tecnologia, comunicação e ciência cognitiva

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T227 Tecnologia, comunicação e ciência cognitiva [livro eletrônico] / organização de Walter Teixeira Lima Junior, Murilo Bansi Machado. São Paulo : Momento, 2014. 19 Kb ; ePUB

Coletânia de artigos dos membros do Grupo de Pesquisa Tecnologia,Comunicação e Ciência Cognitiva do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Bibliografia ISBN 978-85-62080-08-1

1. Tecnologia 2. Comunicação 3. Ciência cognitiva 4. Comunicação digital 5. Cibercultura 6. Comunicação móvel 7. Sociedade do conhecimento 8. Novas tecnologias (Educação) 9. Ciberativismo 10. Sites (Internet) - Compras coletivas I. Lima Junior, Walter Teixeira II. Machado, Murilo Bansi III. TECCCOG CDD 302.2

www.tecccog.net

CAPA: Cristiano Freitas

IMAGEM DA CAPA: AGICOM Metodista

EDITORAÇÃO: Claudia M. Arantes de Assis Saar

REVISÃO:Amanda Luiza S. Pereira

Daniel Costa de Paiva

Diego Franco Gonçales

Murilo Machado Bansi

Page 3: Tecnologia, comunicação e ciência cognitiva

SUMÁRIO

Introdução 05

Apontamentos sobre o imprescindível debate da 07tecnologia para a comunicação socialAmanda Luiza S. Pereira

Mobile Learning: Novos meios, velhas questões 27Ana Graciela M. F. da Fonseca

Processos comunicacionais assíncronos em ambientes 44 virtuais de aprendizagem: verificação de colaboração por meio de uma visualização estruturalAndré Rosa de Oliveira

Social Games: entretenimento democrático na internet 73Cláudia Maria Arantes de Assis e Jefferson Ferreira Saar

Simulação Computacional de Fluxos de Informação: 96 uma abordagem no âmbito da Comunicação SocialDaniel Costa de Paiva

Os espaços da recepção: elementos para pensar a 114interação mídia-menteDiego Franco Gonçales

Governança da internet, modelos de negócios, 129cibercrime e ciberespionagemDiólia de Carvalho Graziano

T227 Tecnologia, comunicação e ciência cognitiva [livro eletrônico] / organização de Walter Teixeira Lima Junior, Murilo Bansi Machado. São Paulo : Momento, 2014. 19 Kb ; ePUB

Coletânia de artigos dos membros do Grupo de Pesquisa Tecnologia,Comunicação e Ciência Cognitiva do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Bibliografia ISBN 978-85-62080-08-1

1. Tecnologia 2. Comunicação 3. Ciência cognitiva 4. Comunicação digital 5. Cibercultura 6. Comunicação móvel 7. Sociedade do conhecimento 8. Novas tecnologias (Educação) 9. Ciberativismo 10. Sites (Internet) - Compras coletivas I. Lima Junior, Walter Teixeira II. Machado, Murilo Bansi III. TECCCOG CDD 302.2

www.tecccog.net

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Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre 153democratização da tecnologia e acesso à informaçãoEduardo Fernando Uliana Barboz

Mechanical Turk e a conveniência cognitiva como 174objeto da linguagemLeandro Golçalves

O Reencontro com o Tangível: notas sobre a 187materialidade em McLuhan, Gumbrecht e SennettMárcio Carneiro dos Santos

Sociedade Digital: A revolução digital na escola e o 203papel do professorMichele Loprete Vieira

Hacktivismo e Anonymous Brasil: a força de 221uma ideia disformeMurilo Bansi Machado

Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos 240rumos para a educação e desenvolvimento de criações coletivasRafael Vergili

Os sites de compra coletiva: uma análise com foco 256nos aspectos cognitivosDaniel Costa de Paiva, Vanessa Moreira N. de Paiva eWalter Teixeira Lima Junior

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INTRODUÇÃOA rápida e expressa adoção das mais variadas tecnologias digitais

de comunicação por parte das sociedades contemporâneas alterou, em grande medida, a dinâmica dessas sociedades, bem como o rumo das áreas do conhecimento que se debruçam sobre elas, propondo novas questões para responder a situações e hábitos inteiramente insólitos.

Particularmente, a Comunicação, enquanto campo do conhecimento pertencente à área das Ciências Sociais, vem dispendendo contínuos esforços no sentido de estabelecer e compreender, sob uma perspectiva inter e transdisciplinar, a complexidade das relações entre ciência e tecnologia.

Mas, mais do que isso, o grupo de pesquisa Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva (TECCOG) acredita que, para acompanhar efetivamente os caminhos trilhados pela evolução tecnológica, é necessário que os ferramentais teórico-metodológicos das pesquisas em Comunicação também se adaptem aos instrumentos de verificação desenvolvidos em outras áreas do conhecimento – em especial, na Ciência Cognitiva.

Por isso, liderados pelo Prof. Dr. Walter Lima, os pesquisadores do TECCOG dedicam-se a pesquisas que tratam dos dispositivos tecnológicos de comunicação tendo em vista a introdução das tecnologias digitais de informação e as descobertas da neurociência no que tange ao processamento, transmissão e transdução de informações.

Nesse sentido, o e-book Comunicação, Tecnologia e Ciência Cognitiva tem como objetivo explorar a complexidade dos temas e objetos de pesquisa dos estudos de Comunicação, relacionando essas três áreas do conhecimento, ensejando o entendimento e a ampliação das possibilidades de conexão entre elas.

Afinal, à medida que avança sem precedentes a apropriação tecnológica por parte das sociedades, tal ato inevitavelmente modifica o comportamento destas quanto ao consumo de informações. Logo, compreender as diversas formas por meio das quais as tecnologias da informação são cognitivamente apropriadas pelos indivíduos, bem

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como o modo como estes interagem com novas maneiras de consumir informações, por meio de seus impulsos sensoriais, certamente está e estará entre um dos maiores desafios dos pesquisadores dessas áreas.

Portanto, este livro pretende contribuir para esta auspiciosa gama de estudos que vem ganhando viço e número nos últimos anos como um campo de investigação, ação e metodologias transdisciplinares.

Para isso, desejamos ao leitor aproveitamento científico sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social, aqui travado por meio de textos assinados por pesquisadores e colaboradores do TECCCOG.

Boa leitura a todos.

Walter Teixeira Lima JuniorMurilo Bansi Machado

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Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia

para a comunicação social

Amanda Luiza S. Pereira1

Introdução

O pensamento científico contemporâneo, especialmente por intermédio de sua estruturação metodológica, axiomatiza suas possibilidades e limitações em função da admissão da falibilidade humana e das consequentes condições de conhecimento científico como aproximação racional da realidade (BUNGE, 2008).

São patentes os limites difusos entre os conhecimentos científico e filosófico no que tange à questão metodológica, bem como o são as delimitações entre os domínios científicos, visto que versar a ou se aproximar da realidade não é necessariamente o mesmo que dominá-la/domesticá-la em função de uma determinada perspectiva reflexiva ou interventiva.

Tal constatação repete-se no debate endógeno das Ciências, regulando seu exercício sem, contudo, inviabilizá-lo. Isso se dá porque mais do que produzir descrições ou classificações dos fenômenos, a investigação científica se presta primordialmente à teorização, isto é, equilibra a relação entre o observável e o inobservável da realidade, inferindo sobre o segundo a partir do primeiro, ocupando-se essencialmente com o sentido atribuído às evidências empíricas.

1 Doutoranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. E-mail: [email protected]

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Esse sentido advém da referência ou universo de discurso de dada teoria, isto é, estabelece-se através da articulação conceitual. E é neste ponto que a investigação científica distancia-se da Filosofia – se não no exercício prático, ao menos no plano reflexivo –, ainda que o diálogo entre ambas seja necessário e evidente. Em uma pesquisa particular, isso justifica o viés científico como atividade cognitiva produtiva e imprescindível, tanto quanto outros conhecimentos.

No caso da Comunicação Social, a Teoria do Meio é identificada como programa de investigação importante e adequado às prerrogativas científicas apontadas e ao domínio da Comunicação em si (MARTINO, 2000). Tomando-a como subjacente, investe-se no exame da questão tecnológica. Além disso, uma vez que para o estabelecimento e manutenção do fazer científico como produtivo há o constante retorno ao debate filosófico, as questões das quais este texto se ocupa são oriundas da premissa de que a reflexão sobre o tecnológico se impõe ao exercício científico da Comunicação Social, dada a imbricação da tecnologia com os fenômenos contemporâneos e aos Objetos de estudo.

Dessa forma, cabe buscar a manutenção dos princípios científicos frente à tecnologia, afastando-se da noção de que seu entrelaçamento com outros aspectos da realidade a transformam em um fenômeno trivial, que não demanda esforço reflexivo, pois passa a ser evidente no contexto da formulação dos Objetos de pesquisa.

Filosofia da Tecnologia

Em uma visão panorâmica, há dois aspectos constantes nos diferentes posicionamentos acerca da tecnologia que são aqui explorados: (1) a pergunta primordial refere-se à essência da técnica e/ou da tecnologia, isto é, a questão que se coloca é: “O que é?”; (2) existe uma preocupação com a historicidade da técnica/tecnologia e com o pensamento sobre a mesma, dentro da qual, a partir da

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Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva

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Revolução Industrial, há um deslocamento relevante.Tanto no caso da pergunta sobre a essência, cuja percepção de

demanda é consensual, quanto em relação a outras questões sobre as quais é possível identificar discordância, verifica-se a incidência de uma abordagem específica que pode ser, segundo Mitcham (1994), centrada em quatro enquadramentos básicos, nos quais tecnologia é: objeto, atividade particular, conhecimento ou em função de sua determinação (ou não).2

A breve explanação de Feenberg (2003), ainda que dedicada à questão da determinação, termina por refutar a noção de tecnologia como dominadora do homem. Para tanto, ele distingue as possíveis concepções de tecnologia a partir de dois elementos diferentes, mas interdependentes: o valor e o controle humano.

Dessa forma, quando a tecnologia é neutra e humanamente controlada, trata-se de Instrumentalismo; quando é neutra e autônoma, Determinismo; se carregada de valor e autônoma, Substantivismo; e, finalmente, se carregada de valor e humanamente controlada, é Teoria Crítica.

Feenberg (2003) não admite a possibilidade de neutralidade da tecnologia, presente nas abordagens instrumental e determinista. Explica primeiro que o Instrumentalismo prefere o questionamento “Como funciona?”, dado que se ocupa dos fins das coisas, cuja essência é convenção e não realidade, sem se questionar sobre a(s) principal(is) qualidade(s) da tecnologia. Sequencialmente, soma à negação da neutralidade a contestação da autonomia. Isso porque a tecnologia autônoma controlaria o homem através da regulação da sociedade – de acordo, exclusivamente, com demandas de progresso e eficiência (Determinismo).

Também refuta o fundamento do Substantivismo, para o qual “na medida em que nós usamos a tecnologia, estamos comprometidos com o mundo num movimento de maximização e controle [...] O 2 Evitando reduções demasiadas, buscou-se no exame dos textos que compuseram o referencial a abrangência das possibilidades colocadas por Mitcham (1994).

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elemento de controle humano seria como escolher marcas de sabão no supermercado, trivial e ilusório” (FEENBERG, 2003, online). Finalmente, o autor opta pela Teoria Crítica:

De acordo com a teoria crítica, os valores incorporados na tecnologia são socialmente específicos e não são representados adequadamente por tais abstrações como a eficiência ou o controle. A tecnologia não molda só um modo de vida, mas muitos possíveis estilos diferentes de vida, cada um dos quais reflete as escolhas diferentes de objetivos e extensões diferentes da mediação tecnológica [...] As molduras são os limites e contêm o que está por dentro. Semelhantemente, a eficiência “molda” todas as possibilidades da tecnologia, mas não determina os valores percebidos dentro daquela moldura (FEENBERG, 2003, online).

Com isso, pretende-se argumentar que, além do controle técnico que viabiliza a eficiência,3 a essência da Tecnologia também é constituída por um controle de outra ordem, humana. Há um controle humano porque, mesmo que o controle técnico emoldure as possibilidades tecnológicas pelos limites da eficiência, ele não determina o homem, e é também influenciado por uma intencionalidade ou condição social (FEENBERG, 2009).

A focalização de Feenberg (2003) no aspecto da determinação (ou não) se estabelece melhor do que a perspectiva que trata a tecnologia como objeto, por conta dos motivos pontuados por Bunge (1985). O autor afirma que, na abordagem da tecnologia como objeto, há uma redução oriunda da noção de que a tecnologia é somente um resultado, alijando a capacidade de abarcar o processo mais abrangente, que dá origem ao produto tecnológico e que também é importante e faz

3 A distinção apontada por Galloway (2004 e 2010) acerca do protocolo TCP/IP, em que o controle da ordem da eficiência também não é o único e diz respeito à correta forma, o saber-fazer e, no recorte da Filosofia da Tecnologia, “technoi”, isto é, à técnica.

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parte de sua essência. Além disso, dificultaria a distinção entre técnica e tecnologia, o que preocupa não só Bunge, mas também Heidegger.

Entretanto, ao contrário de Heidegger, Bunge (1985) tende para a Tecnologia, entendendo que esta é identificada a partir do domínio da técnica pela atividade científica. Em linha semelhante, Vargas (1994) abrange a historicidade da tecnologia, relacionando-a com o estabelecimento das bases da ciência moderna, após a Idade Média:

A teoria abandona, então, o critério de verdade, baseado na evidência dos princípios e logicidade dos argumentos, e adota o critério de parte de experiências semelhantes às da técnica, para com elas formular uma conjetura. A partir da conjetura, formula-se uma teoria da qual uma conclusão particular deva ser verificada pelo confronto com um experimento organizado de acordo com a teoria. Sob esse mesmo critério de verdade, ao lado da ciência, surge um novo sistema simbólico até aquele momento inteiramente desconhecido. E a tecnologia, entendendo-se essa como a solução de problemas técnicos por meio de teorias, métodos e processos científicos (VARGAS, 1994, p. 178-179).

Aqui também estão abarcadas, além da perspectiva de atividade particular, a distinção e a convergência fundamentais da tecnologia em relação à técnica: enquanto técnica diz respeito a um saber-fazer descolado da atividade científica, tecnologia é um fazer distinto que se apropria, para manter os termos de Vargas (1994), das características dos sistemas simbólicos técnica e exercício científico. Dito de outra forma: não é restrita ao produto final porque está imbrincada com as práticas puramente técnicas, bem como com as científicas.

A partir da técnica e/ou da tecnologia, o homem cria os objetos e os processos artificiais, isto é, os Artefatos que, como sintetizado por Cupani (2004):

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[...] O artefato não precisa ser todavia uma coisa (por exemplo, uma bicicleta, ou um remédio), podendo tratar-se também da modificação do estado de um sistema natural (por exemplo, desviar ou represar o curso de um rio), ou bem da transformação de um sistema (por exemplo, ensinar alguém a ler). Em todos os casos, a ação técnica – uma forma de trabalho, para Bunge – opera utilizando recursos naturais (como empregar o cérebro próprio para resolver um problema de maneira metódica, usar troncos de árvore para construir uma cabana etc.), transformando-os (produzir tecidos com base no linho, domesticar animais etc.), ou bem reunindo elementos naturais para dar origem a algo inédito (sintetizar moléculas, organizar pessoas numa firma comercial etc.) (CUPANI, 2004, p. 495).

Para Bunge (1980, p. 186), a tecnologia também pode ser conhecimento “[...] se e, somente se: (i) é compatível com a ciência contemporânea e controlável pelo método científico e (ii) é empregado para controlar, transformar ou criar coisas ou processos, naturais ou sociais”. Assim, enquanto a Tecnologia possui um objetivo prático (que é sempre pontuado como melhoramento em materialidade ou processo), a Ciência aplicada, tipo que, no âmbito da prática, é mais próximo, visa a um saber útil (também percebido como positivo).

Verifica-se em Feenberg (2003 e 2009) e Bunge (1980 e 1985) a já mencionada preocupação com o contexto da tecnologia, mas nem tanto com o da Filosofia da Tecnologia.4 Nesse ponto, acompanha-se Vargas (1994) quando explica que:

Uma Filosofia da Tecnologia nada tem a ver com as teorias, métodos, processos e critérios da própria Tecnologia. Ela será uma “visão” da essência da tecnologia; mas essa visão será falsa se pretender que a Tecnologia subordine-se à sua posição. Será ainda mais falsa a Filosofia da Tecnologia que tentar incorporar às suas conclusões filosóficas soluções

4 Entretanto, cabe considerar que tais textos são artigos e não obra maior, como, por exemplo, um livro.

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particulares da própria Tecnologia (VARGAS, 1994, p. 181).

Aqui, identifica-se contraponto ou complementação à Filosofia da Tecnologia de Bunge em outros autores que não Feenberg (2003 e 2009). Entretanto, considera-se contraproducente recorrer ao lugar comum das dicotomias – seja otimismo ou pessimismo, realismo ou antirrealismo, e assim por diante –, inclusive porque a delimitação e o objetivo são aqui antes científicos e não filosóficos.

Seria mais adequado, ao menos no que se refere ao exercício filosófico, preferir um viés que se distancia, já de início, na questão principal. Neste entendimento particular, seria o resgate de Heidegger, já que ao menos mantém a preocupação com o histórico, bem como a pergunta pela essência, mas o faz em parâmetros bem diferentes, a começar porque o centro é a Técnica.

A preferência pela técnica possui, mesmo observando as colocações de Bunge e Feenberg, a vantagem metodológica de abarcar não só uma técnica em especial (a tecnologia), mas toda a diversidade técnica. Por outro lado, na concepção aqui declarada sobre a investigação científica, a proposta de Heidegger é a que mais se distancia dos domínios das Ciências, ainda que o compromisso que mantém com a Filosofia resulte em uma perspectiva interpretativa fértil.

Finalmente, examinar seriamente a obra de Heidegger, mais do que um trabalho filosófico, demandaria o questionamento direto das premissas deste texto e inviabilizaria a realização de seu objetivo, cuja relação direta é com o pensamento científico. Por isso, os argumentos de Vargas (1994) são, novamente, pertinentes:

Com referência à técnica – um dos pólos dessa simbiose – é difícil falar em verdade; pois os seus produtos não são sentenças mas objetos concretos; e não tem sentido falar em verdade ou falsidade quando se trata de obras, instrumentos ou máquinas. Essas, em essência, não tem um ser próprio; como tais elas simplesmente “servem-

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para”; tem um valor como utilidade. Com referência à ciência, pelo contrário, tem sentido falar em verdade ou falsidade de suas sentenças. Como foi dito, seu critério de verdade, no fundo, enquadra-se na definição clássica de “adequação entre a mente e a coisa”. A dificuldade está em como estabelecer a adequação entre algo mental e algo material. Já foi dito que a ciência moderna resolveu a dificuldade, procurando a adequação entre a teoria e o experimento inteligido; isto é, organizado de acordo com a teoria (VARGAS, 1994, p. 183).

Filosofia da Tecnologia e princípios da tecnologia

Em Arthur (2009), a preocupação com a natureza da tecnologia se dá em função da busca por estipular princípios da tecnologia, de modo que as possibilidades conceituais do Objeto fossem tratadas pelo domínio que, evidentemente, precisa fornecer as articulações conceituais que lhes são próprias.

Ao estipular três abordagens para o termo, o autor reflete sobre questões que dizem respeito às perspectivas filosóficas indicadas por Mitcham (1994), referindo-se diretamente à relação com propósitos humanos (patente em Feenberg, 2003 e 2009); ao conjunto de práticas e componentes (o debate técnica e tecnologia, bem como sobre o artefato de Bunge); e a aparatos da engenharia pertencentes a uma determinada cultura (na atenção histórica da Filosofia da Tecnologia e da Técnica em geral, mas especialmente em Vargas, 1994).

Como resultado, tem-se o desdobramento das abordagens em “tecnologia singular”, “tecnologia plural” e “tecnologia geral”, sendo que:

Tecnologia singular – máquina a vapor – origina-se como um novo conceito e desenvolve-se por modificar suas partes internas. Tecnologia plural – eletrônicos – surge construindo ao seu redor certos fenômenos e componentes

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e se desenvolve alterando suas partes e práticas. E tecnologia-geral, todo o conjunto de todas as tecnologias que já existiram no passado e presente, origina-se do uso de fenômenos naturais e constrói-se organicamente com novos elementos formados pela combinação com os antigos (ARTHUR, 2009, p. 29, tradução nossa).5

As apropriações de tecnologias por outras são engendradas por três princípios da Tecnologia. Em primeiro lugar, a Fenomenalidade, direcionada à relação fenômeno-efeito6, isto é, a:

[...] um grupo de fenômenos capturados e colocados em prática. A razão pela qual isso é central é que a base do conceito de tecnologia – o que faz a tecnologia simplesmente funcionar – é sempre o uso de algum efeito ou efeitos centrais. Em sua essência, uma tecnologia consiste em fenômenos programados para algum propósito. Eu uso aqui o termo “programado” deliberadamente para significar que os fenômenos que fazem uma tecnologia funcionar são organizados de um modo planejado; eles são orquestrados para o uso (ARTHUR, 2009, p. 51, tradução nossa).7

5 No original: “A technology-singular – the steam engine – originates as a new concept and develops by modifying its internal parts. A technology-plural – electronics – come into being by building around certain phenomena and components and develops by changing its parts and practices. And technology-general, the whole collection of all technologies that have ever existed past and present, originates from the use of natural phenomena and builds up organically with new elements forming by combination from olds one” (ARTHUR, 2009, p. 29).6 Neste contexto específico, “fenômeno” refere-se às relações causais que resultam na satisfação do propósito estipulado na concepção da tecnologia, enquanto “efei-to” diz respeito ao funcionamento e eficiência (ou não) de dada tecnologia.

7 No original: “[...] a set of phenomena captured and put to use. The reason this is central is that the base concept of the technology – what makes a technology work at all – is always the use of some core effect or effects. In its essence, a technology consists of certain phenomena programmed for some purpose. I use the word “programmed” here deliberately to signify that the phenomena that make a technology work are organized in a planned way; they are orchestrated for use”

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Ficam em relevo duas convergências de Arthur (2009) com a Filosofia da Tecnologia: (1) uma relação aproximada com o artificial/artefato proposto por Bunge, visto que este se utiliza do natural e, portanto, depende das satisfações de suas leis (físicas, químicas, e assim por diante); (2) a indicação de duas esferas de controle (o técnico e o humano/social), em que o técnico não suprime o humano/social.

O princípio de Combinação refere-se à organização8 de um método ou ideia de funcionamento que constitui um artefato. Além disso, o método ou ideia de funcionamento é materializado (acontece) com alicerce de componentes que executam tarefas subsidiárias:

[...] um princípio base é usado – o conceito central ou a lógica por trás do programa. Isso é implementado por um conjunto principal contituído por blocos instrucionais ou funções – apropriadamente chamado de “Main” em algumas linguagens de computador. Estas chamadas em outras subfunções ou subrotinas apoiam o seu funcionamento. Um programa que cria uma janela gráfica em uma tela de computador chama subfunções para criar a janela, definir seu tamanho, sua posição, mostrar o seu título, buscar o seu conteúdo, trazê-lo para a frente de outras janelas e excluí-lo quando terminado (ARTHUR, 2009, p. 34, tradução nossa)9.

Depreende-se daí que os componentes que formam uma determinada tecnologia constituem uma arquitetura, normalmente (ARTHUR, 2009, p. 51).

8 Disposição dos componentes que constituem determinada tecnologia e, portanto, das condições técnicas e tecnológicas que são apropriadas.9 No original: “[...] a base principle is used - the central concept or logic behind the program. This is implemented by a main set of instructional building blocks or functions - appropriately enough called “Main” in some computer languages. These call on other subfunctions or subroutines to support their workings. A program that sets up a graphic window on a computer display calls on subfunctions to create the window, set its size, set its position, display its title, fetch its content, bring it to the front of other windows, and delete it when it is done with” (ARTHUR, 2009, p. 34).

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modular10 (ARTHUR, 2009) e, portanto, sujeita ao princípio da Recursividade, implicando a afirmação de que:

Cada conjunto ou subconjunto ou parte tem uma tarefa a ser executada. Se não fosse isso, não estaria lá. Portanto, cada um é um meio para um propósito. Cada um, a partir da minha definição anterior, é uma tecnologia. Isto significa que os conjuntos, subconjuntos e peças individuais são todos executáveis – são todos tecnologias. Por conseguinte, uma tecnologia consiste em blocos de construção que são tecnologias, que consistem em mais blocos de construção que são tecnologias, que consistem em outros blocos que são tecnologias, com o padrão se repetindo em todo o caminho até o nível fundamental de sua composição. Tecnologias, em outras palavras, têm uma estrutura recursiva. Elas consistem em tecnologias dentro de tecnologias por todo o caminho até as partes elementares (ARTHUR, 2009, p. 38, radução nossa).11

A Fenomenalidade é o princípio mais básico,12 enquanto Combinação e Recursividade se fundem mais facilmente (ao menos no que tange à evidência empírica sem as condições reflexivas aqui colocadas), visto que as estruturas tecnológicas possuem uma delimitação ou hierarquia endógena da arquitetura relacionada tanto

10 O autor explica que apenas tecnologias de extrema simplicidade podem ser estruturadas por componentes individuais.11 No original: “Each assembly or subassembly or part has a task to perform. If it did not would not be there. Each therefore is a means to a purpose. Each therefore, by my earlier definition, is a technology. This means that the assemblies, subas-semblies, and individual parts are all executables - are all technologies. It follows that a technology consists of building blocks that are technologies, which consist of yet further building blocks that are technologies, with the pattern repeating all the way down to the fundamental level of elemental components. Technologies, in other words, have a recursive structure. They consist of technologies within technologies all the way down to the elemental parts” (ARTHUR, 2009, p. 38)12 Porque “para se realizar na realidade física, um princípio precisa ser expresso na forma de componentes físicos” (ARTHUR, 2009, p. 33, tradução nossa).

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à questão da eficiência quanto da materialização dos princípios e objetivos de determinada tecnologia.

Considerando convergências e complementações entre Arthur (2009) e a Filosofia da Tecnologia (BUNGE, 1980 e 1985; FEENBERG, 2003 e 2009; VARGAS, 1994), depreende-se que a Tecnologia é mais facilmente percebida como objeto, isto é, resultado de um processo que se apropria, a partir de específico momento histórico, de técnica e de investigação científica, formando um conhecimento particular (BUNGE, 1980).

Do ponto de vista conceitual, o processo subjacente não pode ser suprimido. Assim, a Tecnologia, que sempre terá uma instância material (oriunda da necessária relação fenômeno-efeito), carrega um determinado valor enquadrado nas exigências da eficiência e do controle técnico, mas que não é por eles encerrado. Soma-se ao controle humano (FEENBERG, 2003 e 2009).

Isso quer dizer que, se o controle humano e seu consequente valor contido em Tecnologia encerrarem-se no controle técnico, ainda assim, serão socialmente específicos, e não tecnicamente específicos.13 Então se explica porque, mesmo com otimismo, Bunge se dedica em parte do Tratado de Filosofia ao debate contextualizado pela ética, e Feenberg (2009) sugere a reavaliação de estabelecimentos sociais.

Essa condição da Tecnologia independe do grau de simplicidade da tecnologia singular, plural ou geral colocada em relevo. Porém, cabe ressaltar que o controle técnico impõe delimitações às tecnologias das quais faz parte: não é possível extrair de uma determinada tecnologia qualquer resultado ou utilizá-la indistintamente. A materialização de um diferente valor socialmente específico, dependendo do distanciamento que toma de seu predecessor, implicará a concepção de uma nova tecnologia.

13 Porque seria uma redução conceitual injustificada equivaler atitude humana à atitude técnica, ainda que se conceba entre ambas entrelaçamento. O pano de fundo particular neste texto coincide com o de Vargas (1994), fundamentalmente Cassirer (1994).

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O que é central a partir daí é a condição, própria da Tecnologia, de suportar alterações superficiais ou profundas, de se apropriar de outras com base nos princípios de Combinação e Recursividade (ARTHUR, 2009).

Filosofia da informação

A opção por Floridi no que tange à Informação se dá porque, apesar de existir condição de diálogo com o referencial de Filosofia da Tecnologia utilizado, bem como com Arthur (2009), a observação de sua proposta força o desvelamento de questões pertinentes à preocupação geral sobre a Tecnologia, sem recair em dualidades comuns. Tal como pontua Gonzalez (2013), Floridi busca “[...] elucidar problemas da Filosofia da informação, e não sobre a Filosofia da Informação, e uma das condições será evitar a mera translação a uma linguagem filosófica de problemas que sejam de outra ordem [...]” (GONZALEZ, 2013, p. 4).

Em Information: a very short introduction, Floridi (2010) realiza um mapeamento conceitual da Informação com o objetivo de estabelecer bases para o enquadramento de problemáticas para as investigações. Já a partir da organização dos tópicos da obra e da leitura de sua introdução é possível verificar que, apesar do privilégio do aporte tecnológico, o autor não considera essa perspectiva suficiente. Isto significa dizer que, se a Informação não equivale ao conhecimento, pelo menos viabiliza um em particular que, para além do universo computacional, atinge, inclusive, o biológico.

Não sendo a única colocação e entendimento possível, o autor (2010) entende que a essência da Informação é constituída pelas relações que evidenciam os dados, imbrincadas com as possibilidades de significação atribuída aos mesmos. Dessa forma, aponta que a Informação é constituída por dados articulados a partir da sintaxe de um determinado sistema, considerando-se que “[...] Sintaxe aqui deve

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Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social

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ser entendida em sentido lato, e não apenas linguisticamente, como o que determina forma, construção, composição ou estrutura de algo [...]” (FLORIDI, 2010, p. 22, tradução nossa).14

A propósito do dado, o autor (2010) se preocupa em esclarecer uma classificação para as relações que o torna passível de identificação. O que os tipos de dados guardam em comum é o fato de o reconhecimento se dar frente um segundo dado.

Os chamados de primários correspondem ao estado “puro”, isto é, não estão estruturados. Para Floridi (2010), um dado primário pode ser percebido em relação a outro do mesmo tipo ou não, ainda que não subsidie qualquer sentido. Já o dado secundário é oriundo de uma falta de informação que conduz à dedução de uma informação indireta como, por exemplo, quando o silêncio de um dos indivíduos em contato numa ligação telefônica pode levar à noção de que o outro não pode ouvir (dado derivado).

Metadados informam sobre a natureza e dinâmica de outros (como no caso da indicação de atualização de um dado em que 18 é a classe idade do objeto paciente), enquanto os operacionais referem-se à dinâmica dos dados de um determinado sistema. E, finalmente, os dados derivados são os extraídos a partir de outros como, por exemplo – e para manter a elucidação do autor (2010) –, inferir a localização de um indivíduo em certo horário em função do registro de uso de cartão de crédito em um posto de gasolina.

Se, por um lado, sugere-se que os Dados se relacionam com índices da realidade, a Sintaxe que constitui a Informação envolve pensar o conteúdo semântico e, em alguma instância, implica uma convenção simbólica. Assim, a Informação com conteúdo semântico é resultado da adequação dos dados à Sintaxe e, pelo menos, na condição de potencialmente interpretáveis, constituindo uma Informação instrutiva

14 No original: “[…] Syntax here must be understood broadly, not just linguistically, as what determines the form, construction, composition, or structuring of something […]” (FLORIDI, 2010, p. 22).

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ou factual.15 Visto que a informação instrutiva não se refere a um fato/fenômeno diretamente (limitando-se a propulsionar sua verificação), diferente da factual, não está submetida às classificações Verdadeiro ou Falso.

É neste ponto que está calcada a crítica de Floridi (2010) à Teoria matemática da comunicação proposta por Shannon e Weaver, que exclui a informação factual e, nesse raciocínio de instrução, preocupa-se em evitar o descumprimento da instrução fornecida/emitida.

Em se tratando de um tipo de informação específica, o autor (2010) prefere a denominação Teoria matemática da comunicação de dados, entendendo que se limita aos fenômenos que envolvem a codificação e a transmissão dos mesmos, do ponto de vista da eficiência. Consequentemente, o valor da informação é estritamente quantitativo e a sua mensuração é propulsionada pelo parâmetro de redução de incerteza: se para diferentes demandas (déficit de dados/incerteza) a resposta é sempre a mesma ou não ocorre, o resultado não deveria ser classificado como informativo.

Nesse contexto, Informação não está calcada naquilo que é informado (conteúdo, natureza e correlatos), mas nas condições de informar. Por isso, a ênfase está nos símbolos e sinais que são portadores da Informação, e não na Informação em si.

Dito de outra forma, diz respeito ao dado sem sentido atribuído porque contextualizado apenas pelo valor quantitativo, não sendo ainda significativo. É um dado submetido somente às regras de um determinado sistema. Novamente mantendo a elucidação de Floridi (2010), nesse contexto a resposta “sim” para duas perguntas diferentes (“Você está aí?” e “Você quer se casar comigo?”) possuem o mesmo valor. Nessa linha, volta-se para redundância e ruído, sendo este último indesejável:

15 A exceção seria a informação ambiental, cuja verificação ou atribuição como verdadeira ou falsa se dá a partir de dado derivado que, mesmo assim, não a abrange como um todo.

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Na vida real, uma boa codificação é modestamente redundante. Redundância refere-se à diferença entre a representação física de uma mensagem e a representação matemática da mesma mensagem, que não usa mais bits do que o necessário [...] mas redundância não é sempre negativa/ruim [...] A mensagem somada a ruído contém mais dados do que a mensagem original por si só, mas o objetivo do processo de comunicação é a fidelidade, a transferência exata da mensagem original do remetente ao destinatário, não aumento de dados. Estamos mais propensos a reconstruir corretamente uma mensagem no final de uma transmissão se algum grau de redundância contrabalança o inevitável ruído e equívocos introduzidos pelo processo físico de comunicação e pelo ambiente [...] (FLORIDI, 2010, p. 40, tradução nossa).16

A consequência da crítica da redução da Informação à informação instrutiva é o questionamento do autor (2010) sobre a suficiência da compreensão do princípio “não há informação sem dados” como envolvendo a realização material de dado:

[...] Vários filósofos aceitaram o princípio enquanto defendiam a possibilidade de que o universo pode vir a ser não-material ou baseado em uma fonte não-material. Na verdade, o debate clássico sobre a natureza última da realidade poderia ser reconstruído em termos das possíveis interpretações desse princípio (FLORIDI, 2010, p. 61-62, tradução nossa).17

16 No original: In real life, a good codification is modestly redundant. Redundancy refers to the difference between the physical representation of a message and the mathematical representation of the same message that uses no more bits than necessary […] but redundancy is not always a bad thing […] A message + noise contains more data than the original message by itself, but the aim of a communication process is fidelity, the accurate transfer of the original message from sender to receiver, not data increase. We are more likely to reconstruct a message correctly at the end of the transmission if some degree of redundancy counterbalances the inevitable noise and equivocation introduced by the physical process of communication and the environment […]” (FLORIDI, 2010, p. 40).

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Entre dados/informação, tecnologia e comunicação

Apesar de se discordar da colocação de Floridi (2010) de que a informação pode não possuir materialidade, concorda-se com a insuficiência da informação instrutiva como base explicativa para qualquer informação.

Isso se dá porque a divergência com a proposta do autor tem origem em duas questões interdependentes: (1) as consequências do alargamento de suas colocações para o exercício científico podem chegar ao questionamento da base contemporânea das Ciências, que no caso deste texto é axiomática; (2) o argumento do autor só é possível se considerarmos que a Informação não apenas é mais larga do que o tecnológico, mas absolutamente neutra do ponto de vista ontológico, o que não interessa aos domínios científicos em função da questão (1).

Nesse ponto, não há prejuízo à noção de que a informação instrutiva é insuficiente porque ela o é, mesmo para Floridi (2010), já na instância particular do tecnológico e no seu conceito: afirmar que o dado independe do que é informado é plausível frente à preponderância da contraposição de um dado a outro para que o primeiro seja desvelado e não de um sentido semântico e, em alguma medida, convencional, que só existe a partir da informação. O dado, assim como a informação ambiental, não depende da convenção para existir.

O recorte tecnológico que é utilizado por Floridi (2010) exclui a preocupação com processos comunicacionais, ainda que ele mencione superficialmente a confusão entre informação e comunicação. Assim, quando critica a Teoria matemática da comunicação, fornece espaço para

17 No original: “[...] Several philosophers have accepted the principle while defending the possibility that the universe might ultimately be non-material, or based on a non-material source. Indeed, the classic debate on the ultimate nature of reality could be reconstructed in terms of the possible interpretations of that principle”. (FLORIDI, 2010, p. 61-62).

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que se compreenda como fenômeno de comunicação a transmissão de dados.

Não parece razoável que o Objeto da Comunicação seja encerrado por tal perspectiva, ainda que seja notória a transmissão de dados como aspecto técnico de processos comunicacionais sustentados por suportes tecnológicos. Por outro lado, não se depreende disso a defesa de que o processo comunicacional (em qualquer condição) e o Objeto da Comunicação podem ser idênticos.

A evidente interface com o tecnológico parece justificar a supressão de questionamentos básicos acerca do próprio Meio de Comunicação, já que aparentemente tecnologia e técnica são equivalentes.

Na elaboração aqui realizada, essa identificação de equivalências se deve à inobservância epistemológica em relação ao Objeto (articulação observável e inobservável).

Quando se percebe que nem mesmo a Tecnologia é subsumida pela técnica ou pelo seu tipo de controle e eficiência, a retomada do Meio de Comunicação torna-se mais plausível na medida em que conduz aos questionamentos sobre os mecanismos (e não apenas ao emissor e aos possíveis efeitos) pelos quais o processo comunicacional se realiza.

Estes mecanismos implicam também aspectos simbólicos, culturais e sociais que não são abarcados pela problematização da tecnologia, inclusive porque está na alçada da Comunicação Social. Mas, em contrapartida, a consideração da tecnologia propulsiona a delimitação clara desses aspectos na superfície do Objeto de pesquisa, além de viabilizar o mínimo de dissensão necessária para a investigação produtiva.

Referências

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Mobile Learning: Novos meios, velhas questões

Ana Graciela M. F. da Fonseca1

As duas últimas décadas têm sido marcadas pela disseminação das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC’s, sobretudo os dispositivos móveis. Segundo Straubhaar e LaRose (2004), a tecnologia é um agente de transformação e gera implicações na sociedade. Várias áreas foram afetadas pela popularização e uso desses aparatos, como, por exemplo, a Educação. De acordo com Dertouzos (1997), a Educação é afetada pelo mercado da informação. A combinação tecnologias de comunicação e ensino-aprendizagem é um assunto que vem sendo bastante debatido, especialmente com a profusão de dispositivos comunicacionais cada vez mais atraentes, interessantes e multifuncionais. Assim, a apropriação para fins de ensino-aprendizagem é um ponto que tem despertado a atenção dessa área.

A necessidade de “modernizar” o ensino-aprendizagem é apontada como consequência da disseminação e uso das TICs pelos alunos, fator que, de acordo com o discurso atual, interfere na tarefa de ensinar e aprender. A apropriação das TICs tem sido colocada como caminho para a atualização de metodologias e práticas de ensino-aprendizagem. Ainda, o uso de novas tecnologias pode ser uma alternativa para suprir defasagens na aprendizagem.

Não é de hoje que a escola e as formas de ensino são questionadas (FREIRE; GUIMARÃES, 2011). Paulo Freire e Sérgio Guimarães

1 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), bolsista CAPES, membro do Grupo de Pesquisa TECCCOG – Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva. E-mail: [email protected], http://lattes.cnpq.br/1689227823117809.

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(2011) também destacam que a presença dos meios de comunicação no dia-a-dia de alunos e professores não é uma novidade, seja como ferramenta pedagógica ou na interferência das informações advindas desses aparatos. Para os autores, a união de tecnologias de comunicação e educação apresenta potencialidades que podem ser aproveitadas para o ensino-aprendizagem. Embora apontem que a relação escola e meios de comunicação é antiga, vale ressaltar a existência de uma nova dinâmica nessa relação no universo das tecnologias digitais.

As características dos dispositivos digitais são fluxo de informação mais intenso e bidirecional, além da variedade de formatos, diferentemente dos meios de comunicação de massa, contexto sobre o qual os autores dissertam o assunto. As diferenças entre os meios de massa e as TICs pode ser explicada pelo que André Lemos (2007) denomina de função massiva e pós-massiva. A função massiva é caracterizada pelo fluxo centralizado de informação, no qual há o controle do pólo da emissão. Na função pós-massiva, há uma descentralização e liberação do pólo emissor, de modo que o fluxo comunicacional torna-se bidirecional (de todos para todos).

Diante da forte presença das TICs no cotidiano e do cenário atual, que permite o contato com diversos conteúdos em diferentes formatos e acessíveis em diferentes dispositivos, educadores e sociedade em geral acreditam que a escola e o processo de ensino-aprendizagem precisam ser repensados. Sendo assim, a adoção das TICs como ferramenta pedagógica é colocada como alternativa para atender essa demanda e, ao mesmo tempo, suprir problemas no ensino-aprendizagem.

Neste universo de possibilidades, surge o Mobile Learning – aprendizagem móvel, conceito que representa a aprendizagem entregue ou suportada por meio de dispositivos de mão tais como PDAs (Personal Digital Assistant), smartphones, iPods, tablets e outros pequenos dispositivos digitais que carregam ou manipulam informações (MÜLBERT; PEREIRA, 2011). Convergentes,

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portáteis e multimídias, esses aparatos têm possibilitado um conjunto de alternativas que podem ser exploradas também para a aprendizagem. Entre as justificativas para incentivar o Mobile Learning está à popularização dos dispositivos móveis – celulares e smartphones –, a extensão do tempo e espaço de ensino e a personalização da aprendizagem.

No entanto, mesmo sendo um fenômeno recente, algumas preocupações e questões que envolvem o uso de novas tecnologias para aprendizagem, como o Mobile Learning, são semelhantes às do contexto relacionado às mídias de massa, como a figura e postura do professor e a tarefa de ensinar e aprender num universo permeado por meios de comunicação. Segundo Paulo Freire e Sérgio Guimarães (2011), na década de 70, as crianças já traziam fatos e ideias que não tinham sido levados pela escola, e sim pelos meios de comunicação. De acordo com os autores, isso seria um reflexo de uma vivência num mundo em que os meios de comunicação já estavam muito ativos. Sobre o conflito professor e meios de comunicação: “Claro! inclusive no sentido de o professor se atualizar. O uso dos meios, de um lado, desafia, mas, de outro, possibilita uma amplitude da criatividade dele e do educando” (2011, p.71).

Nesse sentido, podemos de antemão pressupor que algumas inquietações escola/professor com relação aos meios de comunicação parecem ter origem bem antes da chegada e ascensão das tecnologias digitais, embora com nuances diferenciadas, pois é preciso levar em consideração características como a convergência desses aparatos, o cerne parece o mesmo.

Parte-se do pressuposto, portanto, de que as preocupações que afligem a apropriação e relação TICs e ensino-aprendizagem se assemelham em grande parte às mesmas já delineadas no período da mídia de massa. Podemos, a priori, definir que, em alguns momentos, trata-se de novos meios e velhas questões. Sendo assim, temos aqui a oportunidade para que possamos tentar e/ou ensaiar certas

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aproximações em relação à apropriação e uso das novas tecnologias, neste caso o Mobile Learning, com as demais mídias consideradas massivas. Dessa maneira, este artigo busca fazer uma reflexão sobre esse aspecto por meio de alguns exemplos de práticas de Mobile Learning.

Mobile Learning - “Aprendizagem Móvel”

O Mobile Learning ou M-learning pode ser definido como uma modalidade de ensino que permite ao aluno acessar materiais, assistir aulas síncronas e assíncronas, interagir de qualquer lugar e a qualquer tempo (TAROUCO et al., 2004). De acordo com Mülbert e Pereira (2011), o termo aparece pela primeira vez em uma publicação científica de 2001 que destaca a tendência e o potencial dessa metodologia para a aprendizagem, ressaltando as vantagens de se estudar em qualquer lugar e tempo.

Em 2013, a UNESCO produziu o guia Policy Guidelines for Mobile Learning com dez recomendações em que tenta ajudar governos a implantar tecnologias móveis nas salas de aula. O guia foi apresentado em Paris durante a Mobile Learning Week. Constam nele, além das recomendações, treze motivos para o uso de dispositivos comunicacionais móveis pela educação. A UNESCO tem sido grande incentivadora do uso de dispositivos móveis pela educação, com ênfase no telefone celular.2 Em 2011, realizou a “Semana do Aprendizado pelo Celular” com o objetivo de discutir o impacto dessa tecnologia na educação e no aprendizado, bem como o modo como telefones celulares podem apoiar professores e alunos.

De acordo com o Policy Guidelines for Mobile Learning (2013), os pilares do Mobile Learning são levar informação onde ela é escassa, 2 Disponível em: http://www.onu.org.br/unesco-lanca-iniciativa-de-telefones-celulares-a-servico-da-educacao. Acesso em: 15 out. 2013.

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personalizar e flexibilizar a aprendizagem, proporcionar feedback imediato e ampliar a produtividade aproveitando a aprendizagem em qualquer tempo e espaço. O guia enfatiza a necessidade de incorporar dispositivos comunicacionais móveis aos processos de ensino-aprendizagem devido à popularização desses aparatos, especialmente o telefone celular, mas também pela importância do aspecto portátil, que permite ao usuário transportá-los com facilidade e, por isso, tê-los sempre a mão.

No caso do telefone celular, que, como Castells (2008) lembra, é a tecnologia mais rapidamente adotada na história da humanidade, também é preciso destacar as diversas transformações que ampliaram a sua função inicial. As novas funcionalidades incorporadas representam recursos que podem ser usados para práticas de Mobile Learning. Sobre a evolução tecnológica dos celulares:

Os telefones celulares atuais possuem outras características além de fazer uma simples chamada telefônica. Os aparelhos celulares agora podem enviar mensagens de texto; realizar navegação na Internet; reproduzir música MP3; gravar memorandos; organizar informações pessoais, contatos e calendários; enviar e receber e-mails e mensagens instantâneas; gravar, enviar, receber e assistir a imagens e vídeos usando câmeras e filmadoras embutidas; executar diferentes toques, jogos e rádio; realizar push-to-talk (PTT); utilizar infravermelho e conectividade Bluetooth; realizar vídeo-chamadas e servir como um modem sem fio para um PC (SAFKO; BRAKE, 2010, p. 266).

Atualmente, o mercado oferece mais que um telefone, e sim um dispositivo multimídia que executa diversas funções em diferentes formatos. Esses modelos são chamados de smartphones, ou “telefones inteligentes”. Os smartphones apresentam-se como uma tecnologia que reúne várias mídias num só aparelho (telefone, internet, console de jogos, recursos dos computadores pessoais, entre outras) (MERIJE,

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2012). Dentre os dispositivos que podem suportar o Mobile Learning,

o telefone celular é o mais popular. “Se o computador ainda é um objeto restrito, o celular está presente em boa parte das escolas, nas mochilas dos alunos de diferentes classes sociais” (MERIJE, 2012, p. 81). O aparelho é uma ferramenta disponível e pode prontamente ser incorporada como objeto de aprendizagem. Para o Policy Guidelines (2013), os celulares são populares em locais onde as demais tecnologias são escassas, como em alguns países africanos. Ainda representa uma aprendizagem interrupta, ampliada e teoricamente de baixo custo, se levar em conta que grande parte da população possui um telefone celular.

Mesmo assim, apesar de comum no cotidiano, o governo brasileiro tem flertado com o uso de tablets3 e não de celulares. Em 2012, escolas públicas receberam tablets distribuídos a alunos e professores, processo que continuou em 20134. Em contrapartida, a pesquisa Perspectivas Tecnológicas para o Ensino Fundamental e Médio Brasileiro de 2012 a 2017, produzida pelo Horizon Project, analisando o contexto brasileiro, coloca o telefone celular num horizonte de um ano para que seja adotado massificamente pelas escolas.

Tendo em vista a difusão, a condição portátil e a variedade de recursos, dispositivos móveis como telefones celulares, smartphones e tablets oferecem um conjunto de possibilidades para a aprendizagem. Permitem trocar informações, compartilhar ideias, experiências, resolver dúvidas, acessar uma gama de recursos e materiais didáticos, incluindo texto, imagens, áudio, vídeo, notícias, conteúdos de blogs e jogos, tudo isso no exato momento em que é necessário, devido à portabilidade (FERREIRA et al., 2012).

3 Disponível em: http://info.abril.com.br/noticias/tecnologia-pessoal/mec-distribuira-tablets-para-escolas-em-2012-01092011-41.shl. Acesso em: 15 out. 2013.4 Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2013/06/10/interna_vidaurbana,443944/estudantes-da-rede-municipal-vao-ganhar-16-mil-tablets.shtml. Acesso em: 15 out. 2013.

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A execução de ações como as descritas acima só é possível devido à associação dos recursos dos aparelhos celulares e das redes de telefonia móvel com os da internet, o que potencializou as possibilidades de acesso e compartilhamento de conteúdo (MERIJE, 2012). Aspecto ressaltado também por Rachid e Ishitani (2012), modernas tecnologias e padrões de telecomunicação para a computação móvel tornam cada dia mais viável o m-learning. Por outro lado, ainda existe uma disparidade em relação ao acesso à internet de banda larga, especialmente fora dos centros urbanos. Enquanto grande parte da população do Brasil possui um smartphone, a infraestrutura para suportar a navegação é insuficiente (PERSPECTIVAS TECNOLÓGICAS... 2012).

Para Rachid e Ishitani (2012), as características da aprendizagem móvel é que ela utiliza dispositivos móveis que são: usados em qualquer lugar; considerados de uso pessoal; mais baratos que computadores pessoais e mais fáceis de usar; utilizados em diversas configurações.

Esses fatores, aliados à convergência e multifuncionalidade dos dispositivos comunicacionais móveis, criam condições para o desenvolvimento de atividades de aprendizagem móvel. Com isso, instituições e educadores vêm se apropriam desses aparatos, utilizados com objetivos pedagógicos para apoiar o processo de ensino-aprendizagem (TAROUCO et al., 2004).

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Descrevendo na íntegra as recomendações e motivos para adoção de dispositivos comunicacionais móveis propostas pelo guia Policy Guidelines for Mobile Learning (UNESCO, 2013), elas ficam dessa forma: criar ou atualizar políticas relacionadas com a aprendizagem móvel; treinar os professores para o uso de tecnologias móveis; prestar apoio e treinamento aos professores; criar conteúdo educacional próprio e adequado para ser usado em dispositivos móveis; garantir a igualdade

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de gênero para os alunos móveis; expandir e melhorar as opções de conectividade, garantindo equidade; desenvolver estratégias para proporcionar igualdade de acesso para todos; promover o uso seguro, responsável e saudável de tecnologias móveis; usar a tecnologia móvel para melhorar a comunicação e gestão da educação e aumentar a consciência da aprendizagem móvel através do apoio, controle e diálogo. Dos motivos para o uso de tecnologias móveis: expandir o alcance e a equidade em educação; personalizar a aprendizagem; provê avaliação e feedback imediatos; permite que se aprenda em qualquer hora e lugar; garantir o uso produtivo do tempo gasto em sala de aula; criar novas comunidades de alunos; dá suporte a aprendizagem in loco; melhora a aprendizagem contínua; união da aprendizagem formal e informal; minimizar a interrupção do ensino em áreas de conflito e desastres; auxiliar os alunos com deficiência; melhorar a comunicação e administração e maximizar a relação custo-eficiência.

