Grande do RioXingu realizado em 1º. 06.2002. Confe-rir detalhes no Processo 2001.39.00.005867-6, Justiça Federal, já referido.5 Para uma discussão sobre o assuntoem outra área indígena, consultar:BAPTISTA, Angela Maria & PAULA ESILVA, Maria Fernanda Paranhos. Relató-rio Tenetehara-Guajajara. Brasília, Minis-tério Público Federal, 1998: 1 (mimeo).6 Fonte: RICARDO, Carlos Alberto(editor). Povos Indígenas do Brasil,1996-2000. São Paulo, InstitutoSocioambiental, 2000: pp. 488-9; Fun-dação Nacional do Índio/Altamira,2002; Distrito Sanitário Especial Indí-gena/Altamira, 2002.7 Os dados referentes a 2002 foramcoletados pela antropóloga Luiza deNazaré Mastop-Lima e pela graduandaMaria do Socorro Lacerda Lima em tra-balho de campo realizado pelo projetoColeções etnográficas: testemunhos dahistória, educação e registro da diversi-dade na Amazônia desenvolvido no

Departamento de Antropologia do Cen-tro de Filosofia e Ciências Humanas daUniversidade Federal do Pará, sob acoordenação de Jane Felipe Beltrão,aprovado pelo PNOPG/CNPq.8 Cf. CIMI – Regional Norte II. Rela-ção das famílias indígenas dispersas naconfluência da Volta Grande do Rio Xin-gu. Altamira, CIMI, 2003. (mimeo)9 Cf. NIMUENDAJÚ, Curt. Textos In-digenistas. Rio de Janeiro, Loyola, 1982:p. 228. (Destaque do original) O textode Nimuendajú é extremamente atu-al, especialmente, ao falar dos Kayapóe das inúmeras ações diretas que prati-caram nos últimos anos em benefíciode seus direitos. As ações Kayapó assus-tam os brancos, talvez porque não re-flitam sobre seus desmandos, ou atépor refletirem.10 É comum que indivíduos dos maisvariados grupos étnicos chamem unsaos outros de “parente” chamamentoque não significa laço de consangüini-dade e/ou afinidade, parece indicar“nós” em contraponto aos demais.Usam, com freqüência, as seguintesexpressões: “chamar os parentes”, “vi-sitar os parentes”, “reunir os parentes”,“ouvir os parentes”, ‘igual aos paren-tes” entre outras expressões quando seexpressam em português.11 Cf. NIMUENDAJÚ, 1982: p. 229, járeferido. Fato ou terno era roupa de usomasculino feita, em geral, de linho, etrajada quotidianamente, em Altamiraou Belém, pelos homens para trabalhar,até meados dos anos 60, quando a tra-dição foi sendo abandonada.12 Para maiores informações técnicas,consultar os capítulos 2, 3 e 4 que con-tém os registros e detalhes pertinentesao projeto. A Eletronorte, em que pese,a liminar que suspendeu os Estudos deImpacto Ambiental, divulgou: ELE-TROBRÁS/ELETRONORTE. CHEBelo Monte – Estudo de Impacto Ambien-tal. Brasília, Eletrobrás/Eletronorte,2002 (Disponível em CD ROM) noqual há referências a dados oriundosdo convênio com a FADESP.13 Cf. Processo 2001.39.00.005867-6, Jus-tiça Federal, já referido, fls. 22-32.14 Idem, fls. 150.

15 Na academia, usa-se a expressão tra-balho de campo, pois este implica napermanência dos pesquisadores naárea sob observação para processarapurada coleta de dados que possa sub-sidiar os argumentos e as conclusões aque se chega após a análise dos dados.Campanha “soa”, confunde-se comações rápidas e pontuais, das quais re-sultam impressões preliminares queprecisam ser confirmadas posterior-mente. Infelizmente, o uso consagrou-se nos termos de referência, a pressaimpede estudos mais aprofundados.16 Cf. Artigo 225, parágrafo 1º. (Desta-que nosso)17 Cf. BENJAMIM, Antônio HermamV.. “Introdução ao Direito AmbientalBrasileiro” In Revista de Direito Ambien-tal. Nº 14, São Paulo, Revista dos Tri-bunais, 1999: p. 59.18 Cf. FLORILLO, Celso AntônioPacheco. Curso de Direito Ambiental Bra-sileiro, São Paulo, Saraiva, 2000: p. 102.(Destaque nosso)19 Cf. Mapa detalhado na abertura daobra. Para maiores detalhes sobre oXingu, consultar o capítulo 2.20 Para uma completa visão do percursoda Ação movida pelo Ministério Públicosugere-se consulta á página do SupremoTribunal Federal, posto que o processotramita há dois anos e possuí até o pre-sente momento cinco alentados volu-mes. No Ministério Público Federal hácópia do processo, devidamente auten-ticada e disponível à consulta.21 Cf. Ministério do Meio Ambiente,dos Recursos Hídricos e da AmazôniaLegal, Instituto Brasileiro do Meio Am-biente e dos Recursos Naturais Reno-váveis. Avaliação de Impacto Ambiental:Agentes Sociais, procedimentos e ferramen-tas, Brasília, 1995.22 Cf. Resolução Conama Nº 001/86).23 Cf. MMA/IBAMA, 1995: 56, referi-do anteriormente. (Destaque nosso)24 Cf. Fls. 469-520 do processo, anteri-ormente mencionado.25 Aqui empregada no sentido usadopor Paulo Freire. Consultar: FREIRE,Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio deJaneiro, Paz & Terra, 1975.

