tempo de guerra e tempo de paz na antiguidade breves ... · história antiga e arqueologia, até...

21
Revista Mundo Antigo – Ano V, V. 5, N° 10 – Junho – 2016 – ISSN 2238-8788 NEHMAAT http://www.nehmaat.uff.br 231 http://www.pucg.uff.br CHT/UFF-ESR Tempo de Guerra e Tempo de Paz na Antiguidade Breves Considerações Historiográficas Prof. Dr. Dominique Santos 1 Submetido em 04/2016 Aceito em06/2016 RESUMO: A temática da guerra é de fundamental importância para a compreensão das sociedades da Antiguidade, mas até que ponto podemos falar de uma “naturalidade” da guerra? Levando este problema em consideração, a discussão aqui apresentada está dividida em duas partes bem evidentes: primeiramente, dedicamos nossa atenção aos motivos que levaram alguns historiadores a aceitar a tese da guerra como algo “natural” e “comum” na Antiguidade. Logo após, analisamos o argumento oposto, o de que a guerra não era algo “comum” e “natural”, mas que, na Antiguidade, havia a preocupação de se evitá-la e também alerta o suficiente sobre os perigos de suas devastações. O objetivo deste artigo é perceber como estas duas teses aparecem na historiografia específica da área de História Antiga. Palavras-chave: Guerra; Paz; História; Historiografia; Antiguidade. ABSTRACT: The theme of war is of vital importance for the understanding of ancient societies, but how far can we think about the war as something ‘natural’? Taking this problem into account, the following discussion is divided into two very evident parts: firstly, we devote our attention to the reasons that led some historians to accept the thesis of war as something ‘natural’ and ‘common’ in Antiquity. Then, we analyze the opposite argument, that the war was not something ‘ordinary’ and ‘natural’, but, in Antiquity, there was a concern to avoid it and also enough warning about the dangers of its devastations. This paper aims to understand how these two arguments appear in the specific historiography dedicated to Antiquity. Keywords: War; Peace; History; Historiography; Antiquity. Resumen: El tema de la guerra es de importancia fundamental para la comprensión de las sociedades antiguas, pero ¿hasta qué punto podemos hablar de una "naturalidad" de la guerra? Teniendo en cuenta este problema, la discusión aquí se divide en dos partes muy evidentes: primero, dedicamos nuestra atención a las razones que llevaron a algunos historiadores a aceptar la tesis de la guerra como algo "natural" y "común" en la antigüedad. Poco después, analizamos el argumento contrario, que la guerra no era "común" y "natural", sino que, en la antigüedad, había una preocupación para evitarla y también alertar lo suficiente acerca de los peligros de sus estragos. El propósito de este artículo es entender cómo estas dos tesis aparecen en la historiografía específica del área de Historia Antigua. Palabras-claves: Guerra; Paz; Historia; Historiografía; Antigüedad. 1 Professor de História Antiga na FURB - Fundação Universidade Regional de Blumenau e Coordenador do Laboratório Blumenauense de Estudos Antigos e Medievais [www.furb.br/labeam]. E-mail: [email protected]. O artigo em questão foi possível graças ao projeto de pesquisa 667/2012, intitulado: Culturas, fronteiras e identidades: repensando a Antiguidade entre o Mediterrâneo e o Mar da Irlanda, subsidiado pela Propex/FURB.

Upload: nguyenxuyen

Post on 20-Jan-2019

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 231 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Tempo de Guerra e Tempo de Paz na Antiguidade

Breves Consideraccedilotildees Historiograacuteficas

Prof Dr Dominique Santos1

Submetido em 042016

Aceito em062016

RESUMO

A temaacutetica da guerra eacute de fundamental importacircncia para a compreensatildeo das sociedades da

Antiguidade mas ateacute que ponto podemos falar de uma ldquonaturalidaderdquo da guerra Levando este

problema em consideraccedilatildeo a discussatildeo aqui apresentada estaacute dividida em duas partes bem

evidentes primeiramente dedicamos nossa atenccedilatildeo aos motivos que levaram alguns

historiadores a aceitar a tese da guerra como algo ldquonaturalrdquo e ldquocomumrdquo na Antiguidade Logo

apoacutes analisamos o argumento oposto o de que a guerra natildeo era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo mas

que na Antiguidade havia a preocupaccedilatildeo de se evitaacute-la e tambeacutem alerta o suficiente sobre os

perigos de suas devastaccedilotildees O objetivo deste artigo eacute perceber como estas duas teses aparecem

na historiografia especiacutefica da aacuterea de Histoacuteria Antiga

Palavras-chave Guerra Paz Histoacuteria Historiografia Antiguidade

ABSTRACT

The theme of war is of vital importance for the understanding of ancient societies but how far

can we think about the war as something lsquonaturalrsquo Taking this problem into account the

following discussion is divided into two very evident parts firstly we devote our attention to

the reasons that led some historians to accept the thesis of war as something lsquonaturalrsquo and

lsquocommonrsquo in Antiquity Then we analyze the opposite argument that the war was not

something lsquoordinaryrsquo and lsquonaturalrsquo but in Antiquity there was a concern to avoid it and also

enough warning about the dangers of its devastations This paper aims to understand how these

two arguments appear in the specific historiography dedicated to Antiquity

Keywords War Peace History Historiography Antiquity

Resumen El tema de la guerra es de importancia fundamental para la comprensioacuten de las

sociedades antiguas pero iquesthasta queacute punto podemos hablar de una naturalidad de la guerra

Teniendo en cuenta este problema la discusioacuten aquiacute se divide en dos partes muy evidentes

primero dedicamos nuestra atencioacuten a las razones que llevaron a algunos historiadores a aceptar

la tesis de la guerra como algo natural y comuacuten en la antiguumledad Poco despueacutes analizamos

el argumento contrario que la guerra no era comuacuten y natural sino que en la antiguumledad

habiacutea una preocupacioacuten para evitarla y tambieacuten alertar lo suficiente acerca de los peligros de sus

estragos El propoacutesito de este artiacuteculo es entender coacutemo estas dos tesis aparecen en la

historiografiacutea especiacutefica del aacuterea de Historia Antigua

Palabras-claves Guerra Paz Historia Historiografiacutea Antiguumledad

1 Professor de Histoacuteria Antiga na FURB - Fundaccedilatildeo Universidade Regional de Blumenau e Coordenador

do Laboratoacuterio Blumenauense de Estudos Antigos e Medievais [wwwfurbbrlabeam] E-mail

dvcsantosfurbbr O artigo em questatildeo foi possiacutevel graccedilas ao projeto de pesquisa 6672012 intitulado

Culturas fronteiras e identidades repensando a Antiguidade entre o Mediterracircneo e o Mar da Irlanda

subsidiado pela PropexFURB

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 232 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

O historiador italiano Arnaldo Momigliano em ldquoSome observations on causes of

war in ancient historiographyrdquo escreveu que os gregos aceitavam a guerra como um

ldquofato naturalrdquo assim como o nascimento ou a morte (MOMIGLIANO 1966 P 112-

125) Outro que figura entre os principais defensores desta ideacuteia eacute o francecircs Jean Pierre

Vernant que em ldquoProblegravemes de la Guerre en Gregravece Anciennerdquo observa que a guerra

era para os gregos parte do agon sendo assim o que preside as relaccedilotildees humanas algo

comum e natural (VERNANT 1999 P 11-38) Esta linha de raciociacutenio tambeacutem eacute

compartilhada por um outro grande especialista no estudo da Antiguidade trata-se de

Moses Finley que afirma que natildeo havia no mundo antigo uma condenaccedilatildeo especiacutefica de

se atingir determinado objetivo por meio da guerra desta maneira a violecircncia era

inerente ao funcionamento daquelas sociedades (FINLEY 1985 p 67-87) Adrian

Goldsworthy em sua obra jaacute traduzida para o portuguecircs ldquoGenerais Romanos- os

homens que construiacuteram o Impeacuterio Romanordquo interpreta da mesma maneira ele afirma

mencionando o exemplo dos romanos que para estes a guerra parecia ser uma praacutetica

inevitaacutevel uma vez que estava diretamente associada ao expansionismo territorial O

autor nos lembra que o Impeacuterio Romano afinal foi criado e mantido por meio do

exeacutercito sendo seus generais figuras fundamentais neste processo (GOLDSWORTHY

2007)

Eacute possiacutevel encontrar recorrecircncias a estas ideacuteias tambeacutem na historiografia

brasileira Joseacute Geraldo Costa Grillo e Pedro Paulo Abreu Funari por exemplo

discutem em um artigo de forma bastante interessante alguns posicionamentos

relacionados com a historiografia na Antiguidade especialmente com o recorte

especiacutefico da Greacutecia Antiga (GRILLO e FUNARI 2010 p 14-20) Os autores

sintetizam algumas mudanccedilas pelas quais o estudo da guerra na Greacutecia Antiga passou

nas uacuteltimas deacutecadas O mapeamento feito por eles aborda desde a reuniatildeo dos principais

temas da historiografia militar da Greacutecia Antiga feita por Raoul Lonis (1985) e a

ampliaccedilatildeo destas possibilidades levada adiante por Pierre Ducrey (1997 1999) que

situou as pesquisas sobre a guerra no conjunto das disciplinas envolvidas sobretudo

Histoacuteria Antiga e Arqueologia ateacute reflexotildees mais recentes elaboradas por diversas

tradiccedilotildees historiograacuteficas (inglesa francesa neerlandesa) e produzida por vaacuterios autores

(John Keegan Victor Davis Hanson Yvon Garlan Simon Hornblower et al) Estas

interpretaccedilotildees atuais adotaram novas orientaccedilotildees e passaram a estudar novos temas tais

como as relaccedilotildees de gecircnero identidades e subjetividades indiviacuteduo a violecircncia etc

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 233 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

para citar alguns exemplos mencionados pelos proacuteprios autores (GRILLO e FUNARI

2010 p 14-20) Segundo eles inuacutemeras destas mudanccedilas de foco e interpretaccedilatildeo estatildeo

relacionadas com acontecimentos modernos (Tais como guerra do Vietnatilde e da Boacutesnia)

que fizeram com que os classicistas repensassem a maneira de estudar os fenocircmenos

beacutelicos na Antiguidade Sem duacutevida trata-se de uma siacutentese interessante e de leitura

obrigatoacuteria Poreacutem no que diz respeito agrave menccedilatildeo sobre a naturalidade ou natildeo da guerra

a presenccedila invocada eacute a jaacute mencionada de Jean Pierre Vernant segundo quem como jaacute

vimos para os gregos da eacutepoca claacutessica ldquoa guerra era naturalrdquo a paz significava perda

de tempo na trama dos conflitos (GRILLO e FUNARI 2010 p 14-20)

Eacute uma questatildeo complexa pois seja no Egito na Mesopotacircmia entre Gregos

Romanos ou Celtas no periacuteodo da Antiguidade a guerra estava presente na vida

cotidiana dos homens e mulheres Grande parte dos nomes que aparecem nos livros de

Histoacuteria Antiga eram personagens ligados de alguma forma agrave guerra Ceacutesar Alexandre

o Grande Aniacutebal Trajano Vercingetoacuterix e Boudica satildeo alguns exemplos Da mesma

maneira inuacutemeros autores escreveram sobre a guerra de Aristoacuteteles a Poliacutebio de

Suetocircnio a Taacutecito A temaacutetica da guerra eacute de fundamental importacircncia para a

compreensatildeo das sociedades deste periacuteodo da histoacuteria da humanidade mas podemos

falar de uma ldquonaturalidaderdquo da guerra Este era o estaacutegio ldquonaturalrdquo para os povos da

Antiguidade Ou seja uma situaccedilatildeo inerente ao cotidiano a ponto de as pessoas

viverem esperando pela guerra algo inevitaacutevel a ponto de haver mais preocupaccedilatildeo com

as maneiras de se comportar quando este tempo chegasse do que com a proacutepria paz

Isto eacute o que abordamos a seguir

A discussatildeo que encaminhamos encontra-se dividida em duas partes bem

evidentes primeiramente dedicamos nossa atenccedilatildeo aos motivos que levaram alguns

historiadores a aceitar esta tese da guerra como algo ldquonaturalrdquo e ldquocomumrdquo na

Antiguidade Neste momento no desejo de compreender melhor o papel da guerra neste

tipo de sociedade tatildeo distante de noacutes no tempo mas capaz de nos permitir refletir sobre

nossas proacuteprias questotildees por meio de um questionamento identitaacuterio baseado na relaccedilatildeo

do eu com a alteridade apresentamos de forma sistemaacutetica alguns indiacutecios de como a

guerra era pensada logo apoacutes observamos o argumento oposto o de que a guerra natildeo

era algo comum e natural que neste periacuteodo que nos acostumamos a chamar de

Antiguidade tambeacutem havia a preocupaccedilatildeo de se evitaacute-la e haacute alerta o suficiente sobre os

perigos de suas devastaccedilotildees ou seja a paz eacute a vontade que prevalece Assim se por um

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 234 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

lado a guerra era uma constante na vida das sociedades antigas por outro de acordo

com os debates mais recentes na historiografia especiacutefica da aacuterea natildeo podemos afirmar

com certeza que ela era algo natural no mundo antigo

Da ldquonaturalidaderdquo da guerra nas sociedades antigas

No geral encontramos muita insistecircncia nesta ldquonaturalidaderdquo da Guerra no mundo

antigo Victor Davis Hanson por exemplo explica que seguindo teorias da

Antropologia em especial o estruturalismo corrente nos anos 60 na Franccedila Vernant P

Vidal-Naquet e Y Garlan sistematizaram estudos que apontavam para uma visatildeo

antropoloacutegica da guerra que influenciaria Finley e seus seguidores que escrevaram

sobre a guerra em termos de culto ritual psicologia gecircnero etc Estes estudos acabaratildeo

por corroborar a tese de que a guerra principalmente para os gregos era um estado

ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo e estava presente em todas as esferas sociais visatildeo sustentada por

Vernant que eacute um dos principais exponentes desta tese (HANSON 2007 p 273-299)

No que diz respeito a Garlan ele sustenta que o homem grego foi mesmo

belicoso e que isso se pode demonstrar com facilidade O autor recorre ao fato de que a

Atenas claacutessica esteve em guerra durante mais de dois anos em trecircs e que nunca

conheceu a paz durante dez anos seguidos Assim a paz pode ser entendida como uma

espeacutecie de ldquotreacutegua prolongada sendo a exceccedilatildeo e natildeo a regrardquo O autor lembra ainda

que soacute a guerra parece ser um assunto verdadeiramente digno de memoacuteria para os

historiadores gregos na vida diaacuteria ela eacute uma preocupaccedilatildeo constante para os cidadatildeos e

a todos os niacuteveis e em todos os campos se afirma o predomiacutenio do guerreiro Apesar de

podermos encontrar reflexotildees sobre a paz desde Homero ateacute finais da eacutepoca heleniacutestica

Garlan afirma que ela eacute apenas ldquoo ponto de chegada que coroa os feitos dos guerreirosrdquo

tal concepccedilatildeo natildeo contradiz a necessidade e a grandeza da guerra ao contraacuterio a

justifica atribuindo-lhe como fim uacuteltimo a felicidade (GARLAN 1994 p 47-74)

O historiador brasileiro Marcos Alvito afirma que a belicosidade era vista como

parte integrante da sociedade humana um meio ldquonaturalrdquo de aquisiccedilatildeo de bens no

mundo antigo assim como a caccedila ou a agricultura por exemplo (ALVITO 1988) Eacute a

mesma opiniatildeo de alguns dos autores jaacute mencionados Para sustentar sua argumentaccedilatildeo

sobre a ldquonaturalidade da guerrardquo Alvito recorre a Heroacutedoto O trecho escolhido eacute

bastante mencionado trata-se de uma parte da narrativa do historiador grego em que ele

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 235 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

descreve o conselho que o rei Croisos daacute ao rei persa Cyros quando este estava

preocupado com a possibilidade de os liacutedios se revoltarem Segue o trecho tal qual

mencionado por Alvito

manda proibiacute-los de possuir armas de guerra e ordena-lhes que usem

tuacutenicas sob seus mantos e calcem botas que ensinem seus filhos a

tocar ciacutetara e outros instrumentos de cordas e que tenham lojas

Entatildeo rei dentro de pouco tempo vecirc-lo-aacutes transformados em

mulheres em vez de homens e jaacute natildeo teraacutes receios de sua rebeldia

(Heroacutedoto I 155)2

Alvito interpreta a passagem acima como uma incitaccedilatildeo aos valores da guerra

uacutenica capaz de forjar homens e estimular as virtudes necessaacuterias aos mesmos Em sua

obra ele acentua o fato de que o ato de ldquotocar ciacutetara e outros instrumentos de cordardquo

transformaraacute os homens em ldquomulheresrdquo uma metaacutefora para enfatizar que natildeo mais

seratildeo dados agrave guerra mas a outras atividades assim natildeo mais seratildeo rebeldes Em outro

momento Alvito utiliza a religiatildeo e sua relaccedilatildeo com a guerra como forma de defender

sua tese de que a guerra era algo natural para os gregos O autor lembra que as

divindades guerreiras natildeo sofriam concorrecircncia daquelas ligadas agrave paz da mesma

maneira ldquoos oraacuteculos jamais recomendavam a paz mas a guerra (ALVITO 1988)

Seguindo a mesma concepccedilatildeo de Garlan Alvito tambeacutem afirma que a paz era apenas

um ldquointervalo entre as guerrasrdquo e lembra o fato de que eacute comum encontrar na literatura

antiga trechos falando da paz ldquosempre acompanhada de um intervalo de tempordquo O autor

se baseia em Heroacutedoto Tuciacutedides Xenofonte e Poliacutebio narrativas que estatildeo centradas

no conflito para insistir neste argumento de naturalidade beacutelica Voltaremos a obra de

Alvito mais adiante na segunda parte de nossa reflexatildeo

Entre os celtas a guerra tambeacutem eacute uma questatildeo importante e sempre

mencionada pelos historiadores alguns deles tratam o tema como algo comum

relacionado ao cotidiano as vezes natural TGE Powel por exemplo apresenta uma

seacuterie de caracteriacutesticas ligadas agrave guerra comuns aos homens desta sociedade ele deve

ser valoroso nas armas e grandiozo em proezas militares aleacutem de ser um exiacutemio

cavaleiro (POWELL 1965) De fato encontramos subsiacutedios para estas interpretaccedilotildees

2 O fragmento ao qual Alvito se refere eacute especificadamente o trecho entre a linha 18 da parte 155 e a linha

1 da parte 156 do Livro I das Histoacuterias de Heroacutedoto Segue o texto em grego ἄπειπε μέν σφι πέμψας

ὅπλα ἀρήια μὴ ἐκτῆσθαι κέλευε δέ σφεας κιθῶνάς τε ὑποδύνειν τοῖσι εἵμασι καὶ κοθόρνους ὑπο-

δέεσθαι πρόειπε δ αὐτοῖσι κιθαρίζειν τε καὶ ψάλλειν καὶ καπηλεύειν παιδεύειν τοὺς παῖδας καὶ ταχέως

σφέας ὦ βασιλεῦ γυναῖκας ἀντ ἀνδρῶν ὄψεαι γεγονότας ὥστε οὐδὲν δεινοί τοι ἔσονται μὴ ἀποστέωσι