Entre as recomendações e motivos, podemos destacar: treinamento/preparação de professores; conteúdo educacional próprio e adequado para cada meio; promoção do uso seguro e responsável; permitir que se aprenda em qualquer hora e lugar; e união da aprendizagem formal e informal como pontos em comum com a apropriação de meios de comunicação para o ensino-aprendizagem, sejam eles novas tecnologias ou meios massivos.

Paulo Freire e Sérgio Guimarães (2011) destacam a necessidade de preparar o professor para a realidade de ensinar em um ambiente cercado pelos meios de comunicação, mas também com um conteúdo que esteja de acordo e que justifique o uso da tecnologia para, assim, ser possível fazer a diferença no processo de ensino-aprendizagem:

Acontece que as nossas escolas ficam tão preocupadas, tão comprometidas com o cumprimento tradicional dos programas já estabelecidos que elas procuram, apenas, quando utilizam esses recursos, esses instrumentos audiovisuais, utilizá-los como exclusivos auxiliares da

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execução de programas, e não no sentido de aproveitar esses instrumentos para desenvolver um novo campo de atuação e expressão (2011, p. 78-9).

Os autores, que discutem o tema num contexto de mídias massivas, também apontam para a necessidade de preparar o aluno para dominar as linguagens da mídia. Ele precisa de suporte para que o processo de ensino-aprendizagem com tecnologias de comunicação seja proveitoso, a meta é ensinar o aluno a se servir dos meios. É preciso instruir sobre os meios para que estes possam ser bem utilizados, cabendo ao professor essa função. Outro ponto, é que a formação também pode se dar fora da instituição, e já se considerava isso com a televisão.

Sobre o professor, a obrigação de atualização e compreensão desse universo dos meios de comunicação não é de hoje, conforme posto por Freire e Guimarães (2011), e parece ainda uma questão a ser superada. De acordo com a pesquisa do Horizon Project, apesar de existir muita inovação ocorrendo dentro da indústria de tecnologia, as ferramentas ainda não estão completamente integradas às escolas porque os professores não estão preparados para implementá-las.

Embora o professor já tivesse que lidar com a presença e influência dos meios de comunicação desde as mídias massivas, como o rádio e a televisão e atualmente o fluxo informacional ser diverso, maior e bidirecional, a postura proposta por Louis Porcher parece caber em ambos os contextos, pois é necessária uma triagem da informação, independente do ambiente:

E as pessoas – os professores, os educadores – podem se dedicar a explicar como procurar a informação, como “recortar” a informação, uma vez que agora há uma tal diversidade, uma tal acumulação, vertiginosa, diária, de informação, que é preciso “recortá-las” (PORCHER apud FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 177).

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“Escola com Celular” é um projeto realizado na cidade de São Vicente, no estado de São Paulo, que parte da constatação de que o telefone celular é muito mais do que um aparelho de comunicação. O celular é um recurso para trabalhar conteúdos curriculares, efetivar novas conexões e difundir a educação ambiental. A iniciativa trabalha pelo viés da sustentabilidade, com foco no descarte de resíduos e consumo. A proposta consiste, por meio de uma imersão em suas comunidades, em os alunos estudarem o tema “resíduos e consumo” e o princípio dos 3Rs (reduzir, reutilizar e reciclar). O resultado das observações é transformado em conteúdos públicos disponibilizados em uma rede social desenvolvida para o projeto e, além da construção de um mapa georreferenciável, sendo esse serviço disponibilizado a comunidade, indicando os pontos para coleta e reciclagem de resíduos.

No projeto, o celular é instrumento de apoio para as atividades, sendo usado para a comunicação através de mensagens de texto – SMS com tarefas, “pílulas de informação” e feedbacks das atividades, além de registro das observações por meio de vídeos, fotos e texto. O objetivo é ultrapassar os muros da escola: utilizar os dados da realidade para estimular a aprendizagem de conteúdos e desenvolver habilidades e competências.

O projeto piloto foi executado em 2011, envolvendo alunos do ensino fundamental de escolas municipais, e parte do currículo escolar foi organizado em projetos interdisciplinares que têm não só o ambiente escolar como contexto, mas também o ambiente doméstico e a cidade, visando à integração dos espaços.

Olhando para esse projeto, encontramos respaldo no conceito “escola paralela”, resgatado por Freire e Guimarães (2011). O conceito aparece pela primeira vez numa série de artigos assinados pelo sociólogo Georges Friedmann publicados em janeiro de 1966. Em 1974, o sociólogo e professor francês Louis Porcher publicou a primeira edição de Escola Paralela: “A escola paralela é constituída pelo conjunto dos circuitos graças aos quais chegam aos alunos (bem

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como aos demais), de fora da escola, informações, conhecimentos, uma certa formação cultural, nos mais variados domínios” (PORCHER apud FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 27). O conjunto de meios de comunicação de massa foi chamado de escola paralela, assim como também podemos chamar de “escola paralela” projetos de Mobile Learning como o Escola com Celular.

No caso do Mobile Learning, podemos afirmar que a aprendizagem ganha mais “espaços” devido à portabilidade dos dispositivos. “As tecnologias móveis ampliam o tempo e o espaço de estudo ao quebrar as barreiras temporais e espaciais, visto que o aluno pode aceder ao material de estudo em diversos momentos e contextos” (MOURA; CARVALHO, 2009, p. 36). Desse modo, os dispositivos comunicacionais móveis permitem mais “escolas paralelas” em relação às mídias massivas e não móveis.

O projeto “Minha Vida Mobile – MVMob” é desenvolvido desde 2005 e tem como foco as TICs, especialmente o telefone celular. O MVMob capacita estudantes e educadores para a produção de conteúdos audiovisuais com celulares – áudio, foto e vídeo. De acordo com o seu idealizador, Wagner Merije, as atividades do projeto geram exercícios de interpretação, síntese, categorização, criticidade, organização, relação grupal, autonomia, criatividade, num processo de articulação visual com os saberes da prática social dos educandos. A metodologia consiste na realização de oficinas de produção de vídeos, fotos, áudios e notícias com o celular, premiação e organização de mostras dos trabalhos, além da produção de tutoriais e materiais de subsídio pedagógico. Segundo Merije (2012), essa metodologia de aprendizagem se mostra mais prazerosa e envolvente para os estudantes, pois inclui um objeto que faz parte do seu cotidiano, o celular.

Sobre o projeto MVMob, podemos relacioná-los:

Incorporar às atividades escolares os conteúdos e vivências

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veiculados pelos meios de comunicação de massa equivale, a nível de motivação, a trabalhar com dados extraídos do próprio cotidiano dos alunos. Não é de surpreender, por isso, que se obtenham assim melhores resultados do que quando se introduzem conteúdos estranhos à sua realidade, mesmo que se trate de programas rigorosamente elaborados numa progressão lógico-linear (FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 212).

É possível atestar, no caso do projeto MVMob, que, mais que o dispositivo utilizado, é a identificação, a relação com o cotidiano dos alunos, que parece ser mais crucial para as atividades do que a tecnologia em si. A metodologia consiste em trabalhar temas propostos pelos alunos.

Por fim, sobre como os meios podem ser benéficos e servir de apoio ao processo de ensino-aprendizagem, o projeto “PALMA – Programa de Alfabetização na Língua Materna” tem como objetivo desenvolver competências básicas de leitura e escrita por meio digital em jovens e adultos. A iniciativa vem sendo realizada em oito municípios do estado de São Paulo. Trata-se de um aplicativo para telefones inteligentes que consiste na combinação de sons, letras e imagens, propondo um aprendizado por associação de ideias. O aplicativo foi desenvolvido para complementar a educação formal de jovens e adultos que não sabem ler e escrever. Segundo uma professora que integra o projeto:

O uso dos smartphones diminuiu os índices de evasão e o aumento da frequência em sala de aula. “Eles tentam faltar menos, se preocupam em não deixar de fazer a atividade. Tornaram-se mais responsáveis”, avalia a professora. Mas o principal diferencial em relação às aulas tradicionais, segundo ela, é que os alunos estudam por mais tempo (OJEDA, 2012, online).

O projeto aproveita a portabilidade do celular para proporcionar um aprendizado a qualquer hora, em qualquer lugar. De acordo com

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Lemos, “a questão do tempo também é crucial nesta comunicação móvel já que cria temporalidades diferenciadas em relação a espaços diferenciados” (2009, p. 28). A respeito da discussão sobre tempo e espaço:

Antônio Sabino de Sousa, colega de Nilma, quase chegou lá. Aos 62 anos, trabalha no departamento de reposição de uma loja de material de construção. Sai de casa às cinco da manhã. No ônibus que o leva para o serviço, liga seu smartphone, põe um fone de ouvido e faz os exercícios. Às quatro da tarde, quando volta para casa, repete o ritual. (OJEDA, 2012,).

[...] Aprendi a ler muito mais com o celular do que com a lousa. Antes não conseguia reter o que era passado nas aulas. O telefone ajuda a memorizar, pois eu levo para casa. É como se um professor estivesse do nosso lado, falando que tem que fazer de novo (OJEDA, 2012,).

Para Michael Dertouzos, “a imagem que emerge dessa discussão é a de um Mercado da Informação robusto, dedicado a aperfeiçoar a educação por expansão e acréscimo, e não pela substituição dos meios mais próximos de ensino e aprendizado” (1997, p. 241).

Considerações Finais

A apropriação de tecnologias de comunicação pela Educação não é um fenômeno recente. Os computadores, por exemplo, segundo Dertouzos (1997), são usados para aperfeiçoar o ensino desde a década de 1960. De acordo com Paulo Freire e Sérgio Guimarães, em obra seminal sobre Mídia e Educação, Educar com a Mídia, reeditada em 2011, os meios de comunicação como ferramenta pedagógica não são uma novidade. Rádio, televisão, videocassete, jornal, projetores,

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história em quadrinhos fizeram e ainda fazem parte dos recursos disponíveis tanto para professores quanto para alunos. Para os autores, os meios de comunicação podem tanto ser incorporados como recurso didático quanto contribuir na formação dos indivíduos, abastecendo-os de informação.

Diante dos meios de comunicação disponíveis no ano de 1983 (data em que a obra foi escrita), Freire e Guimarães já alertavam para conflitos apregoados com frequência na atualidade: a necessidade de mudança na postura da escola e dos modelos educacionais e a influência e implicações dos aparatos comunicacionais na tarefa de ensinar e aprender.

Sobre a influência de outros circuitos informativos no cotidiano da escola, como os meios de comunicação, por exemplo, Freire e Guimarães resgatam o conceito de “escola paralela”. Segundo este conceito, existem outros canais de comunicação e informação (além da escola) que os professores não controlam e que são frequentados massivamente pelos alunos, não podendo, qualquer que seja a opinião, negligenciar o problema pedagógico e sociológico que eles colocam. “Trata-se de saber se a escola e a escola paralela vão se ignorar, comportar-se como adversárias ou se aliar” (2011, p. 27).

A atribuição do status de seminal a essa obra se deve ao fato de que os autores apontaram questões em um outro contexto comunicacional, que ainda não contava com a diversificação de dispositivos e computação ubíqua. Entretanto, os conflitos se mostram extremamente atuais e continuam permeando as discussões quando o assunto é a relação entre Educação e TICs.

Para Freire e Guimarães (2011), a apropriação dos meios de comunicação para fins de ensino-aprendizagem é perfeitamente possível e benéfica – como no projeto PALMA –, sejam estes analógicos ou digitais. Porém, essa apropriação requer habilidades, planejamento e esforço para que possa de fato ser útil e representar um diferencial. O uso de aparatos de comunicação pode ser uma

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alternativa para renovação de metodologias, passando esta a ser uma tarefa também do professor, o que implica rever sua postura e métodos. É importante ressaltar que, segundo Freire e Guimarães (2011), essa percepção já existia, no entanto, é reconfigurada com a TICs, que têm como característica intensificar o fluxo comunicacional, pois são meios bidirecionais (de todos para todos), nos quais a informação pode ser acessada e compartilhada de múltiplos dispositivos.

Uma questão que figura com a profusão de tecnologias e dispositivos comunicacionais é justamente a figura do professor. Para Muniz Sodré, “não há dúvida de que as tecnologias da comunicação e da informação impõem uma revisão do estatuto tradicional do professor” (2012, p. 202). No entanto, Freire e Guimarães (2011) afirmam que sempre foi necessário o professor se atualizar e os meios de comunicação sempre representaram um desafio no exercício de ensinar.

Tendo em vista os argumentos apresentados, é possível afirmar que, em alguns momentos, as questões e preocupações que afligem a apropriação e a relação TICs e ensino-aprendizagem se assemelham em partes com as mesmas delineadas no período das mídias massivas.

Referências

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colaboração por meio de uma visualização estrutural

André Rosa de Oliveira1

Contexto: Conhecimento, ferramentas assíncronas e colaboração

Ao redigir o prólogo do livro Más Allá de Google, de Jorge Juan Fernández García, Alfons Cornella, fundador da empresa espanhola Infonomia, relacionou as palavras informação, comunicação, tecnologia e conhecimento:

a informação é a substância do mundo: a comunicação — a relação —, uma das razões da existência dos seres vivos; a inteligência, o que nos distingue de outras espécies; a tecnologia, a ferramenta que nos permite transformar o mundo (embora não necessariamente para melhor); o conhecimento, o que transforma o possível em realidade (2008, p. 8, tradução nossa).

Em poucas palavras, Cornella sintetizou a proximidade entre as áreas da educação e da comunicação, conectadas por meio da

1 Jornalista. Doutorando pela Universidade Metodista de São Paulo. Mestre em Comunicação pela Faculdade Casper Líbero. Professor das Faculdades Integradas Rio Branco. Contato: [email protected]

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tecnologia.Por trás da densidade e complexidade da definição de conhecimento,

sua importância revela-se diante das possibilidades de combinação das configurações e aplicações da informação com as tecnologias da comunicação (SQUIRRA, 2005, p. 258). Ainda que não seja novidade — no século XIX, estudantes se relacionavam com alunos por correspondência (KEEGAN, 1996) —, modelos de ensino a distância despertam interesse em distintas áreas. O fascínio provocado por esta combinação é nítido a partir dos anos 1990, momento definido por Romiszowski (2009) como “onda de e-learning”: pesquisas foram conduzidas em instituições das mais variadas áreas — basicamente educação, mas também ciência da informação, engenharia de produção, administração, entre outras — dispostas a compreender as oportunidades em buscar conhecimento em ambientes mediados tecnologicamente. Em especial, a comunicação mediada por computador (CMC):

Processo pelo qual pessoas criam, trocam e percebem a informação utilizando sistemas de telecomunicações em rede, que facilitam a codificação, transmissão e decodificação de mensagens... Estudos em comunicação mediada por computador podem visualizar este processo a partir de uma variedade de perspectivas teóricas e interdisciplinares, concentrando-se em uma combinação de pessoas, tecnologias, processos e efeitos (DECEMBER, 1996 apud ROMISZOWSKI; MASON, 2004, p. 398, tradução nossa).

Os primeiros sistemas de comunicação baseados em uso de computadores foram desenvolvidos nos anos 1970. Paralelamente ao desenvolvimento da Arpanet e seu sistema de comunicação mais popular — o serviço de e-mail, cuja mensagem pode ser de um para um, de um para muitos ou uma lista de discussão — havia redes locais de computadores que contavam com serviços de fóruns, conhecidos

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e usados até os dias de hoje. Hiltz e Turoff (1993, p. 22) lembram que, na época, esta ferramenta era denominada computer conference, caracterizada por discussões orientadas por tópicos, cuja transcrição permanente é construída durante o processo. A troca de mensagens pode ser realizada de forma assíncrona, dando aos interlocutores a flexibilidade para registrar suas participações a qualquer tempo.

Nos últimos anos, instrumentos para comunicação mediada por computador são utilizados para a publicação de informações e o compartilhamento de conhecimento por meio da rede. Tais ferramentas foram combinadas e agrupadas em sistemas únicos, formando ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), também conhecidos pela sigla LMS — em inglês, learning management system.

O Moodle, acrônimo de Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment, é um exemplo de software gerenciador de cursos e disciplinas, composto por recursos e atividades acessíveis a partir de um navegador web e distribuído gratuitamente (SILVA, 2010). Construído em código aberto, dispõe de diversos recursos para que alunos e tutores compartilhem e acessem conteúdos. Sua flexibilidade permite a adaptação de sistemas como webconferência, mas em sua instalação padrão habilita a utilização de fóruns assíncronos, aos moldes dos pioneiros serviços de computer conference.

Além de disponibilizar conteúdos de maneira simples e organizada, os AVAs pretendem estimular o “processo individual, que pode ser potencializado, com atividades colaborativas, como a combinação de situações-problema e interações sociais, de forma a desenvolver habilidades pessoais e coletivas” (PESCE et al, 2009, s.p.). O envolvimento dos seus participantes a partir das ferramentas de comunicação é sintetizada pelo termo colaboração, cuja relação imediata com ambientes virtuais pode mostrar-se delicada.

Os termos colaboração e colaborativo são penetrantes. Algumas vezes, eles parecem ser usados como legitimadores

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de jargões: “nosso projeto proposto vale a pena ser financiado porque temos a promessa de colaborar!” E algumas vezes elas parecem ser usadas como atalhos em torno da organização detalhada do projeto: “nosso projeto proposto será um esforço colaborativo entre departamentos interessados, com a partilha de custos colaborativa e alocação de equipe” (RENTFROW, 2007, p. 8, tradução nossa).

O cenário apresentado acima norteou a realização de uma pesquisa no âmbito das ciências sociais aplicadas (OLIVEIRA, 2011), com objetivo de identificar a existência de colaboração em ambientes virtuais de aprendizagem, registradas em bancos de dados por meio de trocas assíncronas de mensagens a partir de ferramentas baseadas em texto — ou seja, os fóruns.

Indicadores que denotam colaboração

O trabalho parte do conceito de aprendizagem colaborativa proposto por Pierre Dillenbourg, um dos pioneiros entre os pesquisadores que observam o uso de computadores conectados em rede para a educação, reforçando o conceito de aprendizagem colaborativa por meio de computador — computer supported collaborative learning (CSCL): uma situação onde duas ou mais pessoas aprendem ou tentam aprender algo juntos através de processos de interação social, mediadas pela linguagem, em busca do desenvolvimento de habilidades específicas e a resolução de problemas (DILLENBOURG, 1999, p. 2).

O autor propõe indicadores para avaliar a adequação de um ambiente à colaboração. Sua situação, condições do ambiente em promover simetria de ação e status entre os agentes, sem hierarquia, diante de objetivos comuns; suas interações, o diálogo negociado

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entre os interlocutores (em oposição a ordens), em que o todo é constituído a partir de partes; seus mecanismos, processos capazes de acionar mecanismos de participação e aprendizagem; e seus efeitos, isto é, se houve colaboração ou não e em que medida.

Assim, espera-se que o ambiente se aproxime do que Paloff e Pratt (2004, p. 39) definem por comunidade: presença de trocas ativas entre os interlocutores, envolvendo tanto conteúdo pertinente e objetivos propostos quanto comunicação pessoal, expressões de apoio e estímulo, significados construídos socialmente evidenciados pela busca a um acordo. O resultado da combinação entre interações e mecanismos nesta situação deve ser uma síntese das ideias, algo diferente do que poderia ser produzido por indivíduos isoladamente.

Wenger (1998) recorta o conceito, ao definir comunidade de prática: indivíduos conectados por um propósito comum por meio de sistema complementares, normalmente de caráter voluntário não hierárquico e auto-organizado. Esta comunidade se vê diante de problemas práticos, e a resposta a influências externas deriva da experiência e conhecimento dos participantes, e não de uma diretriz ou política externa.

Este artigo descreve a metodologia utilizada em uma pesquisa empírica, buscando visualizar os indicadores de colaboração em um ambiente que se apresenta como uma comunidade de prática aberta. Em linhas gerais, os registros textuais de um AVA foram lidos e organizados em categorias, procedimento que remete a Grounded Theory.

Da mesma forma, as conexões semânticas entre as mensagens também foram rotuladas, permitindo uma visualização estrutural: considerando as mensagens e suas relações, respectivamente, como vértices e laços, os fóruns foram representados graficamente. Diante destas estruturas, foi possível fazer inferências de caráter quantitativo sobre as interações, bem como apontamentos qualitativos

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baseados nos indicadores de colaboração propostos.

Metodologia: Combinação de SNA e Grouded Theory

A capacidade de computadores “interpretarem” dados de maneira mais estruturada, definida pelo físico Tim Berners-Lee como web semântica, revela-se um campo de pesquisa fértil aos interessados em relacionar nossa capacidade cognitiva e a recuperação de dados em rede — algo possível, por exemplo, com os fóruns assíncronos em um AVA. Tendo como pano de fundo a web semântica, Zhuge (2003) propõe o conceito de active document framework (ADF), um navegador inteligente capaz de percorrer grandes bases de dados e que, a partir de algumas palavras ou expressões processadas por algoritmos, seja capaz de conectar fragmentos de texto semanticamente.

Este conceito pode ser aplicado a troca de mensagens em ferramentas assíncronas, onde usuários interagem colaborativamente expondo não apenas suas expectativas, mas também intenções e outras marcações emocionais em seu discurso — é o que Walther (1996) observa como nível de diálogo interpessoal, que passa a uma condição hiperpessoal a medida em que, diante apenas de elementos textuais para a formação do perfil de um interlocutor, aspectos positivos são mais valorizados.

Presume-se que, a partir da primeira mensagem de um tópico, é possível percorrê-la em meio a participação coletiva dos membros, cuja finalidade é a busca por solução. Cada fragmento de texto, portanto, é parte de um único documento, resultado de um processo de negociação entre usuários a partir de ideias e pontos de vista distintos.

Um tópico aberto (isto é, um documento) pode ser representado graficamente, de forma análoga ao modelo de ADF proposto por

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Zhuge: fragmentos textuais representados por vértices, conectados entre si como exemplificado na Figura 1. Mais do que isso, o autor propõe a classificação do tipo de conexão entre dois fragmentos, formando uma rede de links semânticos (semantic link network, SLN). Mesmo considerando as postagens como fragmentos de um único documento, o caráter independente das mesmas não indica um único fluxo de leitura possível. Por essa razão, os laços não possuem orientação (setas).

Uso de Social Network Analysis (SNA)

A visualização das trocas de mensagens por meio de estruturas em forma de grafos permite a aplicação da análise de redes sociais (ARS, ou em inglês, Social Network Analysis, SNA), instrumento que vem chamando atenção das ciências sociais (FRAGOSO et al, 2010, p. 115). Trata-se de uma ferramenta metodológica de origem multidisciplinar, que permite a quantificação e a relação matemática entre elementos, de modo a testar a manutenção ou a alteração de padrões em um determinado tempo por meio de indicadores, como a quantidade de conexões em um determinado nó (grau de conexão), a proporção do número de conexões em relação ao seu limite ou a quantidade de conexões em um único nó (SOUZA; QUANDT, 2008; WASSERMANN; FAUST, 1994).

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Figura 1: representação de um fórum por meio de um grafo

Tradicionalmente, este método é usado em fenômenos onde os nós do grafo correspondem aos membros do grupo, inclusive em ambientes virtuais de aprendizagem (GRUZD; HAYTHORNTHWAITE, 2008; ZHU, 2006). Ao observar fragmentos de texto, nem todos os indicadores propostos pela SNA mostram-se relevantes – um exemplo é a densidade da rede, isto é, a relação entre os elos existentes e o máximo de conexões possível. Espera-se, nesse caso, apenas o número de laços sufi cientes para estabelecer diálogos: ao menos duas para mensagens intermediárias e uma para as que encerram a discussão.

Outras propriedades, no entanto, podem estar relacionadas ao comportamento de mensagens num fórum. O grau nodal (número de conexões em um vértice) representa a quantidade de reações de uma postagem. A distância geodésica (distância entre um ponto e outro, medida pelo número de laços) indica a extensão e profundidade da conversa. Já o grau de intermediação (probabilidade de um nó fazer parte de um caminho) revela postagens cruciais, afi nal, todos os caminhos possíveis passam por ele. Presume-se ainda que, normalmente, o nó que apresenta o maior grau de intermediação é a postagem inicial.

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Categorização por meio da Grounded Theory

A análise de um fórum por meio de grafos, levando em conta propriedades matemáticas quantitativas, pode caracterizar a presença de colaboração por meio das interações. Sua verificação por meio do ambiente ou mecanismos, no entanto, exige uma percepção qualitativa. Gunawardena et al (1997, p. 414) leva em conta cinco etapas que levam ao processo de colaboração mediada por ferramentas assíncronas: o compartilhamento e comparação de informações, a exploração de pontos de vista divergentes, a negociação de significados, a construção e a aplicação de uma síntese proposta.

Um caminho para identificar os níveis de diálogo é a classificação das mensagens e suas conexões. Este processo remete a Grounded Theory, metodologia das Ciências Sociais conhecida em português como Teoria Fundamentada em Dados, que tem em Barney Glaser e Anselm Strauss seus precursores. Eles a definem como um “método geral de análise comparativa e um conjunto de procedimentos capazes de gerar sistematicamente uma teoria fundada nos dados” (GLASER; STRAUSS, 1967, apud TAROZZI, 2011, p. 17). Na Grounded Theory, a teoria deve emergir de maneira indutiva, baseando-se na valorização e observação sistemática, na comparação, classificação, análise de similaridades e contrastes entre dados.

Assim, um dos elementos mais importantes da coleta de dados é a organização desses dados, que passa por um processo denominado codificação. Essa codificação é já, em si, uma forma de análise e consiste numa sistematização dos dados coletados, de forma a reconhecer padrões e elementos relevantes para a análise e para o problema (FRAGOSO ET AL., 2011, p. 92).

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Há divergências entre suas premissas, perspectivas e abordagens, especialmente diante das técnicas de codificação possíveis. No entanto, para classificar uma pesquisa como fundamentada em dados, não se trata de tarefa simples. Para Fragoso et al (2011, p. 110), o método é pouco indicado para pesquisadores muito iniciantes, por ter um nível de abstração muito alto.

É necessária a adoção de um conjunto sistemático de procedimentos precisos para coleta, análise e articulação da teoria conceitualmente abstrata. No cardápio dos métodos de pesquisa, a Grounded Theory classica é “table d’hôte”, e não “a la carte”. Gerar Grounded Theory requer tempo (HOLTON, 2007, p. 258, tradução nossa).

Uma das exigências mais complexas da Grounded Theory é a de que o pesquisador não deve ter ideias preconcebidas antes de analisar os dados. Ora, diante de abordagens similares já realizadas, construir um modelo de codificação sem uma agenda prévia, considerando apenas a sensibilidade do observador, é uma missão impossível. É possível, no entanto, “reconhecer essa experiência e esse lugar de fala como existentes, essa carga de percepções pode influenciar de forma positiva” (FRAGOSO ET AL, 2011, p. 90).

Em relação a trabalhos que também propuseram a codificação de postagens, Gilbert e Dabbagh (2005) partiram de postagens assíncronas entre estudantes e professores num curso de graduação intitulado “Instructional Technology Foundations and Learning Theory on Student Learning”. As pesquisadoras analisaram a transcrição das discussões on-line e criaram um esquema de codificação com base na compreensão dos estudantes. Da mesma forma, De Liddo e Alevizou (2010) elaboraram um método específico para analisar fóruns de cursos abertos da P2PU2, a partir da observação e codificação das

2 Peer e Peer University, iniciativa de educação aberta online. Disponível em HTTP:

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mensagens. “Em síntese, é oportuno receber formação sobre o processoideal de fazer GT, mesmo sabendo que assim como o processo é apresentado na formação, nunca será encontrado na prática” (TAROZZI, 2011, p. 59).

A combinação dos métodos Grounded Theory e SNA, para classificação das postagens em um fórum e sua estruturação por meio de grafos, permite compreender elementos a respeito de grupos e, consequentemente, perceber como se dá a colaboração em um ambiente de aprendizagem a partir das visualizações dos fóruns.

Aplicação em um ambiente virtual de aprendizagem aberto

O AVA escolhido para testar os métodos foi o grupo de estudos on-line Educar na Cultura Digital3, projeto coordenado pela jornalista e educadora Priscila Gonsales e apoiado pelas Fundações Telefônica e Santillana, em parceria com a Organização dos Estados Ibero-americanos. Baseado no ambiente virtual de aprendizagem Moodle instalado no portal global EducaRede, a proposta do grupo é aprender a lidar com os desafios que as inovações tecnológicas trazem para a escola.

Trata-se de um ambiente de aprendizagem aberto, pois qualquer usuário interessado em aprender sobre o tema pode participar. Ao mesmo tempo, cada membro intervém de acordo com o seu ritmo e em qualquer das cinco áreas de estudo, reforçando seu caráter assíncrono. Como se espera ainda que as discussões dos usuários transitem entre o ambiente online e as salas de aula, o grupo de estudos pode ser caracterizado como uma comunidade de prática.

//p2pu.org3 Mais informações em http://www.educared.org/global/educarnaculturadigital

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Figura 2: relação entre o número de mensagens, usuários e data

A primeira etapa do grupo de estudos permaneceu funcionando entre os dias 20 de agosto e 20 de dezembro de 2010, dividido em cinco áreas, cada qual com o seu fórum temático: Mundo Digital, Geração Interativa, Aprendizagem na Cultura Digital, Inovação Pedagógica e Avaliação no Uso das TIC. Nesse período de quatro meses, foram abertos 56 tópicos, distribuídos nestas áreas. Destes, os membros da equipe abriram e moderaram 19, enquanto 30 participantes diferentes cuidaram dos outros 37 — um destes abriu quatro, outro dois abriam dois tópicos. Segundo as diretrizes do grupo, o usuário responsável pela abertura de um tópico se responsabiliza por sua moderação. Foram contabilizadas 4.275 postagens, 328 feitas pela equipe. Dos 2.325 membros que se inscreveram no grupo, 406 registraram alguma participação. A Figura 2 distribui as mensagens no decorrer do tempo, reforçando seu caráter assíncrono.

Todas as mensagens foram reproduzidas em uma planilha do Microsoft Excel, onde foram comparadas com as publicações originais, lidas e observadas, em busca de padrões de uso. De antemão, percebe-se que os fóruns começam com alguma interrogação, incentivando os interlocutores ao debate. Verificou-se uma diferença entre questões que sugerem discussões amplas e outras, mais diretas, com pedidos

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ou convites.Enquanto as perguntas podem ser divididas em “questões” e

“pedidos”, as respostas pressupõem uma variedade maior de rótulos possíveis. No grupo de estudo observado, saltam aos olhos afirmações pontuadas com verbos como “acho”, “penso”, “acredito”... pontos de vista classificados como opiniões. Alguns destes trazem como base alguma experiência pessoal ou a realização de alguma atividade próxima ao tema em discussão. Outras são lastreadas por apontamentos ou referência de textos ou autores.

Como nem todas as perguntas pedem apenas opiniões abertas, é possível apontar caminhos diretos, bem como alguma sugestão compartilhada: bibliografia, arquivo, link externo: casos que podem ser caracterizados como recomendações. Alguns participantes se sentem à vontade para fechar uma proposição, consolidando um discurso. Por fim, algumas mensagens têm como único objetivo a socialização — algo como um agradecimento pela contribuição ou um elogio. Dessa forma, a observação destes fóruns permitiu a classificação das mensagens em oito categorias, conforme o Quadro 1.

Rótulo Nome Características

QU Questão Proposta de discussão referente ao tema

PE Pedido Solicitação de ajuda, orientação aos membros

OP Opinião Pensamento, ideia, analogia ou metáfora

EX Exemplo Descrição de experiências pessoais ligadas ao tema

CI Citação Menção a alguma das leituras propostas pelo sistema

RE Recomendação Compartilhamento de link externo ou sugestão

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CL Clarificação Reforço ou consolidação de um conceito, feedback

SO Socialização Marcação emocional: elogio, apoio, ofensa

Quadro 1: proposta para categorização de mensagens

Além das postagens, a inferência do pesquisador permitiu ainda a conexão das mensagens, de modo a dar sentido ao encadeamento das mesmas no fórum. Da mesma forma, as conexões entre as mensagens também foram observadas para, num momento posterior, serem rotuladas.

Aqui, a relação mais comum é a mesma em qualquer situação pergunta-resposta: há uma situação de causa e efeito. Algumas reações acabam se tornando similares a outras; outras conflitantes, divergentes. Há casos em que a reação não é simplesmente causal: ela se torna parte do discurso, podendo ser interpretada como uma sequência do relato. Ou ainda um movimento de síntese, que vai de encontro às mensagens classificadas como feedback, clarificação. Por fim, algumas mensagens fogem completamente do diálogo, sem qualquer relação semântica com o que está sendo dito. Chegamos então a seis possíveis conexões semânticas entre as mensagens, como ilustra o Quadro 2.

Rótulo Nome Características

Efe Causa e efeitoDefine que a segunda mensagem é um efeito da primeira

Seq SequênciaDefine que a segunda mensagem é uma parte da primeira

Sim SimilarDefine que a segunda mensagem é similar a primeira

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Com ContrasteDefine que a segunda mensagem se opõe a primeira

Sum SumárioDefine que a segunda mensagem é um resumo da primeira

Nul NulaDefine que não há relação entre as duas mensagens

Quadro 2: proposta para categorização de conexões semânticas

Com os dados referentes aos vértices, categorias e conexões semânticas de cada mensagem, utilizamos a ferramenta NodeXL, extensão do próprio Microsoft Excel desenvolvida pela Microsoft Research para a visualização e análise de redes (SMITH ET AL., 2009). Entre os algoritmos disponíveis para geração dos gráficos, foi usado o Sugiyama: sua distribuição hierárquica e balanceada de nós remete a conversações em fóruns.

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Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem: verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural

Figura 3: legenda de cores usadas nas visualizações

Cada mensagem corresponde a um vértice (a postagem inicial é o nó de posição inferior), enquanto os laços correspondem ao encadeamento entre as mesmas. A diferença de formato entre os nós indica se a mensagem foi postada por um participante (círculo pequeno) ou membro da equipe (quadrado grande), conforme legenda na Figura 3. Além do diagrama, outros dados facilitam a compreensão do tópico, tais como a quantidade de mensagens e participantes, o volume de postagens por categoria e outras propriedades estruturais do gráfico, calculadas pelo NodeXL e explicadas no Quadro 3.

Rótulo Nome Características

DGDistância geodésica

máximaMaior distância, em elos, entre dois

vértices

DGmDistância geodésica

média

Distância média (em elos) entre elos do grafo, considerando todos

os vértices

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GN Grau nodal máximoNúmero máximo de elos conectados a um vértice

GIGrau de

intermediação máximo

Número máximo de um vértice “ponte”, isto é, a soma de

probabilidades deste nó servir de caminho

GimGrau de

intermediação médio

Valor médio do grau de intermediação, considerando todos

os vértices

Quadro 3: indicadores estruturais observados

Com os 56 tópicos abertos no grupo de estudos estruturados e com suas respectivas visualizações, é possível observar algumas delas. Por exemplo, o tópico “Como o mundo digital faz parte da sua vida?”, que soma 171 postagens feitas por 81 participantes distintos, apresentou o vértice com maior grau nodal: foram 41 respostas à pergunta inicial, feita por um membro da equipe. O número que indica o grau de intermediação máximo também é alto (13.555), mas a maior distância geodésica entre um vértice e outro é de 18 elos. Essa é a medida entre as mensagens mais distantes, tendo a postagem inicial como ponte. Nota-se ainda uma intensa participação do moderador, ao fazer novas perguntas aos usuários, socializar ou fazer recomendações diante das reações apresentadas.

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Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem: verifi cação de colaboração por meio de uma visualização estrutural

Figura 4 : Tópico “Como o mundo digital faz parte da sua vida?”

Percebe-se, no entanto, que são poucos os vértices que podem ser considerados pontes. Isso pode ser verifi cado se levarmos em conta o grau de intermediação médio: 398,4 (os pontos que representam mensagens nas extremidades do grafo possuem grau de intermediação zero). Um índice médio cujo valor se aproxime do máximo denota a presença de mensagens capazes de provocar mais discussões.

Resultados: Observações quantitativas e qualitativas

Segundo as diretrizes do grupo, o participante que abrir o tópico é responsável por sua moderação. Essa regra também aparece nos mapas: o vértice circular ganha as mesmas dimensões do quadrado que indica um tutor do sistema.

Antes mesmo de observar os outros tópicos, já podemos considerar a valorização de ao menos um indicador proposto por Dillenbourg (1999): a simetria entre os membros do grupo. Ainda que haja alguma interferência dos moderadores, movendo ou excluindo mensagens, a intenção de acordo com as regras é manter a organização do ambiente apenas quando necessário.

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Figura 5: proporção entre usuários e postagens

A Figura 5 distribui as 4.275 postagens e seus 406 autores. Considerando os 2.325 usuários que se cadastraram no grupo, temos 17,5% de usuários ativos nesse período. Nielsen (2006) atenta para um fenômeno descrito como “desigualdade de participação”, conhecido ainda como “regra do 1%” ou “regra 1-9-90”. A regra sugere que, a cada 100 usuários em uma comunidade on-line, um contribuirá ativamente e outros nove farão participações esporádicas. Os outros 90 não se manifestarão: serão observadores passivos.

Em princípio, usando números absolutos, o grupo de estudos supera a desigualdade. No entanto, não é simples definir quem são os colaboradores ativos: o participante mais ativo postou 95 vezes, enquanto o quarto usuário somou 46 inserções — menos de uma postagem por tópico. Chegamos então a 1%, validando a proporção clássica.

Figura 6:: distribuição de postagens por categorias

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Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem: verifi cação de colaboração por meio de uma visualização estrutural

Figura 7: Tópico “O X da questão é a geração Y?”

A Figura 6 revela o predomínio de mensagens com teor opinativo entre as postagens do grupo. Se considerarmos que as mensagens marcadas como clarifi cações, ainda que reforcem ou esclareçam ideias, também representam opiniões, chegamos a maioria das postagens do grupo: 52%.

Essa tipifi cação buscou simplesmente diferenciar as postagens entre si, sem a intenção de classifi cá-la como mais ou menos valiosa. Ao mesmo tempo, o grupo de estudos, ao valorizar cada participação sem a preocupação de avaliá-las, confi a na autonomia do estudante. Considerando

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Figura 8: Tópico “Colocando em prática”

a oportunidade que um participante dispõe de se preparar, refl etir e responder ao tópico dentro de seu ritmo, dialogar com as mensagens existentes implica em um custo — o tempo, ao lado do esforço de leitura e edição da mensagem, podem ser entendidas como variáveis que pesam.

Cooperação ocorre quando um indivíduo incorre num custo, de modo a proporcionar um benefício para qualquer outra pessoa ou grupo. Custos incluem coisas que se relacionam com aptidão genética, como recursos (por exemplo, dinheiro, tempo, trabalho e comida). Ao longo de nossas discussões, muitas vezes, nos referimos aos atos cooperativos como “dar ajuda” — mas atos cooperativos não se limitam a dar ajuda (TUMMOLINI ET AL., 2006, p. 221, tradução nossa).

Levando em conta que o homem adota estratégias que implicam na melhor relação custo-benefício, é possível afi rmar, a partir da caracterização da colaboração por seus mecanismos, que nem toda participação é resultado de uma preparação prévia. No caso do grupo de estudos analisado, os rótulos indicam citações ou recomendações aparecem em menor número em relação a opiniões, o que nos leva a pensar que seu custo de preparação é maior.

Figura 8: Tópico “Colocando em prática”

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Figura 9: Tópico “Navegar com segurança e responsabilidade”

É o caso, por exemplo, do tópico “O X da questão é a geração Y?” (Fig. 7), que mobilizou 130 participantes. Podemos identifi car, tomando como base os graus de intermediação (máximo de 10173 e 1168,9 de média) um tópico com múltiplos pontos de vista — uma das trilhas à esquerda avança, ajudando a explicar a distância máxima de 41 elos. Das 172 postagens, 105

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Figura 10 : Tópico “Uso das TICs – Diário de classe eletrônico”

(61%) foram marcadas como opinião. Das 11 respostas de partida, seis se baseiam em uma opinião; quatro em exemplos ou vivências; e uma faz referência a uma leitura ou autor.

Isso não signifi ca, no entanto, que as opiniões sejam maioria em todas as situações. No tópico “Colocando em prática” (Fig. 8), a equipe do grupo pedia aos visitantes uma descrição de suas novas experiências a partir das ideias discutidas no grupo. O resultado foram 51 postagens marcadas como exemplos. Curiosamente, duas postagens apresentam grau nodal máximo semelhante: 26. Isto porque, em um

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momento posterior, a equipe fez um reforço aos usuários que estavam “chegando ao tópico mais tarde”.

O tópico “Navegar com segurança e responsabilidade” (Fig. 9) foi criado por uma usuária que, segundo informações do Portal EducaRede4, passou cerca de 20 dias observando o ambiente antes de amadurecer a possibilidade de “ter a experiência da mediação”. Envolveu-se no diálogo, intervindo 14 vezes entre as 91 postagens contabilizadas — quatro delas com recomendações. Nota-se ainda a presença dos membros da equipe, reforçando a validação do debate, além de laços semânticos de confronto, presumindo a existência de turnos negociados.

Outro aspecto a ser observado é a presença de uma questão sem resposta, o que gera uma dúvida: qual o prazo máximo para a finalização de uma discussão criada em um ambiente virtual de aprendizagem aberto? Uma hipótese possível seria a manutenção do diálogo no decorrer do tempo, não fosse o encerramento da primeira etapa do projeto.

Para finalizar a amostragem de análises, temos o tópico “Uso das TICs — Diário de classe eletrônico” (Fig. 10), que ilustra um exemplo de diálogo que busca a resolução de um problema. Um primeiro usuário pergunta se alguém conhece ferramentas adequadas para implementar diários eletrônicos na escola. A mensagem teve seis reações, que foram desenvolvidas num total de 82 postagens.

Os caminhos mais curtos (esquerda) revelam algumas opiniões (inclusive contrárias) e recomendações que atendem a demanda do usuário. Já o caminho com laços similares que conectam marcações de socialização (direita) aponta para desdobramentos do tipo “não conheço, mas deve ser interessante”, indicando o interesse dos membros em fazer parte da comunidade e tornar o ambiente agradável.

4 Disponível em http://www.educared.org/educa/index.cfm?pg=revista_educarede.especiais&id_especial=558

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Considerações finais

Diante das “árvores”, metáfora adequada para definirmos as visualizações estruturais, ordem e caos são percepções que coexistem entre os diferentes tópicos, mesmo se compararmos proposições parecidas entre si. A composição de fragmentos textuais que, ao serem conectados, revelam algum sentido, dependem fortemente de como seus usuários se envolvem, produzem e se organizam diante das ferramentas disponíveis, resultando em um sistema complexo. Cada um destes usuários possui suas razões para participarem, despertando seus mecanismos para colaboração. Diante de ferramentas assíncronas, as interações não ocorrem necessariamente no instante em que tais motivações agem: além do tempo para reflexão e redação, as participações algum esforço de tutores e estudantes.

Ao mesmo tempo, ao retomarmos a situação e os mecanismos como indicadores de colaboração, observa-se um balanço entre a apresentação de afirmativas, a reflexão, a aplicação de proposições do grupo, múltiplos pontos de vista, exemplos sugestões. Ressalta-se ainda as marcações de caráter emocional, valorizando a comunicação interpessoal baseada em texto. Dessa forma, a combinação de métodos proposta neste artigo mostra-se adequada para identificar padrões de colaboração em fóruns.

No entanto, as limitações destes métodos devem ser ponderadas. Por se tratar de uma inferência do observador, a aplicação prática da categorização de mensagens e conexões fundamentadas na observação das mesmas pode resultar em categorias diferentes. Mesmo se a sistematização do trabalho for rigorosamente a mesma, há possibilidade de discordâncias. Indo mais longe, é possível pensar em outras classificações e gradações, especialmente diante de uma descrição clara dos objetivos do AVA, bem como o tipo de instituição que a utiliza. Quanto à adoção da Grouded Theory para observação e codificação, o uso de software como apoio ao trabalho não deve se sobrepor ao olhar do pesquisador.

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Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem: verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural

O processo de codificação na Grounded Theory não é uma fase discreta, mas sim uma atividade compexa e integral tecida em todo processo de pesquisa. Apesar da capacidade dos softwares de auxílio a codificação para arquivamento e pronta recuperação de dados, a maior parte da atitude mental mecânica que resulta em sua aplicação não é apenas demorada, mas também contra-criativa para a imperativa idealização conceitual para gerar boa Grounded Theory (HOLTON, 2007, p. 259, tradução nossa).

Dentro do escopo desta pesquisa, outras aproximações possíveis podem levar em conta outros sistemas técnicos no entorno do AVA: os usuários que utilizam fóruns como espaços de discussão orientados, moderados e restritos aos inscritos no sistema podem se apropriar de outras ferramentas e potencializar seus contatos.

Cabe valorizar, sejam quais forem os sistemas técnicos a serem considerados, a oportunidade de pesquisa empírica no âmbito das ciências sociais aplicadas diante de registros textuais em bases de dados. Neste processo multidisciplinar, cabem elementos da computação e da ciência da informação, como o uso de algoritmos para interpretação de dados (ZHUGE, 2003) capazes de enriquecer a compreensão de fenômenos da comunicação. Um passo seguinte deste estudo seria, por exemplo, a otimização de análises estruturais por meio da adoção de modelos computacionais integrados ao ambiente virtual. Como no exemplo proposto por Barros e Verdejo (2000), no qual os participantes rotulam suas participações a partir de categorias predefinidas. Um caminho que está só começando:

A pesquisa empírica envolvendo comunicação mediada por computador pede abordagens metodológicas eficientes, que permitam ao pesquisador analisar dados compatíveis ao seu problema de pesquisa mantendo o rigor científico devido — ao mesmo tempo, ainda que o interesse por este

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universo tenha aumentado, estamos diante de um cenário em construção, especialmente no Brasil (FRAGOSO ET AL., 2011, p. 17).

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Social Games: entretenimento democrático na internet1

Cláudia Maria Arantes de Assis2

Jefferson Ferreira Saar3

Introdução

Esse trabalho parte da premissa inicial que a rede mundial de computadores é um meio no qual o exercício democrático pode ser posto em prática de uma forma mais ampla do que nos antigos meios existentes. Contudo, não pretendemos nesse estudo descartar o valor democrático e participativo dos veículos de comunicação já estabelecidos, como o jornal, a revista, o rádio e a televisão. Porém, temos o intuito de enfatizar que, na internet, as pessoas têm uma maior liberdade de expressão, participação, opinião e de construção do conhecimento.

Os “social games” aparecem nesse novo cenário de evolução tecnológica, baseado na transmissão de dados via internet, como mais uma possibilidade de execução dos valores democráticos e participativos dentro das sociedades. Porém, antes de entramos no âmbito funcional dos “social games”, temos que entender alguns conceitos-chave para a elaboração teórica de nosso estudo.

A priori, faz-se necessário entender os parâmetros que tangem a democracia. Segundo o dicionário Michaelis,4 a palavra “democracia”

1 Trabalho apresentado no Intercom Nacional 20132 Doutoranda do programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. 3 Doutorando do programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Mestre em Comunicação Social pela UMESP de São Paulo. Graduado em Com4 Retirado de: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.

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vem do grego – demokratía – e pode ser entendida como: “1 Governo do povo, sistema em que cada cidadão participa do governo; democratismo. 2 A influência do povo no governo de um Estado. 3 A política ou a doutrina democrática. 4 O povo, as classes populares”. Como é possível perceber, o termo está voltado para uma participação cidadã nos governos.

Para Wilson Gomes (2005), a democracia acontece no âmbito de duas esferas: a civil e a política. Segundo ele, a esfera civil está no coração de qualquer regime democrático, porém, ela não governa, mas autoriza que o regime funcione; já a esfera política tem poder de governo e está ligada à esfera civil apenas pela natureza eleitoral, ou seja, pelo voto.

Tendo uma primeira compreensão do que vem a ser democracia, mesmo que de forma etimológica, será que a internet possibilita a todos os cidadãos o exercício democrático e participativo que a sociedade exige? Essa é uma dúvida constante, dado que, por ser um novo meio e estar em constante mutação, fica difícil mensurar sua representação democrática. Contudo, Wilson Gomes nos apresenta uma definição do que seria a chamada “democracia digital” em seu texto “Participação política online: questões e hipóteses de trabalho”:

Entendo por democracia digital qualquer forma de emprego de dispositivos (computadores, celulares, smartphones, palmtops, ipads...), aplicativos (programas) e ferramentas (fóruns, sites, redes sociais, medias sociais...) de tecnologias digitais de comunicação para suplementar, reforçar ou corrigir aspectos das práticas políticas e sociais do Estado e dos cidadãos, em benefício do teor democrático da comunidade política (GOMES, 2011, p. 27-28).

O autor também diz que, em nosso país, existe uma grande

php?lingua=portugues- portugues&palavra=demo cracia>. Acesso em: 26 mai. 2012.

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Social Games: entretenimento democrático na internet

desigualdade no que tange à distribuição tecnológica:

[...] Por enquanto, o que se vê em geral é que a distribuição desigual de competências técnicas, de recursos financeiros e de habilidades educacionais se transforma numa nova desigualdade de oportunidades políticas, que ao invés de resolver as desigualdades anteriores, torna-as ainda mais graves quando o crescente aumento das oportunidades digitais de participação política termina por ficar fora do alcance de uma parcela considerável da população (GOMES, 2005, p.71-72).

Todavia, Fábio B. Josgrilberg já havia previsto isso em seu texto “A opção radial pela comunicação na cidade”, originalmente publicado no livro Cidadania e Redes Digitais, principalmente no que tange às desigualdades econômicas e de acesso à internet:

Posto de outra forma, a liberdade de participação dos mais fracos no mundo online sempre será limitada se não vier acompanhada de igualdade, segurança e solidariedade. A suposta liberdade individual, tal como queria John Locke, pode não ser suficiente para relações mais fraternas e justas sem a igualdade socioeconômica (JOSGRILBERG, 2010, p.165).

Com base nas definições de Gomes (2011) e Josgrilberg (2010),

percebe-se claramente que, em nosso país, nem todos têm acesso aos dispositivos de transmissão de dados via internet, tampouco aos recursos tecnológicos existentes, e uma das áreas que mais sofrem com isso é a educação. Tal fato dificulta a socialização das ideias e a participação democrática em uma sociedade, porém o crescimento do acesso à internet via celular tem sido vertiginoso no Brasil nos últimos três anos. Tal crescimento é ratificado pelo título da matéria postada no site Brasil Econômico5 em 15 de fevereiro de 2012: “Número de 5 Disponível em: <http://www.brasileconomico.ig.com.br/noticias/numero-de-

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celulares no Brasil chega a 245,2 milhões”. Em resumo, já temos mais celulares em nosso país do que habitantes. Tendo em vista que as operadoras de telefonia móvel estão disponibilizando planos mais baratos de acesso à internet via celular, isso nos leva a crer que, muito em breve, grande parte da população terá acesso à rede através de seus dispositivos móveis.

Entretanto, Hubertus Buchstein (1997), em seu texto “Bytes que mordem: a internet e a democracia deliberativa”, propõe dois tipos de grupos frente à implantação da democracia digital. O primeiro grupo seria dos “pessimistas”, que temem que a digitalização da democracia estratifique ainda mais as diferenças sociais; já o segundo seria dos “neutralistas”, aqueles que acreditam que o acesso à internet aumentaria e, muito, a democratização social, assim como a participação efetiva na chamada esfera pública.

