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TEIXEIRA, Anísio. A universidade de ontem e de hoje. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.42, n.95, jul./set. 1964. p.27-47. A UNIVERSIDADE DE ONTEM E DE HOJE ANÍSlO S. TEIXEIRA Da Univ. do Brasil Em sua evolução, das mais lentas da história, a Universidade, misto de claustro e de guilda medieval, procurou mais isolar-se do que participar do tumulto dos tempos. Seu espírito de segregação ainda era manifestamente acentuado nos meados do século XIX, apesar de se haver iniciado na pesquisa desde o comêço do século. Mas, seja com Humboldt ou com Newman, pesquisa pela pesquisa, para se atingir o saber pelo saber. A casa do intelecto partia do saber do passado para o saber do futuro, mas conservava o objetivo da harmoniosa cultura clássica, a coroar-se com o prazer supremo de buscar o saber nêle deleitar-se em olímpica contemplação. O saber aplicado e utilitário era olhado com desdém e considerado um abastardamento dos objetivos da instituição, que visava antes de tudo à vida do espírito. Não percamos de vista que a universidade de preparo de profissionais, ou mesmo de cultura geral para a formação da elite, já seria uma universidade de certo modo prática. Com a pesquisa, como foi inicialmente concebida, voltou-se à preocupação da busca do saber pelo saber, pela tôrre de marfim, pelo mandarinato de eruditos e pesquisadores. Pouco importa que a busca do saber pelo saber acabasse por ser a mais prática das buscas e deflagrasse as aplicações

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TEIXEIRA, Ansio. A universidade de ontem e de hoje.Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos. Rio de Janeiro, v.42, n.95, jul./set. 1964. p.27-47.A UNIVERSIDADE DE ONTEM E DE HOJEANSlO S. TEIXEIRADa Univ. do BrasilEm sua evoluo, das mais lentas da histria, a Universidade, misto de claustro e de guilda medieval, procurou mais isolar-se do que participar do tumulto dos tempos. Seu esprito de segregao ainda era manifestamente acentuado nos meados do sculo XIX, apesar de se haver iniciado na pesquisa desde o como do sculo. Mas, seja com Humboldt ou com Newman, pesquisa pela pesquisa, para se atingir o saber pelo saber. A casa do intelecto partia do saber do passado para o saber do futuro, mas conservava o objetivo da harmoniosa cultura clssica, a coroar-se com o prazer supremo de buscar o saber nle deleitar-se em olmpica contemplao.O saber aplicado e utilitrio era olhado com desdm e considerado um abastardamento dos objetivos da instituio, que visava antes de tudo vida do esprito. No percamos de vista que a universidade de preparo de profissionais, ou mesmo de cultura geral para a formao da elite, j seria uma universidade de certo modo prtica. Com a pesquisa, como foi inicialmente concebida, voltou-se preocupao da busca do saber pelo saber, pela trre de marfim, pelo mandarinato de eruditos e pesquisadores.Pouco importa que a busca do saber pelo saber acabasse por ser a mais prtica das buscas e deflagrasse as aplicaes sem conta que marcaram o fim do sculo XIX e comeos do vigsimo. A realidade que isto no fazia que a universidade se sentisse responsvel pela aplicao do conhecimento, cuja marcha se completava graas a seu trabalho de profundidade mas sem a sua participao.A comunidade de mestres e estudantes do fim da Idade Mdia continuava em sua independncia e isolamento. O culto do saber do passado, ou a busca do saber do futuro era a forma leiga de convento, de alheamento aos negcios do mundo e de entrega da vida aos prazeres do esprito. verdade que essa atitude de puro isolamento de algum modo se corrigia com a formao do profissional, em pequenssimo grau com a formao do clero, um pouco mais com a formao do bacharel em direito, substancialmente com a formao do mdico e, muito depois, em grau mais acentuado, com a formao do engenheiro. Atentemos, contudo, que essa formao profissional no constitua o corao da universidade, mas sua extenso ou desenvolvimento, pois, onde se guardou a tradio da cultura geral, a formao universitria era a da cultura clssica, seguida da pesquisa, primeiro relativa a essa cultura clssica e smente mais tarde relativa cincia experimental.Mesmo depois que a Universidade aceitou a cincia experimental, nem por isto se rendeu pesquisa de cincia aplicada e se deixou envolver nos negcios do mundo, mas insistiu em acentuar o carter "desinteressado" de sua busca e os objetivos "nobres" do saber pelo saber, do saber como fim em si mesmo.Assim viveu a Universidade at fins do sculo XIX, com a exceo talvez da universidade americana, cujo desenvolvimento se fz em linhas um tanto diversas, sobretudo em relao aosland-grant colleges, os quais j no perodo de Newman cultivavam o objetivo de servio e davam pesquisa o carter prtico de saber aplicado, ou seja, na linguagem de Newman, um "deal of trash",jgo pobre e de curta visada.At a a misso da universidade era a da guarda e transmisso do saber, como condio para a ordem e a civilizao. Eminentemente seletiva, orgulhava-se de poucos alunos e da alta qualidade dos seus intelectuais e eruditos. Era a casa do intelecto, a trre de marfim de uma cultura fora do tempo.Foi essa universidade que comeou a transformar-se com as trs revolues do nosso tempo: a revoluo cientfica, a revoluo industrial e a revoluo democrtica.* * *No meu desejo repetir mais uma vez as habituais consideraes sbre a misso da universidade, mas, admitindo que todos dela tenhamos conscincia, buscar examinar, embora brevemente, os modos por que nos ltimos cento e poucos anos a antiga instituio se vem transformando e, para alguns, perdendo at sua unidade e seu senso de misso.Procurarei limitar-me a certos exemplos mais significativos e ainda recentes da experincia universitria. Acredito que tomando o exemplo de Oxford, o de Berlim e o do Trinity College de Dublin, da passando a Manchester e, afinal, chegando s universidades de hoje, teremos a parte mais substancial do processo histrico de transformao.Fundamentalmente, a universidade a reunio de adultos j avanados na experincia intelectual e profissional com jovens busca de sua formao e seu preparo para atividades dentro e fora dela e, ao mesmo tempo, a instituio devotada guarda e ao cuidado da cultura humana, que lhe cabe zelar e lavrar como seu campo especial de trabalho. Como essa cultura constitui o equipamento maior da vida da prpria sociedade, a sua responsabilidade por essa sociedade est sempre presente.Entre sses trs objetivos - formao e ensino, pesquisa