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 236 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

elas estatildeo tambeacutem na arqueologia principalmente nas sepulturas ceacutelticas nas quais

foram encontrados espadas escudos e ateacute carros de guerra Na literatura irlandesa que

alguns como o proacuteprio Powel chamam de ldquoceacuteltica insularrdquo3 tambeacutem temos inuacutemeros

exemplos assim como as narrativas mitoloacutegicas sobre o maior de todos os heroacuteis

guerreiros Cuacute Chulainn da epopeacuteia irlandesa Tain Boacute Cuainlge Conta-se que sabendo

que ia morrer em breve Cuacute Chulainn amarrou-se em uma pedra fitando o campo de

batalha ao horizonte para aterrorizar os inimigos e que mesmo depois de morto

ningueacutem ousava se aproximar isto sendo feito apenas depois que corvos comeccedilaram a

pousar sobre seu corpo para comer-lhe as carcaccedilas

No caso dos Celtas boa parte do que eacute dito sobre eles nos relatos que gregos e

romanos fizeram se concentra no quesito beacutelico Para os autores claacutessicos o guerreiro

celta marcou forte presenccedila no imaginaacuterio ele eacute sempre mencionado por sua coragem e

certa indiferenccedila perante a morte Uma olhada raacutepida em Poliacutebio ou nos Comentaacuterios

sobre as Guerras Gaacutelicas de Juacutelio Ceacutesar pode dar uma ideacuteia do ldquoterrorrdquo que gregos e

romanos sentiam diante dos Celtas Estrabatildeo (Geografia IV 42) tambeacutem eacute um bom

exemplo ao fazer referecircncia aos Celtas os representa como um povo que eacute ldquoafixionado

pela guerrardquo4 O fato eacute que desde a literatura claacutessica haacute associaccedilotildees entre os celtas e a

guerra O que os historiadores fizeram foi acatar e reproduzir estas mencotildees

esquecendo-se de outras referecircncias

Com relaccedilatildeo agrave Roma Adrian Goldsworthy relata que a guerra desempenhou um

papel fundamental garantiu o sucesso militar e era a responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do

impeacuterio Ela comeccedilou em pequena escala se constituia sobretudo em pequenos roubos

de gado e a maioria dos liacutederes romanos eram como chefes guerreiros O autor os

compara com os modelos dos heroacuteis da Iliacuteada de Homero O ideal era correr agrave frente e

lutar contra os chefes inimigos na frente de todos (GOLDSWORTHY 2007 P 23) Agrave

medida que Roma cresceu em populaccedilatildeo cresceu tambeacutem a escala das guerras Com o

tempo comeccedilou-se a combater em uma compacta formaccedilatildeo a falange A seguir a

Repuacuteblica Romana que continou crescendo derrotou etruscos samnitas e a maioria dos

povos da Peniacutensula Itaacutelica jaacute em tempos das famosas legiotildees (GOLDSWORTHY

3 A terminologia ldquoceltardquo para se referir agrave Irlanda do periacuteodo da Antiguidade eou Medievo eacute problemaacutetica

Jaacute faz algum tempo que historiadores irlandeses de periacuteodos mais recentes preferem evitaacute-la Uma

discussatildeo mais aprofundada dos motivos para tal e mais detalhes sobre o uso dos termos relacionados

com a nomenclatura ldquoCeltardquo podem ser vistos em SANTOS Dominique (2013) e BONDIOLI Nelson

(2013) 4 Segue fragmento completo em grego Τὸ δὲ σύμπαν φῦλον ὃ νῦν Γαλλικόν τε καὶ Γα-λατικὸν

καλοῦσιν ἀρειμάνιόν ἐστι καὶ θυμικόν τε καὶ ταχὺ πρὸς μάχην ἄλλως δὲ ἁπλοῦν καὶ οὐ κακόηθες

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 237 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

2007 P 25) Um dos mais importantes atributos da guerra romana era a uirtus lembra o

autor que incluia as mais importantes qualidades marciais natildeo soacute a coragem fiacutesica e a

habilidade com armas mas tambeacutem a moral e outros dons (GOLDSWORTHY 2007 P

28) Goldsworthy segue afirmando que a guerra e a poliacutetica estavam ligadas de forma

indisoluacutevel em Roma a gloacuteria militar ajudava na carreira poliacutetica Os romanos se

envolveram em guerras com praticamente todo o mundo conhecido da fronteira com os

baacuterbaros do norte da Europa ateacute o oriente Desta forma a guerra senatildeo uma

naturalidade pelo menos um fato corriqueiro na vida da sociedade romana seja nos

periacuteodos de guerra civil seja nas lutas contra povos extrangeiros (GOLDSWORTHY

2007 P 29-30)

Para alguns historiadores os romanos eram mais afixionados pela guerra que os

gregos J E Lendon por exemplo chega a caracterizar os romanos como tubarotildees e os

gregos como golfinhos ambos predadores mas com suas diferenccedilas Entre os gregos a

guerra seria uma espeacutecie de opccedilatildeo poder-se-ia exercer outras artes ou habilidades fazer

outras escolhas entre os romanos natildeo a guerra era o fundamento do respeito proacuteprio

masculino a ldquoescolhardquo romana era ou a guerra ou a desgraccedila Ainda um cidadatildeo grego

poderia colocar mercenaacuterios para guerrear em seu lugar jaacute os romanos natildeo a uirtus era

a honra maacutexima a ser adquirida era o que caracterizava as legiotildees seja no desastre ou

no triunfo (LENDON 2007)

Yvon Garlan afirma que na vida comum era possiacutevel adiar uma guerra mas natildeo

evitaacute-la natildeo era possiacutevel escapar das guerras por isso elas estavam no centro da

historiografia Segundo ele a causa de uma guerra poderia ser a obediecircncia agrave vontade

divina a vinganccedila das ofensas sofridas motivos propriamente poliacuteticos ou ainda e de

acordo com Platatildeo (Sofista 222c) o desejo de adquirir bens como a aquisiccedilatildeo de

escravos mesma explicaccedilatildeo a qual recorria Aristoacuteteles lembra o autor (GARLAN

1994 p 47-74)

No Egito faraocircnico a presenccedila de prisioneiros de guerra entre a populaccedilatildeo

tambeacutem eacute constante Quando Antonio Loprieno aborda a questatildeo a retoma desde o

Reino Antigo pois segundo ele desde o governo de Seneferu haacute evidecircncias de

expediccedilotildees para a Nuacutebia e a Liacutebia com o propoacutesito de capturar pessoas para realizar

trabalhos forccedilados incluindo a participaccedilatildeo militar no idioma egiacutepcio elas eram

categorizadas como sḳrw-lsquonḫ (atadas para a vida) Inuacutemeros asiaacuteticos foram trazidos

para o Egito como resultado de campanhas militares sendo considerados espoacutelios de

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera

que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo

geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos

estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que

alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de

mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as

expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares

(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros

empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas

tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas

interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas

investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)

No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino

Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo

relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de

sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino

Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias

destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a

tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido

amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra

(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que

afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas

minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades

(CARDOSO 1984)

No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma

prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados

ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria

militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido

pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como

acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No

entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias

(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem

apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua

ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma

diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar

trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter

econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo

Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra

estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A

assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os

monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo

ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada

uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo

ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores

formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade

protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o

vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da

identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)

Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave

cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo

era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos

manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais

temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto

(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que

eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre

Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se

ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo

agrave segunda parte de nossa reflexatildeo

Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas

sociedades antigas

Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo

tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem

glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto

vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades

beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos

preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela

guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de

bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma

forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos

novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto

Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos

escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro

I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o

conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras

para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste

artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra

do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais

sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta

questatildeo

Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado

a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que

interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez

isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que

belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo

passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace

in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que

apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas

pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos

casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos

evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites

(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram

fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos

5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ

καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν

γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta

diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em

sua obra

O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como

Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por

exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que

segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da

Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades

tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como

descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior

reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em

que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo

(RAAFLAUB 2007 P 13)

Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para

compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz

para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para

evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico

de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza

em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a

guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades

(RAAFLAUB 2007 P 16-17)

Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja

por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos

entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo

ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios

costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com

ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se

revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui

paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de

intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos

quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes

lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que

ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias

Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo

repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles

virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)

Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o

julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira

posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira

cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma

disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo

grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz

respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos

tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em

sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam

nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB

2007 P 18)

Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a

manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no

julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino

caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a

Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os

atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque

ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi

rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB

2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em

Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio

sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a

historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o

esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada

(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada

exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007

P 21)

Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as

sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta

natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que

a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)

Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que

os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon

argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade

de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado

(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de

avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em

sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso

O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas

natildeo ldquomilitaristasrdquo

Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo

Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela

que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo

masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam

sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para

objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees

militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O

autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos

Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)

O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia

Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de

dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a

esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e

notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta

questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas

de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30

anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos

escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto

(HORNBLOWER 2007 P 23)

Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas

em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na

Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda

as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena

digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso

uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga

No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz

mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os

referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo

encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que

fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello

Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais

na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade

antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como

sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto

para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer

significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo

conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio

submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)

Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem

Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com

diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e

comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo

de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de

ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou

ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como

uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do

sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo

poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais

abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia

(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen

lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era

anocircmala (HANSEN 2006)

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 232 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

O historiador italiano Arnaldo Momigliano em ldquoSome observations on causes of

war in ancient historiographyrdquo escreveu que os gregos aceitavam a guerra como um

ldquofato naturalrdquo assim como o nascimento ou a morte (MOMIGLIANO 1966 P 112-

125) Outro que figura entre os principais defensores desta ideacuteia eacute o francecircs Jean Pierre

Vernant que em ldquoProblegravemes de la Guerre en Gregravece Anciennerdquo observa que a guerra

era para os gregos parte do agon sendo assim o que preside as relaccedilotildees humanas algo

comum e natural (VERNANT 1999 P 11-38) Esta linha de raciociacutenio tambeacutem eacute

compartilhada por um outro grande especialista no estudo da Antiguidade trata-se de

Moses Finley que afirma que natildeo havia no mundo antigo uma condenaccedilatildeo especiacutefica de

se atingir determinado objetivo por meio da guerra desta maneira a violecircncia era

inerente ao funcionamento daquelas sociedades (FINLEY 1985 p 67-87) Adrian

Goldsworthy em sua obra jaacute traduzida para o portuguecircs ldquoGenerais Romanos- os

homens que construiacuteram o Impeacuterio Romanordquo interpreta da mesma maneira ele afirma

mencionando o exemplo dos romanos que para estes a guerra parecia ser uma praacutetica

inevitaacutevel uma vez que estava diretamente associada ao expansionismo territorial O

autor nos lembra que o Impeacuterio Romano afinal foi criado e mantido por meio do

exeacutercito sendo seus generais figuras fundamentais neste processo (GOLDSWORTHY

2007)

Eacute possiacutevel encontrar recorrecircncias a estas ideacuteias tambeacutem na historiografia

brasileira Joseacute Geraldo Costa Grillo e Pedro Paulo Abreu Funari por exemplo

discutem em um artigo de forma bastante interessante alguns posicionamentos

relacionados com a historiografia na Antiguidade especialmente com o recorte

especiacutefico da Greacutecia Antiga (GRILLO e FUNARI 2010 p 14-20) Os autores

sintetizam algumas mudanccedilas pelas quais o estudo da guerra na Greacutecia Antiga passou

nas uacuteltimas deacutecadas O mapeamento feito por eles aborda desde a reuniatildeo dos principais

temas da historiografia militar da Greacutecia Antiga feita por Raoul Lonis (1985) e a

ampliaccedilatildeo destas possibilidades levada adiante por Pierre Ducrey (1997 1999) que

situou as pesquisas sobre a guerra no conjunto das disciplinas envolvidas sobretudo

Histoacuteria Antiga e Arqueologia ateacute reflexotildees mais recentes elaboradas por diversas

tradiccedilotildees historiograacuteficas (inglesa francesa neerlandesa) e produzida por vaacuterios autores

(John Keegan Victor Davis Hanson Yvon Garlan Simon Hornblower et al) Estas

interpretaccedilotildees atuais adotaram novas orientaccedilotildees e passaram a estudar novos temas tais

como as relaccedilotildees de gecircnero identidades e subjetividades indiviacuteduo a violecircncia etc

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 233 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

para citar alguns exemplos mencionados pelos proacuteprios autores (GRILLO e FUNARI

2010 p 14-20) Segundo eles inuacutemeras destas mudanccedilas de foco e interpretaccedilatildeo estatildeo

relacionadas com acontecimentos modernos (Tais como guerra do Vietnatilde e da Boacutesnia)

que fizeram com que os classicistas repensassem a maneira de estudar os fenocircmenos

beacutelicos na Antiguidade Sem duacutevida trata-se de uma siacutentese interessante e de leitura

obrigatoacuteria Poreacutem no que diz respeito agrave menccedilatildeo sobre a naturalidade ou natildeo da guerra

a presenccedila invocada eacute a jaacute mencionada de Jean Pierre Vernant segundo quem como jaacute

vimos para os gregos da eacutepoca claacutessica ldquoa guerra era naturalrdquo a paz significava perda

de tempo na trama dos conflitos (GRILLO e FUNARI 2010 p 14-20)

Eacute uma questatildeo complexa pois seja no Egito na Mesopotacircmia entre Gregos

Romanos ou Celtas no periacuteodo da Antiguidade a guerra estava presente na vida

cotidiana dos homens e mulheres Grande parte dos nomes que aparecem nos livros de

Histoacuteria Antiga eram personagens ligados de alguma forma agrave guerra Ceacutesar Alexandre

o Grande Aniacutebal Trajano Vercingetoacuterix e Boudica satildeo alguns exemplos Da mesma

maneira inuacutemeros autores escreveram sobre a guerra de Aristoacuteteles a Poliacutebio de

Suetocircnio a Taacutecito A temaacutetica da guerra eacute de fundamental importacircncia para a

compreensatildeo das sociedades deste periacuteodo da histoacuteria da humanidade mas podemos

falar de uma ldquonaturalidaderdquo da guerra Este era o estaacutegio ldquonaturalrdquo para os povos da

Antiguidade Ou seja uma situaccedilatildeo inerente ao cotidiano a ponto de as pessoas

viverem esperando pela guerra algo inevitaacutevel a ponto de haver mais preocupaccedilatildeo com

as maneiras de se comportar quando este tempo chegasse do que com a proacutepria paz

Isto eacute o que abordamos a seguir

A discussatildeo que encaminhamos encontra-se dividida em duas partes bem

evidentes primeiramente dedicamos nossa atenccedilatildeo aos motivos que levaram alguns

historiadores a aceitar esta tese da guerra como algo ldquonaturalrdquo e ldquocomumrdquo na

Antiguidade Neste momento no desejo de compreender melhor o papel da guerra neste

tipo de sociedade tatildeo distante de noacutes no tempo mas capaz de nos permitir refletir sobre

nossas proacuteprias questotildees por meio de um questionamento identitaacuterio baseado na relaccedilatildeo

do eu com a alteridade apresentamos de forma sistemaacutetica alguns indiacutecios de como a

guerra era pensada logo apoacutes observamos o argumento oposto o de que a guerra natildeo

era algo comum e natural que neste periacuteodo que nos acostumamos a chamar de

Antiguidade tambeacutem havia a preocupaccedilatildeo de se evitaacute-la e haacute alerta o suficiente sobre os

perigos de suas devastaccedilotildees ou seja a paz eacute a vontade que prevalece Assim se por um

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 234 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

lado a guerra era uma constante na vida das sociedades antigas por outro de acordo

com os debates mais recentes na historiografia especiacutefica da aacuterea natildeo podemos afirmar

com certeza que ela era algo natural no mundo antigo

Da ldquonaturalidaderdquo da guerra nas sociedades antigas

No geral encontramos muita insistecircncia nesta ldquonaturalidaderdquo da Guerra no mundo

antigo Victor Davis Hanson por exemplo explica que seguindo teorias da

Antropologia em especial o estruturalismo corrente nos anos 60 na Franccedila Vernant P

Vidal-Naquet e Y Garlan sistematizaram estudos que apontavam para uma visatildeo

antropoloacutegica da guerra que influenciaria Finley e seus seguidores que escrevaram

sobre a guerra em termos de culto ritual psicologia gecircnero etc Estes estudos acabaratildeo

por corroborar a tese de que a guerra principalmente para os gregos era um estado

ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo e estava presente em todas as esferas sociais visatildeo sustentada por

Vernant que eacute um dos principais exponentes desta tese (HANSON 2007 p 273-299)

No que diz respeito a Garlan ele sustenta que o homem grego foi mesmo

belicoso e que isso se pode demonstrar com facilidade O autor recorre ao fato de que a

Atenas claacutessica esteve em guerra durante mais de dois anos em trecircs e que nunca

conheceu a paz durante dez anos seguidos Assim a paz pode ser entendida como uma

espeacutecie de ldquotreacutegua prolongada sendo a exceccedilatildeo e natildeo a regrardquo O autor lembra ainda

que soacute a guerra parece ser um assunto verdadeiramente digno de memoacuteria para os

historiadores gregos na vida diaacuteria ela eacute uma preocupaccedilatildeo constante para os cidadatildeos e

a todos os niacuteveis e em todos os campos se afirma o predomiacutenio do guerreiro Apesar de

podermos encontrar reflexotildees sobre a paz desde Homero ateacute finais da eacutepoca heleniacutestica

Garlan afirma que ela eacute apenas ldquoo ponto de chegada que coroa os feitos dos guerreirosrdquo

tal concepccedilatildeo natildeo contradiz a necessidade e a grandeza da guerra ao contraacuterio a

justifica atribuindo-lhe como fim uacuteltimo a felicidade (GARLAN 1994 p 47-74)

O historiador brasileiro Marcos Alvito afirma que a belicosidade era vista como

parte integrante da sociedade humana um meio ldquonaturalrdquo de aquisiccedilatildeo de bens no

mundo antigo assim como a caccedila ou a agricultura por exemplo (ALVITO 1988) Eacute a

mesma opiniatildeo de alguns dos autores jaacute mencionados Para sustentar sua argumentaccedilatildeo

sobre a ldquonaturalidade da guerrardquo Alvito recorre a Heroacutedoto O trecho escolhido eacute

bastante mencionado trata-se de uma parte da narrativa do historiador grego em que ele

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 235 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

descreve o conselho que o rei Croisos daacute ao rei persa Cyros quando este estava

preocupado com a possibilidade de os liacutedios se revoltarem Segue o trecho tal qual

mencionado por Alvito

manda proibiacute-los de possuir armas de guerra e ordena-lhes que usem

tuacutenicas sob seus mantos e calcem botas que ensinem seus filhos a

tocar ciacutetara e outros instrumentos de cordas e que tenham lojas

Entatildeo rei dentro de pouco tempo vecirc-lo-aacutes transformados em

mulheres em vez de homens e jaacute natildeo teraacutes receios de sua rebeldia

(Heroacutedoto I 155)2

Alvito interpreta a passagem acima como uma incitaccedilatildeo aos valores da guerra

uacutenica capaz de forjar homens e estimular as virtudes necessaacuterias aos mesmos Em sua

obra ele acentua o fato de que o ato de ldquotocar ciacutetara e outros instrumentos de cordardquo

transformaraacute os homens em ldquomulheresrdquo uma metaacutefora para enfatizar que natildeo mais

seratildeo dados agrave guerra mas a outras atividades assim natildeo mais seratildeo rebeldes Em outro

momento Alvito utiliza a religiatildeo e sua relaccedilatildeo com a guerra como forma de defender

sua tese de que a guerra era algo natural para os gregos O autor lembra que as

divindades guerreiras natildeo sofriam concorrecircncia daquelas ligadas agrave paz da mesma

maneira ldquoos oraacuteculos jamais recomendavam a paz mas a guerra (ALVITO 1988)

Seguindo a mesma concepccedilatildeo de Garlan Alvito tambeacutem afirma que a paz era apenas

um ldquointervalo entre as guerrasrdquo e lembra o fato de que eacute comum encontrar na literatura

antiga trechos falando da paz ldquosempre acompanhada de um intervalo de tempordquo O autor

se baseia em Heroacutedoto Tuciacutedides Xenofonte e Poliacutebio narrativas que estatildeo centradas

no conflito para insistir neste argumento de naturalidade beacutelica Voltaremos a obra de

