técnicas estendidas e música contemporânea no ensino de flauta ... · no início do aprendizado...
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Valentina Daldegan
Tcnicas estendidas e msica contempornea no ensino de f lauta transversal
para crianas iniciantes
Dissertao apresentada como requisito parcialpara a obteno do grau de Mestre no Curso dePs-Graduao em Msica, do Departamento deArtes, do Setor de Cincias Humanas Letras e Artes,da Universidade Federal do Paran.
Orientador: Prof. Dr. Guilherme Gabriel Ballande Romanelli.
Curitiba
2009
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Catalogao na publicao Sirlei do Rocio Gdulla CRB 9/985
Biblioteca de Cincias Humanas e Educao - UFPR
Daldegan, Valentina
Tcnicas estendidas e musica contempornea no ensino de flauta transversal para crianas / Valentina Daldegan. Curitiba, 2009.
152 f. Orientador: Prof. Dr. Guilherme Gabriel Ballande Romanelli Dissertao (Mestrado em Msica) Setor de Cincias Humanas,
Letras e Artes, Universidade Federal do Paran.
1. Msica estudo e ensino. 2. Flauta estudo e ensino crianas. I. Ttulo.
CDD 788.32 CDU 788.5
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Tcnicas estendidas e msica contempornea no ensino de f lauta transversal
para crianas iniciantes
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Ao Maurcio, meu amor, sempre.
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Agradecimentos
aos meus alunos, especialmente Pietra, Elisa, Carlos e Augusto, e suas mes;
aos meus amigos e colegas compositores Vincius, Slon, Mrcio, Gilson, Felipe,
Fernando, Dbora, e Bernardo, por dedicarem parte de seu escasso
tempo criando peas que tornaram possvel meu projeto;
aos meus orientadores Orlando Fraga e Guilherme Romanelli, pelo incentivo e pela
leitura cuidadosa em diferentes fases deste trabalho;
ao meu amigo e co-advisor Danilo Mezzadri, pelos textos aos quais no teria acesso, e
por gravar as peas comigo e com o Slon (obrigada, mais uma vez,
Slon!);
a Rosane Cardoso, Beatriz Ilari e Antnio Guimares, pelas diferentes leituras e
sugestes que enriqueceram esta pesquisa;
aos meus colegas de mestrado, pela fora durante esta jornada;
aos professores que compem a banca Guilherme Romanelli, Orlando Fraga,
Bernadete Zagonel e Antnio Guimares;
a minha me, que sempre me ajudou quando mais precisei, e tambm quando no
precisei; a meu pai, que sempre me quis flautista (desculpe-me por no
tocar chorinho . . .); e a minhas irms Vanessa e Ana, com quem conto
todas as horas;
ao Estvo, meu querido super-tonto, e Constana, minha princesinha, por existir.
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Resumo
No incio do aprendizado da flauta transversal os alunos produzem sons que
no fazem parte da sonoridade tradicional do instrumento. Alunos adiantados tm
maior dificuldade em comear a produzir sons estendidos do que os iniciantes, que
geralmente conseguem faz-lo brincando, literalmente. Como, a princpio, as crianas
geralmente so abertas a msicas que envolvam sonoridades diferentes e acham di-
vertido explorar novas possibilidades sonoras o incentivo e o trabalho com estas tc-
nicas desde o incio pode ser de grande valia para o seu desenvolvimento.
Um dos problemas no sentido da explorao do repertrio contemporneo, que
inclua novos sons, com iniciantes na flauta transversal que este em geral muito di-
fcil tecnicamente. Para contornar esta dificuldade, foram criados para este trabalho
pequenos estudos didticos e desenvolveu-se, junto a colegas compositores, um re-
pertrio apropriado ao nvel de habilidade dos recm iniciantes, que incluiu as tc-
nicas estendidas a serem aprendidas.
A utilizao deste material mostrou-se efetiva com iniciantes, no denotando
dificuldades maiores do que aquelas encontradas com o repertrio tradicional. Pro-
cura-se ainda sugerir maneiras de ensinar, na prtica, as tcnicas abordadas, a partir
de dados coletados em um estudo de campo com quatro alunos iniciantes, de oito a
treze anos de idade, que, durante suas aulas semanais e paralelamente ao repertrio
tradicional, trabalhavam tambm com tcnicas estendidas envolvendo a produo
de novas sonoridades e prtica deste repertrio. Relata-se o estudo de um caso que
resultou do trabalho junto a uma das crianas que participaram da pesquisa de campo.