e servio - divide-se assim a sua faina. A sua histria , sob vrios aspectos, uma mudana de nfase em relao maior e menor importncia de cada um.Como estamos a viver um perodo revolucionrio da conhecimento humano e de conseqente transformao social, perdemos, ao que me parece, um pouco o senso do passado e, por isto mesmo, no ser mau que comecemos o nosso passeio pelas vicissitudes da idia de universidade, com uma vista d'olhos sbre Oxford, a universidade talvez mais fiel ao passado, embora tenha, de certo modo, presidido ao curso da primeira e, at os comeos dste sculo, maior nao industrial do mundo.Afinal, a cultura ocidental um desenvolvimento da cultura greco-latina e em nenhuma outra universidade podemos encontrar - sem o esprito de controvrsia que, paradoxalmente, marca as universidades latinas - a fidelidade s nossas origens e a confiana de que para formar o homem nada de melhor se criou que uma imerso do jovem nessa literatura que Cassiodoro salvou do naufrgio da invaso dos brbaros e ainda hoje nutre todo o nosso espantoso desenvolvimento intelectual. curioso observar-se como a nao em que, at muito recentemente, mais se haviam desenvolvido a indstria e a democracia e to alta contribuio ofereceu cincia, conseguiu sustentar-se com essa cultura clssica. ste fato torna Oxford e Cambridge - a despeito de suas diversidades - particularmente importantes para nos esclarecer sbre a misso da Universidade.Como desempenhava Oxford essa misso? Como a compreendia e em que postulados se baseava o seu grande trabalho?Para que no ocorra a algum que esteja exagerando em minha descrio, vou utilizar-me de um oxoniano, educado entre os muros Balliol e hoje professor de filosofia, W. B. Gallie, para qualificar a formao pela universidade que foi, at o sculo XIX e comeos do sculo XX, a universidade por excelncia de ensino e a universidade por excelncia no vocacional, ou seja, no profissional.Nessa universidade, segundo Gallie, "postulava-se, de modo geral sem discusso, que um jovem que tivesse aprendido a escrever em elegantes versos ou cortante prosa nas duas lnguas clssicas - grego e Iatim - e possusse conhecimento particularizado de dois importantes perodos da civilizao pr-crist e de algumas doutrinas de Plato, Aristteles, Kant e Mill, estaria qualificado para comear sua carreira como administrador, poltico, diplomata, crtico social ou educador".O ideal universitrio consubstanciado por Oxford representava, assim, a forma mais radical de formao no-utilitria. A universidade no era sequer um centro de transmisso do saber, mas de exerccio mental, capaz de formar intelectualmente o jovem como um centro atltico o formaria para a vida esportiva. Por tda a vida, iria le ser o homem capaz de refletir com preciso e conversar com graa e facilidade e dispor daquele famoso e inteligente senso de humor, que lhe valeria como o melhor substitutivo at ento descoberto para a sabedoria. O contato com os mestres verdadeiramente grandes do passado lhe teria dado um senso de proporo e medida que, se realmente assimilado, o teria curado para sempre de qualquer pretenso ou presuno intelectual. A prtica das duas lnguas clssicas, por outro lado, lhe teria dado aquela segurana intelectual e hbito de preciso que nenhum outro mtodo talvez lhe poderia, do mesmo modo, inculcar.Com a insistncia pela qualidade do estudante e pela qualidade dos seus estudos, Oxford e Cambridge formaram longamente a elite britnica e nos deram o povo que mais inteligentemente tem sabido lidar com as vicissitudes de sua grandeza e de suas transformaes sociais, sendo, de certo modo, o povo que mais prximo se acha do que poderia chamar a arte de governar a sociedade humana.Embora a evoluo de Oxford no resultasse de nenhum plano mas das presses dos concursos para o servio civil ingls, acabou por traduzir uma implcita filosofia da educao, a que se acrescentou mtodo de ensino quase individual, com o sistema de pequenos colgios, os tutores e o internato dos alunos. Como seus estudantes provinham daspublic-schools, a Inglaterra completava com Oxford um sistema de educao peculiar e nico, que lembrava Esparta, pairando acima do tempo, como se fsse o prprio mtodo perene de formao da elite humana. Essa elite, a princpio aristocrtica, fz-se, depois, pela seleo do aluno, uma espcie de elite de mrito. Se a misso da universidade a formao de uma elite para o govrno e o servio pblico, no creio que tenhamos exemplo mais bem sucedido.Foi buscando imit-la que Newman, em 1852, fundou a universidade de Dublin e em seu livroA idia de uma Universidade, afirmou que se o objeto da Universidade fsse a descoberta cientfica e filosfica (ou seja, a pesquisa), no saberia por que teria eIa estudantes. Ao tempo que, assim, excluia a pesquisa, tambm condenava qualquer carter utilitrio no seu ensino, devendo o saber constituir o seu prprio fim. Muito mais tarde, Whitehead, de certo modo, fazia-se eco dessa filosofia, ao acentuar que pesquisa se pode fazer sem Universidade, a essncia desta devendo ser o ensino e a cultura do esprito.A essa concepo da universidade sucedeu o que Flexner chamou de Universidade Moderna, uma universidade que "no existe fora mas dentro da contextura geral da sociedade de determinada poca ... No algo aparte, algo de histrico, algo que no se renda seno no mnimo possvel s fras e influncias mais ou menos novas. Ao contrrio, uma expresso da poca, tanto quanto uma influncia a operar em seu presente e em seu futuro". Essa universidade j a universidade de Berlim de Humboldt e a universidade de Manchester, na Inglaterra, dominada uma pelo esprito de pesquisa pura e a outra pelo da pesquisa aplicada, mas ambas devotadas cincia e ao seu tempo.Seria muito longo referir a extrema luta que se desenvolveu para essa incluso da pesquisa e da cincia na universidade e a extraordinria expanso que isto representou, primeiro no desenvolvimento dos estudos de ps-graduao, depois na educao de adultos e, por fim, na multiplicao de escolas profissionais de todo gnero.Outra transformao, contudo, aguardava a universidade, ao se fazer tambm uma instituio de servio nacional, devotada soluo de problemas, apreciao crtica das conquistas realizadas e no j apenas pesquisa pura ou bsica, mas pesquisa dirigida e aplicada para o desenvolvimento e a defesa nacional.Acompanhar essa transformao desde 1852 at 1914, depois at 1930 e, com a segunda guerra mundial, at os dias de hoje, corresponde a assistir histria de uma instituio que, entre mil resistncias, rompe com o seu isolamento e se