Alvito mais adiante na segunda parte de nossa reflexatildeo

Entre os celtas a guerra tambeacutem eacute uma questatildeo importante e sempre

mencionada pelos historiadores alguns deles tratam o tema como algo comum

relacionado ao cotidiano as vezes natural TGE Powel por exemplo apresenta uma

seacuterie de caracteriacutesticas ligadas agrave guerra comuns aos homens desta sociedade ele deve

ser valoroso nas armas e grandiozo em proezas militares aleacutem de ser um exiacutemio

cavaleiro (POWELL 1965) De fato encontramos subsiacutedios para estas interpretaccedilotildees

2 O fragmento ao qual Alvito se refere eacute especificadamente o trecho entre a linha 18 da parte 155 e a linha

1 da parte 156 do Livro I das Histoacuterias de Heroacutedoto Segue o texto em grego ἄπειπε μέν σφι πέμψας

ὅπλα ἀρήια μὴ ἐκτῆσθαι κέλευε δέ σφεας κιθῶνάς τε ὑποδύνειν τοῖσι εἵμασι καὶ κοθόρνους ὑπο-

δέεσθαι πρόειπε δ αὐτοῖσι κιθαρίζειν τε καὶ ψάλλειν καὶ καπηλεύειν παιδεύειν τοὺς παῖδας καὶ ταχέως

σφέας ὦ βασιλεῦ γυναῖκας ἀντ ἀνδρῶν ὄψεαι γεγονότας ὥστε οὐδὲν δεινοί τοι ἔσονται μὴ ἀποστέωσι

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 236 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

elas estatildeo tambeacutem na arqueologia principalmente nas sepulturas ceacutelticas nas quais

foram encontrados espadas escudos e ateacute carros de guerra Na literatura irlandesa que

alguns como o proacuteprio Powel chamam de ldquoceacuteltica insularrdquo3 tambeacutem temos inuacutemeros

exemplos assim como as narrativas mitoloacutegicas sobre o maior de todos os heroacuteis

guerreiros Cuacute Chulainn da epopeacuteia irlandesa Tain Boacute Cuainlge Conta-se que sabendo

que ia morrer em breve Cuacute Chulainn amarrou-se em uma pedra fitando o campo de

batalha ao horizonte para aterrorizar os inimigos e que mesmo depois de morto

ningueacutem ousava se aproximar isto sendo feito apenas depois que corvos comeccedilaram a

pousar sobre seu corpo para comer-lhe as carcaccedilas

No caso dos Celtas boa parte do que eacute dito sobre eles nos relatos que gregos e

romanos fizeram se concentra no quesito beacutelico Para os autores claacutessicos o guerreiro

celta marcou forte presenccedila no imaginaacuterio ele eacute sempre mencionado por sua coragem e

certa indiferenccedila perante a morte Uma olhada raacutepida em Poliacutebio ou nos Comentaacuterios

sobre as Guerras Gaacutelicas de Juacutelio Ceacutesar pode dar uma ideacuteia do ldquoterrorrdquo que gregos e

romanos sentiam diante dos Celtas Estrabatildeo (Geografia IV 42) tambeacutem eacute um bom

exemplo ao fazer referecircncia aos Celtas os representa como um povo que eacute ldquoafixionado

pela guerrardquo4 O fato eacute que desde a literatura claacutessica haacute associaccedilotildees entre os celtas e a

guerra O que os historiadores fizeram foi acatar e reproduzir estas mencotildees

esquecendo-se de outras referecircncias

Com relaccedilatildeo agrave Roma Adrian Goldsworthy relata que a guerra desempenhou um

papel fundamental garantiu o sucesso militar e era a responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do

impeacuterio Ela comeccedilou em pequena escala se constituia sobretudo em pequenos roubos

de gado e a maioria dos liacutederes romanos eram como chefes guerreiros O autor os

compara com os modelos dos heroacuteis da Iliacuteada de Homero O ideal era correr agrave frente e

lutar contra os chefes inimigos na frente de todos (GOLDSWORTHY 2007 P 23) Agrave

medida que Roma cresceu em populaccedilatildeo cresceu tambeacutem a escala das guerras Com o

tempo comeccedilou-se a combater em uma compacta formaccedilatildeo a falange A seguir a

Repuacuteblica Romana que continou crescendo derrotou etruscos samnitas e a maioria dos

povos da Peniacutensula Itaacutelica jaacute em tempos das famosas legiotildees (GOLDSWORTHY

3 A terminologia ldquoceltardquo para se referir agrave Irlanda do periacuteodo da Antiguidade eou Medievo eacute problemaacutetica

Jaacute faz algum tempo que historiadores irlandeses de periacuteodos mais recentes preferem evitaacute-la Uma

discussatildeo mais aprofundada dos motivos para tal e mais detalhes sobre o uso dos termos relacionados

com a nomenclatura ldquoCeltardquo podem ser vistos em SANTOS Dominique (2013) e BONDIOLI Nelson

(2013) 4 Segue fragmento completo em grego Τὸ δὲ σύμπαν φῦλον ὃ νῦν Γαλλικόν τε καὶ Γα-λατικὸν

καλοῦσιν ἀρειμάνιόν ἐστι καὶ θυμικόν τε καὶ ταχὺ πρὸς μάχην ἄλλως δὲ ἁπλοῦν καὶ οὐ κακόηθες

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 237 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

2007 P 25) Um dos mais importantes atributos da guerra romana era a uirtus lembra o

autor que incluia as mais importantes qualidades marciais natildeo soacute a coragem fiacutesica e a

habilidade com armas mas tambeacutem a moral e outros dons (GOLDSWORTHY 2007 P

28) Goldsworthy segue afirmando que a guerra e a poliacutetica estavam ligadas de forma

indisoluacutevel em Roma a gloacuteria militar ajudava na carreira poliacutetica Os romanos se

envolveram em guerras com praticamente todo o mundo conhecido da fronteira com os

baacuterbaros do norte da Europa ateacute o oriente Desta forma a guerra senatildeo uma

naturalidade pelo menos um fato corriqueiro na vida da sociedade romana seja nos

periacuteodos de guerra civil seja nas lutas contra povos extrangeiros (GOLDSWORTHY

2007 P 29-30)

Para alguns historiadores os romanos eram mais afixionados pela guerra que os

gregos J E Lendon por exemplo chega a caracterizar os romanos como tubarotildees e os

gregos como golfinhos ambos predadores mas com suas diferenccedilas Entre os gregos a

guerra seria uma espeacutecie de opccedilatildeo poder-se-ia exercer outras artes ou habilidades fazer

outras escolhas entre os romanos natildeo a guerra era o fundamento do respeito proacuteprio

masculino a ldquoescolhardquo romana era ou a guerra ou a desgraccedila Ainda um cidadatildeo grego

poderia colocar mercenaacuterios para guerrear em seu lugar jaacute os romanos natildeo a uirtus era

a honra maacutexima a ser adquirida era o que caracterizava as legiotildees seja no desastre ou

no triunfo (LENDON 2007)

Yvon Garlan afirma que na vida comum era possiacutevel adiar uma guerra mas natildeo

evitaacute-la natildeo era possiacutevel escapar das guerras por isso elas estavam no centro da

historiografia Segundo ele a causa de uma guerra poderia ser a obediecircncia agrave vontade

divina a vinganccedila das ofensas sofridas motivos propriamente poliacuteticos ou ainda e de

acordo com Platatildeo (Sofista 222c) o desejo de adquirir bens como a aquisiccedilatildeo de

escravos mesma explicaccedilatildeo a qual recorria Aristoacuteteles lembra o autor (GARLAN

1994 p 47-74)

No Egito faraocircnico a presenccedila de prisioneiros de guerra entre a populaccedilatildeo

tambeacutem eacute constante Quando Antonio Loprieno aborda a questatildeo a retoma desde o

Reino Antigo pois segundo ele desde o governo de Seneferu haacute evidecircncias de

expediccedilotildees para a Nuacutebia e a Liacutebia com o propoacutesito de capturar pessoas para realizar

trabalhos forccedilados incluindo a participaccedilatildeo militar no idioma egiacutepcio elas eram

categorizadas como sḳrw-lsquonḫ (atadas para a vida) Inuacutemeros asiaacuteticos foram trazidos

para o Egito como resultado de campanhas militares sendo considerados espoacutelios de

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera

que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo

geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos

estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que

alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de

mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as

expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares

(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros

empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas

tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas

interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas

investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)

No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino

Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo

relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de

sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino

Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias

destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a

tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido

amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra

(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que

afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas

minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades

(CARDOSO 1984)

No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma

prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados

ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria

militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido

pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como

acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No

entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias

(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem

apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua

ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma

diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar

trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter

econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo

Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra

estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A

assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os

monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo

ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada

uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo

ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores

formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade

protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o

vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da

identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)

Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave

cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo

era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos

manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais

temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto

(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que

eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre

Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se

ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo

agrave segunda parte de nossa reflexatildeo

Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas

sociedades antigas

Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo

tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem

glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto

vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades

beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos

preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela

guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de

bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma

forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos

novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto

Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos

escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro

I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o

conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras

para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste

artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra

do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais

sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta

questatildeo

Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado

a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que

interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez

isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que

belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo

passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace

in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que

apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas

pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos

casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos

evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites

(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram

fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos

5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ

καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν

γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta

diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em

sua obra

O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como

Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por

exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que

segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da

Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades

tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como

descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior

reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em

que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo

(RAAFLAUB 2007 P 13)

Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para

compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz

para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para

evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico

de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza

em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a

guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades

(RAAFLAUB 2007 P 16-17)

Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja

por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos

entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo

ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios

costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com

ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se

revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui

paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de

intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos

quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes

lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que

ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias

Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo

repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles

virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)

Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o

julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira

posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira

cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma

disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo

grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz

respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos

tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em

sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam

nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB

2007 P 18)

Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a

manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no

julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino

caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a

Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os

atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque

ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi

rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB

2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em

Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio

sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a

historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o

esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada

(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada

exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007

P 21)

Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as

sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta

natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que

a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)

Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que

os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon

argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade

de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado

(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de

avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em

sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso

O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas

natildeo ldquomilitaristasrdquo

Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo

Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela

que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo

masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam

sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para

objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees

militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O

autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos

Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)

O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia

Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de

dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a

esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e

notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta

questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas

de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30

anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos

escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto

(HORNBLOWER 2007 P 23)

Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas

em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na

Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda

as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena

digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso

uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga

No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz

mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os

referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo

encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que

fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello

Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais

na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade

antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como

sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto

para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer

significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo

conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio

submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)

Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem

Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com

diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e

comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo

de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de

ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou

ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como

uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do

sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo

poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais

abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia

(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen

lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era

anocircmala (HANSEN 2006)

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 233 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

para citar alguns exemplos mencionados pelos proacuteprios autores (GRILLO e FUNARI

2010 p 14-20) Segundo eles inuacutemeras destas mudanccedilas de foco e interpretaccedilatildeo estatildeo

relacionadas com acontecimentos modernos (Tais como guerra do Vietnatilde e da Boacutesnia)

que fizeram com que os classicistas repensassem a maneira de estudar os fenocircmenos

beacutelicos na Antiguidade Sem duacutevida trata-se de uma siacutentese interessante e de leitura

obrigatoacuteria Poreacutem no que diz respeito agrave menccedilatildeo sobre a naturalidade ou natildeo da guerra

a presenccedila invocada eacute a jaacute mencionada de Jean Pierre Vernant segundo quem como jaacute

vimos para os gregos da eacutepoca claacutessica ldquoa guerra era naturalrdquo a paz significava perda

de tempo na trama dos conflitos (GRILLO e FUNARI 2010 p 14-20)

Eacute uma questatildeo complexa pois seja no Egito na Mesopotacircmia entre Gregos

Romanos ou Celtas no periacuteodo da Antiguidade a guerra estava presente na vida

cotidiana dos homens e mulheres Grande parte dos nomes que aparecem nos livros de

Histoacuteria Antiga eram personagens ligados de alguma forma agrave guerra Ceacutesar Alexandre

o Grande Aniacutebal Trajano Vercingetoacuterix e Boudica satildeo alguns exemplos Da mesma

maneira inuacutemeros autores escreveram sobre a guerra de Aristoacuteteles a Poliacutebio de

Suetocircnio a Taacutecito A temaacutetica da guerra eacute de fundamental importacircncia para a

compreensatildeo das sociedades deste periacuteodo da histoacuteria da humanidade mas podemos

falar de uma ldquonaturalidaderdquo da guerra Este era o estaacutegio ldquonaturalrdquo para os povos da

Antiguidade Ou seja uma situaccedilatildeo inerente ao cotidiano a ponto de as pessoas

viverem esperando pela guerra algo inevitaacutevel a ponto de haver mais preocupaccedilatildeo com

as maneiras de se comportar quando este tempo chegasse do que com a proacutepria paz

Isto eacute o que abordamos a seguir

A discussatildeo que encaminhamos encontra-se dividida em duas partes bem

evidentes primeiramente dedicamos nossa atenccedilatildeo aos motivos que levaram alguns

historiadores a aceitar esta tese da guerra como algo ldquonaturalrdquo e ldquocomumrdquo na

Antiguidade Neste momento no desejo de compreender melhor o papel da guerra neste

tipo de sociedade tatildeo distante de noacutes no tempo mas capaz de nos permitir refletir sobre

nossas proacuteprias questotildees por meio de um questionamento identitaacuterio baseado na relaccedilatildeo

do eu com a alteridade apresentamos de forma sistemaacutetica alguns indiacutecios de como a

guerra era pensada logo apoacutes observamos o argumento oposto o de que a guerra natildeo

era algo comum e natural que neste periacuteodo que nos acostumamos a chamar de

Antiguidade tambeacutem havia a preocupaccedilatildeo de se evitaacute-la e haacute alerta o suficiente sobre os

perigos de suas devastaccedilotildees ou seja a paz eacute a vontade que prevalece Assim se por um

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 234 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

lado a guerra era uma constante na vida das sociedades antigas por outro de acordo

com os debates mais recentes na historiografia especiacutefica da aacuterea natildeo podemos afirmar

com certeza que ela era algo natural no mundo antigo

Da ldquonaturalidaderdquo da guerra nas sociedades antigas

No geral encontramos muita insistecircncia nesta ldquonaturalidaderdquo da Guerra no mundo

antigo Victor Davis Hanson por exemplo explica que seguindo teorias da

Antropologia em especial o estruturalismo corrente nos anos 60 na Franccedila Vernant P

Vidal-Naquet e Y Garlan sistematizaram estudos que apontavam para uma visatildeo

antropoloacutegica da guerra que influenciaria Finley e seus seguidores que escrevaram

sobre a guerra em termos de culto ritual psicologia gecircnero etc Estes estudos acabaratildeo

por corroborar a tese de que a guerra principalmente para os gregos era um estado

ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo e estava presente em todas as esferas sociais visatildeo sustentada por

Vernant que eacute um dos principais exponentes desta tese (HANSON 2007 p 273-299)

No que diz respeito a Garlan ele sustenta que o homem grego foi mesmo

belicoso e que isso se pode demonstrar com facilidade O autor recorre ao fato de que a

Atenas claacutessica esteve em guerra durante mais de dois anos em trecircs e que nunca

conheceu a paz durante dez anos seguidos Assim a paz pode ser entendida como uma

espeacutecie de ldquotreacutegua prolongada sendo a exceccedilatildeo e natildeo a regrardquo O autor lembra ainda

que soacute a guerra parece ser um assunto verdadeiramente digno de memoacuteria para os

historiadores gregos na vida diaacuteria ela eacute uma preocupaccedilatildeo constante para os cidadatildeos e

a todos os niacuteveis e em todos os campos se afirma o predomiacutenio do guerreiro Apesar de

podermos encontrar reflexotildees sobre a paz desde Homero ateacute finais da eacutepoca heleniacutestica

Garlan afirma que ela eacute apenas ldquoo ponto de chegada que coroa os feitos dos guerreirosrdquo

tal concepccedilatildeo natildeo contradiz a necessidade e a grandeza da guerra ao contraacuterio a

justifica atribuindo-lhe como fim uacuteltimo a felicidade (GARLAN 1994 p 47-74)

O historiador brasileiro Marcos Alvito afirma que a belicosidade era vista como

parte integrante da sociedade humana um meio ldquonaturalrdquo de aquisiccedilatildeo de bens no

mundo antigo assim como a caccedila ou a agricultura por exemplo (ALVITO 1988) Eacute a

mesma opiniatildeo de alguns dos autores jaacute mencionados Para sustentar sua argumentaccedilatildeo

sobre a ldquonaturalidade da guerrardquo Alvito recorre a Heroacutedoto O trecho escolhido eacute

bastante mencionado trata-se de uma parte da narrativa do historiador grego em que ele

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 235 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

descreve o conselho que o rei Croisos daacute ao rei persa Cyros quando este estava

preocupado com a possibilidade de os liacutedios se revoltarem Segue o trecho tal qual

mencionado por Alvito

manda proibiacute-los de possuir armas de guerra e ordena-lhes que usem

tuacutenicas sob seus mantos e calcem botas que ensinem seus filhos a

tocar ciacutetara e outros instrumentos de cordas e que tenham lojas

Entatildeo rei dentro de pouco tempo vecirc-lo-aacutes transformados em

mulheres em vez de homens e jaacute natildeo teraacutes receios de sua rebeldia

(Heroacutedoto I 155)2

Alvito interpreta a passagem acima como uma incitaccedilatildeo aos valores da guerra

uacutenica capaz de forjar homens e estimular as virtudes necessaacuterias aos mesmos Em sua

obra ele acentua o fato de que o ato de ldquotocar ciacutetara e outros instrumentos de cordardquo

transformaraacute os homens em ldquomulheresrdquo uma metaacutefora para enfatizar que natildeo mais

seratildeo dados agrave guerra mas a outras atividades assim natildeo mais seratildeo rebeldes Em outro

momento Alvito utiliza a religiatildeo e sua relaccedilatildeo com a guerra como forma de defender

sua tese de que a guerra era algo natural para os gregos O autor lembra que as

divindades guerreiras natildeo sofriam concorrecircncia daquelas ligadas agrave paz da mesma

maneira ldquoos oraacuteculos jamais recomendavam a paz mas a guerra (ALVITO 1988)

Seguindo a mesma concepccedilatildeo de Garlan Alvito tambeacutem afirma que a paz era apenas

um ldquointervalo entre as guerrasrdquo e lembra o fato de que eacute comum encontrar na literatura

antiga trechos falando da paz ldquosempre acompanhada de um intervalo de tempordquo O autor

se baseia em Heroacutedoto Tuciacutedides Xenofonte e Poliacutebio narrativas que estatildeo centradas

no conflito para insistir neste argumento de naturalidade beacutelica Voltaremos a obra de

Alvito mais adiante na segunda parte de nossa reflexatildeo

Entre os celtas a guerra tambeacutem eacute uma questatildeo importante e sempre

mencionada pelos historiadores alguns deles tratam o tema como algo comum

relacionado ao cotidiano as vezes natural TGE Powel por exemplo apresenta uma

seacuterie de caracteriacutesticas ligadas agrave guerra comuns aos homens desta sociedade ele deve

ser valoroso nas armas e grandiozo em proezas militares aleacutem de ser um exiacutemio

cavaleiro (POWELL 1965) De fato encontramos subsiacutedios para estas interpretaccedilotildees

2 O fragmento ao qual Alvito se refere eacute especificadamente o trecho entre a linha 18 da parte 155 e a linha

1 da parte 156 do Livro I das Histoacuterias de Heroacutedoto Segue o texto em grego ἄπειπε μέν σφι πέμψας