A nfase est voltada dificuldades especficas encontradas durante a prtica dos es-
tudos didticos e do repertrio. O paradigma adotado foi o da pesquisa qualitativa.
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Abstract
When beginners are learning to play the flute, some produce sounds that are
not part of the traditional sonority of the instrument. Advanced pupils have greater
difficulty in starting to produce these extended sounds than beginners, who gene-
rally do it playing with them, literally. Since, at the beginning, children are generally
open to music that involve different sonorities and amuse themselves exploring new
sonic possibilities, the incentive and the work with these techniques can be of great
value in their development.
One of the problems in exploring the contemporary repertoire that includes
new sounds with flute beginners is that it is in general technically too difficult. To
deal with this difficulty, little didactic studies have been created for this work. In ad-
dition, a repertoire appropriate to the level of ability of young beginners and in-
cluding extended techniques was developed, in a joint work with a few composers,
colleagues of the author.
The use of this material has been shown to be effective with beginners, not pre-
senting greater difficulties than those encountered in traditional repertoire. Sugges-
tions of ways to teach the extended techniques, in practicum, are part of this work.
These were made using data collected in a field study which included four beginning
pupils, aged eight to thirteen, that, during their weekly lessons and parallel to the
traditional repertoire, worked with extended techniques involving the production
of new sonorities and the practice of this repertoire. A case study on one of the chil-
dren who had participated in the field research is reported. The emphasis is given to
specific difficulties met during the practice of one of the didactic studies and of the
repertoire. Qualitative research was the adopted research paradigm.
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ndiceIntroduo 3
Captulo Primeiro Materiais bibliogrficos pertinentes ao ensino da msica contempornea para flauta transversal
1.1 Teses 91.2 Trabalhos voltados a crianas 111.3 Mtodos, estudos e manuais 141.4 Internet 16
Captulo Segundo Tcnicas estendidas2.1 Trilo tonal 212.2 Som de vento ou wind tones 222.3 Whisper tones 232.4 Tongue ram 252.5 Percusso de chave 262.6 Harmnicos 272.7 Glissando, mudana de afinao ou pitch-bend 282.8 Assobio a jato ou jet whistle 282.9 Multifnicos 292.10 Trmolos com efeito glissando 302.11 Tocar s com a cabea da flauta 31
Captulo Terceiro Apreciao3.1 Familiaridade e gosto 373.2 Apreciao musical: uma experincia 40
3.2.1 Procedimentos metodolgicos 413.2.1.1 Participantes 433.2.1.2 Resultados 43
3.2.2 Discusso 45
Captulo Quarto Composies 494.1 Preparao e reviso da lista Orientao para compositores 50
4.1.1 Diviso Rtmica 524.1.2 Extenso 524.1.3 Tcnicas estendidas possveis 524.1.4 Observaes 53
4.2 As composies 534.2.1 Gilson Fukushima 544.2.2 Dbora Opolski 554.2.3 Fernando Riederer 564.2.4 Slon Mendes 574.2.5 Mrcio Steuernagel 58
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4.2.6 Bernardo Grassi 604.2.7 Valentina Daldegan 61
4.3 Estudos Didticos 62
Captulo Quinto Prtica: o ensino das tcnicas 5.1 Trilo tonal 675.2 Som de vento ou wind tones 675.3 Whisper tones 685.4 Tongue ram 695.5 Percusso de chave 705.6 Harmnicos 715.7 Glissando, mudana de afinao ou pitch-bend 725.8 Assobio a jato ou jet whistle 745.9 Multifnicos 755.10 Trmolos com efeito glissando 775.11 Tocar s com a cabea da flauta 77
Captulo Sexto Prtica: o caso Alice6.1 Parmetros metodolgicos 836.2 Alice 84
6.2.1 Explorao 856.2.2 O cuco e os sons de vento 866.2.3 Harmnicos 876.2.4 Multi-sons 876.2.5 Trilo, tonal, & cia. 896.2.6 La Farfalla 91
Consideraes finais 97Referncias
Bibliogrficas 103Discogrficas 106
ApndicesA. Partituras
Pra de atrapalhar minha msica A2A cobra encantada A4O Mistrio da Rosa Manca A6Duos
