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LIMA DUARTE "ZANGO-ME COMA TELEVISÃO TODOS OS DIAS" Aos 82 anos, é o ator brasileiro mais conhecido em Portugal. Sócio do FC Porto e com raízes por cá, Lima Duarte fala da carreira, da vida e da sua solidão.

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LIMA DUARTE

"ZANGO-MECOMATELEVISÃOTODOS OS DIAS"Aos 82 anos, é o ator brasileiro mais conhecidoem Portugal. Sócio do FC Porto e com raízes por cá,Lima Duarte fala da carreira, da vida e da sua solidão.

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Viajou até ao nosso país no âmbito de um in-

tercâmbio cultural, entreo Brasile Portugal. Asnovelas brasileiras, nomeadamente AvenidaBrasil e Gabriela, voltaram a ter sucesso

aqui...[interrompe] Houve uma altura em que não ti-veram? Ih diacho, temos de abatê-Los [risos] .

Acha que o sucesso de Gabriela se deve aofacto de ser um remake e de ter marcadouma geração?Acho que não são exatamente remakes. EstaGabriela é uma adaptação do Waloyr Carrasco,ele arranjou muitas histórias paralelas. A primei-ra Gabriela foi uma adaptação de Walter JorgeDurst, um homem que cunhou a teledramatur-gia no Brasil. Ele era mais fiel do espírito do Jor-

ge Amado e fez a Gabriela Cravo e Canela. Estaé a Gabriela \faz o sinal de mais ou menos comas mãos] Cravo e Canela do Wa Icyr Ca rrasco. E

inclusivamente ele suprimiu personagens queeram adoráveis na primeira versão. Aqui em Por-

tugal houve uma personagem que fez muito su-cesso que era um jornalista, o EzequieL Na Ga-

briela de agora não há intelectuais.Considera que a história ficou mais pobrepor isso?

É só coronel, coronel, coronel, velha, velha, ve-lha e a Gabriela. Mas na anterior havia o inte-lectual e ele andava sempre com o jornal de-baixo do braço. Eu contava o sucesso das pes-soas pelos convites que recebiam para o

Carnaval da MeaLhada. E o Jaime Barcelosveio para o Carnaval da Mealhada. Eu na altu-ra estava aqui em Portugal e ele perguntou--me onde era a Mealhada e eu expliquei queera ao pé da Bairrada. "Mas vou desfilar emcarro aberto?", perguntou ele. E eu disse:

"Sim, lá em cima. Vê se não bebe nesse dia,

senão cai." Mas voltando à pergunta, na mi-nha opinião faltou isso, os coronéis enfrenta-vam não só os que atentavam contra a mo-ral como também os intelectuais, os que le-vavam a bandeira da modernidade,enfrentavam o arcaico.Mas gosta desta nova versão?Eu preferia a outra. Mas como realização acho

que esta é melhor porque a Globo progrediu, sebem que tem aquele Bataclan que mais pareceum Moulin Rouge. A outra tinha uma adorávelatriz que fazia de Maria Maohadão, esse papelagora é da Ivete Sangalo, [suspira] Ah, mas a ou-tra era muito profunda, muito bem interpretada.E relativamente aos protagonistas de Ga-briela?Tenho uma história ótima. Eu passei uma tem-porada aqui em Portugal com o Armando Bo-

gus, que fez de Seu Nacib na primeira versão.Nós fazíamos uma peça de teatro lá no Brasil,mas aqui ninguém nos conhecia. A Gabriela foi

a primeira novela aqui em Portugal e na Euro-

pa. Foi uma delícia, porque eu andava atrás dele

e achavam que eu era um empregado que arru-mava as malas dele.E gostava dessa sensação de anonimato?

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Divertia-me imenso. O Nacib do Armando Bogustinha o cabelo enroladinho, que fazia muito su-cesso, mas no fim da novela ele cortou. E hou-

ve um dia em que nós fomos até ao Porto de

comboio, atravessámos a ponte e, quando che-

gámos na estação, passaram duas portuguesastípicas do Norte, de preto, e uma disse: "Olha, éSeu Nacib, é oSeu Nacib." Ao que a outra respon-deu: "Oh, sem os caracalinhos é uma bela mer-da" [gargalhada]. Depois passou o Bem Amado,em que eu fazia de Zeca Diabo, e eu deixei de es-tar no anonimato. Depois veio o Sinhozínho Mal-ta de Roque Santeiroea partir daí adeus anoni-