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26 Expressão aqui utilizada para indi-car “pertença” à área de influência dabacia do Xingu, originariamente é osinônimo gentílico de altamirense.Englobando índios e não índios; nati-vos ou migrantes estabelecidos na re-gião e que pelejam por desenvolvimen-to sem prejuízos sociais. Evita-se oxinguano, porque na literatura antro-pológica o termo é referente dos po-vos que se encontram no Parque Naci-onal do Xingu.27 Local onde os Kayapó foram chaci-nados pelos coronéis da região, con-forme relata Curt Nimuendajú. Con-ferir: NIMUENDAJÚ, Curt. Textos Indi-genistas. Rio de Janeiro, Loyola, 1982.Para uma compreensão romanceada,mas igualmente trágica, do Xingu eseus moradores, bem como das dispu-tas, consultar: NUNES, André Costa. Abatalha do riozinho do Anfrísio: uma his-tória de índios, seringueiros e outros brasi-leiros. Belém, Secult/Fumbel, 2003.28 Carta que integra o Dossiê de car-tas dos alunos da Escola Ugorogmo OudoTapeda Idekekpo enviadas ao Presidenteda República em 2002, antes referido.Negritos nossos.29 Cf. SANTOS, Sílvio Coelho. “Notassobre o deslocamento compulsório depopulações indígenas em conseqüên-cia da implantação de hidrelétricas naAmazônia” In MAGALHÃES, SôniaBarbosa, BRITO, Rosyan Caldas &CASTRO, Edna Ramos de (org.). Ener-gia na Amazônia. Vol .II. Belém, MuseuParaense Emílio Goeldi/ UniversidadeFederal do Pará/ Associação das Uni-versidades Amazônicas, 1996: p. 690.30 Cf. FERRAZ, Iara. “Resposta a Tu-curuí: o caso dos Parkatêjê” In MAGA-LHÃES, Sônia Barbosa, BRITO,Rosyan Caldas & CASTRO, Edna Ra-mos de (org.). Energia na Amazônia. Vol.II. Belém, Museu Paraense EmílioGoeldi/ Universidade Federal doPará/ Associação das UniversidadesAmazônicas, 1996: pp.537-544.31 Sobre o assunto consultar: REIS,Maria José & BLOEMER, Neusa Ma-ria Sens (org.). Hidrelétricas e populaçõeslocais. Florianópolis, Cidade Futura/UFSC, 2001 que apresenta experiên-cias do sul do Brasil e da Argentina;SANTOS, Sílvio Coelho & REIS, Ma-ria José (org.). Memória do setor elétricona região sul. Florianópolis, UFSC, 2002que discute historicamente a impor-tância da energia, os grandes e mega-projetos no sul do Brasil; e especifica-mente sobre os impactos causados às

