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Tempos, espaços e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos ‘Mundo da Canção’ e ‘Scratch Magazine’ Irene Leite Mestrado em Multimédia da Universidade do Porto Orientadora: Professora Doutora Paula Guerra (FLUP) Coorientador: Professor Doutor Pedro Tavares (FLUP) Junho de 2017

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  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos Mundo da Cano e Scratch Magazine

    Irene Leite

    Mestrado em Multimdia da Universidade do Porto

    Orientadora: Professora Doutora Paula Guerra (FLUP)

    Coorientador: Professor Doutor Pedro Tavares (FLUP)

    Junho de 2017

  • Irene Leite, 2017

    Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos Mundo da Cano e Scratch Magazine

    Irene Leite

    Mestrado em Multimdia da Universidade do Porto

    Aprovado em provas pblicas pelo Jri:

    Presidente: Professor Doutor Bruno Giesteira (FBAUP)

    Vogal Externo: Professor Doutor Fernando Zamitth (FLUP)

    Orientador: Professora Doutora Paula Guerra (FLUP)

  • Resumo

    O jornalismo musical em Portugal contemporneo da abertura do pas ao exterior efetivada no

    mbito da Primavera Marcelista. Assim, a par de outras manifestaes culturais, artsticas,

    musicais e profissionais, decorre da tardia implantao da indstria musical massiva escala

    portuguesa. nesta diacronia que vamos explicar e compreender as suas dinmicas de

    funcionamento, atores e estratgias de afirmao at contemporaneidade. Assim, a revista

    Mundo da Cano surgida em 1969 bem emblemtica da emergncia desta alterao.

    Depois, com o boom do rock portugus, em plena dcada de 1980, destacaram-se um conjunto

    de publicaes que abordavam a cultura efervescente da cano, do rocknroll e do pop rock

    em geral. So exemplos o jornal se7e, o Blitz ou a revista Musica & Som. Depois desta febre,

    muitas publicaes dissiparam-se na dcada de 1990. Com o boom da web 2.0, nasceram um

    conjunto de cibermeios a divulgar o que de mais recente a cultura musical alternativa

    proporciona. Assim, propomos uma abordagem diacrnica da emergncia, consolidao e

    pulverizao do jornalismo musical portugus, considerando que este acompanha o prprio

    devir da indstria musical e seus eixos de afirmao. Norteiam-nos algumas interrogaes:

    Como evoluiu o jornalismo musical em Portugal, tendo em conta as duas publicaes (Mundo

    da Cano e Scratch Magazine)? Existe espao para a investigao e o esprito crtico? Trata-se

    de uma evoluo na continuidade? Ou o jornalismo de agenda no ambiente 2.0 vence? Atravs

    de um dispositivo metodolgico focado na abordagem de dois estudos de caso alargados

    (Mundo da Cano e Scratch Magazine), propomos um mix de tcnicas de recolha e tratamento

    de dados capaz de dar conta das dinmicas evolutivas e caracterizadoras do jornalismo musical

    desde finais dos anos 1960 at atualidade.

    Palavras-chave: jornalismo musical, Web 2.0, indstria musical, cenas musicais, processos de

    legitimao musical.

  • Abstract

    The musical journalism in Portugal is contemporary of the opening of the country to the outside

    realized within the ambit of the Primavera Marcelista. Thus, along with other cultural, artistic,

    musical and professional manifestations, it stems from the late implantation of a Portuguese-

    scale music industry. It is in this diachrony that we will explain and understand the dynamics of

    functioning, actors and strategies of affirmation of musical journalism up to the present time.

    Thus, the magazine World of Song [Mundo da Cano] - emerged in 1969 - is very

    emblematic of the emergence of this change. Then, with the Portuguese rock boom, in the mid-

    1980s, a group of publications focused on the effervescent culture of song, rock'n'roll and pop

    rock in general. Examples are the se7e, the Blitz or the Music & Sound [Musica & Som]

    magazines. After this fever many publications dissipated in the 1990s. With the web 2.0

    boom, a group of cybermids was born to spread what the latest alternative music culture

    provides. Thus, we propose a diachronic approach to the emergence, consolidation and

    pulverization of Portuguese musical journalism, considering that it accompanies the very turn of

    the music industry and its strategies of affirmation. We were asked some questions: How did

    musical journalism evolve in Portugal, taking into account the two publications (Mundo da

    Cano and Scratch Magazine)? Is there room for research and critical thinking? Evolution in

    continuity? Or does calendar journalism in the 2.0 environment win? Through a methodological

    device focused on the approach of two broad case studies (World of Song and Scratch

    Magazine), we propose a mix of data collection and processing techniques capable of

    accounting for the evolutionary and characterizing dynamics of musical journalism since the

    end of the years 1960 to the present.

    Key words: musical journalism, Web 2.0, musical industry, musical scenes, processes of

    musical legitimation.

  • Agradecimentos

    Aos meus orientadores, Professora Doutora Paula Guerra e Professor Doutor Pedro Tavares,

    agradeo profundamente pelo incansvel apoio e estmulo

    Ao meu companheiro, Vtor Costa, o meu muito obrigada pelo amor e dedicao

    Ao meu amigo, Ricardo Costa, agradeo o apoio na reviso ortogrfica e estmulo ao longo

    deste ano.

    minha amiga Teresa Sousa, agradeo pelo apoio e conselhos.

    minha me, um obrigado muito especial por nunca ter abandonado o apoio deste projeto

    A todos os meus companheiros do Som Letra/Scratch Magazine, gratulo por nunca terem

    deixado de acreditar em mim.

  • O Sucesso ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo. Winston Churchill

    O extremismo na arte o corolrio da tecnologia artstica, e, por isso, mais do que uma

    expresso de atitude rebelde. Frank Zappa

    Nothing is impossible; the word itself says 'I'm possible'! Audrey Hepburn

    Fizemos histria e a culpa da msica. Antnio Jorge (radialista e cronista na Scratch Magazine)

  • ndice

    1. Introduo ................................................................................................................. 1

    1.1 - Motivao.......................................................................................................... 2

    1.2 - Problemas, Hipteses e Objectivos de Investigao... 2

    1.3 - Metodologia de Investigao.. 3

    1.4 - Estrutura da Dissertao. 3

    2 - Estado da Arte 5

    2.1 - Introduo. 5

    2.2 - A musica popular na esfera pblica...... 7

    2.3 - O Jornalismo Musical e a Indstria discogrfica. 9

    2.4 - Jornalismo Digital no plano Internacional.... 10

    2.5 - Jornalismo cultural em Portugal: do papel ciber.. 11

    3 - Os casos de estudo....... 15

    3.1 - Mundo da Cano : O contexto..... 15

    3.2 - O papel do facebook na solidificao da marca Som Letra.... 24

    3.3 - Algumas consideraes. 39

    3.4 - A anlise de contedo 43

    4 - Media digitais e modelos de negcio: o dilema.. 61

    Concluso ............................................................. 69

    Referncias .......................................................... 71

    Anexos .................................................................. 74

  • Lista de Figuras

    Ilustrao 1 -Cronograma...................................................................................................... 2

    Ilustrao 2-A revista Mundo da Cano ............................................................................ 15

    Ilustrao 3-A Scratch Magazine ........................................................................................ 18

    Ilustrao 4-O site da Scratch Magazine (www.scratchmag.org) ....................................... 19

    Ilustrao 5-O primeiro website do Som Letra, idealizado pelo designer Diogo Machado

    ..................................................................................................................................................... 21

    Ilustrao 6-As emisses preparadas em parceria com os leitores ...................................... 23

    Ilustrao 7- Um media em construo com os leitores ..................................................... 24

    Ilustrao 8- Estatstica de post views na pgina do facebool desde novembro de 2010 ... 25

    Ilustrao 9-O Primeiro logtipo ........................................................................................ 26

    Ilustrao 10-O segundo logtipo, ainda com a clave do sol .............................................. 26

    Ilustrao 11- Um logtipo tipogrfico, desenvolvido por Joana Quintela ........................ 26

    Ilustrao 12-Terceiro e definitivo logtipo ....................................................................... 27

    Ilustrao 13- Inicialmente, o endereo do Som Letra era um blogue, muito pobre em

    design, mas que foi evoluindo paulatinamente ........................................................................... 27

    Ilustrao 14- O segundo blogue e casa do Som Letra ................................................. 27

    Ilustrao 15- Em 2013 foi movido todo o arquivo para esta plataforma wordpress,

    desenvolvendo futuramente o design casa vez mais simples e direto ......................................... 27

    Ilustrao 16- O primeiro website da Som FM ................................................................... 28

    Ilustrao 17 Publicidade Som FM .................................................................................. 28

    Ilustrao 18- Logtipo desenvolvido por Irene Leite ........................................................ 30

    Ilustrao 19- Logtipo do Som Cvico desenvolvido por Irene Leite ............................... 30

    Ilustrao 20- Logtipo da associao IncluSom ................................................................ 33

    Ilustrao 21-Panfleto do evento planeado em Dezembro de 2013, que acabou por no se

    realizar. Mas foi um primeiro esforo. ........................................................................................ 36

    Ilustrao 22- Certificado de participao no concurso Acredita Portugal ......................... 37

    Ilustrao 23- Os quizzes..................................................................................................... 38

    Ilustrao 24- Nocturnal Dust Productions (parceria) ....................................................... 38

    Ilustrao 25- A edio digital do Som Letra ................................................................... 39

    Ilustrao 26-Logotipo desenvolvido por Irene Leite ......................................................... 39

    Ilustrao 27-Panfleto da Scratch Magazine ....................................................................... 40

    Ilustrao 28- Panfleto da festa dos 6 anos da Scratch Magazine ....................................... 41

    Ilustrao 29- Panfleto da festa dos 7 anos da Scratch Magazine ....................................... 42

    Ilustrao 30-Panfleto do programa Subrbio na AVFM................................................ 42

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  • x

    Ilustrao 31- Anlise do Ano I _SM e MC (entrevistas) ................................................. 116

    Ilustrao 32-Anlise do Ano I SM e MC (criticas concertos) ........................................ 117