ὅπλα ἀρήια μὴ ἐκτῆσθαι κέλευε δέ σφεας κιθῶνάς τε ὑποδύνειν τοῖσι εἵμασι καὶ κοθόρνους ὑπο-

δέεσθαι πρόειπε δ αὐτοῖσι κιθαρίζειν τε καὶ ψάλλειν καὶ καπηλεύειν παιδεύειν τοὺς παῖδας καὶ ταχέως

σφέας ὦ βασιλεῦ γυναῖκας ἀντ ἀνδρῶν ὄψεαι γεγονότας ὥστε οὐδὲν δεινοί τοι ἔσονται μὴ ἀποστέωσι

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 236 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

elas estatildeo tambeacutem na arqueologia principalmente nas sepulturas ceacutelticas nas quais

foram encontrados espadas escudos e ateacute carros de guerra Na literatura irlandesa que

alguns como o proacuteprio Powel chamam de ldquoceacuteltica insularrdquo3 tambeacutem temos inuacutemeros

exemplos assim como as narrativas mitoloacutegicas sobre o maior de todos os heroacuteis

guerreiros Cuacute Chulainn da epopeacuteia irlandesa Tain Boacute Cuainlge Conta-se que sabendo

que ia morrer em breve Cuacute Chulainn amarrou-se em uma pedra fitando o campo de

batalha ao horizonte para aterrorizar os inimigos e que mesmo depois de morto

ningueacutem ousava se aproximar isto sendo feito apenas depois que corvos comeccedilaram a

pousar sobre seu corpo para comer-lhe as carcaccedilas

No caso dos Celtas boa parte do que eacute dito sobre eles nos relatos que gregos e

romanos fizeram se concentra no quesito beacutelico Para os autores claacutessicos o guerreiro

celta marcou forte presenccedila no imaginaacuterio ele eacute sempre mencionado por sua coragem e

certa indiferenccedila perante a morte Uma olhada raacutepida em Poliacutebio ou nos Comentaacuterios

sobre as Guerras Gaacutelicas de Juacutelio Ceacutesar pode dar uma ideacuteia do ldquoterrorrdquo que gregos e

romanos sentiam diante dos Celtas Estrabatildeo (Geografia IV 42) tambeacutem eacute um bom

exemplo ao fazer referecircncia aos Celtas os representa como um povo que eacute ldquoafixionado

pela guerrardquo4 O fato eacute que desde a literatura claacutessica haacute associaccedilotildees entre os celtas e a

guerra O que os historiadores fizeram foi acatar e reproduzir estas mencotildees

esquecendo-se de outras referecircncias

Com relaccedilatildeo agrave Roma Adrian Goldsworthy relata que a guerra desempenhou um

papel fundamental garantiu o sucesso militar e era a responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do

impeacuterio Ela comeccedilou em pequena escala se constituia sobretudo em pequenos roubos

de gado e a maioria dos liacutederes romanos eram como chefes guerreiros O autor os

compara com os modelos dos heroacuteis da Iliacuteada de Homero O ideal era correr agrave frente e

lutar contra os chefes inimigos na frente de todos (GOLDSWORTHY 2007 P 23) Agrave

medida que Roma cresceu em populaccedilatildeo cresceu tambeacutem a escala das guerras Com o

tempo comeccedilou-se a combater em uma compacta formaccedilatildeo a falange A seguir a

Repuacuteblica Romana que continou crescendo derrotou etruscos samnitas e a maioria dos

povos da Peniacutensula Itaacutelica jaacute em tempos das famosas legiotildees (GOLDSWORTHY

3 A terminologia ldquoceltardquo para se referir agrave Irlanda do periacuteodo da Antiguidade eou Medievo eacute problemaacutetica

Jaacute faz algum tempo que historiadores irlandeses de periacuteodos mais recentes preferem evitaacute-la Uma

discussatildeo mais aprofundada dos motivos para tal e mais detalhes sobre o uso dos termos relacionados

com a nomenclatura ldquoCeltardquo podem ser vistos em SANTOS Dominique (2013) e BONDIOLI Nelson

(2013) 4 Segue fragmento completo em grego Τὸ δὲ σύμπαν φῦλον ὃ νῦν Γαλλικόν τε καὶ Γα-λατικὸν

καλοῦσιν ἀρειμάνιόν ἐστι καὶ θυμικόν τε καὶ ταχὺ πρὸς μάχην ἄλλως δὲ ἁπλοῦν καὶ οὐ κακόηθες

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 237 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

2007 P 25) Um dos mais importantes atributos da guerra romana era a uirtus lembra o

autor que incluia as mais importantes qualidades marciais natildeo soacute a coragem fiacutesica e a

habilidade com armas mas tambeacutem a moral e outros dons (GOLDSWORTHY 2007 P

28) Goldsworthy segue afirmando que a guerra e a poliacutetica estavam ligadas de forma

indisoluacutevel em Roma a gloacuteria militar ajudava na carreira poliacutetica Os romanos se

envolveram em guerras com praticamente todo o mundo conhecido da fronteira com os

baacuterbaros do norte da Europa ateacute o oriente Desta forma a guerra senatildeo uma

naturalidade pelo menos um fato corriqueiro na vida da sociedade romana seja nos

periacuteodos de guerra civil seja nas lutas contra povos extrangeiros (GOLDSWORTHY

2007 P 29-30)

Para alguns historiadores os romanos eram mais afixionados pela guerra que os

gregos J E Lendon por exemplo chega a caracterizar os romanos como tubarotildees e os

gregos como golfinhos ambos predadores mas com suas diferenccedilas Entre os gregos a

guerra seria uma espeacutecie de opccedilatildeo poder-se-ia exercer outras artes ou habilidades fazer

outras escolhas entre os romanos natildeo a guerra era o fundamento do respeito proacuteprio

masculino a ldquoescolhardquo romana era ou a guerra ou a desgraccedila Ainda um cidadatildeo grego

poderia colocar mercenaacuterios para guerrear em seu lugar jaacute os romanos natildeo a uirtus era

a honra maacutexima a ser adquirida era o que caracterizava as legiotildees seja no desastre ou

no triunfo (LENDON 2007)

Yvon Garlan afirma que na vida comum era possiacutevel adiar uma guerra mas natildeo

evitaacute-la natildeo era possiacutevel escapar das guerras por isso elas estavam no centro da

historiografia Segundo ele a causa de uma guerra poderia ser a obediecircncia agrave vontade

divina a vinganccedila das ofensas sofridas motivos propriamente poliacuteticos ou ainda e de

acordo com Platatildeo (Sofista 222c) o desejo de adquirir bens como a aquisiccedilatildeo de

escravos mesma explicaccedilatildeo a qual recorria Aristoacuteteles lembra o autor (GARLAN

1994 p 47-74)

No Egito faraocircnico a presenccedila de prisioneiros de guerra entre a populaccedilatildeo

tambeacutem eacute constante Quando Antonio Loprieno aborda a questatildeo a retoma desde o

Reino Antigo pois segundo ele desde o governo de Seneferu haacute evidecircncias de

expediccedilotildees para a Nuacutebia e a Liacutebia com o propoacutesito de capturar pessoas para realizar

trabalhos forccedilados incluindo a participaccedilatildeo militar no idioma egiacutepcio elas eram

categorizadas como sḳrw-lsquonḫ (atadas para a vida) Inuacutemeros asiaacuteticos foram trazidos

para o Egito como resultado de campanhas militares sendo considerados espoacutelios de

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera

que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo

geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos

estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que

alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de

mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as

expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares

(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros

empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas

tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas

interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas

investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)

No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino

Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo

relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de

sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino

Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias

destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a

tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido

amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra

(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que

afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas

minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades

(CARDOSO 1984)

No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma

prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados

ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria

militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido

pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como

acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No

entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias

(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem

apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua

ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma

diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar

trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter

econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo

Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra

estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A

assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os

monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo

ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada

uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo

ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores

formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade

protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o

vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da

identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)

Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave

cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo

era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos

manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais

temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto

(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que

eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre

Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se

ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo

agrave segunda parte de nossa reflexatildeo

Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas

sociedades antigas

Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo

tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem

glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto

vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades

beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos

preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela

guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de

bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma

forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos

novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto

Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos

escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro

I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o

conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras

para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste

artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra

do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais

sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta

questatildeo

Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado

a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que

interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez

isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que

belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo

passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace

in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que

apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas

pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos

casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos

evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites

(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram

fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos

5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ

καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν

γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta

diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em

sua obra

O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como

Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por

exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que

segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da

Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades

tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como

descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior

reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em

que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo

(RAAFLAUB 2007 P 13)

Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para

compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz

para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para

evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico

de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza

em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a

guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades

(RAAFLAUB 2007 P 16-17)

Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja

por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos

entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo

ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios

costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com

ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se

revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui

paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de

intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos

quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes

lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que

ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias

Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo

repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles

virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)

Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o

julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira

posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira

cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma

disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo

grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz

respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos

tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em

sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam

nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB

2007 P 18)

Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a

manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no

julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino

caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a

Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os

atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque

ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi

rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB

2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em

Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio

sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a

historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o

esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada

(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada

exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007

P 21)

Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as

sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta

natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que

a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)

Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que

os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon

argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade

de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado

(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de

avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em

sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso

O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas

natildeo ldquomilitaristasrdquo

Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo

Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela

que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo

masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam

sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para

objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees

militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O

autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos

Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)

O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia

Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de

dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a

esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e

notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta

questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas

de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30

anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos

escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto

(HORNBLOWER 2007 P 23)

Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas

em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na

Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda

as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena

digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso

uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga

No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz

mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os

referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo

encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que

fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello

Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais

na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade

antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como

sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto

para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer

significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo

conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio

submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)

Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem

Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com

diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e

comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo

de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de

ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou

ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como

uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do

sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo

poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais

abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia

(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen

lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era

anocircmala (HANSEN 2006)

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 234 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

lado a guerra era uma constante na vida das sociedades antigas por outro de acordo

com os debates mais recentes na historiografia especiacutefica da aacuterea natildeo podemos afirmar

com certeza que ela era algo natural no mundo antigo

Da ldquonaturalidaderdquo da guerra nas sociedades antigas

No geral encontramos muita insistecircncia nesta ldquonaturalidaderdquo da Guerra no mundo

antigo Victor Davis Hanson por exemplo explica que seguindo teorias da

Antropologia em especial o estruturalismo corrente nos anos 60 na Franccedila Vernant P

Vidal-Naquet e Y Garlan sistematizaram estudos que apontavam para uma visatildeo

antropoloacutegica da guerra que influenciaria Finley e seus seguidores que escrevaram

sobre a guerra em termos de culto ritual psicologia gecircnero etc Estes estudos acabaratildeo

por corroborar a tese de que a guerra principalmente para os gregos era um estado

ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo e estava presente em todas as esferas sociais visatildeo sustentada por

Vernant que eacute um dos principais exponentes desta tese (HANSON 2007 p 273-299)

No que diz respeito a Garlan ele sustenta que o homem grego foi mesmo

belicoso e que isso se pode demonstrar com facilidade O autor recorre ao fato de que a

Atenas claacutessica esteve em guerra durante mais de dois anos em trecircs e que nunca

conheceu a paz durante dez anos seguidos Assim a paz pode ser entendida como uma

espeacutecie de ldquotreacutegua prolongada sendo a exceccedilatildeo e natildeo a regrardquo O autor lembra ainda

que soacute a guerra parece ser um assunto verdadeiramente digno de memoacuteria para os

historiadores gregos na vida diaacuteria ela eacute uma preocupaccedilatildeo constante para os cidadatildeos e

a todos os niacuteveis e em todos os campos se afirma o predomiacutenio do guerreiro Apesar de

podermos encontrar reflexotildees sobre a paz desde Homero ateacute finais da eacutepoca heleniacutestica

Garlan afirma que ela eacute apenas ldquoo ponto de chegada que coroa os feitos dos guerreirosrdquo

tal concepccedilatildeo natildeo contradiz a necessidade e a grandeza da guerra ao contraacuterio a

justifica atribuindo-lhe como fim uacuteltimo a felicidade (GARLAN 1994 p 47-74)

O historiador brasileiro Marcos Alvito afirma que a belicosidade era vista como

parte integrante da sociedade humana um meio ldquonaturalrdquo de aquisiccedilatildeo de bens no

mundo antigo assim como a caccedila ou a agricultura por exemplo (ALVITO 1988) Eacute a

mesma opiniatildeo de alguns dos autores jaacute mencionados Para sustentar sua argumentaccedilatildeo

sobre a ldquonaturalidade da guerrardquo Alvito recorre a Heroacutedoto O trecho escolhido eacute

bastante mencionado trata-se de uma parte da narrativa do historiador grego em que ele

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 235 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

descreve o conselho que o rei Croisos daacute ao rei persa Cyros quando este estava

preocupado com a possibilidade de os liacutedios se revoltarem Segue o trecho tal qual

mencionado por Alvito

manda proibiacute-los de possuir armas de guerra e ordena-lhes que usem

tuacutenicas sob seus mantos e calcem botas que ensinem seus filhos a

tocar ciacutetara e outros instrumentos de cordas e que tenham lojas

Entatildeo rei dentro de pouco tempo vecirc-lo-aacutes transformados em

mulheres em vez de homens e jaacute natildeo teraacutes receios de sua rebeldia

(Heroacutedoto I 155)2

Alvito interpreta a passagem acima como uma incitaccedilatildeo aos valores da guerra

uacutenica capaz de forjar homens e estimular as virtudes necessaacuterias aos mesmos Em sua

obra ele acentua o fato de que o ato de ldquotocar ciacutetara e outros instrumentos de cordardquo

transformaraacute os homens em ldquomulheresrdquo uma metaacutefora para enfatizar que natildeo mais

seratildeo dados agrave guerra mas a outras atividades assim natildeo mais seratildeo rebeldes Em outro

momento Alvito utiliza a religiatildeo e sua relaccedilatildeo com a guerra como forma de defender

sua tese de que a guerra era algo natural para os gregos O autor lembra que as

divindades guerreiras natildeo sofriam concorrecircncia daquelas ligadas agrave paz da mesma

maneira ldquoos oraacuteculos jamais recomendavam a paz mas a guerra (ALVITO 1988)

Seguindo a mesma concepccedilatildeo de Garlan Alvito tambeacutem afirma que a paz era apenas

um ldquointervalo entre as guerrasrdquo e lembra o fato de que eacute comum encontrar na literatura

antiga trechos falando da paz ldquosempre acompanhada de um intervalo de tempordquo O autor

se baseia em Heroacutedoto Tuciacutedides Xenofonte e Poliacutebio narrativas que estatildeo centradas

no conflito para insistir neste argumento de naturalidade beacutelica Voltaremos a obra de

Alvito mais adiante na segunda parte de nossa reflexatildeo

Entre os celtas a guerra tambeacutem eacute uma questatildeo importante e sempre

mencionada pelos historiadores alguns deles tratam o tema como algo comum

relacionado ao cotidiano as vezes natural TGE Powel por exemplo apresenta uma

seacuterie de caracteriacutesticas ligadas agrave guerra comuns aos homens desta sociedade ele deve

ser valoroso nas armas e grandiozo em proezas militares aleacutem de ser um exiacutemio

cavaleiro (POWELL 1965) De fato encontramos subsiacutedios para estas interpretaccedilotildees

2 O fragmento ao qual Alvito se refere eacute especificadamente o trecho entre a linha 18 da parte 155 e a linha

1 da parte 156 do Livro I das Histoacuterias de Heroacutedoto Segue o texto em grego ἄπειπε μέν σφι πέμψας

ὅπλα ἀρήια μὴ ἐκτῆσθαι κέλευε δέ σφεας κιθῶνάς τε ὑποδύνειν τοῖσι εἵμασι καὶ κοθόρνους ὑπο-

δέεσθαι πρόειπε δ αὐτοῖσι κιθαρίζειν τε καὶ ψάλλειν καὶ καπηλεύειν παιδεύειν τοὺς παῖδας καὶ ταχέως

σφέας ὦ βασιλεῦ γυναῖκας ἀντ ἀνδρῶν ὄψεαι γεγονότας ὥστε οὐδὲν δεινοί τοι ἔσονται μὴ ἀποστέωσι

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 236 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

elas estatildeo tambeacutem na arqueologia principalmente nas sepulturas ceacutelticas nas quais

foram encontrados espadas escudos e ateacute carros de guerra Na literatura irlandesa que

alguns como o proacuteprio Powel chamam de ldquoceacuteltica insularrdquo3 tambeacutem temos inuacutemeros

exemplos assim como as narrativas mitoloacutegicas sobre o maior de todos os heroacuteis

guerreiros Cuacute Chulainn da epopeacuteia irlandesa Tain Boacute Cuainlge Conta-se que sabendo

que ia morrer em breve Cuacute Chulainn amarrou-se em uma pedra fitando o campo de

batalha ao horizonte para aterrorizar os inimigos e que mesmo depois de morto

ningueacutem ousava se aproximar isto sendo feito apenas depois que corvos comeccedilaram a

pousar sobre seu corpo para comer-lhe as carcaccedilas

No caso dos Celtas boa parte do que eacute dito sobre eles nos relatos que gregos e

romanos fizeram se concentra no quesito beacutelico Para os autores claacutessicos o guerreiro

celta marcou forte presenccedila no imaginaacuterio ele eacute sempre mencionado por sua coragem e

certa indiferenccedila perante a morte Uma olhada raacutepida em Poliacutebio ou nos Comentaacuterios

sobre as Guerras Gaacutelicas de Juacutelio Ceacutesar pode dar uma ideacuteia do ldquoterrorrdquo que gregos e

romanos sentiam diante dos Celtas Estrabatildeo (Geografia IV 42) tambeacutem eacute um bom

exemplo ao fazer referecircncia aos Celtas os representa como um povo que eacute ldquoafixionado

pela guerrardquo4 O fato eacute que desde a literatura claacutessica haacute associaccedilotildees entre os celtas e a

guerra O que os historiadores fizeram foi acatar e reproduzir estas mencotildees

esquecendo-se de outras referecircncias

Com relaccedilatildeo agrave Roma Adrian Goldsworthy relata que a guerra desempenhou um

papel fundamental garantiu o sucesso militar e era a responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do

impeacuterio Ela comeccedilou em pequena escala se constituia sobretudo em pequenos roubos

de gado e a maioria dos liacutederes romanos eram como chefes guerreiros O autor os

compara com os modelos dos heroacuteis da Iliacuteada de Homero O ideal era correr agrave frente e

lutar contra os chefes inimigos na frente de todos (GOLDSWORTHY 2007 P 23) Agrave

medida que Roma cresceu em populaccedilatildeo cresceu tambeacutem a escala das guerras Com o

tempo comeccedilou-se a combater em uma compacta formaccedilatildeo a falange A seguir a

Repuacuteblica Romana que continou crescendo derrotou etruscos samnitas e a maioria dos

povos da Peniacutensula Itaacutelica jaacute em tempos das famosas legiotildees (GOLDSWORTHY

3 A terminologia ldquoceltardquo para se referir agrave Irlanda do periacuteodo da Antiguidade eou Medievo eacute problemaacutetica

Jaacute faz algum tempo que historiadores irlandeses de periacuteodos mais recentes preferem evitaacute-la Uma

discussatildeo mais aprofundada dos motivos para tal e mais detalhes sobre o uso dos termos relacionados

com a nomenclatura ldquoCeltardquo podem ser vistos em SANTOS Dominique (2013) e BONDIOLI Nelson