populações indígenas, o recém lança-do, SANTOS, Sílvio Coelho & NACKE,Anelise (org.). Hidrelétricas e povos in-dígenas. Florianópolis, letras contem-porâneas, 2003 que reúne ensaios so-bre experiências na Argentina, Brasil,Chile, Paraguai e Uruguai. Além da li-teratura específica sobre Amazôniaapresentada em MAGALHÃES, SôniaBarbosa, BRITO, Rosyan Caldas &CASTRO, Edna Ramos de (org.). Ener-gia na Amazônia. Vol .I e II. Belém,Museu Paraense Emílio Goeldi/ Uni-versidade Federal do Pará/ Associaçãodas Universidades Amazônicas, 1996que congrega especialistas das mais di-versas áreas, referência obrigatória nosestudos sobre o setor hidrelétrico eseus efeitos.32 Considerando que a Justiça acatouo pedido de liminar, solicitado via AçãoCivil Pública, deixamos de discutir alicitude do contrato Eletronorte/FADESP, posto que o deferimento dopedido inicial admite os problemas.Para compreensão da discussão trava-da na justiça, verificar os autos do pro-cesso, supra citado.33 Depoimento constante do Relatóriodo 1º Encontro dos Povos Indígenas da Re-gião da Volta Grande do Rio Xingu, ocor-rido em junho de 2002, anteriormen-te citado. (Destaque nosso)34 Para uma compreensão da lógicadescrita por Geertz na sociedade oci-dental, consultar: GEERTZ, Clifford. Osaber local: novos ensaios em Antropologiainterpretativa. Petrópolis, 1998 eTHOMPSOM, E. P.. Senhores e Caçado-res, a origem da lei negra. Rio de Janeiro,Paz e Terra, 1987 e Costumes em comum.Estudos sobre cultura popular tradicional.São Paulo, Cia. das Letras, 1998 quetrata das questões, aqui debatidas, ten-do como campo a Inglaterra.35 Os índios costumam se visitar porperíodos longos ou breves. As visitassão sempre um aprendizado, especial-mente porque em lugar de lerem asinformações em folhetos e livros, ob-servam os fatos no terreno, vendo asocorrências e ouvindo depoimento dosafetados, a vivência gera conhecimen-to prático experimentado intensamen-te. As narrativas das vivências, na voltaà aldeia, produz informações discuti-das nas longas conversas às soleiras dascasas quando a platéia partilha do co-nhecimento do andarilho.36 Depoimento inscrito à frente do Re-latório do 1º Encontro dos Povos Indígenasda Região da Volta Grande do Rio Xingu,

ocorrido em junho de 2002, anterior-mente referido. (Destaque nosso)37 Cf. depoimento de Kuit Arara noDossiê de cartas a José Antônio MunizLopes no Processo 2001.39.00.005867-6/Justiça Federal. (Destaque nosso)38 Cf. LEVI-STRAUS, Claude. O pensa-mento selvagem. Rio de Janeiro, Nacio-nal/USP, 1970.39 Cf. Depoimento de Kuit Arara, noDossiê de cartas a José Antônio MunizLopes no Processo 2001.39.00.005867-6/Justiça Federal. (Destaque nosso)40 Depoimento inscrito no mesmoDossiê, antes referido, Processo2001.39.00.005867-6/Justiça Federal.(Destaque nosso)41 Idem.42 Sobre o assunto, consultar: BEL-TRÃO, Jane Felipe, MASTOP-LIMA,Luiza de Nazaré & MOREIRA, HélioLuiz Fonseca. De agredidos a indiciados,um processo de ponta cabeça: SuruíAikewara versus Divino Eterno – laudo An-tropológico. Belém, UFPA, 2003.(mimeo)43 Cf. Processo 2001.39.00.005867-6/Jus-tiça Federal: fls. 84, antes referido. (Des-taque nosso)44 Cf. BECHER, Bertha, NASCIMEN-TO, José Antônio Senado & COUTO,Rosa Carmina de Sena. “Padrões dedesenvolvimento, hidrelétricas e reor-denação do território na Amazônia” InMAGALHÃES, Sônia Barbosa, BRITO,Rosyan Caldas & CASTRO, Edna Ra-mos de (org.). Energia na Amazônia. Vol.II. Belém, Museu Paraense EmílioGoeldi/ Universidade Federal doPará/ Associação das UniversidadesAmazônicas, 1996: p. 810. (Destaquenosso)45 Cf. SANTOS, Roberto A. O.. “Limi-tações jurídicas do “setor elétrico”naesfera étnica e na ambiental” In MA-GALHÃES, Sônia Barbosa, BRITO,Rosyan Caldas & CASTRO, Edna Ra-mos de (org.). Energia na Amazônia.Vol. I. Belém, Museu Paraense EmílioGoeldi/Universidade Federal do Pará/Associação das Universidades Amazô-nicas, 1996: p. 21446 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Do-mínio da União sobre as Terras Indígenas– O Parque Nacional do Xingu. Brasília:Ministério Público Federal, 1988, p. 58.(Destaque nosso)47 Sobre os desdobramentos da ques-tão Belo Monte, leia o Quadro 3.

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A Eletronorte delegou um estudo de impacto daUniversidade Federal do Pará (UFPA) e MuseuGoeldi para avaliar os impactos sociais e ambien-tais da barragem proposta. A empresa alocou R$ 3,8milhões de reais (aproximadamente U.S.$ 1,3 mi-lhão de dólares) para executar esses estudos e con-tratou a Secretaria de Gestão de Concessões daUniversidade(FADESP) para administrar este con-trato. Os fundos representaram cerca de um quin-to do orçamento anual da Universidade. Os deta-lhes finais do contrato foram negociados com aFADESP em outubro de 2000, e a Eletronorte con-vocou todos os pesquisadores para uma reuniãoonde foram apresentadas as diretrizes para os es-tudos de impacto. A equipe de avaliação incluiupesquisadores de ciências naturais e sociais, alémde consultores ad hoc.