mato. Vim a Portugal com a Regina Duarte, quefazia de Porcina, para o aniversário do Diário deNotícias. Fomos convidados e desfilámos numcarro aberto. Foi muito bom.E já que falou de Seu Nacib, o que acha des-ta Gabriela de Juliana Paes relativamente àprimeira de Sônia Braga?[hesita] Pergunta difícil. Acho que não interessa

muito a atriz, interessa a personagem. Porque a

personagem é uma coisa maravilhosa. A que ti-nha na primeira versão era tão sensual, mas tãosensual... E ela nem se apercebia. Ela vai andan-do e as estruturas arcaicas vão caindo aos pés de

tamanha sensuaLidade. E a personagem não é só

carne e coxas... é espírito. E a Gabriela tem isso.

As duas são boas atrízes, são bonitas.

AS NOVELAS PORTUGUESAS MELHORARAM

MUITO DO PONTO DE VISTA FORMAL

Em Portugal está a ser exibido o remake de

DanciríDays, naSIC. Roque Santeiro chegoua ser uma possibilidade...Será que tinha estrutura para isso? Tem de tsrmuito boi e carne porque a filha dele é a rainhado filet mignon. Uma vez eu vim aqui para falarsobre o Bem Amatíoe algumas pessoas não sa-biam o que era um boiadeiro porcue é uma rea-lidade muito brasileira, A não ser que pusessemum campino do Ribatejo, pode ser. Será que vãofazer com elenco português?Mas gostava que a ideia fosse para a frente?Se fizerem, vou querer ver, Quendo a ReginaDuarte vier a Portugal, ela orienta isso.

Sendo uma pessoa com mais de 60 anos de

carreira, como vê as novas novelas da Globo?Acha que têm conseguido reinventar-se?Acho que a novela fotografa o seu tempo, pro-cessa e devolve um pouco. Ela surpreende o

mundo, processa o mundo e devoLve ao mundo.

Quando vamos para casa e vemos uma novela,vemos um retrato de nós mesmos. 0 João Ma-nuel Carneiro [Avenida Brasil] é um grande au-tor. Fiz uma novela dele muito bonita que foi o

Pecado Capital. Ele sabe reinterpretar com

poesia o quotidiano. Têm força, são modernas emuito poéticas. As novelas renovam-se todos os

dias conforme o povo.Na altura de Roque Santeiro, as novelas bra-sileiras faziam audiências brutais que che-

gavam aos 70%, algo que hoje é impensável.No último episódio chegava mesmo aos90%. Agora existem outros meios de comu-nicação, há muitos canais, a internet. Masa Globo ainda mantém uma liderança abso-luta. Avenida Brasil nos últimos episódios te-ve um grande rating, mas 70% já não existe,não é possível Roque Santeiro teve 90% noúltimo episódio, o que significa a quase tota-lidade dos aparelhos.O que mudou entretanto?

Hoje o ser humano é outro, o mundo é outro,e a TV já não é tão novidade, tão encantadora.A telenovela já não é tanto o retrato do brasilei-

ro, tão envolvente. E na verdade é dífícíL ser en-

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volvente com um ser humano tao disperso e

com tantos interesses.

Acompanha a ficção que é feita em Portugal?De vez em quando vejo a SIC, porque passa lá no

Brasil. De vez em quando dou uma olhada nasnovelas. Estão bem modernos. Do ponto de vis-

ta formal melhorou muito, há atores excecio-

nais, sem dúvida aLguma. 0 enfoque, o enqua-dramento, a maquilhagem, era um pouco anti-

go, mas meLhorou imenso. 0 enredo é que nãosei. No ano passado ganharam um Emmy com

uma novela em que participei [Araguaia]. As no-velas portuguesas têm feito sucesso? Têmboas audiências?Sim. DanciríDays, por exemplo, é um dos

programas mais vistos da TV portuguesa.Ah, que bom. Fico feliz.