(2013) 4 Segue fragmento completo em grego Τὸ δὲ σύμπαν φῦλον ὃ νῦν Γαλλικόν τε καὶ Γα-λατικὸν

καλοῦσιν ἀρειμάνιόν ἐστι καὶ θυμικόν τε καὶ ταχὺ πρὸς μάχην ἄλλως δὲ ἁπλοῦν καὶ οὐ κακόηθες

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 237 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

2007 P 25) Um dos mais importantes atributos da guerra romana era a uirtus lembra o

autor que incluia as mais importantes qualidades marciais natildeo soacute a coragem fiacutesica e a

habilidade com armas mas tambeacutem a moral e outros dons (GOLDSWORTHY 2007 P

28) Goldsworthy segue afirmando que a guerra e a poliacutetica estavam ligadas de forma

indisoluacutevel em Roma a gloacuteria militar ajudava na carreira poliacutetica Os romanos se

envolveram em guerras com praticamente todo o mundo conhecido da fronteira com os

baacuterbaros do norte da Europa ateacute o oriente Desta forma a guerra senatildeo uma

naturalidade pelo menos um fato corriqueiro na vida da sociedade romana seja nos

periacuteodos de guerra civil seja nas lutas contra povos extrangeiros (GOLDSWORTHY

2007 P 29-30)

Para alguns historiadores os romanos eram mais afixionados pela guerra que os

gregos J E Lendon por exemplo chega a caracterizar os romanos como tubarotildees e os

gregos como golfinhos ambos predadores mas com suas diferenccedilas Entre os gregos a

guerra seria uma espeacutecie de opccedilatildeo poder-se-ia exercer outras artes ou habilidades fazer

outras escolhas entre os romanos natildeo a guerra era o fundamento do respeito proacuteprio

masculino a ldquoescolhardquo romana era ou a guerra ou a desgraccedila Ainda um cidadatildeo grego

poderia colocar mercenaacuterios para guerrear em seu lugar jaacute os romanos natildeo a uirtus era

a honra maacutexima a ser adquirida era o que caracterizava as legiotildees seja no desastre ou

no triunfo (LENDON 2007)

Yvon Garlan afirma que na vida comum era possiacutevel adiar uma guerra mas natildeo

evitaacute-la natildeo era possiacutevel escapar das guerras por isso elas estavam no centro da

historiografia Segundo ele a causa de uma guerra poderia ser a obediecircncia agrave vontade

divina a vinganccedila das ofensas sofridas motivos propriamente poliacuteticos ou ainda e de

acordo com Platatildeo (Sofista 222c) o desejo de adquirir bens como a aquisiccedilatildeo de

escravos mesma explicaccedilatildeo a qual recorria Aristoacuteteles lembra o autor (GARLAN

1994 p 47-74)

No Egito faraocircnico a presenccedila de prisioneiros de guerra entre a populaccedilatildeo

tambeacutem eacute constante Quando Antonio Loprieno aborda a questatildeo a retoma desde o

Reino Antigo pois segundo ele desde o governo de Seneferu haacute evidecircncias de

expediccedilotildees para a Nuacutebia e a Liacutebia com o propoacutesito de capturar pessoas para realizar

trabalhos forccedilados incluindo a participaccedilatildeo militar no idioma egiacutepcio elas eram

categorizadas como sḳrw-lsquonḫ (atadas para a vida) Inuacutemeros asiaacuteticos foram trazidos

para o Egito como resultado de campanhas militares sendo considerados espoacutelios de

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera

que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo

geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos

estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que

alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de

mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as

expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares

(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros

empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas

tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas

interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas

investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)

No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino

Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo

relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de

sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino

Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias

destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a

tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido

amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra

(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que

afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas

minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades

(CARDOSO 1984)

No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma

prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados

ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria

militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido

pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como

acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No

entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias

(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem

apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua

ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma

diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar

trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter

econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo

Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra

estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A

assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os

monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo

ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada

uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo

ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores

formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade

protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o

vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da

identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)

Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave

cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo

era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos

manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais

temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto

(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que

eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre

Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se

ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo

agrave segunda parte de nossa reflexatildeo

Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas

sociedades antigas

Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo

tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem

glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto

vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades

beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos

preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela

guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de

bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma

forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos

novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto

Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos

escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro

I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o

conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras

para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste

artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra

do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais

sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta

questatildeo

Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado

a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que

interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez

isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que

belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo

passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace

in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que

apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas

pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos

casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos

evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites

(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram

fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos

5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ

καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν

γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta

diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em

sua obra

O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como

Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por

exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que

segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da

Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades

tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como

descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior

reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em

que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo

(RAAFLAUB 2007 P 13)

Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para

compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz

para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para

evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico

de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza

em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a

guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades

(RAAFLAUB 2007 P 16-17)

Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja

por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos

entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo

ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios

costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com

ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se

revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui

paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de

intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos

quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes

lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que

ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias

Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo

repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles

virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)

Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o

julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira

posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira

cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma

disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo

grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz

respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos

tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em

sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam

nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB

2007 P 18)

Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a

manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no

julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino

caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a

Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os

atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque

ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi

rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB

2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em

Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio

sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a

historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o

esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada

(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada

exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007

P 21)

Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as

sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta

natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que

a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)

Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que

os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon

argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade

de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado

(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de

avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em

sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso

O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas

natildeo ldquomilitaristasrdquo

Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo

Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela

que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo

masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam

sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para

objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees

militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O

autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos

Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)

O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia

Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de

dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a

esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e

notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta

questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas

de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30

anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos

escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto

(HORNBLOWER 2007 P 23)

Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas

em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na

Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda

as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena

digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso

uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga

No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz

mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os

referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo

encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que

fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello

Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais

na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade

antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como

sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto

para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer

significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo

conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio

submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)

Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem

Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com

diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e

comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo

de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de

ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou

ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como

uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do

sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo

poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais

abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia

(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen

lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era

anocircmala (HANSEN 2006)

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 235 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

descreve o conselho que o rei Croisos daacute ao rei persa Cyros quando este estava

preocupado com a possibilidade de os liacutedios se revoltarem Segue o trecho tal qual

mencionado por Alvito

manda proibiacute-los de possuir armas de guerra e ordena-lhes que usem

tuacutenicas sob seus mantos e calcem botas que ensinem seus filhos a

tocar ciacutetara e outros instrumentos de cordas e que tenham lojas

Entatildeo rei dentro de pouco tempo vecirc-lo-aacutes transformados em

mulheres em vez de homens e jaacute natildeo teraacutes receios de sua rebeldia

(Heroacutedoto I 155)2

Alvito interpreta a passagem acima como uma incitaccedilatildeo aos valores da guerra

uacutenica capaz de forjar homens e estimular as virtudes necessaacuterias aos mesmos Em sua

obra ele acentua o fato de que o ato de ldquotocar ciacutetara e outros instrumentos de cordardquo

transformaraacute os homens em ldquomulheresrdquo uma metaacutefora para enfatizar que natildeo mais

seratildeo dados agrave guerra mas a outras atividades assim natildeo mais seratildeo rebeldes Em outro

momento Alvito utiliza a religiatildeo e sua relaccedilatildeo com a guerra como forma de defender

sua tese de que a guerra era algo natural para os gregos O autor lembra que as

divindades guerreiras natildeo sofriam concorrecircncia daquelas ligadas agrave paz da mesma

maneira ldquoos oraacuteculos jamais recomendavam a paz mas a guerra (ALVITO 1988)

Seguindo a mesma concepccedilatildeo de Garlan Alvito tambeacutem afirma que a paz era apenas

um ldquointervalo entre as guerrasrdquo e lembra o fato de que eacute comum encontrar na literatura

antiga trechos falando da paz ldquosempre acompanhada de um intervalo de tempordquo O autor

se baseia em Heroacutedoto Tuciacutedides Xenofonte e Poliacutebio narrativas que estatildeo centradas

no conflito para insistir neste argumento de naturalidade beacutelica Voltaremos a obra de

Alvito mais adiante na segunda parte de nossa reflexatildeo

Entre os celtas a guerra tambeacutem eacute uma questatildeo importante e sempre

mencionada pelos historiadores alguns deles tratam o tema como algo comum

relacionado ao cotidiano as vezes natural TGE Powel por exemplo apresenta uma

seacuterie de caracteriacutesticas ligadas agrave guerra comuns aos homens desta sociedade ele deve

ser valoroso nas armas e grandiozo em proezas militares aleacutem de ser um exiacutemio

cavaleiro (POWELL 1965) De fato encontramos subsiacutedios para estas interpretaccedilotildees

2 O fragmento ao qual Alvito se refere eacute especificadamente o trecho entre a linha 18 da parte 155 e a linha

1 da parte 156 do Livro I das Histoacuterias de Heroacutedoto Segue o texto em grego ἄπειπε μέν σφι πέμψας

ὅπλα ἀρήια μὴ ἐκτῆσθαι κέλευε δέ σφεας κιθῶνάς τε ὑποδύνειν τοῖσι εἵμασι καὶ κοθόρνους ὑπο-

δέεσθαι πρόειπε δ αὐτοῖσι κιθαρίζειν τε καὶ ψάλλειν καὶ καπηλεύειν παιδεύειν τοὺς παῖδας καὶ ταχέως

σφέας ὦ βασιλεῦ γυναῖκας ἀντ ἀνδρῶν ὄψεαι γεγονότας ὥστε οὐδὲν δεινοί τοι ἔσονται μὴ ἀποστέωσι

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 236 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

elas estatildeo tambeacutem na arqueologia principalmente nas sepulturas ceacutelticas nas quais

foram encontrados espadas escudos e ateacute carros de guerra Na literatura irlandesa que

alguns como o proacuteprio Powel chamam de ldquoceacuteltica insularrdquo3 tambeacutem temos inuacutemeros

exemplos assim como as narrativas mitoloacutegicas sobre o maior de todos os heroacuteis

guerreiros Cuacute Chulainn da epopeacuteia irlandesa Tain Boacute Cuainlge Conta-se que sabendo

que ia morrer em breve Cuacute Chulainn amarrou-se em uma pedra fitando o campo de

batalha ao horizonte para aterrorizar os inimigos e que mesmo depois de morto

ningueacutem ousava se aproximar isto sendo feito apenas depois que corvos comeccedilaram a

pousar sobre seu corpo para comer-lhe as carcaccedilas

No caso dos Celtas boa parte do que eacute dito sobre eles nos relatos que gregos e

romanos fizeram se concentra no quesito beacutelico Para os autores claacutessicos o guerreiro

celta marcou forte presenccedila no imaginaacuterio ele eacute sempre mencionado por sua coragem e

certa indiferenccedila perante a morte Uma olhada raacutepida em Poliacutebio ou nos Comentaacuterios

sobre as Guerras Gaacutelicas de Juacutelio Ceacutesar pode dar uma ideacuteia do ldquoterrorrdquo que gregos e

romanos sentiam diante dos Celtas Estrabatildeo (Geografia IV 42) tambeacutem eacute um bom

exemplo ao fazer referecircncia aos Celtas os representa como um povo que eacute ldquoafixionado

pela guerrardquo4 O fato eacute que desde a literatura claacutessica haacute associaccedilotildees entre os celtas e a

guerra O que os historiadores fizeram foi acatar e reproduzir estas mencotildees

esquecendo-se de outras referecircncias

Com relaccedilatildeo agrave Roma Adrian Goldsworthy relata que a guerra desempenhou um

papel fundamental garantiu o sucesso militar e era a responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do

impeacuterio Ela comeccedilou em pequena escala se constituia sobretudo em pequenos roubos

de gado e a maioria dos liacutederes romanos eram como chefes guerreiros O autor os

compara com os modelos dos heroacuteis da Iliacuteada de Homero O ideal era correr agrave frente e

lutar contra os chefes inimigos na frente de todos (GOLDSWORTHY 2007 P 23) Agrave

medida que Roma cresceu em populaccedilatildeo cresceu tambeacutem a escala das guerras Com o

tempo comeccedilou-se a combater em uma compacta formaccedilatildeo a falange A seguir a

Repuacuteblica Romana que continou crescendo derrotou etruscos samnitas e a maioria dos

povos da Peniacutensula Itaacutelica jaacute em tempos das famosas legiotildees (GOLDSWORTHY

3 A terminologia ldquoceltardquo para se referir agrave Irlanda do periacuteodo da Antiguidade eou Medievo eacute problemaacutetica

Jaacute faz algum tempo que historiadores irlandeses de periacuteodos mais recentes preferem evitaacute-la Uma

discussatildeo mais aprofundada dos motivos para tal e mais detalhes sobre o uso dos termos relacionados

com a nomenclatura ldquoCeltardquo podem ser vistos em SANTOS Dominique (2013) e BONDIOLI Nelson

(2013) 4 Segue fragmento completo em grego Τὸ δὲ σύμπαν φῦλον ὃ νῦν Γαλλικόν τε καὶ Γα-λατικὸν

καλοῦσιν ἀρειμάνιόν ἐστι καὶ θυμικόν τε καὶ ταχὺ πρὸς μάχην ἄλλως δὲ ἁπλοῦν καὶ οὐ κακόηθες

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 237 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

2007 P 25) Um dos mais importantes atributos da guerra romana era a uirtus lembra o

autor que incluia as mais importantes qualidades marciais natildeo soacute a coragem fiacutesica e a

habilidade com armas mas tambeacutem a moral e outros dons (GOLDSWORTHY 2007 P

28) Goldsworthy segue afirmando que a guerra e a poliacutetica estavam ligadas de forma

indisoluacutevel em Roma a gloacuteria militar ajudava na carreira poliacutetica Os romanos se

envolveram em guerras com praticamente todo o mundo conhecido da fronteira com os

baacuterbaros do norte da Europa ateacute o oriente Desta forma a guerra senatildeo uma

naturalidade pelo menos um fato corriqueiro na vida da sociedade romana seja nos

periacuteodos de guerra civil seja nas lutas contra povos extrangeiros (GOLDSWORTHY

2007 P 29-30)

Para alguns historiadores os romanos eram mais afixionados pela guerra que os

gregos J E Lendon por exemplo chega a caracterizar os romanos como tubarotildees e os

gregos como golfinhos ambos predadores mas com suas diferenccedilas Entre os gregos a

guerra seria uma espeacutecie de opccedilatildeo poder-se-ia exercer outras artes ou habilidades fazer

outras escolhas entre os romanos natildeo a guerra era o fundamento do respeito proacuteprio

masculino a ldquoescolhardquo romana era ou a guerra ou a desgraccedila Ainda um cidadatildeo grego

poderia colocar mercenaacuterios para guerrear em seu lugar jaacute os romanos natildeo a uirtus era

a honra maacutexima a ser adquirida era o que caracterizava as legiotildees seja no desastre ou

no triunfo (LENDON 2007)

Yvon Garlan afirma que na vida comum era possiacutevel adiar uma guerra mas natildeo

evitaacute-la natildeo era possiacutevel escapar das guerras por isso elas estavam no centro da

historiografia Segundo ele a causa de uma guerra poderia ser a obediecircncia agrave vontade

divina a vinganccedila das ofensas sofridas motivos propriamente poliacuteticos ou ainda e de

acordo com Platatildeo (Sofista 222c) o desejo de adquirir bens como a aquisiccedilatildeo de

escravos mesma explicaccedilatildeo a qual recorria Aristoacuteteles lembra o autor (GARLAN

1994 p 47-74)

No Egito faraocircnico a presenccedila de prisioneiros de guerra entre a populaccedilatildeo

tambeacutem eacute constante Quando Antonio Loprieno aborda a questatildeo a retoma desde o

Reino Antigo pois segundo ele desde o governo de Seneferu haacute evidecircncias de

expediccedilotildees para a Nuacutebia e a Liacutebia com o propoacutesito de capturar pessoas para realizar

trabalhos forccedilados incluindo a participaccedilatildeo militar no idioma egiacutepcio elas eram

categorizadas como sḳrw-lsquonḫ (atadas para a vida) Inuacutemeros asiaacuteticos foram trazidos

para o Egito como resultado de campanhas militares sendo considerados espoacutelios de

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera

que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo

geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos

estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que

alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de

mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as

expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares

(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros

empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas

tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas

interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas

investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)

No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino

Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo

relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de

sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino

Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias

destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a

tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido

amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra

(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que

afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas

minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades

(CARDOSO 1984)

No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma

prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados

ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria

militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido

pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como

acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No

entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias

(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem

apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua

ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma

diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar

trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter

econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo

Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra

estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A

assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os

monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo

ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada

uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo

ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores

formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade

protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o

vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da

identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)

Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave

cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo

era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos

manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais

temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto

(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que

eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre

Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se

ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo

agrave segunda parte de nossa reflexatildeo

Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas

sociedades antigas

Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo

tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem

glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto

vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades

beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos

preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela

guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de

bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma

forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos

novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto

Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos

escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro

I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o

conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras

para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste

artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra

do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais

sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta

questatildeo

Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado

a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que

interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez

isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que

belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo

passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace

in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que

apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas

pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos

casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos

evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites

(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram

fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos

5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ

καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν

γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta

diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em

sua obra

O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como

Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por

exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que

segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da

Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades

tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como

descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior

reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em

que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo

(RAAFLAUB 2007 P 13)

Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para

compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz

para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para

evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico

de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza

em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a

guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades

(RAAFLAUB 2007 P 16-17)

Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja

por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos

entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo

ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios

costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com

ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se

revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui

paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de

intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos

quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes

lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que

ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias

Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo

repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles

virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)

Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o

julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira

posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira

cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma

disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo

grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz

respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos

tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em

sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam

nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB

2007 P 18)

Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a

manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no

julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino

caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a

Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os

atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque

ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi

rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB

2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em

Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio

sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a

historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o

esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada

(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada

exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007

P 21)

Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as

sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta

natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que

a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)

Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que

os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon

argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade

de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado

(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de

avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em

sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso

O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas

natildeo ldquomilitaristasrdquo

Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo

Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela

que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo

masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam

sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para

objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees

militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O

autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos

Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)

O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia

Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de

dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a

esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e

notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta

questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas

de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30

anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos

escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto

(HORNBLOWER 2007 P 23)

Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas

em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na

Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda

as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena

digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso

uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga

No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz

mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os

referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo

encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que

fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello

Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais

na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade

antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como

sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto

para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer

significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo

conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio

submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)

Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem

Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com

diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e

comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo

de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de

ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou

ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como

uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do

sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo

poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais

abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia

(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen

lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era

anocircmala (HANSEN 2006)