    Ilustrao 33- As crnicas do MC e SM Ano I ................................................................. 120

    Ilustrao 34- Reportagens MC e SM Ano I ..................................................................... 120

    Ilustrao 35-Crticas a lbuns Ano II SM e MC .............................................................. 121

    Ilustrao 36- Ano II SM e MC (crtica a concertos) ........................................................ 122

    Ilustrao 37- Crnicas Ano II SM e MC ......................................................................... 126

    Ilustrao 38-Reportagens Ano II ..................................................................................... 127

    Ilustrao 39- Entrevistas Ano II SM e MC...................................................................... 128

    file:///C:/Users/W7/Documents/Irene%20+%20Vitor/Tese%20Correes/mm-dissertacao-modelo-Irene%20Leite_27%2007%202017%202.docx%23_Toc488959061file:///C:/Users/W7/Documents/Irene%20+%20Vitor/Tese%20Correes/mm-dissertacao-modelo-Irene%20Leite_27%2007%202017%202.docx%23_Toc488959067

  • xi

    Lista de Tabelas

    Tabela 1-Jornalismo de hard news e de msica comparados por Forde (citado por Lima,

    2011:18) ........................................................................................................................................ 8

    Tabela 2- A programao provisria da Som FM ............................................................... 29

    Tabela 3 Instrumentos de ao da IncluSom.................................................................... 33

    Tabela 4- Crnicas Ano I SM e MC ................................................................................... 46

    Tabela 5-Reportagens Ano I SM e MC .............................................................................. 47

    Tabela 6-Crticas a Concertos Ano I SM e MC .................................................................. 48

    Tabela 7-Entrevistas Ano I SM e MC ................................................................................. 49

    file:///C:/Users/W7/Documents/Irene%20+%20Vitor/Tese%20Correes/mm-dissertacao-modelo-Irene%20Leite_27%2007%202017%202.docx%23_Toc488959070

  • ndice de Grficos

    Grfico 1-Anlise das capas do Mundo da Cano ............................................................ 50

    Grfico 2-Comparao Quantitativa das Crticas a lbuns MC e Som Letra Ano I ......... 51

    Grfico 3-Comparao Quantitativa das Crticas a lbuns MC e Som Letra Ano II-

    ..................................................................................................................................................... 52

    Grfico 4--Comparao Quantitativa das crticas a concertos MC e Som Letra Ano I ... 53

    Grfico 5-Comparao Quantitativa das Crticas a concertos MC e Som Letra Ano II .. 54

    Grfico 6--Comparao Quantitativa das Crnicas MC e Som Letra Ano II .................. 55

    Grfico 7-Comparao Quantitativa das Crnicas MC e Som Letra Ano II .................... 56

    Grfico 8-Comparao Quantitativa das entrevistas MC e Som letra Ano I ........... 57

    Grfico 9-Comparao Quantitativa das entrevistas MC e Som Letra Ano II ................. 58

    Grfico 10-Comparao Quantitativa das Reportagens MC e Som Letra Ano I .... 59

    Grfico 11-Comparao Quantitativa das Reportagens MC e Som Letra Ano II ............ 60

    file:///C:/Users/W7/Documents/Irene%20+%20Vitor/Tese%20Correes/mm-dissertacao-modelo-Irene%20Leite_27%2007%202017%202.docx%23_Toc488959076

  • xiv

    Abreviaturas e Smbolos

    MC Mundo da Cano

    SM Scratch Magazine

    www World Wide Web

  • 1

    1. Introduo

    O jornalismo musical em Portugal enferma pela quase ausncia de estudos aprofundados.

    Cabe presente investigao colmatar esta situao na vertente do jornalismo cultural. J so

    quase 50 anos de histria, inaugurados em 1969 pela revista Mundo da Cano. Avelino

    Tavares, da revista Mundo da Cano, em conversa com a Scratch Magazine referiu mesmo

    que o jornalismo musical era o parente pobre do jornalismo cultural1. De facto, ao mencionar

    a histria do jornalismo musical em Portugal, denota-se que h um considervel nmero de

    publicaes musicais, caracterizadas, contudo, por um carter marcadamente efmero e

    enquadradas maioritariamente num perodo especfico (Guerra, 2010 e 2015): os anos 80 e o

    boom do rock portugus. So desta fase exemplo publicaes como o jornal se7e, Msica &

    Som, Musicalissimo ou o avant gard Rock Week, este ltimo j em finais da dcada de 80

    (1988).

    No entanto, Nunes refere que podemos falar de um jornalismo pop rock em Portugal a

    partir da primeira publicao musical, em 1969, da revista Mundo da Cano, lanada em plena

    Primavera Marcelista. A afirmao de um jornalismo musical centrado no pop rock tem a sua

    gnese em finais da dcada de 60 e conhece trs fases, que embora no sendo completamente

    distintas, se podem diferenciar por alguns critrios (contedos, linha editorial, circulao e

    organizao profissional) (Nunes, 2009:1694). Sucintamente a primeira fase marcada pelo

    nascimento da pioneira publicao Mundo da Cano. A cano diferente a que se refere

    Avelino Tavares, responsvel at aos dias de hoje pela marca. A segunda etapa, comea na

    segunda fase da dcada de 70, com o aparecimento de revistas especializadas, sobretudo no

    gnero pop/rock (Musicalissimo, Musica & Som) financeiramente sustentveis por grupos

    empresariais e que tem na fundao do semanrio Blitz em 1984 um momento chave na sua

    evoluo (Nunes, 2009:1695). J a terceira fase comea na primeira metade da dcada de 90

    com a profissionalizao do Blitz e no surgimento da imprensa generalista, de suplementos ora

    especializados em msica ora de artes e espetculos, onde a msica pop rock assume uma

    importncia fundamental em termos de cobertura. (Nunes:1695). Por outro lado, a internet com

    o seu largo espectro de alcane tem permitido o nascimento de um conjunto de publicaes ,

    no necessariamente piratas. a Democracia em Rede, onde publicaes como a Scratch

    Magazine (www.scratchmag.org) convivem pacificamente entre si.

    1 conversa com .Avelino Tavares (Mundo da cano)

    https://scratchmag.org/2016/10/13/a-conversa-com-avelino-tavares-mundo-da-cancao/, in

    Scratch Magazine, 2015.

    https://scratchmag.org/2016/10/13/a-conversa-com-avelino-tavares-mundo-da-cancao/

  • 2

    1.1 Motivao

    A autora da presente investigao desenvolveu desde Setembro de 2009 o prottipo de um

    media digital. Inicialmente intitulado Som Letra foi sendo desenvolvido ao longo dos anos

    seguintes at aos dias de hoje. Torna-se portanto sistematizar todo o processo de

    desenvolvimento do projeto at sua formalizao junto da ERC e consequente mudana de

    marca.

    Ao longo dos meses seguintes foi feita uma reviso da literatura, cruzando todos os dados

    e tornando o estudo ecltico nas ideias a sistematizar indo de encontro a uma motivao pessoal

    e profissional condensada no amor pela msica traduzidos nos eptomes que abrem esta

    Dissertao. Sistematizamos a reunio do arquivo dos primeiros dois anos da Scratch Magazine.

    Ilustrao 1 -Cronograma

    As revistas Mundo da Cano tambm foram adquiridas e analisadas. A partir de fevereiro

    do corrente ano, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas a importantes atores do

    jornalismo musical em Portugal, pretendendo abrir um caminho para a reflexo.

    1.2 Problemas, Hipteses e Objetivos de Investigao

    A presente investigao tem como objetivo central analisar a evoluo do jornalismo

    musical em Portugal tendo em conta as duas publicaes em anlise (Mundo da Cano e

    Scratch Magazine) considerando a prpria scio-histria da sociedade portuguesa

    contempornea e a consequente implantao da indstria musical e sua consolidao. De

    acrescentar que tambm tencionamos avaliar a importncia das duas publicaes estudos de

    caso no tocante afirmao de uma rea de legitimao crtica e de canonizao do mundo do

    pop rock em geral e das criaes musicais independentes em particular em torno dos seguintes

    eixos hipotticos.

    Existe uma tendncia de notria fragilidade no jornalismo musical portugus decorrente da

    prpria incipincia da indstria musical portuguesa.

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    3

    O espao de afirmao das publicaes jornalsticas de pendor mais alternativo mais

    elevado no momento presente, dados os recursos e meios digitais que opera.

    A perspetiva de independncia na abordagem e canonizao musical materializada de

    forma mais intensa no maior esprito crtico dos legacy papers do que nos nativos digitais.

    A crescente proliferao de notcias baseada no crescimento desmesurado da sociedade da

    informao ocasiona uma banalizao dos contedos e consequentemente fragmenta e esvazia o

    papel do jornalista musical como cerne de tendncias, de gostos, de cnones e de valores.

    1.3 Metodologia de Investigao

    A metodologia adotada no presente estudo tem como base o que foi levado a cabo no

    mbito de tratamento de dados no estudo, "O jornalismo Especializado em Msica Extrema em

    Portugal-revistas e fanzines" (Lima, 2011). Tanto o Mundo da Cano como a Scratch

    Magazine sero analisados primeiramente em funo da estrutura das publicaes, contedos e

    processo do trabalho. Foi tambm efetuada uma anlise de contedo quantitativa. em termos de

    estrutura de contedos e destaques de primeira pgina. Para alm de entrevistas, crticas de

    lbuns e crtica de concertos. Segundo Quivy e Campenhoudt (citados por Lima: 2011:48) a

    anlise quantitativa consiste na..."frequncia do aparecimento de certas caractersticas do

    contedo ou da correlao entre elas". Sero analisados os Anos I e II das publicaes.

    Existe tambm a aposta nas entrevistas semi-estruturadas, de carter exploratrio. Segundo

    Quivy e Campenhoudt (2011:48) as entrevistas "tm como funo principal revelar

    determinados aspetos do fenmeno estudado em que o investigador no tira espontaneamente

    pensado por si mesmo, assim completar as pistas de trabalho sugeridas pelas suas leituras". A

    combinao de entrevistas exploratrias e semi-estruturadas permite, tal como refere Lima

    (2011), aliar a explorao inicial do tpico a uma abordagem qualitativa, de forma a aprofund-

    lo e consolid-lo.

