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54 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78 ESPELEOLOGIA Tecnologia nas cavernas Estudo pioneiro permitirá a visitação em Bonito com impacto ambiental mínimo YURI VASCONCELOS

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Page 1: Tecnologia nas cavernas - Pesquisa Fapesp · 2015. 4. 16. · peleóloga Nicoletta Moracchioli, cujo Refúgios biológicos - Asgrutas de Bo-nito têm valor científico devido a seus

54 • AGOSTO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 78

ESPELEOLOGIA

Tecnologianas cavernasEstudo pioneiro permitiráa visitação em Bonitocom impacto ambiental mínimo

YURI VASCONCELOS

Page 2: Tecnologia nas cavernas - Pesquisa Fapesp · 2015. 4. 16. · peleóloga Nicoletta Moracchioli, cujo Refúgios biológicos - Asgrutas de Bo-nito têm valor científico devido a seus

Entrada da Grutado Lago Azul:

no máximo, 300visitantes por dia

Lago interno com 90metros de profundidade,que se tinge de azul emdezembro e janeiro ...

...e as cortinas de calcita:patrimônio que começa a ser

preservado com o apoio degeólogos, biólogos e arquitetos

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Page 3: Tecnologia nas cavernas - Pesquisa Fapesp · 2015. 4. 16. · peleóloga Nicoletta Moracchioli, cujo Refúgios biológicos - Asgrutas de Bo-nito têm valor científico devido a seus

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Umplano de manejoinédito no país logodar.á boas sur~~esas aostunstas que visitarem omunicípio de Bonito, no

Estado de Mato Grosso do Sul, atraídospela coleção local de cavernas. As novi-dades estão em duas cavernas que for-mam amplos salões, sem labirintos, esão tombadas pelo Patrimônio Históri-co Nacional. A mais procurada, a Gru-ta do Lago Azul, ganhará uma escadariamaior e mais segura, que permitirá verformações rochosas esculturais - osespeleotemas - até então inacessíveis.Tem 143 metros de extensão por 80 delargura, piso inclinado e ao fundo umlago subterrâneo de águas cristalinas,com 90 metros de profundidade. Emdezembro e janeiro, quando os raios desol incidem sobre o lago, a superfície setinge de azul e os espeleotemas refleti-dos na água criam um espetáculo úni-co. A outra gruta é a Nossa SenhoraAparecida, também um grande salãode 100 metros de comprimento, consi-derado um santuário espeleológico. Éuma das grutas mais bonitas do país,mas esteve fechada à visitação nos últi-mos oito anos por falta de infra-estru-tura adequada. O plano de manejo re-solveu o problema e ela será reaberta.

As novidades de Bonito resultamdo trabalho de 25 pesquisadores, queelaboraram o Plano de Manejo eAvalia-ção do Impacto Ambiental da VisitaçãoTurística das Grutas do Lago Azul e Nos-sa Senhora Aparecida em Bonito (MS),coordenado pelo geólogo Paulo CésarBoggiani, que ao longo do desenvolvi-mento do projeto atuava como pesqui-sador da Universidade Federal do MatoGrosso do Sul (UFMS) e agora é pro-fessor recém-contratado no Institutode Geociências da Universidade de SãoPaulo (USP). O projeto, que estabele-ceu procedimentos e normas para quea visitação das duas cavernas não pro-voque danos ambientais, também le-vou à criação de uma unidade de con-servação e de um museu.

É um projeto pioneiro: já que as ca-vernas são ambientes frágeis e confi-nados, para autorizar sua visitação oInstituto Brasileiro do Meio Ambientee dos Recursos Naturais Renováveis(Ibama) pedia um plano de manejo,acompanhado de Estudo de ImpactoAmbiental/Relatório de Impacto Am-biental (ElA/Rima), mas não havia pa-

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râmetros para isso. Agora os parâme-tros existem. Por exemplo, escadariasconstruídas com o próprio solo da ca-verna e se possível sem corrimões, luzessó quando absolutamente necessárias eacesas apenas na presença do visitante,limitação de horários de visita e nú-mero de visitantes diários, manutençãodos níveis de temperatura e umidade -sempre monitorados por sensores ele-trônicos. Tudo para não interferir napaisagem e no ambiente único das gru-tas, habitado por seres raros e tambémpropício a achados de fósseis de ani-mais extintos.

Realizado a um custo de R$ 59.500,financiados pelo Instituto de PatrimônioHistórico e Artístico Nacional (Iphan),Conselho Municipal de Turismo deBonito e Serviço de Apoio às Micro ePequenas Empresas do Mato Grosso doSul, o estudo permite a entrada de até300 turistas por dia em cada gruta, emgrupos de até 15 pessoas, acompa-nhadas por um guia treinado. O tempomáximo de permanência será de umahora e 30 minutos. Como as grutas sãoambientes frágeis, com um fluxo naturalde energia muito discreto, a presençade 20 ou 30 pessoas ao mesmo tempopoderia desequilibrar esse fluxo, cau-sando danos ambientais e prejudican-do a fauna local. "Em muitas cavernas,o máximo de energia que receberamdurante milhares de anos foi um gote-jamento caindo do teto", diz o geólogo.É esse gotejamento que forma belosespeleotemas, as colunas que pendemdo alto (estalactites) ou partem do chão(estalagmites) .