vai, aos poucos, misturando com a vida presente at se fazer, talvez, instituio completamente nova pela sua complexidade, pela sua variedade, pelo seu pluralismo, e, por que no dizer, pela sua extrema confuso e divisionismo.So inmeras as vozes a chorar pela antiga unidade, pela antiga homogeneidade, pela antiga qualidade, mas a fra do tempo maior e a universidade fz-se no a trre de marfim mas talvez a de Babel, com atividades intelectuais dos mais diversos nveis, com a mais extrema mistura de cultura terica e prtica e com tamanha populao de professres e alunos que j no mais uma comunidade mas vrias e contraditrias comunidades, lembrando mais a cidade que o antigo claustro conventual da velha Oxford.O Presidente Kerr, da Universidade de Califrnia, no ano passado, analisou, em trs conferncias, na Universidade de Harvard, essa imensa transformao da universidade, que hoje se deveria talvez chamar, segundo sua sugesto, Multiversidade.Nem Humboldt, nem Newman, nem Flexner reconheceriam mais as suas respectivas universidades. A populao de alunos que as procura j muitas e muitas vzes superior a tudo que se pode imaginar. A famosa qualidade do estudante superior perdeu-se e com ela a qualidade dos estudos. O nmero de cursos e de ocupaes para que prepara raia pelo inconcebvel. A populao de adultos, dos que voltam universidade, para cursos e retreinamento, sobe a dezenas de milhares.Sobretudo a pesquisa atingiu propores desmedidas e os grandes projetos da segurana, da defesa e do desenvolvimento nacional comeam a ser, em muito, tarefas da universidade.A antiga instituio - distante e isolada - destinada a educar os jovens, vem-se fazendo a fra mais profunda do desenvolvimento nacional. A realidade que a pesquisa, cuja entrada na universidade tanta luta custou, veio, nos ltimos tempos, a crescer esmagadoramente. Longe, vai o tempo em que o Bispo de Ripon aconselhava a cincia a tomar frias por dez anos, diante da expanso que lhe parecia precipitada e malfica, em que Aldous Huxley escrevia sua stira sbre oBrave New World. Hoje, a cincia fz-se a grande mola de competio do mundo desenvolvido e nenhuma fra lhe igualada em importncia e em alcance.As cidadelas de resistncia, primeiro a do humanismo clssico, depois a da cincia pela cincia e do saber pelo saber, acabaram por se render. A definitiva aceitao da cincia transferiu o debate do campo mais ou menos recalcitrante e negativo do perodo encerrado na dcada de 30, para o campo positivo da busca de solues para uma sociedade totalmente industrializada, penetrada de cincia e tecnologia e coletivamente organizada sob a forma de grandes grupos, com intersses diversos e muitas vzes contraditrios. para essa nova e confusa sociedade que se tem de preparar a universidade, tanto mais lhe sendo difcil a liderana quanto nela prpria se registram os fenmenos de coletivizao, de deslocamento, de contradio e de relativa perda de unidade.Ao homem de cultura liberal sucedeu o especialista e, ao especialista, o homem de organizao. ste ainda em muito um mecnico, procurando suprir a deficincia essencial de unidade da sociedade contempornea com os substitutivos de relaes pblicas e de esprito de servio, que, mal ou bem, mantm a aparncia no direi de harmonia mas de mtua tolerncia.A universidade reflete essa sociedade e, arrastada por ela, distanciou-se da idia de universidade como a concebia Abraham Flexner, para quem "o corao de uma universidade moderna seria uma escola de ps-graduao de artes e cincias, as slidas escolas profissionais e alguns institutos de pesquisa", tudo dentro de um "organismo caracterizado pela elevao e preciso de fim e unidade de esprito e de propsito". No existem Newmans, nem Humboldts, nem Flexners para amultiversidadepresente, de que o primeiro a tratar Clark Kerr, presidente da Universidade de Califrnia e, como economista, livre para descrev-la como um fato social sem ainda querer julg-la. Kerr, depois de mostrar como aquelas diferentes idias de universidade - a de educao e formao do homem pela residncia comum e a imerso em uma atmosfera intelectual, a do intelectualismo e pesquisa livres e independentes para o preparo de estudiosos, a de servio pela participao na sociedade e soluo dos seus problemas, em que se revelaram mais notveis respectivamente os ingleses com Oxford e Cambridge, os alemes com Berlim, Halle e Gottingen e os americanos com Wisconsin sobretudo, mas tambm, com Harvard e os "land-grant colleges" - entraram em jgo na universidade americana e, ajudadas pela liberdade de experimentar e tentar, caracterstica de sua civilizao pluralista e democrtica, criaram uma espcie delaissez-faireuniversitrio, observa que, dste modo, se instituiu a moderna universidade americana, conjunto de "fragmentos, experimentos e conflitos" que acabam por entrar em acrdo num inesperado equilbrio e por resultar em uma instituio excepcionalmente eficaz. E conclui "que nenhuma universidade pode visar mais alto do que ser to britnica quanto possvel, em relao aos seus graduandos, to germnica quanto possvel para os ps-graduados e pesquisadores e to americana quanto possvel para o pblico em geral ... e to confusa quanto possvel para poder preservar o instvel equilbrio".Para uma idia concreta dessa universidade dos tempos presentes, a multiversidade, ouamos o Presidente Nathan Pusey sbre Harvard e o Presidente Kerr sbre Califrnia. Pusey, em seu ltimo relatrio, depois de acentuar que, a partir de 1924 - perodo de graduao dos membros do seu Conselho de Administrao - metade dos edifcios de Harvard so novos, o quadro de professres quintuplicou e o oramento aumentou quinze vzes, assim se exprime: "Pode-se ver em qualquer dos lados para que se olhe exemplos semelhantes de crescimento e mudana, quanto ao currculo e quanto natureza da universidade contempornea, conseqentes do alargamento de sua rea internacional de intersse, do avano do saber e da crescente renovao e extrema complexidade dos mtodos de pesquisa... sia, frica, rdiotelescpios, equipamento inimaginvel em 1924 para explorao interplanetria - stes e outros desenvolvimentos determinaram tais enormes mudanas na orientao intelectual e nas aspiraes da universidade contempornea que fazem parecer-nos a universidade que conhecemos como estudantes uma instituio extremamente atrasada, na realidade algo de muito simpIes e quase nenhuma importncia. E o ritmo da mudana contnua".Sbre a Universidade de Califrnia, assim se exprime o Presidente Kerr: "A Universidade de Califrnia no ltimo ano (1963) despendeu em recursos