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 236 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

elas estatildeo tambeacutem na arqueologia principalmente nas sepulturas ceacutelticas nas quais

foram encontrados espadas escudos e ateacute carros de guerra Na literatura irlandesa que

alguns como o proacuteprio Powel chamam de ldquoceacuteltica insularrdquo3 tambeacutem temos inuacutemeros

exemplos assim como as narrativas mitoloacutegicas sobre o maior de todos os heroacuteis

guerreiros Cuacute Chulainn da epopeacuteia irlandesa Tain Boacute Cuainlge Conta-se que sabendo

que ia morrer em breve Cuacute Chulainn amarrou-se em uma pedra fitando o campo de

batalha ao horizonte para aterrorizar os inimigos e que mesmo depois de morto

ningueacutem ousava se aproximar isto sendo feito apenas depois que corvos comeccedilaram a

pousar sobre seu corpo para comer-lhe as carcaccedilas

No caso dos Celtas boa parte do que eacute dito sobre eles nos relatos que gregos e

romanos fizeram se concentra no quesito beacutelico Para os autores claacutessicos o guerreiro

celta marcou forte presenccedila no imaginaacuterio ele eacute sempre mencionado por sua coragem e

certa indiferenccedila perante a morte Uma olhada raacutepida em Poliacutebio ou nos Comentaacuterios

sobre as Guerras Gaacutelicas de Juacutelio Ceacutesar pode dar uma ideacuteia do ldquoterrorrdquo que gregos e

romanos sentiam diante dos Celtas Estrabatildeo (Geografia IV 42) tambeacutem eacute um bom

exemplo ao fazer referecircncia aos Celtas os representa como um povo que eacute ldquoafixionado

pela guerrardquo4 O fato eacute que desde a literatura claacutessica haacute associaccedilotildees entre os celtas e a

guerra O que os historiadores fizeram foi acatar e reproduzir estas mencotildees

esquecendo-se de outras referecircncias

Com relaccedilatildeo agrave Roma Adrian Goldsworthy relata que a guerra desempenhou um

papel fundamental garantiu o sucesso militar e era a responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do

impeacuterio Ela comeccedilou em pequena escala se constituia sobretudo em pequenos roubos

de gado e a maioria dos liacutederes romanos eram como chefes guerreiros O autor os

compara com os modelos dos heroacuteis da Iliacuteada de Homero O ideal era correr agrave frente e

lutar contra os chefes inimigos na frente de todos (GOLDSWORTHY 2007 P 23) Agrave

medida que Roma cresceu em populaccedilatildeo cresceu tambeacutem a escala das guerras Com o

tempo comeccedilou-se a combater em uma compacta formaccedilatildeo a falange A seguir a

Repuacuteblica Romana que continou crescendo derrotou etruscos samnitas e a maioria dos

povos da Peniacutensula Itaacutelica jaacute em tempos das famosas legiotildees (GOLDSWORTHY

3 A terminologia ldquoceltardquo para se referir agrave Irlanda do periacuteodo da Antiguidade eou Medievo eacute problemaacutetica

Jaacute faz algum tempo que historiadores irlandeses de periacuteodos mais recentes preferem evitaacute-la Uma

discussatildeo mais aprofundada dos motivos para tal e mais detalhes sobre o uso dos termos relacionados

com a nomenclatura ldquoCeltardquo podem ser vistos em SANTOS Dominique (2013) e BONDIOLI Nelson

(2013) 4 Segue fragmento completo em grego Τὸ δὲ σύμπαν φῦλον ὃ νῦν Γαλλικόν τε καὶ Γα-λατικὸν

καλοῦσιν ἀρειμάνιόν ἐστι καὶ θυμικόν τε καὶ ταχὺ πρὸς μάχην ἄλλως δὲ ἁπλοῦν καὶ οὐ κακόηθες

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 237 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

2007 P 25) Um dos mais importantes atributos da guerra romana era a uirtus lembra o

autor que incluia as mais importantes qualidades marciais natildeo soacute a coragem fiacutesica e a

habilidade com armas mas tambeacutem a moral e outros dons (GOLDSWORTHY 2007 P

28) Goldsworthy segue afirmando que a guerra e a poliacutetica estavam ligadas de forma

indisoluacutevel em Roma a gloacuteria militar ajudava na carreira poliacutetica Os romanos se

envolveram em guerras com praticamente todo o mundo conhecido da fronteira com os

baacuterbaros do norte da Europa ateacute o oriente Desta forma a guerra senatildeo uma

naturalidade pelo menos um fato corriqueiro na vida da sociedade romana seja nos

periacuteodos de guerra civil seja nas lutas contra povos extrangeiros (GOLDSWORTHY

2007 P 29-30)

Para alguns historiadores os romanos eram mais afixionados pela guerra que os

gregos J E Lendon por exemplo chega a caracterizar os romanos como tubarotildees e os

gregos como golfinhos ambos predadores mas com suas diferenccedilas Entre os gregos a

guerra seria uma espeacutecie de opccedilatildeo poder-se-ia exercer outras artes ou habilidades fazer

outras escolhas entre os romanos natildeo a guerra era o fundamento do respeito proacuteprio

masculino a ldquoescolhardquo romana era ou a guerra ou a desgraccedila Ainda um cidadatildeo grego

poderia colocar mercenaacuterios para guerrear em seu lugar jaacute os romanos natildeo a uirtus era

a honra maacutexima a ser adquirida era o que caracterizava as legiotildees seja no desastre ou

no triunfo (LENDON 2007)

Yvon Garlan afirma que na vida comum era possiacutevel adiar uma guerra mas natildeo

evitaacute-la natildeo era possiacutevel escapar das guerras por isso elas estavam no centro da

historiografia Segundo ele a causa de uma guerra poderia ser a obediecircncia agrave vontade

divina a vinganccedila das ofensas sofridas motivos propriamente poliacuteticos ou ainda e de

acordo com Platatildeo (Sofista 222c) o desejo de adquirir bens como a aquisiccedilatildeo de

escravos mesma explicaccedilatildeo a qual recorria Aristoacuteteles lembra o autor (GARLAN

1994 p 47-74)

No Egito faraocircnico a presenccedila de prisioneiros de guerra entre a populaccedilatildeo

tambeacutem eacute constante Quando Antonio Loprieno aborda a questatildeo a retoma desde o

Reino Antigo pois segundo ele desde o governo de Seneferu haacute evidecircncias de

expediccedilotildees para a Nuacutebia e a Liacutebia com o propoacutesito de capturar pessoas para realizar

trabalhos forccedilados incluindo a participaccedilatildeo militar no idioma egiacutepcio elas eram

categorizadas como sḳrw-lsquonḫ (atadas para a vida) Inuacutemeros asiaacuteticos foram trazidos

para o Egito como resultado de campanhas militares sendo considerados espoacutelios de

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera

que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo

geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos

estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que

alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de

mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as

expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares

(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros

empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas

tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas

interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas

investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)

No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino

Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo

relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de

sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino

Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias

destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a

tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido

amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra

(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que

afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas

minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades

(CARDOSO 1984)

No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma

prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados

ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria

militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido

pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como

acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No

entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias

(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem

apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua

ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma

diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar

trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter

econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo

Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra

estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A

assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os

monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo

ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada

uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo

ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores

formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade

protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o

vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da

identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)

Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave

cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo

era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos

manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais

temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto

(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que

eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre

Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se

ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo

agrave segunda parte de nossa reflexatildeo

Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas

sociedades antigas

Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo

tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem

glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto

vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades

beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos

preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela

guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de

bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma

forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos

novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto

Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos

escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro

I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o

conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras

para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste

artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra

do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais

sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta

questatildeo

Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado

a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que

interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez

isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que

belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo

passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace

in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que

apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas

pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos

casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos

evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites

(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram

fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos

5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ

καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν

γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta

diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em

sua obra

O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como

Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por

exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que

segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da

Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades

tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como

descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior

reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em

que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo

(RAAFLAUB 2007 P 13)

Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para

compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz

para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para

evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico

de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza

em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a

guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades

(RAAFLAUB 2007 P 16-17)

Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja

por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos

entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo

ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios

costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com

ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se

revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui

paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de

intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos

quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes

lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que

ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias

Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo

repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles

virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)

Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o

julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira

posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira

cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma

disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo

grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz

respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos

tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em

sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam

nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB

2007 P 18)

Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a

manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no

julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino

caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a

Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os

atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque

ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi

rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB

2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em

Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio

sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a

historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o

esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada

(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada

exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007

P 21)

Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as

sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta

natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que

a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)

Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que

os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon

argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade

de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado

(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de

avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em

sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso

O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas

natildeo ldquomilitaristasrdquo

Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo

Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela

que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo

masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam

sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para

objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees

militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O

autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos

Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)

O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia

Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de

dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a

esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e

notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta

questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas

de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30

anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos

escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto

(HORNBLOWER 2007 P 23)

Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas

em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na

Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda

as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena

digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso

uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga

No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz

mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os

referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo

encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que

fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello

Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais

na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade

antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como

sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto

para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer

significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo

conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio

submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)

Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem

Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com

diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e

comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo

de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de

ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou

ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como

uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do

sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo

poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais

abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia

(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen

lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era

anocircmala (HANSEN 2006)

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 237 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

2007 P 25) Um dos mais importantes atributos da guerra romana era a uirtus lembra o

autor que incluia as mais importantes qualidades marciais natildeo soacute a coragem fiacutesica e a

habilidade com armas mas tambeacutem a moral e outros dons (GOLDSWORTHY 2007 P

28) Goldsworthy segue afirmando que a guerra e a poliacutetica estavam ligadas de forma

indisoluacutevel em Roma a gloacuteria militar ajudava na carreira poliacutetica Os romanos se

envolveram em guerras com praticamente todo o mundo conhecido da fronteira com os

baacuterbaros do norte da Europa ateacute o oriente Desta forma a guerra senatildeo uma

naturalidade pelo menos um fato corriqueiro na vida da sociedade romana seja nos

periacuteodos de guerra civil seja nas lutas contra povos extrangeiros (GOLDSWORTHY

2007 P 29-30)

Para alguns historiadores os romanos eram mais afixionados pela guerra que os

gregos J E Lendon por exemplo chega a caracterizar os romanos como tubarotildees e os

gregos como golfinhos ambos predadores mas com suas diferenccedilas Entre os gregos a

guerra seria uma espeacutecie de opccedilatildeo poder-se-ia exercer outras artes ou habilidades fazer

outras escolhas entre os romanos natildeo a guerra era o fundamento do respeito proacuteprio

masculino a ldquoescolhardquo romana era ou a guerra ou a desgraccedila Ainda um cidadatildeo grego

poderia colocar mercenaacuterios para guerrear em seu lugar jaacute os romanos natildeo a uirtus era

a honra maacutexima a ser adquirida era o que caracterizava as legiotildees seja no desastre ou

no triunfo (LENDON 2007)

Yvon Garlan afirma que na vida comum era possiacutevel adiar uma guerra mas natildeo

evitaacute-la natildeo era possiacutevel escapar das guerras por isso elas estavam no centro da

historiografia Segundo ele a causa de uma guerra poderia ser a obediecircncia agrave vontade

divina a vinganccedila das ofensas sofridas motivos propriamente poliacuteticos ou ainda e de

acordo com Platatildeo (Sofista 222c) o desejo de adquirir bens como a aquisiccedilatildeo de

escravos mesma explicaccedilatildeo a qual recorria Aristoacuteteles lembra o autor (GARLAN

1994 p 47-74)

No Egito faraocircnico a presenccedila de prisioneiros de guerra entre a populaccedilatildeo

tambeacutem eacute constante Quando Antonio Loprieno aborda a questatildeo a retoma desde o

Reino Antigo pois segundo ele desde o governo de Seneferu haacute evidecircncias de

expediccedilotildees para a Nuacutebia e a Liacutebia com o propoacutesito de capturar pessoas para realizar

trabalhos forccedilados incluindo a participaccedilatildeo militar no idioma egiacutepcio elas eram

categorizadas como sḳrw-lsquonḫ (atadas para a vida) Inuacutemeros asiaacuteticos foram trazidos

para o Egito como resultado de campanhas militares sendo considerados espoacutelios de

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera

que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo

geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos

estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que

alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de

mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as

expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares

(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros

empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas

tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas

interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas

investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)

No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino

Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo

relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de

sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino

Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias

destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a

tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido

amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra

(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que

afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas

minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades

(CARDOSO 1984)

No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma

prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados

ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria

militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido

pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como

acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No

entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias

(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem

apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua

ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma

diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar

trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter

econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo

Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra

estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A

assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os

monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo

ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada

uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo

ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores

formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade

protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o

vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da

identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)

Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave

cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo

era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos

manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais

temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto

(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que

eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre

Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se

ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo

agrave segunda parte de nossa reflexatildeo

Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas

sociedades antigas

Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo

tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem

glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto

vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades

beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos

preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela

guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de

bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma

forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos

novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto

Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos

escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro

I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o

conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras

para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste

artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra

do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais

sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta

questatildeo

Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado

a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que

interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez

isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que

belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo

passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace

in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que

apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas

pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos

casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos

evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites

(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram

fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos

5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ

καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν

γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta

diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em

sua obra

O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como

Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por

exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que

segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da

Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades

tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como

descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior

reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em

que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo

(RAAFLAUB 2007 P 13)

Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para

compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz

para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para

evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico

de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza

em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a

guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades

(RAAFLAUB 2007 P 16-17)

Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja

por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos

entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo

ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios

costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com

ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se

revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui

paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de

intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos

quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes

lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que

ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias

Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo

repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles

virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)

Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o

julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira

posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira

cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma

disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo

grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz

respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos

tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em

sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam

nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB

2007 P 18)

Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a

manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no

julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino

caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a

Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os

atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque

ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi

rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB

2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em

Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio

sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a

historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o

esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada

(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada

exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007

P 21)

Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as

sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta

natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que

a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)

Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que

os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon

argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade

de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado

(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de

avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em

sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso

O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas

natildeo ldquomilitaristasrdquo

Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo

Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela

que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo

masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam

sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para

objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees

militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O

autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos

Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)

O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia

Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de

dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a

esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e

notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta

questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas

de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30

anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos

escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto

(HORNBLOWER 2007 P 23)

Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas

em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na

Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda

as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena

digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso

uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga

No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz

mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os

referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo

encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que

fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello

Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais

na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade

antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como

sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto

para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer

significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo

conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio

submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)

Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem

Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com

diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e

comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo

de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de

ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou

ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como

uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do

sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo

poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais

abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia

(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen

lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era

anocircmala (HANSEN 2006)

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 238 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

guerra defende o autor (LOPRIENO 2012 p 1-19) Jaacute Anthony J Spalinger pondera

que natildeo havia no Reino Antigo uma poliacutetica imperialista e que nenhuma expansatildeo

geograacutefica foi detectada Segundo ele apesar dos ataques dos egiacutepcios a inimigos

estrangeiros retratados em fontes como a Pedra de Palermo as expediccedilotildees que

alcanccedilaram as terras ao sul da Liacutebia tinham como objetivo principal a extraccedilatildeo de

mineacuterio e de pedras e o transporte de bens e natildeo o de fazer guerras mesmo as

expediccedilotildees empreendidas por Queacuteops e Djedefre natildeo eram campanhas militares

(SPALINGER 2010) Assim Spalinger concorda com a presenccedila de estrangeiros

empreendendo trabalhos forccedilados no Egito na qualidade de prisioneiros de guerra mas

tem preferido enfatizar esta participaccedilatildeo no Reino Novo uma tocircnica de suas

interpretaccedilotildees que observamos tambeacutem em obras anteriores em que todas as suas

investigaccedilotildees estatildeo voltadas para este periacuteodo da histoacuteria egiacutepcia (SPALINGER 2005)

No Brasil algumas anaacutelises sobre esta questatildeo tambeacutem se concentram no Reino

Novo preterindo explicaccedilotildees como as de Loprieno As razotildees apontadas satildeo

relacionadas ao fato de que esta parte da Histoacuteria do Egito Antigo representa o auge de

sua expansatildeo e desenvolvimento beacutelico Nely Arrais por exemplo aponta o Reino

Novo como uma fase de intenso expediente militar A autora afirma que evidecircncias

destas atividades beacutelicas podem ser encontradas por exemplo nas descriccedilotildees sobre a

tomada de Avaris presentes na biografia de Ahmeacutes um documento que tem sido

amplamente utilizado pela historiografia que trabalha com esta temaacutetica da guerra

(ARRAIS 2011) Observaccedilatildeo semelhante eacute feita por Ciro Flamarion Cardoso que

afirma que os inuacutemeros prisioneiros de guerra feitos no estrangeiro eram usados nas

minas nos trabalhos rurais para serviccedilos domeacutesticos dentre outras finalidades

(CARDOSO 1984)

No Egito Antigo fazer guerra contra os tradicionais inimigos do reino era uma

prerrogativa poliacutetica e religiosa do cargo de faraoacute Ateacute mesmo em reinados considerados

ldquopaciacuteficosrdquo haacute registros biograacuteficos com retrataccedilotildees do faraoacute em cenas de vitoacuteria

militar ou recebendo tributos e massacrando prisioneiros Como estas questotildees tem sido

pensadas e que ecircnfases tem sido dadas a estas representaccedilotildees eacute algo em disputa como

acabamos de ver e que precisaria ser alvo de investigaccedilotildees mais especiacuteficas No

entanto eacute possiacutevel afirmar que se natildeo desde os tempos das primeiras dinastias

(Loprieno) pelo menos a partir do Reino Novo (Spalinger) a historiografia tem

apontado para a importacircncia da guerra Poreacutem o quatildeo importante era esta atividade para

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua

ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma

diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar

trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter

econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo

Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra

estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A

assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os

monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo

ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada

uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo

ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores

formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade

protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o

vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da

identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)

Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave

cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo

era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos

manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais

temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto

(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que

eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre

Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se

ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo

agrave segunda parte de nossa reflexatildeo

Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas

sociedades antigas

Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo

tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem

glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto

vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades

beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos

preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela

guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de

bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma

forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos

novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto

Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos

escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro

I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o

conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras

para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste

artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra

do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais

sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta

questatildeo

Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado

a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que

interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez

isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que

belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo

passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace

in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que

apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas

pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos

casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos

evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites

(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram

fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos

5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ

καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν

γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta

diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em

sua obra

O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como

Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por

exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que

segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da

Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades

tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como

descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior

reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em

que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo

(RAAFLAUB 2007 P 13)

Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para

compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz

para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para

evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico

de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza

em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a

guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades

(RAAFLAUB 2007 P 16-17)

Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja

por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos

entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo

ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios

costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com

ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se

revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui

paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de

intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos

quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes

lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que

ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias

Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo

repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles

virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)

Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o

julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira

posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira

cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma

disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo

grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz

respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos

tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em

sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam

nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB

2007 P 18)

Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a

manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no

julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino

caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a

Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os

atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque

ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi

rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB

2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em

Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio

sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a

historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o

esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada

(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada

exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007

P 21)

Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as

sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta

natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que

a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)

Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que

os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon

argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade

de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado

(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de

avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em

sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso

O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas

natildeo ldquomilitaristasrdquo

Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo

Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela

que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo

masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam

sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para

objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees

militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O

autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos

Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)

O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia

Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de

dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a

esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e

notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta

questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas

de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30

anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos

escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto

(HORNBLOWER 2007 P 23)

Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas

em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na

Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda

as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena

digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso

uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga

No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz

mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os

referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo

encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que

fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello

Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais

na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade

antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como

sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto

para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer

significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo

conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio

submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)

Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem

Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com

diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e

comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo

de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de

ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou

ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como

uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do

sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo

poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais

abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia

(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen

lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era

anocircmala (HANSEN 2006)

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 239 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

os egiacutepcios ou mesmo se tratava-se de um fenocircmeno natural a ponto de que sua

ausecircncia poderia comprometer a administraccedilatildeo farocircnica sobretudo por causa de uma

diminuiccedilatildeo consideraacutevel no nuacutemero de pessoas trazidas do estrangeiro para realizar

trabalhos forccedilados no Egito o que poderia prejudicar algumas atividades de caraacuteter

econocircmico depende da interpretaccedilatildeo conferida agrave documentaccedilatildeo