Essas duas vertentes nos fazem refletir que o acesso à internet não será o grande problema para o exercício da participação democrática do cidadão brasileiro. Porém, outro ponto a ser destacado versa sobre o fato de saber se as pessoas, mesmo com acesso à internet, terão vontade de participar da construção democrática do país, ou seja: será que o brasileiro já se encontra preparado para utilizar a internet como ferramenta de contribuição democrática-cidadã? Para a professora e pesquisadora Rousiley Celi M. Maia (2011, p. 68-69), a internet não “promove automaticamente a participação política e nem sustenta a democracia; é preciso, antes, olhar tanto para as motivações dos sujeitos quanto para os usos que eles fazem dela, em contextos específicos”.

Wilson Gomes segue a linha proposta por Rousiley Maia e diz que a internet abre grande espaço para o debate político, mas o poder político organizado tenta dificultar que a sociedade civil participe das discussões de interesse público. Segundo o pesquisador Wilson Gomes (2005, p. 221), “apesar do fato de a internet prover espaço

celulares-no-brasil-chega-a-2452milhoes_113201.html>. Acesso em: 26 mai. 2012.

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adicional para a discussão política, ela também é atingida pelas blindagens antipúblico do nosso sistema político, o que diminui consideravelmente a real dimensão e o real impacto da opinião pública tanto on-line quanto off-line”.

Entretanto, André Lemos (2009) nos apresenta a ideia do novo sistema comunicacional, chamado por ele de “pós-massivo”. Para o autor, os meios digitais mudaram a lógica da comunicação. Agora, os fluxos comunicacionais ocorrem de todos para todos (colaborativo), e não mais de um para todos, como ocorria antigamente. André Lemos (2009, p. 2) diz que, no século XXI, nasce um “sistema infocomunicacional mais complexo, onde convivem formatos massivos e pós-massivos. Emerge aqui uma nova esfera conversacional em primeiro grau, diferente do sistema conversacional de segundo grau característico dos mass media”.

Dessa maneira, a “esfera conversacional” proposta por Lemos (2009) amplia o nível das discussões em países de regime democrático. Porém, o grande problema da prática democrática via internet não está em ter acesso à esfera conversacional, mas sim em que nível essas conversas se darão.

Complementando essa ideia, Raquel Gibson (2001) fala sobre a melhoria da vida democrática com a participação massiva via internet. Para a autora, a web possibilita que mais pessoas façam parte do processo democrático. Ela diz também que isso é feito de forma multidirecional, ou seja, todos os envolvidos no processo conversam entre si. Para Gibson (2001, p. 563), “[...] dos modelos radicais de democracia direta a sistemas representativos mais delgados e transparentes, as propriedades interativas da internet poderiam levar a um novo nível de prestação de contas dos governantes e a um novo nível de diálogo público”.

Ainda sobre essa temática, Buchstein (1997) diz que o modelo participativo possibilitado pela internet reúne alguns dos requisitos básicos propostos pela teoria normativa de Habermas sobre uma

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esfera pública democrática, pois ela é:

[...] um modo universal, anti-hierárquico, complexo e exigente. Porque oferece acesso universal, comunicação não-coercitiva, liberdade de expressão, agenda irrestrita, participação fora das tradicionais instituições políticas e porque gera opinião pública mediante processos de discussão (BUCHSTEIN, 1997, p. 251).

Assim como Habermas nos apresentou a ideia de “esfera pública”, Bauman (1999, p.31) fala sobre o termo “espaço público”: “Os espaços públicos – ágoras e fóruns nas suas várias manifestações, lugares onde se estabelecem agendas, onde assuntos privados se tornam públicos, onde opiniões são formadas, testadas e confirmadas, onde se passam julgamentos e vereditos”. É nesse “espaço público” que o debate democrático tende a ocorrer. A internet media essas discussões ampliando as conversas entre os pares, o que acaba por homogeneizar a discussão e facilitar as conclusões dentro dos grupos sociais.

No entanto, encontramos em David Scholosberg e Jonh S. Dryek (2002) uma preocupação que nos parece bem pertinente. Para os autores, existem dois desafios claros para a implantação da democracia digital. O primeiro é descobrir se há a possibilidade de congruência entre as reivindicações feitas via internet por um grupo de pessoas com aquelas feitas por indivíduos isolados no processo; já o segundo problema versa sobre a necessidade de ser um processo deliberativo, ou seja, há a necessidade que alguém delibere sobre as reivindicações que são feitas online. É necessário que haja pelo menos um envolvido no processo que detenha o chamado poder legal, de lei, para que as vozes ganhem força. Este pode ser um senador, deputado, vereador, em resumo, qualquer pessoa que possa deliberar politicamente. Com essa duplicidade – sociedade civil e poder político –, o uso da internet como instrumento democrático ganhará força e efetividade.

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Nesse sentido, Fábio Josgriberg (2010) nos fala sobre o tempo que toda conquista democrática leva até que seja percebida pelo grande público. Por isso, não devemos esperar que os movimentos democráticos online aconteçam no curto prazo. Esse processo pode levar anos, às vezes décadas, até que suas conquistas sejam percebidas. Para Josgrilberg, a política é:

[...] Um processo histórico com as suas idas e vindas que também se dão no ambiente informal. Trata-se de um fenômeno da vida cotidiana prosaica e criativa que, por vezes, é imperceptível aos especialistas e profissionais da política. Nenhum regime ou estado de coisas cai por terra sem algum suporte da vida cotidiana, seja uma ditadura militar, a presidência de Fernando Collor ou a de George Bush. O informal é constituinte do formal (2010, p. 167).

Contudo, o conceito de “esfera pública” – proposto por Habermas – está ainda mais em voga nos dias de hoje, pois, com a chegada da internet, ficou mais fácil o processo de comunicação em diversas camadas sociais. A esfera pública só existe quando as pessoas envolvidas conseguem ampliar o diálogo, ou seja, quando envolvem mais e mais pessoas na discussão. Dentre os envolvidos no diálogo, é muito importante a participação do poder público, pois este detém os caminhos legais para que as mudanças sociais possam ocorrer (HABERMAS, 1997). Habermas fala também da mídia como elemento agregador da esfera pública – para ele, a mídia possibilita a participação de pessoas fora do mesmo espaço e tempo, de forma que elas possam interagir de forma unificada na discussão.

Entretanto, o fato de mais pessoas participarem do debate político via internet não garante que o nível da discussão seja elevado, proveitoso e democrático. Muitos cidadãos apenas reforçam as vozes de outros e, em alguns casos, nem se dão conta do real motivo da discussão. Assim, o debate perde conteúdo e ganha volume e, como sabemos, uma democracia consistente só amadurece com debate de

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qualidade.

A Sociedade dos Games Online

Muitas crianças, adolescentes, jovens, adultos e até idosos passam algumas horas no ambiente virtual da internet. Os games online, tão presentes na web atualmente, representam grande parte das horas diárias dessas pessoas.

Nesse sentido, algumas temáticas abordadas por Manuel Castells, McLuhan, dentre outros, estão presentes direta e/ou indiretamente em diversas abordagens sobre games online.

Dessa maneira, podemos citar Vincent Mosco, no artigo intitulado “Do mito do ciberespaço à economia digital”, publicado no livro Comunicação, economia e poder:

Do ponto de vista mítico ou cultural, o ciberespaço pode ser encarado como o fim da história, da geografia e da política. Mas, do ponto de vista político econômico, o ciberespaço é o resultado do desenvolvimento mútuo da digitalização e da comercialização (2006, p.81-82).

Assim, não é possível desconectar o lado comercial dos games do lado colaborativo entre os participantes ou jogadores. Contudo, o mundo virtual dos games online possuem algumas das características apresentadas por Lévy. Segundo o autor, a colaboração entre os gamers – jogadores dos games via internet – é comum. Os gamers partilham diversos dados e arquivos entre eles, assim como discutem em diversos fóruns sobre a melhoria dos jogos e colaboram entre si na passagem de determinadas etapas dos jogos. Pierre Lévy (1999, p. 245) diz também que a evolução da tecnologia da informática “constitui uma impressionante realização do objetivo marxista de apropriação dos meios de produção pelos próprios produtores”. Outro ponto abordado pelo autor (201) diz que “a finalidade da inteligência coletiva

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é colocar os recursos das grandes coletividades a serviço das pessoas e dos pequenos grupos”.

Sobre esse aspecto, esbarramos no que Manuel Castells chamou de “sociedade em rede”. O sociólogo espanhol propôs tal termo e este vem sendo muito bem aceito nos últimos anos, devido principalmente à evolução da tecnologia de transmissão de dados via internet. A base prática dos social games é também a base da sociedade em rede.

A revolução da tecnologia da informação e a reestruturação do capitalismo introduziram uma nova forma de sociedade, a sociedade em rede. Essa sociedade é caracterizada pela globalização das atividades econômicas decisivas do ponto de vista estratégico, por sua forma de organização em redes; pela flexibilidade e instabilidade do emprego e pela individualização da mão-de-obra. Por uma cultura de virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia onipresente, interligado e altamente diversificado (CASTELLS, 2008, p. 17).

Outro ponto abordado por Manuel Castells fala das comunidades virtuais na internet. Podemos considerar que os social games são, na verdade, grandes comunidades virtuais, visto que seus jogadores partilham de um interesse comum. Os gamers trocam e buscam informações, além de enviar dados sobre jogo. Também marcam encontros temáticos, dentre outras atividades em grupo, e acabam por formar uma rede de interesse sobre o jogo. Para Castells (2005, p. 57), as “novas tecnologias da informação estão integrando o mundo em redes globais de instrumentalidade. A comunicação mediada por computadores gera uma gama enorme de comunidades virtuais”.

O conceito de “redes globais”, citado por Castells, pode ter nascido da ideia de Marshall McLuhan (1972) que, muito antes da criação da internet, criou o conceito de “aldeia global”. Durante muitos anos, as ideias de McLuhan foram desprezadas pelas escolas de comunicação, porém, com o advento e desenvolvimento da rede mundial de

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computadores, elas voltaram a ser discutidas. Vale dizer que o conceito de aldeia global, na contemporaneidade, é tido como algo profético, pois quando McLuhan o criou, ele pensava apenas nas mídias vigentes à época, como a TV, o rádio, o telefone e os impressos. A aldeia global proposta por McLuhan pregava que o desenvolvimento tecnológico, tomando por base o telefone e a televisão, conectando as pessoas que estavam distantes umas das outras. Contudo, essa interconexão só era possível através dos meios de comunicação. Para McLuhan, isso transformaria o mundo em uma grande aldeia global. A aldeia global é tratada por David Harvey:

Por vezes, o mundo parece encolher numa “aldeia global” de telecomunicações e numa ‘espaçonave terra’ de interdependências ecológicas e econômicas, e que os horizontes temporais se reduzem a um ponto em que só existe no presente (o mundo do esquizofrênico). Temos de aprender a lidar com um avassalador sentido de compressão dos nossos mundos espacial e temporal (1997, p. 219).

Os social games transitam nas realidades apresentadas acima. São virtuais, pois são programas de computador que simulam a realidade; estão presentes na web como uma grande sociedade em rede, como fala Castells; fazem parte da aldeia global, visto que todos com acesso à internet podem jogar; são colaborativos e ampliam a prática cidadã no sentido que uns podem auxiliar outros na questão da “jogabilidade”– os diferentes modos do jogo –; e, por fim, são democráticos, pois não há distinção de gênero, raça, credo etc.

Conceituando Games

Poucos são os autores que escrevem sobre o conceito de “jogo”. Encontramos em Johan Huizinga algumas definições para o termo e

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para a área em questão. Porém, antes de entramos nas ideias propostas pelo autor, vale apresentar o conceito de “sociedade”, visto que os games online não são jogados por grupos específicos da sociedade. Nesse sentido, Simmel define “sociedade” dizendo que:

[...] Sociedade é o estar com um outro, para um outro, contra um outro que, através do veículo dos impulsos ou dos propósitos, forma e desenvolve os conteúdos e os interesses materiais ou individuais. As formas nas quais resulta esse processo ganham vida própria. São liberadas de todos os laços com os conteúdos; existem por si mesmas e pelo fascínio que difundem pela própria liberação destes laços. É isso precisamente o fenômeno a que chamamos sociabilidade (1983, p. 169).

Nesse sentido, a correlação entre sociedade e jogos, segundo Huizinga (2001), se dá ao analisarmos que jogos são atividades exercidas pelas pessoas de forma livre, voluntária, realizadas em tempo e espaço determinados e com regras aceitas entre os jogadores. O autor destaca ainda que os jogos têm sempre um sentimento de tensão e alegria entre os participantes, e isso confere aos jogadores um sentimento de diferenciação da vida real. Ainda segundo Huizinga (2001), encontramos um referencial sobre competitividade. Segundo o autor, a competição:

[...] não se estabelece apenas “por” alguma coisa, mas também “em” e “com” alguma coisa. Os homens entram em competição para serem os primeiros “em” força ou destreza, em conhecimentos ou riqueza, em esplendor, generosidade, ascendência nobre, ou no número de sua progenitora. Competem “com” a força do corpo ou das armas, com a razão ou com os punhos, defrontando-se uns aos outros com demonstrações extravagantes, com palavras, fanfarronadas, insultos, e finalmente também com astúcia (HUIZINGA, 2001, p.41).

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Vivemos em sociedades competitivas. Nos games, essa característica social também está presente. Ser o melhor, o mais admirado, o vencedor é o grande objetivo de qualquer jogador. Contudo, a projeção dos campeões fica, muitas vezes, no âmbito do virtual. Huizinga (2001) fala de duas características fundamentais presentes nos jogos. A primeira versa sobre a liberdade que o jogador possui durante o jogo; a segunda diz que o jogo é uma representação da realidade.

As regras dos jogos também devem ser levadas em consideração, pois sem elas não há como estabelecer um vencedor e, por conseguinte, não existe o jogo propriamente dito. Huizinga também nos apresenta um conceito para as regras nos jogos. Segundo o autor:

São estas que determinam aquilo que “vale” dentro do mundo temporário por ele circunscrito. As regras de todos os jogos são absolutas e não permitem discussão. Uma vez, de passagem, Paul Valéry exprimiu uma ideia das mais importantes: ‘No que diz respeito às regras de um jogo, nenhum ceticismo é possível, pois o princípio no qual elas assentam é uma verdade apresentada como inabalável’. E não há dúvida de que a desobediência às regras implica a derrocada do mundo do jogo. O jogo acaba: o apito do árbitro quebra o feitiço e a vida “real” recomeça (2001, p. 14-15).

O autor diz também que aqueles jogadores que tendem a burlar, a desrespeitar as regras estabelecidas pelo grupo são os chamados “desmancha-prazeres”. Outro ponto importante abordado por ele diz que as comunidades organizadas para a prática de jogos tendem a se tornar permanentes, duradouras (HUIZINGA, 2001).

Existe uma clara tendência de crescimento comercial no mundo dos games. Atualmente, a indústria dos jogos já está se equiparando à do cinema, porém este ainda é um termo pouco estudado pelas

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escolas de comunicação. Acreditamos que, muito em breve, diversos estudos irão brotar nessa área, pois seu crescimento será tamanho que evitá-lo não será mais possível. Gustavo Cardoso nos fala do crescimento da indústria dos games:

[...] Propõe-se que além de olharmos os jogos multimídia como meio de comunicação, devemos igualmente questionar se as atuais tendências de concentração, convergência e atuação em rede não tenderão a elevar a indústria cultural dos jogos multimídia, em médio prazo, ao segundo pilar do entretenimento em conjunto com a televisão e ultrapassando o cinema (2007, p.152).

Contudo, Lúcia Santaella cita em um de seus textos a importância do

crescimento do mundo dos games que, como isso, vem influenciando a cultura vigente desde o início do terceiro milênio. A autora coloca a indústria dos games como a primeira na área do entretenimento. Assim, Santaella diz que:

Para se ter uma ideia do papel que os jogos eletrônicos estão desempenhando na cultura humana deste início do terceiro milênio, basta dizer que a movimentação financeira de sua indústria é a primeira na área de entretenimento, superior à do cinema, e a terceira do mundo, perdendo apenas para a indústria bélica e a automobilística (2007, p. 407).

Talvez uma das explicações possíveis para o crescimento da indústria dos games possa estar nas palavras Will Wright, citado por Jenkins, no livro Cultura da convergência:

[...] Will Wright, criador de SimCity (1989) e The Sims (2000), afirma que, na indústria de games, a separação entre criadores e consumidores é muito menor do que a maior parte dos outros setores da indústria do entretenimento, em parte porque quase todo o pessoal da indústria de jogos

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se lembra de quando as pessoas desenvolviam games na garagem de casa (JENKINS, 2009, p. 221-222).

Nesse tópico, constatamos dois postos-chave. Primeiro: a indústria dos games cresce vertiginosamente, e muito disso se deve à colaboração dos jogadores. Há uma grande interação entre empresa e usuário e, por isso, podemos acreditar que a tendência de crescimento se mantenha por muitos anos, mesmo em épocas de crises financeiras mundiais, como as de agora. Segundo: todo jogo deve ter participação em grupo; necessidade de regras estabelecidas; liberdade de escolha dos jogadores ao elegerem seu jogo; prática em tempo e espaço determinado; competição e respeito às regras.

Os Games Online são interativos

A pergunta do título acima – os games são interativos? – poderia ser respondida de forma positiva e simplista, porém o conceito de “interativo” e/ou “interatividade” é um tanto quanto complexo. É perceptível que muitos games carregam em sua estrutura tal característica de interatividade. Sobre esse termo, Henry Jenkins nos fala que:

A interatividade refere-se ao modo como as novas tecnologias foram planejadas para responder ao feedback do consumidor. Pode-se imaginar os diferentes graus de interatividade possibilitados por diferentes tecnologias de comunicação, desde a televisão, que nos permite mudar de canal, até videogames, que podem permitir aos usuários interferir no universo representado (2009, p.182).

Todavia, não é difícil constatar que quase todos os lançamentos vêm com códigos para que o comprador entre na web e dê sua contribuição

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aos desenvolvedores e/ou colegas de game. Essa contribuição nada mais é que a aplicação prática do conceito de feedback, citado por Jenkins. Atualmente, os jogadores tendem a participar não apenas do game enquanto estão conectados, mas sim de toda a vida comercial do mesmo. Assim, não é incomum encontrar nos fóruns virtuais dos games mais e melhores informações do que a própria fabricante do jogo disponibilizou.

Entretanto, Lúcia Santaella nos fala de um conceito de interação voltado para o lado cultural, que o difere do conceito de Jenkins, porém nos parece pertinente na medida em que entender a interação cultural também é importante para essa análise. Segundo a autora, com a proliferação das mídias:

[...] aumenta a movimentação e interação ininterrupta das mais diversas formas de cultura, dinamizando as relações entre diferenciadas espécies de produção cultural. a multiplicação das mídias tende a acelerar a dinâmica dos intercâmbios entre as formas eruditas e populares, eruditas e de massa, populares e de massa, tradicionais e modernas, etc (santaella, 1999, p.31).

Pierre Lévy fala que a interação que temos com as coisas desenvolve nossas competências “por meio de nossas relações com os signos e com a informação adquirimos conhecimentos. Em relação com os outros, mediante iniciação e transmissão, fazemos viver o saber” (LÉVY, 1998, p.27). Interpretando as palavras de Lévy, pode-se crer que a interação entre as pessoas seja a grande geradora do conhecimento.

Entretanto, Marco Silva destaca que o termo “interatividade” vem sendo utilizado muitas vezes fora de contexto e, por isso, tem se tornado amplo demais e sem sentido. O autor ainda contesta se o termo algum dia teve precisão de sentido. “O termo virou marketing de si mesmo. Vende mídias, vende notícias, vende tecnologias, vende

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shows e muito mais. É a chamada ‘indústria da interatividade’” (SILVA, 1995, p. 1).

No entanto, alguns autores como Alex Primo (2007), Eugênio Bucci (2001) e Arlindo Machado (1996), embora com olhares diferenciados, tratam de interação e interatividade. Assim, é possível compreender que a interação estaria no campo das relações humanas; já a interatividade seria a relação interpessoal mediada pelas tecnologias. Nessa linha, Silva diz que “a interatividade está na disposição ou predisposição para mais interação, para uma hiper-interação, para bidirecionalidade – fusão emissão-recepção – para participação e intervenção. Digo isso porque um indivíduo pode se predispor a uma relação hipertextual com outro indivíduo” (1995, p. 3).

Enfim, os games são interativos? Sim, podemos dizer que os games têm grande interatividade entre os jogadores, visto que interatividade melhor se aplica às relações mediadas pelas máquinas.

Social Games na prática

Atualmente, as redes sociais brasileiras estão sendo invadidas por games de todos os tipos, os chamados social games. O nome, que deriva do inglês, se deve a práticas desses games que acontece em redes sociais como Orkut, Facebook e Twitter. Uma das formas de jogar os social games é através dos convites, enviados por seus contatos nas redes sociais. Outra forma é você mesmo buscar o game na rede social e entrar para jogar.

Em geral, os jogos sociais são fáceis de jogar e suas interfaces gráficas, bem simples. Porém, a jogabilidade é sempre muito cativante. Isso acaba por prender a atenção dos jogadores por muitas horas. Outro ponto importante se dá pela interação em rede: os praticantes dos social games podem trocar informações e atributos do game de forma instantânea e, em alguns casos, até offline.

Essa inovadora forma de jogar, com pessoas que não estão

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online, é mais uma ferramenta de sucesso dos social games, ou seja, você interage com seus colegas que não estão jogando em um dado momento e, quando estes entram no jogo, veem seus pedidos de interação. Vale destacar também que, nesses jogos, as pessoas acabam se conhecendo e isso faz com que muitas acabem por fazer amizades. Essas amizades têm um grande laço de afinidade: as preferências pelos jogos. Talvez as características acima citadas exprimam alguns dos motivos do sucesso dos social games, visto que, em qualidade gráfica, eles não chegam nem perto à dos melhores e mais modernos videogames existentes no momento.

Os jogos sociais estão mudando a lógica do mercado de games pelo mundo. Até bem pouco tempo atrás, as empresas desenvolvedoras de jogos tinham interesses focados nas plataformas físicas, ou seja, nos videogames. Isso está mudando e os jogos em rede, principalmente os presentes nas redes sociais, parecem ser o foco principal das empresas. Tal fato é confirmado pela matéria postada no portal de notícias empresariais HSM, em 12 de fevereiro de 2012. Segundo o portal, os jogos em rede existem há pouco tempo:

[...] comparada aos mais de 30 anos de existência de consoles de videogames e hoje alcança a representatividade de um terço do mercado de games total, os jogos onlines vêm cada vez mais conquistando a maior fatia do bolo. foram mais de 20 bilhões de dólares de faturamento em 2010 em jogos que, de uma maneira ou de outra, tem como principal plataforma os meios online.

É interessante perceber que esse setor do mercado dos games avançou mais rápido que os consoles físicos. vale destacar que o videogame playstation lançou sua quarta geração, e milhões de dólares são investidos anualmente em pesquisa pela sony, visando melhorias tecnológicas para o mesmo. estariam os videogames caseiros, offline, com os dias contados? não podemos fazer ainda tal afirmação, mas

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vale lançar tal questionamento e aguardar o andamento dos fatos.Segundo notícia do portal Tafner, o crescimento dos social games

vem acontecendo “principalmente porque os usuários seguem num movimento forte de migração para as redes sociais, onde passam um tempo significante interagindo com seus amigos e buscando formas de interação, tornando as redes sociais um cenário propício ao desenvolvimento desse mercado”.

A rede social Facebook divulgou em 2011 uma lista com os dez games mais jogados em seu site. O jogo Gardens of time, da desenvolvedora Playdom é o líder absoluto, seguido pelo jogo The Sims Social, da poderosa empresa Eletronic Arts; já a surpresa negativa ficou por conta do terceiro lugar, o game Cityville, da empresa Zynga, pois este jogo era o que tinha recebido o maior número de recomendações até então no site.

Um dos jogos sociais para Facebook que mais têm feito sucesso no Brasil é o The Sim Social. O jogo simula a vida real de uma pessoa. Nele o jogador cria seu personagem e passa a vivenciar situações da vida real dentro do game – como fazer amigos, construir sua casa, casar, estudar, ter filhos, ir a festas etc. Porém, em relação à jogabilidade, tudo é muito simples. O jogador tem apenas que clicar em itens presentes no jogo e esperar certo tempo para conseguir outros. Ainda assim, ele têm se tornado um dos games mais acessados do Facebook, provavelmente pela possibilidade de conhecer pessoas e de fazer amigos. A título de curiosidade, o game The Sims Social teve, em 2012, por volta 27 milhões de jogadores, sendo que 7,5 milhões entram no game todos os dias .

O mundo empresarial também já descobriu o poder dos jogos sociais. Algumas empresas estão investindo nas redes sociais a fim de conseguir mais proximidade com seus diversos públicos, mas o alvo principal tem sido o público jovem, visto que estes têm mais tempo disponível para jogar e acessar a internet. O FarmVille – jogo social em que o usuário administra uma fazenda – inseriu recentemente uma

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famosa marca de produtos orgânicos agrícolas no game. A Cascadiam Farm, subsidiária do grupo General Mills, colocou no jogo FarmVille um aplicativo por meio do qual o jogador aprende a cultivar produtos orgânicos. Os executivos da empresa esperam expandir as vendas, assim como ampliar a divulgação da marca na mente do jogador do FarmVille.

Já o FarmVille é abordado em reportagem escrita por Rafael Kenski, no site Super Abril. Segundo Kenski, o game tinha “[...] mais de 211 milhões de jogadores por mês – o Farmville convida as pessoas a criar sua própria fazenda. Além de vender bens virtuais para enriquecer o minifúndio dos jogadores”.

Os social games acabam sendo uma porta mais fácil e agradável para se conhecer pessoas nas redes sociais. Por meio deles, você não precisa mais chegar diretamente a um desconhecido e dizer: “Olá, quer ser meu amigo?”. Basta jogá-los e, naturalmente, fará mais amigos. Talvez esse seja o segredo do grande sucesso dos social games.

Considerações finais

Percebemos, nesse estudo, que os games inseridos em redes sociais – social games – nada mais são que ferramentas para facilitar a interação entre as pessoas; sua principal função é fazer com que os jogadores possam, através do jogo, conhecer mais e mais pessoas. As antigas formas de abordagem entre desconhecidos nas redes sociais estão sendo sutilmente substituídas por outras, menos diretas. Assim, o jogo social cumpre sua principal função, que é facilitar a aproximação das pessoas nas redes sociais.

Outro ponto abordado por essa pesquisa versou sobre a democracia colaborativa nos social games. O que foi constatado é que, nesse tipo de jogo, há sim um processo colaborativo que podemos chamar de democrático entre os jogadores, pois os gamers tendem a colaborar

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uns com os outros, facilitando a informação entre todos de forma livre e democrática. Existem diversos fóruns de colaboração na web, nos quais são encontrados praticamente todos os tipos de informação sobre os jogos. Não há distinção entre os públicos nos social games. Há, sim, uma participação efetiva entre todos os participantes dos jogos.

O fato de os jogos sociais serem gratuitos também deve ser lembrado neste momento. Pudemos constatar também que o investimento nesse novo setor de mercado – games gratuitos via rede social – está em franco crescimento e isso está mudando a lógica das empresas desenvolvedores de games, que até então focavam seus esforços comerciais no desenvolvimento tecnológico dos videogames caseiros (offline).

A ideia de interatividade nos social games também foi debatida em nossa pesquisa. Pode-se perceber que os jogos sociais são, sim, interativos, pois seus jogadores mantêm com a empresa desenvolvedora e com seus companheiros de jogo um diálogo constante, pondo em prática o conceito de feedback – ou seja, há sempre um retorno informacional entre os envolvidos nos jogos.

Abordamos também, mesmo que de forma introdutória, os conceitos de democracia digital e/ou na web. Notamos que o grande problema do exercício da democracia via internet não está no acesso aos meios, visto que o acesso internet via dispositivos móveis, em um futuro muito próximo, já será uma realidade a praticamente toda a sociedade brasileira. O grande problema da prática democrática digital está, sim, em como as pessoas irão fazer e/ou estão fazendo suas reivindicações via web. Um exemplo claro pode ser visto nas inúmeras listas de abaixo-assinado que correm a web. Apenas assiná-las, sem ter noção do conteúdo das mesmas, não pode ser considerado uma efetiva prática democrática. Portanto, o problema da democracia digital está em como as pessoas farão suas reivindicações, e não se terão acesso aos meios para tal.

Esperamos que nossa contribuição possa atrair outros pesquisadores

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para o estudo dos games como fenômeno da comunicação social contemporânea. Acreditamos que a área do estudo em questão ainda careça de melhores abordagens por parte dos pesquisadores das ciências sociais aplicadas. Porém, por ser uma área muito nova, isso se dará com o tempo. Provavelmente, a rápida evolução tecnológica, presente na indústria dos games, fará com que novos pesquisadores se debrucem sobre o tema, principalmente os mais jovens, visto que já nasceram na geração dos games.

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Simulação Computacional de Fluxos de Informação: uma abordagem no

âmbito da Comunicação Social1

Daniel Costa de Paiva 2

Introdução

Os tipos de informação que circulam em diferentes ambientes variam em função dos grupos, dos aspectos sociais e da cultura. Neste mesmo caminho, a frequência com que uma informação é disseminada é altamente variável, podendo ocorrer continuamente durante o dia, uma vez por dia ou por semana, ou ainda sem uma periodicidade definida.

Os meios pelos quais a comunicação ocorre também são flexíveis, podendo ser, por exemplo, face a face, por e-mail ou telefone. Aqui, dada a atualidade do tema (BOUYER, 2008; PEREIRA; FREITAS; SAMPAIO, 2007, SIMPKINS et. al., 2010, SUGAHARA, 2011), se busca estudar a dinâmica do fluxo de informações em ambientes sociais, pois se verifica a grande importância da comunicação, que pode ocorrer tanto diretamente, ou seja, entre agentes de um mesmo grupo ou rede social, quanto através de meios de comunicação em

massa (tipicamente eletrônicos) que propiciam uma vasta disseminação das informações (broadcasting).

Dos trabalhos que podem ser identificados na literatura, grande grupo de pesquisadores, principalmente no âmbito da Psicologia (ALMADA; OLIVEIRA, 1997; FITZGERALD, 1986; 1 Este artigo foi previamente apresentado no SBPJor 2011.2 Mestre em Computação Aplicada pela Unisinos, São Leopoldo - RS, Doutor em Engenharia de Sistemas Eletrônicos pela Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Marcio Lobo Netto. Atualmente professor na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Ponta Grossa. E-mail: [email protected].

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KIHLSTROM; PARK, 2002) e das pesquisas de opinião (GOMES, 2007; IBOPE, 2008), estuda o indivíduo e suas decisões, analisando dados coletados usando questionários ou entrevistas. Objetiva-se nestes casos compreender alguns comportamentos pessoais e sociais, muitas vezes para identificar melhores formas de ajuste dos mecanismos de divulgação de uma notícia ou da propaganda de um produto.

A opção aqui é de complementar estas pesquisas com o uso de simulações computacionais, as quais permitem, em um primeiro momento, reproduzir situações conhecidas e avaliar cenários diversos. A seguir, num segundo momento pode-se ter uma visão da dinâmica

através da qual é possível identificar e estudar a emergência de fenômenos complexos e as implicações dos mesmos, fato dificilmente observado ou possível de ser controlado se não num laboratório virtual.

Neste sentido foi proposto um modelo que permitisse representar aspectos realistas e importantes do comportamento humano em situações da vida cotidiana, e assim usar o simulador para testar diferentes padrões de divulgação e avaliar os resultados (THALMANN; MUSSE, 2007).

Áreas envolvidas

Figura 1: Áreas envolvidas.

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Para a elaboração do OSACS (acrônimo definido pelo autor para Ontology Simulator for Agents with Cognitive Skills) as quatro áreas representadas na Figura 1 são importantes. Na parte horizontal estão àquelas relacionadas com o desenvolvimento do simulador e a definição dos personagens. A primeira é a Ciência da Computação, na qual a Inteligência Artificial (RUSSEL; NORVIG, 2004) e Sistemas Multiagentes (WOOLDRIDGE, 2009) são considerados e mais especificamente os agentes, suas características, além da estrutura e organização da sociedade onde estão inseridos. Já a segunda, a Ciência Cognitiva (GAZZANIGA, 1999; WILSON; KEIL, 1999), fornece características mais realistas para a definição do funcionamento interno e os aspectos cognitivos dos agentes, através das quais eles podem receber, assimilar3 e trocar informações sobre alguns assuntos.

Na parte vertical estão as áreas relacionadas com a dinâmica da simulação, importantes para a aplicação e estudos de caso pretendidos. Considera-se que a informação pode ser recebida por um agente advinda de duas fontes: na primeira, ela pode ser publicada por meios de comunicação de massa (BELTRÃO; QUIRINO, 1986), cuja área de estudo é a Comunicação Social, e a segunda possibilidade é a troca de informações entre membros de grupos de relacionamento ou Redes Sociais (MARTELETO, 2001; MIKA, 2007; TOMAÉL, 2008), parte muito estudada pela Ciência da Informação e que também é importante aqui.

Ainda sobre as duas últimas áreas, dentre os componentes da Ciência da Informação (CI) estão diversos processos como a coleta, organização, disseminação, recuperação e uso de informações (GUTTIÉRREZ, 1999, LIMA, 2003). Já a Comunicação Social (CS) lida com notícias e divulgação de informações na busca por informar e entreter, influenciando a rotina diária, as relações pessoais e de trabalho.

3 Em todo este trabalho o termo assimilar está relacionado com a atualização (incremento) do tempo que o agente se lembra do assunto recebido.

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Esta área foca principalmente a relação entre a população e os meios de comunicação de massa, abordando formas de jornalismo, publicidade e propaganda em meios como rádio e televisão. Os pontos úteis da CS são, portanto: a divulgação de notícias, a finalidade da divulgação (aspectos relativos à publicidade, propaganda e jornalismo) e o conceito de Plano de Mídia, o qual é produzido pelas agências de publicidade e apresenta como deve ser feita uma campanha, levando em consideração os resultados pretendidos, o custo-benefício e o público-alvo.

De forma sucinta o OSACS é, então, uma plataforma onde agentes, elaborados considerando aspectos cognitivos, participam na dinâmica do fluxo de informações trocando mensagens com seus amigos e também acessando aos meios de comunicação de massa.

Meios de comunicação de massa (MCM) e sua influência no público

As características fundamentais dos Meios de Comunicação de massa são a instantaneidade, a atualidade e a simplicidade. Eles atingem simultaneamente uma vasta audiência. Este público é heterogêneo, está disperso geograficamente e é, normalmente, anônimo para a fonte, mesmo que a mensagem, em função dos objetivos do emissor ou da estratégia mercadológica do veículo, seja dirigida a uma determinada parcela do público, isto é, um sexo, uma faixa etária (FRANCISCATO, 2003; SÁ, 2008).

São exemplos de meios de comunicação de massa a televisão e o rádio (PERLES, 2007). Nestes veículos a pessoa precisa apenas ligar o aparelho, ouvir e / ou assistir, mas com pouca ou nenhuma forma de interação. Estes são exemplos da comunicação unidirecional, onde, segundo Negroponte (1995, p. 24 apud DEUS, 2006), “a inteligência encontra-se no ponto de origem”, “o transmissor determina tudo”, cabendo ao espectador simplesmente receber o que lhe é imposto.

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O rádio é um veículo que busca um tom confidencial a fim de criar uma relação pessoal com o público. Nele as mensagens precisam ser claras e simples, pois enquanto a pessoa está ouvindo pode também dirigir, correr em um parque, ler um livro, escrever, dentre outras coisas, estando atenta ou não ao que está sendo transmitido.

Já a comunicação pela televisão trabalha com imagem, áudio e texto. Sua programação busca manter a fidelidade do público e o atrativo para os anunciantes (BRITTOS; MIGUEL, 2005). Neste sentido Alexandre (2001) ressalta que deve haver uma boa relação entre as finalidades comerciais e as necessidades da população.

É sabido que diariamente informações tentam criar, mudar ou cristalizar atitudes ou opiniões nos indivíduos. É o efeito dos meios de comunicação de massa nas relações sociais. Os comunicadores buscam produzir aprendizagem ou fortalecer hábitos nos espectadores através de estratégias mostrando que ele pode obter algum “status” (BATISTA; CAVALHEIRO; LEITE, 2008) agindo de uma forma ou comprando algo, por exemplo.

Cada uma destas atividades pode exercer funções e também disfunções, pois influenciam opiniões, provocam reações e afetam decisões, que podem ser de compra, satisfação ou repudia (BATISTA; CAVALHEIRO; LEITE, 2008).

Segundo Aranda (2005) a maior influência da televisão no comportamento humano é “indireta, sutil e cumulativa – não imediata e direta”. De forma complementar, para McLuhan (apud DEUS, 2006) “os meios são mais do que transportadores mecânicos, eletrônicos ou digitais de mensagens, eles expressam ideias e servem para comunicação interpessoal, formando assim comunidades ou grupos”. Ele diz ainda que “qualquer compreensão de mudanças sociais e culturais é impossível sem um conhecimento do modo como os meios de comunicação funcionam como ambientes” (McLuhan 1967, p. 26 apud DEUS, 2006), ou seja, onde as pessoas ficam “imersas” e sofrem interferência direta em seus comportamentos.

Segundo Alexandre (2001), as preocupações de ordem social

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com o fenômeno da comunicação de massa acompanharam sua disseminação, pois “a partir dos anos 60, a Sociologia e a Psicologia passaram a estudar o poder exercido pela mídia, apontando para o espaço social que constitui o mercado consumidor de informação, classificando-o, nomeando e reconhecendo sua influência na formação da sociedade”.

Ainda seguindo esta linha, diversos trabalhos são encontrados na literatura identificando pontos positivos e negativos, principalmente da televisão e buscando avaliar os impactos provocados pela “manipulação” ou “escolha tendenciosa” da programação pelos veículos (ARANDA, 2005; BATISTA et. al., 2008; GOMIDE, 2000; LEÃO; MELLO, 2009; HÜSKES; SILVEIRA; TONTINI, 2003; PEREIRA; VIAPIANA, 2004; SÓLIO, 2006).

Em Barbosa e Rabaça (1987) e Alexandre (2001) é possível identificar como aspectos positivos o fato de que os meios de comunicação de massa proporcionam diversão, divulgam informações culturais e desvios de conduta, ensinam, dentre outros. Já como aspectos negativos, eles enfatizam que a população fica cada vez mais conformada, passiva e acrítica; valorizando a informação atual e se esquecendo da história. Além disto, apontam que os MCMs difundem, em sua maioria, uma cultura homogênea e nivelam superficialmente as mensagens para que elas sejam entendidas pelo maior número possível de pessoas.

De forma geral, para Merlo-Flores (1999) “as opiniões sobre os efeitos especialmente da televisão poderiam ser resumidas em três pontos”: as pessoas que consideram que os efeitos são devastadores; aqueles que admitem que ela é um “espelho da realidade social” e uma terceira frente onde tudo é relativo, ou seja, “a relação que as crianças e adolescentes estabelecem com a televisão depende de sua família, ambiente social, características pessoais, etc”.

Formas e Objetivos da Divulgação de uma Notícia ou Anúncio

A informação é o maior investimento do comunicador. Na transmissão e difusão das mensagens os assuntos a serem tratados

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e a forma devem estar bem posicionados dentro da programação e considerar especialmente o horário, o público e a região geográfica (LUPETTI, 2006). Afinal, para que haja assimilação e consumo as mensagens precisam ter apenas a ideia principal adaptada ao público-alvo (VALBUENA DE LA FUENTE, 1997, SÓLIO, 2006).

Três são as principais formas de divulgação: jornalismo, publicidade e propaganda (TROIANO, 2009). Para contemplar a primeira forma, no título desta seção se colocou a palavra notícia, pois o jornalismo se presta a divulgar informações, as quais são passíveis de assimilação pelo telespectador ou ouvinte. Cabe a ele então avaliar se considera que a notícia está distorcida (para satisfazer interesses da emissora ou de empresas a ela vinculadas) ou não.

A segunda e terceira formas de divulgação são parecidas e se referem a anúncios, mas possuem diferenças importantes. “Enquanto a propaganda é ideológica, grátis e dirigida ao indivíduo, a publicidade é comercial, paga e dirigida à massa” (MUNIZ, 2004).

Em geral as mensagens publicitárias buscam vender a imagem de que o indivíduo é o que consome e será valorizado por isso (SANTOS, 2005), buscam “promover o lucro de uma atividade comercial, conquistando, aumentando ou mantendo clientes” (MUNIZ, 2004). Ao despertar no público o desejo de compra, intenciona levá-lo à ação, pois se isto não ocorrer, a finalidade principal da publicidade, que é de estimular a venda, não estará sendo atendida (LUPETTI, 2006).

Já “a propaganda pode ser conceituada como atividade que tende a influenciar o homem, com o objetivo religioso, político ou cívico. É, portanto a propagação de ideias sem finalidade comercial” (LAGE, 2000).

De forma geral, estabelece-se que a propaganda visa à adesão individual a um conceito, enquanto a publicidade busca criar o desejo (coletivo) de aquisição, que se deverá materializar como compra (LUPETTI, 2006; MALANGA, 1979).

Nesta seção se pode perceber que grande atenção foi dispensada a fim de delimitar e situar o presente trabalho considerando a área de Comunicação Social, pois aqui se busca utilizar características das formas de divulgação de notícias e também dos meios de comunicação de massa. Outro ponto relevante é que neste trabalho o conceito de redes sociais é usado no sentido da comunicação direta entre pessoas (personagens na simulação) e posterior tratamento e assimilação das

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informações por parte delas.

Visão geral do modelo

Neste sistema os personagens interagem e se relacionam, podendo também receber informações veiculadas em meios de comunicação de massa (sociedade, no lado esquerdo da figura). O foco então é na simulação de agentes que possuem características similares a algumas das encontradas em seres humanos, para assim transmitir uma sensação de ilusão de vida tanto no âmbito da dinâmica na sociedade, quanto no comportamento de cada indivíduo separadamente (lado direito na mesma figura). É preciso salientar que na Figura 2 os círculos representam os agentes, enquanto os retângulos são os meios de comunicação de massa que eles podem acessar.

Figura 2: Níveis de abstração que compõem este projeto – a sociedade com agentes (círculos) e meios de comunicação de massa (retângulos) e o

funcionamento interno de cada um dos agentes.

Para que os agentes apresentem comportamentos individualmente independentes, foi dada atenção especial à reprodução de aspectos envolvidos em processos cognitivos como comunicação, aprendizagem, raciocínio e tomada de decisão, principalmente considerando cenários de jornalismo, publicidade e propaganda.

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Ambiente e sociedade de agentes

Sociedades humanas possuem diversos fatores sob os quais muitas interações podem ocorrer. Sendo assim é possível analisá-las de forma macroscópica (o todo) ou microscópica (os indivíduos um por um), já que o comportamento da sociedade emerge justamente das ações de cada um dos indivíduos.

Gilbert (2004) acredita que uma importante característica das sociedades é que elas são resultado de processos dinâmicos. Sendo assim os indivíduos estão em constante mutação, seja falando, escutando ou interagindo. Uma sociedade surge e só se mantém apoiada nesta constante mudança. Neste sentido o ponto central nesta pesquisa refere-se ao comportamento em sociedade e como é o posicionamento dos personagens.

Em uma primeira abordagem, a preocupação maior repousa nas interações entre os diferentes agentes. Desta forma deve-se levar em consideração a existência de redes sociais ou conjuntos de indivíduos diferentes que se relacionam e se comunicam.

Em uma segunda abordagem se considera a comunicação broadcast. Neste caso é possibilitada a divulgação de notícias através de meios de comunicação de massa, como televisão e rádio, considerando dados relativos à frequência e ao tempo de divulgação. Nesta abordagem os agentes, acessando alguns destes meios de divulgação, devem ter capacidade de receber notícias, selecionando dentre aquelas com as quais se deparam quais lhes interessam, podendo assimilá-las ou não, atualizando suas bases de conhecimento.

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Figura 3: Visão do ambiente, ontologia.

Na sociedade modelada neste trabalho, os agentes devem compreender as convenções sociais e ter capacidade de tratar informações às quais tenham acesso. Neste sentido, está sendo usado o conceito de ontologia como modelo de mundo (Figura 3), ou seja, um arcabouço que permite aos agentes compreender o que “assistem” em algum meio de comunicação de massa e também manipular os assuntos que vão trocar com seus amigos.

Como pode ser percebido, apesar de membros de um grupo, cada agente é individual. O que propicia esta característica são as informações às quais cada um tem acesso e, consequentemente conhecimento, e a decisão de passar ou não uma informação adiante. Assim, na sociedade virtual os agentes possuem características em comum, embora com diferentes níveis de manifestação.

Além disto, no âmbito deste projeto, para que um agente esteja apto a desempenhar certas funções, faz-se necessário que ele possua representações e mecanismos de inferência, além de um conjunto de processos para tratar dos diferentes componentes representantes da sua atividade.

Afinal, apesar de considerar que em algumas situações a probabilidade é útil, aqui se tem interesse em saber com maior acuidade o que os personagens estão “pensando” e porque tomaram alguma decisão, mesmo sabendo das simplificações necessárias para implementação de agentes computacionais.

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Resultados

Em todas as simulações são apresentados dados referentes à quais assuntos são conhecidos e à quantidade de agentes que sabe de cada um dos assuntos. Isto é feito para a avaliação do conhecimento dos agentes e do fluxo de informações na sociedade. Na primeira versão da interface (lado esquerdo na Figura 4) é possível visualizar os 9 últimos passos de simulação e o atual, em cinza, de um número pequeno de agentes (10 na figura). Já no lado direito da mesma figura tem-se um gráfico onde se acompanha o número total de agentes que sabe de cada um dos assuntos (representados por cores) nos últimos 150 passos de simulação. Trata-se, portanto de uma visualização da sociedade.

Figura 4: Visualização do andamento da simulação (100 agentes)

a) Interface: últimos 10 passos de tempo (linhas) dos primeiros 10 agentes. b) Gráfico: quantidade de agentes que sabe de cada um dos assuntos

nos últimos 150 passos de simulação.

Já na segunda versão (Figura 5) tem-se apenas o passo atual, mas para todos os 100 agentes. Em ambos os casos os agentes são representados por retângulos e cada um dos assuntos trocados durante

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a simulação possui uma cor específica (0: roxo, 1: verde, 2: vermelho, etc.). Desta forma é possível visualizar a evolução do conhecimento (cores) de cada um dos agentes e a dinâmica do fluxo de informações.

Figura 5: Visualização do andamento da simulação (100 agentes) – interface: passo atual de todos os agentes.

Após esta breve apresentação da interface gráfica, deve-se ressaltar que os resultados estão ordenados de forma a contemplar as abordagens descritas, ou seja, (1) quando as informações são divulgadas pelos meios de comunicação de massa e os agentes podem ficar sabendo delas e (2) a dinâmica do fluxo de informações que ocorre nas redes sociais (entre os agentes).

Estas abordagens podem ser identificadas tanto no âmbito da sociedade como no funcionamento interno dos agentes. Quando a observação é realizada no nível mais geral (Figura 6), tem-se a divulgação de informações através dos meios de comunicação de massa, a possibilidade de assimilação por parte dos agentes e a

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dinâmica na rede social.

Figura 6: Divisão dos Estudos de Caso - Nível da Sociedade.

Acompanhando o que ocorre internamente em um agente, identifica-se na Figura 7 o acesso a algum meio de comunicação de massa, a assimilação de informações e também a troca de mensagens com outros agentes.

Figura 7: Divisão dos Estudos de Caso - Nível do Agente

Aplicação

A ferramenta apresentada pode, por exemplo, ser estendida e então utilizada para uma avaliação antes de se iniciar uma campanha publicitária, já que grande parte das avaliações atuais ocorrem quando a campanha já está “no ar” e já teve custos. Neste sentido, com aprimoramentos no desenvolvimento e a configuração apropriada, futuramente deverá ser possível, por exemplo, que:

• Os profissionais de agências de publicidade e propaganda avaliem diferentes possibilidades de divulgação de um produto em determinado (um ou mais) meio de comunicação de massa,

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identificando a melhor combinação de distribuição de anúncios em qual veículo;

• As emissoras avaliem diferentes grades de programação, uma vez que sejam configuradas corretamente as informações relativas à audiência, podendo realizar alterações e avaliações sem custo de produção e veiculação de programas e/ou anúncios;

• As emissoras avaliem diferentes possibilidades para inclusão de um novo programa na grade de programação, identificando dia, horário e duração mais aconselháveis.

Ao citar estas aplicações, se busca aqui não uma ferramenta perfeita e que apresente resultados que certamente darão retorno, mas sim que, tendo desenvolvimento contínuo, facilite cada vez mais o trabalho de profissionais ligados aos meios de comunicação de massa e que proporcione uma diminuição dos custos.

Trabalhos Futuros

Com relação a trabalhos futuros, muitas são possibilidades, por exemplo, com relação à (aos):

• Sociedade, definir perfis de agentes com base em informações reais, buscando comparar os resultados do simulador com situações conhecidas;

• Meios de comunicação de massa, definir maior granularidade de assuntos, inserir detalhes de grades de programação mais próximas do real. Diferenciar uma emissora de rádio, televisão, incluindo peculiaridades de cada situação;

• Rede Social, definição da conectividade de forma dinâmica, ou seja, ao receber uma mensagem o ouvinte deve retornar ao emissor uma avaliação daquilo que recebeu e isto fará com que uma rede totalmente conectada (no início da simulação) se transforme em uma distribuição mais realista, onde grupos com interesses semelhantes se encontrem. A partir disto, identificar os agentes mais importantes naquele contexto e identificar características que o fazem ser assim.

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Realizar avaliações da quantidade de amigos na dinâmica do fluxo de informações.

Estas são algumas possibilidades de continuação para este trabalho multidisciplinar que visa desenvolver uma aplicação que, pelas entrevistas realizadas com profissionais da Faculdade Cásper Líbero e que trabalham com pesquisa de campo, poderá trazer benefícios comercialmente.

Por fim, agradecimento especial à FAPESP, pois através da bolsa concedida foi possível a realização deste trabalho durante o doutorado realizado na Universidade de São Paulo, sob orientação do Professor Marcio Lobo Netto e concluído em maio de 2011.

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Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva

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Os espaços da recepção: elementos para pensar a interação

mídia-mente

Diego Franco Gonçales1

Introdução

Ilusões de ótica atraem tanto a curiosidade popular quanto o esforço de pesquisa científica.

Dos mais elaborados aos mais simples, esses fenômenos sugerem dois pontos importantes sobre a cognição humana: a) é possível “enganar” a percepção, fazendo com que b) vejamos mais – ou, por vezes, menos2 – do que as aparências nos mostram.

Por exemplo, a figura abaixo:

1 Mestre em Comunicação Social e graduando em Filosofia, é professor na Faculdade de Comunicação da Universidade Metodista, ministrando aulas nas áreas de Linguagem Sonora e Etnografia – nesta última área, planeja e analisa pesquisas para o mercado publicitário. Tem como interesse de pesquisa científica a interface entre Comunicação e Ciências Cognitivas, especialmente no tocante às Teorias da Comunicação. Contato: [email protected] 2 Richard Dawkins (2009) relata um célebre experimento da psicologia no qual os participantes do teste, ao observar um vídeo de cinco pessoas em círculo passando umas para as outras uma bola amarela (e tendo sido orientados para contar quantas vezes a bola é passada) não enxergam um homem fantasiado de gorila passando no meio do círculo.