de tdas as fontes perto de meio bilho de dlares e mais 100 milhes em construes; o seu quadro total de empregados foi superior a 40.000, mais do que a IBM, e distribudos em maior variedade de esforos; suas operaes estenderam-se por crca de cem locais diferentes, compreendendo "campus", estaes experimentais, centros de extenso agrcola e urbana e programas no estrangeiro, envolvendo mais de cinqenta pases; ofereceu nos seus catlogos perto de 10.000 cursos diferentes; manteve contatos, sob alguma forma, com quase tdas as indstrias, com quase todos os nveis de govrno, com quase tdas as pessoas da sua regio. Vasta quantidade de custosos equipamentos foram utilizados e mantidos. Quatro mil crianas nasceram nos seus hospitais. Converteu-se na maior distribuidora de ratos brancos no mundo. Est em vias de possuir a maior colnia de primatas do mundo. Contar em pouco 100.000 estudantes, dos quais 30.000 em nvel ps-graduado, apesar de menos de um tro de suas despesas serem relativas a ensino. J conta com 200.000 estudantes de cursos de extenso, incluindo 1 de cada trs advogados e 1 de cada seis mdicos no estado". Harvard e Califrnia so apenas dois exemplos de multiversidade. Pelo menos mais umas 20 j existem e, lembremo-nos, tda a Inglaterra dispe apenas de 30 universidades.Esta a universidade que sucedeu universidade moderna de Flexner que, por sua vez, sucedeu universidade de Newman. A primeira, segundo Kerr, "era uma aldeia com seus monges, como as nossas redues jesuticas ao tempo da colnia, a segunda uma vila industrial com sua oligarquia intelectual, a multiversidade uma grande cidade, com a sua infinita variedade e seus inmeros bairros e subculturas. H menos senso de comunidade mas tambm menos confinamento. Menos propsito comum porm mais possibilidades, mais caminhos para o refgio ou a criao". Lembra a civilizao total em que se integra, com seus riscos e suas oportunidades. Deixou de se conservar parte e fz-se fra atuante e, talvez mxima, da sociedade industrial total que comea a ser a sociedade contempornea.Nessa cidade, que lembra a metrpole, mas de certo modo nico, agitam-se e trabalham os mesmos dois antigos subgrupos, os estudantes e os professres, mas no s muito aumentados como muito diferenciados. Alm das duas culturas ou trs - as dos humanistas, a dos cientistas e a dos tecnologistas - h uma variedade de subculturas.Entre os estudantes, segundo uma tipologia, h o grupo mais tpico docolgio, com seus clubes, seu atletismo e suas atividades;o acadmico, constitudo dos estudantes srios, de pura vida intelectual;o vocacional, dos estudantes busca de treinamento especfico; e o "no-conformista", dos polticos ativistas, dos intelectuais agressivos e dos bomios. Vagamente inserido nesses diferentes grupos, o estudante individual enfrenta a extrema diversidade de oportunidades que lhe oferece um currculo que chega, como vimos na Califrnia, a contar 10.000 cursos diferentes. A liberdade do estudante um desafio mas tambm uma tortura. Muitos se perdem e muitos se machucam por entre os riscos dessa floresta heterognea como as tropicais, e, hoje, sem sequer a harmonia e a homogeneidade das florestas temperadas.Sbre le, e cada vez mais distante, move-se o mundo dos professres, hoje tambm diversificado, compreendendo, pelo menos, essas quatro categorias - mestres, pesquisadores, consultores e administradores, que ensinam, pesquisam, aconselham e supervisionam e administram.A pesquisa j a mais importante das funes. E essa mudana algo coprnica. de fato uma mudana de centro. J se diz que, quanto mais sobe um professor, menos ter le contato com o estudante. A estrutura de classe do professor compreende, hoje, a dos que se dedicam pesquisa, a dos que s se dedicam ao ensino e a dos que ainda fazem as duas coisas. Na Califrnia, no nvel de doutorado ou seu equivalente, a proporo j de 1 pesquisador para 2 mestres e para 4 que fazem uma e outra coisa.Ainda h os consultores e os administradores, que do parecer e administram seus institutos e projetos, e constituem uma nova forma dos "capites da erudio" a que se referia Veblen. So os novos-ricos, os homens de emprsa da cincia e da cultura, cujas vidas transcorrem, em boa parte, fora docampus, em viagens, conferncias, consultas, negociaes e, quando no campus, em agitada vida de direo e de administrao.Essa multiversidade americana no tem parelha ainda no mundo. S a Amrica poderia produzi-la com a sua confiana na liberdade de ao e conseqente diversidade de experincia e seu apgo ao teste das conseqncias. Essa confiana funda-se implcitamente num postulado, o postulado de que o homem age melhor em liberdade e se conduz luz das conseqncias, revendo, corrigindo, reconstruindo indefinidamente sua ao. Lernfreiheit elehrfreiheitso as duas fras que, definidas na Alemanha em suas livres origens, encontraram na Amrica seu clima, seu estilo, seu apoio, at agora incontestes.Nenhuma outra universidade, em nenhum outro pas, levou to longe o esprito de participao na civilizao contempornea. Embora as suas mais antigas universidades tivessem surgido com o esprito da reforma e lembrassem as universidades da Europa, as universidades estaduais, criadas no sculo XIX, na crise mesma da guerra de secesso, nasceram traduzindo um nvo esprito, o esprito de servio e de pesquisa aplicada, aqule mesmo esprito que, na Europa, iria fazer na Alemanha surgir ostechnicum, na Inglaterra, os colgios e universidades tecnolgicas. Era a idia da universidade moderna de Flexner, mas com o acrscimo da cincia aplicada e da participao nos problemas da regio.A sse tempo a cincia e a tecnologia estavam a realizar os seus primeiros milagres, a exposio de Paris de 1850 estimulara sobremodo os inglses, que se descobriram atrasados em relao indstria francesa, a Alemanha com a pesquisa nas universidades e a tecnologia dos institutos tecnolgicos entrava valentemente na era industrial e os Estados Unidos constituiam, dste lado do Atlntico, a fronteira nova e ilimitada da aplicao da cincia. pouco depois que Lincoln assina a lei Morrill (em 1862) e nenhum outro ato seria de maior alcance para a educao superior na jovem repblica. O movimento das universidades estaduais surgia em resposta industrializao nascente, que nos Estados Unidos no se circunscrevia indstria urbana mas tambm agricultura. Desde o incio, a expanso da aplicao da cincia na jovem repblica se manifestava nas duas reas, para servir repblica de mecnicos e agricultores que se constitura ao norte em oposio civilizao de senhores do sul. A nova