    1.4 Estrutura da Dissertao

    Para alm da introduo, esta dissertao contm mais dois captulos, depois de uma

    abordagem preliminar ao tema central da tese, aliando importantes factores como a motivao, o

    cronograma de atividades ou as hipteses de investigao. O captulo 2 refere-se reviso da

    literatura, onde se sistematizam as trs primeiras fases do jornalismo musical em Portugal.

    Outros importantes tpicos so abordados como a msica popular na esfera pblica, ou o

    jornalismo musical e a indstria discogrfica.

  • 4

    No captulo 3 so apresentados os casos de estudo (Mundo da Cano e Scratch

    Magazine). Aqui reflectimos sobre o contexto do lanamento das publicaes, a sua estrutura,

    periodicidade e uma anlise de contedo das mesmas com reforo atravs de entrevistas

    exploratrias e semi-estruturadas. Posteriormente so apresentadas as concluses do estudo,

    bem como as referncias bibliogrficas e anexos.

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    5

    2. Estado da Arte

    2.1 Introduo

    O jornalismo de artes engloba distintas vertentes, desde a msica literatura, passando pelo

    cinema e teatro. Assim sendo, o jornalismo de artes, num contexto de Imprensa generalista,

    constitui um segmento ele prprio segmentado. (Lima, 2011: 16). Poucos estudos acadmicos

    foram produzidos acerca do jornalismo musical em Portugal, o que pode ser atribudo a trs

    fatores de acordo com Pedro Nunes (2004): a invisibilidade, pois os estudos baseiam-se

    sobretudo em etnomusicologia; as caractersticas do mercado perifrico portugus em termos de

    indstria global da msica comparativamente por exemplo ao Reino Unido. (citado por Lima,

    2011: 19).

    Forde (2004) considera que os jornalistas de msica so jornalistas diferentes, devendo ser

    considerados como caso nico. Forde salienta a relevncia de compreender a estrutura

    organizacional e financeira em que se inserem as revistas de msica (citado por Lima, 2011:

    16). A afirmao de um jornalismo musical centrado no pop/rock tem a sua gnese em finais

    dos anos 60 e conhece trs fases que, embora no sendo completamente distintas, se podem

    diferenciar por alguns critrios (contedos, linha editorial, circulao e organizao

    profissional). (Nunes, 2004: 62-63).

    A primeira fase:

    "Uma primeira fase que se inicia em finais da dcada de 60 com o surgimento da primeira

    publicao especializada na msica popular, a revista Mundo da Cano." (Nunes, 2004: 78-

    86). Trata-se de um perodo ainda embrionrio da escrita jornalstica sobre pop/rock em

    Portugal. Na revista Mundo da Cano (1969-1985) e no jornal A Memria do Elefante (1971-

    1974) publicam-se os primeiros textos sobre o gnero.

    A Memria do Elefante excelente. Acho que foi uma publicao especial.

    Como sabe, foi publicado no Porto. Mas acabou por chegar a Lisboa pois houve

    alguma gente em Lisboa que se interessou pelo fenmeno. Porque naquela poca era

    uma manifestao, aquilo a que se chamava "Contracultura". Foi um fenmeno que

    existiu com o Maio de 68 em Frana. E, por outro lado, levava muito em conta

    teorias filosficas e at polticas em alguns casos. (Nunes, David:2017).

    No entanto, segundo Pedro Nunes (2009), sobretudo no Mundo da Cano o pop rock

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    6

    secundrio em relao msica portuguesa, sobretudo a nova msica portuguesa dos cantores

    de protesto. Para agravar, a circulao da revista muito condicionada temporal e

    espacialmente, quer pelo poder poltico da altura, quer pela escassez de recursos para a sua

    distribuio. Surge tambm neste perodo o jornal quinzenal Disco, Msica e Moda e o

    suplemento Top Ten do Dirio Popular.

    A segunda fase:

    "Uma segunda fase, que comea na segunda metade da dcada de 70, com o aparecimento de

    revistas especializadas, sobretudo no gnero pop rock (Musicalssimo e Msica & Som)

    financeiramente sustentveis por grupos empresariais e que tem na fundao do Semanrio Blitz

    em 1984 um momento chave na sua evoluo". (Nunes, 2004: 62-63).

    A Msica & Som comeou entre 1975, 1976. Com aquele formato inicial ainda

    durou uns 10 anos. Depois alargou para um formato que abarcava o video. Depois

    evoluiu para video, Musica e Som. A partir da j no estava to relacionado com a

    publicao.(Nunes, David: 2017)

    A Msica & Som nasceu, basicamente e acima de tudo, pela iniciativa de uma

    pessoa, o Artur Duarte Ramos, que foi o proprietrio da Msica & Som e que antes

    tinha estado numa outra revista pequenina de bolso que existiu e que se chamava

    Telesemana. A Telesemana foi dirigida durante muitos anos pelo Pedro Rolo

    Duarte. Uma pequena revista onde apareciam vrias coisas ligadas msica. O

    Artur Duarte Ramos tinha um interesse especial pela histria da msica, teve uma

    conversa com meia dzia de pessoas a propsito do projeto da Msica & Som . Hoje

    em dia sempre engraado rever artigos e reportagens que l foram publicados e

    que de alguma maneira so o espelho daquela poca. Eu posso recordar, entre as

    pessoas que trabalharam l: Jaime Fernandes, que tambm era meu colega na rdio e

    Bernardo Brito e Cunha que um jornalista que atravessa de forma transversal

    vrias publicaes. Esse que verdadeiramente um jornalista musical. Estava l

    muita gente com experincia de rdio, o Antnio Srgio, por exemplo que tambm

    acabou por entrar para a Msica & Som. O Joo Menezes Ferreira que fazia um

    programa comigo na Comercial a determinada altura que se chamava a Idade do

    Rock e fazia de meu parceiro na anlise de lbuns. O David Ferreira tambm

    passou por l, que me lembre. Foi uma escola para grandes profissionais. (Ibidem)

    Como refere Pedro Nunes: Com o surgimento do jornal (mais tarde revista) Musicalssimo

    (1978-1982) e da revista Msica & Som (1977-1989), ao qual devemos juntar no mesmo

    perodo, a fundao do semanrio de espectculos, o Se7e (1977-1995), o jornalismo centrado

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    7

    no pop-rock adquire uma visibilidade regular no espao jornalstico Portugus. Esta ser a

    segunda fase do jornalismo pop-rock. O suporte financeiro maior do que em tentativas

    anteriores, o que permite que estas publicaes tenham uma boa tiragem e circulao, e

    subsistam por mais do que um par de anos. Dentro desta fase, a fundao do Blitz (1984-) um

    momento-chave, dado tratar-se do primeiro e nico semanrio especializado em msica, sendo

    tambm a publicao mais bem-sucedida dentro do gnero. nesta fase que se destaca uma

    gerao de jornalistas e crticos que se dedicam escrita sobre o pop-rock. o caso de Lus

    Maio, Joo Lisboa, Ricardo Sal, Rui Monteiro, Antnio Pires e Miguel Esteves Cardoso, entre

    outros (Nunes, 2004: 78-86).

    Terceira fase:

    "A terceira fase marcada, por um lado, pela profissionalizao dos quadros do Blitz em

    1992, que acompanha a sua aquisio por um grupo meditico (Impresa). Por outro, pela

    presena dos suplementos de msica e de artes e espectculos onde a msica popular assume

    sempre grande destaque na linha editorial. o caso dos suplementos Pop/Rock (1990-1997) e

    Sons (1997-2000) ambos do dirio Pblico e do DN+ (1998-) do Dirio de Notcias. Com estas

    transformaes, o jornalismo pop-rock ganha maior visibilidade na imprensa, ao mesmo tempo

    que a sua integrao numa lgica de mercado traz algumas alteraes no estilo e na definio de

    uma linha editorial. A esta fase tambm corresponde a afirmao de uma nova gerao de

    jornalistas e crticos, embora a anterior se mantenha no activo. Dela fazem parte, entre outros,

    Nuno Galopim, Miguel Francisco Cadete, Fernando Magalhes (j falecido) e Vtor

    Belanciano". (Nunes, 2004: 78-86).

    Torna-se importante reiterar os suplementos que abordam msica, como o caso do Y

    (Pblico), DN+ (Dirio de Noticias). Segundo Nunes (citado por Lima, 2011: 20) ganharam

    peso falta de competitividade do mercado, constituindo um instrumento decisivo na

    manuteno da cultura da leitura sobre a msica popular. Conseguiram recrutar alguns dos

    jornalistas mais reconhecidos da rea, principalmente do Blitz, e alargaram o campo do interesse

    do pblico ao inserirem a cobertura e crtica de msica popular na imprensa generalista. Ainda

    segundo Nunes (citado por Lima, 2011: 21), o jornalismo musical portugus evoluiu durante os

    ltimos 20 anos, de uma espcie de jornalismo militante ideolgico para um jornalismo mais

    em linha com a noo de guia de consumo, ou seja, passou-se de um jornalismo formativo,

    educativo do cidado, para um jornalismo prestador de servio, guia ao cidado.

    2.2. A msica popular na esfera pblica

    A msica popular apresenta dificuldades a ser debatida no espao pblico. Para alm de

    que a msica popular pode ter um sentido poltico (Nunes, 2004:17). Prova dessa afirmao

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    8

    est na importncia que a msica popular teve nos movimentos contra-cultura como, o

    movimento de plenos direitos, o movimento contra a guerra [do Vietname] que emergiram

    precisamente dos festivais de rock, mais notavelmente no Woodstock e Isle of Wight. (Nunes,

    2004:17,18)

    O jornalismo musical em Portugal opera, por sua vez, numa escala decisivamente mais

    pequena.

    Este melhor descrito numa dimenso cultural do que no campo especfico do jornalismo.

    Apesar destas limitaes, o jornalismo de msica popular tem a sua prpria histria e

    importncia no contexto da pequena escala do jornalismo musical portugus. (Nunes,

    2004:103).