Quando observamos o exemplo da Mesopotacircmia tambeacutem notamos que a guerra

estava muito intimamente ligada aos mais profundos papeacuteis sociais e culturais A

assirioacuteloga Zainab Bahrani uma das maiores especialistas na aacuterea explica como os

monumentos de guerra eram utilizados durante os conflitos na Mesopotacircmia Segundo

ela a cidade de origem era o principal fator de identidade para aquelas sociedades cada

uma das cidades mesopotacircmicas era protegida por uma divindade tutelar a destruiccedilatildeo

ou remoccedilatildeo da estaacutetua desta divindade do templo inimigo entatildeo era uma das piores

formas de ataque simboacutelico A autora explica que quando a estaacutetua da divindade

protetora da cidade era retirada do templo era como se ela estivesse exilada Para o

vencedor isto significava a confirmaccedilatildeo da vitoacuteria pela divindade uma anulaccedilatildeo da

identidade local pelos invasores estrangeiros (BAHRANI 2008 p 159-182)

Seja para o uso de escravos e mercenaacuterios por questotildees poliacuteticas inerentes agrave

cidade no que diz respeito aos assuntos relacionados com a fronteira romana que natildeo

era uma linha fixa e definida mas algo amorfo e de conflito de identidades pelos

manuais militares disponiacuteveis como os exemplos de Polieno e Frontino dos quais

temos uma proposta de tipologia elaborada em liacutengua portuguesa por Raul Peixoto

(PEIXOTO 2011) seja uma guerra com um caraacuteter sobretudo defensivo como as que

eram desenvolvidas na Babilocircnia nos tempos mais difiacuteceis como jaacute nos mostrava Pierre

Leacutevecircque (1990) a guerra era algo fundamental nas sociedades antigas Resta saber se

ela era algo ldquocomumrdquo e ldquonaturalrdquo como querem alguns ou natildeo Passemos agora entatildeo

agrave segunda parte de nossa reflexatildeo

Da guerra como exceccedilatildeo algo evitaacutevel e ateacute mesmo indesejaacutevel nas

sociedades antigas

Apesar dos inuacutemeros indiacutecios que mencionamos na primeira parte deste artigo

tambeacutem podemos perceber na literatura antiga trechos nos quais a guerra natildeo era nem

glorificada e nem vista como um fim em si mesmo pelo contraacuterio vaacuterios autores

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto

vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades

beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos

preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela

guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de

bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma

forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos

novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto

Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos

escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro

I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o

conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras

para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste

artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra

do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais

sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta

questatildeo

Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado

a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que

interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez

isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que

belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo

passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace

in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que

apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas

pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos

casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos

evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites

(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram

fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos

5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ

καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν

γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta

diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em

sua obra

O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como

Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por

exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que

segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da

Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades

tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como

descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior

reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em

que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo

(RAAFLAUB 2007 P 13)

Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para

compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz

para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para

evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico

de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza

em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a

guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades

(RAAFLAUB 2007 P 16-17)

Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja

por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos

entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo

ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios

costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com

ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se

revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui

paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de

intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos

quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes

lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que

ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias

Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo

repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles

virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)

Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o

julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira

posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira

cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma

disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo

grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz

respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos

tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em

sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam

nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB

2007 P 18)

Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a

manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no

julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino

caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a

Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os

atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque

ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi

rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB

2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em

Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio

sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a

historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o

esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada

(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada

exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007

P 21)

Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as

sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta

natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que

a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)

Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que

os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon

argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade

de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado

(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de

avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em

sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso

O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas

natildeo ldquomilitaristasrdquo

Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo

Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela

que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo

masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam

sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para

objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees

militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O

autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos

Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)

O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia

Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de

dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a

esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e

notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta

questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas

de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30

anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos

escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto

(HORNBLOWER 2007 P 23)

Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas

em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na

Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda

as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena

digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso

uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga

No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz

mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os

referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo

encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que

fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello

Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais

na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade

antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como

sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto

para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer

significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo

conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio

submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)

Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem

Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com

diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e

comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo

de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de

ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou

ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como

uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do

sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo

poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais

abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia

(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen

lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era

anocircmala (HANSEN 2006)

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 240 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

antigos manifestam uma desaprovaccedilatildeo a ela ou enfatizaram suas mazelas No entanto

vaacuterios historiadores preferiram se concentrar nos documentos que exaltam as atividades

beacutelicas Todavia eacute possiacutevel encontrar inuacutemeros trechos de escritores antigos

preocupados com esta questatildeo e temerosos diante das dificuldades causadas pela

guerra Um exemplo disto eacute Poliacutebio (341015) que afirma que ldquoNenhum homem de

bom-senso entra em guerra contra seus vizinhos para esmagar um adversaacuterio da mesma

forma que ningueacutem singra os mares somente para atravessaacute-los ()rdquo5 aqui voltamos

novamente agrave obra de Alvito conforme prometemos para tambeacutem relembrar Heroacutedoto

Pois da mesma forma raciociacutenio semelhante a este de Poliacutebio pode ser encontrada nos

escritos do historiador de Halicarnaso Se prestarmos atenccedilatildeo ao fragmento do Livro

I871719 por exemplo podemos ver o mesmo Croisos de quem Alvito mencionou o

conselho beacutelico de como ldquotransformar homens em mulheres ensinando-os a tocar ciacutetaras

para que os mesmos natildeo se revoltemrdquo conforme apresentamos na primeira parte deste

artigo dizendo tambeacutem que ldquoningueacutem eacute tatildeo insensato a ponto de desejar mais a guerra

do que a paz pois na paz os filhos sepultam os seus pais mas na guerra os pais

sepultam os filhos6rdquo Vamos ver entatildeo algumas intervenccedilotildees historiograacuteficas sobre esta

questatildeo

Considerando a documentaccedilatildeo antiga a historiografia mais recente tem estudado

a guerra em consonacircncia com a paz e em algumas ocasiotildees mostrado que

interpretaccedilotildees que sustentam uma preferecircncia pela paz satildeo igualmente possiacuteveis Talvez

isto seja fruto do desejo presente de uma sociedade mais paciacutefica e diplomaacutetica do que

belicosa sentimento causado pelos efeitos traumaacuteticos das vaacuterias guerras do seacuteculo

passado Eacute perceptiacutevel uma mudanccedila de direccedilatildeo Eacute este o caso da obra ldquoWar and Peace

in the Ancient Worldrdquo editada por Kurt A Raaflaub por exemplo O autor afirma que

apesar das sociedades antigas em todos os lugares serem frequentemente ameaccediladas

pelas guerras destruiccedilatildeo e morte haacute os que anseiavam por paz Apesar de em muitos

casos natildeo termos a oportunidade de analisar estes testemunhos seja por natildeo termos

evidecircncias diretas ou pelo fato dos textos refletirem apenas a persectivas das elites

(RAAFLAUB 2007 P 13) haacute oportunidades em que os documentos nos mostram

fragmentos nos quais o que prevalece eacute a paz O proacuteprio Raaflaub que eacute um dos

5 Segue fragmento em grego οὔτε γὰρ πολεμεῖ τοῖς πέλας οὐδεὶς νοῦν ἔχων ἕνεκεν αὐτοῦ τοῦ

καταγωνίσασθαι τοὺς ἀντιταττομένους οὔτε πλεῖ τὰ πελάγη χάριν τοῦ περαιωθῆναι μόνον 6 Segue fragmento em grego Οὐδεὶς γὰρ οὕτω ἀνόητός ἐστι ὅστις πόλεμον πρὸ εἰρήνης αἱρέεται ἐν μὲν

γὰρ τῇ οἱ παῖδες τοὺς πατέρας θάπτουσι ἐν δὲ τῷ οἱ πατέρες τοὺς παῖδας

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta

diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em

sua obra

O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como

Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por

exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que

segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da

Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades

tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como

descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior

reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em

que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo

(RAAFLAUB 2007 P 13)

Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para

compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz

para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para

evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico

de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza

em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a

guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades

(RAAFLAUB 2007 P 16-17)

Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja

por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos

entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo

ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios

costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com

ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se

revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui

paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de

intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos

quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes

lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que

ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias

Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo

repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles

virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)

Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o

julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira

posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira

cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma

disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo

grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz

respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos

tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em

sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam

nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB

2007 P 18)

Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a

manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no

julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino

caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a

Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os

atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque

ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi

rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB

2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em

Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio

sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a

historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o

esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada

(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada

exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007

P 21)

Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as

sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta

natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que

a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)

Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que

os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon

argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade

de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado

(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de

avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em

sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso

O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas

natildeo ldquomilitaristasrdquo

Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo

Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela

que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo

masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam

sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para

objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees

militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O

autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos

Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)

O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia

Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de

dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a

esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e

notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta

questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas

de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30

anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos

escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto

(HORNBLOWER 2007 P 23)

Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas

em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na

Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda

as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena

digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso

uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga

No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz

mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os

referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo

encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que

fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello

Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais

na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade

antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como

sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto

para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer

significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo

conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio

submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)

Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem

Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com

diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e

comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo

de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de

ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou

ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como

uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do

sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo

poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais

abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia

(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen

lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era

anocircmala (HANSEN 2006)

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 241 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

principais repressentantes deste vieacutes interpretativo na historiografia recente aponta

diversos indiacutecios desta natureza Vamos ver alguns dos exemplos reunidos por ele em

sua obra

O primeiro deles eacute a terminologia Se olharmos para palavras e conceitos como

Pax em Roma e Eirene na Greacutecia teremos algumas pistas O autor nos lembra por

exemplo dos constantes lamentos provocados por situaccedilotildees belicosas algo que

segundo ele pode ser encontrado em toda a literatura antiga das sociedades da

Mesopotacircmia ateacute Homero Raaflaub afirma que estas sociedades tinham divindades

tanto para a guerra como para a paz Se os romanos por exemplo se viam como

descendentes do deus Marte da guerra os gregos por sua vez reservavam a pior

reputaccedilatildeo ao seu deus da guerra Ares Raaflaub relembra o trecho da Iliacuteada (5761) em

que Homero descreve esta divindade como ldquoum maniacuteaco que nada sabe de justiccedilardquo

(RAAFLAUB 2007 P 13)

Outro fator que Raaflaub nos apresenta eacute o exame dos rituais importantes para

compreender o significado da paz Estes rituais serviam para separar a guerra e a paz

para garantir o apoio dos deuses no caso de alguma guerra se fizer necessaacuteria para

evitar a guerra e ainda mais importante levando em consideraccedilatildeo este segundo toacutepico

de nossas observaccedilotildees para preservar a paz O autor lembra referecircncias desta natureza

em Euriacutepedes e Tuciacutedides e que em Roma de igual modo cada accedilatildeo relacionada com a

guerra era acompanhada dos devidos rituais de sacrifiacutecio e consulta das divindades

(RAAFLAUB 2007 P 16-17)

Segundo o autor tambeacutem encontramos vaacuterios esforccedilos para evitar a guerra seja

por intimidaccedilatildeo ou diplomacia Ele lembra da intimidaccedilatildeo usada para estes propoacutesitos

entre os Persas quando um de seus reis enviou embaixadores aos inimigos pedindo

ldquoterra e aacuteguardquo como siacutembolos de submissatildeo Raaflaub tambeacutem lembra que os Assiacuterios

costumavam decorar as paredes de onde recebiam os embaixadores estrangeiros com

ilustraccedilotildees mostrando os detalhes de sua ldquocrueldaderdquo para com as cidades que se

revoltavam (RAAFLAUB 2007 P 17) Este exemplo mencionado pelo autor possui

paralelo tambeacutem na sociedade irlandesa encontramos este mesmo formato de

intimidaccedilatildeo por exemplo nos contos da tradiccedilatildeo relacionada ao Tain Boacute Cuainlge nos

quais o carro de guerra do heroacutei irlandecircs Cuacute Chulainn eacute representado com enormes

lacircminas em suas rodas e dezenas de cracircnios anexados com o objetivo de mostrar o que

ocorria com os inimigos derrotados uma forma de dizer a eles que o melhor que

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias

Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo

repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles

virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)

Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o

julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira

posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira

cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma

disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo

grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz

respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos

tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em

sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam

nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB

2007 P 18)

Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a

manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no

julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino

caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a

Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os

atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque

ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi

rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB

2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em

Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio

sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a

historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o

esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada

(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada

exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007

P 21)

Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as

sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta

natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que

a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)

Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que

os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon

argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade

de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado

(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de

avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em

sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso

O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas

natildeo ldquomilitaristasrdquo

Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo

Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela

que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo

masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam

sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para

objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees

militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O

autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos

Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)

O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia

Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de

dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a

esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e

notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta

questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas

de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30

anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos

escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto

(HORNBLOWER 2007 P 23)

Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas

em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na

Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda

as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena

digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso

uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga

No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz

mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os

referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo

encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que

fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello

Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais

na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade

antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como

sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto

para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer

significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo

conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio

submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)

Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem

Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com

diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e

comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo

de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de

ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou

ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como

uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do

sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo

poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais

abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia

(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen

lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era

anocircmala (HANSEN 2006)

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 242 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

poderiam fazer seria evitar a guerra de modo a natildeo sofrer suas consequecircncias

Retornando a obra de Raaflaub ele nos lembra que os proacuteprios poemas Homeacutericos satildeo

repletos de alusotildees agrave diplomacia como tentativa de resolver os conflitos antes que eles

virassem guerras (RAAFLAUB 2007 P 18)

Outras formas de se evitar a guerra relembradas pelo autor satildeo a alianccedila e o

julgamento Aqui a ecircnfase de Raaflaub recai sobre os diversos casos de ldquoterceira

posiccedilatildeordquo em que algueacutem mediava o conflito entre dois personagens ou uma terceira

cidade-estado fazia a mediaccedilatildeo entre duas outras que estavam envolvidas em alguma

disputa O autor afirma que devido ao alto prestiacutegio da autoridade religiosa no mundo

grego o oraacuteculo de Delfos promovia princiacutepios de moderaccedilatildeo ateacute mesmo no que diz

respeito agrave guerra Outro artifiacutecio usado para se conseguir a paz era o luacutedico Os jogos

tanto os chamados Oliacutempicos como outros eram fundamentais para estes propoacutesitos Em

sua obra Raaflaub mostra que muitos representantes de cidades gregas se encontravam

nestas ocasiotildees para tentar estabelecer negociaccedilotildees em territoacuterio neutro (RAAFLAUB

2007 P 18)

Kurt Raaflaub ainda menciona outros trecircs fatores relacionados com a

manutenccedilatildeo da paz Primeiramente a tentativa de se garantir uma causa justa no

julgamento entre as duas partes envolvidas no conflito o que garantiria o apoio divino

caso a guerra realmente acontecesse O autor nos lembra por exemplo recorrendo a

Tuciacutedides (1140-141 144-145) que na primeira fase da Guerra do Peloponeso os

atenienses argumentavam que a justiccedila e os deuses estavam ao seu lado porque

ofereceram agrave Esparta um tratado lhes possibilitando um aacuterbitro ao conflito e isto foi

rejeitado por eles o que impossibilitaria-lhes qualquer apoio divino (RAAFLAUB

2007 P 19) De igual modo recorrendo a Tito Liacutevio (132) Raaflaub afirma que em

Roma nos fins da Repuacuteblica os romanos argumentavam que conquistaram seu impeacuterio

sob o conceito de guerra justa (bellum iustum) algo que segundo o autor a

historiografia moderna chama de ldquoimperialismo defensivordquo Em segundo lugar o

esforccedilo para restaurar a paz presente em diversos momentos principalmente na Iliacuteada

(367) sustenta Raaflaub Por fim o cuidado para fazer com que a paz seja estabilizada

exemplo que o autor encontra entre Egiacutepcios Astecas e Chineses (RAAFLAUB 2007

P 21)

Foi guiado por esta problemaacutetica relacionada com a importacircncia da paz para as

sociedades da Antiguidade que Simon Hornblower resolveu escrever sobre dois

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta

natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que

a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)

Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que

os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon

argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade

de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado

(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de

avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em

sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso

O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas

natildeo ldquomilitaristasrdquo

Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo

Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela

que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo

masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam

sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para

objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees

militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O

autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos

Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)

O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia

Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de

dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a

esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e

notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta

questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas

de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30

anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos

escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto

(HORNBLOWER 2007 P 23)

Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas

em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na

Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda

as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena

digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso

uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga

No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz

mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os

referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo

encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que

fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello

Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais

na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade

antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como

sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto

para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer

significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo

conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio

submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)

Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem

Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com

diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e

comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo

de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de

ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou

ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como

uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do

sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo

poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais

abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia

(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen

lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era

anocircmala (HANSEN 2006)

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 243 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

paradoxos da guerra Segundo ele ao mesmo tempo que a literatura antiga manifesta

natildeo gostar da guerra ela eacute fascinada por ela (primeiro paradoxo) outro problema eacute que

a proeminecircncia da guerra eacute disproporcional agrave frequecircncia da mesma (segundo paradoxo)

Para ele nem para os gregos e nem para os romanos a guerra era algo ldquonaturalrdquo O que

os vitoriosos comemoravam eram seu proacuteprio triunfo natildeo a guerra em si Simon

argumenta que se recorrermos agraves evidecircncias natildeo-literaacuterias encontraremos uma variedade

de caminhos institucionalizados como formas de se evitar o conflito armado

(HORNBLOWER 2007 P 22-53) A literatura eacute consultada por ele mais no sentido de

avaliar os problemas saber ateacute que ponto estas obras satildeo confiaacuteveis uma vez que em

sua opiniatildeo apresentam muitas vezes um caraacuteter essencialmente retoacuterico e tendencioso

O autor acredita que tanto a sociedade grega como a romana eram sim ldquomilitaresrdquo mas

natildeo ldquomilitaristasrdquo

Esta eacute uma importante diferenccedila para os propoacutesitos da obra em questatildeo

Hornblower explica a questatildeo da seguinte maneira uma sociedade ldquomilitaristardquo eacute aquela

que vive ldquoexclusivamente da guerrardquo Neste tipo de sociedade os cidadatildeos do sexo

masculino gostam da guerra como uma finalidade em si mesma O contraste seriam

sociedades que tinham uma ldquovisatildeo instrumental da guerrardquo ela soacute tinha sentido para

objetivos especiacuteficos e determinados Nas sociedades ldquomilitaristasrdquo as instituiccedilotildees

militares determinam as civis nas natildeo militaristas o civil eacute o modelo dominante O

autor acredita que este vieacutes militarista natildeo eacute o caso por exemplo de Gregos

Macedocircnios ou Romanos (HORNBLOWER 2007 P 22-53)

O autor afirma que eacute comum encontrarmos na historiografia sobre a Greacutecia

Claacutessica menccedilotildees ao fato de que os atenienses estavam em guerra em uma meacutedia de

dois anos em cada trecircs como jaacute mostramos na primeira parte Uma resposta que ele daacute a

esta questatildeo eacute que Atenas era um caso atiacutepico pois neste periacuteodo um povo imperial e

notoriamente interventor nas situaccedilotildees de outras poacuteleis e que sua literatura enfatiza esta

questatildeo Assim enquanto as obras dos atenienses Tuciacutedides e Aristoacutefanes satildeo repletas

de guerras Argos por exemplo natildeo mencionada estava em paz e prosperidade por 30

anos a partir de 451 enfatiza o autor Desta forma eacute possiacutevel afirmar que se os gregos

escreveram tanto sobre a guerra natildeo eacute porque gostavam dela eacute justamente o oposto