1. O Castelo A8
2. A Bruxa A8
3. A Noite A8
3a. A Noite (acompanhamento de piano) A9
4. O Bosque A10
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Cronocosmos a jato A11Cronocosmos n 9 A12Cinque Canzoni di Farfalle e Coccinelle
1. La Farfalla A14
2. Due Farfalle A16
3. La Coccinella A18
4. La Farfalla e la Coccinella A19
5. Due Farfalle et un Papillon A20
Ao Largo A24O Chins Passeia A26A msica da cabea A28Trilo, tonal & cia. A29Estudos didticos A30
B. Lista Orientao para compositores revista e alteradaC. Instrumentos de coleta de dados
1 Questionrio de apreciao C22 Agenda do aluno (exemplo de pgina preenchida) c7
D. Modelo dos consentimentos assinados pelos responsveis
E. udio (CD)1-12 Gravao de algumas das peas compostas para esta pesquisa
1. Gilson Fukushima Pra de atrapalhar minha msica2. Dbora Opolski O Mistrio da Rosa Manca3. Fernando Riederer 1. O Castelo Mal-assombrado4. Fernando Riederer 2. A Bruxa5. Fernando Riederer 3. A Noite6. Fernando Riederer 4. O Bosque7. Slon Mendes Cronocosmos a jato8. Mrcio Steuernagel 1. La farfalla9. Mrcio Steuernagel 2. Due farfalle10. Mrcio Steuernagel 3. La Coccinella11. Mrcio Steuernagel 4. La farfalla e la coccinella12. Valentina Daldegan O Chins passeia
13-20 Trechos das peas utilizadas no teste de preferncias
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Rol de figuras
1.1 Offermanns, Fr den jungen Fltisten, The First Step 121.2 Notao rtmica em Telephone 131.3 Notao para cantar-e-tocar em Pop goes the Weasel 131.4 Notao para cantar-e-tocar em The Bagpiper 131.5 Notao de multifnico no tamanho como aparece
em Special effects for flute 152.1 Notao de trilo tonal usada por Takemitsu 212.2 Notao de trilo tonal sugerida por Mller 212.3 Notao de trilo tonal aprovada na conferncia de Gent 222.4 Notao de trilo tonal adotada neste trabalho 222.5 Notao da transformao de som de vento em som normal,
adotada por Artaud 222.6 Notao de sons de vento, usada por Offermans 232.7 Notao da transformao gradual de som de vento
em som normal, adotada neste trabalho 232.8 Notao da varredura (balayage) de whisper tones,
adotada por Artaud 242.9 Notao dos whisper tones, adotada neste trabalho 242.10 Notao usada por Artaud para o tongue ram,
dentro da tessitura sugerida 252.11 Notao de tongue ram por Sciarrino. 262.12 Notao de clique de chave, sem usar e usando ar 262.13 Notao de harmnico, sem a indicao da fundamental 272.14 Notao de harmnico, com a indicao da fundamental 272.15 Notao de pitch bend 282.16 Notao de jet whistle 292.17 Notao de jet whistle, com controle da presso do ar,
e com a posio determinada ou no 292.18 Notao dos multifnicos selecionados 302.19 Sciarrino, notao de trmolos com efeito glissando 302.20 Notao de trmolo com efeito glissando adotada 302.21 Notao de Ory de exerccio executado apenas com a cabea 312.22 Simbologia sugerida por Stahl 322.23 Exemplo de notao em pentagrama por Stahl 322.24 Parte da flauta em Daldegan, Msica da Cabea 32Tabela 1, Tcnicas estendidas abordadas 33
3.1 A agenda do aluno 423.2 Questionrio de apreciao: Gostar 433.3 Questionrio de apreciao: Gostar por idade 44
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3.4 Questionrio de apreciao: Vontade de tocar 443.5 Questionrio de apreciao: Familiaridade 444.1 Orientaes para os compositores, primeira verso 514.2a Fukushima, Pra de atrapalhar . . ., verso inicial, comp. 17-19 544.2b Fukushima, Pra de atrapalhar . . ., verso final, comp. 17-19 544.3a Fukushima, Pra de atrapalhar . . ., verso inicial, comp. 9-11 544.3b Fukushima, Pra de atrapalhar . . ., verso final, comp. 9-11 544.4a Opolski, O Mistrio da Rosa Manca, verso inicial, comp. 1 - 12 554.4b Opolski, O Mistrio da Rosa Manca, verso final, comp. 1 - 12 554.5a Opolski, O Mistrio da Rosa Manca, verso inicial, comp. 31 - 35 564.5b Opolski, O Mistrio da Rosa Manca, verso inicial, comp. 31 - 35 564.6 Riederer, O Bosque, comp. 1-2 574.7a Mendes, Cronocosmos a Jato, verso inicial, comp. 1 574.7b Mendes, Cronocosmos a Jato, verso final, comp. 1 574.8 Steuernagel, La farfalla e la coccinella, primeira verso, incio 594.9a Steuernagel, Due farfalle et un papillon, verso inicial,