    A sria cobertura da msica popular acontece unicamente no nico ttulo portugus

    especializado (Blitz) e tambm nos suplementos dos jornais generalistas. (Nunes, 2004:104)

    Tabela 1-Jornalismo de hard news e de msica comparados por Forde (citado por

    Lima, 2011:18)

    Jornaiismo de Hard News Jornalismo de Msica

    Requer qualificao profissional reconhecida No requer formao jornalstica formal,

    exceto no caso de editores de notcias.

    Editores consideram a formao jornalstica

    formal um obstculo

    Lida sobretudo com a anlise de informao

    fatual

    Lida sobretudo com interpretao textual

    nfase da objetividade nfase na subjetividade

    Direccionado para a informao Direccionado para o produto

    Descritivo Avaliativo

    Reprteres Crticos

    Percurso profissional de longo termo Percurso profissional de curto termo, levando

    mudana de colaboradores

    Nvel elevado de estabilidade profissional Nvel elevado de instabilidade profissional

    Vida profissional e social tendem a ser

    separadas

    Vida profissional e social inseparveis

    Leitura demogrfica abrangente Leitura demogrfica baseada em nichos

    Leitores tendem a ser leitores para a vida Leitores tendem a permanecer com o ttulo

    por um perodo finito de tempo, determinado

    pela idade

    Tpicos poli-temticos e de longa cobertura Tpicos mono-temticos e de estreita

    cobertura

    A idade no representa necessariamente um

    factor-chave para assegurar a proximidade

    cultural com os leitores

    A idade representa um fator chave para

    assegurar proximidade cultural com os

    leitores

    No escrevem necessariamente para os

    leitores ideais dos ttulos

    Escrevem para os leitores ideais dos ttulos

    Trabalham para uma nica publicao Tendem a trabalhar para revistas que so parte

    de ttulos mais abrangentes

    Podem trabalhar para vrios ttulos (por vezes No podem, na generalidade trabalhar para

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    9

    rivais) ttulos/editores rivais

    Relativa estabilidade demogrfica dos leitores

    desejados

    Reviso demogrfica contnua de leitores

    desejados

    Distncia profissional da maioria das fontes e

    temas vistos como essenciais para o seu

    trabalho

    Falta de distncia profissional das fontes e

    temas vistos como essenciais para o seu

    trabalho

    2.3. O Jornalismo Musical e a Indstria discogrfica

    Segundo Nunes (2009:1696), no que concerne indstria musical, o "jornalismo musical surge

    numa posio duplamente ambivalente".

    "Por um lado, os jornalistas dentro da sua esfera profissional esto numa posio de

    dependncia: em relao s editoras, que lhes permitem ou facilitam o acesso s fontes de

    informao (artistas, discos, concertos); e em relao aos leitores que asseguram as vendas da

    publicao. Por outro lado, os jornalistas pela sua posio enquanto mediadores/produtores

    culturais, tm que articular essa tenso quando escrevem sobre msica, gerindo da melhor forma

    a relao entre a sua dimenso comercial e artstica. margem da sua relao com a indstria

    musical, o jornalista pertence em outra instncia a outra indstria - a imprensa - e a uma

    organizao profissional-a publicao para a qual escreve.

    Segundo Negus (citado por Nunes, 2009:1698)

    " semelhana do que sucede com o staff da promoo, o promotor da imprensa tenta

    sensibilizar uma comunidade de jornalistas para um artista ou evento. Quando o produto

    artistico est pronto para ser lanado no mercado, o promotor de imprensa j saber quem gosta

    de determinado artista e quem poder escrever a crtica ou a pea mais interessante e influente".

    Esta relao de dependncia tambm pode ser vista pela importncia de publicidade no

    jornalismo musical.

    De facto, Nunes (2009:1699) refere que a publicidade assegura a viabilidade financeira da

    publicao, ao mesmo tempo que contribui para "segurar"determinada fatia de pblico. Neste

    sentido, as publicaes sobre msica tornaram-se em guias de consumo e de estilos de vida.

    A relao entre publicidade e crtica jornalistica assim muito complexa.

    Certos autores propem uma viso mais prxima da sociologia do gosto proposta por Bourdieu

    (1984), o que faz com que o critico de msica atue enquanto gatekeeper do (bom) gosto.

    Tal ideia vai de encontro s ideias veiculadas por Harley e Botsman, ou Frith:

    A funo do jornalismo musical no residir tanto na prestao de um servio ao consumidor

    de msica, nem no facto de ele tornar a msica popular intelgivel para o pblico, mas na

    criao de uma comunidade seletiva e conhecedora.

    A crtica musical, aponta Nunes, (2009:1700) selecciona ao mesmo tempo que informa o seu

    pblico.

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    10

    Segundo Shuker, os crticos de msica constroem a sua verso da diviso entre cultura elevada e

    cultura baixa, regra geral, atravs de integridade artstica, autenticidade e da natureza comercial

    da msica.

    2.4. Jornalismo digital no plano internacional

    O jornalismo nas redes digitais e especificamente na internet um fenmeno

    relativamente recente, que se disseminou aproximadamente em 1994 em

    paralelo com a World Wide Web. O estudo deste fenmeno comunicativo

    comeou simultaneamente em diversos pases.

    Tal situao foi ajudada pelas novas possibilidades de comunicao entre

    acadmicos -email ou world wide web foram e so uma das mais usadas

    ferramentas da comunidade acadmica.

    O alcance destas novas formas de comunicao global ajudou a elevar a

    ateno de grupos de pesquisa, tornando possvel solidificar a rede de

    contactos. (Palacios, Noci, 2011:11)

    Em Janeiro de 1994 constava na web o primeiro exemplar digital do Palo Alto Weekly,

    nos EUA. Uma publicao que ficou na histria do ciberjornalismo por ter sido o

    primeiro media escrito a ser publicado de maneira regular na web. (Bastos, 2011:153).

    Nos EUA, neste perodo, investiu-se em massa nos recursos humanos, financeiros e

    recursos simblicos, nos seus empreendimentos no impressos, com uma intensidade

    que a indstria nunca tinha visto antes. (Boczkowski citado por Bastos, 2011:154).

    Valcarce e Marcos (2004) distinguem vrias etapas por ordem cronolgica na evoluo

    da imprensa digital. Na primeira fase, entre 1985 e 1992, desenvolvem-se as primeiras

    experincias eletrnicas em diferentes suportes (teletexto, fax, videotexto, prottipos

    difundidos atravs de fibra tica). A esta fase os autores denominam gerao zero.

    Entre 1992 e 1994 registam-se as primeiras incurses da imprensa em redes comerciais

    pagas, como a American Online (AOL), com a transposio das edies tradicionais

    marcadas por uma grande carncia dos elementos grficos. A terceira fase, a partir de

    1995 marcada pela ecloso da web e a generalizao dos dirios online gratuitos. A

    princpio reproduzem quase na ntegra as verses de papel, mas depois foram

    desenvolvendo novos formatos e contedos prprios. Seguiu-se uma fase caracterizada

    por um jornalismo contnuo, em permanente atualizao. Os media digitais comearam

    a tornar-se mais parecidos com portais, incorporando na sua oferta novos servios. Por

    fim, a partir de 2002, estalou a onda de contedos ou servios pagos: a informao,

    sobretudo a especializada, comeava a deixar de ser grtis. (citado por Bastos,

    2011:155).

    Desde 1994 at atualidade o ciberjornalismo cultural a nvel mundial tem evoludo de

    forma crescente. Publicaes como o New Musical Express, Wired ou Spin apresentam

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    11

    links para subscrio, fotogaleria, vdeo, estabelecendo ainda ponte entre a publicao

    impressa e digital.

    A imprensa escrita comea a decrescer nas vendas, dando lugar a uma aposta no online.

    H dcadas que os jornais comearam a experienciar quebras na circulao. Os

    jornais dirios caram 30% na circulao em 20 anos (de 62, 3 milhes em 1990

    para 43,4 milhes em 2010).

    (Graves et al 2011:8)

    A difuso das notcias em dispositivos mveis como o ipad, j uma realidade em

    publicaes como a Wired e a Time Inc.

    A Wired vendeu 100,000 cpias atravs do Ipad em Junho de 2010, mas o nmero

    desceu para 22,000 em outubro. Em 2011 as vendas por ipad atingiram 30,000 por

    edio. A circulao mensal da Wired ronda 800,000 cpias, baseadas em subscries,

    essencialmente. S um pequeno nmero vendido como PDF (Graves e tal, 2011:57)

    O vdeo tambm entrou em fora no vocabulrio jornalstico americano.

    O vdeo tornou-se num elemento essencial da experincia digital. Segundo a

    Comscore, cerca de 89 milhes de pessoas nos EUA, viam pelo menos um vdeo

    online, ou publicidade, diariamente pelo final do ano de 2010 (Graves et al, 2011:59).

    2.5. Jornalismo cultural em Portugal: do papel ao ciber

    Para Mark Poster (1995), os media sustentam, na sua essncia, uma transformao

    profunda da identidade cultural, ao reconfigurarem os tradicionais mecanismos de

    expresso (palavras, sons e imagens), fragmentando-se esta em formas

    significativamente diferentes umas das outras, opostas ao conceito de identidade na

    modernidade (citado por Silva, 2009:92).

    O jornalismo cultural em Portugal enferma, contudo, da enorme falta de estudos e dados

    sobre o assunto.

    Sabe-se, ainda assim, que a primeira revista de carcter cultural a Gazeta Literria ou

    Notcias Exactas dos principais Escritos Modernos, editada em 1761, no Porto.

    At segunda metade do sculo XIX dominou a noo de cultura clssica ligada ao

    erudito e s artes superiores, tendncia que ainda se verifica em alguns media culturais,

    com a emergncia da sociedade de massas, duas grandes concees se articularam uma

    emergente do pensamento marxista e outra liberal- com diferentes vises sobre a cultura

    de massas (Silva, 2009: 92).