universidade seria a universidade que, alm do "gentleman", do padre, do advogado e do mdico, iria devotar-se pesquisa tecnolgica, pesquisa econmica e pesquisa em todos os aspectos polticos e sociais da democracia populista e igualitria que sucedera democracia jeffersoniana. A universidade rompia com as tradies originrias de formadora de elite, para se abrir a todos e ser o grande instrumento de igualdade e de oportunidade para todos.A influncia da universidade alem, tambm muito atuante na poca, impediu fazer-se aventura algo de extravagante. Misturam-se, como diz Kerr, o intelectualismo germnico com o populismo americano e a aliana constituiu espantoso sucesso. A mais famosa universidade, entre as antigas, Harvard, e uma das mais novas, a de Michigan, depararam-se executando programas idnticos e atingindo igual excelncia, tanto no campo das humanidades quanto nos das cincias, criando-se dste modo tipo nvo de universidades, abertas, populares, profundamente participantes do progresso e, ao mesmo tempo, de to alto prestgio intelectual que rivalizavam se no excediam as suas congneres europias.Quase oitenta anos depois, algo como uma nova lei Morrill veio acontecer, com o programa de financiamento da pesquisa cientfica para a defesa nacional, a que a segunda guerra mundial levou o govrno federal americano.Como na guerra da secesso, o movimento surgiu sem plano, sem propsito, como simples resultado das circunstncias e da necessidade. O velho princpio dolaissez-fairetudo permitia e as universidades estavam a crescidas j, mas ainda sem nenhuma esclerose, prontas para nvo surto de crescimento.Em 1862 era a industrializao ainda em grande parte emprica, em 1940 era a cincia j todo-poderosa que iria determinar a expanso da universidade como fra suprema, ao mesmo tempo, de saber nvo e de nova tecnologia. A separao entre cincia e aplicaes da cincia quase deixara de existir. O tomo unira os dois grupos de cientistas emprestando-se ao tecnologista um prestgio nvo, seno maior, pois os segredos da cincia atingiam menos a cincia bsica do que as ltimas conquistas tecnolgicas. Por outro lado, a prpria organizao industrial, com o seu crescimento, fz-se tambm cientfica, pelo menos nos aspectos mais complicados de utilizao de dados e de processos mecnicos de sua computao. A resposta da universidade americana s novas necessidades foi pronta e irresistvel. No me nego tentao de citar Kerr: " interessante", escreve le, "que as universidades americanas, que tanto se orgulham de sua autonomia, venham a ter o seu carter definido tanto ou mais pelas presses do meio do que pelos seus desejos prprios; que, identificando-se como instituiesprivadasouestaduais, recebam seu maior estmulo da iniciativa federal; que, constituindo parcela de um sistema de ensino superior variado e altamente descentralizado, tenham respondido s necessidades nacionais com tamanha fidelidade e alacridade; que, formadas originriamente para a educao do "gentleman", se tenham entregue to decididamente ao servio da brutal tecnologia"E dste modo que surgiu a nova universidade federal americana. Assim como a University Grants Comission inglsa vem tornando possvel o casamento da autonomia com o planejamento na universidade inglesa, assim o financiamento federal de programas cientficos na universidade americana vem dando lugar ao aparecimento de uma nova sistemtica no ensino superior dos Estados Unidos. Quanto melhor e mais autnoma a universidade, mais se vem ela fazendo afederal grant universityde que nos fala Kerr.O movimento lanado com a lei Morrill em 1862, suplementado, em 1890, com a segunda lei Morrill, e antes com a lei Hatch de 1887 e com a lei Smith Lever de 1914, ambas relativas agricultura, vem, com a primeira guerra mundial, depois com a Depresso e, afinal, com a segunda guerra mundial, entrar em fase espetacular. Em 1960, a educao superior americana recebia 1 e meio bilho de dlares do govrno federal, cem vzes mais do que 20 anos antes: quinhentos milhes para centros de pesquisa nas universidades, quinhentos para projetos de pesquisa dentro das universidades e quinhentos para residncias de estudantes, blsas e programas de ensino. Embora o bilho para pesquisas seja apenas 1/10 do que o govrno federal gasta em pesquisa e desenvolvimento, representa 75% de tdas as despesas para pesquisa das universidades e 15% do total dos oramentos universitrios. Essas cifras no incluem as despesas dos centros federais de pesquisas operados pelas universidades.Os recursos federais so aplicados dominantemente em atividades relacionadas com a defesa (40%), com o progresso cientfico e tecnolgico (20%) e com a sade (37%), abrangendo os setores de cincias fsicas, bio-mdicas e engenharia, com apenas 3% para as cincias sociais e quase nada para as humanidades. Apenas crca de 20 universidades so contempladas pelo auxlio federal e representam ela smente dez por cento das universidades americanas. O programa compreende centros especializados de pesquisa (14 em 1963), projetos de pesquisa e treinamento ps-graduado e ps-doutoral nos campos de intersse nacional.Em nenhum tempo da histria viu-se a universidade to fortemente solicitada para dar a sua contribuio cientfica ao progresso da civilizao. Embora, desde 1850, no tivessem faltado torrentes de retrica para dizer que o progresso cientfico era a causa do progresso nacional, smente depois de cem anos, na segunda metade do sculo XX, a cincia faz-se em verdade preocupao central dos governos.O nvo equilbrio que esto a buscar as universidades, em face do impacto dsses novos recursos e de novas funes como fbricas de conhecimentos e de tecnologias, que a arrancam da sua segregao de instituies de formao de homens e de busca desinteressada e lenta do saber para as lanarem nomaelstromda competio internacional e dos conflitos do poder, no fcil e inmeros problemas est criando para a universidade, que j no o antigo claustro e a antiga trre de marfim - helas! j to distantes e to esquecidos -- mas deseja continuar a ser universidade, ou seja, centro de educao, de ensino e de saber desinteressado e livre.As relaes do govrno federal com as universidades devem e esto entrando em nova fase, em que sse mais amplo problema do ensino superior comear a ser sentido em tda a sua plenitude para que, sem que se perca o mpeto pelo aumento de conhecimento e de tecnologias, que marcou a primeira fase, possa o govrno federal juntar a sua contribuio aos objetivos perenes da universidade - a liberdade do saber, o alargamento dos horizontes