trs ltimos compassos 604.9b Steuernagel, Due farfalle et un papillon, verso final,
trs ltimos compassos 60
Tabela 2, Peas e Estudos em que aparecem as tcnicas 80
6.1 Notao do incio de O Cuco e os Sons de Vento 866.2 Notao de ritmo em accelerando 906.3 Incio de La Farfalla 916.4 Segunda linha de La Farfalla 926.5 Frase longa em escrita proporcional em La Farfalla 936.6 Trmolo crescendo ligado a nota longa em La Farfalla 93
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Tcnicas estendidas e msica contempornea no ensino de flauta transversal
para crianas iniciantes
Aspectos relativos msica contempornea so de especial interesse para instrumentistas mais jovens: as crianas com freqncia conseguem identificar-se mais prontamente com questes pertinentes msica escrita recentemente do que com a msica europia dos sculos XVII eXIX. Aprender como introduzir a msica contempornea, suas questestcnicas e estticas, um dos principais deveres dos professores de instrumento.
Olson, The Pedagogy of Contemporary Flute Music, 2.
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1 Tradicionalmente entendem-se os registros na flauta como:
Grave: Mdio: Agudo:
2 Franois Delalande, La musique est um jeu denfant (Paris: Buchet/Chastel, 1984), apudGuilherme Romanelli, A Msica que Soa na Escola: Estudo Etnogrfico nas Sries Ini-ciais do Ensino Fundamental (Tese de Doutorado em Educao, Universidade Federaldo Paran, 2009), 127.
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Introduo
No incio do aprendizado da flauta transversal os alunos produzem sons que
no fazem parte da sonoridade tradicional do instrumento. Ao tentar produzir notas
graves ouvem-se whisper-tones, que so harmnicos superiores, quase inaudveis, quesoam quando o ar entra no tubo da flauta, sem produzir uma nota fundamental per-
ceptvel; ao tentar mudar de registros produzem-se harmnicos; ataques no registro
grave1 soam como wind-tones, que o som do ar passando pelo tubo da flauta, semque a coluna de ar vibre; ao aquecer a flauta, produz-se um jet whistle, que um somde assovio caracterstico. Estes equvocos so, de modo geral, prontamente corrigi-
dos pelos professores de instrumento.
Entretando, estes sons novos de produo no-tradicional, encontram uso fre-
qente na msica de hoje e so conhecidos como sons produzidos por tcnicas esten-didas. Alunos adiantados tm maior dificuldade em comear a produzir sons
estendidos do que os iniciantes, que geralmente conseguem faz-lo brincando, lite-
ralmente. Portanto o incentivo e o trabalho com estas tcnicas desde o incio, inclu-
sive com crianas, pode ser de grande valia para o seu desenvolvimento.
Outro fato interessante que, a princpio, as crianas geralmente so abertas a
msicas que envolvam sonoridades diferentes e acham divertido explorar novas pos-
sibilidades sonoras. Delalande, por exemplo, sugere que a produo do som est ligada
possibilidade do sujeito manipular o mundo sonoro em que vive, e que, portanto,
provoca prazer.2 Porm, se essas possibilidades so pouco ou de fato no so
vivenciadas, seu universo se fecha e, mais tarde, com maior domnio do instrumento,
em geral somente o repertrio tradicional o que as atrai. Nota-se tambm que, ao
iniciar-se no instrumento, as crianas se interessam principalemente pelo prprio ins-
trumento, e no por um gnero ou repertrio em especial o que pode facilitar o tra-
balho com gneros que lhes sejam pouco ou nada familiares, como a msica
contempornea.
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3 Neste trabalho, so considerados iniciantes alunos que estejam entre os nveis beginnere beginner novice segundo a maior parte das listas de classificao de repertrio, porexemplo, entre os nveis 1 e 2 do Royal Conservatory of Canada e UK Guildhall, oupouco abaixo do nvel 1 do ABRSM (Associated Board of the Royal Schools of Music)e do catlogo da Fluteworld (cf. Jen Cluff, Flute Levels Chart, http://www.jennifercluff.com/chart.htm).