Sensores • A maior preocupação émanter os níveis naturais de temperatu-ra e umidade. Eles podem variar com avisitação, já que basta o calor emanadodo corpo de uns poucos turistas paraelevar a temperatura em 3 graus Celsiusem certos locais. Para saber se as varia-ções estão em padrões aceitáveis, sen-sores eletrônicos programados por com-putador vão monitorar a umidade e atemperatura em intervalos de 30 minu-tos. "Se percebermos que estão ocor-rendo modificações nesses parâmetros,reduziremos o número de visitantes",afirma Boggiani. "Em último caso, a vi-sitação será suspensa."

As obras propostas no plano - a se-rem implantadas pelo governo federala um custo estimado em R$ 500 mil -

Ievitam interferências. Quando não forpossível construir escadarias com opróprio solo da caverna, serão usadasargamassa e rochas da região. "Tentare-mos não utilizar corrimões, mas, se ne-cessário, vamos colocar canos metálicosescuros em locais pouco visíveis: quere-mos manter intacto o valor paisagísticodas cavernas", revela Boggiani. Só numtrecho da Gruta Nossa Senhora Apare-cida, onde o solo é argiloso e escorrega-dio, será instalada uma plataforma me-tálica suspensa: "Mas, se percebermosque ela causa algum tipo de degradaçãoambiental, será removida".

entrada dos dois locais é am-

fi(lae só será preciso instalarluzes em um ponto da Gru-

ta Nossa Senhora Apare-cida, o mesmo lugar daplataforma metálica. A

iluminação artificial é uma das inter-ferências mais prejudiciais ao equilí-brio da caverna: além de elevar a tem-peratura e reduzir a umidade, estimulaa proliferação de fungos, algas e bacté-rias. Essa é a poluição microfloral, quepode corroer estalactites e estalagmi-tes, provocando a dissolução dos espe-leotemas. Por isso, serão usadas lâmpa-das fluorescentes intermitentes - sóacendem na presença de visitantes - eblindadas, para proteger o local de umaeventual contaminação por gases demercúrio se forem quebradas. Já a Gru-ta do Lago Azul, um salão enorme de143 metros de extensão por 80 de lar-gura, é toda iluminada naturalmentepelos raios solares.

Além de estabelecer critérios de vi-sitação, o projeto levou à criação de umaunidade de conservação de 260 hecta-res, o Monumento Natural da Gruta doLago Azul, hoje pertencente à União, ede um museu para expor os resultadosdas pesquisas. O museu será instaladoperto da caverna, juntamente com umcentro de visitantes. A unidade de con-servação protegerá também as áreas ad-jacentes, pois as condições de conserva-ção no entorno das grutas influem noequilíbrio ambiental dentro delas. "Des-matamentos feitos em áreas próximasàs cavernas podem afetar a temperatu-ra dentro delas e, no caso da Gruta doLago Azul, comprometer o nível dolençol freático e do próprio lago", expli-ca o geólogo. "Pretendemos implemen-tar as medidas do plano até o final do

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Sala da Catedral, no fundoda Nossa Senhora Aparecida,uma das grutas mais bonitasdo país: reaberta após oito anos

ano", afirma Ricardo Marra, coordena- .dor do Centro Nacional de Estudo, Pro-teção e Manejo de Cavernas (Cecav),do Ibama. Para ele, as pesquisas coor-denadas por Boggiani ajudarão a disci-plinar a visitação não só das duas grutasde Bonito, mas das cerca de cem aber-tas ao turismo no Brasil, parte de umpatrimônio espeleológico que abrange3.100 cavernas.

cerca de 12 mil anos. São animais degrande porte: bichos-preguiças do ta-manho de um carro, tatus, lhamas, ca-valos primitivos e tigres dente-de-sabre.Pretende-se expor no museu as réplicasdesses animais.

No final dos anos 80, foi identifica-da no Lago Azul uma espécie desco-nhecida de camarão da ordem Spelaeo-griphacea: o Potiicoara brasiliensis, com7 milímetros de comprimento, cego edespigmentado. Ele foi descrito porAna Maria Pires Vanin, do InstitutoOceanográfico da USP,e ficará expostonum aquário. ''As cavernas de Bonitotêm grande diversidade de animaisaquáticos troglóbios (que só existem emambientes subterrâneos)", diz a bioes-peleóloga Nicoletta Moracchioli, cujo

Refúgios biológicos - As grutas de Bo-nito têm valor científico devido a seusespeleotemas incomuns, às formas pe-culiares de vida que abrigam e aos acha-dos paleontológicos feitos em seu inte-rior. Em 1992, foram descobertas nofundo do Lago Azul ossadas de mamí-feros pré-históricos, que viveram ali há

doutorado tratou desse tipo de crustá-ceo. ''Até o momento, já identificamosoito espécies desses animais."

As grutas permitem ainda estudaros climas do passado. Pela análise dosespeleotemas, é possível registrar a va-riação da temperatura atmosférica nasúltimas centenas de milhares de anos,o que é fundamental para a compreen-são do efeito estufa e da evolução datemperatura global. "Não é exagero di-zer que as cavernas funcionam comodisquetes de computador, nos quaisas informações foram cuidadosamentegravadas e guardadas e assim perma-necem, à espera de serem lidas e inter-pretadas", comenta Boggiani. É o quese faz agora, conciliando pesquisa e vi-sitação turística. •

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