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Figura 1 – Cubo de Necker

Trata-se de um Cubo de Necker, uma das mais simples ilusões de ótica. A depender de qual conjunto de arestas o espectador focaliza, o cubo muda completamente a sua posição no espaço. De um sentido ascendente, da esquerda para a direita (Fig. 2), ele passa para um sentido descendente, da direita para a esquerda (Fig. 3). Trata-se, literalmente, de dois cubos em um só, de duas figuras distintas construídas a partir do mesmo conjunto de linhas retas. Para que se altere entre um e outro cubo, não é necessário que o observador mude a sua posição no espaço, sequer é necessário uma mudança nos globos oculares: a única mudança é mental.

Figura 2 – Cubo ascendente Figura 3 – Cubo descendente

E assim acontece com as demais ilusões óticas, inclusive a ilusão de volume e perspectiva nas artes plásticas, com a qual enxergamos profundidade onde só existem variações cromáticas e convergência de retas. Essa capacidade da mente humana de preencher com sentido a abstração de formas visuais é o que atrai os interesses popular e científico, sendo que o científico muitas vezes resume-se na questão:

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como pode se ver tanto em tão pouca imagem? Em paralelo, comunicólogos e estetas têm constantemente

descrito que a recepção de produtos da comunicação social e obras de arte é uma atividade, no sentido de exigir ação do espectador/fruidor. A dinâmica básica dessa atividade é, como no caso das ilusões de ótica, o preenchimento de sentidos, o enxergar em uma mensagem o que não está ali, o despontamento de mais sentidos além dos previstos pelo emissor.

De um lado, os estudiosos da mente; do outro, os da mídia; entre eles descrições muito próximas de fenômenos muito parecidos. Seria proveitosa uma aproximação entre os domínios da mídia e da mente?

Este artigo é uma investigação sobre essa questão, e sua resposta preliminar é positiva: é possível e pertinente pensar a comunicação a partir da perspectiva da interação mídia-mente, a partir do diálogo entre os estudos mais recentes tanto da comunicação quanto das ciências cognitivas. Para sustentar esse ponto de vista, são apresentadas primeiramente as bases da estética da recepção, corrente teórica oriunda dos estudos literários que postula a liberdade interpretativa que tem os leitores frente aos livros, e que hoje é utilizada no estudo de fenômenos comunicacionais. Em seguida, a partir das perspectivas oferecidas pela psicologia cognitiva, discute-se a compreensão contemporânea de fenômenos como a percepção e a cognição. Por fim, ressaltam-se os pontos de conexão entre a estética da recepção e a perspectiva das ciências cognitivas, argumentando que o entendimento da interação mídia-mente pode auxiliar na compreensão dos meandros da comunicação humana.

Mídia – Desenvolvimento de uma estética da recepção

O modelo teórico “emissor-mensagem-receptor” está sob microscópio. Parte da pesquisa em comunicação abdicou desse modelo

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clássico do processo comunicacional – linear, exato, determinado – em favor de uma investigação das minúcias dos fenômenos da comunicação humana invisíveis ao olho nu. A partir dessa perspectiva, saltam aos olhos do pesquisador descobertas empíricas e postulados teóricos em tudo contrapostos às pesquisas alinhadas ao modelo tradicional, e de linear, exata e determinada, de comportada, rígida e previsível, a comunicação, no microscópio, torna-se surpreendente.

“Surpreendente”, inclusive, é o título de uma tradução brasileira3 de um exemplo de pesquisa microscópica da comunicação. De autoria do norte-americano Steven Johnson, a obra desafia a percepção de que a comunicação de massa, a internet e os videogames são produtos culturais que exigem e permitem pouca atividade de seus receptores. Invertendo o ponto de vista tradicional a partir do qual essa questão é tradicionalmente abordada, Johnson (2006) dedica-se menos a uma análise simbólica da ação das mensagens sobre os receptores, preferindo uma análise sistêmica da relação entre os receptores e as mensagens. Essa opção metodológica rende afirmações... surpreendentes: reality shows televisivos, caixas de comentários de redes sociais e jogos eletrônicos polêmicos não são uma corrida para o fundo do poço cultural. Muito pelo contrário, desenvolvem habilidades muito valorizadas socialmente, como a inteligência emocional, o reconhecimento de padrões complexos e a resolução de problemas.

Johnson encontra nas minúcias desses produtos uma “tendência [geral] na cultura: a emergência de formas que encorajam o pensamento e a análise participatória, formas que desafiam a mente a encontrar sentido num ambiente” (JOHNSON, 2006, p. 61, tradução nossa). Na TV e no cinema, essas formas se manifestam nas demandas cognitivas exigidas dos receptores para acompanhar tramas complexas que envolvem múltiplas linhas narrativas e muitos

3 JOHNSON, Steven. Surpreendente. Rio de Janeiro: Campus-Elsevier, 2005. Há outra tradução, mais recente: JOHNSON, Steven. Tudo o que é ruim é bom pra você. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012. As citações presentes nesse artigo foram extraídas da edição americana de 2006, conforme consta nas Referências.

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personagens desempenhando papéis relevantes no enredo – o autor (2006) cita como exemplo do seriado cult The Sopranos ao popular Friends. Nos videogames, essas formas se concretizam através da interação com ambientes virtuais que obrigam o jogador a tomar parte num processo cíclico de sondagem, hipotetização, teste das hipóteses e, a partir dos resultados do teste, generalizações e novas sondagens sobre o ambiente virtual. “Posto de outra forma: [...os jogadores] estão aprendendo o procedimento básico do método científico” (JOHNSON, 2006, p. 45, tradução nossa).

Fica patente que Johnson (2006) encontra atividade na recepção, e na atividade da recepção está a origem da sua afirmação de que os produtos da comunicação contemporânea têm efeitos positivos na audiência. De fato, em toda a obra, há referências ao processo de “filling in”, preenchimento, que os receptores devem fazer para que a mensagem do emissor faça sentido. Ao contrário da compreensão da recepção como pólo passivo sustentada por paradigmas funcionalistas ou críticos-radicais, na qual o receptor é um sujeito anulado, e portanto, vulnerável a toda sorte de manipulações, parte do prazer em assistir realities shows e ou jogar jogos eletrônicos vem do “trabalho cognitivo que você é forçado a fazer para preencher os detalhes” (JOHNSON, 2006, p. 77, tradução nossa). “Para seguir a narrativa, você não é apenas solicitado a lembrar. Você é solicitado a analisar” (JOHNSON, 2006, p. 64, tradução nossa).

Se as afirmações de Johnson (2006) destoam no cenário da pesquisa em comunicação e podem inclusive despertar ressalvas, sua alçada do receptor a uma posição ativa no processo comunicacional não é incomum. Pesquisadores de outras tradições de pensamento já haviam anteriormente notado a liberdade de interpretação que o polo receptor tem, e desses, na América Latina, Jesus Martín-Barbero é um expoente.

Sua obra basilar, “Dos meios às mediações”, escrita no fim da década de 80 e inscrita no embate ideológico entre apocalípticos e integrados que vicejava à época (e que ainda hoje se faz presente, ainda que com menos força), parte da identificação do esgotamento

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desse embate para a compreensão dos fenômenos da comunicação. Seu deslocamento dos meios às mediações – um pensamento da comunicação a partir da cultura – pretende revelar “o que nem o ideologismo nem o informacionismo permitem pensar” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 278): tanto a ideologização, que só enxerga os “rastros do dominador” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 279), quanto o informacionismo, com a sua “suposição de que o máximo de comunicação funciona sobre o máximo de informação e esta sobre a univocidade do discurso” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 281) eclipsa a ação do receptor que preenche desobedientemente com outros sentidos as mensagens dos emissores; eclipsa, assim, parte riquíssima da comunicação humana, a sua não-determinação, a sua não-exatidão. O “preenchimento” de um Johnson (2006) se alinha às “mediações” de um Martín-Barbero na descrição de um receptor ativo.

Teóricos da comunicação não foram os únicos a perceber a recepção como atividade; no trabalho de estetas encontramos percepção semelhante de preenchimento de sentidos na recepção de obras de artes. A teoria literária da segunda metade do século XX, por exemplo, quando pesquisa a interação livro-leitor, encontra evidências de que:

é só de modo parcial que a necessidade estética é manipulável, pois a produção e a reprodução da arte, mesmo sob as condições da sociedade industrial, não consegue determinar a recepção: a recepção da arte não é apenas um consumo passivo, mas sim uma atividade estética (JAUSS, 1979, p. 80).

O programa em vigor aqui é a fundação de uma “estética da recepção” – “a passagem de uma ‘poiesis’ para uma ‘aiesthesis’, isto é, a passagem de uma problemática da produção [...] para uma problemática da recepção e do confronto com a obra” (CRUZ, 1986,

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p. 57). Nesse programa, na investigação do encontro e do confronto entre obra e receptor, as palavras dos teóricos da estética da recepção como que mimetizam as dos teóricos da comunicação:

Numa estética da recepção a multiplicidade dos leitores (por oposição à singularidade do autor) autoriza a diversidade das leituras, dentro de uma ou várias situações históricas, apenas coagidas por uma ‘esburacada’ malha do texto que se caracteriza precisamente pelo apelo ao leitor através dos seus espaços em branco (CRUZ, 1896, p. 65, grifo nosso).

Substitua os objetos de pesquisa – sai a literatura, entra o Big Brother – e ainda assim a conclusão permanece: a recepção é uma atividade, e essa atividade é dominada pela tarefa de preencher de sentidos a “esburacada malha do texto”. A estética da recepção, na arte como na comunicação social, está convicta de que a recepção é mais que descodificação.

Mas teria que ser assim? Necessariamente teríamos que ser os receptores ativos da estética da recepção? E somos assim o tempo todo? Se temos que preencher os buracos das mensagens, com o que os preenchemos? Qual a argamassa?

Por enquanto, nada sugere que temos que ser necessariamente como o postulado pela estética da recepção. Apenas somos, segundo as descrições teóricas, mas poderíamos todos também ser e se comportar como o receptor pacífico postulado pelos comunicólogos pioneiros da Escola de Chicago (e sua nêmese, a Escola de Frankfurt). Parte importante do empreendimento científico e filosófico é encontrar novas perguntas nas respostas existentes, e a atividade da recepção ressaltada pelos estetas e pelos teóricos da comunicação, em si mesma surpreendente pela oposição que faz às interpretações já tradicionais, como que está nos forçando essas perguntas, exigindo que desçamos mais fundo na investigação, na tentativa de descobrir com o que preenchemos os buracos, e também, principalmente, o que nos dispõe

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a essa tarefa.Umberto Eco fornece algumas pistas em “A obra aberta” (1979).

Na história da arte, Eco identifica um crescendo nas possibilidades de interpretações livres permitidas pelas obras. Aos poucos, refletindo a sensibilidade de cada época, a arte incorpora a “ambiguidade como valor” (ECO, 1979, p. 22) e exige do fruidor “atos de invenção” (ECO, 1979, p. 45). Portanto, cada fruição se torna produção, e:

no ato de reação à teia dos estímulos e de compreensão de suas relações, cada fruidor traz uma situação existencial concreta, uma sensibilidade particularmente condicionada, uma determinada cultura, gostos, tendências, preconceitos pessoais, de modo que a compreensão da forma original se verifica segundo uma determinada perspectiva individual (ECO, 1979, p. 40).

Eco (1979), aqui, semiólogo que é, faz nessa última citação uma referência clara à semiótica, área fronteiriça entre a comunicação e a estética que também antecipou, e de maneira cabal, as bases de uma estética da recepção que postule a abertura das mensagens à atividade do receptor. A “perspectiva individual” de que fala, e que pode ser compreendida como a argamassa com que os receptores preenchem os vãos da obra aberta, da malha esburacada do texto, da mensagem ambígua da comunicação de massa, dos videogames e da internet, está já descrita na natureza triádica dos signos teorizada na semiótica peirceana. Mais especificamente, no seu terceiro nível, a pragmática, no qual os sentidos dos signos são estabelecidos segundo os indivíduos que os estão utilizando e o ambiente nos quais estão sendo utilizados.

Peirce estava atento às implicações da pragmática – como a comunicação seria possível, se todo o sentido dos signos fosse circunstancial? Algo é fixo, deve ser fixo, e esse algo na semiótica peirceana são os traços invariantes determinados por processos mentais inconscientes, inatos, e experiências pretéritas. Há aqui uma

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insuspeita aproximação entre a semiótica e o paradigma informacional da comunicação, o mundo dos significados voláteis fazendo um acordo com o mundo da informação matematicamente precisa. Mas essa aproximação se torna compreensível quando se reconhece que o projeto da teoria da informação busca separar variantes de invariantes para maximizar a efetividade da comunicação, e para tal busca apoio na semiótica. Não é acidente, portanto, que após 184 páginas de discussão sobre as teorias matemáticas da informação e comunicação, o engenheiro eletrônico e cientista cognitivo britânico Colin Cherry se pergunte: “E quanto à ‘informação pragmática’? Até agora [19574], não se publicou nenhuma teoria matemática que correspondesse, de qualquer maneira, a extensões das teorias existentes.”. Entendendo que “é neste nível [pragmático] que o verdadeiro processo da comunicação pode ser considerado” (CHERRY, 1957, p. 368), e, por dedução lógica, decreta: “a comunicação não pode, pois, ser um processo determinado” (CHERRY, 1957, p. 403).

A comunicação, pois, para ser possível, se funda sobre a dicotomia variância-invariância, o primeiro pólo determinado pelo amorfismo e imprevisibilidade da pragmática, o segundo pelos “mais simples juízos perceptivos (como reconhecer a grama como verde – um juízo não-racional, nas palavras de Peirce, que ‘nos é imposto’)”, que convocam “os reflexos inatos do homem e suas respostas aprendidas, as quais dependem de toda a sua experiência pretérita” (CHERRY, 1957, p. 409). Como é evidente, essa dicotomia não tem seu lugar no exterior, nas mensagens, mas no interior, no próprio receptor: em sua maquinaria mental. A tensão entre o que varia sempre (de acordo com o indivíduo, de acordo com o ambiente, de acordo com a situação) e o que não varia nunca – os universais – é o que caracteriza a comunicação para Cherry (1957), e essa tensão é mental.

A argamassa para o preenchimento das malhas esburacadas dos

4 Desconheço se tal teoria matemática da pragmática foi desenvolvida nesse mais de meio século, mas estou seguro de que não, e nem será, dada a própria natureza amorfa e imprevisível da pragmática.

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textos, já vimos, pode ser proveniente da “perspectiva individual” de que fala Eco (1979), da variância que Cherry (1957) identifica na pragmática de Peirce. Mas sobra o fato não explicado de fazermos isso, sobra a necessidade quase compulsória (inata?) de preenchimento, de projetarmos nas mensagens perspectivas individuais, de não só lembrar, mas analisar, como diz Johnson (2006); sobra a suspeita de Martín-Barbero de que “o que faz a força da indústria cultural e o que dá sentido a essas narrativas não se encontra apenas na ideologia, mas na cultura, na dinâmica profunda da memória e do imaginário” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 307, grifo nosso). Dada a natureza fundamentalmente mental da comunicação, haverá processos mentais descritos pelas ciências cognitivas que forneçam pistas para elucidar esses fatos descritos pela estética da recepção, mas não explicados?

Mente – Desenvolvimento dos apetites do cérebro

Voltemos ao Cubo de Necker e à pergunta-chave dos psicólogos e filósofos da mente que o estudaram: como é possível ver tanto em tão pouca imagem?

A resposta imediata que a ciência cognitiva nos dá é a de que esse salto entre uma interpretação e outra, salto mental, é um resquício da história evolutiva da espécie humana. Esse salto trai uma característica básica da cognição humana: a categorização. Essa característica provém da necessidade nada prosaica de sobreviver. A maior parte da evolução humana se deu no mundo pré-civilização, e nesse mundo exigente a categorização dos elementos naturais e sociais para uma posterior identificação (mais aproximada possível da realidade) foi a nota de corte para a continuidade da vida; de fato, Steven Pinker relata que:

a percepção é o único ramo da psicologia que tem sido constantemente orientado para a adaptação, considerando

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sua tarefa como uma engenharia reversa. O sistema visual não está ali para nos entreter com belos padrões e cores; ele foi arquitetado para proporcionar uma noção das verdadeiras formas e materiais encontrados no mundo (PINKER, 2008, p. 229).

Mas a correta categorização e identificação não bastariam – o catálogo das situações possíveis é infinito, e ainda que houvesse memória disponível para armazenar todas, a sobrevivência não dispõe de tempo para a ponderação de todas elas. Assim, os dados provenientes da percepção são interpretados “adicionando premissas: suposições sobre como, em média, o mundo em que evoluímos é montado” (PINKER, 2008, p. 229). Dessa maneira, a ilusão do Cubo de Necker acontece através de um engano premeditado sobre a mecânica básica do sistema de percepção visual. Salta-se de um cubo ao outro sem a necessidade de nenhum processo que não o mental porque a mente tem a predisposição de encontrar padrões nos estímulos visuais que recebe, e encaixá-los dentro de categorias provenientes das representações internas inatas ou adquiridas via experiências prévias.

Essa é a maquinaria da ilusão de ótica, mas é mais: “esses saltos, e o inventário de representações internas que eles sugerem, são a marca registrada da cognição humana” (PINKER, 2008, p. 97).

Os psicólogos encontram o padrão categorização-suposição por toda a parte da vida mental de um ser humano. Nas interações com o mundo físico, dos objetos inanimados, ele está lá; com o mundo das plantas e animais, idem. E no mundo da interação com outros seres humanos – a chamada teoria da mente – não poderia ser diferente: compulsória e compulsivamente, supomos o que pensam as demais pessoas, tentando fazer sentido dos sinais provenientes de sinais explícitos como palavras (e do que as palavras escondem), mas também do gestual, das roupas e demais artefatos culturais.

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Há, portanto, por trás da compulsão por preencher com significado as incompletudes da percepção, os apetites do cérebro humano por informação. Como todos os animais, os seres humanos “não são apenas herbívoros ou carnívoros. São, na bela palavra criada pelo psicólogo George Miller, informívoros” (DENNETT, 1997, p. 78, grifo do autor). Isso porque, como mecanismo moldado para e pela a sobrevivência, “a tarefa da mente é produzir o futuro, como uma vez o poeta Paul Valéry afirmou”, e para isso ela “sonda o presente em buscas de pistas, as quais refina com a ajuda de materiais que economizou no passado, transformando-as em antecipações do futuro” (DENNETT, 1997, p. 57).

Haveria também nos processos análogos do “fill in” postulados pela estética da recepção ecos desses processos mentais identificados pela ciência cognitiva? Colin Cherry (1957), que considera que a capacidade humana de organizar e dar sentido aos reflexos inatos, às respostas aprendidas e à experiência pretérita constituem “a espinha dorsal da comunicação” (CHERRY, 1957, p. 456-457), relaciona a aquisição desses conceitos aos “vários estágios de evolução, das mais simples criaturas unicelulares ao homem”, ao constante processo de “aperfeiçoamento dos métodos de aprendizado e adaptação a um mundo hostil”. Em outras palavras, a comunicação, para Cherry (1957), está relacionada à história evolutiva do ser humano, e assim sendo, tem suas características – entre elas a indeterminação da recepção – inescapavelmente conectadas ao processo que moldou corpo e mente de todos os seres viventes.

Conclusão – Mídia-mente: uma interação a ser explorada

A recepção é mais que descodificação. O modelo teórico “emissor-mensagem-receptor” está esgotado, não refletindo em sua esquemática simplicidade o complexo e sutil processo pelo qual uma mensagem é apropriada por sua audiência: o quase um século de esforço teórico, a miríade de contribuições provindas da América

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Latina, da Europa e dos Estados Unidos assim o decreta. Público-alvo é uma ficção desmascarada pelo reconhecimento teórico da recepção individualizada e desobediente.

A recepção é mais que descodificação? O cotidiano das escolas e empresas de comunicação segue alheio aos postulados sobre a não-univocidade da recepção, funcionando “muito bem, obrigado” sobre as bases do comportado modelo “emissor-mensagem-receptor” fruto do trabalho dos pioneiros da Escola de Chicago e sua nêmese, a Escola de Frankfurt. Empacotando suas mensagens segundo os processos tradicionais de determinação de público-alvo, a radiodifusão, a imprensa e as mídias digitais, além das escolas de graduação fontes de seus profissionais, seguem o itinerário garantido de sempre.

Esse aparente descompasso entre a teoria acadêmica do esgotamento da recepção passiva, firmemente estabelecida, e a prática diária da comunicação social, igualmente estabelecida, pode ser solucionado a partir de uma abordagem conciliadora proporcionada por uma compreensão da interação mídia-mente. Comunicólogos, estetas e cientistas da cognição, como exposto acima, estão descrevendo processos muito semelhantes, características dos seres humanos que são definidoras da maneira como concebem mentalmente o mundo exterior e extraem/criam sentido da informação que recebem via percepção. O diálogo entre comunicação e cognição, por exemplo, permite identificar o que ambos os polos da dicotomia teoria-prática compartilham, mais do que pelas particularidades que os afastam: a maquinaria mental. E, com isso, compreender mais profundamente os mecanismos da estética da recepção – não apenas podemos preencher com significados imprevisíveis as mensagens dos emissores, mas assim o fazemos, efetivamente, por uma inclinação natural.

Dessa perspectiva abre-se a possibilidade de avançar na compreensão da comunicação, retomando a pesquisa a partir do ponto em que a Estética da Recepção não avançou, já que a perspectiva pela qual ela propõe que a comunicação seja examinada não se encerra em si mesma; antes, desperta novas indagações. A liberdade que o

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receptor passa a ter, “a peculiar autonomia executiva concedida ao intérprete” (ECO, 1979, p. 37), sugere investigações sobre a origem de tal autonomia e liberdade e o que é feito dela.

Cruz: “A recepção seria portanto, também, de uma certa forma, uma produção, cujas determinantes se trata de novo de descobrir” (CRUZ, 1986, p. 57, grifo nosso), e Eco: “o lado desconcertante de tais experiências deve levar-nos a indagar por que, hoje em dia, o artista sente necessidade de trabalhar nessa direção; como resultado de que evolução histórica da sensibilidade estética; em concomitância com que fatores culturais de nosso tempos” (ECO, 1979, p. 41, grifo nosso). O reconhecimento da atividade da recepção é um grande avanço, mas apenas metade do caminho. Se a recepção não é a passividade proposta por funcionalistas e frankfurtianos, é preciso encontrar explicações do porquê de não ser, e a Ciência da Comunicação ainda está em fase de reunir elementos teóricos para trabalhar nessa explicação. A interação mídia-mente, o diálogo entre comunicação e cognição, é promissora justamente nesse sentido.

Referências

CHERRY, Colin. A comunicação humana: uma recapitulação, uma vista de conjunto e uma crítica. São Paulo: Cultrix, 1957.

CRUZ, Maria Teresa. A estética da recepção e a crítica da razão impura. Revista de Comunicação e Linguagem. Lisboa, n. 03, p. 192-202, jun. 1986.

DAWKINS, Richard. O maior espetáculo da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

DENNETT, Daniel. Tipos de mentes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

ECO, Umberto. A obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 1979.

JAUSS, Hans Robert. A estética da recepção: colocações gerais. In: COSTA LIMA, Luiz. A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. São Paulo: Paz e Terra, 1979. p. 67-84.

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JOHNSON, Steven. Everything bad is good for you: how today’s popular culture is actually making us smarter. New York: Riverhead Books, 2006.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.

PINKER, Steven. Como a mente funciona. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

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Governança da internet, modelos de negócios, cibercrime e

ciberespionagem

Diólia de Carvalho Graziano1

Introdução

Paul Baran, engenheiro da Rand Corporation, uma prestadora de serviços do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, publicou, em setembro de 1962, um trabalho acadêmico − sobre redes distri-buídas2 − propondo uma arquitetura de redes sem hierarquia, descen-tralizada, supostamente resistente a falhas e ataques. Graças a Paul Baran, o conceito da internet estava lançado. De lá para cá, mais de meio século depois, a internet se tornou a “energia elétrica” da vez, presente em quase todos os lugares, e sem a qual a existência se torna extremamente difícil, com nossos dados fluindo entre seus dutos, e a vida se transformando, pelo menos potencialmente, na internet das Coisas (IoT)3, ou seja, o ciberespaço em todo o lugar. Prova disso é que, já no final de 2012, existiam mais dispositivos móveis no pla-neta do que pessoas: telefones celulares, laptops, tablets, consoles de games, até automóveis conectados. No final de outubro de 2010 a

1 Pesquisadora Docente do Centro Universitário SENAC São Paulo. E-mail: [email protected].

2 On Distributed Communications Networks. Disponível em: <http://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/papers/2005/P2626.pdf>. Acesso em 06/07/13.3 internet of Things. Uma evolução tecnológica que representa o futuro da computação e da comunicação, utilizando os sensores wireless, nanotecnologia e neurociência. (Nota da autora)

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quantidade de telefones celulares superou o número de habitantes no Brasil, com194,4 milhões de aparelhos e 185,7 milhões de habitantes4.

O ciberespaço tornou-se o que os pesquisadores chamam de “ambiente totalmente imersivo”, um fenômeno que não pode ser evitado ou ignorado, cada vez mais integrado nas sociedades ricas e pobres, uma arena de comunicação que não discrimina. A conectividade na África, por exemplo, cresce em torno de 2,000 por cento ao ano. Enquanto a cisão digital continua a ser grande, está encolhendo rapi-damente, e o acesso ao ciberespaço está crescendo muito mais rápido do que a boa governança sobre ele. De fato, em muitas regiões a rápida conectividade está ocorrendo em um contexto de desemprego crônico, doença, má nu-trição, estresse ambiental, e estados falidos ou em falência (DEIBERT, 2013, p.11)5.

A internet nunca foi construída com a segurança em mente. Como instituições que vão desde governos, empresas e indivíduos dependem de conectividade com a internet 24 horas, aumentam as oportunidades para a exploração desses sistemas.

Este trabalho abordará inicialmente a questão do cibercrime e do mercado clandestino de dados das redes sociais. Em um segundo momento, a questão da legislação do ciberespaço e a emergência da

4 TAVARES, Monica. Número de celulares no Brasil é maior que o de habitantes. In: O Globo. 18/11/2010. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/numero-de-celulares-no-brasil-maior-que-de-habitantes-2924116>. Acesso em 13/01/2014.

5 Tradução livre para: “Cyberspace has become what researchers call a “totally immersive environment”, a phenomenon that cannot be avoided or ignored, incre-asingly embedded in societies rich and poor, a communication arena that does not discriminate. Connectivity in Africa, for instance, grows at some 2.000 percent a year. While the digital divide remains deep, it’s shrinking fast, and access to cybers-pace is growing much faster than good governance over it. Indeed, in many regions rapid connectivity is taking place in a context of chronic underemployment, disease, malnutrition, environmental stress, and failed or failing states”.

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ciberespionagem, seu status quo internacional e brasileiro, para então se fixar no entendimento do papel dos intermediários da internet, que vêm sendo pressionados para remoção de conteúdos, e suas relações com os governos.

Cibercrime e legislação do ciberespaço

Nos primeiros anos, o cibercrime consistia principalmente em grupos de extorsão que alavancavam contundência na rede em ataques contra casinos online ou sites de pornografia para extrair recursos de proprietários frustrados. Com o tempo, tornou-se mais sofisticado. As ferramentas do comércio têm sido cada vez mais refinadas, em decorrência da constante evolução do software malicioso (ou malware), com dezenas de milhares de computadores infectados em silêncio para esconder pistas e roubar credenciais, como dados de cartão de crédito e senhas, de milhões de pessoas inocentes.

Desde que a internet surgiu, a partir do mundo da academia até o mundo de todos, a sua trajetória de crescimento foi acompanhada pelo surgimento de uma economia paralela que prosperou nas oportunidades de enriquecimento que uma infraestrutura aberta, globalmente conectada tornou possível.

Em novembro de 2010, o Information Walfare Monitor (IWM) lança o Relatório Koobface: Inside a Crimeware Network. Tal qual episódio de Star Trek em que os capitães Kirk e Spok são confronta-dos com seus demônios doppelgângers – que eram idênticos em tudo, exceto pelo caráter mais nefasto e diabólico –, o Facebook tem seu demônio doppelganger, chamado Koobface.

O cibercrime não vive apenas por conta da ingenuidade e da ilega-lidade, mas também por causa das oportunidades criadas pelas mídias sociais. O Koobface (um anagrama de Facebook) imita o comporta-mento de rede social normal, como uma ameba digital, vivendo para-

Governança da internet, modelos de negócios, cibercrime e ciberespionagem

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sitariamente nos nossos hábitos de partilha. Ele se aproveita da nossa vontade de clicar em links. Nós nos tornamos condicionados em um mundo de intensa interação social. Clicamos em endereços de sites da web e documentos. E é essa tendência condicionada que o Koobface explora com precisão.

O objetivo da pesquisa do IWM era saber se os criminosos comer-ciantes de código estavam prontos para se engajar no topo de linha da exploração do mercado ─ na quebra de sistemas de governo para obter documentos sensíveis ─ para então questionar o que estaria acontecendo nas ruas, e com a miríade de caminhos globalizados do ciberespaço, que agora conectam mais de dois terços da humanidade. Os resultados da pesquisa do IWM mostraram que o cibercrime é rentável (a “gang” do Koobface teve ganhos superiores a dois milhões de dólares por ano, em milhares de microtransações individuais da ordem de uma fração de centavo cada, correspondentes a cliques em anúncios publicitários e downloads de programas antivírus etc.) e que existem poucos incentivos ou mesmo embasamento para as institui-ções de policiamento existentes fazerem muita coisa.

A isca para o Koobface é um link enviado por um “amigo” fake. Tal link leva a um site de vídeo que, supostamente, revelaria o destinatário capturado nu por uma webcam escondida. Mas, para o destinatário infeliz, o clique o leva para um buraco de vírus e cavalos de Tróia, diretamente para os tentáculos da rede Koobface. Os mecanismos postos em prática pelos operadores Koobface para gerar receitas seguem uma linha muito tênue, sendo, por vezes, tão sutil, que é difícil, se não impossível, identificar quem, se alguém, é vítima.

Ciberespionagem

Deibert (2013) relata que a o alvorecer do novo milênio encontrou

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um mundo otimista. Nos EUA, o dot-com6 estava em plena ascen-são. De maneira geral, a internet e a sua “super autoestrada” estavam se espalhando, com a Guerra Fria e os tempos de apartheid africano relegados aos livros de história. No Brasil, vivíamos a transição de governos distintos, em um cenário de prelúdio de pujança nacional. Era difícil não ser otimista.

O novo milênio mal começara e o 11 de setembro nos fez questio-nar em que espécie de mundo nós estávamos vivendo. Provavelmente, aquele foi um evento emblemático dos problemas do (na época cha-mado) ciberespaço7. Os aviões colidindo nas torres gêmeas do World Trade Center, no Pentágono e em um terreno na Pensilvânia foram vistos como falhas da inteligência cibernética por parte das autorida-des que não monitoraram suficientemente as comunicações via inter-net. Até então, a opinião vigente era a de que a internet não poderia ser controlada pelos governos. Deibert (2013) conclui que esse evento singular havia remodelado o contexto das questões relacionadas ao ciberespaço e que, em decorrência, problemas surgiriam.

As leis antiterrorismo impensáveis em 10 de setembro de 2001, foram proclamadas com pouco debate público em todo o mundo industrializado, e os Estados Unidos, em particular, (mas certamente não sozinho) começaram dis-cretamente a construção de recursos de ataque cibernéti-co ofensivos. O inimigo era o terrorismo, nome abstrato, mas a al-Qaeda era um inimigo real e imediato (DEIBERT, 2013, p.4)8.

6 Ponto.com (Tradução livre).

7 Hoje a internet está presente no cotidiano das pessoas, e tanto a telefonia se dá por protocolos de internet, por questões de menor custo de transmissão. Mas os aparatos eletrônicos do dia a dia passam a ser controlados utilizando os mesmos protocolos. Estamos cada vez mais conectados, de modo que a definição de cibe-respaço não se justifica mais, uma vez que ele migra para o mundo cotidiano8 Tradução livre para: “Anti-terrorism laws unthinkable on September 10, 2001 were proclaimed with little public debate across the industrialized world, and the United States in particular (but certainly not alone) began quietly building offensive cyber attack capabilities. The enemy was terrorism, an abstract noum, but al-Qaeda was a real and immediate foe”.

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Em 30 de abril de 1993, a CERN – Organização Europeia para Pesquisa Nuclear – anunciou que a World Wide Web seria livre para todos, e que não haveria custo9. E, nessa época, menos de 20 anos atrás, o ambiente de informação global era um espaço muito mais regulamentado, organizado em torno de Estados soberanos (DEI-BERT, 2013). Graziano (2012) afirma que, de lá para cá, as coisas estão mudando. Em 2008, a OpenNet Initiative (ONI) publicou seu primeiro estudo global, documentando como estados tentavam esta-belecer fronteiras no ciberespaço, perímetros defensivos para negar acesso a conteúdos indesejáveis. Paralelamente a isso, cresce exponen-cialmente a ciberespionagem, o roubo de informações, de segredos industriais, econômicos e políticos.

No início do desenvolvimento da internet, havia um tecno-otimismo na abordagem neocibernética da governança da internet. Ele via na rede uma revolução de controle que colocaria as pessoas no comando e mudaria assim o mundo que conhecemos (SHAPIRO, 1999). Alguns estudiosos sustentam a hipótese da incapacidade do Estado para regular a internet, e que tem havido uma preferência por soluções tecnológicas para resolver as questões legais online.

No artigo “Governança da internet: vulnerabilidades, ameaças e desafios para a manutenção da liberdade de expressão e não discriminação na rede telemática conectada”, Graziano (2012) aborda a existência de softwares contra a violação do direito autoral com as seguintes táticas, baseadas em programação, usadas por empresas gravadoras/de entretenimento para proteger seus direitos autorais:

• Cavalo de Tróia: redireciona o usuário para sites em que podem comprar legalmente a canção que estavam tentando baixar;

9 Tim Berners-Lee. Ten Years Public Domain for the Original Web Software. CERN. Disponível em <http://tenyears-www.web.cern.ch/tenyears-www>. Acessado em 01/jul/2012.

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• Programas “freeze”: bloqueiam o computador por um perío-do de tempo.

• Programas “silence”: escaneiam o disco rígido e tentam re-mover ou danificar quaisquer arquivos pirateados usados;

• Programas “interdiction”: impedem o acesso à rede daqueles que tentam baixar músicas pirateadas

Com possibilidades sempre crescentes de técnicas que impedem o acesso aos materiais digitais, a questão que emerge é se a proteção aos direitos autorais se faz mesmo necessária, ou se surge a necessidade de uma nova discussão: a da pertinência da forma como as próprias empresas estão dando conta de coibir o acesso.

Soluções técnicas nem sempre são neutras e benignas (KURBALIJA, 2010; NEGROPONTE, 1995). Boyle (1997) sustenta que tal libertarianismo digital é inadequado por causa da cegueira em relação aos efeitos do poder privado, e que também é surpreendentemente cego em relação ao próprio poder do Estado no ciberespaço. O autor argumenta que a estrutura conceitual e os pressupostos jurisprudenciais do libertarianismo digital levam seus defensores a ignorar os modos pelos quais o Estado pode utilizar aplicações privadas e tecnologias apoiadas por ele para burlar algumas das supostas restrições práticas e constitucionais sobre o exercício do poder legal sobre a rede.

Apesar das vantagens e potencialidades que a rede das redes pro-porciona, ela traz consigo ameaças como vírus, spam e, ultimamente, a ciberespionagem, que nasce no seio das demandas comerciais e da necessidade de segurança e de controle político. A internet, ou me-lhor, a regulamentação da mesma, vem desenhando uma arquitetura de controle, como bem alertou Galloway (2004) em sua obra Proto-col: how control exists after decentralization10. Para ele, o princípio fundamental da rede é o controle, não a liberdade e, portanto, o con-

10 Protocolo: como o controle existe depois da descentralização (Tradução livre).

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trole do poder mora nos protocolos técnicos que tornam possíveis as conexões (e as desconexões) na rede. Nesse contexto, estamos viven-ciando a era do controle das redes e das informações.

Sobre a arquitetura de controle, Deibert (2008, p. 4) afirma que “à medida que a internet vem crescendo em importância política, uma arquitetura de controle – por meio da tecnologia, regulamentação, normas e cálculos políticas, surgiu para dar forma a um novo cenário geopolítico de informações”. 11

Quando o The Guardian e o The Washington Post revelaram do-cumentos, em junho de 2013, comprovando que a NSA, a Agência de Segurança Nacional americana, havia acionado um sistema de es-pionagem em escala mundial, o PRISM, o tema da ciberespionagem ou cibervigilância se tornou pauta nos veículos noticiosos em escala global. Como afirmou o jornalista Renato Cruz:

A internet corre o risco de se fragmentar. E o progra-ma americano de espionagem digital, revelado por Edward Snowden, é o grande culpado disso. Ele tem levado gover-nos do mundo todo a tomar medidas que criam barreiras e aumentam os controles locais sobre a rede mundial. Um exemplo disso é a exigência, incluída pelo governo brasi-leiro no projeto do Marco Civil da Internet, de empresas estrangeiras instalarem seus servidores por aqui (CRUZ, 2013).

Cruz cita ainda em sua matéria que Steven Levy publicou na revista Wired uma reportagem sobre o impacto das revelações de Snowden nas empresas americanas de tecnologia, “Como a NSA quase matou a internet”. De acordo com a matéria, o Brasil é citado na reportagem como um dos protagonistas de um movimento de fragmentação da internet. “Depois de descobrir que a NSA a estava grampeando, a

11Tradução livre para: “As the internet has grown in political significance, an archi-tecture of control – throught technology, regulation, norms, and political calculus- has emerged to shape a new geopolitical information landscape”.

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presidente brasileira Dilma Rousseff começou a promover uma lei que exige que os dados pessoais dos brasileiros sejam armazenados dentro do País”, escreveu Levy. “A Malásia promulgou uma lei similar, e a Índia também busca o protecionismo dos dados.” Ele acrescenta que inclusive a Alemanha planeja uma medida parecida. Para Cruz, “A grande questão é que esse tipo de medida não garante que os dados ficarão imunes à espionagem de outros países, já que eles podem ser acessados em outras partes do mundo”, inclusive ampliando preços ao consumidor de serviços pagos, criando barreiras à entrada de em-presas iniciantes de internet sediadas em outros países.

Renato lembra que a China separou a internet local do restante do mundo, e que, “além de espionar o tráfego da rede, o governo filtra conteúdos, num esquema que costuma ser chamado de “grande firewall da China”, num trocadilho com a Grande Muralha (Firewall é um dispositivo ou software que controla as informações que entram e saem da rede)” (Cruz, 2014). Na matéria de Levy, ele lembra que antes de Snowden as empresas americanas podiam argumentar que medidas como as que estão sendo discutidas no Brasil levariam a perda de pri-vacidade e censura, e que atualmente não podem mais, pois os EUA são o país que espiona o restante do mundo.

Fantasma da internet

O relatório do Information Walfare Monitor (IWM), Tracking ghostnet: investigating a cyber espionage network, sobre a investiga-ção de dez meses da alegada ciberespionagem chinesa nas instituições tibetanas, e cujas pesquisas cobriram uma rede de mais de 1.295 hosts infectados em 103 países, afirma que “mais de 30% desses hosts são considerados alvos de alto valor e incluem computadores localizados em ministérios de relações exteriores, embaixadas, organizações inter-nacionais, meios de comunicação de notícias e ONGs” (IWM, 2009,

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p.1).O relatório afirma que, a partir das evidências em mãos, não fica

claro se o invasor, ou invasores, realmente sabia onde havia penetrado, ou se a informação foi ou não foi explorada pelo seu valor comercial ou de inteligência.

A China é um país também peculiar na condução de sua gover-nança da internet. O IWM informa que as autoridades chinesas já deixaram claro que consideram a ciberespionagem uma estratégia de dominação:

(...) que auxilia no mapeamento das diferenças militares en-tre a China e as outras nações (particularmente os Estados Unidos) Eles identificaram assertivamente o ciberespaço como a estratégia sustentáculo por conta da sua dependên-cia tanto pelas forças armadas americanas, como pela sua dominação econômica (IWM, 2009, p.1). 12

Mas o relatório pondera que atribuir todo malware chinês às ope-rações de espionagem deliberadas ou orientadas pelo Estado chinês é errôneo e enganoso:

A China apresenta atualmente a maior população de in-ternautas do mundo. O grande número de jovens nativos digitais on-line pode contar mais no aumento do malware chinês. Com as pessoas mais criativas, utilizando compu-tadores, espera-se que a China (e indivíduos chineses) se-rão responsáveis por uma proporção maior de cibercrime (IWM, 2009, p.1). 13

12 Tradução livre para: “(...) one which helps redresses the military imbalance be-tween China and the rest of the world (particularly the United States). they have correctly identified cyberspace as the strategic fulcrum upon which U.S. military and economic dominance depends”.

13 Tradução livre para: “China is presently the world’s largest internet population. The sheer number of young digital natives online can more than account for the increase in Chinese malware. With more creative people using computers, it’s ex-pected that China (and Chinese individuals) will account for a larger proportion of

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Da mesma forma, o limiar para o engajamento na espionagem cibernética está desaparecendo, com os kits cibercrimes disponíveis online, e com seu uso claramente em ascensão, em alguns casos, pelo crime organizado e outros atores privados. O malware de engenharia social é o mais comum e potente, que introduz trojans em um sistema e, em seguida, explora os contatos sociais e arquivos pessoais para propagar mais infecções.

Brasil

Uma crescente onda de protestos tomou conta das principais cida-des do país em junho de 2013. O início teria sido por conta dos vinte centavos de aumento no preço do transporte público em São Paulo, seguida pela manifestação de repúdio à violência policial. Brasileiros habitantes de várias cidades brasileiras e internacionais foram às ruas protestar. À medida que as manifestações cresceram, surgiram outras queixas — muitas delas expressas nas redes sociais, ambiente em que os manifestantes se mobilizam com rapidez. Os protestos se torna-ram quase um tema único nos dias dos manifestos, dominando publi-cações no Twitter, Facebook e também no YouTube. Pode-se afirmar que a internet teve papel fundamental na organização dos atos.

Sem detectar as manifestações combinadas pelas redes sociais, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) montou uma operação para monitorar a internet. O governo designou funcionários de inteligên-cia para acompanhar o movimento dos manifestantes pelo Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp14. Tal atitude levanta a questão da

cybercrime”.

14 RIZZO,A; MONTEIRO,T. Abin monta rede para monitorar internet. O Estado de São Paulo. 19/6/2013. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/cida-des,abin-monta-rede-para-monitorar-internet,1044500,0.htm>. Acesso em: 19 jun. 2013.

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constitucionalidade de tais medidas, mostrando que o Brasil adentra a era da ciberespionagem governamental.

A Polícia Federal inaugurou em 4 de junho de 2012, em Brasília, a Unidade ou Centro de Monitoramento do Serviço de Repressão a Crimes Cibernéticos15. Inicialmente criado para combater crimes financeiros realizados pela rede, ele foi ampliado para tratar das tenta-tivas e ataques a sistemas de informação do governo federal. O centro está equipado com as mais modernas ferramentas de análise de dados e inteligência policial, e que serão operadas por policiais federais alta-mente especializados.

De acordo com a assessoria da Polícia Federal, as 320 redes de informação do governo atualmente recebem mais de dois mil ataques por hora. O centro funcionará como uma espécie de órgão de inte-ligência para a prevenção de crimes que atentem contra a segurança digital do governo. A assessoria da PF diz também que sua existência se deveu principalmente aos grandes eventos – como Rio+20, Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 –, e a possibilidade de que hackers e crakers tentem atrair visibilidade para as suas causas através de ataques DDoS e invasões a sistemas. “Evita-se, com isto, maiores danos aos sistemas ou aos dados sensíveis do governo ou dos cidadãos brasileiros” 16 .

De acordo com outra matéria, divulgada pelo portal Olhar Digital, pelo menos 250 hackers já foram identificados e estão sendo monitorados pela central. A reportagem entrevista o advogado Luis Massoco, representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na discussão da criação da lei de cibercrimes brasileira, e ele diz que acredita que a criação do órgão é um progresso no combate aos delitos cometidos pela rede:

A atuação do órgão será essencialmente preventiva, mas 15 Dados do Departamento da Polícia Federal disponíveis em: <http://www.dpf.gov.br/agencia/noticias/2012/junho/pf-inaugura-centro-contra-ataques-ciberneticos>. Acesso em: 21/6/2013.16 Idem.

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mesmo assim eles não conseguirão combater grande parte dos crimes. No entanto, a Polícia Federal é uma referência de excelência no Brasil e a criação do centro é um progres-so, principalmente porque ela centralizará todas as ocor-rências ligadas à cibersegurança do país.17

O secretário para Educação e Cultura do Sindpd (Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Infor-mação do Estado de São Paulo), Emerson Morresi, conta em seu blog18 que foi aprovado, como um investimento estratégico para a Copa do Mundo de futebol de 2014, o projeto Oráculo, da Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal. O projeto tem como objetivo o combate aos crimes de alta tecnologia por meio da inteligência digital. Em fase de seleção de ferramentas, tecnologia e parceiros, ele tem recursos iniciais já destinados pelo governo de R$ 500 mil, mas são esperados mais investimentos visando a sua conclu-são em 2013.

O chefe da Unidade de Repressão aos Crimes Cibernéticos da PF, Carlos Eduardo Miguel Sobral, em entrevista ao portal Convergência Digital19, informou que o orçamento da Copa do Mundo já prevê R$ 3 milhões para a PF formar sua equipe, R$ 800 mil para treiná-la e outros R$ 4 milhões para investimento em soluções (programas) de investigação.

Com a formação da equipe, o centro vai contar com grupos táticos em todas as cidades-sede dos eventos internacionais realizados no país nos próximos anos. Ainda que as atividades de inteligência sejam centralizadas em Brasília, esses grupos serão responsáveis

17 Disponível em <http://olhardigital.uol.com.br/negocios/digital_news/noticias/po-licia-inaugura-centro-de-inteligencia-cibernetica>. Acesso em 21 jun. 2013.

18 Disponível em: <http://emersonmorresi.com/2012/09/04/norma-vai-autorizar-derrubada-de-sites-infectados-por-malware/>. Acesso em: 21 jun. 2013.19 Disponível em <http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.ht-m?infoid=30670&sid=18#.UcTYUcijLq4>. Acesso em: 21 jun. 2013.

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pelas investigações locais – no mundo real – e as possíveis prisões de cibercriminosos identificados.

Os fatos relatados apontam para um processo de instrumentaliza-ção do estado para, em nome da segurança, vigiar e posteriormente punir cidadãos envolvidos em atos criminosos ou em manifestações populares, supostamente incitadores de atos de vandalismo. Em 2012, após a exposição da intimidade da atriz de mesmo nome, foi rapida-mente aprovada a lei alcunhada Carolina Dieckman.20 O futuro estudo do processo de aprovação da lei, em relação ao projeto de lei popular-mente chamado de AI-5 digital, poderá revelar muito mais acerca das razões que motivaram sua aprovação, para além das fotos íntimas da atriz que foram divulgadas na rede. Contudo, o propósito do presente artigo é se debruçar na questão dos intermediários da internet e do crescente processo de responsabilização a que estão expostos.

Os intermediários de internet

De acordo com Deibert (2013), a natureza fenomenal da partici-pação política nos meios de comunicação sociais é exacerbada quando fatores de jurisdição territorial entram em cena. Enquanto todas as plataformas de social media têm bases de usuários internacionais, elas

20 A Lei Carolina Dieckmann é como ficou conhecida1 a Lei Brasileira 12.737/2012, sancionada em 3 de dezembro de 2012 pela Presidente Dilma Rousseff, que promoveu alterações no Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940), tipificando os chamados delitos ou crimes informáticos. A legislação é oriunda do Projeto de Lei 2793/2011, apresentado em 29 de novembro de 2011, pelo Deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que tramitou em regi-me de urgência e em tempo “record” no Congresso Nacional, em comparação com outros projetos sobre delitos informáticos que as casas de leis aprecia-vam (como, por exemplo, o PL 84/1999, a “Lei Azeredo”, também transformado em lei ordinária 12.735/2012 em 3 de dezembro de 2012). O Projeto de Lei que resultou na “Lei Carolina Dieckmann” foi proposto em referência e diante de si-tuação específica experimentada pela atriz, em maio de 2011, que suposta-mente teve copiadas de seu computador pessoal 36 (trinta e seis) fotos em situação íntima, que acabaram divulgadas na Internet. (Fonte: wikipedia).

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são registradas e gerenciadas em uma jurisdição política particular, sendo sujeitas às leis e regulamentações dessas jurisdições. Qualquer dado armazenado nos servidores do Google, não importando sua lo-calização física, é sujeito às provisões de compartilhamento de dados do Patriotic Act21 porque o Google está domiciliado nos Estados Unidos. “De modo mais geral, quando usamos Gmail, Facebook, e outras plataformas de mídia social, podemos estar sujeitando dados pessoais a leis e regulamentos sobre os quais não temos controle dire-to” (DEIBERT, 2013, p.108)22.

No artigo inicial do debate virtual23 centrado na pergunta “O ati-vismo de internet funciona?”, Berin Szoka (do grupo TechFreedom) pontua, entre outros aspectos, que os governos podem e de fato ma-nipulam a internet para reprimir a população. Ele aponta a relação entre a responsabilização dos intermediários e o alto risco de uma censura privada do ciberativismo:

(…) tornar “os intermediários… responsáveis pelo comportamento de seus usuários e clientes… é precisamente o mecanismo legal que permite que um governo irresponsável delegar a maior parte da censura e vigilância para o setor privado”. Apesar de nobres os objetivos — proteger as crianças, defender os direitos autorais, promover a segurança cibernética ou punir a difamação —, a responsabilidade dos intermediários

21 USA PATRIOT Act (Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act of 2001. Em tradução livre: “Lei de 2001 para unir e fortalecer a América, fornecendo instrumentos apropriados requeridos para interceptar e obstruir o terrorismo”. Comumente referido como Pa-triot Act, foi instituído no contexto da Guerra ao Terror, sendo o instrumento legal que permite ao governo dos Estados Unidos a obtenção de qualquer informação sobre qualquer pessoa, como também adotar medidas de vigilância e espionagem.

22 Tradução livre para: “More generally, when we use Gmail, Facebook, and other social media platforms, we may be subjecting personal data to laws and regulations over which we have no direct control”.

23 Disponível em: <http://hiperficie.wordpress.com/2012/05/22/responsabilizacao-de-intermediarios-e-censura-privada-ao-ciberativismo/>. Acesso em: 13 jun. 2013.

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reforça o poder dos governos opressivos e incentiva as empresas a censurar ou a não fornecer fóruns abertos em primeiro lugar. De qualquer maneira, os governos podem indiretamente cortar as pernas do ativismo digital. Evitar tal “censura arquitetônica” indireta requer uma melhor compreensão da mídia digital (SZOKA, 2013, online).

Ao falar sobre como a China coordena seu regime totalitário e o intenso uso da tecnologia, Rebecca MacKinnon, cofundadora do Global Voices e autora do livro Consentimento dos conectados, afir-ma que:

Ao impor a responsabilidade política e jurídica forte sobre os intermediários da internet, o governo obrigou as empre-sas — muitas financiadas pelo capital ocidental — não só a pagar a conta por grande parte das necessidades de censura e vigilância do regime, mas a fazer muito do trabalho efetivo (MACKINNON, 2013, online).