    Adorno e Horkheimer criam o conceito de indstria cultural, que marca o fim da

    separao entre as esferas de arte superior e inferior, e os cultural studies que rompem

    com a distino entre cultura de elite e cultura popular.

    Nos sculos XIX e XX foram abundantes e efmeras as revistas de cultura e

    pensamento. Durante a ditadura, publicaes como o Tempo e o Modo ou a Vrtice,

    constituam veculos de tertlias, cineclubes e movimentos literrios que existiam

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    12

    margem da ditadura. Durante este perodo, a oferta baseava-se na revista Flama e no

    Sculo Ilustrado, suplemento semanal do dirio O Sculo, que dava espao cultura e

    ao espectculo. (Silva, 2009: 94).

    Com o 25 de Abril de 1974, d-se a exploso das manifestaes culturais at a

    reprimidas, naquilo que configurou o nascimento das indstrias culturais no pas. Havia

    um teatro em cada esquina e uma corrida vida aos cinemas, que agora passavam tudo o

    que at a se via apenas l fora2.

    Nos anos ps-revoluo muitos ttulos desapareceram (Repblica, Jornal Novo, A Luta,

    O Tempo, O Jornal) observando-se uma tendncia de segmentao e especializao

    cada vez maiores que far com que, na dcada de 80, comecem a aparecer jornais e

    revistas especificamente dedicados cultura3.

    Nesta altura surgem dois semanrios exclusivamente dedicados rea da cultura e

    espetculos: o Se7e e o Blitz, publicao que se mantm at aos dias de hoje. Ambos

    iam bem para l do jornalismo cultural, sendo responsveis por uma vivificao da cena

    artstica portuguesa, no s porque a acompanhavam exaustivamente como tambm

    porque criavam tendncias e vanguardas, premiadas todos os anos nas sesses dos

    Se7es de Ouro e Prmios Blitz4.

    As indstrias criativas, por outro lado, geraram novas audincias, que foram apropriadas

    rapidamente pelos media. A informao cultural alargou-se aos jornais generalistas que

    criaram seces para a cultura, a partir dos anos 80.

    No entanto, a hegemonia televisiva acabaria por afetar a imprensa. De um panorama

    equilibrado de matutinos e vespertinos, no ficou um nico vespertino ( Dirio de

    Lisboa, Dirio Popular, Repblica ou A Capital , entretanto vrias vezes ressuscitada e

    defunta). Temos hoje apenas trs dirios de referncia: Dirio de Notcias,

    Pblico e Jornal de Notcias5.

    O fenmeno televisivo deu origem multiplicao de revistas de vida social, que se

    centram na vida das celebridades, muitas delas desencadeadas pelas televises e os

    seus reality shows.

    O Jornal de Letras, Artes e Ideias resiste desde 1981, agora com uma tiragem residual e

    periodicidade quinzenal.

    Hoje a conceo do jornalismo cultural no unnime nos media mundiais e

    portugueses. Algumas publicaes optam por uma vertente mais clssica outras, por

    uma vertente mais alargada aos produtos das indstrias culturais e criativas.

    Para Rivera (2003) o jornalismo cultural torna-se assim: uma zona muito complexa e

    heterognea de meios, gneros e produtos que abordam com objetivos criativos,

    reprodutivos e informativos os terrenos das belas-artes, belas-letras, as correntes de

    pensamento, as cincias sociais e humanas, a chamada cultural e muitos outros aspetos

    2 Carmo, Maio, in Evoluo portuguesa do jornalismo cultural, disponvel em

    http://www.janusonline.pt/2006/2006_2_2_9.html 3 ibidem 4 ibidem 5 ibidem

    http://www.janusonline.pt/2006/2006_2_2_9.html

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    13

    que tm a ver com a produo, circulao e consumo de bens simblicos, sem importar

    a sua origem e o seu destino (citado por Silva, 2009:94)

    Por outro lado, "no se pode dizer que o jornalismo cultural ocupe um lugar importante

    na imprensa portuguesa, comparativamente com outros pases, em particular o Brasil, a

    Espanha e o Reino Unido" (Silva, 2009:95).

    Nos jornais dirios existem suplementos dedicados s artes e cultura, o Pblico com o

    Ipsilon e o caderno P2, publicando ao sbado o suplemento Fugas.

    O Dirio de Notcias apresenta diariamente as seces artes e media, o suplemento IN

    ao sbado e a revista Notcias Magazine, ao Domingo. O Correio da Manh e o Jornal

    de Notcias debruam-se sobre um jornalismo cultural popular, dedicado em grande

    parte s celebridades.

    No que diz respeito aos semanrios, o Expresso apresenta um suplemento, o Atual

    dedicado cultura, e o Sol aposta mais numa cultura de lazer, tanto nas pginas do

    jornal, quer na revista Tabu. J as newsmagazines, como a Sbado ou a Viso apostam

    cada vez mais na divulgao de cultura.

    Segundo Dora Santos Silva, hoje assiste-se a duas tendncias do jornalismo cultural

    em Portugal: ao mesmo tempo que a cultura aparece normalizada subordinada agenda

    de eventos e ao mercado das indstrias culturais, surgem novas instncias de

    legitimao da cultura em revistas alternativas, que conseguem fidelizar pblicos com

    propostas estimulantes e originais. So os casos da Egosta, a NEO2, a N &Style, a DIF,

    a Parq e muito recentemente, a Time Out (Silva, 2009:95)

    No que ao ciber diz respeito, a abordagem histrica dos primeiros 12 anos do

    ciberjornalismo em Portugal pode ser dividida globalmente em trs fases: a da

    implementao (1995-1998), a da expanso ou boom (1999-2000) e a da depresso

    seguida da estagnao, a partir de 2001 (Bastos, 2011:158).

    Segundo Antnio Granado (2005), a RTP foi o primeiro rgo de comunicao social

    portugus a registar domnio na internet (rtp.pt) em Maio de 1993 (citado por Zamith,

    2008:13). Mas, segundo Bastos (2000), s a 26 de Julho de 1995 um media portugus, o

    Jornal de Notcias, comeou a transpor o contedo para a internet.

    Em 5 de Janeiro de 1998 o semanrio Setbal na Rede torna-se o primeiro jornal

    exclusivamente online em Portugal (Zamith, 2008:13). Em 2000 seguem outros ttulos

    s online como o Mais Futebol (05 de Junho), Portugal Dirio (14 de Julho), Agncia

    Financeira (08 de Setembro) e Dinheiro Digital (12 de Dezembro). (ibidem).

    A primeira fase traduz-se no shovelware: os jornais abrem os respetivos sites para neles

    reproduzirem os contedos produzidos para a verso de papel, as rdios transmitem na

    web sinal hertziano, as televises os seus telejornais. A fase do boom marcada pelo

    aparecimento dos primeiros jornais generalistas exclusivamente online, como o Dirio

    Digital e o Portugal Dirio. A fase da depresso marcada pelo encerramento dos sites,

    cortes em pessoal e reduo das despesas. A bolha digital rebentara e o investimento

    publicitrio decara. Seguir-se-ia um perodo de estagnao generalizado, de reduzido

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    14

    investimento a todos os nveis, pontuado por alguns investimentos em contracorrente".

    (Bastos, 2010:159)

    O ano de 2001 marca, assim, o fim do boom dos sites noticiosos portugueses, com o

    aparecimento dos primeiros sinais de recesso, devido aos baixos resultados

    econmicos. Modelo de negcio precisa-se.

    No esquecer, contudo, que desde 2008, os media tradicionais j olham de outra forma

    para o digital. O grupo Impresa apostou na integrao multimdia dos sites do jornal

    Expresso e da revista Viso, o grupo Global Notcias/Controlinveste renovou os seus

    sites generalistas nacionais Jornal de Notcias, TSF e Dirio de Notcias e lanou

    um site noticioso especializado em economia Dinheiro Vivo , o grupo Cofina

    (Correio da Manh, Jornal de Negcios, Record e Sbado) tambm reforou o online, e

    a introduo do vdeo generalizou-se, com destaque para as experincias dos dirios

    Pblico, A Bola, Jornal de Negcios e Dirio Econmico e da Rdio Renascena

    (Zamith, 2011:53).

    De qualquer das formas, independentemente das fases, com o advento do

    ciberjornalismo, iniciou-se um novo paradigma, que apesar de no apresentar um ritmo

    to acelerado comparado escala internacional, o facto que progressivamente

    publicaes como a Viso, a Sbado a Blitz j apresentam contedos especficos para a

    internet. J para no falar nas publicaes que nasceram nos ltimos tempos na internet,

    como o caso da Punch Magazine6, da Rdio Alternativa 21

    7 ou Bodyspace.net8.

    O provrbio chins_Talvez viva em tempos interessantes_est

    presente na nossa realidade. Estamos perante uma nova revoluo,

    repleta de avanos na internet e tecnologia. Diariamente existe uma

    abundncia de informao e o tamanho da interao social atingiu uma

    escala colossal. O acesso informao atingiu um novo paradigma.

    Passou da escassez para a abundncia.9.

    6 http://punchmagazine.net/ 7 http://www.radioalternativa21.com/ 8 http://bodyspace.net/ 9 Remoreras, Glenn, Forecast 2020: web 3.0 and collective intelligence, disponivel em

    http://glennremoreras.com/2010/07/28/forecast2020/

    http://punchmagazine.net/http://www.radioalternativa21.com/http://bodyspace.net/http://glennremoreras.com/2010/07/28/forecast2020/

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    15

    3. Os casos de Estudo

    3.1. Mundo da Cano: o Contexto

    Entre o Nacional-Canonetismo e a Cano de Protesto

    O Mundo da

    Cano surgiu em

    Portugal num

    contexto scio,

    politco e econmico

    delicado.

    Um pas de certa

    forma atrasado nos

    mais diversos niveis

    (como o cultural)

    vivendo sob a tutela

    do Estado Novo, com

    contudo, alguma

    lufada de ar fresco: a

    Primavera

    Marcelista. Mas era

    sempre necessrio

    "fintar" o lpis azul, sempre atento a qualquer ousadia.

    Nos anos 60 e 70 encontramos duas mudanas musicais: entre o nacional

    canonetismo e a msica de protesto e as movimentaes preliminares do rock em

    Portugal.