"SOU ATOR DE UMA PERSONAGEM SÓ, QUE É

0 BRASILEIRO. SOU IGUAL AO CHAPLIN"

Ricardo Pereira e Paulo Rocha, atores por-tugueses, estão a trabalhar no Brasil na TVGlobo. Vê com bons olhos este intercâmbioentre os dois países?Sem dúvida. Eles fazem muito sucesso lá, peLo

que eu percebi.Não existe o sentimento de que os portugue-ses podem estar a tiraro lugar de atores bra-sileiros, por assim dizer?Acho que isso é uma coisa que acontece mais

aqui, em Portugal, onde o mercado é mais pe-queno. No Brasil tem muitas televisões, mui-tos milhões de habitantes... é possível quehaja eventuaLmente um caso ou outro,mas não é um sentimento que perpasse os

atores brasileiros. Pelo menos nunca ouvi

tal coisa dos meus colegas nem senti isso.Mas também reconheço que já tenho 42

anos de casa eja nao estou a competir com

ninguém. Acho que não há ressentimento.

Aqui tem, aqui é difícil porque é um merca-do restrito.É muito elogiado por caraterizar bem ohomem brasileiro. Isso deve-se ao factode ser um apaixonado pelo seu país, pornão renegar as suas raízes?Costumo dizer que sou ator de uma persona-gem só, que é o brasileiro. E tendo uma per-sonagem apenas, sou igual ao ChapLin [ri-sos]. E depois há aquelas personagens queme marcaram muito como o Sinhozinho

Malta, Sassá Mutema... mas são todos bra-sileiros. Acho curioso, maraviLhoso, adoro lerautores que escrevem sobre o brasileiro.Costumam dizer-lhe isso na rua? Que seidentificam consigo?As pessoas costumavam dizer-me: "Ah, o se-nhor lembra-me o meu pai". Mas agora é

mais: 'Ah, o senhor Lembra-me o meu avô"

[risos]. Já pareci marido também. Pareçoum brasileiro sempre.

Aqui em Portugal, alguns atores quandochegam aos 60/70 anos queixam-se deque são esquecidos e que existem pou-cos papéis para eles. No Brasil isso tam-bém acontece?Não há muitos papéis para pessoas de idade.

Acho que não é uma coisa do Brasil, o pre-conceito contra a idade é muito grande. É o

maior de todos. Maior do que ser judeu, ne-

gro, homossexual, muLher... tudo. A palavravelho significa doença, incapacidade. Nãoexistem grandes personagens para velhos. 0BrasiL é relativamente jovem, nós não somosmercado. Então o mercado espera que eu

me afaste e que eu morra para não encher.As avenidas não são para velhos, os carrostambém não.

E sente-se magoado com isso?Eu entendo e procuro apegar-me à minha

gente, ao meu povo. Mas esse preconceito é

uma coisa muito dolorosa e existe mesmo.No Brasil, velho é sinónimo de prejuízo, hos-

pitais, assistência, e o velho não está na pro-dução, só gasta. Então o ideaL era que matas-sem um monte de uma vez só, uns 70. Masnão é possíveL fazer isso, então eles vão fin-

gindo que não vêem. E isso chega ao meu ne-

gócio, à teLevisão. Não há grandes persona-gens, é muito difíciL porque a memória não é

a mesma, não há o mesmo vigor.Já se zangou com a televisão?Zango-me com a televisão todos os dias, to-dos os minutos. Mas dou a voLta, caio e Levan-

to e caio. Tudo bem, vou procurando ajeitar--me. A Globo é muito camarada comigo, temuma espécie de ternura comigo, feLizmente.E a empresa era de um velho que morreucom quase 100 anos, Roberto Marinho, quedeixou este legado fantástico.

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Gostava de fazer uma participação numanovela em Portugal?Eu fiz quatro filmes em Portugal. Dois como ManoeL de Oliveira, um com o Zé Fonsecae Costa e um do Paulo Rocha. Gostaria defazer uma teLenovela? Sim, mas por poucotempo. Não posso ficar muito tempo longeda minha terra, tenho muitos compromis-sos e muitos netos, não gosto de estar lon-

ge deles. Mas seria gostoso, seria bom. Po-diam convidaro Manoelde Oliveira para di-

rigir a novela [risos] e aí eu viria. Ou entãoo Zé Fonseca.É um grande amigo do realizador Manoelde Oliveira, a quem chama carinhosa-mente brazuca...[interrompe] Ah, esse sim, é velho [risos].Vê-se a seguir o exemplo dele e a traba-lhar até aos 104 anos?Ele é um grande artista. Grande artista. Temuma cabeça maravilhosa, nunca fica parado.Ser como ele é difícil, mas era bom. Acho queé o amor ao trabalho que o mantém vivo. Eledisse-me coisas lindas e teve grandes pegascom o John Malkovitch [risos]. 0 ManoeL dis-se-me: "Quando o John Malkovitch entra emestúdio toda a gente fica parada. Contigo não

param, só param quando começas a atuar."É muito bonito, não é?