Abordar o uso da tecnologia implica em compreender os modelos de negócios que tratam dela. A Organização para a Cooperação e De-senvolvimento Econômico (OCDE), fórum único em que 30 demo-cracias trabalham juntas para encaminhar os desafios da globalização em seus aspectos econômicos, social e de meio ambiente, assim define os intermediários de internet:

Os intermediários da Internet reúnem ou facilitam as tran-sações entre terceiros na internet. Eles dão acesso, hospe-dam, transmitem e indexam o conteúdo, produtos e ser-viços originados por terceiros na Internet ou fornecemr serviços baseados na Internet para terceiros (OECD, 2011, ii)24.

24 Tradução livre para: “Internet intermediaries bring together or facilitate transac-tions between third parties on the internet. They give access to, host, transmit and index content, products and services originated by third parties on the internet or

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De acordo com a versão do relatório The role of internet intermediareis in advancing public policy objectives, de 2011, os intermediários de internet promovem a infraestrutura básica da internet e a plataforma que permite a comunicação e as trocas entre terceiros. Podem ser comerciais e não comerciais, mecanismos de busca, intermediários de comércio eletrônico, intermediários de pagamento e plataformas de redes participativas. Suas principais funções são:

1. Prover infraestrutura;2. Coletar, organizar e avaliar as informações dispersas;3. Facilitar a comunicação social e a troca de informações;4. Agregar oferta e demanda;5. Facilitar os processos mercadológicos;6. Prover confiabilidade;7. Ter em conta as necessidades de ambos, compradores e

usuários, vendedores e anunciantes.

Entraves legais surgem em decorrência da distribuição de conteúdo ou da provisão de serviços na internet. Enquanto a grande maioria das atividades está regida por leis, atividades ilegais comprometem a questão da confiabilidade. Um texto, uma imagem, uma música, ou um vídeo feito pelo usuário podem ser difamatórios, conter imagens ilegais de pornografia infantil, infringir direitos autorais ou incitar preconceito racial etc.

Com que intensidade os intermediários de internet devem ser responsabilizados pelos conteúdos gerados por terceiros que usam suas redes ou serviços? Até que ponto deve recair a responsabilidade exclusivamente no autor do original, provedor ou serviço que distribui conteúdo não autorizado? Quais são as consequências, se

provide internet-based services to third parties”.

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existe alguma, dessa atribuição de responsabilidades para a inovação e a liberdade de expressão? Se os intermediários forem considerados, mesmo que parcialmente, responsáveis pelos conteúdos dos usuários, devem eles ser passíveis de receber pedidos de remoção ou até mesmo de prevenir tais presenças? De outro modo, se somente a terceira parte usuária for responsabilizada, quais são as implicações para o controle de disseminação de conteúdo indesejável, para a proteção dos direitos autorais, e para a legitimação da inovação nos modelos de negócios? Se os intermediários tiverem responsabilidades, qual será o impacto nos seus modelos de negócios e na viabilidade econômica, dados os custos extras implicados? Finalmente, como iria a responsabilização afetar a inovação online e o livre fluxo de informação na economia da internet?

O escopo e os tipos de intermediários continuam a evoluir, assim como novos imbróglios regulatórios e uma grande quantidade de casos jurídicos. Em particular:

• As noções de intermediário e provedor de conteúdo se descolam cada vez mais, especialmente nos sites de redes participativas, levantando potencialmente mais questões subjetivas sobre neutralidade e ganho financeiro dos hospedeiros ou atividades relacionadas.

• Novos tipos de intermediários ou intermediários cujos papeis têm crescido, como os mecanismos de busca e os sites das redes sociais, levantam questões sobre a necessidade de distinção de proteções, envolvendo diferentes categorias de atividades de intermediários (hospedagem, canalização, ligação etc), e ainda as diferentes necessidades de regras para intermediários grandes e pequenos.

• Pressões e prioridades distintas em termos de responsabilidade para direito autoral, pornografia, privacidade, proteção e segurança do consumidor, levantando questões como se o “tamanho único serve

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para todos” é viável ou desejável operacionalmente.• Filtragem ex ante em vez de comunicação e retirada do

acesso ex post promovidos voluntariamente estão aumentando em alguns intermediários para alguns tipos de conteúdo/atividade, ou promovidos por detentores de direitos autorais e agências de aplicação de leis, levantando dúvidas sobre quando e como a lei deve intervir, os custos e as possibilidades de automação.

• A análise do custo/benefício de novas propostas políticas de interesses público e do usuário é crítica. Ressalvas devem existir para que se respeitem direitos fundamentais, incluindo a liberdade de expressão, proteção da propriedade e à privacidade.

• A importância de organismos multistakeholders para o desenvolvimento das políticas pode ajudar a formar as parcerias multistakeholders necessárias para o encaminhamento dos complexos temas emergentes sobre a internet.

• A distribuição global do acesso aos conteúdos e serviços online por operadores multinacionais faz com que a dimensão global das regras sobre responsabilidade cresça em relevância.

Achados importantes do workshop realizado pela OCDE para debater o papel dos intermediários:

• Os intermediários estão ganhando importância e empoderam os usuários finais.

• Limitações nas suas responsabilidades pelas ações dos usuários em suas plataformas têm encorajado o crescimento da internet.

• Dependendo do assunto, os incentivos dos intermediários podem ou não estar alinhados com os objetivos das políticas públicas e podem ou não estar bem posicionados para detectar e encaminhar atividades ilegais.

• Cada vez mais governos e grupos de interesse procuram as-

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segurar aos intermediários os deveres de cuidado. Há uma pressão crescente para os intermediários agirem em vez de apenas reagir.

• As ambiguidades legais enfraquecem a confiança do setor privado, evidenciando a necessidade de clareza e de princípios norte-adores.

• Todos os stakeholders desempenham um papel. Governos devem promover as regras do jogo e facilitar as iniciativas do setor privado.

• A capacidade técnica sozinha é insuficiente; a variedade de atividades dos intermediários clama por diferenciação.

• Uma justa distribuição de custos devido aos processos deve ser levada em conta. São necessárias informações quantitativas sobre custos e eficiência.

• O impacto das políticas nas liberdades civis deve ser avaliado e salvaguardas estabelecidas.

O Brasil protagonizou um episódio emblemático ao exigir do Google sucessivas remoções de conteúdos classificados como difa-matórios dos dois principais partidos na campanha das eleições ma-joritárias de 2010. Deibert aborda o episódio em sua recente obra Black Code:

Google não é responsável pelo conteúdo publicado em seu site. No mesmo mês, um juiz brasileiro diferente multou o Google por causa de outro vídeo que criticava outro can-didato, e ainda um outro juiz brasileiro ordenou a prisão de um outro funcionário do Google, uma decisão que acabou sendo anulada por um tribunal superior (DEIBERT, 2013, p. 116)25.

25 Tradução livre para: “Google is not responsible for the content posted on its site. Earlier that month, a different Brazilian judge fined Google for another video that criticized another candidate, and yet another Brazilian judge ordered the arrest of another Google official, a decision that ended up being overruled by a higher court”.

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Deibert também pondera sobre os pedidos de remoção do Google no primeiro semestre de 2012 e sobre a conduta do governo cana-dense:

Segundo o Google, entre janeiro e junho de 2012, os dez países que mais fizeram “outro pedido” são todos demo-cracias: Turquia, Reino Unido, Alemanha, Índia, Estados Unidos, Espanha, Brasil, França, Coreia do Sul e Canadá. É um crime urinar em seu passaporte no Canadá? Duvido. Mas certamente é errado para o governo canadense fazer um pedido a um ISP para remover um vídeo documentando o fato (Idem)26.

No Brasil, as discussões informais sobre o papel dos intermedi-ários vêm sendo debatidas por ativistas de forma atrelada ao marco civil da internet e à defesa da neutralidade da rede.

Considerações finais

É muito importante a promoção do debate sobre a responsabili-zação dos intermediários em uma matriz multidisciplinar, pois exis-tem consequências imediatas de fragilização da liberdade de expres-são, como decorrência da percepção de que todos os envolvidos nas diversas camadas das comunicações em rede se tornam obrigados a censurar o que trafega por seus domínios.

Outra questão importante seria o debate quanto aos modelos de negócios. São as frágeis políticas de privacidade e a necessidade de

26 Tradução livre para: “According to Google, between January and June 2012, the ten countries making the most “other request” are all democracies: Turkey, United Kingdom, Germany, India, United States, Spain, Brazil, France, South Korea, and Canada. Is it a crime to urinate on your passport in Canada? I doubt it. But it most definitely be wrong for the Canadian government to make a request to a ISP to re-move a video documenting the fact”.

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monetização do negócio que tornaram a rede social uma ameaça à liberdade da internet.

Como o caso Snowden mostrou, as grandes empresas de internet cooperam com os órgãos de segurança nacional americanos. Tudo o que todos dizem em qualquer lugar nesses sites é observado pela NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA). Este episódio trará desdobramentos que só o distanciamento histórico poderá apontar. Contudo, minha hipótese é de que ele marca uma nova era nas rela-ções diplomáticas internacionais e da função da internet.

O Brasil, bem como outros países, marcha a passos largos rumo à instrumentalização de seus sistemas de vigilância e controle na rede. Precisar o quanto de controle que se exerce em nome da necessidade de segurança, e se vivemos em uma doutrina da segurança, também será objeto da pesquisa acadêmica. Penso que a discussão sobre a necessidade da votação do Marco Civil é pujantemente emocional e desprovida do aprofundamento na questão do delineamento da lei que a regulamentará, tornando-a factível, uma vez que o Marco Civil da internet per se é uma diretriz, que não aborda pontos específicos, como as sanções – que, a meu ver são cruciais, pois uma normatiza-ção coercitiva pode invalidar todos os objetivos do texto original do Marco.

O projeto de pesquisa empreendido no Centro Universitário SE-NAC busca conhecer: o que aconteceu em países em que os seus Marcos Civis defendendo a neutralidade de rede foram já aprovados e implantados; se a lei tem força maior do que o lobby de mercado; se as agências reguladoras conseguem deixar a internet naqueles países, a saber, Chile e Holanda, sem nenhum protocolo de interferência de ponta-a-ponta

.Referências

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Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre

democratização da tecnologia e acesso à informação

Eduardo Fernando Uliana Barboza1

Introdução

A ascensão de classes sociais, o aumento do poder aquisitivo da população e o barateamento de aparelhos tecnológicos e serviços de transmissão de dados abrem novos horizontes para o processo comunicacional. E também novos desafios para profissionais e estudiosos que trabalham com informação.

O presente artigo tem como objetivo analisar o impacto da popularização de dispositivos tecnológicos como microcomputadores, notebooks, tablets e smarthpones. E se, em conseqüência dessa disseminação tecnológica, o acesso ao grande volume de informações disponíveis na web produz conhecimento ou alienação.

Para tanto, em um primeiro momento, serão abordados os conceitos de informação, sociedade do conhecimento e sociedade em rede, utilizando como autores de referência Armand Mattelart, Richard Saul Wurman, Thomas H. Davenport, Manuel Castells, José Marques de Melo e Sebastião Squirra. O artigo contará também com visões de Bill Tancer, Francis Pisani e Dominique Piotet.

1 Eduardo Fernando Uliana Barboza é jornalista, mestrando em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo e docente no curso de Comunicação Social da Universidade do Estado de Minas Gerais. E-mail: [email protected]. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2010753404704609

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Richard Wurman (1991) alerta que o grau de exigência intelectual aumenta na mesma velocidade da quantidade de informações e o ser humano não está preparado para absorvê-las, resultando no que ele denomina ansiedade de informação. E para agravar esse cenário, as novas gerações não conseguem aproveitar todo o potencial da era digital, pelo contrário, são reféns dela. Também corrobora com essa perspectiva Mark Bauerlein, professor da Universidade Emory, em Altanta (EUA) e autor do livro A mais burra das gerações: como a era digital esta emburrecendo jovens americanos e ameaçando nosso futuro. Bauerlein, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo (MELLO, 2008), afirma que os hábitos intelectuais dos jovens mudaram muito em 20 anos. Hoje, eles dedicam praticamente todo seu tempo online em comunidades de relacionamento e troca de arquivos, deixando a busca pelo conhecimento em segundo plano. Squirra (2005) também opina sobre esse tema:

[...] No mundo moderno, as necessidades de domínio dos processos de manipular, estocar e transmitir gigantescas (e cada vez mais crescentes) quantidades de informação, por meios cada vez menos dispendiosos, cresceu a níveis sofisticadíssimos, definindo quem sobrevive -ou não- em praticamente todos os setores dos negócios “em redes e em tempo real”. Esta realidade é tão definitiva que se crê que nas últimas décadas, de 70 a 80 por cento do crescimento da economia podem ser creditados ao maior e melhor domínio do conhecimento sobre as infindáveis, complexas e sutis camadas de informação em que se organiza a experiência humana (SQUIRRA, 2005, p. 257).

Informação, sociedade do conhecimento e sociedade em rede: conceitos

Mas o que é informação? Para Thomas Davenport (1998), a definição de informação é imprecisa, principalmente porque

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distinguir dados, informação e conhecimento é complicado. O autor (1998) lembra que por muito tempo as pessoas se referiram a dados como informação e agora precisam de conhecimento para falar sobre informação.

Armand Mattelart é categórico ao afirmar que “a imprecisão que envolve a noção de informação coroará a de sociedade da informação” (MATTELART, 2006, p. 71). Segundo o autor (2006), assimilar informação a termos técnicos, como dados, ficará mais acentuado, assim como a tendência de receber informações somente por meio de aparatos técnicos.

Davenport (1998) alerta que o nosso deslumbramento pela tecnologia provocou uma amnésia que nos fez esquecer o principal objetivo da informação, que é informar. “Todos os computadores do mundo de nada servirão se seus usuários não estiverem interessados na informação que esses computadores podem gerar” (DAVENPORT, 1998, p. 11). E de nada adianta os avanços nos sistemas de transmissão de dados e investimentos em novas tecnologias se as pessoas não forem capazes de assimilar e compartilhar as informações disponíveis na web.

A idéia de uma sociedade regida pela informação está, por assim dizer, inscrita no código genético do projeto de sociedade inspirado pela mística do número. Ela data, portanto, de muito antes da entrada da noção de informação na língua e na cultura da modernidade (MATTELART, 2006, p. 11).

Já o termo sociedade do conhecimento é um terreno fértil para discussões e reflexões, principalmente entre os pesquisadores da comunicação. Por ser um assunto muito abrangente e desafiador para qualquer autor que procure conceituá-lo, citaremos Squirra e Fedoce (2011, p. 268), que chegaram ao seguinte conceito: “a atual Sociedade do Conhecimento caracteriza-se pela expansão do acesso

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às informações e pela combinação das configurações e aplicações da informação com as tecnologias da comunicação em todas as suas possibilidades”.

Mattelart (2006), citando Machlup, difere conhecimento de informação:

[...] a diferença entre o conhecimento e a informação está essencialmente no verbo formar: informar é uma atividade mediante a qual o conhecimento é transmitido; conhecer é o resultado de ter sido informado. “Informação” como ato de informar é produzir a state of knowing na mente de alguém. “Informação” enquanto aquilo que é comunicado torna-se idêntico a “conhecimento” no sentido do que é conhecido. Portanto a diferença não reside nos termos quando eles se referem àquilo que se conhece ou aquilo sobre o que se é informado; ela reside nos termos apenas quando eles devem se referir respectivamente ao ato de informar e ao estado do conhecimento (MACHLUP, 1962, p. 15 apud MATTELART, 2006, p. 69)

Em meados da década de 70, os japoneses perceberam que informação gera desenvolvimento e que o conhecimento transmitido por meio de estratégias bem definidas dentro de uma sociedade da informação poderia levar a nação a um novo patamar de crescimento econômico, tecnológico, cultural e social. O modelo da “Computópolis”, cidade totalmente conectada, é um bom exemplo de sociedade do conhecimento que “teria por função não apenas alimentar o ensino e a pesquisa, mas também garantir, graças ao livre acesso à informação, o novo sistema de participação dos cidadãos” (MATTELART, 2006, p. 106).

Porém Wurman (1991) acredita que o volume de informações, que aumenta desenfreadamente, pode ser um fator impeditivo na questão da democratização do acesso à informação. Isso porque a instantaneidade conquistada com o advento da tecnologia torna possível a divulgação em tempo real de qualquer informação.

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Entretanto, essa proliferação de dados, que se aglomeram e dobram de tamanho em uma velocidade que não conseguimos acompanhar, pode ocasionar uma ansiedade informacional, que é “o resultado da distância cada vez maior entre o que compreendemos e o que achamos que deveríamos compreender. É o buraco negro que existe entre dados e conhecimento, e ocorre quando a informação não nos diz o que queremos ou precisamos saber” (WURMAN, 1991, p. 38).

Esse fenômeno acontece devido à capacidade limitada de processar e transmitir informações que possuímos. Nossa percepção é afetada e distorcida pelo empanturramento de dados que recebemos e não conseguimos transformar em informação válida. Por esse motivo, não adianta ter acesso à informação se não somos capazes de tratá-la e compreendê-la. Wurman (1991) sustenta este pensamento ao dizer que entramos em um frenesi para adquirir o maior volume possível de informações acreditando que isso significa mais poder.

Com base em Castells (1999), podemos afirmar que este é um processo irreversível, uma vez que as tecnologias da informação colocaram o mundo em rede e abriram espaço para o surgimento da comunicação mediada pelos computadores e comunidades virtuais. De acordo com o autor (1999), não é a centralização de conhecimentos e informação que marca a revolução tecnológica que estamos vivendo e sim a utilização destes para produzir dispositivos inovadores de geração de conhecimentos e informação que possam ser redefinidos e aprimorados conforme são usados.

As novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos. Usuários e criadores podem tornar-se a mesma coisa. Dessa forma, os usuários podem assumir o controle da tecnologia como no caso da Internet (CASTELLS, 1999, p. 69).

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A revolução da tecnologia e o acesso à informação

Um aspecto interessante da revolução da tecnologia da informação é revelado quando a comparamos com outras revoluções tecnológicas. Foi necessário menos de duas décadas para que as novas tecnologias da informação fossem difundidas pelo planeta. Enquanto algumas revoluções tecnológicas ocorreram em regiões específicas do mundo e de forma limitada, as novas tecnologias da informação foram disseminadas ao mesmo tempo em que eram geradas em um mundo conectado e globalizado.

Mas Castells (1999) alerta que ainda existem lugares no mundo e segmentos da sociedade desconectados e sem acesso ao novo sistema tecnológico. As regiões desconectadas, localizadas em países pobres, áreas rurais e suburbanas, se tornam cultural e espacialmente descontínuas do mundo. “O fato de países e regiões apresentarem diferenças quanto ao momento oportuno de dotarem seu povo do acesso ao poder da tecnologia representa fonte crucial de desigualdade em nossa sociedade” (CASTELLS, 1999, p. 71).

E se alguns não possuem acesso à tecnologia, outros centralizam o seu poder. Esse aspecto gera também ansiedade, conforme explica Wurman (1991).

Nossa relação com a informação não é a única fonte de ansiedade de informação. Também ficamos ansiosos pelo fato de o acesso à informação ser geralmente controlado por outras pessoas. Dependemos daqueles que esquematizam a informação, dos editores e produtores de noticiários que decidem quais notícias iremos receber, dos que tomam decisões nos setores público e privado e podem restringir o fluxo de informação. Também sofremos de ansiedade causada pelo que deveríamos saber para atender às expectativas das outras pessoas a nosso respeito, sejam elas o presidente da empresa, os colegas ou até nossos pais (WURMAN, 1991, p. 38).

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Mas o que impede que parte da população tenha acesso à tecnologia e à informação veiculada por meio dela? A seguir, serão apontadas algumas considerações que podem contribuir para responder a essa pergunta.

Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2013 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (ONU, 2013), a democratização da tecnologia e do acesso à informação esbarram em serviços básicos como o fornecimento de energia elétrica. Em países como Angola, Camboja, Madagascar e Timor Leste, menos de 30% da população é atendida pela rede elétrica. Situação muito diferente vivem as nações que possuem índice de desenvolvimento elevado ou muito elevado, cujos indicadores de eletrificação estão entre 97% e 99%.

A desigualdade econômica também afeta o acesso às novas tecnologias, de acordo com a mesma pesquisa. Enquanto nos Estados Unidos, 74,2% da população utiliza a Internet, o Brasil tem 40,7% de usuários de Internet. A taxa é maior do que a média mundial (30%), mas menor do que nos Emirados Árabes Unidos (78%), Singapura (71,1%), Malásia (56,3%) e Chile (45%).

Ainda de acordo com o relatório, no Canadá, a cada 100 pessoas, 94 possuem computadores pessoais. No Brasil, esse número cai para 16 pessoas e, no Sri Lanca, não chega a 4. Quando o assunto é acesso à Internet por banda larga fixa, apenas 6,8 brasileiros de um grupo de 100 pessoas têm acesso ao serviço. Na Dinamarca, um terço da população dispõe deste tipo de conexão.

Qualquer que seja o enfoque, o macro desenho da área revela que é praticamente impossível que o conjunto da sociedade venha a ter acesso aos múltiplos e específicos recursos desta forma de organização, da Sociedade do Conhecimento. Esta inequívoca constatação delineia o que ficou conhecido como princípio dos que têm (“have”) dos que não têm (“have-not”) acesso e domínio da informação, no que ficou conhecido como hipótese da

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lacuna do conhecimento (“knowledge gap hypothesys”). Aqui se reconhece que apesar de todos ganharem com a modernização e incremento dos processos de comunicação, o que vem acontecendo é que a distância se alarga indefinidamente entre os que tinham mais e os que tinham menos acesso à informação, com a implementação sucessiva – e cada vez mais intensa – de mais recursos tecnológicos. De forma concreta, esta constatação nos leva na direção do triste reconhecimento de que as desigualdades não devem mudar de rumo no futuro tecnopolizado (SQUIRRA, 2005, p. 6).

Contudo, o relatório do PNUD (ONU, 2013) apresenta um panorama positivo para os países do Hemisfério Sul. E coloca o Brasil entre as nações com desenvolvimento humano em elevação, apontando que o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país cresceu 24% desde 1990. O relatório mostra também que entre os anos 2000 e 2010, cerca de 60 países em desenvolvimento tiveram um crescimento excepcional da utilização da Internet. Entre os 10 países com o maior número de usuários de redes sociais como o Facebook, seis estão localizados no Sul.

A edição da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011) para investigar o acesso à Internet e a posse de telefone móvel para uso pessoal, fornece informações importantes e que contribuem para o conhecimento de aspectos das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) relacionados com o seu uso pelas pessoas. Além disso, os dados coletados sobre bens e serviços que contribuem para o acesso à informação e comunicação auxiliam no planejamento de políticas voltadas ao desenvolvimento tecnológico do país.

Os resultados da pesquisa mostram que o número de internautas no país mais que dobrou em seis anos. Em 2005, 31,9 milhões de pessoas com idade mínima de 10 anos acessaram a Internet, o que

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corresponde a 20,9% da população. No ano de 2011, esse contingente chegou a 46,5%. Ou seja, 77,7 milhões de brasileiros acessaram a Internet em 2011. Em outras palavras, isso significa que enquanto a população acima de 10 anos de idade cresceu 9,7%, o contingente de pessoas que utilizaram a Internet aumentou 143,8% no período pesquisado.

Analisando por região, o aumento mais significativo do acesso à Internet foi registrado nas regiões Norte e Nordeste. Se em 2005, apenas uma em cada 10 pessoas tinha acesso à rede mundial de computadores, seis anos depois, esse número alcançou um terço da população dessas regiões. No Sudeste, Centro-Oeste e Sul, mais da metade da população tem acesso à Internet desde 2011.

São Paulo, com 59,2%, é o estado com o maior percentual de pessoas conectadas, ficando atrás apenas do Distrito Federal, que conta com 71,1% de indivíduos com acesso à Internet. Maranhão e Piauí foram as unidades federativas que apresentaram os menores percentuais de internautas em 2011, com 24,1% e 24,2% respectivamente.

Em todas as vezes que foi realizada, a PNAD mostrou que os jovens de 15 a 17 anos lideraram o ranking de grupos etários com os maiores percentuais de acesso, chegando a 74,1%, em 2011. Um dado importante revelado pelo levantamento é que o nível de escolaridade influencia na proporção de pessoas que acessam a web, chegando a 90,2% entre aqueles com mais de quinze anos de estudo. Por outro lado, apenas 11,8% da população com menos de quatro anos de estudo ou sem instrução alguma tem acesso à Internet.

Como mostra a pesquisa, dois nichos populacionais são responsáveis pelos maiores índices de acesso à Internet: os jovens, entre 15 e 17 anos e os indivíduos com 15 anos ou mais de estudos.

A participação dos estudantes na fatia da população que utiliza a Internet também aumentou. Em 2011, dos 37,5 milhões de estudantes com 10 anos ou mais, 72,6% acessaram a web. Mais que o dobro do número apurado em 2005, com 35,7%. Mas a porcentagem de estudantes com acesso à Internet é maior na rede privada. Nas escolas

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particulares, 96,2% dos alunos utilizam a rede mundial. Na rede pública de ensino, 65,8% dos alunos acessam a Internet.

A situação era pior em 2005, quando apenas 24,1% desses estudantes tinham a oportunidade de estar online.

A pesquisa do IBGE revelou que houve aumento considerável no número de internautas em todas as classes de renda. Os números mostram que quanto maior a classe de rendimento, maior é o percentual de pessoas conectadas. Em 2005, apenas 3,8% das pessoas sem rendimento ou que ganhavam até 25% do salário mínimo tinham acesso à Internet. Em 2011, essa proporção alcançou o índice de 21,4%. No grupo que ganha mais de 25% até metade do salário mínimo, o avanço foi de 7,8% para 30%. Entre as pessoas que ganham de 1 a 2 salários mínimos, o aumento foi de aproximadamente 10%, entre 2005 e 2011. Já a penetração da Internet, que era de 57,5% na classe de rendimento que recebe mais de 5 salários mínimos em 2005, chegou a 67,9%, seis anos mais tarde. Contudo, a maior fatia da população que acessa a Internet está no grupo que possui rendimentos entre 3 e 5 salários mínimos, com 76,1% de conectados.

O número de pessoas com idade mínima de 10 anos que residiam em domicílios que possuíam microcomputador com acesso à Internet cresceu 196% entre 2005 e 2011, passando de 14,6% para 39,4% dessa população. Com isso, a porcentagem de pessoas que moravam em residências que não tinham computador com acesso à web diminuiu 22%, passando de 130 milhões para 101,2 milhões em 2011.

Os profissionais que trabalham nas áreas de ciências e artes são líderes no acesso à Internet, entre os grupos ocupacionais de trabalho. Em 2011, 91,2% das pessoas que atuam nesses segmentos estavam conectadas. Membros das forças armadas com 89,6%, e empregados em serviços administrativos, com 85,5%, também se destacaram na utilização da web naquele ano. Enquanto isso, os trabalhadores rurais e encarregados de serviços de manutenção e produção de bens de consumo estão praticamente fora da rede mundial de computadores. A penetração da internet nesse grupo de trabalho é de apenas 8,7%.

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As duas pesquisas analisadas, uma em âmbito nacional (PNAD) e a outra internacional (PNUD), mostram avanços significativos no processo de democratização do acesso à Internet. Porém, em regiões com baixo poder econômico, o desenvolvimento tecnológico e educacional ainda está estacionado, muito distante de países com altos índices de desenvolvimento humano.

[...] se o desenvolvimento e o acesso às tecnologias são importantes, é preciso antes assegurar sistemas político-econômicos centrados na valorização do ser humano. A partir dessa perspectiva, o debate sobre as brechas digitais, por exemplo, aponta para uma nova forma de exclusão, que se soma a outras tantas exclusões históricas e ainda sem solução. E as exclusões ou brechas só podem ser enfrentadas numa perspectiva integradora (RABELO, 2005, p. 158).

Os resultados das análises realizadas apontam para um crescimento desigual do acesso à informação no mundo e como Mattelart (2006) sentencia, faz de todos os habitantes do planeta candidatos com mais ou menos chances de conseguir ascensão na aldeia tecnoglobal. “O mundo é distribuído entre lentos e rápidos. A rapidez se torna argumento de autoridade que funda um mundo sem lei, onde a coisa política é abolida” (MATTELART, 2006, p. 173).

Sociedade conectada: o que as pessoas fazem online?

Já vimos, por meio das pesquisas citadas, que o número de usuários da rede mundial de computadores está aumentando rapidamente, ano após ano. Mesmo que de forma totalmente desigual pelo mundo, a Internet tem a progressão mais rápida da história das redes de comunicação. Comparando com outras tecnologias, Pisani e Piotet (2010) lembram que a penetração da Internet foi vinte vezes mais

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rápida que o telefone, dez vezes mais que o rádio e três vezes maior que o alcançado pela televisão.

Os autores (2010) revelam que os internautas de hoje não são mais os navegadores passivos do início da Internet, em meados de 1990. Se naquele tempo, ficavam impressionados com a facilidade de acesso a todas as informações disponíveis e a comodidade da comunicação por meio do correio eletrônico, agora querem fazer parte das comunidades virtuais, serem vistos, comentados e curtidos. “A web pertence agora àqueles que a utilizam... nos dois sentidos: para receber e para criar, para acessar a informação e partilhá-la, fazê-la circular. Ela é trabalhada pelos web atores, que, por sua vez, se servem dela para modificar o mundo” (PISANI; PIOTET, 2010, p. 29-30).

Para Tancer (2009) essa mudança de hábitos e costumes online aconteceu quando as páginas da web deixaram de ser estáticas e sem possibilidade de interação e se transformaram em ambientes personalizáveis, onde os usuários podem publicar informações pessoais. Com isso, a Internet se tornou um ambiente que hospeda grandes volumes de informações sobre a vida de cada usuário. “Temos diante de nós uma riquíssima base de dados em crescente expansão, por meio da qual podemos entender nossa sociedade ou, mais especificamente, o que as pessoas estão pensando coletivamente num momento específico” (TANCER, 2009, p. 77).

Criar sites pessoais, como blogs especializados em assuntos de interesse do próprio internauta e publicar fotos e vídeos em aplicativos gratuitos para que amigos e familiares acessem estão entre as principais atividades destes web atores, que acabam apontando as grandes tendências da rede, ou melhor, o que vai se popularizar.

Os usuários atuais propõem serviços, trocam informações, comentam, envolvem-se, participam. Eles e elas produzem o essencial do conteúdo da web. Esses internautas em plena mutação não se contentam só em navegar, surfar.

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Eles atuam; por isso, decidimos chamá-los “web atores” (PISANI; PIOTET, 2010, p. 16).

Segundo Danah Boyd, antropóloga norte-americana especializada em comunidades online, em entrevista aos autores Pisani e Piotet (2010), não é a tecnologia que atrai os jovens para a Internet. É a possibilidade, por meio da concepção de páginas pessoais e perfis, de criar uma identidade que possa ser interessante e atraente para outros jovens, somada a troca dos espaços físicos e reais de interação para se encontrarem em espaços públicos virtuais, como páginas de relacionamento, sites comunitários e redes sociais.

O uso da web pelos jovens é tão voltado para a interação social que a utilização da rede para acessar informações fica em segundo plano. Esse costume é percebido em um estudo realizado pelo Joan Shorenstein Center da Universidade de Harvard e apresentado por Pisani e Piotet (2010). A pesquisa mostra que os jovens norte-americanos não se interessam por nenhum tipo de notícia fornecida por meios de comunicação online. Além disso, mais da metade deles não sabem o que está acontecendo no cotidiano do país e se aborrecem com os noticiários online.

Para os jovens, o potencial da web é, em princípio, um potencial de relacionamentos: ausência de normas preestabelecidas, liberdade de expressão, multiplicidade de ferramentas e de meios, presença de grande número de usuários, os próximos e os mais afastados. Possibilidade de encontros, de descobertas (PISANI; PIOTET, 2010, p.47).

Se por um lado a Internet proporcionou o desenvolvimento de novos mecanismos de comunicação, informação e transmissão de conhecimento, que podem ser acessados em qualquer lugar do mundo por qualquer pessoa conectada, na outra ponta desse pensamento, menos otimista, ferramentas de busca, como o Google, que ajudam a encontrar informações, mostram como estamos cada vez mais

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dependentes dessas máquinas virtuais, que adquirem o papel de professor e conselheiro.

Tancer (2009) questiona esse aparato tecnológico que promete melhorar nossa comunicação e a sociedade que vivemos e se mostra cético em relação à tecnologia que pretende nos ajudar em relacionamentos interpessoais e na resolução de problemas reais. Para o autor (2009), esse caminho pode nos isolar e distanciar do que chamamos de sociedade.

Contudo, ainda de acordo com Tancer (2009), existem iniciativas na contramão dessa tendência mundial e que mudam a forma como a informação é oferecida na Internet. É o caso da Wikipédia, uma enciclopédia social livre criada em 2001, que permite a qualquer pessoa, anonimamente, criar um verbete sobre qualquer tópico e publicá-lo. Pela Wikipédia, todos os dias, colaboradores de todas as partes do mundo editam milhares de artigos e criam verbetes totalmente novos.

Ao contrário do Google, na Wikipédia é o internauta colaborador que produz as respostas, inserindo informações com base em conhecimentos específicos sobre assuntos que ele domina ou possui embasamento teórico. A Wikipédia é um exemplo de como a tecnologia pode democratizar o acesso à informação. Um fenômeno interessante sobre a enciclopédia social é que 41% dos editores de verbetes têm mais de 45 anos, enquanto a porcentagem de usuários entre 18 e 24 anos que editam verbetes é de 17%. “Os dados parecem nos dizer que a demografia da Wikipédia é um caso de ‘velhos ensinando aos mais jovens’” (TANCER, 2009, p. 167).

Mas não basta disponibilizar meios de acesso à Internet e munir as pessoas com a tecnologia necessária para promover a inclusão digital, se essas pessoas não possuem o conhecimento necessário para aproveitar ao máximo o que mundo online tem para oferecer. Battezzai e Valverde (2012) levantam uma discussão: as relações interpessoais, facilitadas com a criação da Internet, estão produzindo pessoas mais inteligentes e seguras ou ignorantes e incapazes de se relacionarem fora da rede?

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Apesar dos benefícios que o uso das tecnologias de mídia possa trazer, fatos comprovados não têm sido suficientes para evitar sua demonização por alguns de seus críticos. Por outro lado, as mídias digitais também não podem ser vistas como algo absolutamente bom, incapazes de causar quaisquer danos às pessoas e à sociedade. No Brasil, duas provas incontestes dos benefícios que as mídias digitais estão a trazer para a sociedade e dos quais todos os brasileiros podem se orgulhar são os sistemas de declaração de imposto de renda e de coleta de votos nas eleições, ambos de fundamental valor para o exercício da cidadania. No entanto, também é possível imaginar que as mídias de massa em geral e a digital em particular possam contribuir para facilitar comportamentos antissociais e criminosos, destruir reputações e construir mitos e semideuses, difundir desinformação e propagar anticiência, pseudociência e misticismo, contribuindo, assim, para um rebaixamento do nível intelectual dos cidadãos (BATTEZZAI; VALVERDE, 2012, p. 220).

A digitalização da sociedade tornou o mundo figurativo, onde “as imagens deixam de ser algo virtual, um meio de representação e passam a fazer parte da realidade na qual estamos inseridos” (BATTEZZAI; VALVERDE, 2012, p. 229). Com isso, ficará cada vez mais difícil viver em um ambiente onde real e virtual interagem o tempo todo por meio de imagens inteligentes, em múltiplas dimensões e com realidade aumentada.

[...] À medida que continuarmos nos tornando mais interativos com a informação disponível em nossas telas e nas pontas dos dedos, a maneira como vivemos vai mudar, seja na hora de fazer compras, tomar decisões ou até mesmo fazer amigos (TANCER, 2009, p.255).

A missão de encontrar um caminho seguro para navegar nesse imenso oceano tecnológico deve ser atribuída à educação, que

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segundo Sathler (2012), é profundamente afetada pelas mudanças que as tecnologias digitais provocam na sociedade. Um novo perfil de aluno pede inovações nos sistemas didático-pedagógicos das escolas. A informação e o conhecimento não estão mais apenas nas instituições de ensino, como afirmam Squirra e Fedoce (2011).

Na Sociedade do Conhecimento, o processo de ensino-aprendizagem passa por grandes transformações e todas as formas de escola devem estar atentas à inovação, uma vez que novos paradigmas estão definindo e delineando os modelos pedagógico-estruturais. Neste cenário, a evolução tecnológica, com a ampliação das possibilidades de comunicação online – agora, substancialmente móvel – (no princípio do anytime, anywhere, anyhow), se viabiliza através dos dinâmicos, plurais e interativos recursos da comunicação digital que acenam para a necessidade de uma diferenciada reformatação dos modelos e práticas para a educação (SQUIRRA; FEDOCE, 2011, p. 270).

A velha configuração, onde o professor era o detentor do conhecimento e o aluno sentado passivamente em sua carteira esperava para receber esse conhecimento não funciona mais. A informação está disponível em diferentes ambientes, além dos muros da escola. Hoje, os estudantes têm acesso ao mesmo volume de informações que o professor. E, como expõe Sathler (2012, p. 96), “se os alunos dedicarem o tempo adequado à busca autônoma da informação, provavelmente estarão mais atualizados e com maior volume de conhecimento acumulado do que os docentes numa situação de normalidade, em uma classe de aula, por exemplo”.

Olhando para este panorama, qual será a melhor saída? Capacitar professores para utilizarem as mesmas plataformas tecnológicas usadas pelos jovens para gerar, compartilhar conhecimento e se relacionarem com seus alunos ou aguardar o desenvolvimento de tecnologias flexíveis e atemporais em relação à transmissão de

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informações e conhecimento?

As pesquisas da bioinformática já apontam para conceitos como “cognição aberta” (FRAU-MEIGS, 2005, P.236), graças às tecnologias que poderão vir a levar o cérebro a adquirir informação por estimulações elétricas diretamente aplicadas ao córtex. Enquanto isso não é popularizado, as instituições de ensino precisarão desenvolver formas de permitir a interação entre professores e alunos, ainda que cada vez mais sem a coincidência de espaço e tendo o sincronismo como uma opção pessoal dos agentes, a partir da disponibilidade mútua e da natureza dos assuntos abordados (SATHLER, 2012, p. 98).

Parece que, ao invés de uma sociedade do conhecimento, somos uma sociedade da imagem. Uma sociedade baseada na visualização de perfis. E as instituições de ensino que não adotarem essa característica em seu plano educacional, intrinsecamente relacionada aos jovens, podem estar fadadas ao fracasso.

Squirra e Fedoce (2011) enfatizam que a “adesão social ao mundo digital” e a popularização das redes sociais é um indicativo que não pode ser ignorado pelas instituições de ensino. Elas que devem aceitar e incorporar tecnologias de informação e comunicação às práticas educacionais como estratégia de sobrevivência.

Por isso, ferramentas educativas desenvolvidas para dispositivos móveis, como smarthpones e tablets ou em plataformas de entretenimento como games poderão ser mais eficazes nas próximas décadas. “A inovação precisa ter as portas abertas em instituições de ensino, se houver interesse em mantê-las pertinentes e capazes de contribuir com o desenvolvimento humano” (SATHLER, 2012, p. 105).

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Conclusão

O que sociedades com altos índices de desenvolvimento localizadas no hemisfério norte têm em comum com comunidades esquecidas em países remotos da Ásia e da África? Aparentemente, nada. Principalmente quando apresentamos números e estatísticas sobre acesso à Internet e democratização de tecnologias. Sem dúvida, é mais fácil apontar as gritantes diferenças entre esses dois extremos da civilização.

Mas, por meio das visões dos autores citados e embasados nas pesquisas apresentadas, constatamos que tanto a falta de acesso à informação, como o excesso de informação geram problemas nas duas partes do planeta.

Podemos afirmar que o acesso à informação não garante produção de conhecimento. E essa afirmação fica evidente quando analisamos os hábitos dos jovens norte-americanos. A escolha dos Estados Unidos como exemplo não é aleatória. O país está entre as sociedades mais conectadas do mundo, com 74% da população online. Os norte-americanos passam a maior parte do tempo conectados a redes sociais e comunidades de relacionamento, mesmo com toda informação disponível na rede mundial de computadores. Os americanos se tornaram vítimas do seu próprio desenvolvimento tecnológico. Conexões velozes, processamento de dados em tempo real não estão gerando conhecimento, estão produzindo jovens com a síndrome da ansiedade de informação.

Mas será que no Sri Lanca, se o número de pessoas com computadores pessoais fosse igual ao do Canadá, poderíamos afirmar que a democratização tecnológica garantiria o acesso à informação e ao conhecimento?

Dificilmente. Porque não basta oferecer apenas o suporte tecnológico, a conexão em banda larga ou a ferramenta digital de última geração. Sem o conhecimento e o domínio da tecnologia, o espaço infinito de informações disponíveis na Internet é apenas um

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amontoado de dados. É provável que a revolução tecnológica aconteça somente

quando as ansiedades informacionais forem curadas e as deficiências tecnológicas e didáticas não existirem mais.

Só assim, poderemos sonhar com uma Internet realmente democrática de norte a sul do planeta, assim como o acesso à tecnologia, à informação e ao conhecimento.

Para os detentores da tecnologia, o acesso à informação significa apenas pertencer a um grupo social digital. Já para os reféns do atraso tecnológico, a inclusão digital seria o começo da democratização tecnológica. Na sociedade atual, podemos considerar esses dois distintos grupos sociais como alienados informacionais.

Quantidade nunca foi qualidade. Essa é a lição que devemos aprender. Volumes exorbitantes de dados e informações disponíveis online para nada servem se não somos capazes de tratá-los e compreendê-los. Para isso, os processos de ensino-aprendizagem precisam ser repensados e as instituições educacionais precisam, com urgência, aderir e incorporar as inovações tecnológicas ao processo de ensino, ou melhor, de geração de conhecimento.

Afinal, somos uma sociedade do conhecimento, da informação e da tecnologia.

Referências

BATTEZZAI, Silma; VALVERDE, Joaquim. Mídias digitais: anjos ou demônios? In: SQUIRRA, Sebastião (Org.). Ciber mídias: extensões comunicativas, expansões humanas. Porto Alegre: Buqui, 2012.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

DAVENPORT, Thomas H. Ecologia da informação: por que só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação. 3. ed. São Paulo: Futura, 1998.

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IBGE. Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (PNAD) de Acesso à Internet e Posse de Telefone Móvel Celular para Uso Pessoal 2011. 2011. Disponível em <ftp://ftp.ibge.gov.br/Acesso_a_internet_e_posse_celular/2011/PNAD_Inter_2011.pdf>. Acesso em: 23 mai. 2013.

MATTELART, Armand. História da sociedade da informação. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006.

MELLO, Patrícia Campos. ‘Distrações digitais’ emburrecem a juventude, afirma especialista. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 2 jun. 2008. p. A14.

ONU. Relatório do Desenvolvimento Humano 2013 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). 2013. Disponível em <http://hdr.undp.org/en/media/HDR2013%20Report%20Portuguese.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2013.

PISANI, Francis; PIOTET, Dominique. Como a web transforma o mundo: a alquimia das multidões. São Paulo: Senac, 2010.

RABELO, Desirée Cipriano. As novas redes e as antigas questões não resolvidas. In: MARQUES DE MELO, José (Org.). Sociedade do Conhecimento: Aportes Latino-Americanos. São Bernardo do Campo: UMESP/Cátedra Unesco para o Desenvolvimento Regional, 2005.

SATHLER, Luciano. De perto ou amanhã: alguns aspectos relacionados à adoção de tecnologias digitais em instituições educacionais. In SIQUIRRA, Sebastião (Org.). Cibercoms: tecnologias ubíquas, mídias pervasivas. Porto Alegre: Buqui, 2012.

SQUIRRA, Sebastião. Sociedade do conhecimento. In: MARQUES DE MELO, José; SATHLER, Luciano (Orgs.). Direitos à comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do Campo: Umesp, 2005. p. 255-266.

SQUIRRA, Sebastião; FEDOCE, Rosângela Spagnol. A tecnologia móvel e os potenciais da comunicação na educação. Revista Logos Comunicação & Universidade, Rio de Janeiro, 2011, v.18, n.2, p. 267-278.

TANCER, Bill. Click: o que milhões de pessoas estão fazendo on-line e porque isso é importante. São Paulo: Globo, 2009.

WURMAN, Richard Saul. Ansiedade de informação: como

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transformar compreensão em compreensão. 2. ed. São Paulo: Cultura Editores Associados, 1991.

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Leandro Golçalves1

Uma visão histórica

O Palimpsesto negligenciou o Organon, mas o que fez a Universal Turing Machine? Em meados do século VII até ao XII a prática da eliminação do texto para reutilização dos pergaminhos ou pedras (Palimpsesto) por motivo de custo, para infortúnio da ciência, infelizmente gerou a perda dos materiais com os pensamentos e seus representantes. Antes desse hiato histórico, Aristóteles2 já solidificava o pensamento científico no tratado de lógica (Organon) em um corpus estruturado e simplifica o universo da linguagem no afastamento do relativismo e do matematismo da academia platônica. Pelo conceito de gênero não se detém apenas na dicotomia dos resultados dialéticos, mas sim pelo modo empírico de observar as estruturas das coisas.

Aproximadamente dois mil e trezentos anos depois Bakhtin (1997, p. 287), pensador da teoria da linguagem, amplia o conceito de gênero e propõe “o estudo do enunciado, em sua qualidade de unidade real da comunicação verbal, também deve permitir compreender melhor a natureza das unidades da língua (da língua como sistema): as palavras e as orações”. Entretanto, em paralelo, um contemporâneo chamado

1 Mestrando em Ciências da Comunicação pela UMESP (2014), com pós-graduação Latu-Sensu em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas na ECA/ USP. Membro do Departamento de Comunicação e Marketing da UMESP como coordenador de inteligência de mercado2 A percepção entre o elo cognitivo da linguagem com a tecnologia foi realizada em outro artigo “A Linguagem da História da Linguagem” disponível em: http://www.academia.edu/3753896

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Alan Turing criara uma materialização que abstraía a lógica da língua como sistema (Máquina Universal de Turing) e assim, em uma visita atemporal, prosperou a ciência sugerida pelo Organon e pela sua contribuição ancora a chamada Teoria da Informação em um contexto bélico.Perante a essa digressão histórica entre os pensadores, não se preocupa nesse artigo suas incompatibilidades epistemológicas e sim as semelhanças cognitivas para explicar o site MTurk como objeto de estudo, percebe-se que a Teoria da Informação abriu uma perspectiva importante no trato da informação.

Evidente que o afastamento da linguagem como sujeito social por essa teoria em contrapartida da aproximação do foco na codificação da mensagem é alvo de críticas para outras visões, mas não diminui o fato da linguagem (homem-máquina-homem antes homem-homem) no quesito da escalabilidade. Esse conceito sugere o potencial de estender uma tecnologia (inclusive a própria linguagem) em sua estrutura e aplicabilidade para diversas finalidades e tal fato foi possível pelo surgimento de um novo paradigma no modo de se planejar a linguagem no exercício de abstração da mesma com a realidade. A clivagem entre a linguagem humana e a linguagem da máquina trouxe maior observação nos fenômenos naturais, inclusive da própria percepção humana e isso se espelha em outras áreas como a engenharia genética e a física quântica.

A partir desse momento, e aqui já se fala no contexto do século XXI, é possível em tempo real fazer comunicação em uma dimensão maior em rede, de modo dinâmico e interativo, apesar de algumas críticas de cientistas de que esse modo de comunicar possui um impacto desumanizador, como por exemplo, Sherry Turkle em sua obra Alone Together3 que não é abordada neste artigo.

No passado o custo da informação foi motivo para não armazená-la, mas atualmente, no paradigma da linguagem computacional, há

3 Para mais iformações ver TURKLE, Sherry. Alone together: why we expect more from technology and less from each other. Philadelphia: Basic Books, 2011

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esforço para estocar tudo o que se faz útil para o desenvolvimento humano, no que se chama de banco de dados relacionais. Esse esforço está promovendo uma integração das áreas na ciência, onde os fenômenos são compartilhados assim como as soluções e descobertas para os estudos de variados temas. É aqui que a comunicação se inclina em um pensamento transdisciplinar e contempla o esforço de observar os gêneros, ou seja, padrões tecnológicos que impactam o modo de fazer comunicação e também os próprios padrões de comunicar. São vistos, assim, no Mechanical Turk que é uma ferramenta proprietária da empresa virtual Amazon que é analisada adiante.

Antes de seguir para uma visão prática é necessário refletir sobre a essência da comunicação, o conceito de informação, o paradigma da linguagem de programação OO (Orientação a Objeto) e a estrutura das redes telemáticas.

A arquitetura

A essência da comunicação pode ser descrita de acordo com Bordenave (1997):

Sem a comunicação cada pessoa seria um mundo fechado em si mesmo. Pela comunicação as pessoas compartilham experiências, ideias, e sentimentos. Ao se relacionarem como seres interdependentes, influenciam-se mutuamente e, juntas, modificam a realidade onde estão inseridas (BORDENAVE, 1997, p. 36).

Os atos de modificar a realidade são compostos por gêneros, padrões comunicacionais que podem ser descritos de modo simultâneos ou até conflitarem-se em: pulsação vital (vontade humana de interagir), a interação (equilíbrio dinâmico por adaptação ou domínio), seleção (valores e seus significados, elementos simbólicos

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que representam a interação), percepção (a sinestesia da realidade), decodificação (a percepção da seleção), interpretação (contextualização da decodificação), incorporação (aceitação ou não da interpretação) e a reação (atos que definem o comportamento).

A informação permeia todos esses significados dos processos comunicacionais, ou pelo menos quase todos, e é a partir dela que o homem julga sua pertinência.

Potencializada pela conexão em rede, a informação é um fator decisivo para a humanidade em seu desenvolvimento: “[…] recentemente o progresso e bem-estar humanos começaram a depender principalmente da gestão bem sucedida e eficiente do ciclo de vida da informação” (FLORIDI, 2010, p.8, tradução nossa)4. Ainda na mesma página:

O ciclo da informação geralmente inclui as seguintes fases: ocorrência (descoberta, concepção, criação, etc.), transmissão (rede, distribuição, acesso, recuperação, transmissão, etc.), processo e gestão (coleta, validação, modificação, organização, indexação, classificação, filtragem, atualização, traigem, armazenagem, etc.) e uso (monitoramento, modelagem, análise, explicação, planejamento, previsão, tomada de decisão, instrução, educação, conhecimento, etc.) (FLORIDI, 2010, p. 8, tradução nossa)5.

Muito semelhante aos processos de Bordenave (1997), entretanto

4 No original: “[...] recently has human progress and welfare begun to depend mostly on the successful and efficient management of the life cycle of information” (FLORIDI, 2010, p. 8).5 No original: “The life cycle of information typically includes the following phases: occurrence (discovering, designing, authoring, etc.), transmission (networking, distributing, accessing, retrieving, transmitting, etc.), processing and management (collecting, validating, modifying, organizing, indexing, classifying, filtering, updating, sorting, storing, etc.), and usage (monitoring, modelling, analysing, explaining, planning, forecasting, decision-making, instructing, educating, learning, etc.)” (FLORIDI, 2010, p. 8).

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diferindo no quesito de administrar tais processos, Luciano Floridi (2010) reflete a informação em vários níveis como revolução, linguagem, matemática, semântica, física, biológica, econômica e ética.