da igualdade de oportunidades, e o aperfeioamento da formao humana.Elliot j dizia, no incio da primeira transformao da universidade americana, que essa universidade no iria ser imitao de alguma universidade europia mas uma nova universidade, em consonncia com as novas condies da cultura americana. E a evoluo ainda est em processo. As novas condies contemporneas esto transformando a universidade. As grandes fases de caracterizao da universidade processaram-se em consonncia com os grandes perodos histricos - o apogeu helnico, a consolidao da herana greco-latina na Idade Mdia a partir do sculo XII, o renascimento no sculo XVI, o segundo renascimento com o sculo XVIII, o incio da industrializao e o surto cientfico no sculo XIX e hoje a industrializao total e a maturidade do desenvolvimento cientfico.Em cada um dsses perodos, registra-se o progresso em certo ponto da terra e da se expande s demais reas do desenvolvimento. E temos, ento, a Grcia, as cidades italianas, a Frana, a Espanha, a Inglaterra, a Alemanha e hoje os Estados Unidos.A educao est intrnsecamente relacionada com o carter da civilizao de cada pas. Estima-se hoje que nos ltimos trinta anos, perto de metade do desenvolvimento nacional dos Estados Unidos se explica pela melhor educao e melhor tecnologia do seu povo, ambas decorrentes do seu sistema de educao.Com a acelerao atual da produo de conhecimento e com a sua difuso tambm extraordinriamente aumentada, calcula-se que 29% do crescimento do produto bruto nacional dos Estados Unidos provm do aumento da produo, distribuio e consumo do "saber", em tdas as suas formas. E o crescimento dsse "saber" faz-se em proporo de duas vzes o crescimento da economia. Aindstriado conhecimento, hoje, segundo Kerr, o fator central do crescimento nacional dos Estados Unidos.Estamos realmente, pela primeira vez, vivendo a fase da produo, que chamaria normal, da cincia. Essa produo quebrou todos os antigos ritmos de gradual acomodao entre o passado e o futuro. A camada de saber comum - lentamente adquirido e consolidado - faz-se, como diz Oppenheimer, cada vez maistnue, em virtude da rapidez da chegada do nvo saber e com isto perde-se o senso de unidade entre o passado, o presente e o futuro. Nunca o presente foi to produtivo e to difcil estabelecer-se o equilbrio entre os trs perodos. Tudo isto reflete-se na universidade, com a sua populao cada vez mais ampla, com a sua atuao no curso mesmo dos acontecimentos cada vez maior, com as suas relaes com a indstria intensificadas e dominantes, com o crescimento explosivo dos conhecimentos e com a multido e variedade dos seus intersses, dos seus programas, de suas descobertas. Quanto populao, j no serve apenas a elites, nem apenas classe mdia, mas a tdas as classes e todo o povo. Quanto ao saber, identifica-se com todos os saberes, de tdas as reas, todos os nveis e tdas as ocupaes. Quanto ao espao, no algo de isolado mas estende-se agricultura, cultura, indstria, cidade e multiplica-se em mil pontos diversos. Tudo que a isolava e a protegia, todos os "'muros" cairam, e a universidade est hoje em contato e mistura com tdas as fras da sociedade. Sobretudo sua semelhana com a indstria faz-se cada vez maior. O prprio crescimento do saber no se faz hoje mais apenas por indivduos, mas por equipes, e h tendncia para a concentrao dsse crescimento por reas e no mais por pessoas.A universidade, j de si imensa, tem de associar-se a outras universidades. Kerr mostra como isto visvel nas cadeias de montanhas do saber - e no picos de saber - no Leste, no Centro e no Oeste dos Estados Unidos. E ento cada universidade tem que federar-se a vrias outras em certos campos de saber, com programas prprios e intercmbios de professres e alunos, o que deixa entrever no futuro, alm da multiversidade, constelaes de multiversidades.O saber sempre foi extremamente importante mas nunca essa importncia foi to violentamente visvel. O poder dos intersses adquiridos ainda parece a muitos a grande fra que move a terra, mas jamais os intersses adquiridos estiveram em maior perigo. As mudanas ocorrem independente dles, os problemas surgem, o saber abre oportunidade para solues e no h como deter a marcha, salvo se se pudesse deter o saber ou, pelo menos, a sua difuso. Nem uma nem outra coisa so fceis, desde que a unidade se fz a encruzilhada que hoje de alunos, provindos de tdas as classes, de professres de tdas as especialidades e campos de saber, de industriais de tdas as atividades humanas, e de polticos, de comerciantes, de empreendedores, de todos enfim que tm problemas e necessitam saber e conselho para resolv-los. A universidade hoje o centro de tda a sociedade e, apesar disto, tem que manter seus velhos ideais e no s manter-se em equilbrio, mas constituir-se a fra maior do equilbrio de tda a sociedade.Est claro que tudo isto difcil e que os perigos no so pequenos, mas a quem est acostumado a acompanhar a idia at onde ela o leve, o que se est dando a marcha da idia da busca de saber e de sua aplicao at s suas conseqncias naturais. Afinal, com a multiversidade de hoje, temos o velho Francis Bacon vindicado e, ainda, 350 anos depois, estamos a seguir-lhe os conselhos to extraordinriamente antecipados. Muitos conflitos se encerraram - entre o saber contemplativo e o saber utilitrio, entre cincia bsica e cincia aplicada, entre teoria e prtica, entre preparao e consumao, entre cultura aristocrtica e cultura comum - e no possvel que o homem no consiga resolver os novos problemas que a remoo dsses obstculos tenha podido trazer. Estamos em caminho para uma nova cultura e o preconceito a vencer o de que uma cultura comum, uma cultura da maioria no possa ser uma grande e alta cultura. Marchamos para essa cultura comum ou ento para a confuso e a anarquia.