DORMIU TRÊS NOITES DEBAIXO DE UM CAMIÃO

DE MANGAS E MOROU NUM BORDEL

O fim da Segunda Guerra Mundial coincidiucom a sua certeza de que queria ser ator pa-ra o resto da vida...E foi o momento em que eu também percebi

que a minha mãe era uma estrela. Ela eraatrizde circo, na altura eu tinha 11 anos e acompa-

nhava a minha mãe. Quando ela estava a

atuar o púbLico começou a dispersar e ela fi-cou apavorada. ELa disse-me: "Menino, vai vero que aconteceu! Eu fui a correr e percebi quetinha acabado a guerra, que foi terríveL para to-dos nós. Quando eLa soube o que tinha acon-tecido improvisou e disse: [começa a decla-mar] "Ouviram do Ipiranga as margens pláci-das". O povo começou a cantar, e eLa construiuum momento de teatro raro, eu fiquei sidera-do. A guerra não acabou, foi ela que acaboucom a guerra [sorriso]. Então percebi que eu

queria ver se recuperava aquele momento

sempre que atuasse. Tem sido difícil,

O seu avô, que era português, também teveum papel importante na escolha da sua pro-fissão...

[faz sotaque de Portugat] Não só era portuguêscomo era de Trás-os-Montes, era analfabeto echamava-se Joaquim. Tinha muito naquela al-tura. Os imigrantes sofreram muito e quasesubstituíram os escravos. Ele também me en-sinou a ser ator à sua maneira, sim.

De que maneira?Porque ele comprava um jornalzínho, Levava-

-me para trás de uns arbustos e dizia: "Você

aí, veja como é que está a guerra lá na Euro-

pa." Ele não queria saber se PortugaL tinhaacabado, afundando, queria saber como ti-nha sido a guerra. Os grandes heróis naque-Le tempo eram os generais e o dele era um

ingLês chamado Montgomery. E uma vez li:

"Montgomery bate em retirada com os seushomens." Ao que ele disse: "O que é isso, me-nino? Montgomery não se retira." Então eucomecei a mudar a guerra e fiz uma guerrapara nós dois e na minha versão Montgo-mery já estava em Washington [ar pensati-vo]. Mas ele percebeu e estimulou a minha

imaginação. Foi Lindo, não foi?

E quando era jovem fez uma viagem num ca-mião de mangas. O que aconteceu?O meu pai expuLsou-me de casa, eu tinha 14anos e tinha acabado a guerra. Ele disse: "Vai

embora, vai embora, vai para São Pau Lo." Sem-

pre fui delirante e pensei que tinha de ir embo-ra, senão ficava louco. Ali era só roça e mato. Dito

e feito, pus-me em cima de um camião de um

amigo meu carregado de mangas que ia paraSão Paulo, eram dois dias de viagem.E o que aconteceu? Conseguiu desenras-car-se por lá?

Cheguei ao mercado de São Paulo e pensei:"Preciso de comer." Então perguntei a um ra-paz que Lá estava: "Posso ajudar a descarre-

gar?" E assim ganhei aLgum dinheiro para a

janta. Fiz isso várias vezes e dormi debaixodo camião umas três noites. Na terceira noi-te chamaram para ir à zona das muLherese eu faLei: "lihh, mulher? Mas mulher, mes-mo?" Eu fui e amiguei-me com a donada casa [risos] que era uma judia francesa»

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<e fiquei a morar Lá. E foi ela que me Levou

para a rádio porque dizia que eu era muitolouco e tinha uma grande necessidade de

expressão. E a rádio para mim tinha umgrande significado...Por algum motivo em especial?0 meu pai teve o primeiro rádio de Desembo-

que [locaLídade situada em Minas Gerais]. E elena altura já sabia que quem detém informaçãodetém o poder. Então eLe punha o rádio bem

baixinho, para ninguém ouvir. A casa era mui-to pobre, tinha as janelas baixas, e as pessoasjuntavam-se todas para ver o meu pai a ouvirrádio [risos]. O meu pai chegava mesmo a ves-tir paLetó para ouvir rádio, tal era a importân-cia do acontecimento.