    Recorrendo a Joo Lisboa (citado por Guerra, 2010: 195) podemos desde logo

    comear por problematizar a expresso "msica popular portuguesa", na medida em que

    esta pode assumir vrias conotaes que vo desde a msica que o povo gosta, a msica

    do povo ou a msica derivada das razes e tradies populares.

    Sistematizando, a msica popular portuguesa provm de quatro registos musicais

    fundamentais: o fado, a cano de protesto, o folclore e o nacional canonetismo.

    Segundo Costa (citado por Guerra, 2010:196) o fado representado

    generalizadamente como uma forma cultural e musical tipicamente portuguesa, sendo

    uma fora importante na definio da identidade nacional em campanhas tursticas, nas

    Ilustrao 2-A revista Mundo da Cano

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    16

    vivncias emigrantes na historicidade das zonas especficas das cidades,

    designadamente de Lisboa e de Coimbra.

    A cano de protesto, por sua vez, nasceu nos anos 60 do sculo XX no nosso pas

    e est ligada oposio da ditadura.

    Segundo Duarte (citado por Guerra, 2010:196) podemos incluir os baladeiros, estilo

    muito associado a uma evoluo do fado de Coimbra. As letras das "baladas" dirigiam-

    se a problemas sociais e eram acompanhadas por uma viola acstica. Destacam-se os

    nomes de Jos Afonso e Adriano Correia de Oliveira.

    Segundo Pina Cabral (citado por Guerra, 2010: 197) o folclore foi tambm uma

    expresso popular relevante, pois enquanto produo cultural parece assumir um

    significado de pertena a um determinado grupo de pessoas e uma produo sistemtica

    de artefactos revivificadores dessa pertena.

    J o nacional-canonetismo recobre as canes e sonoridade promovidas pelo

    Estado Novo e largamente definidas na rdio e tv. So disso exemplo artistas como

    Madalena Iglsias, Simone de Oliveira, Artur Garcia e Antnio Calvrio.

    Segundo Monteiro (citado por Guerra, 2010: 197) coube ao nacional-canonetismo

    ajudar a reproduzir uma srie de esteretipos do nosso senso comum mtico "sobre

    Portugal, entre ele a figura do portugus "pobre mas honrado" e da "casa portuguesa

    com certeza".

    A histria da publicao Mundo da Cano assaz curiosa. Sabemos que em 1969

    o contexto era um pouco mais "aberto", marcado por uma srie de acontecimentos

    sociais, polticos e culturais, nomeadamente a Primavera Marcelista, o Woodstock, o

    Maio de 68 ou o programa Zip Zip.

    O meu av tinha uma grfica. Depois houve uma fase da minha vida particular,

    politica... estava cheio disto. Tinha uma correspondente em Frana que um dia no

    Vero veio c. Eram duas famlias. Sabia mais do Porto e de Portugal do que eu. Eu

    senti-me atrapalhado porque, foi a primeira vez que visitei muita coisa. Ela estava a

    estudar para engenharia quimica. Desci com eles at Nazar, Coimbra, mas...fomos

    para a esquadra. Ateno que isto muito importante. Ento eles disseram: voc

    no pode andar, a lei no permite. Todos ficaram muito chateados, perguntaram-me

    o porqu da situao. Isto h 50 e tal anos. Eramos quatro e l fomos para a esquadra

    Depois falei com a famlia e perguntei: quanto que me podem dispensar? (...)

    Vou ganhar uma bolsa e tal... E, assim, eu parti para Frana. Foi a melhor coisa que

    fiz na minha vida: sair daqui. Estive trs anos fora e vi muito. (Tavares

    Avelino:2017)

    O primeiro exemplar da revista Mundo da Cano, que tem como capa Padre

    Fanhais apresenta na parte final a Jane Birkin com Serge Gainsbourg. Portanto

    impregnava-se no papel experincias vividas, a cano francesa, a experincia de um

    mundo novo l fora. O espirito de liberdade, acima de tudo.

    Mas havia um propsito. O propsito do Mundo da cano....uns percebem logo ,

    outros so mais lentos porque no sabem muito bem a realidade que vivemos.

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    17

    Sobretudo os de fora, no percebem. Aquilo uma mistura. Se pegarem nos

    primeiros nmeros, vem coisas muito importantes. Porqu o Padre Fanhais? Porque

    vinha em destaque no programa zip zip por onde passaram os baladeiros todos. E ele

    foi o que teve mais impacto. A histria da msica em Portugal muito interessante,

    apesar de ser, de todas as histrias, a mais abandonada. Primeiro ser o teatro, o

    cinema,-A msica vem provavelmente em quarto lugar. (Ibidem)

    Deu voz a programas mticos da rdio em portugal como o "Em rbita". Fundador do FM

    Stereo da Rdio Comercial, Joo David Nunes um nome incontornvel na histria da

    divulgao musical em Portugal e tambm se recorda bem do impacto do Mundo da Cano na

    sociedade portuguesa do Estado Novo, onde nem todos se calavam.

    Foi uma publicao que deu ateno msica de vanguarda. Mas paralelamente

    existiam revistas extremamente populares que divulgavam a chamada msica

    mainstream que se ia fazendo na altura, que era a Plateia, mais ligada aos

    espetculos, ao cinema. Mas tambm dedicava ateno msica. Houve outra do

    Rdio Clube Portugus que se chamava Antena. E nos jornais havia alguma seco

    dedicada msica. Mais tarde, com o fenmeno punk, aconteceu algo muito

    engraado e que merecia ser estudado que tambm corresponde a um nicho tal como

    a Memria do Elefante: as fanzines. Eu lembro-me que o Antnio Srgio tinha uma

    (Nunes, David:2017)

    Eu nunca exerci verdadeiramente jornalismo musical. Eu como era uma pessoa

    atenta ao mundo musical, e como ouvia, passava e divulgava muita msica, achei

    natural quando me convidaram para fazer o que fiz na Msica & Som. Por outro

    lado, tive colaboraes dispersas com artigos, ou anlises de discos, entrevistas....No

    que diz respeito a coisas publicadas. Claro que em rdio fiz outras coisas. (Ibidem)

    Comecei a comprar a revista Mundo da Cano quando ela iniciou a publicao, a

    por volta de 1969, embora no tenha apanhado o primeiro nmero, consegui o

    comprar o segundo e adquiri-a ininterruptamente desde a. Aquilo o que transmitia

    era sobretudo uma opinio, uma discusso aberta e acesa sobre as tendncias da

    msica (...) Porque a msica no era apenas para se ouvir, descartar e deitar para

    fora; era algo sobre o qual se pensava. Uma das coisas em que o Mundo da Cano

    nos ajudou muito foi precisamente a pensar a msica (Pacheco, Nuno: 2017)

    Foi aquele perodo do nacional canonetismo, por um lado, e por outro a

    emergncia da nova msica portuguesa, e a Mundo da Cano ajudou a difundir,

    entre outros, o Zeca Afonso ou o Adriano Correia de Oliveira, todos eles passaram

    pelas pginas do Mundo da Cano como a nvel internacional. (ibidem)

    O Mundo da Cano conseguiu, pelo menos at 1973, colocar-se sempre a salvo da

    censura, escrevendo nas entrelinhas.

    Um bocadinho, claro que sim... era normal. O mximo que se arriscava era a revista

    ser apreendida rapidamente, e isso no era do interesse de ningum. evidente que

    ns tambm comemos a ter naquela altura algumas posies contra o regime, tudo

    aquilo que descobramos e achvamos que era do contra amos a correr ver: o Jos

    Mrio Branco, o Srgio Godinho... (ibidem)

    O trabalho era feito de forma subreptcia embora no estivesse na imprensa, sei

    disto porque conhecia pessoas que trabalhavam nos jornais -, inclusivamente nos

    jornais: quando se queria que uma notcia fosse lida no se utilizavam palavras que a

    censura iria de certeza cortar, mas sim palavras em cdigo que os leitores

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    18

    reconheciam. E o que se fazia nessas revistas, assim como em outras, como a

    Memria de Elefante... (ibidem)

    As crticas eram uma constante.

    Mas naquela altura j era um bocadinho frente, j se fazia a crtica quele jazz

    como sendo algo um pouco ultrapassado... Mas a revista ajudou-nos muito a formar

    opinio. E mesmo quando no concordvamos com o que lamos, aquilo incitava-

    nos ao debate e ajudou-nos a ter um olhar muito crtico sobre a msica. No se

    tratava apenas de ouvir, consumir e deitar fora... (ibidem)

    Torna-se, assim, pertinente questionar o que mudou no jornalismo musical desde a

    publicao Mundo da Cano.

    A Mundo da Cano tem todo um patrimnio e uma histria que falam por si,

    desde a censura at organizao de concertos de enorme valor cultural e histrico,

    as publicaes (Galveias, Lino:2017)

    A Scratch Magazine: Da origem ao contexto atual

    Ilustrao 3-A Scratch Magazine

    A Scratch Magazine um media online temtico focado nas artes, com especial enfoque na

    msica. Ancorado numa poltica de vintage e vanguardismo, a webzine diria e de mbito

    nacional.

    Pretende-se informar, ensinar, entreter e ajudar, atravs dos artigos, mas tambm promoo de

    eventos. A webzine apresenta responsabilidade social.

    O media Scratch Magazine formalizou-se em setembro de 2015, mas o inicio da sua histria

    remete para 18 de setembro de 2009, quando Irene Leite, a autora da presente investigao,

    decidiu criar um jornal online. Na altura no havia meios tcnicos nem econmico-financeiros.

    Apenas uma manifesta vontade de concretizar o projeto. O nome do media em construo era

    Som Letra, uma continuidade do prottipo de um jornal lanado para a disciplina de

    imprensa, entre setembro de 2008 e janeiro de 2009.

    Havia nome, havia blogue, havia uma jornalista com muita vontade de trabalhar.