(HORNBLOWER 2007 P 23)

Este argumento de Hornblower sobre a maneira como guerra e paz eram vistas

em Atenas e Argos eacute muito importante pois estaacute em confluecircncia com as principais

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na

Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda

as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena

digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso

uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga

No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz

mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os

referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo

encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que

fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello

Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais

na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade

antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como

sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto

para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer

significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo

conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio

submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)

Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem

Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com

diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e

comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo

de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de

ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou

ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como

uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do

sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo

poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais

abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia

(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen

lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era

anocircmala (HANSEN 2006)

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 244 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

discussotildees feitas na historiografia que trabalha a questatildeo da cidade-estado na

Antiguidade que aleacutem de evidenciar semelhanccedilas entre cidades gregas tambeacutem estuda

as diferenccedilas entre elas Pedimos o leitor a sua compreensatildeo para uma pequena

digressatildeo que nos afasta por trecircs paraacutegrafos da temaacutetica da guerra em si pois eacute preciso

uma breve consideraccedilatildeo sobre a ldquocidade-estadordquo antiga

No atual estaacutegio dos estudos empreendidos em Histoacuteria Antiga no Brasil natildeo faz

mais sentido referecircncias generalistas que reuacutenem todos os ldquogregosrdquo ontologizando-os

referindo-se a eles como se fossem uma uacutenica entidade coletiva como se a situaccedilatildeo

encontrada em uma poacutelis fosse igualmente vaacutelida para todas as outras Um dos que

fazem advertecircncias neste sentido eacute o historiador brasileiro Norberto Luiacutes Guarinello

Em alguns de seus textos mais recentes ele ressalta que haacute trecircs conceitos fundamentais

na historiografia para se compreender a cidade antiga poacutelis cidade-estado e cidade

antiga Embora eles sejam conceitos distintos na maioria das vezes satildeo usados como

sinocircnimos Ou seja a compreensatildeo do conceito de poacutelis eacute polissecircmico muda de texto

para texto nas proacuteprias fontes gregas O autor ressalta que poacutelis pode aparecer

significando ldquofortaleza ou acroacutepolerdquo ldquocentro urbanordquo ldquoconjunto de cidadatildeosrdquo ldquoo

conjunto de cidadatildeos a partir do periacuteodo heleniacutestico habitantes do mesmo territoacuterio

submetido agrave mesma leirdquo etc (GUARINELO 2003 2005 2006 2009)

Morgens Hansen tambeacutem nos mostra a complexidade que a palavra poacutelis tem

Ela aparece cerca de 11000 vezes nos documentos do periacuteodo arcaico e claacutessico com

diferentes significados geralmente em torno de dois grandes eixos assentamento e

comunidade Quando pensada enquanto um assentamento poacutelis aparece como sinocircnimo

de ldquoacroacutepolisrdquo um pequeno assentamento fortificado em eminecircncia sinocircnimo de

ldquoastyrdquo significando simplesmente uma cidade e ainda como sinocircnimo de ldquogerdquo ou

ldquochorardquo ou seja um territoacuterio junto com seu entorno Jaacute quando poacutelis eacute pensada como

uma comunidade ela eacute usada como sinocircnimo para ldquopolitairdquo os cidadatildeos adultos do

sexo masculino ldquoekklesiardquo ou ldquodemosrdquo a assembleacuteia da cidade ou outra instituiccedilatildeo

poliacutetica ou como sinocircnimo de ldquokoinoniardquo a comunidade poliacutetica em um sentido mais

abstrato Tambeacutem eacute importante ressaltar que uma poacutelis podia ser uma democracia

(Atenas) uma aristocracia (Esparta) ou uma tirania (Siciacutelia) por exemplo Hansen

lembra tambeacutem que Atenas era apenas uma entre 1500 poacuteleis e em muitos aspectos era

anocircmala (HANSEN 2006)

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 245 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

Uma excelente reflexatildeo sobre esta temaacutetica eacute a obra de Kostas Vlassopoulos

(2007) em que o historiador analisa vaacuterios destes problemas O proacuteprio Hansen lidera

investigaccedilotildees assim no Kopenhagen Polis Centre na Dinamarca que trabalha

exaustivamente estas questotildees eacute o mesmo esforccedilo feito no Brasil por Maria Beatriz

Borba Florenzano e os membros do Labeca laboratoacuterio de Estudos sobre Cidade

Antiga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Ou seja trata-se de fato de um

conceito muito complexo Eacute em consonacircncia com toda esta discussatildeo que Hornblower

invoca estas diferenccedilas entre as cidades de Atenas e Argos para analisar a questatildeo da

guerra e da paz entre elas Ou seja eacute preciso considerar a especificidade de cada cidade

grega para falar da temaacutetica da guerra e natildeo se concentrar apenas no exemplo de Atenas

ou Esparta as que ocupam a maior porcentagem dos discursos historiograacuteficos sobre o

tema

Hornblower segue em suas explicaccedilotildees sobre as referecircncias literaacuterias acerca da

guerra e da paz Segundo o autor se haacute tantas referecircncias sobre a guerra na literatura

isto ocorre simplesmente porque a guerra assim como outras questotildees eram um fato da

vida mas de forma alguma isso significa que elas eram algo ldquocomumrdquo ou ldquonaturalrdquo ou

mesmo que os gregos ldquogostavam delardquo Assim Hornblower mostra que mesmo se

aceitaacutessemos a guerra como algo ldquonormalrdquo ainda eacute preciso ressaltar dois pontos o fato

de que as atividades natildeo relacionadas agrave guerra ou seja outros fatores da vida em

sociedade na Greacutecia Antiga tambeacutem preocuparam os gregos em alguns momentos ateacute

mesmo mais do que a guerra e o fato de que haacute inuacutemeras formas de se evitar um

conflito (HORNBLOWER 2007 P 24)

Este segundo ponto eacute mais enfatizado por Simon Hornblower Segundo ele haacute

uma gama de alternativas no sentido de evitar a guerra que preocupavam os antigos e se

praticamente quase toda a literatura antiga silencia sobre este ponto eacute tarefa do

historiador recorrer agraves inscriccedilotildees para solucionar este impasse Hornblower afirma que

os principais meios de soluccedilatildeo destes conflitos satildeo juiacutezes estrangeiros e outras formas

de julgamento inter-estados diplomacia real e instituiccedilotildees federadas Hornblower ainda

lembra que argumentos desta natureza estatildeo disponiacuteveis desde 1970 quando Louis

Robert em uma obra sobre epigrafia grega apresentou este sistema de julgamento no

qual aacuterbitros estrangeiros da poacutelis C eram formalmente convidados para resolver

disputas entre as Poleis A e B (HORNBLOWER 2007 P 25-26) Desta maneira o

autor natildeo aceita a ideacuteia que apresentamos na primeira parte do estudo da ldquonaturalidaderdquo

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 246 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

da guerra como algo plausiacutevel Para ele os gregos em qualquer periacuteodo natildeo viam a

guerra como um estado ldquonormalrdquo ou ldquonaturalrdquo discordando assim da visatildeo de Jean

Pierre Vernant (HORNBLOWER 2007 P 27)

Segundo Hornblower apoiando-se nas reflexotildees desenvolvidas tambeacutem por

Hans Van Wees (2007 P 273-299) a passagem de Platatildeo que mostra que os gregos

estavam pernamentemente em guerra (Leg 626a) eacute puramente teoacuterica Homero tambeacutem

eacute radicalmente ambivalente quando fala sobre as guerras e Tuciacutedides da mesma

maneira por meio de seu personagem favorito Hermoacutecrates ecoa Piacutendaro para quem

ldquoa guerra eacute doce para aqueles que natildeo a experimentaramrdquo O autor afirma que os

exeacutercitos gregos funcionavam como ldquoentidades poliacuteticas em miniaturardquo e a

predominacircncia deste modelo poliacutetico eacute prova da importacircncia das instituiccedilotildees civis e uma

refutaccedilatildeo da noccedilatildeo de que a guerra e a luta era ldquonaturalrdquo para a sociedade grega

(HORNBLOWER 2007 P 30) Um outro ponto para encerrarmos eacute de que a

literatura tambeacutem precisa ser examinada com muito cuidado e sempre considerando

detalhadamente o contexto de cada passagem pois em muitos trechos retirados da

literatura apesar de apresentados de formas extremadas e impactantes as guerras satildeo

na verdade o que os alematildees chamam de Kleinkrieg ataques agrave cidades ou vilas

incursotildees improvisadas ou respostas agrave invasatildeo natildeo devendo ser utilizadas para

evidenciar qualquer argumento de ldquonaturalidaderdquo da guerra (HORNBLOWER 2007 P

44)

Consideraccedilotildees finais

Como vimos haacute argumentos tanto a favor quanto contraacuterios agrave ideacuteia de que a

guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades da Antiguidade especialmente entre gregos

e romanos Todavia quando analisamos as reflexotildees produzidas sobre o tema

observamos que haacute uma concentraccedilatildeo sobre a primeira tese apresentada Temos muito

mais obras em favor da ideacuteia de que a guerra era algo ldquonaturalrdquo para as sociedades

antigas por exemplo A paz seria apenas uma ldquoexceccedilatildeordquo um periacuteodo de ldquoesperardquo por

novas fases belicosas Tambeacutem eacute importante ressaltar que esta ideacuteia vigora haacute muito

mais tempo na historiografia O argumento oposto eacute novo podemos recuar neste sentido

aos anos 70 do seacuteculo passado Ou seja foi soacute recentemente que os historiadores

passaram a considerar as coisas sob esta perspectiva As duas obras que mencionamos

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 247 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

que estatildeo entre as principais sustentadoras deste debate de oposiccedilatildeo a esta interpretaccedilatildeo

da guerra como algo ldquonaturalrdquo por exemplo soacute apareceram em 2007 ou seja natildeo tem

mais que uma deacutecada e ambas satildeo de liacutengua inglesa O proacuteprio Simon Hornblower um

dos maiores criacuteticos da tese da ldquonaturalidaderdquo da guerra se refere a ela como a ldquocorrente

ortodoxa da historiografiardquo

O que temos percebido eacute que a maneira como o assunto aparece depende da

eacutepoca e do espaccedilo mencionados ou quais fontes satildeo selecionadas principalmente se

estes vestiacutegios foram elaborados em periacuteodo de guerra ou natildeo Se o historiador decidir

se concentrar em certos discursos (como Alvito fez isolando um fragmento especiacutefico

de Heroacutedoto) lhe pareceraacute que os antigos gostavam demasiadamente da guerra eram

afixionados por ela ao contraacuterio se a preferecircncia for por outros (como o fragmento de

Poliacutebio) seraacute possiacutevel perceber os antigos tratando a guerra com temor cuidado

respeito e tambeacutem mostrando uma grande preocupaccedilatildeo com a manutenccedilatildeo da paz ateacute

mesmo diante da ameaccedila iminente de guerra (como o exemplo Assiacuterio de Zainab

Bahrani)

De nossa parte tanto por nossas pesquisas com as fontes literaacuterias epigraacuteficas

numismaacuteticas e iconograacuteficas oriundas da Antiguidade quanto pelo trabalho cotidiano

com estes indiacutecios do passado nas aulas de Histoacuteria Antiga preferimos estas

interpretaccedilotildees mais recentes que tem tentado analisar o corpus documental a partir de

uma perspectiva sistemaacutetica natildeo se concentrando em fragmentos isolados retratando

povos e periacuteodos especiacuteficos mas que consideram a diversidade e a complexidade das

informaccedilotildees obras que manifestam estas preocupaccedilotildees no proacuteprio tiacutetulo geralmente

apresentando a guerra sempre acompanhada da paz No entanto eacute preciso tambeacutem

reconhecer que esta divergecircncia sobre a ldquonaturalidaderdquo da guerra entre os Antigos tem

suscitado posicionamentos conflituosos gerando um debate cada vez mais crescente

Como estas criacuteticas seratildeo recebidas para que idiomas seratildeo traduzidas Que diaacutelogos

elas suscitaratildeo como os historiadores as receberatildeo principalmente em liacutengua francesa

para onde parecem estar direcionados os principais ataques Assim eacute necessaacuteria a

participaccedilatildeo dos historiadores que se interessam por esta temaacutetica no desenvolvimento

de uma reflexatildeo mais profunda e detalhada acerca de mais questotildees que possam lanccedilar

uma luz sobre esta problemaacutetica por exemplo verificando como esta discussatildeo se

aplica a mais povos da Antiguidade natildeo se restringindo apenas ao binocircmio Greacutecia e

Roma questionando a proacutepria natureza das fontes utilizadas bem como suas narrativas

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 248 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

analisando como as interpretaccedilotildees sobre estas questotildees tem sido reconfiguradas por

interesses e exigecircncias do tempo presente investigando tambeacutem a recepccedilatildeo destes

discursos na contemporaneidade por exemplo aqueles elaborados pela Tv filmes

seriados etc o que a historiografia brasileira acostumou-se a chamar de ldquousos do

passadordquo Como a guerra tem sido tratada nestes discursos Quais os pontos satildeo

enfatizados Que sociedades aparecem com mais frequecircncia Quais os motivos que

levam estas produccedilotildees a escolher esta ou aquela forma de representaccedilatildeo E claro para

a discussatildeo empreendida aqui se isto tem interferido na forma como a historiografia vecirc

as problemaacuteticas relacionadas com a guerra na Antiguidade Todas estas questotildees

devem ser consideradas Para isso eacute preciso que os pesquisadores se detenham sobre

elas de forma incisiva sobretudo a partir de projetos mais amplos coletivos e

interinstitucionais Afinal de contas a guerra sendo ldquonaturalrdquo ou natildeo eacute sem duacutevida um

fenocircmeno essencial para a compreensatildeo das sociedades antigas

Referecircncias Bibliograacuteficas

A) Documentaccedilatildeo Mencionada

HAMILTON e FALCONER The Geography of Strabo vols I-II Livros I-XVII

Londres G Bell 1903-1906

Heroacutedoto Histoacuterias ndash Livro 1 Traduccedilatildeo do grego de Joseacute Ribeiro Ferreira e Maria de

Faacutetima Silva Lisboa Ediccedilotildees 70 1994

JONES H L The Geography of Strabo vols I-VII Livros I-XVII Londres Harvard

University Press and Heinemann Loeb Classical Library 1912-1932

POLIacuteBIO Historias seleccedilatildeo traduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia editora

Universidade de Brasiacutelia 1996

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Brasiacutelia Editora Universidade de

Brasiacutelia 1987

B) Obras Gerais

ALVITO Marcos A Guerra na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo 1 ed Satildeo Paulo Aacutetica

1988

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 249 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

ARRAIS Nely Feitoza Os feitos militares nas biografias do reino novo ideologia

militarista e identidade social sob a XVIIIordf dinastia do Egito Antigo 1550 ndash 1295 a C

Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade

Federal Fluminense Rio de Janeiro 2011

BAHRANI Zainab Rituals of War- The Body and Violence in Mesopotamia New

York Zone Books 2008 (p 159-182)

BONDIOLI Nelson Celts and Celtic as valid as labels for the British and Continental

Iron Ages Revista Roda da Fortuna v 2 p 29-42 2013

CARDOSO Ciro Flamarion O Trabalho Compulsoacuterio na Antiguidade Rio de

Janeiro Graal 1984

FINLEY MI War and empire In Ancient history- Evidence and models Londres

Chatoo amp Windus 1985 p 67-87

GARLAN Yvon O homem e a guerra In O homem grego Lisboa Editorial

Presenccedila 1994 p 47-74

GOLDSWORTHY Adrian Generais romanos- os homens que construiacuteram o Impeacuterio

Romano Lisboa 2007

GRILLO Joseacute Geraldo Costa FUNARI Pedro Paulo Abreu A historiografia sobre a

guerra na Greacutecia Antiga dos ldquorelatos-batalhardquo agrave abordagem histoacuterico-cultural Histoacuteria

da Historiografia Ouro Preto N 05 p 14-20 Setembro 2010

GUARINELLO N L A Cidade na Antiguidade Claacutessica 1 ed Satildeo Paulo

SaraivaAtual 2006 v 1 48 p

GUARINELLO N L A escravidatildeo e a cidade-estado-antiga In Ruy de Oliveira

Andrade Silva (Org) Relaccedilotildees de Poder Educaccedilatildeo e Cultura na Antiguidade e

Idade Meacutedia 1 ed Sanatna de Parnaiacuteba Solis 2005 v 1 p 141-146

GUARINELLO N L Cidades-estado na Antiguidade Claacutessica In Pinsky Jaime

(Org) Histoacuteria da Cidadania 1 ed Satildeo Paulo Contexto 2003 v p 29-47

GUARINELLO N L Comentaacuterio sobre A Cidade Antiga In Margarida Maria de

Carvalho Maria Aparecida Lopes Susani Silveira Franccedila (Org) As Cidades no

Tempo 1 ed Satildeo PauloFranca UNESPOlho dAacutegua 2005 v 1 p 125-128

GUARINELLO N L Modelos Teoacutericos sobre a cidade no Mediterracircneo Antigo In

Maria Beatriz Borba Florenzano Elaine Veloso Hirata (Org) Estudos Sobre a

Cidade Antiga 1 ed Satildeo Paulo EDUSP 2009 v 1 p 109-120

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 250 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

HANS VAN WEES War and Society IN SABIN P VAN WEES H WHITBY M

(ed) The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007 p 273-299

HANSEN Morgens Herman Polis- An introduction to the Ancient Greek City-State

Oxford 2006

HANSONVictor Davis The modern historiography of ancient warfare In SABIN P

VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and Roman

warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 273-299

HORNBLOWER Simon Warfare in ancient literature the paradox of war In SABIN

P VAN WEES H WHITBY M (ed) The Cambridge history of Greek and

Roman warfare Cambridge Cambridge University Press 2007 p 22-53

LENDON JE war and society In SABIN P VAN WEES H WHITBY M (ed)

The Cambridge history of Greek and Roman warfare Cambridge Cambridge

University Press 2007

LEacuteVEcircQUE Pierre As primeiras civilizaccedilotildees A MesopotacircmiaOs Hititas Lisboa

Ediccedilotildees 70 1990

LOPRIENO Antonio Slavery and Servitude UCLA ndash Encyclopedia of Egyptology

Los Angeles v 1 November p 1-19 2012

MOMIGLIANO Arnaldo Some observations on causes of war in ancient

historiography In _________ Studies in Historiography London 1966 p 112-125

PEIXOTO Raul Vitor Rodrigues As obras de Polieno e Frontino Proposta de uma

Tipologia dos Manuais Militares Romanos no Principado Dissertaccedilatildeo (Mestrado em

Histoacuteria) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes

Goiacircnia 2011

POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965

RAAFLAUB KURT A War and peace in the ancient world Blackwell 2007

SANTOS Dominique Forma e Narrativa- Uma reflexao sobre a problemaacutetica das

periodizaccediloes para a escrita de uma histoacuteria dos Celtas Nearco Rio de Janeiro v vi p

203-228 2013

SPALINGER Anthony J Military Institutions and Warfare Pharaonic In LLOYD

Alan B (ed) A Companion to Ancient Egypt (Vol I) ChichesterMalden MA

Wiley-Blackwell 2010

SPALINGER Anthony J War in Ancient Egypt Malden MA Blackwell 2005

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007

Revista Mundo Antigo ndash Ano V V 5 Ndeg 10 ndash Junho ndash 2016 ndash ISSN 2238-8788

NEHMAAT httpwwwnehmaatuffbr 251 httpwwwpucguffbr CHTUFF-ESR

VERNANT J-P Introduction Problegravemes de la guerre en Gregravece Ancienne Paris

EHESS-SEUIL 1999 p 11-38

VLASSOPOULOS Kostas Unthinking the Greek Polis- Ancient Greek History

beyond Eurocentrism Cambridge 2007