Nós (antropólogos Eneida Assis e Louis Forline)fomos contratados para determinar que impactospoderiam sobrevir às comunidades indígenas daregião do médio e baixo Xingu. Assis é professoraassistente de Antropologia na UFPA e Forline pes-quisador assistente do Museu Goeldi. Trabalhamosanteriormente com grupos indígenas na região.Forline, por exemplo, continuou um projeto ini-ciado em 1998 entre os índios urbanos de Altamira.

A Eletronorte descreveu resumidamente o projetopara os pesquisadores presentes na reunião. Esses,por sua vez, deveriam explicar o projeto às comuni-dades locais e nas proximidades de Altamira comoeles avaliavam os impactos potenciais da barragem.

A companhia mostrou os aspectos gerais do proje-to aos políticos locais, comerciantes e elite da re-gião, mas não à população em geral.

Surpreendentemente, não foi elaborado nenhumesboço de contrato formal entre Eletronorte e mem-bros individuais da equipe de avaliação. A empresaafirmou que as disposições gerais de seu contratocom a FADESP eram abrangentes e submetiam ospesquisadores às estipulações estabelecidas nos ter-mos de referência do projeto. Os pesquisadoresapresentaram as propostas individuais que indica-ram os equipamentos e recursos financeiros de queprecisam para executar seus estudos. Esta situaçãocriou a impressão entre muitos pesquisadores deque eles estavam trabalhando sob um contrato in-formal que só seria honrado se as diretrizes da em-presa fossem obedecidas. Depois que os estudos doimpacto fossem iniciados, os pesquisadores teriamde reunir-se periodicamente com os diretores daEletronorte e apresentar relatórios do andamento.Posteriormente, a Eletronorte orientou os pesqui-sadores a apresentarem relatórios periódicos a seucomitê de análise e consultores ad hoc que publica-riam os achados da pesquisa e esboçariam o relató-rio final. Por sua vez, este relatório seria apresenta-do à Secretaria do Meio Ambiente do Estado doPará (SECTAM). A Secretaria do Meio Ambienteentão avaliaria a magnitude dos impactos sócio-ambientais que a barragem causaria e atuaria comoagência licenciadora de fato se a mesma conside-rasse o projeto viável.

Do artigo: “Dams and Social Movementsin Brazil: Quiet Victories on the Xingu”,publicado em Practicing Anthropology26(3):21-25

3.1. As pressões da Eletronorte sobreos autores do EIA

Eneida Assis e Louis Forline

Numa tentativa de controlar mais a pesquisa, os fun-cionários da Eletronorte acompanharam periodi-camente os pesquisadores em seus locais de estudopara monitorar o trabalho de campo e forneceraconselhamento a partir de sua “vasta experiência”com estudos de impacto. Depois, a empresa solici-tou aos pesquisadores o fornecimento de seus da-dos brutos. Muitos pesquisadores recusaram-se aatender a esta solicitação por razões éticas. Os pes-quisadores que trabalham com pessoas queriammanter o anonimato e a confidencialidade das co-munidades onde eles trabalhavam. Durante as reu-niões periódicas, os pesquisadores solicitaram àcompanhia maiores informações sobre a barragem,uma vez que os detalhes do projeto ainda não ti-nham sido totalmente divulgados. Por exemplo,diversos pesquisadores solicitaram detalhes sobre apossibilidade de construir um complexo de barra-gens ao invés de apenas uma, conforme planejado.

Os diretores da Eletronorte educadamente evitaramessas questões…

Os pesquisadores se sentiram incomodados pelaânsia da Eletronorte em concluir os estudos deimpacto. Os termos de referência estipulavam queos estudos do impacto deveriam ocorrer no cursode um ano completo, para retratar com precisãoas características biofísicas e sociais do Xingu du-rante as estações de chuva e de estiagem. Porém aempresa ignorou esta cláusula e encorajou os pes-quisadores a concluir suas tarefas antes do tempoprevisto. Os representantes da Eletronorte justifi-caram suas ações afirmando que o período de umano deveria incluir a pesquisa e as apresentaçõesdo relatório final. Na verdade, a empresa queriaque os estudos de impacto fossem concluídos omais rápido possível a fim de obter uma aprova-ção rápida de seu projeto pela SECTAM.

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