    Diariamente comearam a ser publicadas noticias,e uma ou outra reportagem. Em dezembro de

    2009, Irene Leite comeou a olhar para as potencialidades da rede social facebook e

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    19

    paulatinamente o pblico foi aderindo s publicaes noticiosas e no s (msicas). Tudo foi

    acontecendo naturalmente e criou-se um microcosmos internauta. De dezenas de leitores

    passou-se para centenas. De centenas para milhares, at hoje. E a equipa foi aparecendo.

    Normalmente leitores que se tornaram fs da publicao. Assim, na presente reflexo

    contabiliza-se o incio da publicao a partir do dia 18 de setembro de 2009.

    Contudo, algumas questes impem-se:

    O que deve significar desempenho dos media?

    Lucro ou interesse pblico?

    Irene Leite iniciou toda esta aventura jornalstica naturalmente. Movida talvez por muitos

    conceitos hoje tidos como utopias, como liberdade de informao, criatividade e

    sustentabilidade criou o velhinho blogue intitulado Som Letra.

    No entanto, o caminho no foi fcil. No simples conciliar conceitos como interesse pblico e

    interesse do pblico. Por vezes existem divergncias nestes dois conceitos. Sabemos que a

    reaco do pblico sempre imprevisivel. Nem sempre a qualidade dos contedos jornalisticos

    vence. O entretenimento leva a carta branca. A prova desta realidade o sucesso da TVI com os

    seus eternos (never ending story) reality shows como o Big Brother, Quinta das Celebridades,

    ou Secret Story. a sociedade do espetculo no seu esplendor.

    O enquadramento legal da Scratch Magazine

    Ilustrao 4-O site da Scratch Magazine (www.scratchmag.org)

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    20

    engraado. Nunca pensei que uma teimosia saudvel pudesse chegar aos sete anos. Mas

    chegou. E sabem que mais? como aquelas paixes loucas que aparecem. Mas ateno, aqui

    no falamos de paixo s. Falamos acima de tudo de um caso srio de amor. Oh, dja vu.

    Entrar no mundo da economia de bits no foi fcil. Com efeito, neste editorial voltamos a bater

    (um pouquinho, ok?) na tecla da nossa histria, apenas porque o fim de mais um ciclo.

    [A Scratch] merece subir de escalo. No foi por acaso que a sua publicao para carter

    irregular aconteceu. Tive que encontrar outro trabalho para poder desenvolver este sonho,

    para que este no se torne numa utopia, ou pior, num pesadelo.

    Se h coisa que descobri que tenho perseverana. Porque adoro a minha formao base como

    jornalista. J falhei, claro. Mas retomei o percurso. E acredito muito no nosso trabalho. que

    ao longo destes sete anos passaram por esta casa tremendos jornalistas. ~

    E todos estes fatores so determinantes para os prximos desenvolvimentos. O ano que se

    aproxima ser muy profcuo e mais uma vez contamos convosco.

    Boas festas e

    Hasta la victoria siempre, dizia algum. Quem fala assim no gago10

    .

    Mais uma vez no foi fcil chegar ao estatuto atual de legalizao na ERC. No havia capital. O

    contexto scio-econmico mordaz, sobretudo para os mais jovens. Estgios no remunerados

    ou mal remunerados so o prato do dia no sculo XXI. Finalmente com alguma estabilidade

    financeira foi posssivel entrar com o processo de legalizao junto da entidade reguladora para a

    comunicao social. A marca inicial do projeto era Som Letra. Ciberjornal. No entanto, a

    marca Som Letra no era indita. Entra aqui uma questo muito importante na rea da

    internet e dos novos media: a questo dos direitos de autor. O Som no era da autora da autora

    da presente investigao. Tinha-se, por mais que custasse,que abandonar essa marca para seguir

    com um caminho transparente.

    Em semanas foi ponderado um novo rumo editorial para o projeto, mais voltado para a cultura

    dj rock n roll. Nasce assim a Scratch Magazine, com o lema O teu Som, uma forma de

    eternizar o velhinho Som Letra, nome que nunca foi nosso. A est um perigo da internet

    que foi ultrapassado. A tica e deontologia norteia a atividade jornalstica, facto que foi tido

    sempre em conta. Esta a melhor fase do projeto. Apesar de no reunir ainda muito capital

    social para avanar para outro patamar, a nivel de contedos no poderia estar mais slido. Para

    a equipa o mais importante.

    10 Leite,Irene, Amour, Amour, https://scratchmag.org/2016/12/01/amour-amour/, In Scratch Magazine

    https://scratchmag.org/2016/12/01/amour-amour/

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    21

    Nas origens

    Estudo de caso: O Som Letra

    A 18 de Setembro de 200911

    nascia um ciberjornal cultural, especialmente

    orientado para a rea musical, criado pela autora da presente investigao12

    .Um projeto

    em crescimento, pretendendo solidificar-se como uma marca independente, baseada na

    qualidade dos contedos, no prazer pela atividade, esprito de entreajuda, contnua

    aprendizagem e forte responsabilidade social13

    .

    Trata-se de um ciberjornal que foi idealizado h nove anos. A sua origem remonta a

    finais de 2008, quando surgiu como projeto de final de curso para imprensa. Na altura

    desenvolveu-se um jornal14

    e a vontade de expandir o projeto ficou.

    Aps terminar uma srie de estgios olhou-se para um blogue e decidiu-se

    transform-lo num jornal online. No havia equipa, rbricas, estatuto editorial, nem

    audiovisuais para tratar do desenvolvimento grfico do projeto. De centenas passou-se a

    milhares de seguidores do blogspot. Nesse espao de tempo encontrou-se equipa e

    juntamente com os leitores criaram-se rubricas para o ciberjornal.

    Todos os empreendores comeam em trs categorias: os seus gostos e habilidades;

    o que sabem, a sua educao, experincia; quem conhecem e os seus contactos na rede.

    Usando estes instrumentos, os empreendedores comeam a imaginar e a implementar os

    11 L 12 L 13 Ibidem 14 https://issuu.com/illuminatumm/docs/edicao_0_som____letra

    Ilustrao 5-O primeiro website do Som Letra, idealizado pelo designer Diogo Machado

    https://issuu.com/illuminatumm/docs/edicao_0_som____letra

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    22

    possveis efeitos que podem ser criados com as suas aces. Normalmente comeam

    pequeno, evoluindo para planos mais elaborados (Sarasvathy, 2001:2)

    Em finais de 2009, j com a ideia de construir o cibermeio de forma cada vez mais

    solidificada, nasceu o primeiro acerca de ns do Som Letra sob o mote Teimosia

    saudvel, desenvolvido pela autora da presente investigao.

    A vida um palco e ns somos os actores diz (e muito bem) Willliam Shakespeare.

    De facto, a vida demasiado curta para nos cingirmos a uma experincia profissional.

    No. H que variar e sobretudo aprender com esses novos desafios. No entanto, cabe-

    nos ns construir esse percurso (o que nem sempre fcil), tendo em conta os nossos

    sonhos e ambies, sempre com cautela, para que esses desejos no se tornem utpicos.

    Em poca de crise at sonhar torna-se complicado, pelo que torna-se importante

    concretizar cada ideia, de forma a no dar origem a contnuos sonhos/idealizaes que

    desembocam em frustrao. E ningum quer isso, certo? Por isso, aprender,

    trabalhando o que espero deste projeto de vida, sempre fundindo com os

    conhecimentos tericos adquiridos aquando da vida acadmica (que futuramente ser

    retomada com um mestrado em Multimdia). Porque, como diz Kurt Lewin, nada h

    mais prtico que uma boa teoria.

    Chama-se Som Letra este meu projeto de vida. Mas o que o Som Letra? Trata-se

    de uma teimosia levada a cabo por uma jornalista com muita vontade de trabalhar e

    sobretudo aprender. um blogue que procura exercer jornalismo cultural atravs da

    elaborao de entrevistas, reportagens, artigos, etc. Um projeto em crescimento, que

    espera um dia abandonar o blogue (daqui a dois anos, mais concretamente) e

    solidificar-se como uma marca independente.

    Podem chamar-me chata, ansiosa, sonhadora, iludida ou utpica (no pior dos

    cenrios). Eu at nem discordo (pelo menos dos trs primeiros) destes apelidos. Mas

    como estou a gostar cada vez de um discurso sinttico, prefiro resumir estes adjetivos a

    duas palavras: Teimosia Saudvel.

    Uma teimosia que foi levada at ao fim, com a formalizao do media, a 18 de

    Setembro de 2015, data do seu sexto aniversrio como ciberjornal.

    Diariamente so editados os contedos da equipa, para alm de se tratar da

    divulgao do projeto junto das promotoras de eventos, e iniciar todo um conjunto de

    parcerias estratgicas com projetos semelhantes, como a publicao Bandcom, ou a

    Elenco Produes. Trata-se ainda da presena do media nas redes sociais e inicia-se

    diariamente o processo de interaes com os leitores.

    A equipa15

    , que, para j, colabora em regime de voluntariado proveniente de reas

    diversificadas: sociologia, relaes internacionais, psicologia, cinema, jornalismo e

    audiovisual. Cada um complementa-se entre si numa escrita que se pretende viva para

    um jornalismo musical de qualidade.

    15Leite, Irene , Equipa, disponvel em http://somaletra.wordpress.com/contactos-2/equipa/

    http://somaletra.wordpress.com/contactos-2/equipa/

  • Tempos, espaos e atores do jornalismo musical em Portugal: Os casos do Mundo da Cano e da Scratch Magazine

    23

    Nos primeiros dois meses de vida do media, os contedos foram apresentados e

    trabalhados sem qualquer auxlio de redes sociais, at ao dia em que se julgou pertinente

    criar um facebook para o projeto, que ficou operacional em Novembro de 2009. No

    entanto, a utilizao na altura era bastante redutora, com o link de um ou outro post. No

    entanto, a partir de Janeiro, com outro olhar sobre a ferramenta e das possveis

    vantagens que poderia vir a ter no trabalho, e na rede de contactos e novos pblicos, a

    colocao de posts passou a ser regular e num espao de trs meses o Som Letra

    comea a criar o seu microcosmos internauta: centenas de pessoas comearam a

    seguir o blogue.