* * *Desejei proceder a todo sse passeio pelos caminhos do desenvolvimento da universidade moderna para afinal chegarmos ao Brasil. Onde estamos nessa marcha da idia de universidade? Que tem sido o ensino superior entre ns? Keynes termina o seu livroGeneral Theorycom as seguintes palavras: "as idias de economistas e filsofos polticos, estejam certos ou errados, so mais poderosas do que comumente pensamos. Na realidade o mundo governado por bem pouco mais. Homens prticos, que se julgam inteiramente isentos de qualquer influncia intelectual, so ordinriamente os escravos de algum defunto economista. Doidos no poder, a ouvir vozes, esto apenas destilando, em seus frenesis, algum escrevinhador acadmico de anos atrs. Estou certo de que o poder dos intersses adquiridos vastamente exagerado em comparao com sse gradual assalto das idias".Assim no apenas com idias econmicas. Tambm as idias de universidade tm o mesmo poder. O que andamos fazendo com o nosso ensino superior nunca representou originalidade, mas cpia ou eco dessas idias de universidade que, em diferentes pocas, flutuaram e dominaram em seus respectivos tempos.At a Independncia, a nossa universidade era a de Coimbra e esta vinha de suas origens medievais e refletia Bolonha e depois Paris, e com os jesutas voltou a ser o claustro de formao do clero, dste modo estendendo-se no Brasil por todo o longo perodo colonial.Com a independncia, viemos a ter as escolas profissionais de direito, de medicina e de artes militares e de engenharia. Com relao formao humanstica ficamos, segundo a lio francesa, com o ensino secundrio.Quando, j no sculo XX, depois da primeira guerra mundial, viemos a pensar em universidade, essa continuou a ser uma federao de escolas profissionais. Em 1930, tivemos copiosa retrica sbre universidade, mas a estrutura no mudou. Continuamos a ter uma srie de escolas profissionais frouxamente coordenadas por uma reitoria mais simblica do real. As escolas, maneira napolenica, eram escolas do govrno, pelo govrno mantidas e dirigidas. Sabamos como Napoleo fizera o mesmo com a Universidade de Paris e espervamos que, como em Paris, os professres, as congregaes conseguissem ou mantivessem a sua independncia. De origens mais remotas conservamos as idias da independncia da ctedra.Essas idias mais remotas ressurgem da dcada de 30 em diante como eructaes de autonomismo. E celebramos uma carta de autonomia tanto mais divertida quanto por ela o professor continuava funcionrio do Estado, por le nomeado e por le mantido, e o seu oramento ao mais extremo detalhe fixado pelo executivo e legislativo do Estado.De qualquer modo, porm, mantivemos a universidade como um conjunto de escolas profissionais independentes entre si, lembrando, embora de longe, a universidade de Paris, com vestgios germnicos nas escolas de medicina a respeito de vagas idias de pesquisa.Na dcada de 30, surgem as Faculdades de Filosofia, Cincias e Letras destinadas, ao que parecia, a ampliar afinal o quadro universitrio com os estudos de filosofia, letras e cincias, at ento mantidos em nvel secundrio, e que passariam a ser elevados a nvel superior para o preparo bsico s escolas profissionais e, depois, seria de esperar, ao preparo de especialistas de filosofia, letras e cincias. A fra do velho superou entretanto o que desejaria ser nvo, e as escolas fizeram-se escolas de preparo do professor secundrio.Ao lado dsse desenvolvimento, tivemos, mais, a ampliao de escolas profissionais e semiprofissionais, com variedade de cursos de engenharia, de veterinria, de agronomia, de economia e contabilidade, de enfermagem, de belas-artes, de servio social etc. etc.Em rigor, a universidade, entre ns, nunca foi prpriamente humanstica nem de pesquisa cientfica, mas simplesmente profissional, maneira de algumas universidades mais antigas. Em relao aos progressos cientficos do sculo XIX e princpios do sculo XX, observaram-se, nas escolas de medicina, certos avanos da biologia e da medicina e, na de engenharia, avanos na matemtica e na tecnologia, mas muito mais com pruridos matemticos do que tecnolgicos. As nossas politcnicas imitavam no Manchester mas Paris.Na realidade, nem influncia inglsa, nem influncia americana, mas francesa e certos lampejos germnicos so as fras mais visveis. No fundo, o substrato portugus e talvez ibrico.A resistncia da estrutura de escolas profissionais independentes - at a medicina, a farmcia e a odontologia no se aglutinam mas conservam-se isoladas - traduz a idia primitiva de sindicato ou guilda, pela qual se nota que a unidade construtiva da universidade a congregao de professres, que, dste modo, revive a estrutura corporativa medieval.A prpria reunio sob forma universitria faz-se com visvel resistncia. Hutchins descreveu certa vez a universidade como uma srie de escolas e departamentos separados e unidos por um comum sistema de aquecimento central. Kerr, em nossos tempos, com a menor importncia do aquecimento central e a maior do automvel, chama-a de um grupo de empresrios-professres unidos por uma reinvindicao comum em trno de espao para estacionar.No Brasil temos uma srie de oligarquias (congregaes) isoladas e independentes, unidas por uma reinvindicao comum em trno do oramento, que federal e feito e votado fora da universidade.Mas, se a estruturas so diferentes e diferente a organizao das escolas, no comportamento dos estudantes, dos professres, das congregaes e dos reitores, h traos sem conta que lembram a tradio universitria e as vicissitudes da idia universitria. Nesses procedimentos individuais encontramos exemplos, entre os estudantes, do estudante de classe a sonhar na formao degentleman, do estudante srio e apaixonado pelos estudos, do estudante incorformado, militante poltico ou bomio e do estudante prtico a se preparar para a profisso; no professor, o autoritrio maneira germnica, o displicente e humano encantado com o contato da mocidade, o conservador prso aos livros e ao passado e, at, o inquieto por pesquisa e busca do saber; entre os diretores e reitores, o poltico apenas preocupado com a harmonia e o equilbrio instvel da instituio dividida e contraditria, o construtor devotado grandeza material da universidade ou escola, o burocrata, complicando, para aumento do seu poder, os embaraos sempre existentes do funcionamento meio impossvel da casa de Orates, que a sua escola ou sua universidade, ou o fidalgo a dedicar-se vida de cerimnia e ritual da instituio inoperante mas prestigiosa. mais pelo procedimento individual, assim, de alunos, professres e diretores e reitores que, de qualquer modo, tambm temos universidades e nos ligamos aos problemas e sofrimentos comuns da antiga instituio.No sei qual era o professor ingls que costumava dizer que a universidade deve ser dirigida com o mximo de anarquia compatvel com o seu funcionamento. Era, por certo, um colega de outro professor que dizia :"nada deve ser feito pela primeira vez", acrescentando, "nada jamais feito antes que cada um se convence de que deve ser feito e disto est convencido h tanto tempo que j agora tempo de fazer qualquer coisa diferente". Assim, podemos no ter universidade, mas temos professres, que , afinal, aquilo de que so feitas as universidades. Foi, talvez, na Alemanha, com Humboldt, que