Por outro lado, a origem do conceito de informação vem da terminologia de dados, uma estrutura de sintaxes sem significado. A partir desses níveis temos a fotografia da evolução humana em administrar os “sentidos” gerados pelo armazenamento dos dados. Essa evolução passa desde os processos análogos, digitais e binários (meios por onde se administra a informação - do Organon até Alan Turing em analogia com o pensamento do artigo); primário, secundário, meta, operacional e derivativo (modo de interagir com a informação e como resgatá-la); e as ramificações como modelos interpretativos dos dados, o meio ambiente, semântica subdividida em instrucional e factual por sua vez subdividido em não verdade (informação perdida e informação enviesada) e verdades (conhecimento como resultado dos processos).

Apesar de depender do contexto, as premissas antes descritas se intercruzam em cada nível, mas os padrões (Patterns) e seus gêneros são aqui observados como uma metalinguagem que explica os propósitos de acordo com as dinâmicas relacionais. Essa ideia perpassa toda a argumentação da proposta e evidencia a lógica da linguagem como benefício cognitivo a cada passo da evolução da informação. Nesse ambiente a Orientação a Objeto se diferencia no quesito “recognição da realidade”, pois reorganiza – no meio da Ciência da Computação é visto como revolução – o estilo de programar uma ação da linguagem da máquina.

Ao se desconstruir a linguagem computacional pela visão da cognição6 e seus padrões, notam-se fundamentos da linguagem com atributos importantes que já foram abordados nos conceitos da comunicação assim como no de informação: a troca de significado

6 Não será aprofundado o conceito de cognição aqui, mas sob o ponto de vista de Floridi é o processo que pode interpretar a informação.

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pela abstração simbólica percebida como noção interpretativa, porém, o fato de armazenar informação “lapidada” ou não e poder analisá-la em uma escala maior pelo desenvolvimento tecnológico, possibilita previsão de conceitos que emergem do contexto (embedding). A observação dos padrões das informações nas bases de dados estruturadas permite refletir premissas (BARABÁSI et al., 2010; ERTEKIN, 2012; QUONIAM et al., 2001).

O Paradigma da Orientação a Objeto é uma evolução da linguagem de programação computacional que surgiu em 1950, isto é, em comparação ao modo anterior que é denominado estruturado. Seu criador foi Alan Curtis Kay também inventor da interface gráfica (o que pode ser visto nas telas do computador) e também do Dynabook (o que atualmente é denominado laptop).

O paradigma pode ser aplicado a qualquer linguagem já que o que se diferencia é o modo de proceder na programação pelo planejamento das ações e finalidades da entidade principal: o objeto. Na linguagem estruturada a ênfase é dada ao desenvolvimento de procedimentos implementados em blocos estruturados e à comunicação entre procedimentos nas trans-missões de dados (VINCENZI, 2004). Na orientação a objeto os dados e procedimentos passam a ser parte do objeto, portanto, não só um elemento físico na realidade é visto como objeto como uma bola, por exemplo, mas o movimento da bola é também visto como objeto. Assim toda a realidade a ser abstraída passa pelo crivo passível de planejamento do objeto para ser criado, e assim a linguagem de programação ganha alguns potenciais que impactam e ampliam desempenho e poder de intervenção da realidade.

A classe é uma entidade que engloba dados (atributos) e funções (métodos). O objeto é uma criação da classe (instância) em tempo de execução, quando se executa o código da classe em um programa. O objeto na classe possui um comportamento e um estado. Os relacionamentos e os objetos passam a ser, portanto, partes que cooperam entre si sob a administração do programador

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por meio de mensagens, chamadas de métodos. Nos relacionamentos entre as classes há hierarquia de coleções de objetos cada qual com sua especificidade para o todo do projeto. Essas coleções são gerenciadas por algumas técnicas da linguagem que regem todos os relacionamentos: encapsulamento (ação que visa dar segurança a uma classe), herança (classes podem herdar métodos de outras classes), polimorfismo (objetos que respondem diferentemente a uma mesma mensagem recebida) e cluster (conjuntos de classes que cooperam entre si na implementação, resultado das funções na interface gráfica).

O cluster, em especial, tem uma atenção peculiar nesse artigo. A partir dessa visão observa-se um maior domínio no que tange a expansão de uma classe em relação a um projeto. No momento em que se cria e implementa uma estrutura programável ela poderá ser usada e ampliada para outros projetos que não necessariamente no mesmo escopo do original. Aqui se tem a revolução da linguagem propriamente dita, pois a linguagem computacional ganhou, em analogia a história da linguagem, uma sintaxe que permite administrar a si própria pela intervenção do programador. Em resumo se pode matematizar os critérios do resultado do objeto pelos critérios que foram utilizados para construí-lo. Todos os feitos como a criação da rede da internet , a decodificação do DNA, a física quântica, entre outras, passam pelo impulso dado por esse paradigma, visto que favoreceu o melhor desempenho do processamento e também da organização entre os códigos pela facilidade de documentar e aplicar alterações globais (alteração que impacta todo um programa pela alteração de uma única variável no objeto pela classe).

Nesse contexto, as redes telemáticas ganharam escala e se expandiram pelo aperfeiçoamento das interfaces gráficas, pelo aumento de processamento dos computadores e reutilização das modularizações (estoque de abstração dos clusters que foram resgatados para criar outras coisas). Dentro dessa visão houve a possibilidade de semantizar os objetos em rede, pela criação do IP

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(endereço único de cada terminal conectado na internet) e das relações que essa conexão veio derivar. Tim Berners-Lee foi um dos precursores da criação das redes, a internet. O projeto, que culminou na rede dos dias atuais, se originou a partir de um experimento durante a guerra fria pela ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network) nos Estados Unidos com o intento de munir de informações aos militares em qualquer lugar. Hoje Berners-Lee é um defensor das redes pela sua semantização, ou seja, acredita que ao dar essa roupagem para a as camadas de informação, que fazem a estrutura da internet, deslocará a informação de “derivativa” para a “meta” na visão dos conceitos de informação de Floridi (2010), sugerindo que a internet ganhará “inteligência”.

Com o advento das redes, uma nova configuração de criação de informação e da forma de se comunicar vigorou e estão evoluindo constantemente pelo apelo de rapidez no tráfego de informações e pela mobilidade de se fazer tais ações.

Uma visão prática

Uma vez criada possibilidade de interação entre as pessoas e, consequentemente, da sociedade local e de outros continentes, o número de usuários e da produção de conteúdo na internet cresce exponencialmente.

Tabela 1: Uso mundial da Internet

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O crescimento do número de páginas criadas possibilita o aumento das indexações de informação produzida sejam pelas relações entre as pessoas, empresas, órgãos do governo e etc., ou seja, quanto mais interfaces mediando e estocando informação maior a possibilidade de correlação de sentido. Da reflexão em paralelo entre a história da linguagem e da informação, assim como sobre as suas estruturas, busca-se a relação que essas terminologias possuem para responder a pergunta inicial: o que fez a Universal Turing Machine? Já se pode ousar uma resposta: essa máquina foi a precursora do homem em analisar a natureza com mais poder de intervenção e ampliada por um paradigma da linguagem que herda propriedades e que dá possibilidade de estudar a própria linguagem que a influenciou, a linguagem humana.

O que se pode observar com as indexações semânticas? É possível observar padrões que emergem pelas dimensões dos conteúdos estocados através das camadas de informação, que podem ser divididas em quatro: a página que é visualizada na tela do computador (interface), a linguagem de programação da página (estática ou dinâmica), linguagem que rege a interação dos conteúdos com o usuários (back-end que fica no local onde a página que é visualizada está, no endereço que o usuário digita no navegador) e o banco de dados. Esse último nem sempre pode estar acessível e este é o cerne da questão na obtenção de dados estruturados, bem como de outro assunto que não é analisado aqui (Open Data - dados de acesso livre). Uma vez estocada a informação (já filtrada ou aplicado algum critério semântico) ou os dados (variáveis de acessos como logs de sistema, hora de visita, link da página e etc) se pode resgatar esse conteúdo e aplicar relações lógicas para análises diversas.

A construção de aplicativos potentes no quesito requisição de informação e análise dos dados para construção de informação foi potencializada pela orientação a objeto, e assim possibilitou aumentar as observações nas redes pela disponibilização de serviços na internet (Web Services). Esses serviços são normalmente links disponibilizados

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para visualização das variáveis estocadas nos bancos de dados, podendo-se baixar, salvar ou exportar em formato de arquivo para outros bancos de dados e relacionar com outras variáveis.

Sua visualização pode ser por JSON, XML, TXT, CSV (linguagens de programação que tem a finalidade de espelhar de modo ordenado os conteúdos dos bandos de dados) ou outras extensões de arquivos para a máquina ler e retornar de modo mais amigável para visualização humana e também interpretável para a máquina. Aqui está o sucesso para a interação dos conteúdos, ou seja, já existe um padrão estrutural em seu armazenamento. Porém, isso não garante que não existam outros padrões. Esses podem emergir pelo relacionamento de outras variáveis ou por abstrações de modelagens analíticas.

O Mechanical Turk é um serviço através do qual empresas e usuários tem a possibilidade de interagir na resolução de tarefas que podem ser remuneradas, denominadas escalabilidades de força de trabalho (scalable workforce). As empresas podem criar tarefas (Hits – human inteligence tasks) e publicar no site para os usuários trabalharem e serem remunerados pela tarefa. Na data desse artigo o site possuía 214.169 Hits a disposição.

Observa-se no Mechanical Turk uma forma dinâmica de trabalho que pode ser realizado por qualquer pessoa que possua familiaridade com internet, computador e planilhas de Excel ou outras ferramentas que dependam dos objetivos das Hits. As tarefas são armazenadas em um banco de dados que é disponibilizado ao criador que se cadastrou e que inscreveu a tarefa, que pode ser desde tradução até pesquisas sobre sites de empresas e etc. As informações não são de acesso livre (os resultados), mas vale observar que o serviço MTurk é apenas um “objeto” do composto Amazon Web Services.

A Amazon é uma das pioneiras na internet em venda de produtos, assim como o Ebay. Já possui um extenso histórico de banco de dados relacionais de natureza primária até derivativa, semântica factual sem interpretação até semânticas factuais com conhecimento.

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Aqui se vislumbra o que Berners-Lee argumenta sobre relacionar essas informações e prever alguns sentidos, através dos padrões das variáveis estocadas pela linguagem analítica. Isso já acontece quando, ao escolhermos um produto na Amazon, há a sugestão de outros produtos com similaridades que abrangem desde o modo de navegação até os conteúdos indexados na busca.

Os algoritmos (clusters que aprendem e guardam informação na navegação do usuário) estão em constante relacionamento e sugerindo outras informações. Mas o que pode a Amazon ganhar com isso? A Amazon Web Sevices oferece desde hospedagem, armazenamento e processamento de informações. Com o MTurk, a empresa pode descobrir padrões de tarefas no mercado e sugerir o melhor serviço para cada segmento assim como aplicativos que melhor interagem com suas estruturas na nuvem e suas propriedades relacionais.

O custo de curadoria de dados para os padrões mais exigentes muitas vezes é comprovadamente menor do que o custo de coleta adicional ou novos dados. Por exemplo, o custo anual de gestão de dados em nível mundial no Banco de dados Protein é menor do que 1% do custo de gerar dados (ROYAL SOCIETY, 2012, p. 8, tradução nossa)7.

A citação não fecha a ideia do impacto da qualidade versus o custo

da informação que na história já se chegou a negligenciar, mas abre a perspectiva de que os padrões cognitivos de perceber informação estão se reconfigurando com a possibilidade de dotar a linguagem e a comunicação com características preditivas e, indo mais além, pode ser através delas que os seres humanos podem revolucionar suas capacidades de ver o mundo e de se ver no mundo. A essa

7 No original: “ The cost of data curation to exacting standards is often demonstrably smaller than the cost of managing the world’s data on protein structures in the world wide Protein Data Bank is less than 1% of the cost of generating that data.” (ROYAL SOCIETY, 2012, p. 8).

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Mechanical Turk e a conveniência cognitiva como objeto da linguagem

altura a resposta mais detalhada pode ser refletida: Essa máquina foi a precursora do homem em analisar a natureza com mais poder de intervenção e ampliada por um paradigma da linguagem que herda propriedades e que dá possibilidade de estudar a própria linguagem que a influenciou, a linguagem humana, e prever seus impactos.

Considerações Finais

Apesar dos entendimentos de uma comunicação transdisciplinar parecerem sincréticos, não perde seu valor perceber o poder cognitivo que a tecnologia possui, sendo vista ora como artefato e fruto de um determinismo oblíquo, ora como a oitava maravilha do mundo tem de intervir nas comunicações humanas e no modo de fazer ciência. Evidente que o poder humano de pensar e abstrair a tecnologia, que em tempos gregos era vinculado à natureza, agora em esferas diferentes ainda rege a orquestra do conhecimento, tanto no fazer das camadas semantizadas, quanto no ato genioso de digitalizar lógicas.

É interessante notar até que ponto a comunicação dita digital interfere e é interferida por seus processos de perceber o mundo quando em pulsação vital ou interagindo com as interpretações incorporadas em suas reações ou nas decodificações selecionadas para um determinado objeto. Até que ponto a comunicação deixa de ser objeto ou objetiva um ato mediador de significado preditivo? A tecnologia parece descobrir os padrões comunicacionais, mas pela tecnologia a comunicação já estudou seus padrões e isso sua história não deixa dúvidas.

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Referências

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O Reencontro com o Tangível: notas sobre a materialidade em McLuhan,

Gumbrecht e Sennett

Márcio Carneiro dos Santos1

“O estudo dos meios, de uma só vez, abre as portas da percepção.” (McLuhan, 2007, p.13)

1. Introdução

Don Ihde (2009), no texto que abre a coletânea New Waves in Philosophy of Technology, faz um breve resumo sobre as diversas gerações de filósofos que se dedicaram ao tema. Comentando a nova geração de autores do livro que apresenta, Ihde tece comentários sobre os principais traços que identifica no pensamento contemporâneo ali representado.

A principal característica apontada é um aprofundamento em direção a uma visão mais pragmática e empírica, a partir da análise do que ele chama de tecnologias concretas. Esse direcionamento já havia sido tomado por sua própria geração, que incluía, entre outros, Albert Borgmann, Hubert Dreyfus, Andrew Feenberg, Donna Haraway e Langdon Winner.

Para Ihde, as gerações anteriores à dele traziam a marca de uma forte divisão entre visões utópicas e distópicas sobre a relação entre tecnologia e sociedade, bem como o fato de enfrentarem o tema normalmente a partir de abordagens mais metafísicas, nas quais, em

1 Doutorando do Programa de Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP

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muitos trabalhos, pairava a sombra da ameaça tecnológica às formas tradicionais da cultura e à própria humanidade.

A figura de Heidegger é destacada representando o pensamento que superou a divisão geracional proposta, apesar das ressalvas de que, sem perder a importância, o sentido de suas palavras e principalmente suas conclusões também foram relativizadas à medida que o tempo passou.

Por fim, Idhe aponta também como traço da nova geração de filósofos da tecnologia um endereçamento à questão da materialidade e seus desdobramentos, tema que há certo tempo também nos interessa. Por isso, no texto que segue, faz-se uma tentativa de encontrar possíveis pontes ou conexões entre o pensamento de três autores que não estão nas listas tradicionais dos filósofos da tecnologia e muito menos na dos que representam juntos alguma corrente de pensamento. Apesar disso, e muito mais ligados à Comunicação e às Humanidades de forma geral, Marshall McLuhan, Hans Ulrich Gumbrecht e Richard Sennett nos trazem questões que, ao nosso modo de ver, podem colaborar com as discussões da Filosofia da Tecnologia e com a geração que Idhe nos apresentou em seu texto de 2009.

2. Relações entre Tecnologia e Sociedade

Enquanto a Filosofia tem mais de dois mil anos de conhecimento acumulado, o ramo da Filosofia da Tecnologia pode ser considerado relativamente novo. A ideia de que a tecnologia nada mais é do que ciência aplicada aparentemente afastou o interesse dos filósofos que, por muito tempo, não viam no tema algo que valesse a pena explorar. Antes do século XX, Bacon, Marx e alguns poucos abordaram a questão da tecnologia, muitas vezes de forma periférica.

Para que as afirmações anteriores tenham sentido, é importante

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ressaltar as diferenças entre técnica e tecnologia. Enquanto a primeira já fazia parte das discussões dos filósofos gregos, a última efetivamente começa a constituir-se, ainda que de forma embrionária, no Renascimento, a partir da junção da ciência aplicada e do objetivo, naquele momento cada vez mais claro, de dominar a natureza a partir da razão.

Para entender a diferença, é preciso voltar cerca de cinco séculos antes da era cristã. A tekhnè dos gregos, segundo Lemos (2002), estava intimamente ligada às ações práticas, cobrindo uma ampla faixa de atividades que ia dos ofícios mais simples, baseados em trabalhos manuais, até as artes e a medicina. Era tekhnè, portanto, tudo aquilo produzido pela ação do homem num contraponto ao que era gerado pela natureza.

Essa primeira dicotomia na Grécia de Platão e Aristóteles trazia um julgamento de valor bem definido: o fazer da natureza era superior porque permitia a possibilidade de gerar a si mesmo, de atravessar a fronteira entre a ausência e a presença de forma independente. A herança divina e, por isso mais pura, fazia da phusis – o princípio da geração das coisas naturais, superior à tekhnè – algo sempre inferior, sem a capacidade da auto-poièses, ou seja, da autorreprodução.

A essa diferença, Platão ainda acrescentou a ideia de que a contemplação e a atividade do pensamento, da busca pelo conhecimento e pela compreensão do mundo eram as mais nobres possibilidades dadas aos humanos. As atividades práticas, segundo ele, eram inferiores, provavelmente decretando a primeira cisão entre a mão e o cérebro que Sennett (2009), mais de dois mil anos depois, vai desenvolver a partir da análise histórica do trabalho artesanal, pensando, a partir dos conceitos e Hannah Arendt,2 a diferença entre

2 Sennet é discípulo de Arendt, mas questiona a visão dela sobre a questão da tecnologia e a divisão proposta entre animal laborens, o trabalhador braçal condenado à rotina, e o homo faber, superior ao primeiro, consciente da vida em comunidade, que é capaz de discernir sobre seus próprios atos e procurar soluções melhores.

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o animal laborens, aquele a quem interessa apenas o como, e o homo faber, o que pensa no porquê.

As premissas dos gregos provavelmente têm seu reflexo até hoje no conceito, ainda difundido, de que as atividades manuais ou artesanais são menos importantes. Entretanto, Sennett (2009) também nos lembra que é no início da história humana que encontramos o mito de Hefesto, o deus dos artífices, aquele que ensinou ao homem o uso das ferramentas, tirando-o do caos e da vida nômade, e possibilitando o início da civilização. O fazer humano, se não tinha o dom de se autocriar, tinha sim já o poder da transformação, de alterar o que era tácito e natural. Hefesto traduzia uma possibilidade humana associada aos ambientes digitais: a agência.3

Se as origens da técnica repousam na Antiguidade, o conceito de “tecnologia” veio bem depois. Ensina-nos Lemos (2002) que a tecnologia é a técnica moderna, muito distante do imaginário da Antiguidade e liberta dos seus laços com o divino. Pelo contrário, é a técnica que, baseada na razão e no desenvolvimento científico, na física newtoniana, na matemática cartesiana e no empirismo, transforma a natureza em “objeto de livre conquista” (Lemos, 2002, p.45).

Para Rüdiger (2007, p.175), “a técnica é, em essência, uma mediação do processo de formação da vida humana em condições sociais determinadas”. Já tecnologia é:

O conhecimento operacional que designamos pelo termo técnica enquanto se articula com a forma de saber que chamamos ciência, através da mediação da máquina e, potencialmente, em todas as áreas passíveis de automatização, conforme define o tempo que a criou, a Modernidade (RÜDIGER, 2007, p.186).

Se, para Heidegger, a técnica é um modo de existência do homem

3 A capacidade de agirmos ou exercermos nossa própria vontade nos ambientes digitais. De certa forma, um conceito ligado ao de interatividade. Ver Murray (2003).

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no mundo, a partir da modernidade, esse existir tomará um rumo direto de agressão à natureza, agora sujeita ao conhecimento humano e à ideia de um progresso linear, constante, e que não pode ser interrompido. Para muitos, como Sennett, abre-se aqui a Caixa de Pandora, a deusa da invenção enviada por Zeus à terra e que, para os gregos, representava também a cultura das coisas produzidas pelo homem por meio das quais este poderia causar danos a si mesmo.

Os grandes conflitos mundiais da primeira metade do século XX – o nazismo, o pesadelo da guerra fria e da ameaça nuclear – materializaram os piores sonhos dos gregos num mundo que, em tese, deveria ser mais evoluído justamente pela existência da tecnologia.

Nos últimos três séculos, a Filosofia da Ciência ocupou muitos pensadores, mas foi só no século XX – a partir de eventos como a bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki e, posteriormente, as preocupações com as mudanças climáticas, a poluição gerada pelo desenvolvimento industrial4 e a manipulação genética com a possibilidade, mesmo que teórica, da clonagem de seres humanos – que esse cenário começou a mudar.

A intensidade e a velocidade das mudanças econômicas e sociais nas últimas décadas, de alguma forma ligadas ao desenvolvimento tecnológico, deram a esse campo um interesse com crescimento exponencial, bem como uma diversidade em termos de correntes e enfoques.

As possibilidades vão do determinismo tecnológico e sua versão radical da “tecnologia autônoma” de Ellul (1968), que, de forma geral, coloca os homens à mercê da tecnologia; e até de versões opostas, como as que pregam a construção social da tecnologia, definida não por parâmetros fora do controle humano mas, pelo contrário, a partir da interação de vários grupos de interesse que definem as linhas gerais do seu desenvolvimento.

4 Em janeiro de 2013, a poluição em Pequim chegou ser 25 vezes maior do que valor máximo aceitável para o ser humano, gerando, inclusive, um protesto que se constituía na venda de latinhas de ar na cidade.

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Nomes como Heidegger, Arendt e Marcuse representam uma visão crítica do problema, com escritos nem sempre de fácil leitura. Segundo Dusek (2006), há variações para todos. Linguistas anglo-americanos, neomarxistas, fenomenologistas europeus, existencialistas, hermeneutas, representantes do pragmatismo americano e filósofos pós-modernos, como Deleuze, Virilio e, mais recentemente, Bruno Latour, focalizaram seus olhares sobre a relação entre o homem e a tecnologia, transformando uma temática pouco valorizada em algo com uma centralidade quase inevitável.

Em 1976, foi fundada a Sociedade para a Filosofia e a Tecnologia (SPT) – segundo sua própria página pública na internet,5 uma organização internacional independente que estimula, dá suporte e intermedeia discussões filosóficas relevantes sobre tecnologia.

As possibilidades de pensar as relações entre sociedade e tecnologia deram origem a novos campos, como o que hoje conhecemos por STS (Science and Technology Studies). Nele, pensadores como Andrew Feenberg (2002) têm se dedicado a formular um cenário compatível com os desafios de estudar uma relação obviamente multifacetada e complexa. Em sua crítica a visões simplistas sobre o papel da tecnologia no mundo de hoje, Feenberg nos propõe inicialmente uma espécie de mapeamento das posições normalmente apresentadas e, a partir delas, tenta incorporar questões como democracia, poder e liberdade como fatores também importantes a se considerar nas discussões dos STS.

Na cartografia de Feenberg sobre as sociedades modernas, a tecnologia ocupa um lugar de destaque entre as fontes de poder que se articulam no meio social. Para ele, as decisões políticas que definem muitos dos aspectos da nossa vida cotidiana são direcionadas pela influência dos controladores dos sistemas técnicos – sejam eles das grandes corporações, militares ou de associações profissionais de grupos, como físicos, engenheiros e, mais recentemente, poderíamos

5 Disponível em: <http://www.spt.org>. Acesso em: 10 out. 2013.

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sugerir também, desenvolvedores de software.Ao fazer tal constatação, o autor se remete ao pensamento de Marx

que, já no século XIX, criticava a ideia de que a economia pudesse ser regida apenas por fatores extrapolíticos, por meio de leis naturais, como a da oferta e da procura. Do mesmo modo, imaginar o papel da tecnologia sem avaliar as diversas relações que ela estabelece com a sociedade pode implicar uma visão reduzida do problema.

Num caminho semelhante à crítica marxista a uma economia regulada por uma ordem natural e inexorável, Feenberg relativiza a racionalidade da tecnologia a partir da constatação de que sua gênese e desenvolvimento acontecem no mundo dos homens e, por isso, também são influenciadas por ele.

Criação técnica envolve interação entre razão e experiência. Conhecimento da natureza é necessário para fazer um equipamento que funcione. Este é o elemento da atividade técnica que consideremos como racional. Mas o equipamento deve funcionar num mundo social e as lições da experiência nesse mundo influenciam o design (FEENBERG, 2010, p.17).

A dicotomia entre a racionalidade técnica e o conhecimento que vem da experiência e contato com o mundo, assim como proposta por Feenberg, também pode ser encontrada no pensamento de outros autores que, a partir de pontos de observação diferentes, também exploraram a força da materialidade do mundo em seu confronto com a razão pura.

3. A questão da materialidade em McLuhan, Gumbrecht e Sennett

Nas últimas quatro décadas, os processos de digitalização e convergência receberam crescente atenção das mais diversas áreas

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do conhecimento, tendo em vista sua inegável interferência nas atividades humanas.

Das redes sociais à cibercultura, dos games online ao capital globalizado e suas bolhas, dos ambientes virtuais aos avatares e entes digitais, um movimento de desmaterialização, de descolamento entre representados e representantes parece estar em andamento com ritmo acelerado.

As discussões sobre esse aspecto da cultura atual remontam ao final do século XX, em autores como Baudrillard, Jameson e Eco, entre outros. Entretanto, se é intensa a movimentação sobre as iniciativas de compreender esses processos, também é possível notar que uma espécie de movimento contrário, de retorno ou busca da dimensão material da existência, tem se manifestado entre autores e pesquisadores contemporâneos, que nos falam de indícios desse caminho mesmo nos dias de hoje, em que estamos tão inseridos nas categorias e desdobramentos do que se considera virtual.

É óbvio que questões ligadas à materialidade são muito anteriores. Entretanto, para o presente texto, serão pensadas no horizonte temporal relacionado aos processos desencadeados pela convergência entre máquinas de processamento numérico e máquinas de representação – a trajetória que Manovich (2001) descreve com detalhes, mostrando como as tecnologias da informação e da comunicação se uniram depois de décadas em trajetórias paralelas, constituindo por fim o atual cenário do que se convencionou chamar de sistemas midiáticos digitais.

Nas imbricações entre tecnologia, comunicação e filosofia, é possível identificar essa preocupação com o tangível aos sentidos de forma explícita ou indireta. Entre as muitas possibilidades, três autores que abordam a questão com estratégias e intenções diferentes serão aqui destacados por falarem sobre o que talvez não seja uma reação a algo oposto, mas sim a duas faces do mesmo fenômeno: a) o da existência humana e sua indissolúvel relação de mútuas influências

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com a técnica que molda o mundo e se torna ferramenta para que possamos operar sobre ele; e b) o lado humano que permanece conectado sem a mediação da máquina e nos insere naquilo que chamamos de real.

3.1 Marshall McLuhan e os meios como extensões dos sentidos do homem

Em muitos livros sobre as teorias da Comunicação, o pensador canadense Marshall McLuhan é classificado como pertencente a (ou até fundador de) uma corrente normalmente denominada de “determinismo tecnológico” – fato que só comprova uma verdade talvez mais objetiva, a de que sua obra foi menos lida ou compreendida do que deveria.

Com o advento da internet, o trabalho de McLuhan tem sido recuperado com olhares mais atentos e agora, a partir de um cenário midiático complexo, volta a ser retomado com interesse por muitos pesquisadores que têm, entre os seus objetos, os meios de comunicação e suas relações com os homens e suas culturas.

Se existe algum determinismo no pensamento de McLuhan, este se encontrará não nos objetos tecnológicos, mas no sistema nervoso humano, nos mecanismos de percepção que a neurociência, muitos anos depois da publicação dos principais textos do autor, ainda trabalha para desvendar.

Em alguns trechos de sua obra, a conexão não mediada do aparelho sensório humano e sua forma de reagir aos estímulos determina o que conhecemos por realidade e, portanto, se altera quando algo se interpõe: “(...) a racionalidade ou consciência é, em si mesma, uma ratio ou proporção entre os componentes sensórios da experiência e não algo que se acrescenta a essa experiência” (MCLUHAN, 2007, p. 132 ).

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É por declarações desse tipo que McLuhan é nosso primeiro caminho no retorno ao sensível, já que, para ele, os meios são tradutores, instrumentos de conexão com a realidade material, extensões de nós mesmos. Como um precursor de muitas ideias, o autor recoloca a questão da materialidade na época diminuída pela preocupação com os conteúdos e seus significados.

Para McLuhan, mais importante do que as mensagens eram os meios e suas relações com o ser humano no nível do sistema nervoso, numa espécie de mecanismo construtor de mundos, anterior à interpretação pela razão. “Pois a mensagem de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas” (MCLUHAN, 2007, p.22). Para o autor canadense, “os efeitos da tecnologia não ocorrem aos níveis das opiniões e dos conceitos: eles se manifestam nas relações entre os sentidos e nas estruturas de percepção, num passo firme e sem qualquer resistência” (Idem, p. 34).

McLuhan nos lembra sobre o que nos esquecemos de pensar a respeito de nossa relação com o mundo sensorial, entretidos que estamos com os significados das coisas e sua interpretação, mar enorme guiado pela subjetividade, tão diverso e numeroso quanto os habitantes da terra.

3.2 Hans Ulrich Gumbrecht e os efeitos de presença direcionados aos sentidos

Se, em McLuhan, não há efetivamente um retorno à materialidade, e sim uma antecipação a questões que agora ganharam vulto, em Gumbrecht há uma explícita intenção de questionar a interpretação e, por consequência, a hermenêutica e a superioridade da razão humana capaz de apreender e organizar o mundo, aprofundando-se em questões que apenas se iniciam na materialidade e que logo devem

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ser levadas adiante e para bem longe do corpo e do sensorial.Em sua proposição de um campo não hermenêutico, Gumbrecht

argumenta que o primado da razão foi abalado por aquilo que muitos autores chamam de “condição pós-moderna”, caracterizada por processos de destemporalização, destotalização e desrreferencialização (1998, p. 137).

Utilizando a semiótica de Hjelmslev, o autor vai afirmar a inviabilidade atual das Ciências do Espírito – Geisteswissenschaften –, como preconizadas por Dilthey e, principalmente, por Heidegger.

Tratando agora do campo não-hermenêutico, parto de um princípio dedutivo: se, como apresentei, a centralidade da interpretação, não apenas em Dilthey e Heidegger, senão na própria vida cotidiana, estava fundada nas premissas de temporalidade, totalidade e referencialidade e, se hoje esses conceitos entraram em crise, então pode-se supor que a crise atinge de fato a centralidade da interpretação (GUMBRECHT, 1998, p. 143 ).

É para enfrentar esse problema que Gumbrecht propõe o que chama de “campo não hermenêutico”, conceito que vai elaborar melhor posteriormente, em outra obra (GUMBRECHT, 2004), propondo a dicotomia entre produção de sentido e produção de presença, numa estruturação menos radical que não exclui a interpretação, mas a equilibra com processos direcionados à apreensão direta pelo corpo e pelos sentidos.

De Hjelmslev, o autor importa a oposição conceitual básica entre expressão – o significante – e conteúdo – o significado –, acrescentando a isso uma segunda divisão entre forma e substância.

Do lado do conteúdo, a substância estaria relacionada ao tema do(s) imaginário(s), numa esfera anterior à sua estruturação, que é descrita por meio da forma que representa sua organização articuladora.

Entretanto, é na área da expressão e, principalmente, em suas formas, que Gumbrecht foca seu interesse na materialidade do

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significante, antes menos valorizada.Para sustentar seu pensamento, Gumbrecht retoma o trabalho

de Paul Zumthor, interessado nas qualidades da voz humana, e de Friedrich Kittler, que tenta conectar a materialidade dos meios de comunicação e dos movimentos corporais impostos por eles, expandindo a temática antecipada por McLuhan e indicando o caminho que será aprofundado por nosso próximo autor, Sennett.

Para a compreensão dos termos “produção de presença” e “produção de sentido”, Gumbrecht inicialmente nos lembra da etimologia do termo “produção” e sua raiz latina producere, que quer dizer trazer à frente, destacar.

Assim, na produção de sentido, é destacada a interpretação e seus processos, enquanto que, na produção de presença, é a materialidade que toma a frente. “O que esse livro por fim defende é uma relação com as coisas do mundo que oscila entre efeitos de presença e efeitos de sentido. Efeitos de presença, entretanto, exclusivamente direcionados aos sentidos” (Gumbrecht, 2004, p. 15).

Em outro trecho do seu trabalho, Gumbrecht (2004, p.15) diz:

Enquanto a moderna (inclusive contemporânea) cultura ocidental pode ser descrita por um processo progressivo de abandono e esquecimento da presença, alguns dos efeitos especiais produzidos hoje pelas mais avançadas tecnologias de comunicação podem tornar-se importantes para um redespertar de um desejo por presença.

Se esse redespertar para a materialidade é percebido por Gumbrecht em algumas novidades tecnológicas, é em práticas muito mais antigas que Sennett, nosso terceiro autor, vai encontrar seu caminho.

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3.3 Richard Sennett e o caminho do artífice

O encontro de Sennett com a materialidade é construído através de um trajeto bem diferente dos autores anteriores. É na ideia de transformação que Sennett baseia seus argumentos.

O trabalho do artífice e sua paciente e repetitiva ação sobre os objetos com os quais trabalha representam, para Sennett, o caminho para reencontrar a técnica em harmonia com os homens. “Sustento duas teses polêmicas: primeiro, que todas as habilidades, até mesmo as mais abstratas, têm início como práticas corporais; depois, que o entendimento técnico se desenvolve através da força da imaginação” (SENNETT 2008, p. 20).

O projeto de Sennett inicia-se com o estabelecimento de uma oposição entre dois personagens míticos: Hefestos, que simboliza a técnica que ajuda os homens a tornar o mundo melhor, e Pandora, que representa a técnica baseada apenas na busca da eficiência, cega o bastante pelos seus objetivos a ponto de destruir tudo mais ao seu redor. “A tese que sustentei neste livro é de que o ofício de produzir coisas materiais permite perceber melhor as técnicas de experiência que podem influenciar nosso trato com os outros” (SENNETT, 2008, p. 322).

Sennett procura construir um conceito de ética próprio, capaz de mudar o ambiente social, como o artífice transforma os materiais em que trabalha. Uma proposta que resgata o demioergos6 do hino a Hefestos, uma espécie de produtividade centrada não em si mesma, não instrumental, mas sim coletiva, cidadã, uma visão da técnica reconciliada com a sociedade.

O autor parece também propor esse retorno à apreensão do mundo de forma direta, e não tão somente mediada pelos sistemas de signos e linguagens que fomos construindo ao nosso redor.

Sennett pretende sentir o mundo de um jeito novo. Mas, para

6 “Público (demios) com produtivo (ergon)” (SENNETT, 2008, p. 32).

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tanto, esse mundo tem que possibilitar esse contato, essa resistência, esse potencial de modelagem que não aceita tão facilmente a intenção do operador. Algo que só a materialidade pode oferecer e que só o caminho do artífice, com sua escolha pela precisão e pela paciência, tem a chance de enfrentar.

Diz Sennett que o artífice é aquele que alimenta “(...) o desejo de um trabalho benfeito por si mesmo.” É assim que ele define a habilidade artesanal, completando que esta “(...) abrange um espectro muito mais amplo que o trabalho derivado de habilidades manuais; diz respeito ao programa de computador, ao médico e ao artista”. (2008, p. 19).

Diante da resistência do objeto do seu trabalho, o artífice molda sua transformação trilhando um caminho que representa uma linha tênue entre a técnica e a arte. Do contato da mão com o mundo e da conexão da mesma com a mente, surge a força que altera a matéria, que a organiza e a faz melhor. “Todo bom artífice sustenta um diálogo entre práticas concretas e ideias; esse diálogo evolui para o estabelecimento de hábitos prolongados, que por sua vez criam um ritmo entre a solução de problemas e a detecção de problemas” (SENNETT, 2008, p. 20).

Sua filiação intelectual com Hannah Arendt guia seus passos em direção a essa ética particular que, na simplicidade do trabalho do artífice, tem objetivos muito maiores.

A unidade entre a mente e o corpo do artífice pode ser encontrada na linguagem expressiva que orienta a ação física. Os atos físicos de repetição e prática permitem a esse Animal Laborens desenvolver as habilidades de dentro para fora e reconfigurar o mundo material através de um lento processo de metamorfose (SENNETT, 2008, p. 327).

Em Sennett, o mundo material é a massa de modelar do oleiro que o artífice, com sua destreza, pode lapidar – como o ourives faz com a

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pedra bruta e o soprador de vidro também, insuflando vida e forma ao que antes era pó.

4. Considerações finais

Se, em McLuhan, o determinismo neurológico, de uma certa forma, aprisiona o homem à sua própria biologia, apesar de um amplo leque de possibilidades de escape, em Gumbrecht, esse contato com o material aparece não como uma obrigação, mas como uma possibilidade esquecida que é preciso recuperar num reawakening que vai de encontro à tendência das culturas ocidentais moderna e contemporânea em superestimar a razão e a sua capacidade interpretativa como única forma aceitável de estar no mundo e entendê-lo.

Já em Sennett, a matéria é o caminho da transformação do artífice. Por ela, é possível reconciliar a técnica e os homens num mundo melhor.

O retorno à materialidade, como já dissemos antes, é uma questão muito mais antiga do que as ideias e autores que listamos aqui. Entretanto, McLuhan, Gumbrecht e Sennett dão a ela um contorno pessoal, rico e atualizado, em sintonia com questionamentos que nos desafiam hoje e que, com a ajuda deles, estamos mais aptos a enfrentar.

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Sociedade Digital: A revolução digital na escola e o papel do

professor

Michele Loprete Vieira1

Introdução

A evolução tecnológica é algo que sempre esteve presente na vida da sociedade e sempre estará, pois é através dela que o modo de vida é simplificado e a comodidade que o homem procura é alcançada. Essa evolução é uma busca constante, pois o cenário social não é estável.

Nesta evolução tecnológica, surge a comunicação digital, que revolucionou as formas de relacionamento social, bem como a forma de adquirir informação e transformá-la em conhecimento. De acordo com Pisani e Piotet (2010), a internet é considerada uma das redes de comunicação com a progressão de penetração mais rápida da história, porém apesar da Internet ser o maior repositório de informações e conhecimentos possível (CHAVES, 2006), ela ainda não possui um banco seleto, onde o leitor possa ter uma informação piamente confiável. O leitor precisa desenvolver a habilidade de selecionar o que realmente é relevante e útil, assim podendo atender sua necessidade de informação, que resulta da distância entre o que se compreende e o que se acha que deve compreender (WURMAN, 1999).

Diante deste cenário, na educação, a tecnologia ainda não tem o poder de eliminar o papel do professor. Na educação à distância, por exemplo, o aluno tem a liberdade de otimizar seu tempo para os estudos, realizar pesquisas na internet, porém conta com o suporte do professor para orientá-lo no que é correto. A informação é mediada 1Mestranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo.

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através da tecnologia, porém a fonte principal ainda advém do homem. Isso tudo acontece porque a rede fornece informação em demasia e desordenada. “A internet é o que o mundo faz dela. Não podemos ditar a forma como ela será usada em todos os lugares” (BUARQUE apud CERF, 2006).

Nesta era digital, o papel do professor é fundamental para estimular os alunos a desenvolver uma visão crítica acerca da seleção de informações na rede. Buarque (2006) confirma esta informação quando menciona que o pensamento crítico deve fazer parte da formação das crianças, para que assim se tornem adultos capazes de distinguir uma informação de qualidade da informação inútil.

Partindo para outro prisma, será que o professor possui a visão crítica da seleção de informações desenvolvida? Existem ainda professores engessados em suas velhas práticas e fechando os olhos para a evolução social neste mundo digital? O grande desafio é a reciclagem dos professores. “Os alunos já nascem plugados. Os professores não. A tecnologia não substitui nem sala de aula, nem professor. Caberá o professor, na sala de aula, liderar o prcesso pedagógico” (NASIF, 2013). Os professores devem inovar, incorporando a tecnologia em sua didática, pois a sociedade exige esta nova postura, onde a evolução não é passível de negação por nenhuma categoria.

O presente trabalho pretende abordar a evolução da sociedade através da interferência da tecnologia, tornando-se uma sociedade digital, evidenciando o novo perfil dos alunos conectados e demonstrar a importância do papel da escola e do professor na integração do processo de aprendizagem incluindo os aparatos tecnológicos.

Sociedade Digital: a relação entre tecnologia e o homem

Lima (2000) aponta que o impacto social da evolução tecnológica nos últimos cem anos foi tão veloz que o homem inventou automóveis,

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aviões, telefone, rádio, televisão até conseguir o entendimento de seu cérebro, indo muito além de sua imaginação através do computador. Gray (1999) menciona que a relação entre tecnologia e o homem vêm sido analisada desde muito tempo atrás, com Alan Turing, que previu a inteligência artificial na computação. Turing criou uma máquina imaginária que lia instruções codificadas em uma fita de comprimento teoricamente infinito. O resultado desse processo era uma máquina que tivesse capacidade de reproduzir o pensamento lógico humano. Em suas teorias sobre máquinas pensantes, Turing expôs a idéia de que se uma máquina obtivesse aprendizado a partir do homem ela poderia modificar suas instruções.

A partir da criação do computador, o processo de comunicação chegou à Internet. O computador e a Internet podem ser considerados como a maior revolução do século, tornando possível a modificação na maneira de pensar e aprender do homem (ECO, 2000). Castells (2003) considera a Internet o tecido da vida humana, sendo a base tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação, ou seja, para a chamada rede, local onde as pessoas estão interconectadas. Através da rede, a comunicação passa a ser realizada no processo de muitos para muitos, sem fronteiras e a qualquer momento. De acordo com Felice (2008), em nível comunicativo, a transição das tecnologias analógicas para as tecnologias digitais compreende uma alteração no processo de troca de informações, onde na comunicação analógica a informação é fornecida de um emissor para um receptor, e na comunicação digital o processo é em rede e interativo, ou seja, há uma interação dialógica e multidirecional entre os usuários.

A Internet, além de intervir nos processos industriais, provoca inúmeras modificações na vida pessoal dos usuários, principalmente nos relacionamentos interpessoais, rompendo as barreiras das distâncias geográficas e mantendo a vida dos usuários conectada entre si. Este é o cenário da Sociedade Digital, onde as pessoas se deparam com um universo online, repleto de possibilidades, que, conforme

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Lima (2000), exige que os usuários sejam responsáveis por si e pelo seu comportamento no contexto de atuação, que não é baseado em proximidades físicas, mas sim na expansão da capacidade cerebral por meio de sistemas eletrônicos de conexão.

Os alunos já nascem plugados, os professores não

É inevitável para os professores a imersão nesta nova Sociedade Digital, onde a tecnologia está presente desde a casa até o ambiente de trabalho. O grande desafio a ser vencido é que os alunos já nascem plugados, e grande parte dos professores ainda mantém-se na didática da Sociedade Analógica. O cenário dos alunos plugados é tão evidente que de acordo com Petry (2013), uma em cada três crianças americanas são inseridas na Web antes mesmo de nascer, através da ultrassonografia, e com dois anos, 92% das crianças estão presentes na Internet, através de fotografias e algumas até com perfil no Facebook. No Brasil, o IBGE informa que em 2011, 77,7 milhões de pessoas com 10 anos ou mais realizaram acesso à Internet, sendo equivalente a 46,5% do total da população na idade pesquisada. O que evidencia o cenário da Sociedade Digital, inclusive de alunos plugados, é que de 2005 para 2011, a população de 10 anos ou mais de idade cresceu 9,7%, e em contrapartida os usuários da Internet aumentaram em 143,8% (IBGE, 2011).

A internet, através das redes sociais, é considerada uma poderosa rede de relacionamentos que atinge o público jovem. Neste ciberespaço, eles se comunicam, criam, se encontram e inclusive aprendem. A questão da aprendizagem é eclética, pois a rede oferece assuntos de qualquer interesse. A relação deles com a informação é muito diferente da Sociedade Analógica, que apreciava a privacidade, ou seja, o excesso e velocidade não os preocupam e eles adoram compartilhar a informação (PISANI; PIOTET, 2010).

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A educação convencional prevê que o professor seja apenas um canal de informações, em relação ao qual o aluno deve manter atitude passiva na aprendizagem. Em contrapartida, a prática de ensino inserida na comunicação digital rompe hierarquias no processo de conhecimento, e professor e aluno exercem papel ativo na troca de informação, sendo o professor o mediador e organizador do processo (FELICE, 2008).

Alguns professores mantêm uma visão tão fixa em sua didática tradicional que associam a tecnologia da comunicação apenas ao computador, não analisando que a fala humana, a escrita, as aulas, os livros e revistas também são tecnologias que estão incorporadas como ferramenta de seu trabalho há muito tempo. A familiaridade com essas tecnologias é o que as torna transparentes ou invisíveis aos professores. (CHAVES, 1999). O professor deve aceitar para si mesmo que a reciclagem é necessária para busca de novos desafios no intuito de aperfeiçoar sua didática, estando alinhado com a realidade tecnológica.

Devido ao método tradicional de ensino ser mantido, muitos alunos resumem a escola como cansativa e desmotivadora, pois os conteúdos são transmitidos pelos professores de forma teórica e sem interação. O aluno digital tem a necessidade de participar do processo de conhecimento, interagindo com seus colegas sobre os conceitos, visualizando de maneira prática o que está aprendendo, pois ele já faz isso fora da escola, mas a escola e os professores ainda resistem em ter essa percepção.

O processo ensino-aprendizagem: mudando os conceitos

A mente humana é desenvolvida em suas interações com o meio ambiente por meio de uma lógica construtivista e com uma estrutura sequencial, ou seja, não é possível pular etapas, mas sim

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haver aceleração dos processos através de mecanismos inteligentes de desenvolvimento. Assim, o processo de mudança na educação deve ser analisado e compreendido através das relações do homem com o meio ambiente, levando em consideração as variáveis do novo cenário, tais como a tecnologia influenciando na troca de informações e posteriormente a efetividade de adquirir conhecimento (LIMA, 2000).

[...] vivemos uma realidade em que cada vez mais se personaliza o conhecimento e se valoriza o autodesenvolvimento, tendo como alicerce os avanços tecnológicos cada vez mais significativos e, ao mesmo tempo, convivemos com uma conduta educacional que corresponde a uma visão retrógrada e temerosa, inerente a um paradigma que se concentra na valorização exacerbada do passado, sem considerar sua relevância nas mudanças que irão ocorrer no futuro. (LIMA, 2000, p.61)

Inúmeras formas de ensinar não se justificam mais, devido a escola e os professores estarem presos à abordagem tradicional do ensino-aprendizagem, que estabelece um ensino centrado no professor, no qual o aluno executa apenas o que lhe é recomendado (MIZUKAMI, 1986). Neves (2008) evidencia a centralização de poder do professor, mencionando que é o professor que determina o lugar onde os alunos sentam, que determina quem irá falar e quais conteúdos serão abordados.

As novas tecnologias de informação e comunicação rompem a relação de conhecimento apenas adquirido em sala de aula ou livros físicos, pois os alunos estão imersos no universo do hipertexto e assim os professores devem inovar sua didática (OLIVEIRA; VIGNERON, 2005).

Ninguém literalmente cultiva o comportamento de uma criança como se cultiva um jardim, nem transmite informação como se leva um recado [...] O aluno possui um dote genético que se desenvolve ou amadurece, e

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seu comportamento se torna cada vez mais complexo à medida que entra em contato com o mundo que o cerca. (SKINNER, 1972, p. 3)

Torna-se evidente a necessidade de equiparação dos métodos de ensino à realidade dos alunos da Sociedade Digital. Tratando-se dos professores, as mudanças na educação exigem em primeiro lugar que sejam maduros intelectual e emocionalmente, que além de tudo sejam capazes de desenvolver uma visão crítica de valorização de formas democráticas de pesquisa e de comunicação, além disso, não deve considerar que a tecnologia o substituirá, mas sim usá-la como ferramenta para melhorar sua qualidade de ensino. A escola também deve desempenhar papel ativo, apoiando os professores inovadores, mantendo equilíbrio entre os processos gerenciais, tecnológicos e humanos e, além disso, desenvolvendo inovações na comunicação (MORAN, 2012).

O reflexo da nova postura do professor e da escola será o desenvolvimento da motivação nos alunos, onde o processo de ensino-aprendizagem será uma troca de conhecimento entre ambas as partes. Nesse sentido, é necessário deixar o processo de educação tradicional, onde professor é apenas transmissor de conhecimento, para além de exercer o papel de mediador, onde continuará somente nivelando o conhecimento, exercer o papel de animador. Davallon (2003) menciona que a mediação, seja ela mediação simbólica da linguagem, mediação da comunicação no espaço público e mediação institucional das estratégias de negócio, asseguram a dialética entre o singular e o coletivo. Esteves, Pereira e Siano (2005), conceituam animador como aquele que exerce o papel de motivador dos grupos sociais, interagindo com o sujeito de forma democrática e promovendo liberdade de expressão. Assim, diante da realidade dos alunos plugados, é necessário que o professor exerça o papel de animador, estimulando o conhecimento para que o aluno receba a informação com utilidade.

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A Escola na Era Digital

Mizukami (1986) conceitua a escola como um lugar onde a educação é realizada com excelência, onde o processo de transmissão de informação é realizado em sala de aula. Neste tipo de escola a relação entre professor e aluno é mandatória, ou seja, o professor exerce um papel de autoridade intelectual. O conflito entre escola e sociedade é evidente, pois de um lado encontra-se uma instituição presa em seu método, conteúdo e objetivos de ensino e de outro lado, existe a expectativa e uma realidade da sociedade ansiando por um novo papel da escola (SIQUEIRA, 2005).

Na visão de Salete Toledo, especialista em educação, a escola segue um modelo fechado que precisa ser reinventado, mantendo um ambiente onde possam circular mais informações – informações essas que estão fora dos muros da escola (GOULART, 2010). Diante da informação e o conhecimento estarem cada vez mais acessíveis em todos os lugares, é necessário que a escola incorpore novas ferramentas para sua renovação, entre as quais destaca-se a internet (SIQUEIRA, 2005).

No Brasil, o Governo mantém alguns programas de Inclusão Digital, como o Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE), que tem como objetivo conectar todas as escolas urbanas da rede pública à Internet (SECRETARIA..., s.d.). A cobertura chegou a 86% das 69,6 mil instituições de ensino que estão inseridas nos critérios do programa e comparando ao ano de 2008, a cobertura era de apenas 38,3% nas 56 mil instituições (BANDA..., 2012). Outra iniciativa que cabe destacar é a distribuição de tablets aos professores do ensino médio da rede pública realizada pelo MEC, com o objetivo de inclusão das tecnologias de informação e comunicação (TICs) no processo de ensino. Este projeto foi anunciado em 2011, pelo Ministério da Educação, porém iniciou o ano de 2013 sem data para conclusão. Em novembro de 2012, o MEC iniciou a distribuição de cinco mil

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tablets que serão utilizados na formação de professores nos dezoito estados que já aderiram ao Proinfo Integrado (Programa Nacional de Tecnologia Educacional) (TRIBUNA DO PLANALTO, 2013).