    A audincia comeou a comunicar regularmente atravs da rede social do facebook

    e as rubricas do ciberjornal foram sendo construdas em conjunto.

    Um dos aspetos da web 2.0 o aproveitamento da inteligncia coletiva para gerar

    novos contedos. No Som Letra o ciberjornal foi sendo construdo com as dicas dos

    leitores (figura 1 e 2).

    A participao dos cidados nesta cultura de convergncia faz com que o fluxo de

    contedo que passa por mltiplas plataformas de meios estabelea uma cooperao

    entre mltiplas industrias e um comportamento migratrio da audincia dos meios de

    comunicao disposta em quase qualquer lugar em busca do tipo de experincias, seja

    lazer ou informao especializada que o leitor precise. (Vivar, 2011:161)

    Ilustrao 6-As emisses preparadas em parceria com os leitores

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    3.2. O papel do facebook na solidificao da marca Som Letra

    Sims (2009) identifica novos players no mercado da informao jornalstica: os

    agregadores, como o The Huffington Post; as micro-plataformas que abrigam

    contedos informativos como o Facebook e o Blogger; e os agregadores como o

    Google News, o dailyLife, entre outros. um conjunto de players que atua em cadeia e

    conduz, em ltima instncia, audincia para um website jornalstico vinculado a uma

    grande marca (citado por Corra e Lima, 2010:11).

    Trata-se de um novo caminho que o consumidor de informao percorre, no qual

    vai agregando informao e conhecimento, formando opinio, at chegar com viso

    prpria e critica ao website que, no modelo 1.0 era a fonte nica e direta de informao.

    Assim, modificam-se os indicadores de competitividade nas empresas informativas

    da Web 2.0, que em termos quantitativos pela quantidade de fontes de agregao ao

    contedo disponibilizado sob a marca informativa; e em termos qualitativos pela

    profundidade no tratamento da informao. Tudo isso passa pela reorganizao do

    processo redaccional, reorganizao da prpria disponibilizao da informao no

    website, enfatizando a participao dos agregadores e dos usurios, considerando o

    prprio website como uma comunidade e no como um espao comercial (Corra e

    Lima, 2010:11).

    Ilustrao 7- Um media em construo com os leitores

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    A identidade grfica16

    foi sendo trabalhada ao longo dos ltimos oito anos pelo

    designer Diogo Machado e Ctia Cruz. A regra chave do design do Som Letra Keep

    it simple. Inicialmente o logtipo do projeto idealizado pela mentora do media, Irene

    Leite, abrangia uma clave de sol. No entanto, o aspeto era amador e precisava de ser

    alterado.

    Numa fase seguinte ainda se tentou manter esta caracterstica, mas logo constatou-

    se que seria prejudicial para os pilares que foram sendo construdos: simplicidade,

    usabilidade, jovialidade. Assim, optou-se por um logtipo tipogrfico.

    Fogg (2009) constata que o problema que acontece em muitos projetos o facto de

    serem muito ambiciosos, e estes esto destinados ao falhano (Fogg, 2009:1).

    No caso do Som Letra, o projeto foi fluindo naturalmente, sem grandes

    ornamentaes. O mesmo aconteceu com o design, que, com o tempo tornou-se mais

    profissional e com princpios. Primeiro aconselhvel comear em pequena escala, e

    depois alargar os objetivos. Uma forma de evitar frustraes (Fogg, 2009:2).

    Fogg (2009) identifica oito passos no processo de desenvolvimento do design:

    escolha de um simples comportamento para moldar; escolha de uma audincia recetiva;

    encontrar o que est na origem do comportamento do target; escolher um canal

    tecnolgico familiar; encontrar exemplos relevantes de tecnologia persuasiva; imitar

    casos de sucesso; testar as experincias persuasivas.

    Com efeito, no se deve comear pela complexidade. No Som Letra, ao contrrio

    do que aconteceu com os contedos (que foram involuntariamente ter com o pblico) no

    design h que escolher um target.

    Atingir pequenos objetivos pode trazer mais benefcios a longo prazo; pequenas

    intervenes levam a uma ambio construda com o tempo (Fogg, 2009:2)

    importante que a audincia seja recetiva, e caso surjam barreiras tentar encontrar

    as razes para entender por que motivo a comunicao no foi bem-sucedida.

    A familiaridade com a tecnologia basilar, ainda para mais num contexto de

    ciberjornal.

    16 http://www.behance.net/gallery/SOM-A-LETRA/1107021#.T2YGqnyRGec.facebook

    Ilustrao 8- Estatstica de post views na pgina do facebool desde novembro de 2010

    http://www.behance.net/gallery/SOM-A-LETRA/1107021#.T2YGqnyRGec.facebook

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    Os aventureiros podem ser um bom target. muito mais fcil uma audincia

    familiarizada com as tecnologias e que goste de experimentar coisas novas (Fogg,

    2009:2).

    Ilustrao 9-O Primeiro logtipo

    Ilustrao 10-O segundo logtipo, ainda com a clave do sol

    Ilustrao 11- Um logtipo tipogrfico, desenvolvido por Joana Quintela

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    Ilustrao 12-Terceiro e definitivo logtipo

    Ilustrao 13- Inicialmente, o

    endereo do Som Letra era um

    blogue, muito pobre em design, mas

    que foi evoluindo paulatinamente

    Ilustrao 14- O segundo blogue e

    casa do Som Letra

    Ilustrao 15- Em 2013 foi

    movido todo o arquivo para

    esta plataforma wordpress,

    desenvolvendo futuramente o

    design casa vez mais simples e

    direto

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    As vertentes do Som Letra

    A Som Fm

    A Som Fm, primeiro projeto de rdio idealizado, uma webrdio pautada pela

    qualidade dos contedos. Assume-se como divulgadora de som fresco c dentro e l

    fora, sem esquecer os velhos clssicos. No que toca aos gneros, abraa a new wave,

    pop alternativa, todas as variantes do rock, e ainda punk, blues, jazz, country.

    Apresenta programas de autor (msica, literatura, teatro, cinema), rbricas de

    humor, passatempos, radionovela. A webrdio rege-se pela mincia, qualidade e

    responsabilidade.

    So objetivos da webrdio: a promoo e divulgao da msica nacional (cerca de

    50%); A promoo e divulgao de todas as formas de expresso cultural, tanto a nvel

    nacional, como internacional; A organizao, a promoo e a realizao de festas

    temticas. Ser inclusive recuperado o conceito de festa de garagem; Conceo,

    organizao e implementao de programas culturais e artsticos.

    Ilustrao 16- O primeiro website da Som FM

    Ilustrao 17 Publicidade Som FM

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    O projeto j apresenta equipa e programas que vo constar da grelha oficial:

    Devaneios (Irene Leite), Back on Track (Ricardo Vieira e Paulo Martins), Progressive

    Head (Irene Leite e Andr Lucas), Num filme sempre electropop (Irene Leite), ou De

    Sons s Costas (Lino Galveias). A webrdio j apresenta indicativo e grelha de

    programao provisria. Jorge Brando a voz dos spots da rdio, que tambm se

    assume como comunitria.

    J comeou tambm a ser desenvolvido o website do projeto, que neste momento se

    encontra muito bsico, mas j com preocupao em interagir com o pblico, no s

    atravs das redes sociais, mas tambm atravs de sondagens.

    Tabela 2- A programao provisria da Som FM

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    A Som TV

    Trata-se de uma web tv dedicada arte de vanguarda, abraando a comunidade.

    Videoarte, msica, teatro, humor, responsabilidade social o que esperamos da Som

    TV. Sempre em constante mutao numa sociedade que deambula cada vez mais entre o

    virtual e o real, a web tv rege-se pela mincia, qualidade e vanguarda.

    So objetivos da Som TV a promoo e divulgao de arte de vanguarda; a

    promoo e divulgao de todas as formas de expresso cultural

    a promoo do civismo; a promoo de eventos temticos: sesses de filmes,

    videoclipes de novas bandas; conceo, organizao, apoio a programas culturais e

    artsticos.

    Som Cvico

    O Som Letra assume-se como um media cvico, atento s necessidades da

    comunidade.

    Por cada evento que organizar, far uma reportagem sobre a respetiva

    organizao, divulgando a sua origem, percurso e necessidades, tal como aconteceu com

    a Santa Casa da Misericrdia17

    e Acreditar18

    (eventos que ainda esto a ser

    planificados).

    17 Galveias, Lino, Santa Casa da Misericrdia, disponvel em http://somaletra.wordpress.com/2013/02/16/santa-casa-da-

    misericordia-do-porto/ 18 Leite, Irene, Acreditar, disponvel em http://somaletra.wordpress.com/2013/02/15/acreditar/

    Ilustrao 18- Logtipo desenvolvido por Irene Leite

    Ilustrao 19- Logtipo do Som Cvico desenvolvido por Irene Leite

    http://somaletra.wordpress.com/2013/02/16/santa-casa-da-misericordia-do-porto/http://somaletra.wordpress.com/2013/02/16/santa-casa-da-misericordia-do-porto/http://somaletra.wordpress.com/2013/02/15/acreditar/

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    O enfoque na primeira fase (2013) foram as crianas, mas futuramente ser

    alargado o pblico, promovendo aes solidrias, nem sempre musicais, mas debates,

    almoos, em parceria com outras organizaes.

    O Som Cvico refere-se vertente de responsabilidade social do ciberjornal Som

    Letra.

    A equipa estar sempre ativa na sua atividade, no s na procura de novas

    entidades, mas tambm atendendo s sugestes dos ouvintes e leitores.

    Ajudar, informar, alegrar o grande lema do Som Cvico.

    So objetivos do Som Cvico: Solidariedade; Humanitarismo; Respeito pelo

    indivduo; tica profissional; Qualidade.

    No incio de 2013 a equipa do Som Cvico proporcionou a membros da

    APPACDM, atravs de uma parceria com a Elenco Produes, uma tarde de animao a

    membros da instituio, que trabalha pela melhoria das condies de vida e de sade

    dos utentes com vantagens especficas na mobilidade.19

    Os membros da APPACDM