o professor se caracterizou afinal com essa figura especial, independente e livre, algo divina, como uma espcie de motor imvel. Mas a imagem, assim criada, percorre todo o planeta e por tda parte se vai encontrar.J vimos, na anlise geral que fizemos da universidade, que nenhuma outra instituio parece to natural como esta e evolui, como as coisas naturais, por leis prprias ou sem lei nenhuma. Deixa-se levar e, dste modo, se transforma, sem saber bem como se est transformando.O mesmo se est dando conosco. As nossas escolas superiores deixam-se ir e se vo, assim mudando, aos trancos e barrancos, e de repente, se vem diferentes ...A de medicina sempre foi, sob o aspecto cientfico, a mais importante. No que ela se vem fazendo uma universidade de cincias biolgicas e mdicas? No nela que esto comeando a medrar os institutos e a pesquisa cientfica, lembrando a Alemanha dos meados do sculo XIX ? As escolas politcnicas, por sua vez, no esto comeando a ampliar-se, podendo dar origem aos institutos tecnolgicos? A fsica no est acabando por encontrar um lugar nas Faculdades de Filosofia? E os institutos agronmicos e biolgicos no acabaro por integrar as escolas de Agricultura ? Fora disto, temos tido expanso quantitativa. Com a independncia quase absoluta de cada escola, no tem havido resistncia sua multiplicao. A desaparece o cime e desaparecem os padres. Tudo pode nascer e viver. Escolas de economia, que no chegam s vzes a ser escolas tcnicas de nvel mdio, escolas de servio social, que no se sabe o que sejam. Escolas de msica de tda ordem. E de belas-artes, educao fsica, de enfermagem etc.Assim viemos at a dcada de 60, quando, com o movimento pela Universidade de Braslia, assistimos ao aglutinar-se das trs idias a respeito da universidade e surgir, afinal, a lei de fundao daquela universidade, que consubstancia a funo formadora e de cultura bsica, a funo de preparo do especialista, o curso ps-graduado e a pesquisa, e a idia de servio e integrao na sociedade brasileira e nos seus problemas.Na ordem dos fatos mais generalizados, contudo, o que temos de mais significativo e de mais operante um reflexo do movimento pela incluso da pesquisa na universidade, que marcou o aparecimento das novas universidades alems no sculo XIX e se refletiu depois na Inglaterra e nos Estados Unidos, e o intersse pela engenharia e tecnologia, que lembra o movimento das universidades cvicas da Inglaterra, tambm do sculo XIX. A idia de servio, da universidade integrada na sociedade e nos seus problemas est apenas a esboar-se.Esta reunio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia a continuada demonstrao de uma tradio, cuja lio fomos buscar na Inglaterra. Tambm ali a resistncia das universidades foi vencida pelas Sociedades privadas organizadas em prol da cincia.A idia da universidade humanista e de formao clssica no chegou a se concretizar entre ns. As faculdades de filosofia, no seu pensamento original de faculdade para integrao de tda a universidade, no logrou xito. A idia de universidade moderna organizada para a pesquisa, integrada no presente e voltada para o futuro, apenas comea agora a medrar. A universidade de servio, devotada aos problemas prticos de sua sociedade e educao, smente na Universidade de Braslia deu os primeiros vagidos. A idia da multiversidade ligada indstria, defesa e ao desenvolvimento nacional ainda est para ser sentida e compreendida.Mas se a instituio , assim, ainda a instituio pequenina e relativamente sem importncia dos princpios do sculo XIX, no se pode dizer que no consiga, como as grandes universidades do nosso tempo, ser um tanto incmoda complacncia e resistncia nacional a tudo que possa mesmo remotamente constituir-se fator de mudana social. E, assim como quando no tnhamos universidade, j tnhamos o professor com suas qualidades e os seus defeitos, agora, quando ainda no temos a universidade operante e eficaz nas transformaes da sociedade, j temos o mdo de que ela assim se faa e as mobilizaes, to penosamente patticas contra sua prpria fraqueza e sua prpria ineficncia, tanto verdade que mudar no afinal difcil, no fsse o mdo antecipado e irracional contra a mudana.Diante dessas consideraes, como deixar de refletir melanclicamente sbre o que seria a imagem, entre ns, da misso da universidade? No seria essa imagem a de nada fazer? No seria, paradoxalmente, a idia entre ns ainda dominante da universidade de Oxford no sculo XIX? Nunca tivemos, claro, nenhuma Oxford entre ns. Mas no ocorrer que o que os bem-pensantes do Brasil pensam quanto universidade, seja exatamente a formao de rapazes polidos bem educados, capazes de sorrir e conversar com elegncia e suficientemente fteis para saber que tudo j foi pensado e dito e que hoje s resta mesmo sorrir, seno chorar fastidiosamente ?O Brasil, contudo, no exatamente uma colnia de bem-pensantes. muito mais uma charada, um enigma, um desafio, um feixe gigantesco de problemas e clamar por soluo, uma nao a lutar pelo seu desenvolvimento, e no algo de quieto e pacfico como as sociedades pr-revolucionrias dos fins do sculo dezoito.A despeito do que se pense formalmente, muito outro o curso de sua marcha. A universidade se est agitando, os estudantes fazem-se inconformistas, muitos professres esto comeando a se deixar sensibilizar pelos novos tempos e a idia da universidade de pesquisa e descoberta, da universidade voltada mais para o futuro do que para o passado est visvelmente ganhando fra.Mais importante que tudo isto reunio como esta, em que j se comprova a pujana do movimento cientfico e a sua constituio menos como movimento de cada universidade ou das universidades em geral, quanto como movimento de pessoas, de cientistas, ligados muito mais sua nova profisso, aos seus colegas do pas e do mundo do que s suas prprias instituies.ste um dos aspectos modernos do nvo trabalho de pesquisa e descoberta do conhecimento, que une todos os que, independentemente de fronteiras, se ocupam dos mesmos problemas e tm nos colegas seus prprios juzes. Para o cientista, a tarefa da universidade ampar-la e dar-lhe o mnimo de independncia e segurana compatvel com o seu ministrio. Fora disto, a sua sociedade a sociedade dos demais cientistas e dles que recebe estmulo e confrto.Possa a universidade brasileira dar-lhes ste mnimo de condies de trabalho e o restante ser feito. E sse restante ser o alargamento da cincia no Brasil e a integrao do pas no seu desenvolvimento e em sua expanso de pas moderno.

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