Apesar de a escola estar conectada, cabe ressaltar que é fundamental a preocupação com a capacitação dos professores para adoção deste recurso em suas práticas pedagógicas, pois somente assim, o aluno será beneficiado no seu processo de aprendizagem. A principal limitação para o uso da Internet na escola está interligada com o nível de conhecimento dos professores e pode-se destacar que a maioria das escolas possuem laboratórios de informática utilizados muito abaixo da capacidade, pois não há projetos pedagógicos que contemplam a utilização (CARDOSO, 2012).

As escolas devem formar pessoas de acordo com a realidade social, assim não se justifica manter os métodos tradicionais da Sociedade Analógica, os quais em sua maioria não são aplicáveis à Sociedade Digital. A sala de aula analógica é inerte, não despertando encantamento e motivação dos estudantes, os quais anseiam por interatividade, por praticidade ao invés de se prender a apenas teoria sem visualização. O quadro negro, o giz, o apagador e o professor sendo locutor de um conceito não são mais suficientes para assimilação. O aluno “plugado” anseia por ouvir a introdução de um conteúdo, assistir um vídeo no Youtube sobre a discussão, discutir em redes sociais sobre o assunto e ainda mais, desenvolver uma visão crítica e participar do processo de conhecimento ao lado do professor.

Inovação de Aprendizagem na Sociedade Digital: ensinos a distância

Na área educacional, a principal inovação das últimas décadas foi a criação do sistema de Educação a Distância, que prevê uma democratização no processo e proporciona oportunidade de ensino

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para aqueles que não viabilizavam sua inserção neste âmbito, seja por barreiras de distância geográfica, pela não flexibilização de horário, por condições financeiras, dentre outros motivos.

O ensino a distância no Brasil surgiu um pouco antes de 1900, onde nos anúncios de jornais no Rio de Janeiro eram oferecidos cursos profissionalizantes por correspondência. Entre 1960 e 1970, evidencia-se o uso da televisão para fins educativos e essas iniciativas foram recriadas ao longo dos anos, como os Telecursos da Fundação Roberto Marinho, as TVs universitárias, o Canal Cultura e a TV Escola. O uso dos computadores como fins educacionais iniciou em 1970, onde as universidades instalaram as primeiras máquinas e ao longo do tempo, quando a sociedade já possui computadores pessoais, a Internet foi determinante na consolidação do ensino a distância (LITTO; FORMIGA, 2009).

Se as relações tradicionais eram essencialmente determinadas pelos lugares (a cidade, o bairro, a chamada de um telefone fixo a outro, por exemplo), a internet e a telefonia celular dão preeminência às relações de pessoa a pessoa e aos grupos adaptáveis. Em vez de depender de uma única comunidade inicialmente local, somos cada vez mais conduzidos a nos conectar a uma grande variedade de redes menos densas e mais dispersas geograficamente. (PISANI; PIOLET, 2010, p. 66)

Nos últimos anos, o ensino a distância teve crescimento significativo através da adoção pelas universidades em níveis de graduação e pós-graduação. No ano de 2011, o total de cursos oferecidos em EAD foi de 9.065. O maior número de cursos é de instituições privadas. Destaca-se como um dos maiores obstáculos enfrentados em EAD a resistência dos educadores à modalidade (ABED, 2012).

Um método de educação via Internet que conquistou estudantes de todo o mundo foi desenvolvido pelo professor americano Salman Khan, que criou aulas em vídeos, com explicações de forma prática e objetiva, realizando os exercícios. Khan era analista de fundos de

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investimentos e tutorava alguns primos distantes na disciplina de matemática, usando o computador como se fosse o quadro negro. Então começou a colocar no Youtube os primeiros vídeos fazendo alguns exercícios e logo os comentários dos usuários começaram a chegar de todo o mundo. Os usuários diziam que visualizam os conteúdos na prática o entendimento era fácil e que a disponibilidade de acessar os vídeos onde quiserem, no momento que quiserem e quantas vezes quiserem era um diferencial muito importante. Assim, posteriormente Khan criou a Khan Academy, um acervo que contém uma série de vídeos educacionais que oferecem matérias completas de matemática e outras disciplinas (TED, 2011). Esta nova prática já chegou ao Brasil, através da Fundação Lemman, que traduziu parte dos vídeos e, além disso, a Presidente Dilma Rousseff, convidou o professor para realizar pesquisas educacionais e pedagógicas no país, pois pretende firmar parceira com a Fundação Khan (GLOBO, 2013). Pode-se evidenciar a eficácia de aprendizagem através de exercícios interativos e da modificação do papel do aluno, desempenhando postura ativa no processo, aprendendo no seu próprio ritmo.

Um grupo de brasileiros inspirados no professor Salman Khan também começou a oferecer ensino adaptativo na Internet, através da Plataforma Geeike, que identifica o perfil do aluno, monta um plano de estudos personalizados, oferece ferramenta de suporte ao professor e possibilita que a escola e o professor acompanhem o desempenho do aluno (GEEIKE, 2013). O grupo tem formação e pós-graduação no exterior e a experiência internacional evidenciou a eles que quando as aulas on-line são ministradas por pessoas capacitadas e empreendedoras tem o potencial de transformar o modo de aprendizagem.

Além desta comprovação através do método da Khan Academy, pode-se comprovar o sucesso em países como a China e a Coréia do Sul, através das lições virtuais que atraem milhões de estudantes. Este novo tipo de aprendizado permite a individualização do ensino,

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onde o aluno assimila melhor o conteúdo (BETTI, 2012).Destaca-se também como inovação na aprendizagem, o uso de

tecnologias móveis, como notebooks, celulares, MP4, iPads, i-Pods, palms e e-books. Este tipo de tecnologia permite ao usuário acessar em tempo real qualquer tipo de informação e a qualquer momento, ou seja, ela conta com características facilitadas de mobilidade, interatividade e portabilidade. Os alunos plugados, além dos meios tradicionais de acesso à informação, como por exemplo, a escola, podem acessar diversas fontes de conteúdos através de vários dispositivos, os quais permitem que tenha interação social, permitindo que o conhecimento seja construído de diferentes formas, com maior dinamismo (FEDOCE; SQUIRRA, 2011). Devido ao grande uso destas tecnologias móveis, em especial de smartphones e tablets, a cada dia são desenvolvidos novos aplicativos educacionais. Prass (2012), lista alguns dos melhores aplicativos disponíveis:

° ABC das Palavras: ensina as crianças a soletrar e construir palavras básicas em português.

° ABC do Bita: auxilia no processo de alfabetização através de jogos educativos, que estimulam o raciocínio lógico e a coordenação motora;

° Jourist: voltado para o estudo de idiomas, permite praticar mais de 2,1 mil vocábulos e expressões por língua.

° Google Earth: é um aplicativo popular que exibe o globo terrestre em 3D através de imagens de satélites.

° Novo Acordo Ortográfico: possibilita a visualização das novas regras de ortografia da língua portuguesa, correções gerais das normas e definição do ditongo.

° Molecules: permite a visualização em 3D das moléculas de compostos químicos e biológicos.

° Tabela periódica: permite ao estudante visualizar em detalhes todos os elementos químicos.

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° LVI (Libras): curso gratuito composto por 12 aulas para o aprendizado da língua brasileira de sinais.

° MathBoard: aplicativos para o ensino de matemática para crianças do ensino fundamental.

Os ensinos à distância, sejam eles através da tecnologia fixa ou móvel inovam o processo ensino-aprendizagem, com a aula tornando-se prática e interativa e proporcionando maior fixação de conteúdos.

Considerações finais

O aluno plugado tem acesso às informações online, de forma interativa para sua visualização, despertando uma visão mais crítica em sua aprendizagem, deixando para trás as características dos alunos da Sociedade Analógica, onde estes desempenhavam papel passivo no processo. O aluno da Sociedade Digital tem a necessidade de interação ativa, agregando também suas opiniões no processo ensino-aprendizagem, pois este processo não se limita mais apenas à escola; ou seja, o aluno, através da internet e mobilidade, aprende a qualquer hora e em qualquer lugar. Através desta grande mobilidade, a cada dia surgem novos aplicativos de suporte ao processo de aprendizagem, os quais ganham grande aderência dos alunos.

O profissional em educação não deve pensar que irá perder seu emprego por conta das tecnologias e sim utilizá-las como um meio para melhorar a qualidade de ensino. O papel do professor é transmitir ao aluno qual a finalidade do conhecimento, enxergando-se apenas como parte do processo de aprendizado e não como impositor e centralizador. O professor deve ser reciclado e se reinventar, assumindo realmente o papel do animador, despertando no aluno motivação e facilidade na assimilação de conteúdos.

A escola deve investir em ferramentas que sejam facilitadoras no processo de aprendizagem, sejam elas displays como televisão,

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tablets, computadores, com o objetivo de promover interatividade na aprendizagem. Além disso, o papel fundamental para quebra do paradigma do uso de tecnologias na educação é capacitar os professores.

O conhecimento apenas é válido desde que seja contínuo e disseminado. E neste sentido, não existem níveis ou classes profissionais, pois aquele que estagna em seu processo, fechando sua visão para a inovação, estará fadado ao insucesso.

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Hacktivismo e Anonymous Brasil: a força de uma ideia disforme1

Murilo Bansi Machado2

Introdução

Embora não seja uma prática propriamente inovadora, o hacktivismo (ou ativismo hacker) ganhou considerável expressão como forma de protesto político nos últimos quatro anos. Em recente pesquisa realizada pela consultoria Prolexic a pedido do tabloide norte-americano USA Today, por exemplo, registrou-se um aumento de nada menos que 70% de ações DDoS nos primeiros seis meses de 2012, em comparação ao mesmo período do ano anterior.3 Além disso, o levantamento aponta que a responsabilidade por esse aumento não deve ser creditada apenas a grupos e indivíduos hacktivistas independentes, mas também a governos totalitários que passaram a usar de práticas hacktivistas com finalidade política.

No entanto, é certo que um dos grandes responsáveis por esses números é o grande coletivo de indivíduos identificados como Anonymous. Pelo menos desde o fim dos anos 2000, os Anonymous utilizam, de forma sistemática e coordenada, o hacktivismo como ferramenta política de protesto, alcançando incomum visibilidade nos meios de comunicação de todo o mundo.

Neste texto, empreendemos o esforço de interpretar o hacktivismo

1 Com algumas modificações e atualizações, este texto foi originalmente apresentado ao VI Simpósio Nacional da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura, realizado em novembro de 2012.2 Mestre em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC).3 Disponível em: <http://www.usatoday.com/tech/news/story/2012-07-19/hactivism-anonymous-attacks/56464792/1>. Acesso em: 25 jul. 2012.

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à luz da chamada sociedade de controle, tal como formulada por Deleuze (1992) e revisitada por Galloway (2004). Argumentamos que o hacktivismo se constitui como uma forma de iludir o controle protocológico verificado nas sociedades atuais. Para tanto, analisamos a operação WeeksPayment, realizada na primeira semana de fevereiro de 2012 por um dos braços brasileiros autodenominados Anonymous. Tal análise é fundamentada em uma pesquisa em curso sobre os Anonymous Brasil e leva em conta, neste texto: (1) acompanhamento diário da operação como expectador e por meio da imprensa; (2) a presença e os materiais divulgados nas redes Twitter, Facebook e YouTube por parte dos responsáveis pela operação; (3) entrevistas via comunicador instantâneo on-line e por e-mail com membros deste coletivo.

Controle e resistência

À medida que as tecnologias de comunicação se tornam crescentemente mais pervasivas na sociedade contemporânea, é inevitável que se eleve a possibilidade de controle e vigilância. É certo que grande parcela de nossas informações culturais, sociais, políticas, financeiras etc. – além daquelas que são de cunho estritamente pessoal – já é parte integrante do grande e intricado emaranhado que compõe as teias do ciberespaço. Algumas dessas informações são seletivamente coletadas por governos e corporações, à revelia daqueles que as geram, e conformam imensos bancos de dados a serviço de seus detentores. Já outras são espontaneamente oferecidas por seus geradores, por exemplo, quando acessam e-mails, atualizam perfis nas redes sociais conectadas, conversam por meio de aparelhos de telefone móvel ou simplesmente utilizam seus cartões de crédito.

Esse cenário pode ser apreendido como o desdobramento de um quadro social desenhado na aurora dos anos 1990, em um curto e

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profético ensaio assinado pelo filósofo francês Gilles Deleuze (1992). Na esteira de Michel Foucault, seu parceiro e inspirador, Deleuze nos apresenta a sociedade de controle como uma etapa posterior às sociedades disciplinares, que, por sua vez, se seguiram às sociedades de soberania – tendo em vista uma periodização da história indicada por Foucault e interpretada e sistematizada por Gilles Deleuze.

Portanto, apoiando-se em Foucault (2011), principalmente em sua crítica sobre a teoria jurídico-discursiva do poder e em sua sugestão quanto às formas e meios descentralizados de se exercer o controle, Deleuze começou a traçar outro período cronológico depois da Idade Moderna. Se, por um lado, as sociedades disciplinares substituíram as sociedades de soberania destituindo um poder até então centralizado nas mãos do soberano (de um poder de morte em direção a um poder sobre a gestão da vida), as sociedades de controle operam com máquinas de terceira geração (como computadores e demais tecnologias de comunicação) para implementar um comando não apenas descentralizado, como ocorre na disciplina, mas totalmente fluido e sem a necessidade de fronteiras físicas para ser exercido.

Assim, na transição das sociedades disciplinares para a sociedade de controle, instituições tipicamente disciplinares (como a escola, a fábrica, o hospital, a prisão etc.) veem-se em meio a sucessivas crises. Analogamente, para que seja exercido com eficácia, as formas de controle dispensam a arquitetura e os espaços físicos de tais instituições.

Por mais atuais que pareçam os escritos de Deleuze, eles foram publicados quando não havia sequer a Internet em seu formato comercial. Por isso, nesta chave de pensamento Foucault-Deleuze, o pesquisador norte-americano Alexander Galloway (2004) traz essa reflexão aos dias atuais.

Tal como Deleuze, que afirmou que toda sociedade tem seus diagramas, ou seja, seus mapas coextensivos ao campo social, Galloway propõe a substituição do diagrama foucaultiano da descentralização

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para o diagrama da rede distribuída, em que a tecnologia marcante é o computador e o tipo de administração mais proeminente é o “protocolo”. Galloway se propõe, assim, a analisar o poder de produção dos computadores para explicar a lógica sociopolítica de nossa era.

Evidentemente, o conceito de “protocolo” está no centro da computação em rede e da Internet. Entende-se o protocolo como um agrupamento de “regras convencionais que governam o conjunto de padrões de comportamentos possíveis em um sistema heterogêneo” (GALLOWAY, 2004, p. 7). Metaforicamente, o protocolo é como uma série de lombadas que impedem os carros de trafegarem em alta velocidade por determinada via. Ou seja, é um padrão irrefutável que condiciona determinadas práticas. E, por ser irrefutável, é impossível não aderir a tal padrão. No caso dos protocolos da Internet, uma analogia que perpassa toda a obra de Galloway, essas convenções sempre operam no nível dos códigos. Neste caso, não há exceção: o protocolo dita o comando. Afinal, não há como acessar a Internet sem compactuar com seu principal protocolo: o TCP/IP, por exemplo.

Dessa forma, Galloway usa a noção de protocolo e da rede distribuída para mostrar como o controle se mantém vivo mesmo depois da “descentralização”, sugerindo que vivemos em uma fase histórica que substitui a descentralização pelo diagrama da distribuição como estilo de administração social. Com isso, evoca as redes distribuídas de poder para compreender a sociedade de controle deleuziana.

Evidentemente, o controle não está apenas nas redes digitais de comunicação, mas inevitavelmente passa por elas. Afinal, observa Galloway, o controle protocológico está em qualquer forma distribuída de administração. “O cenário nativo de um protocolo é a rede distribuída”, de modo que as “redes distribuídas são nativas às sociedades de controle de Deleuze (Idem, p. 11). Logo, considerando o grau de saturação tecnológica no qual vivemos, as formas de

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comando e controle são infinitas.Mas se, por um lado, o protocolo tenta eliminar hierarquias e

fronteiras físicas, ele ainda é uma forma de comando e controle e, com isso, gera forças de resistência. Mesmo Deleuze já dizia que a vida se torna resistência ao poder quando o poder toma a vida como seu objeto – o poder sobre a vida, o biopoder. Isso leva Galloway a concluir que as forças contraprotocológicas devem agir por meio do protocolo – e não fora dele, alheias a ele. Afinal, os protocolos são irrefutáveis.

Nesse cenário, o ativismo hacker configura-se, em grande medida, como uma força específica que opera como uma resistência política por meio dos protocolos de controle do ciberespaço. Para demonstrá-lo, depois de algumas considerações teóricas acerca do hacktivismo, faremos uma breve análise da Operação Weekspayment, empreendida por um dos braços brasileiros do coletivo Anonymous.

Ativismo hacker

É possível dizer que o hacking de computador é uma atividade eminentemente política desde seu início. Por exemplo, os hackers da primeira geração (1960), para ter acesso às primeiras máquinas, lançaram-se em uma atitude de emancipação diante dos técnicos que as manejavam. Contrários à forma de programação então vigente, que os privava de ter acesso direto aos computadores, tinham por ideal assumir pleno controle sobre aquelas tecnologias. Por sua vez, os hackers da segunda geração (1970) pautaram-se pelo princípio da democratização do acesso às máquinas e, com base nisso, elaboraram hardwares cada vez menores e mais práticos para se ter em casa (LEVY, 1984).

No entanto, é a partir de meados dos anos 1990 que o hacking passa a ser empregado de maneira sistemática com uma finalidade

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explicitamente política. Stefan Wray (1998) considera o ano de 1998 como o do nascimento do termo “hacktivismo”, pois é naquele período em que se começa a ter notícia sobre ações coordenadas por ativistas hackers em todo o mundo. Dessa forma, juntamente com o hacktivismo, surge uma nova forma de participação política no incipiente cenário das mobilizações pela rede.

Nesse sentido, em Communication Power, o sociólogo Manuel Castells (2009) argumenta que, atualmente, os hackers politicamente ativos são atores chave no conjunto de movimentos sociais que clamam por justiça global, configurando-se como uma face de resistência, por exemplo, ao controle empresarial:

Sua capacidade tecnológica para utilizar as redes de computadores com propósitos distintos dos que haviam sido atribuídos pelas empresas colocou os hackers na linha de frente do movimento, liberando o ativismo das limitações à expressão independente impostas pelo controle empresarial das redes de comunicação (CASTELLS, 2009, p. 345).

O hacktivismo já foi objeto de estudo nas mais diversas áreas do conhecimento, passando, entre outros, pela sociologia, comunicação, antropologia, ciência política, direito e estudos militares. Em geral, identificam-se três principais perspectivas teóricas.

A primeira delas, que será adotada neste trabalho, considera o ativismo hacker uma ação eticamente motivada e, portanto, uma forma de desobediência civil no campo eletrônico. Com isso, tende a levar em conta os aspectos sociais, culturais e políticos que circundam este fenômeno. Nesta perspectiva, talvez a definição mais abrangente seja a elaborada por Alexandra Samuel (2004). A pesquisadora considera o ativismo hacker como o casamento entre o ativismo político, de um lado, e o hacking de computador, de outro, configurando-se como o uso não violento e legalmente ambíguo de ferramentas digitais

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para se alcançar fins políticos. Entre as diversas ferramentas, estão a deformação de sites, redirecionamentos, ações de negação de serviço (DDoS), interceptação de informações, paródia de sites, manifestações virtuais, sabotagens virtuais e desenvolvimento de software.

A segunda perspectiva, que agrega diversos trabalhos da área do direito e dos estudos militares, tende a mirar o hacktivismo sob as lentes do cibercrime. Nestas análises, preconizadas pelo trabalho de Denning (1999) e Arquilla e Ronfeldt (1997), tende-se a apreender o fenômeno focando apenas as artimanhas técnicas – e seu caráter lícito ou não – das quais os hackers se valem para realizar suas ações.

Por fim, uma terceira perspectiva surge a partir de trabalhos publicados pelos próprios hacktivistas com o objetivo de teorizar sobre e também legitimar suas ações. Frequentemente, estes escritos são grandes fontes de pesquisa aos acadêmicos alinhados à primeira perspectiva teórica.

Veremos que, na operação aqui analisada – a #OpWeeksPayment –, um dos núcleos hackers brasileiros autodenominados Anonymous valeu-se principalmente de ações distribuídas de negação de serviço4 (distributed denial of service ou DDoS, na sigla em inglês) para deflagrar um protesto político não violento e eticamente contra diversas instituições financeiras do Brasil.

4 DDoS, ou Distributed Denial of Service consiste em acessar repetidas vezes determinado servidor, de modo que este acabe por não suportar a sobrecarga de requisições de acesso. Com isso, ele deixa de operar e os sites nele hospedados saem do ar. O fato de ser distribuído significa que (1) ou vários usuários ativistas passaram a acessar determinado site de maneira ininterrupta, por meio de um software específico que permite atualizar a página constantemente; (2) ou um computador principal obteve o comando de vários outros computadores (zumbis), forçando-os a atualizarem a página. É preciso observar que, diferentemente de práticas criminosas, o DDoS não acarreta alteração de conteúdo das páginas, nem mesmo roubo ou danificação de suas informações. Ele simplesmente as desabilita. Por isso, alguns ativistas preferem chamá-lo de “protesto” em vez de “ataque” (Cf. Stallman, 2011).

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A legião dos Anonymous

Conforme apontou Gabriella Coleman (2011), antropóloga hacker que acompanha as ações do coletivo desde o início, o termo “Anonymous” é de difícil definição. O que se pode dizer, com boa dose de certeza, é que a designação “grupo” não capta os principais sentimentos por trás desta ideia.

“Anonymous” não diz respeito a um conjunto formal e homogêneo de indivíduos altamente comprometidos com um programa de diretrizes oficiais formulado por uma cúpula de líderes. Aliás, não seria incorreto afirmar que os Anonymous se assemelham ao oposto disso. Antes de qualquer definição rígida, Anonymous está mais relacionado a uma ideia, a um pressuposto, a uma forma de ação.

Dentre aqueles que se autodenominam Anonymous, observa-se um conjunto de pequenos grupos e indivíduos extremamente heterogêneo e difuso, carente de lideranças e de centro geográfico. Seus precursores – hackers, em boa parte – rapidamente passaram a contar com o apoio de artistas, estudantes, intelectuais etc. para a realização de ações dentro e fora da Internet. Como não é preciso pedir permissão para empreender qualquer ação em nome do coletivo, Anonymous pode ser todo e qualquer um.

Em princípio, os primeiros registros de atos realizados por indivíduos autodenominados Anonymous remontam ao 4Chan, um fórum de imagens norte-americano muito popular. Uma das principais características deste fórum é a possibilidade de enviar mensagens preservando o anonimato – justamente por meio da alcunha “Anonymous”. Com isso, pelo menos desde o ano de 2006, Anonymous realizaram diversas ações mais ou menos coordenadas tendo como base o princípio do Lulz, uma corruptela de LOL (laugh out loud, ou “rindo alto”, em tradução livre) – princípio, aliás, que seria marcante nos sucessivos atos do coletivo.

Coleman (2011) observa que, àquele momento, os Anons, como

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passariam a ser chamados, tinham por preferência ações de trolling (ou trolagem), que, na linguagem da rede, significa provocação, desestabilização da ordem, tal como um bullying eletrônico. Não faltam exemplos de trolagens, todas coordenadas pelo 4Chan, de trotes telefônicos em massa, inúmeros pedidos de pizza não pagos endereçados a pessoas ou organizações, aviso de ameaça de bomba próximo a determinados aeroportos, de onde sairiam voos com pessoas “alvo”, ou mesmo ações distribuídas de negação de serviço contra vários sites.

O lulz, portanto, foi o princípio norteador dos primeiros atos dos Anonymous. No entanto, duas operações em escala global levaram os Anons do lulz à ação política coletiva de massa, transformando-os definitivamente em ativistas políticos cuja principal bandeira – ou uma das principais – é a liberdade de expressão, especialmente na Internet.

A primeira delas data de 2008 e ficou conhecida como operação #Chanology. O alvo dos protestos, que chegaram a reunir mais de 6.000 pessoas dentro e fora da rede em várias capitais do mundo, foi a Igreja da Cientologia norte-americana. A Igreja produziu um vídeo,5 destinado inicialmente à publicação interna, no qual o ator Tom Cruise defendia a doutrina divulgada pela instituição. No entanto, o vídeo vazou na rede e foi rapidamente republicado por diversos sites e blogs – em grande parte deles, acompanhado de chacotas ao ator e à Igreja. Esta tentou barrar a circulação do conteúdo com ameaças de ações judiciais por violação de direito autoral. Isso, para os Anons, configurava-se como um duro golpe à liberdade de expressão. Por isso, a Igreja foi acometida por uma imensa onda de trolagem na rede, acompanhada de ações distribuídas de negação de serviço e de um vídeo declarando guerra à instituição.6 Naquele período, milhares de manifestantes também saíram às ruas para protestar em frente a sedes

5 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=UFBZ_uAbxS0>. Acesso em: 15 jul. 2012.6 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=JCbKv9yiLiQ>. Acesso em: 15 jul. 2012.

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da Igreja espalhadas pelo mundo.Apesar da grande repercussão da operação #Chanology na

imprensa mundial, foi a segunda ação, datada de 2010, que conferiu projeção internacional aos Anonymous. Desta vez, investiram contra as empresas PayPal, Visa, Mastercard e Amazon, quando estas bloquearam as doações à organização Wikileaks. Conhecida como operação PayBack, novamente em nome da liberdade de expressão, os Anonymous aplicaram maciçamente ações de negação de serviço (DDoS) contra sites das referidas corporações, deixando-os inativos durante algumas horas e, portanto, causando diversos prejuízos.

Depois destas duas grandes ações, o selo “Anonymous” estava consolidado. Os diversos grupos e indivíduos identificados como Anonymous, de forma dispersa e distribuída, envolveram-se em várias lutas políticas ao redor do globo, desde a defesa dos direitos humanos até a causa ambiental. Em nenhuma delas, pode-se dizer que estes grupos agiram de forma unificada. Ao contrário: os inúmeros nichos identificados como Anonymous são independentes e, por isso, com frequência pensam de modo diferente e entram em conflito.

Anonymous Brasil e #OpWeeksPayment

No Brasil, os primeiros relatos acerca de indivíduos simpáticos à ideia Anonymous datam da operação #OpPayback, quando alguns ativistas, de forma não muito coordenada, auxiliaram na derrubada dos sites da PayPal, Visa, Mastercard e Amazon em apoio à organização Wikileaks. A partir de então, vários nichos se organizaram autonomamente por meio de diversas plataformas de comunicação – tais como IRC, Twitter, Facebook, RaidCall, TeamSpeak, entre outros – a fim de propor e realizar ações diretas dentro e fora da rede, valendo-se do hacktivismo ou não.

Um dos nichos Anonymous mais proeminentes planejaria,

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organizaria e executaria, entre os dias 30 de janeiro e 3 de fevereiro de 2012, a Operação WeeksPayment (#OpWeeksPayment). Este nicho remonta, pelo menos, desde junho de 2011, quando alguns hacktivistas deram início ao braço brasileiro da LulzSec – a LulzSecBrazil. Ao contrário dos Anonymous, uma ideia sem rosto, liderança e quadro mais ou menos estável de membros, LulzSecBrazil foi propriamente um grupo. De caráter mais invasivo, composto por poucos hackers, ficou conhecida por grandes ações distribuídas de negação de serviço (DDoS) e interceptação de informações junto a políticos, órgãos do governo e corporações.7 Pelo fato de LulzSecBrazil ter se identificado em diferentes momentos com o ideário Anonymous, e de suas ações contarem com grande visibilidade na mídia, é possível dizer que os Anonymous se tornaram muito mais conhecidos após as ações do grupo.

No entanto, por conta de algumas discordâncias internas entre seus membros, a LulzSecBrazil decidiu encerrar suas atividades no país após quase dois meses de atividades. Com o fim do grupo, surgiram outros dois: iPiratesGroup e AntiSecBrTeam, que, depois de poucas semanas atuando separadamente, resolveram reunificar as ações, mas mantendo algumas delimitações entre eles – cada um segue com seu perfil na rede social Twitter, por exemplo. Juntos, eles controlam o @AnonBrNews, perfil que, no Brasil, reúne o maior número de seguidores entre os autodenominados Anonymous no microblog. E juntos deflagraram a #OpWeeksPayment.

Embora não caiba neste trabalho uma discussão sobre quão justa é a causa empreendida pelos hacktivistas, é possível dizer que esta operação foi politicamente motivada. Declaradamente planejada com “meses de antecedência”, conforme apontado pelo coletivo em áudio divulgado à imprensa,8 a operação não se constituiu em uma ação

7 Apesar de a LulzSecBrazil ter encerrado suas atividades, seu site ainda permanece no ar e contém todas as ações empreendidas pelo grupo. Disponível em: <http://lulzsecbrazil.net/releases/index.html>. Acesso em: 15 jul. 2012.8 O áudio, que foi aproveitado por diversos meios de comunicação, incluindo

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isolada ou descompromissada, mas ao contrário, fez parte de uma série de iniciativas levadas a cabo havia meses por este coletivo com o intuito mais genérico de protestar contra a corrupção no Brasil.9 Na sexta-feira (3 de fevereiro de 2012), dia em que se encerrou a #OpWeeksPayment, os hacktivistas tornaram claros seus objetivos em duas mensagens enviadas pelo Twitter: “Temos condições de causar um caos jamais visto, mas este não é o objetivo do movimento”. Em seguida: “O objetivo é alertar a população sobre o que acontece no país e como ela pode fazer algo para mudar a situação. Isso é ser Anonymous”.

Toda a ação consistiu em tirar do ar, entre outros, os sites de 5 dos maiores bancos brasileiros de segunda a sexta, durante a chamada “semana do pagamento”, quando tradicionalmente ocorre um grande número de operações financeiras por parte dos bancos e seus clientes. Dessa forma, a cada dia da semana, um banco viu seu servidor inundado por requisições de acesso e, por consequência, tornou-se impossível acessar sua página até mesmo durante algumas horas. Na segunda-feira, 30 de janeiro de 2012, o alvo dos hacktivistas foi o banco Itaú, cujo site ficou instável no período da manhã. Na terça-feira, foi a vez do Bradesco. Já na quarta e quinta-feira, os atingidos foram Banco do Brasil e HSBC, respectivamente. Na sexta-feira, o coletivo se responsabilizou por investidas contra os sites da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), do Banco Central, das operadoras de cartões de crédito Cielo e Redecard e dos bancos Citibank, BMG e PanAmericano.

Para a #WeeksPayment, este coletivo dispensou qualquer ajuda de apoiadores nas ações hacktivistas. Antes do início da operação, dois posts no twitter, escritos em caixa alta, alertavam quanto a isso. No

os radiofônicos, pode ser acessado em: <http://blogs.estadao.com.br/radar-tecnologico/2012/02/01/ciberataques-continuam-hacker-diz-que-grupo-sera-conhecido-pelo-amor-ou-pela-dor>. Acesso em: 15 jul. 20129 O coletivo apoia e promove outras ações nesse sentido, como o site Corrupção Leaks (http://www.corrupcaoleaks.org/) e o Dia do Basta, realizado em 21 de abril e a ser realizado novamente no dia 7 de setembro de 2011.

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primeiro: “Pedimos a compreensão de todos, nesta missão apenas nosso grupo estará à bordo! Peguem suas pipocas e se acomodem num local confortável!” (sic). Em seguida, reforçou-se: “Por favor não façam qualquer ação para nos ajudar nesta missão! apenas acompanhem e divulguem! =)”. Em entrevista a este pesquisador via comunicador instantâneo on-line, por mais de uma vez, um dos membros deste coletivo afirmou que, embora ajude em operações internacionais dos Anonymous, nos atos hacktivistas empreendidos por este nicho, “não precisamos de ajuda nem pedimos”. Contudo, outras formas de ajuda são bem-vindas. Por exemplo, espera-se que os apoiadores divulguem as operações e fomentem o debate político gerado por elas.

Nesta operação, ainda foi possível observar a presença marcante de dois dos princípios norteadores deste coletivo. O primeiro é, conforme apontado, a denúncia – frequentemente realizada de forma genérica e sem alvos determinados – da corrupção nos sistemas político e financeiro brasileiros. Não raro, o coletivo divulga nas redes sociais mensagens indignadas sobre atos de corrupção no país, denunciando situações precárias em diversas áreas, tais como saúde, educação, moradia, mobilidade urbana etc. Durante a #OpWeeksPayment, não foi diferente. Ela foi realizada, segundo seus organizadores, para “chamar a atenção aos reais objetivos” dos Anonymous no Brasil, de modo que o propósito mais ressaltado até então talvez tenha sido a bandeira contra a corrupção. No quarto dia de operação, por exemplo, ao responder a analistas de segurança da informação e parte da imprensa, que classificaram a #OpWeeksPayment como uma série de atos criminosos, os Anons protestaram: “#OpWeeksPayment CRIME? Crime é a desigualdade social, é não ter onde morar, o que comer. OTÁRIOS! Porque não criticam os que te roubam?”, fazendo referência à classe política.

Outro princípio norteador presente em peso nesta operação é o

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Lulz, conforme retratado anteriormente neste texto.10 Apesar de se mostrar como um protesto coordenado com o objetivo de chamar a atenção para questões políticas e sociais sérias, a #OpWeeksPayment não prescindiu de um espírito brincalhão. Ao longo da semana, à medida que atingiam seus objetivos e os sites saíam do ar, membros do grupo usaram o perfil no Twitter para lançar mensagens provocativas às corporações-alvo. “Marujos venham ver a equipe de TI do @Itau andando na prancha! lol lol lol ‘ItáOff ’ ‘TangoPersonalite’ ‘Tango30H’”, postou o coletivo depois de o site do Itaú sair do ar, brincando com dois dos slogans do banco (“Itaú Personalité” e “Itaú 30h”) e a expressão “Tango Down”, comumente usada pelos Anons no mundo todo depois de uma ação DDoS bem sucedida. Ao final da operação, dispararam: “Internet: R$150,00 PC: R$1.000,00. Derrubar as duas maiores operadoras de cartão de crédito do país: Não tem preço!”, fazendo referência à mensagem publicitária da Mastercard.

Também foi na #WeeksPayment que, de maneira polêmica, este nicho dos Anonymous no Brasil estampou aquele que se tornaria conhecido como seu principal lema: “pelo amor ou pela dor”. Em áudio divulgado durante a operação,11 um dos membros causou polêmica ao afirmar que um dos propósitos das ações também seria afetar diretamente a população. “Nossos ataques eram direcionados a sites do governo. Mas isso não está surtindo muito efeito e vimos que a população não está reagindo. Então, decidimos tomar medidas mais extremas para isso. Irão nos conhecer pelo amor ou pela dor”. Essa declaração causou certa celeuma entre quem, até o momento, estava apoiando a #WeeksPayment. Para estes, o foco da operação deveria ser o protesto contra o sistema financeiro, e não o fato de atrapalhar as pessoas na semana do pagamento.

A principal crítica veio justamente de outros nichos Anonymous

10 Para compreender como o Lulz fez parte de toda a trajetória do coletivo em nível internacional (Cf. Coleman, 2011).11 Cf. nota nº 8.

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no Brasil, que passaram a reprovar a operação. Em função do caráter anônimo, disforme e espontâneo da ideia Anonymous, fatos como este não são de todo incomuns. A reação mais contundente veio do Plano Anonymous Brasil, um coletivo extremamente difuso e heterogêneo de indivíduos oriundos de diversas partes do país, incluindo hackers e não hackers. À época, mantinha ativos o perfil @PlanoAnonBr, no Twitter, e a página Plano Anonymous Brasil, no Facebook, além de um canal de comunicação na rede AnonNet.org, no IRC. Logo no segundo dia da #OpWeeksPayment, o PlanoAnon divulgou um comunicado via Facebook:

Os ataques aos bancos que vem acontecendo desde ontem, não são uma ação do coletivo Anonymous! Anonymous não tem como alvo a sociedade, os prejudicados por esta ação, são unica e exclusivamente os cidadãos, que estão na primeira semana do mês, semana de volta as aulas, semana de pagamento. […] Esta ação está sendo executada pelo @AntisecBrTeam, @iPiratesGroup e a @Lulzsecbrazil, grupos estes, que se declararam contra o Anonymous abertamente, e estão executando essa ação como tentativa de desmoralizar o coletivo ao qual dedicamos várias de nossas forças a quase um ano. Eles com toda sua necessidade doentia de atenção, decidiram assumir a postura, de que “se não nos respeitam pelo amor, vão nos respeitar pela dor”.12

No dia seguinte, outra página, identificada como Anonymous Rio, respondeu ao Plano Anonymous Brasil, contrapondo as críticas à #OpWeeksPayment:

[Anonymous] é uma ideia ou um conjunto de ideias sempre em construção, transformação, mutação e adaptação. Não existem cartilhas, centros, grupos, pessoas ou qualquer outra coisa que possa falar por Anonymous, todos podem

12 Comunicado disponível em: <https://www.facebook.com/PlanoAnonymousBrasil/posts/291464640918163>. Acesso em: 15 jul. 2012.

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falar por si. Ninguém pode falar por todos. Não existem lideranças e TODOS TEM QUE SER LÍDERES. Em resumo, você pode ser Anonymous, mas JAMAIS vai ser da Anonymous, pois isso não é um grupo [...] O que valida uma Op é pura e simplesmente adesão. Não existem operações oficiais, reais, verdadeiras nem nada do gênero. Existem pessoas que concordam e pessoas que discordam. […] Somos contra o sistema vigente? Acho que sim. Uma coisa é certa, se vamos atacar o sistema e se estamos imersos nele TAMBÉM VAMOS SER AFETADOS! Então se é isso que queremos temos que arcar. [...] E os bancos vão continuar a cair essa semana!13

Enfim, o debate sobre a operação exalta ânimos de grupos e

indivíduos identificados como Anonymous até os dias atuais, após 6 meses do ocorrido. O que se pode dizer é que a #OpWeeksPayment não foi uma ação política orquestrada simplesmente “pelos Anonymous”, mas sim por um dos coletivos brasileiros assim intitulados.

Hipertrofiando protocolos...

A #OpWeeksPayment foi um ato de protesto empreendido por hacktivistas brasileiros por meio de ações distribuídas de negação de serviço (DDoS) contra sites de bancos e organizações financeiras. Como observamos, as ações DDoS consistem em sobrecarregar um servidor com múltiplos acessos, de tal forma que ele não possa suportar o volume de requisições e, por consequência, apresente lentidão ou pare de funcionar. Portanto, ao realizar ações DDoS contra sites de bancos brasileiros, os Anonymous não “invadiram” essas páginas, uma vez que não acessaram contas bancárias alheias, não

13 Comunicado disponível em: <https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=310540125663009&id=231139103603112>. Acesso em: 15 jul. 2012.

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roubaram senhas ou informações, nem mesmo desviaram dinheiro de correntistas. Seu protesto consistiu em bloquear, de forma indireta, o acesso aos sites. Seria como aglomerar um grande número de pessoas em frente a uma agência física de cada banco, impedindo que nela se entrasse.

Argumentamos que o hacktivismo pode ser considerado uma das formas de resistência política operando no nível dos protocolos. Assim como Deleuze (1992) observara que, da mesma forma que o poder recai sobre as formas de vida, gerindo-as, é a própria vida que se apresentaria como uma resistência a este biopoder, Galloway (2004) analogamente sustenta que, em uma era na qual o poder nos recai por meio de protocolos de controle, não há como resistir ao protocolo, desconsiderá-lo, fugir dele. Neste caso, a resistência adquire outra natureza, pois ela deve ser operada dentro dos protocolos, nos entremeios de suas regras e padrões intrínsecos.

Por um lado, a crescente digitalização de nossas informações culturais, sociais, políticas etc. nos torna alvos facilmente controláveis, seja por meio de rastros e cruzamento de dados, seja por meio de um comando que não exige barreiras físicas e é fundamentado majoritariamente em protocolos. Por outro lado, diversos ativistas, operando nestes mesmos protocolos de controle, levam-nos a um estado de hipertrofia (GALLOWAY, 2004).

Isso ocorre, por exemplo, quando especialistas em criptografia, como no caso do coletivo Cult of the Dead Cow, programam softwares que possibilitam aos internautas driblar mecanismos de censura impostos por governos totalitários. Ou como no caso dos responsáveis pelo projeto Tor, um embaralhador de IP que permite aos internautas navegarem anonimamente, sem deixar rastros localizáveis.

Finalmente, este também é o caso da #OpWeeksPayment e dos Anonymous, que se valeram dos mesmos protocolos que os controlam para empreender um protesto. Por certo, um desejo comum a todos os bancos e organizações financeiras alvos dos protestos é o de que

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cada vez mais internautas acessem seus sites, comprem seus produtos, cadastrem-se em seus sistemas e prestigiem sua marca. Os Anons, por sua vez, deram o que queriam: inúmeros acessos, de forma desmedida. Com isso, hipertrofiaram o sistema e iludiram o controle protocológico.

Referências

ARQUILLA, John; RONFELDT, David (Org.). In: ______. The advent of netwar. In Athena’s camp: preparing for conflict in the information age. Washington: RAND, 1997. p. 275-293.

CASTELLS, Manuel. Communication power. New York: Oxford University Press, 2009.

COLEMAN, Gabriella. Anonymous: from the lulz to collective action. The new everyday: a media commons project. 2011. Disponível em: <http://mediacommons.futureofthebook.org/tne/pieces/anonymous-lulz-collective-action>. Acesso em: 7 dez. 2011.

DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre a sociedade de controle. In:______. Conversações (1972-1990). Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. p. 223-230.

DENNING, Dorothy. Activism, Hacktivism, and Cyberterrorism: the Internet as a tool for influencing foreign policy. In: The Internet and international systems: information technology and american foreign policy decisionmaking, 10 dez. 1999, San Francisco.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. 21. reimp. Rio de Janeiro: Graal, 2011.

GALLOWAY, Alexander. Protocol: how control exists after decentralization. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2004.

LEVY, Steven. Hackers: heroes of the computer revolution. Nova York: Penguin Books, 1984.

SAMUEL, Alexandra Whitney. Hacktivism and the future of political participation. Cambridge, Massachusetts: Harvard University, 2004. Disponível em: <http://www.alexandrasamuel.com/dissertation/pdfs/Samuel-Hacktivism-entire.pdf>. Acesso em:

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7 dez. 2011.

STALLMAN, Richard. Ataque, não: protesto! O Estado de S.Paulo, blog do caderno Link, 3 jul. 2011. Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/link/ataque-nao-protesto/>. Acesso em 7 dez. 2011.

WRAY, Stefan. Electronic civil disobedience and the world wide web of hacktivism: a mapping of extraparliamentarian direct action net politics. Nov. 1998. Disponível em: <http://switch.sjsu.edu/web/v4n2/stefan>. Acesso em: 10 jan. 2012.

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Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos rumos para a

educação e desenvolvimento de criações coletivas

Rafael Vergili1

Introdução

A visível fronteira que antes separava emissores e receptores é quase imperceptível nos dias de hoje. Com o auxílio de tecnologias de informação e comunicação, é gerada uma nova configuração midiática, permitindo a troca de conteúdos entre pessoas que conseguem realizar a correta apropriação tecnológica (LIMA JUNIOR, 2010).

Esse novo panorama pode influenciar a maneira como as novas gerações se relacionam e transmitem textos, imagens e sons na web, o que, em algumas décadas, pode favorecer as criações coletivas e projetar novos cenários para a educação.

Por meio de pesquisa bibliográfica, o artigo – que é dividido em quatro itens, além da introdução e das considerações finais – pretende promover uma reflexão sobre o futuro do compartilhamento de informações e dos processos educacionais por jovens que, desde o nascimento, estão inseridos no contexto tecnológico atual.

Para isso, o primeiro item apresenta a configuração atual do cenário em que crianças e adolescentes brasileiros estão inseridos, especialmente abordando características do uso de telas como as do

1 Doutorando em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e Mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero. E-mail: [email protected]

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computador, do celular e da televisão. As principais referências para a apresentação do panorama geral são Brasilina Passarelli e Antonio Hélio Junqueira.

No segundo item, é discutido mais intensamente o contexto tecnológico em que toda a sociedade atual está inserida, dominado por códigos e com aparente redução de distâncias, o que possibilita a troca de informações entre pessoas de diferentes países, características e formações. Eugênio Trivinho, Francisco Rüdiger, Paul Virilio e Vilém Flusser são alguns dos referenciais para a articulação das ideias do tópico.

Utilizando textos de Brasilina Passarelli e Jim Giles como referência, o terceiro item aborda a mudança dos conceitos de “autoria” e “autoridade” após o advento da web, além do impacto e possibilidades provocados por essas transformações na sociedade.

Por fim, no quarto item, discute-se, com auxílio de livros e artigos de Henry Jenkins, a “cultura participatória”2 e como a leitura crítica e a leitura criativa podem influenciar as construções de textos coletivos e os projetos que favoreçam a educação das “gerações do futuro”3.

2 O artigo de Henry Jenkins, publicado na edição de julho/dezembro de 2012 da Revista Matrizes, utiliza o neologismo “cultura participatória”, em detrimento de “cultura participativa”, devido à tradução literal da expressão participatory culture. Para manter as características da ideia original do autor, optou-se por manter o termo “participatória” em toda a extensão do presente artigo. As principais características dessa cultura podem ser visualizadas no item “Leitura crítica, leitura criativa e criações coletivas: reflexões acerca da ‘cultura participatória’ no contexto educacional”.3 A expressão “gerações do futuro” foi utilizada para caracterizar os jovens que já nasceram em uma sociedade com a presença da internet, além de abarcar as gerações subsequentes, que também desfrutarão dos avanços tecnológicos, permitindo interação entre pessoas de todo o mundo sem a necessidade de presença física.

Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos rumos para a educação e desenvolvimento de criações coletivas

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Panorama atual de uso de telas por crianças e adolescentes no Brasil

Para refletir sobre as novas possibilidades de compartilhamento de informações pelas gerações do futuro, em primeiro lugar, é necessário identificar o panorama atual de uso de novas tecnologias e telas (celular, televisão, computadores, entre outros). Somente com equidade no acesso à instantaneidade, à interoperatividade, à flexibilidade e à heterogeneidade da internet tornar-se-á possível projetar cenários propícios para a participação mais intensa de novas gerações, inclusive disseminando textos e instaurando uma cultura de troca de informações desde a juventude (GALLOWAY, 2004; CASTELLS, 2003; PASSARELLI, 2008).

Para isso, o presente artigo utiliza a obra Gerações Interativas Brasil: crianças e adolescentes diante das telas, de Brasilina Passarelli e Antonio Hélio Junqueira (2012) como base para traçar o cenário em que a sociedade brasileira está inserida, principalmente na perspectiva de análise de jovens que já nasceram em um contexto tecnológico muito diferente das gerações anteriores, em especial devido à presença da internet.

De maneira geral, para verificar quão importante são as telas para as crianças e adolescentes que possuem idade entre 6 e 18 anos atualmente, o estudo utilizou uma metodologia quantitativa, entrevistando mais de dez mil jovens da faixa etária supracitada em escolas públicas e particulares do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil, entre 2010 e 2011, com auxílio de questionário estruturado pela Universidade de Navarra e com informações coletadas pelo IBOPE (PASSARELLI; JUNQUEIRA, 2012).

A análise dos dados teve como principal responsável o Núcleo de Apoio à Pesquisa das Novas Tecnologias de Comunicação Aplicadas à Educação – “Escola do Futuro/USP”. Foram comparados cenários específicos, identificadas tendências consonantes/dissonantes e

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Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos rumos para a educação e desenvolvimento de criações coletivas

desenvolvidos gráficos por gênero, faixa etária, região, papel das escolas no acesso às tecnologias, entre outras características.

Dois resultados destacam-se como mais inquietantes: o primeiro relacionado ao valor dado por jovens para o computador frente às outras telas e o segundo relativo ao acesso à internet por jovens. No primeiro caso, em especial nas regiões Sul e Sudeste, quase 50% dos jovens preferem o computador/internet em detrimento da televisão, segunda colocada, com quase 40%. No segundo caso, é relatado que 75% dos jovens entre 10 e 18 anos têm o costume de navegar na Internet, mesmo que não tenham conexão em suas residências, procurando outras formas e lugares de acesso (PASSARELLI; JUNQUEIRA, 2012).

Ainda nesta seara, o celular é apresentado como um grande catalisador de uso para diversos aparatos. Mesmo com as limitações impostas pela qualidade de algumas empresas de telefonia celular, o aparelho já é utilizado para ter acesso à internet, jogar, ler, compartilhar textos, trocar mensagens, entre outras atividades. Além disso, destaca-se o fato de “que uma parcela de 38,8% das crianças de 6 a 9 anos já possuía o seu próprio equipamento” e 23,4% utilizavam o celular de parentes, por exemplo. No caso dos adolescentes, a posse (74,7%) e o uso do aparelho, mesmo que de parentes ou amigos (79,9%), são ainda maiores (PASSARELLI; JUNQUEIRA, 2012, p. 158-159).

Supremacia dos códigos e “realidade glocal”: fluxos textuais e sonoros com distâncias reduzidas

As informações mencionadas no item anterior demonstram, apesar das dificuldades estruturais do país, o crescimento constante do uso de novas tecnologias por pessoas cada vez mais jovens. Para justificar tal fato, se forem retomadas algumas das ideias de

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Francisco Rüdiger (2007, p. 63), será possível perceber que os inovadores aparatos tecnológicos, simultaneamente, propiciam comodidade aos seres humanos, mas os incentivam fortemente a utilizá-los, quase como uma obrigação.

É cada vez maior, nesse sentido, “a crença de que a tecnologia maquinística pode ser considerada o principal ponto de partida da construção de uma nova cultura ou uma nova etapa em nossa história”. De acordo com o autor, é preciso destacar que:

O maquinismo paulatinamente vai se convertendo em princípio de reordenamento dos valores e reconstrução da cultura, através dos mais diversos movimentos políticos e ideológicos, todavia vinculados pela convicção vanguardista de que os problemas da vida humana podem ser resolvidos via a tecnologia maquinística (RÜDIGER, 2007, p. 64).

Ainda tratando da influência exercida pela tecnologia, segundo Paul Virilio, a relação com o território e com o conceito de “tempo real”4 tem mudado há décadas, especialmente a partir da introdução da televisão. Ou seja:

[...] o tempo real de nossas atividades imediatas, onde agimos simultaneamente aqui e agora na grade de horários da emissão televisiva, em detrimento do aqui, ou seja, do espaço do lugar de encontro, como neste colóquio que se estabelece entre nós graças ao satélite, mas, paradoxalmente, em nenhum lugar do mundo (VIRILIO, 1993, p. 103).

Diante desse novo panorama, pode-se dizer que:

4 O “tempo real” se refere às experiências compartilhadas quase que simultaneamente em espaços territoriais diferentes. O tempo de conexão, também chamado de tempo tecnológico, é o único obstáculo entre o momento em que a mensagem é enviada por uma pessoa e recebida por outro indivíduo em qualquer parte do mundo (TRIVINHO, 2007).

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A velocidade do novo meio eletro-ótico e acústico torna-se o último vácuo (o vácuo do veloz), um “vácuo” que não mais depende do intervalo entre os lugares, as coisas, e portanto da própria extensão do mundo, mas antes da interface de uma transmissão instantânea das aparências distantes, de uma retenção geográfica e geométrica em que desaparece todo volume e todo relevo (VIRILIO, 1993, p. 114).