DE APRENDIZ DE RÁDIO COM VOZ

DE SOVACO A ESTRELA DE TELEVISÃO

E quando chega à Rádio Tupi como é que ascoisas correm? O que acharam da sua voz?Disseram que a minha voz saía do sovaco

[gargalhada] , para eu ir embora. Mas quan-do eu ia a sair o operador perguntou: "Você

não quer trabalhar aqui?" E eu falei: "Quero.Eu moro na zona com as meretrizes". Entãoeu comecei como operador de som, ligava osmicrofones e taL Até que um dramaturgo re-soLveu dar-me um papel, isto em 1948, antesde chegar à televisão.O seu nome verdadeiro é Ariclenes Venân-cio Martins. Como surge o Lima Duarte?

Bom, a minha mãe era atriz, o que naqueLa al-tura era sinónimo de prostituta. Além disso

era epilétíca e espírita. Ela era triplamenteuma vagabunda [risos], coitadinha. E ela ven-ceu tudo isso e impôs-se. Mas quando eu es-tava na rádio e disse o meu nome verdadeiroeLes não gostaram porque era muito compri-do e pediram para arranjar outro. E como na

altura estava na moda usar dois nomes pró-

prios eu sugeri chamar-me Luís Alberto.

Hoje poderia ser o consagrada ator LuísAlberto. Mas não foi o que aconteceu...Pois, porque o meu chefe não gostou, disse

que era nome de veado [homossexual] e

mandou-me arranjar outro mais forte. Então

Liguei à minha mãe, disse-lhe que estava a tra-balhar na rádio e ela ficou muito contente.

ELa não percebeu por que motivo não gosta-vam do meu nome, eLa achava que era lindo.

Eu disse: "Põe o nome do meu guia de luz e

vais ser mui:o feliz. Ele chama-se Lima Duar-te". [silêncio[ Eu acredito em milagres...Entretanto, dá-se a sua estreia em televi-são. O que recorda desse momento?No dia 18 de setembro de 1950 foi para o ar a

primeira transmissão de televisão da Améri-ca Latina na TV Tupi de São Paulo e foi uma

agitação enorme. No estúdio estavam 28 pes-soas e agora só eu é que estou vivo. Dá quepensar...

"ADORO A SOLIDÃO, GOSTO DE ANDAR

NO MATO E BEBER UM COPO DE CACHAÇA"

E no futebol perde-se de amores pelo SãoPaulo?Eu sou São Paulo até no cuspo. Se eu cuspir

agora vai sar tricolor [risos].E em Portugal tem algum clube?FC Porto. Sou sócio honorário. Quando o FC

Porto ganhou a Taça Intercontinental eu esta-va aqui. E sabe o que é que eu trouxe para os

jogadores? Uma caixa cheia de mangas.Por algum motivo em especial?Um amigo meu sabia que eu vinha a Portugale deu-me uma caixa de mangas lindas para eudar aos jogadores e eu pensei: "Mangas? Mas

porquê mangas?" E o meu amigo disse: "Você

não tem ideia como eles vão valorizar isso."

Então eu trouxe e os jogadores ficaram loucos

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e Levaram-me para conhecer a sala onde es-

tão os trofeus e o presidente.Então conhece Pinto da Costa?O quê, ainda é o mesmo? Então é um ditadot

[risos]. É muito simpático.E o que achava de Portugal nessa altura'Eu estava aqui no 25 de Abril. Tinha uns ami-

gos comunistas e um dizia uma coisa maravi-lhosa: "Dizem que os comunistas comerrcrianças ao pequeno-almoço, mas os capita-listas comem o pequeno almoço das crian-

ças." 0 sentimento de Liberdade era muito bo-

nito, mas Portugal era muito sujo, Lisboa erífeia. Mas agora está belíssima, crise à partenão é? Andei a passear por aí e gostei muitc

de ver a gente, a cara das pessoas.Vive sozinho. Gosta da solidão?Adoro, não sei viver de outra maneira. Adore

a solidão, gosto de caminhar pelo mato, bebei

o meu copo de cachaça. Há quem pense quesou uma pessoa ruim [má] porque não quercviver com ninguém. Tenho cavalos, cães e te-nho netos na AustráLia.É um homem saudosista? Gosta de recor-dar momentos da sua vida?Não sou saudosista, vivo no passado. Sou urrhomem do passado, por isso nem sei o que e

isso de saudade. Quem viveu os eventos que

eu vivi não pode interessar-se por mais nadaEu vivo da minha mãe a declamar quandeacabou a guerra, do meu pai a ouvir rádio

do meu avô a esbofetear-me por causa de

Montgomery. NTW