Pode-se dizer, portanto, que as tecnologias de reprodutibilidade e, principalmente, as que possuem capacidade de rede são aparatos de produção de espectros, que, por sua vez, correspondem às unidades sígnicas que se apresentam por meio de fluxo textual e/ou sonoro, imagem, codinome, entre outras formas. Nesse sentido, com o planeta cada vez mais dominado por códigos, reduzem-se as diferenças entre tempos e distâncias, criando-se uma coexistência entre os fluxos locais e globais, a “realidade glocal”, o que possibilita o compartilhamento e a remixagem de informações com qualquer pessoa do mundo, dando origem a textos coletivos possivelmente mais completos, por meio de fontes de informação de diversas nacionalidades (FLUSSER, 2007; TRIVINHO, 2007; TUFTE, 2010; SOARES, 2006; FRANCO, 2003). Ou seja, percebe-se que:

Em poucas décadas de desdobramento tecnológico diversificado, o glocal e sua trama em rede se tornaram o coração e o pulmão de cada contexto de vida em que vigoram equipamentos capazes de rede e sua cobertura progressiva e irrefreável por territórios a fio introduziu a humanidade, não sem ineditismo histórico, em uma condição glocal irreversível (TRIVINHO, 1998 apud TRIVINHO, 2010, p. 3).

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Influência das novas tecnologias na mudança dos conceitos de “autoria” e “autoridade”

Diante do contexto tecnológico apresentado no item anterior, Brasilina Passarelli (2008) apresenta as mudanças provocadas pelo advento da web nos conceitos de “autoria” e “autoridade”. Ou seja, no caso da autoria, devido às diversas remixagens de conteúdos on-line, a dificuldade de reconhecer o criador de determinado texto ou expressão original. E, no que tange à autoridade, principalmente em uma perspectiva científica, no debate sobre a validação – ou não – de textos que sejam publicados sem o processo de peer review (revisão e legitimação por entendimento entre pares).

Agrava-se o caso da dificuldade de identificação da autoria na web por conta da facilidade do anonimato, com o uso de pseudônimos, que o próprio ambiente propicia ao usuário. Cíntia Dal Bello (2010, p. 12) destaca algumas das possibilidades utilizadas:

a) sonegação parcial ou adulteração de informações pessoais; b) dissimulação da identidade oficial por meio da adoção de fake profile; c) uso superficial de múltiplas plataformas e perfis; d) restrição do número de amigos; e) classificação dos amigos em grupos para personalizar a disponibilidade dos conteúdos publicados; f) aplicação de ‘cadeados’ aos conteúdos publicados (o que limita sua visibilidade à rede de amigos autorizados); g) seleção de imagens para publicação que não revelem a localização geográfica da residência, da escola e de locais de trabalho; h) uso de canais de comunicação mais apropriados para tratar de assuntos privados.

Já o caso do conflito entre gerar padrões de qualidade para o saber científico – com um processo formal de revisão, ou apenas tentar disseminá-lo sem um controle mais categórico e pragmático – pode ser apresentado sob o prisma de uma análise comparativa realizada

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pela revista Nature, em 2005. No estudo, cinquenta especialistas em revisão científica foram convidados a aferir os erros factuais, omissões críticas e declarações enganosas de quarenta e dois artigos, de diversos campos do conhecimento, presentes na tradicional Enciclopédia Britânica (à época, ainda impressa5), que possui linha editorial e diversos profissionais contratados, e na contemporânea Wikipédia (on-line), em que qualquer pessoa pode editar o conteúdo. Concluiu-se que a diferença no número de erros de informações publicadas não era significativa. Enquanto a média da enciclopédia impressa foi de três equívocos por artigo, a enciclopédia on-line teve média de quatro erros por texto (GILES, 2005). No entanto, a discussão sobre a confiabilidade oferecida em enciclopédias coletivas está longe de terminar, mesmo após a divulgação do estudo. Pesquisadores afirmam que a discrepância dos números não foi significativa devido ao uso de verbetes vinculados à ciência, o que faria com que a possibilidade de conteúdos copiados de sites de universidades e enciclopédias mais confiáveis tivessem sido usados nos textos coletivos. Porém, nos últimos anos, especialmente a partir da disseminação do conteúdo pesquisado, a Wikipédia tem aprimorado algumas de suas políticas de publicação e revisão, e a Enciclopédia Britânica encerrou sua versão impressa, o que impede nova comparação com os mesmos parâmetros do estudo anterior. Os oito anos que se passaram desde a pesquisa da Revista Nature podem ter reduzido ou aumentado a diferença de confiabilidade nas informações presentes em ambas as publicações, mas, ainda com base no estudo anterior (de 2005), fica um questionamento: as criações coletivas, mesmo que ainda dividam opiniões quanto à confiabilidade, representariam um indicativo para novas formas de consumo, posse, leitura e troca de informações entre as novas gerações?

5 Enciclopédia Britânica deixa de ser impressa após 244 anos. 2012. Disponível em: <http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2012/03/enciclopedia-britanica-deixa-de-ser-impressa-apos-244-anos-1.html>. Acesso em: 04 abr. 2013.

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Leitura crítica, leitura criativa e criações coletivas: reflexões acerca da “cultura participatória” no contexto educacional

Para iniciar a discussão sobre o questionamento realizado ao final do item anterior, são retomadas algumas das ideias de Henry Jenkins (2012), como a noção de que até os dias de hoje as instituições de ensino formais disseminam, na maioria das vezes, apenas informações com o intuito de possibilitar que os jovens consigam elaborar uma simples resposta crítica – e não necessariamente criativa – para determinados problemas. Nas palavras do autor:

As escolas têm, historicamente, ensinado os estudantes a ler com o objetivo de produzir uma resposta crítica; queremos encorajar educadores a também ensinar aos alunos como se engajar criativamente com textos. Nesse modelo, ainda deveríamos nos preocupar com o que não está no texto; a diferença está no que fazemos sobre isso (JENKINS, 2012, p. 13).

No contexto tecnológico atual, algumas mudanças precisam ser incorporadas para que se alcance a plenitude em práticas educacionais. Nesse sentido, ainda na perspectiva da leitura de textos, que geralmente é feita para a aquisição de novas informações e elaboração de reflexão crítica, sugere-se que se dê um passo adiante, utilizando-a como plataforma para agir criativamente. Transformar-se-ia, dessa maneira, a simples leitura crítica em criativa, ou mantendo características de ambas, o que gera a possibilidade de reescrever textos, por frustração e/ou fascinação, tentando satisfazer completamente os interesses particulares ou coletivos (JENKINS, 2012; BENKLER, 2007).

Um exemplo dessa leitura crítica e criativa é a fan fiction, uma construção de novas histórias, geralmente por fãs, a partir de romances, livros, filmes, quadrinhos, séries de TV ou games, que costumam ser distribuídas on-line, gerando inquietação em outros potenciais

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autores (JENKINS, 2009). Nessa perspectiva, de acordo com Henry Jenkins (2012, p. 14), a fan fiction revitaliza o impulso criativo que poderia ter sido freado pelos direitos autorais, uma vez que “operando em um mundo onde muitas pessoas diferentes podem recontar a mesma história e, no processo, expandir o alcance das interpretações potenciais do material”. Ou seja, cria-se um círculo vicioso de participação, uma obra em contínuo andamento que raramente faz com que a criação se torne estática, já que “o texto como escrito é o ponto de partida; leitores podem estar motivados a responder à obra criando outras novas. Obras literárias não simplesmente nos iluminam; elas também nos inspiram ou, talvez mais precisamente, nos provocam” (JENKINS, 2012, p. 15).

Apesar de muito ligada ao entretenimento e à literatura tradicional, defende-se que esse modelo de participação poderia ser aplicado ao contexto geral da educação, como constata Henry Jenkins:

[...] surgiu um forte conjunto de argumentos sobre os benefícios educacionais da comunidade de fãs como um espaço de aprendizado informal, especialmente para os jovens fãs. Cada vez mais experts em literatura estão reconhecendo que recriar, recitar e se apropriar de elementos de histórias preexistentes é uma parte valiosa e orgânica do processo pelo qual crianças desenvolvem a cultura literária. Educadores gostam de falar sobre criar andaimes, as maneiras pelas quais o processo pedagógico funciona de uma maneira passo-a-passo, encorajando crianças a experimentarem novas habilidades baseadas naquelas que já aperfeiçoaram, dando suporte para novos passos até se sentirem confiantes para dar outros novos passos por conta própria. Na sala de aula, o professor providencia o andaime. Na cultura participatória, toda a comunidade toma a responsabilidade de ajudar os novatos a encontrarem seu caminho (JENKINS, 2012, p. 22, grifo do autor).

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É válido ressaltar que a “cultura participatória” mencionada na citação acima possui algumas características específicas: barreiras ínfimas para a expressão artística e engajamento cívico; forte suporte para criações e compartilhamentos entre indivíduos; prática de troca de informações entre os participantes mais experientes e os novatos, especialmente por meio de uma orientação informal, sem um líder específico; membros que acreditem que suas contribuições são importantes; além de pessoas que tenham algum grau de conexão social e/ou ao menos se importem com outros participantes (JENKINS et. al., 2009, p. 5-6). Ou seja, mesmo sabendo que nem todos os membros participarão ativamente, a “cultura participatória” muda o foco da expressão individual para o envolvimento livre da comunidade, o que pode favorecer as criações coletivas.

Considerações finais

Diante das reflexões propostas no decorrer artigo, percebe-se que a apropriação tecnológica por considerável parcela da população está cada vez mais intensa e, em muitos casos, já faz parte do cotidiano das pessoas, transformando diversas práticas e impactando diretamente os mais variados setores da sociedade. Nesse sentido, Walter Teixeira Lima Junior afirma que:

Nas últimas décadas, a sociedade contemporânea absorveu as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) em todos os seus segmentos. Entre os principais motivos dessa “conexão amigável”, entre pessoas não especialistas em artefatos tecnológicos e as tecnologias digitais, está a percepção de que elas trazem conforto, vantagens competitivas e podem ser obtidas com mais frequência devido à diminuição dos custos de obtenção de tais sistemas computacionais, alguns até se transformando em utensílios domiciliares e vendidos em lojas de eletrodomésticos,

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como por exemplo, o Personal Computer (PC) (LIMA JUNIOR, 2012, p. 208).

Como mencionado por Jeferson de Carvalho, Amanda Luiza dos Santos Pereira e Rafael Vergili (2012), com apoio em Yochai Benkler (2007), ressalta-se que, apesar do aprimoramento da estrutura tecnológica supracitada, do aumento do acesso aos equipamentos disponíveis, além das constantes trocas simbólicas e fluxos digitais que se fazem presentes na web contribuírem para que os usuários tenham mais liberdade de escolha de informações, não seria coerente afirmar que a tecnologia, por si só, transforma os processos de troca e colaboração entre pessoas, sem a necessidade de outras intervenções.

A expectativa, no entanto, é de que gerações que já nasçam em um ambiente permeado por novas tecnologias possam presenciar uma cultura de troca mais intensa e consigam superar a regra 90-9-1, identificada por Jakob Nielsen (2006), em que 90% dos participantes apenas visualizam o conteúdo disponibilizado, 9% contribuem esporadicamente e 1% é responsável pelo conteúdo total das comunidades virtuais.

Talvez, dessa maneira, será possível, em alguns anos ou décadas, uma valorização maior de criações coletivas realizadas pela web com participação de profissionais e pesquisadores de diferentes formações e países, constituindo materiais cientificamente válidos, que, por consequência, poderiam transformar as práticas educacionais das gerações do futuro. Até porque, apesar de surgir após a televisão, a internet, por problemas de “largura de banda”, se caracteriza muito mais por textos do que por imagens, como sugere François Jost (2011, p. 103).

[...] se as mídias digitais emprestam certos aspectos da lógica midiática em geral, o da audiência notavelmente, fica ainda uma diferença essencial: que a internet, contrariamente ao que poderíamos pensar, é menos uma mídia de imagem

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do que uma mídia escrita. Se, na história, poucas imagens circularam sem palavra [...], pode-se dizer que não existe nenhuma [imagem] na internet que não seja acompanhada de uma série de comentários.

Nesse sentido, a troca de informações e textos, que já ocorre atualmente, só teria que ser mais orientada para finalidades outras que não o entretenimento, como é a prática mais frequente na atualidade. É possível questionar que considerável parcela do desenvolvimento coletivo de textos parte de motivações pessoais e sociais, fora das obrigações do ambiente acadêmico. Porém, na perspectiva de Henry Jenkins (2012), é preciso encorajar educadores e comunicadores a pensarem em modelos de aplicação da fan fiction de maneira mais formal, uma vez que:

[...] o processo de criar obras transformativas muitas vezes motiva uma leitura mais próxima do texto original, que isso fortalece os jovens a pensar por si próprios como autores e portanto a encontrar suas próprias vozes expressivas, especialmente no contexto da atual cultura participatória (JENKINS, 2012, p. 23).

Ao utilizar uma definição de educação que tem como proposta fundamental garantir a todos os estudantes maneiras de aprender a se expressar plenamente em público e participar ativamente da vida em sociedade, Henry Jenkins et. al. (2009) cita diversos exemplos de jovens que, na maioria dos casos ainda na adolescência, ao adquirirem determinadas habilidades (ler, escrever, editar, defender a liberdade civil, programar computadores e gerenciar uma empresa, por exemplo), muitas vezes com o uso específico da web, tiveram atitudes inovadoras e mudaram a forma de trabalhar em equipe pela rede, gerando benefícios educacionais ou financeiros. Entre as principais produções, estão: desenvolvimento de textos coletivos com pessoas

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Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos rumos para a educação e desenvolvimento de criações coletivas

de mais de cem países, oportunidades de ensino com avaliação por pares, clãs para jogos em comunidades on-line e desenvolvimento de roteiros de filmes vendidos para grandes produtoras.

Não se defende que as novas tecnologias e, em especial, a web – até mesmo por dificuldades técnicas e acesso de conexão desigual – serão capazes de oferecer todas as habilidades necessárias para mudar completamente as práticas de consumo, compartilhamento e ensino disseminadas por décadas na sociedade. O que se sugere é a possibilidade de que o entendimento do novo contexto tecnológico possa complementar uma abordagem sistêmica composta por: família, escola, mídia e atividades extracurriculares, qualificando, assim, as gerações do futuro.

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Os sites de compra coletiva: uma análise com foco nos

aspectos cognitivos

Daniel Costa de Paiva1

Vanessa Moreira N. de Paiva2

Walter Teixeira Lima Junior3

Introdução

Desde seu surgimento, a web vem se consagrando na integração dos mais diversos processos de negócio, oferecendo às empresas um novo canal de comunicação com o mercado (JENKINS et. al., 1990). Segundo Tigre (1999), o sucesso dessa forma de comunicação se dá, principalmente, porque o consumidor não necessita se deslocar de sua residência até a loja, comércio ou ponto de venda para pesquisar preço, escolher o produto, experimentar, ou simplesmente efetuar a compra e, consequentemente, o pagamento. Via internet há, ainda, maior comodidade e praticidade, uma vez que os serviços estão disponíveis 24 horas por dia.

Para Tenenbaum, Chowdhry e Hughes (1997), “a internet está revolucionando o comércio”. Ela estabelece a primeira forma possível e segura para ligar espontaneamente pessoas e computadores por fronteiras organizacionais. Isso faz com que apareça um grande número de empresas inovadoras – companhias virtuais, mercados e

1 Departamento de Informática da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. E-mail: [email protected] Universidade Federal de Juiz de Fora. Email: [email protected] Universidade Metodista de São Paulo - [email protected]

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comunidades comerciais.Marketing e vendas na internet seguem o padrão de marketing do

mundo real. É necessário entender o público-alvo e, principalmente, entender as características do consumidor e seu comportamento (CARVALHO, 2000). Sheth, Mittal e Newman (2001) explicam que existem três tipos de pessoas que buscam compras virtuais: os compradores; os que procuram informação na internet, mas compram nas lojas físicas; e aqueles que visitam os sites, mas não realizam nenhuma compra.

Por outro lado, Caro (2010) afirma que “no processo de compra, o consumidor é estimulado por fatores culturais, sociais, pessoais, psicológicos e por estímulos de marketing. Este processo está se adaptando às diferenças entre as lojas virtuais e físicas. As estratégias de marketing estão mudando os hábitos e estilos de compra, assim como o processo de decisão do consumidor”.

Observando o crescimento do e-commerce ou comércio na internet, em especial dos sites de compras coletivas, neste trabalho será analisada e identificada sua atuação para compreender como é o comportamento dos internautas e quais os benefícios desta forma de comércio para todos os envolvidos, empresas e clientes.

Os sites de compra coletiva são uma evolução nessa maneira de fazer negócio na era da internet, pois englobam estratégias de marketing e, além de divulgar o produto e o estabelecimento, oferecem preços promocionais, podendo conquistar consumidores. Esses sites publicam ofertas (de produtos ou serviços) com descontos, estipulam um número mínimo de compradores e é iniciada a contagem regressiva de tempo para o término da promoção. Independentemente do tamanho da empresa, esta pode ser vista por milhões de usuários num único site.

O objetivo deste artigo é identificar comportamentos que podem indicar/explicar o sucesso dos sites de compra coletiva. Esta pesquisa se justifica porque estes são recentes e vêm chamando a atenção dos

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consumidores nas diversas classes sociais no Brasil e no mundo. Dados do TG.net, do IBOPE Media (2011), comprovam essa informação e mostram que mais da metade dos internautas brasileiros estão inscritos em sites de compras coletivas. Desse total, 42% efetivaram alguma compra, seja de produtos ou serviços. De acordo com o estudo, os internautas realizam, em média, uma compra online por mês, com valor médio de R$ 110.

Este texto está organizado de forma que, em primeiro lugar, será apresentado um estudo a respeito dos aspectos cognitivos, importantes para as análises que serão realizadas considerando os sites de compra coletiva abordados. A seguir estão os apontamentos que visam a auxiliar no entendimento do sucesso dessa forma de comércio e, por fim, as considerações finais e próximos passos.

Ciência Cognitiva4

A grande área que trata dos aspectos cognitivos é a Ciência Cognitiva, que se presta a auxiliar no entendimento dos processos de aquisição de conhecimentos e dos processos mentais (MILLER, 1956).

Cognição ou atividade mental, segundo Matlin (2005, p. 22), “descreve a aquisição, armazenamento, transformação e uso do conhecimento (...) e inclui uma grande variedade de processos mentais, (...) como percepção, memória, imaginação, linguagem, resolução de problemas, raciocínio e tomada de decisão”.

Para Johnson-Laird (1998), a ciência cognitiva explica como funciona a mente e, de forma complementar, Gardner (1996) a considera como a “nova ciência da mente”, descrevendo-a como “um esforço contemporâneo (...) para responder a questões principalmente relativas à natureza do conhecimento, seus componentes, suas origens,

4 Esta seção foi feita com base na tese de Paiva (2011).

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seu desenvolvimento e seu emprego”.É consenso na comunidade científica que a Ciência Cognitiva foi

reconhecida oficialmente em 1956 (RUSSEL & NORVIG, 2004), a partir do Simpósio sobre Tecnologia da Informação realizado no Massachusetts Institute of Technology, no qual foram apresentados trabalhos de estudiosos das ciências humanas e da comunicação. Naquele evento, o psicólogo George Miller destacou-se com a apresentação de um artigo (1956) em que afirmava que a capacidade da memória humana de curto prazo limitava-se a sete itens.

Durante os anos 1960, começaram a surgir livros e outras publicações sobre a Ciência Cognitiva, disponibilizados principalmente a partir de estudos realizados em Harvard (WILSON; KEIL, 1999). O crescimento dessa área se deu em três pontos distintos: (1) o desenvolvimento da psicologia do processamento da informação, na qual a meta era especificar o processamento interno envolvido na percepção, linguagem, memória e pensamento; (2) a invenção dos computadores; e (3) o desenvolvimento da teoria da gramática generativa e outras derivações da linguística (DRIGO, 2007).

Na última década, a Ciência Cognitiva apresentou grande desenvolvimento, situando-se entre os mais novos campos interdisciplinares do conhecimento, buscando alternativas para o estudo da mente e buscando entender os processos realizados por humanos. Alguns desses processos e aspectos cognitivos, de particular relevância para este trabalho, serão abordados nos tópicos a seguir.

Aprendizagem

A aprendizagem está diretamente relacionada com a forma como o indivíduo atribui significados aos objetos e acontecimentos, bem como os percebe, seleciona e organiza. Ela ocorre por meio de ciclos

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iterativos e lhe permite adquirir modos de agir e reagir, adaptando-se a novas circunstâncias (SIEMENS, 2005).

Aprendizagem é aquisição ou mudança relativamente estável e duradoura do comportamento e/ou do conhecimento devido à experiência, ao treino ou ao estudo, fundamentada nas vivências anteriores do indivíduo. Deve ser mais que apenas o acúmulo de volume de informação por meio da exposição ao conteúdo, mas também por meio da interação e/ou reflexão.

Trata-se de um processo dinâmico, pessoal ou global, contínuo, interativo, cumulativo e evolutivo de aquisição de conhecimentos, seja entre atores e meio ou entre ator-ator. Está desde sempre ligada ao homem enquanto ser social, que estabelece relações em uma rede na qual cada um impacta outros, modificando a organização. Visto dessa maneira, a aprendizagem afeta diretamente a estrutura e a organização da rede.

Existem diversas frentes que abordam a aprendizagem – desde aquela realizada com animais em laboratório (LABNET, 2009) até a que afeta o rendimento dos alunos (RIBEIRO, 2003). Essa característica é incremental, sendo mais comum a aprendizagem por reforço (“reinforcement learning”) (SOUZA; QUANDT, 2008). Apesar disso, seja qual for o método utilizado, o aprendiz combina os dados recebidos com as informações que possui na sua estrutura interna, numa tentativa de aperfeiçoar e aumentar o seu conhecimento e, com isso, melhorar o seu desempenho no futuro.

Memória

A memória tem importância aqui, uma vez que é usada para reter e recordar informações que permitem agir adequadamente. É versátil, possibilita reconhecer rostos, lembrar nomes, pessoas, saber o que

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foi conversado, como o diálogo transcorreu, dentre outros. Trata-se, portanto, de um aparato sem o qual seria impossível a complexidade que há nos seres cognitivos, pois informações memorizadas podem ser resgatadas, processadas e transformadas (BAARS; GAGE, 2007; GAZZANIGA, 1999).

Embora não exista uma concordância sobre o número de sistemas de memória existentes, Atkinson e Shiffrin (1971) propuseram um modelo no qual ela é concebida contendo três tipos de armazenamento de dados que são diferenciados por capacidade e duração: Armazenamento Sensorial (AS), Armazenamento de Curto Prazo (ACP), Armazenamento de Longo Prazo (ALP) (Figura 1).

Figura 1: Modelo modal de memória. Fonte: adaptada de Atkinson; Shiffrin, 1971.

Apesar de abrangente, este modelo é considerado por alguns pesquisadores como inexato, mas mesmo assim continua sendo muito utilizado em pesquisas sobre memória (GAZZANIGA, 1999). Atualmente, acredita-se que a memória possua mais de três sistemas (Figura 2).

O primeiro processo, envolvido com o acesso e a retenção de memória, é a aquisição, que consiste na entrada de um evento: um objeto, um som, um acontecimento, um pensamento, uma sequência de movimentos.

Tecnicamente, existe um depósito sensorial diferente para cada sensação, no qual a informação decai rapidamente. Esta primeira

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fase, segundo George Sperling (1996), consiste em memória de muito curto prazo, em que os dados ficam no cérebro por alguns segundos e depois desaparecem. É preciso, então, que uma decisão aconteça para que a informação seja transferida para o próximo depósito.

Figura 2: Partes da Memória. Para passar para o segundo nível de armazenamento de memória,

a informação deve ser importante para o indivíduo naquele momento (ter o foco da atenção). É então ativado um processo de Reconhecimento de Padrão para transferi-la para a memória de curto prazo, o que envolve associação do padrão sensorial como algo significante e armazenamento por categoria – mas esta parte ainda não é completamente compreendida (IZQUIERDO, 2007).

O depósito de memória de curto prazo, também definido como depósito de memória primária por William James, consiste em um buffer de capacidade limitada (no máximo, sete itens) no qual a informação desaparece, a não ser que seja tratada ou repetida. A duração de uma informação na memória de curto prazo é pequena e o decaimento acontece dentro de aproximadamente 20 segundos (IZQUIERDO, 2007; MAES, 1994).

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Desta forma, alguns eventos ficam disponíveis para serem lembrados, mas outros são descartados rapidamente. Isso é consequência de um processo de filtragem, que é utilizado para definir qual informação será processada e memorizada. As motivações do indivíduo explicam grande parte dos esquecimentos. Aquilo em que ele não tem tanto interesse é assimilado com dificuldade e esquecido rapidamente. Este fenômeno atinge todas as pessoas e desempenha um papel importante para prevenção de sobrecarga, podendo ser também patológico para menos ou para mais (amnésia ou hipermnésia). Pesquisadores, entre os quais se destaca Ebbinghaus, estudam o processo de esquecimento (BADDELEY, 1990) e ressaltam que a repetição periódica do contato melhora a memorização, diminuindo a velocidade do esquecimento.

Uma vez na memória de curto prazo, as informações podem ser copiadas ou transferidas para o depósito de memória de longo prazo, ou depósito secundário, no qual ficam disponíveis por um grande período ou até permanentemente. A capacidade desse depósito é ilimitada e sua importância está relacionada com o fato de que recordar é extremamente importante para a vida, principalmente a dos seres humanos.

Apesar de existirem diversos tipos de memória (de representação perceptual, de procedimentos, associativa, não associativa, dentre outros), neste trabalho o importante é identificar as peculiaridades do funcionamento das memórias de curto e longo prazo.

Personalidade

A personalidade é um conjunto de padrões distintos de comportamento que caracteriza os seres humanos e que é importante – sendo, portanto, possível dizer, segundo Del Nero (1998), que as pessoas buscam “se conduzir bem e de acordo com uma série de valores e preceitos”.

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O primeiro autor a publicar um livro sobre personalidade foi Gordon Allport, em 1937, intitulado Personality: a psychological interpretation (MATTHEWS; DEARY; WHITEMAN, 2003 apud NETO, 2009). Apesar de historicamente importante, a definição de Allport não é mais utilizada (PERVIN; JOHN, 2003 apud NETO, 2009).

Atualmente, a personalidade é compreendida como um sistema que, a partir de um conjunto de padrões inatos à pessoa, interage com o ambiente social nas dimensões afetivas, cognitivas e comportamentais para produzir as ações e as experiências de uma vida individual (GARCIA, 2006 apud NETO, 2009). Entretanto, os psicólogos exploram diferentes aspectos dessa definição e, dependendo da abordagem utilizada, enfatizam: características biológicas, genéticas, experiências de infância, maneira de pensar, cultura, etc.

Estudos nas áreas de neurologia, antropologia, ciência da computação e psicologia (DAMASIO, 1994; PAIVA, 2000; SIMON, 1983; TRAPPL et. al., 2003) têm demonstrado a influência que os aspectos emocionais e psicológicos, como os traços de personalidade, exercem durante o processo de tomada de decisão humana, tema que será abordado a seguir.

Tomada de Decisão

A tomada de decisão envolve um processo cognitivo que avalia as informações recebidas e escolhe uma ou mais alternativas a ser realizada. Essa decisão é baseada naquilo que foi recebido, nas propriedades internas e na experiência do indivíduo (HAN; LERNER, 2009). Ela busca atingir algum objetivo e é tomada a partir de possibilidades ou considerando probabilidades. Trata-se de um processo fortemente dependente do contexto, pois uma opção boa agora pode ser ruim em algum outro momento devido a alterações

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nas condições que envolvem a decisão (CORRÊA, 2009).

Decisão de Compra

A decisão de compra engloba fatores ambientais e diferenças individuais. Os fatores ambientais evidenciam a classe social, influências pessoais e familiares; os fatores individuais dizem respeito aos recursos, motivação, valores e estilo e vida. Ambos vão ser influenciados pela necessidade, informação e avaliação da pré compra (HERNANDEZ, 2004).

Segundo Hernandez (2004), várias são as hipóteses que direcionam a decisão, como frequência de comprar, produtos já adquiridos, idade, entre outros.

As compras podem ser planejadas ou não. No primeiro caso, existe envolvimento do indivíduo que sabe o que quer e vai procurar. Se for parcialmente planejada, a escolha pode ser influenciada por fatores externos. Já a compra não planejada é uma questão de impulso (Miranda; Arruda, 2004). Segundo esses autores, as compras feitas em casa tiveram crescimento notável na maioria dos países em desenvolvimento. Segundo Blackwell, Miniard e Engel (2008), tal escolha é um processo complexo com quatro variáveis: critérios avaliatórios, características das lojas, processos comparativos e lojas aceitáveis ou não.

Alguns fatores que contribuem para esse fenômeno são mudanças no estilo de vida e maior ênfase ao lazer (Miranda; Arruda, 2004), por exemplo.

Ainda para esses autores, a atitude do comprador depende da sua motivação e da opinião de outros compradores, seus amigos ou conhecidos. Dessa forma, o cliente fica satisfeito quando pode contar com alguém para tirar suas dúvidas e suprir suas necessidades.

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Comunicação

O último aspecto cognitivo abordado neste trabalho é a comunicação e, numa busca pela origem do termo, identificou-se que este deriva do latim communicare, com o sentido de tornar comum, partilhar, repartir, trocar opiniões, associar ou conferenciar (BARBOSA; RABAÇA, 1987). Ou seja, “exprime a totalidade do processo que coloca em relação duas (ou mais) pessoas” (MARTINO, 2001) e inclui procedimentos por meio dos quais uma mente pode afetar outra por meio da troca de informações processada pelo sistema nervoso central.

Não há dados precisos sobre quando e como ocorreu o primeiro ato de comunicação. Sabe-se, no entanto, que o homem desde os tempos primitivos precisa se comunicar para sobreviver e satisfazer suas necessidades – e que, para isso, dispõe de vários recursos (BORDENAVE, 2007). Ele pode utilizar sinais de natureza verbal ou não verbal, relatar atos no presente, referir-se ao passado e fazer especulações sobre o futuro.

Para gerar processos de comunicação, é preciso que exista uma estrutura com inteligência suficiente para conhecer o conjunto de símbolos necessários para elaborar e decodificar mensagens, e capacidade de perceber e de analisar o que ocorre no ambiente.

A comunicação não é, portanto, apenas o intercâmbio de mensagens (informações), mas uma construção de sentido. Afinal, as pessoas interpretam as mensagens de acordo com seu conhecimento, que pode coincidir, ou não, com o do autor ou “falante”. Essa relação entre interlocutores pode acontecer em quatro níveis: individual, interpessoal, grupal ou massivo, dependendo de quantos indivíduos estão envolvidos no processo.

Em um ato de comunicação, estão envolvidos principalmente o emissor, a mensagem e um receptor. Com o advento da internet,

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rede telemática descentralizada e de baixa hierarquia, foi formado um ambiente complexo para troca de mensagens, proporcionando a produção, distribuição e consumo de informações de diversas formas e através de convergentes plataformas digitais conectadas.

Mesmo assim, o emissor, que pode ser um indivíduo ou um grupo, é o elemento que organiza, formula e envia a mensagem. Ao transmiti-la, ele sempre terá um objetivo, tratado por alguns como fator de intencionalidade (INGEDORE, 2002 apud DEUS, 2006).

A mensagem, objeto da comunicação, é elaborada usando-se alguns códigos, por exemplo, palavras, gestos, sinais de trânsito, desenhos. Sendo assim, é possível se comunicar de diversas maneiras, mas é necessário usar signos (MEUNIER; PERAYA, 2008). Estes tornam visíveis (audíveis) e públicos, o que era restrito a um determinado indivíduo (DEL NERO, 1998).

Os signos são representações de alguma coisa. Eles surgem da necessidade do ser humano de representar algo para melhor compreensão, entendimento ou análise, facilitando a comunicação. Eles são então organizados segundo “regras de combinação ou sintaxe” (BORDENAVE, 2002 apud DEUS, 2006). “Os elementos da linguagem escrita, por exemplo, são as letras do alfabeto que, agrupadas segundo certas regras, formam as sílabas e estas as palavras, que, por sua vez, organizam-se em frases, parágrafos, capítulos”.

Uma vez que a mensagem é enviada através de um canal, cabe ao receptor decodificá-la se seu repertório for comum ao do emissor. Afinal, quando uma frase é pronunciada, ela tem valor diferente dependendo da situação ou contexto. Do mesmo modo, a linguagem se caracteriza a partir de um acordo entre os falantes (CATALANI; KISCHINEVSKY; SIMAO, 2004).

É claro, portanto, que a comunicação é muito mais que a transmissão da mensagem do emissor para o receptor. É um processo de organização no qual pessoas interagem, fazendo-se compreender e organizando-se em sociedade, bem como convivem umas com as

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outras e se influenciam reciprocamente (BORDENAVE, 2002 apud DEUS, 2006).

Como pode ser visto, é alto o grau de complexidade da comunicação (KRISTENSEN; ALMEIDA; GOMES, 2001). Além disso, diversos são os trabalhos que buscam torná-la mais eficaz, por exemplo Del Nero (1998). No entanto, aqui se considera importante a comunicação como mecanismo para disseminação de informações.

Finalizando esta seção, deve-se ressaltar que aqui foram apresentados aspectos cognitivos importantes para a avaliação da forma como sites de compra coletiva tiram proveito das características humanas e alcançam o sucesso atual. Para isso, optou-se por abordar formas de comunicação, memória e personalidade, dando especial ênfase em aspectos relativos à aprendizagem (assimilação) e à tomada de decisão.

Compras Coletivas

As compras coletivas se tornam uma nova porta de publicidade, pois empresas podem usá-las como uma forma de propaganda e de divulgação de sua marca na internet para milhares de pessoas. Além disto, permitem que mais consumidores experimentem seu produto ou serviço por um custo baixo e acessível (OLIVEIRA; MARQUES, 2011) em alternativa a oferecer brindes ou cupons de desconto individuais, que normalmente não são utilizados.

As regras desse tipo de site são bem simples. É estipulado um prazo dentro do qual o número mínimo de compradores deverá ser atingido.

Se esse número não for alcançado, a oferta será desativada e cada comprador receberá seu dinheiro de volta. A oferta pode ser também encerrada antes do término do prazo se for atingido o

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número máximo de compradores estipulado. Além disso, o usuário é incentivado a “recomendar” o site aos amigos. Isto é vantajoso, pois, para cada amigo que se cadastrar e realizar uma compra no site, o usuário ganhará um determinado valor em crédito para futuras compras (CAMPELO FILHO; SIQUEIRA, 2011).

Para efetivar a compra, é necessário apenas um cadastro rápido e poucos cliques. Ao entrar no site, há uma área para “cadastro” na qual devem ser fornecidos dados pessoais como nome, sobrenome, endereço, email, telefone, data de nascimento e informar uma senha. Após se autenticar no site, basta clicar no botão “comprar” de qualquer oferta ativa, informar os dados de pagamento e finalizar para efetivar a aquisição. Ressaltando que existem regras específicas que devem ser respeitadas – por exemplo, a delimitação da quantidade de produtos ou serviços que pode ser adquirida.

Tal compra pode trazer benefício real ao consumidor que já conhece a empresa e/ou produto ou que quer experimentar ou aproveitar oportunidades, o que normalmente ocorre de forma impulsiva (FELIPINI, 2011).

Ao adquirir alguma oferta, o comprador deve aguardar o término da promoção para que o site disponibilize o cupom. O que torna a compra diferente é o momento da ação porque, apesar de efetuada por meio do site, ela se concretiza apenas quando o comprador apresenta o cupom impresso no estabelecimento e usufrui da aquisição.

Os atrativos mais diretos aos consumidores são os descontos. Já para as empresas, trata-se de uma ferramenta de divulgação do serviço ou produto com alta visibilidade, além da oportunidade de alcançar consumidores que não recebiam propagandas por outras formas de divulgação.

Há uma parceria entre as empresas e os sites de compra coletiva, que, por meio de um contrato, intermedeiam a venda e estabelecem um valor de comissão para os produtos e serviços. Esses sites enviam periodicamente milhares de emails a usuários cadastrados ou indicados

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por amigos. Ao abrir o e-mail, o consumidor encontra ofertas que o redirecionam para o site. Nele, um cronômetro mostra o tempo que falta para expirar a possibilidade de compra, despertando o interesse e o desejo no consumidor. O fato de a oferta ficar disponível por um período determinado e ter um número mínimo e máximo de compradores torna essa forma de comércio vantajosa para os interessados. Afinal, ocorre o aumento da demanda e da divulgação em troca da baixa dos preços.

Especificamente os sites de compra coletiva se enquadram no modelo de comércio eletrônico denominado “comércio cooperativo”, e essa parte será abordada na próxima seção. Após isso, será apresentado o histórico desses sites no Brasil e no mundo.

Comércio eletrônico (e-commerce)

Conforme citado, os sites de compra coletiva se enquadram na modalidade de comércio eletrônico denominado comércio cooperativo, modalidade na qual os parceiros de negócio colaboram por via eletrônica. A respeito do conceito geral, Albertin (2010) esclarece que e-commerce ou comércio eletrônico pode ser definido como a compra e/ou venda de informações, produtos ou serviços por meio da rede mundial de computadores. Trata-se de uma forma de comércio on-line na qual os consumidores efetuam transações em tempo real usando algum equipamento ou aparelho eletrônico com acesso à internet.

O e-commerce proporciona, além da exposição global dos produtos ou serviços, agilidade nos processos de pagamento, tornando o ato de comprar mais fácil, ágil e prático.

Essa forma de comércio possibilita ações que incluem desde marketing direto até pregões eletrônicos, e vem mudando substancialmente o valor agregado (KALAKOTA; ROBINSON,

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2002), ou seja, aumenta a conveniência, a velocidade e a personalização.Uma das grandes vantagens do comércio eletrônico é o custo de

exposição de produtos muito inferior ao custo médio de exposição em mídias tradicionais como jornal, revista, rádio e televisão. Outra vantagem é a de atingir grande número de consumidores, já que a exposição passa a ser global, superando as limitações das mídias tradicionais, ainda mais pelo uso das redes sociais (RODRIGUES; NASCIMENTO; SOUZA, 2008).

Em uma visão geral, Laudon e Laudon (1999) apontam como benefícios do comércio eletrônico “a redução do tempo das transações, ampliação do raio de atuação da empresa, redução dos custos com pessoal, estreitamento nas relações com os clientes, proposição de novos serviços e facilidade e melhoria no controle de pedidos e gastos”.

Além disto, Beraldi e Escrivão Filho (2000) mencionam que, devido ao e-commerce, “pela primeira vez na história empresarial, as empresas de menor porte podem competir com ferramentas ou estratégias tão potentes quanto as das grandes corporações”, ou seja, com o uso de comércio eletrônico.

Histórico das Compras Coletivas

Os sites de compra coletiva derivam daqueles que surgiram nos anos 1990 para venda de produtos. Albertin (2010) explica que os primeiros sites nesta linha foram Amazon.com5 e E-bay,6 ambos criados em 1995 e ainda em atividade atualmente. A Amazon.com disponibiliza um volume de títulos que supera o das livrarias físicas e reproduz peculiaridades do atendimento pessoal com atendentes, além de um espaço para crítica e troca de opiniões. Este serve de guia a outros consumidores, o que pode ser visto como uma rede social

5 http://www.amazon.com6 http://www.ebay.com

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daqueles que se interessam por determinado título ou assunto.Especificamente, o conceito de “vendas coletivas” começou em

2008, nos Estados Unidos, com a empresa Groupon (CARDOSO, 2010). Segundo Marcos Todeschini, em matéria da revista Época Negócios7, o site Peixe Urbano trouxe a nova modalidade para o Brasil, oferecendo descontos de até 70% em estabelecimentos em São Paulo. A empresa atingiu 1 milhão de usuários em 154 dias de funcionamento.

Após o começo em São Paulo, os sites de compra coletiva se expandiram pelo Brasil atuando, inicialmente, nas cidades mais desenvolvidas.

O sucesso dessa modalidade no Brasil se deve, segundo declara Dora Câmara, diretora comercial do IBOPE Media, ao fato de que “o internauta brasileiro, quando pesquisado em detalhes, se mostra maduro, multimídia e aberto para receber e compartilhar informações na web” (IBOPE MEDIA, 2011).

Como consequência desse crescimento, aumentou também o número de sites que reúnem as ofertas de compra coletiva de determinada região. São os chamados agregadores de sites de compra coletiva.

Neles os consumidores podem visualizar ofertas agrupadas, facilitando a comparação entre os vários serviços.

Cenário atual das compras coletivas

Este segmento, apesar de recente em solo nacional, tendo as

7 Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/revista/com-mon/0,,emi177066-16363,00-ele+inventou+a+compra+coletiva.html>. Acesso em: 10 nov. 2010

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primeiras empresas do setor iniciado suas atividades em 2010, representa um importante campo de negócios, tendo faturado mais de 91 milhões de reais apenas no mês de agosto de 20128 e conquistando um constante e representativo aumento mensal no seu faturamento (CAMPELO FILHO; SIQUEIRA, 2011).

Dados como estes podem ser acompanhados periodicamente no blog do cupom9 e no Deal Explorer.

A seguir estão reproduzidos alguns gráficos que exemplificam as informações que podem ser acessadas.

No Gráfico 1, são apresentados os sites de compra coletiva que obtiveram os 10 maiores faturamentos no mês de agosto deste ano. Nele, pode ser observada a superioridade absoluta do site Groupon neste quesito.

R$ 75.975.862,97R$ 4.189.924,06R$ 1.893.304,00

R$ 1.326.647,27R$ 1.149.400,99

R$ 1.132.634,00

R$ 1.014.531,29

R$ 938.920,34R$ 670.581,01

R$ 619.575,35

Groupon BR Clickon BR Viajar barato Mucca Club Cupom Now

Innbativel Barato Coletivo Uva Rosa Panfleteria Azeitona Preta

Gráfico 1: Ranking do faturamento dos sites no mês de agosto de 2012. Fonte: Deal Explorer

O ranking por faturamento é construído baseado no volume de vendas das ofertas publicadas em mais de 60 sites de compra coletiva do Brasil. O Deal Explorer coleta as informações e as mantém em um banco de dados apresentando algumas formatações quando o usuário

8 http://www.dealexplorer.com.br/9 http://www. blogdocupom.com.br/

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solicita.No Gráfico 2, estão os sites atuantes no Brasil que venderam as

maiores quantidades de cupons no mês de agosto de 2012.Além desses dados, o Deal Explorer disponibiliza um ranking dos

sites mais acessados e este é atualizado diariamente.

1059053

127041

65045

34409

22660

22154

21794

15763

12953

7858

Groupon BR Clickon BR Cupom Now Barato ColetivoPanfleteria Azeitona Preta Local Club Uva RosaMucca Club Os Mosqueteiros

Gráfico 2: Ranking de quantidade de cupons vendidos no mês de agosto de 2012. Fonte: Deal Explorer

Comparando os gráficos 1 e 2, pode-se observar que alguns sites – Innbatível e Viajar barato, por exemplo – obtiveram faturamento expressivo mesmo vendendo menos cupons que os demais. Por outro lado, há sites como o Panfleteria, que alcançaram vendas substanciais. No caso específico, o referido site teve a segunda maior venda de cupons, mas devido ao baixo custo unitário, aparece apenas em 9º lugar no faturamento do mesmo mês.

A principal característica que pode explicar essa diferença é que os dois primeiros sites são especializados em ofertas de viagens para clientes de todo o país, enquanto o último é regional, com ofertas de diversas categorias, mas concentrando suas atividades nas cidades de Fortaleza-CE e Mossoró-RN.

Ainda nesses gráficos, pode-se observar a primeira colocação do Groupon tanto em relação ao volume de vendas quanto ao faturamento. Nesse sentido, esse site foi escolhido por ser representativo para

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visualizar o panorama geral da distribuição das compras coletivas no Brasil.

Para este fim, foi elaborado o Gráfico 3. Nele, está apresentada a distribuição nacional e por estado do faturamento das vendas do Groupon.

Neste gráfico, é possível perceber que a região do país que mais contribui para o faturamento é a centro-sul. Esta informação é intuitiva, uma vez que é a região com maior população e recursos.

R$ 35.9

25.03

2,67

R$ 29.3

19.30

9,29

R$ 10.7

89.82

8,60

R$ 8.02

7.194

,99

R$ 4.85

4.323

,89

R$ 4.48

3.185

,70

R$ 3.18

3.968

,60

R$ 2.93

1.720

,71

R$ 2.54

4.952

,55

R$ 2.02

4.149

,00

R$ 1.77

4.745

,30

R$ 1.64

1.832

,30

R$ 1.50

8.871

,96

R$ 1.43

1.235

,88

R$ 1.02

4.015

,30

R$ 981

.137,9

0

R$ 904

.753,0

5

R$ 854

.826,1

0

R$ 693

.884,0

0

R$ 645

.270,4

5

R$ 557

.803,5

0

R$ 530

.924,8

0

R$ 478

.811,3

0

SP Nacional RJ MG SC RS DF PR GO CE TO AM BA ES MT MS PB AL RN PA PB SE MA

Gráfico 3: Faturamento do Groupon nos estados brasileiros e ofertas nacionais no mês de agosto de 2012. Fonte: Deal Explorer.

As ofertas nacionais, que correspondem aos produtos ou aos serviços que podem ser adquiridos por clientes de qualquer lugar do país, aparecem em segundo lugar no ranking de faturamento. São classificados como “Nacional” cupons de viagens ou hospedagem, por exemplo. Uma peculiaridade identificada nestes casos é o alto preço e, como citado, a abrangência do público que tem acesso às ofertas.

Detalhando melhor uma ferramenta de compra coletiva, na Figura 4 tem-se um exemplo de quantidade de cupons vendidos. Uma sorveteria localizada no litoral de Fortaleza vendeu, até o final do dia 04/09/2012, por intermédio do site Panfleteria, a maior quantidade de cupons segundo o Deal Explorer. A segunda colocada no mesmo dia era uma oferta de R$ 19,90 do Clickon, que vendeu 470 unidades.

Na Figura 4, ainda é possível ter uma ideia geral do design de um site de compra coletiva.

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Na primeira parte, há uma seção de cadastro, seguida pelas ofertas, regras e formas de localização da empresa. Aqui, por motivos de exemplificação, optou-se por não apresentar todas estas informações. Outro ponto a ser ressaltado é que a escolha desse site levou em consideração apenas o fato de ser a oferta com maior número de cupons vendidos na data informada.

Figura 4: Exemplo de partes de um site de compra coletiva e de uma venda expressiva.

Esta ilustração também aponta a necessidade de planejamento por parte da empresa, para que a mesma tenha estrutura suficiente a fim de atender os compradores e não correr o risco de ter má reputação na rede social, o que pode levá-la a consequências irreversíveis. Afinal, considerando que duas bolas de sorvete somam 200 gramas, para atender a todos os clientes no período definido no site, ou seja, de 11/09 a 13/10, precisarão ser disponibilizados (produção, manutenção etc.) 916 kg de sorvete. Além disso, também será preciso disponibilizar 4580 copos de água (parte do cupom).

É preciso atentar, ainda, que para esta oferta não foi estabelecida nenhuma necessidade de marcação prévia, mas apenas citado um horário para comparecimento – entre 9h e 23h, em qualquer dia da semana. Analisando as possíveis combinações de frequência de clientes, percebe-se que isso pode levar a um grande número de clientes no mesmo dia, impossibilitando o atendimento de todos, por

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Os sites de compra coletiva:uma análise com foco nos aspectos cognitivos

exemplo.

Comportamentos que explicam o sucesso da compra coletiva

O funcionamento dos sites de compra coletiva pode ser analisado com foco nos aspectos cognitivos e características dos seres humanos. Dessa forma, alguns pontos são importantes na busca por identificar o porquê do sucesso desse tipo de site.

Os primeiros pontos que são percebidos rapidamente se referem à composição oferta/desconto, aliada ao fator tempo. Essas informações são destacadas em todos os sites deste tipo de comércio. O bom preço e o tempo se exaurindo levam o consumidor a comprar sem ter muito tempo para pensar e analisar. Esse comportamento impulsivo é alvo de estudos e o TG.net destaca que o percentual de compras nesse seguimento é consideravelmente maior que a média dos internautas. No caso de livros, esses estudos apontam uma diferença de 27,7% para 14%, em média.

Outros fatores que influenciam a decisão de compra são a indicação e o conhecimento da empresa e/ou do produto. Algum amigo ou o fato de ter experiências positivas fazem com que o comprador tenha parâmetros de avaliação. Afinal, não existem sistemas de recomendação que possam auxiliar o julgamento do consumidor, a não ser o botão de “curtir” do Facebook, ou a possibilidade de algum amigo compartilhar a oferta no Twitter – opções disponíveis em alguns sites de compra coletiva, como no exemplo apresentado.

Junto a isto, existem os limites, mínimo e máximo, de quantidade. Uma compra só é efetivada caso seja superado o número mínimo. Já o limite superior induz a um comportamento de reação rápida para “não perder a oportunidade”.

Algumas características potencializam a utilização deste tipo de site: a simplicidade, praticidade e a recomendação/avaliação de amigos.

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A primeira ocorre por conta dos passos necessários para cadastro e aquisição de um cupom, ou seja, como informado anteriormente, poucos cliques. Com relação à praticidade, deve-se ressaltar o fato de a compra ser realizada usando um equipamento com acesso à internet, podendo o cliente estar em casa ou no trabalho, por exemplo. Além disso, em diversas ofertas, é disponibilizada a entrega do bem, outro ponto que enfatiza a praticidade.

Esses fatores são comuns a outros serviços, como lojas virtuais ou emails de ofertas enviados por lojas de departamento. A diferença principal que pode ser identificada está na confiabilidade, e pode ser explicada pela conjunção de compra virtual com contato físico. Nesse contato, é preciso apresentar o cupom impresso e, normalmente, efetuar um pagamento mínimo de despesas de transporte, embalagem etc., sempre apontado nas regras, visíveis no momento da aquisição do produto ou serviço. Em diversos casos, é preciso fazer reserva por telefone para que haja o atendimento pessoalmente, na casa do cliente ou no estabelecimento fornecedor. Independente do caso, há sempre um contato físico entre pessoas e, apesar de a compra ser realizada via internet, a efetivação da mesma só ocorre no momento em que o cliente recebe o bem adquirido mediante a entrega do cupom, comprovante da compra.

Conclusão

O sucesso dos sites de compra coletiva pode ser explicado a partir do estudo da dinâmica do comportamento e da decisão de compra. Esses pontos, aliados à simplicidade e aos ganhos a todos os envolvidos, justificam o crescimento desse sistema nos últimos anos.

Esse sistema somente pode ser estruturado por meio de uma rede telemática descentralizada e de baixa hierarquia, como a internet, que permite ao interessado acessar o site de qualquer plataforma digital

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conectada ao mesmo tempo que outros interessados, favorecendo a velocidade e escala no processo de compra.

Sales e Souza (2011) relatam que a comercialização de produtos e serviços por vendas coletivas tem sido bem recebida pelos internautas.

Na visão da empresa, com a compra coletiva, um número maior de consumidores pode ser alcançado, tornando os produtos conhecidos. Além disso, ela tem a chance de conquistar clientes assíduos, que venham a adquirir outros produtos ou serviços.

Por fim, deve-se ressaltar que, em geral, o sistema de compra coletiva se mostra vantajoso para o comércio e para a sociedade em virtude de favorecer uma economia com capital de giro.

Trabalhos futuros incluem a análise dos sites de compra coletiva no aspecto puramente empresarial; avaliações de ações de marketing; e também acompanhamento de usuários. Além disso, entrevistas com cada um dos envolvidos para avaliar opiniões podem ser interessantes para aprimorar o estudo da evolução dos sites de compra coletiva.

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