Espera-se que sejam capazes de tocar: do r grave ao r agudo (r com duas linhas suplementares); com armaduras de claves de at 2 bemis ou 2 sustenidos, e suas escalas; todas as notas da escala cromtica; ritmos com colcheias tocados corretamente e com semicolcheias ocasionalmente; compassos simples, lidos corretamente; e tenham tambm habilidade para bater-contar-reconhecer ritmos bsicos; e capacidade de leitura primeira vista de frases musicais simples.
Exemplos de solos e duos: Minuetos em sol maior de J. S. Bach; canes folclricas; Mi-nueto da Dana dos Espritos Abenoados de Gluck; os primeiros duetos de Franois De-vienne, in H. Voxman, Selected Duets, vol. I (Miami: Rubank, 1955); Toshio Takahashi,Suzuki Flute School, vol. 1(Miami: Warner Bros., 1971).Exemplos de estudos: at a 4 parte de Pierre-Yves Artaud, Pour la Flte Traversire: Mt-hode lmentaire (Paris: Henri Lemoine, 1989).
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Alm disso, acredita-se que o trabalho com tcnicas estendidas tcnicas no-
tradicionais, a partir das quais so produzidas novas sonoridades no instrumento
vem contribuir para ampliar o universo esttico dos instrumentistas. O aprendizado
de tcnicas estendidas, juntamente com a exposio ao repertrio contemporneo e
especialmente a execuo de peas que explorem este material sonoro pode vir a que-
brar um ciclo vicioso com relao msica contempornea no conheo, no gosto
e no toco que afeta e prejudica inclusive msicos profissionais, que muitas vezes
so tambm professores de instrumentos.
Um dos problemas da explorao do repertrio contemporneo em aulas de
instrumento que este em geral muito difcil tecnicamente, o que via de regra im-
pede a sua utilizao com iniciantes.3 A inteno desta dissertao, portanto, ser
produzir subsdios para um aprendizado da flauta transversal que, pela incluso de
tcnicas estendidas, possibilite ao iniciante no instrumento a ampliao de seus ho-
rizontes estticos, para a apreciao e prtica de repertrio contemporneo que se
utilize destas tcnicas.
No foram encontrados trabalhos sistemticos na direo do desenvolvimento
de tcnicas estendidas para iniciantes na flauta transversal mesmo peas fceis que
envolvam este tipo de tcnica so muito raras. No primeiro captulo desse trabalho
encontra-se um levantamento de mtodos e estudos que abordam tcnicas estendidas
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4 Raymond Murray Schafer, A afinao do mundo (So Paulo: Editora Unesp, 2001), 176.
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para flauta transversal, destinados a flautistas adiantados e tambm de algumas poucas
partituras apropriadas para iniciantes que envolvam tcnicas estendidas, a fim de
expor um panorama da literatura que forma uma interseo com meu objeto de
estudo.
Quando se discute a interpretao da msica contempornea, um outro aspecto
relevante o da notao. Para Murray Schafer, o dilema da notao musical conven-
cional est hoje no fato de ela j no estar altura de enfrentar o emaranhado dos
mundos da expresso musical e do ambiente acstico . . . , provavelmente o fato mu-
sical mais significativo de nosso sculo.4 Ainda assim, importante frisar que uma
das propostas deste trabalho evitar a mistificao da notao contempornea como
inacessvel e esotrica, pois muitas vezes justamente a notao que afasta o msico
da obra que envolva sonoridades estendidas, mesmo que esta no esteja alm de sua
capacidade tcnica. O propsito da utilizao de notao contempornea iniciar a
criana na leitura de smbolos diferentes daqueles da notao musical tradicional, de
modo que, ao deparar-se com uma partitura que inclua tcnicas estendidas, a notao
no a desencorage da msica. Assim, no procurar-se- avaliar e produzir notao
com as crianas, apesar deste tema ser bastante interessante para um estudo posterior;
apenas ser explorada a notao existente. No segundo captulo descrevem-se deta-
lhadamente as tcnicas e sua notao que, estando ao alcance de iniciantes, se
enquadram no escopo deste trabalho.
Como a familiaridade com o repertrio parece ser um fator importante na for-
mao das preferncias, a apreciao um dos temas abordados neste trabalho. Para
avaliar este aspecto, desenvolveu-se uma pesquisa de campo na qual incluiu-se a fa-
miliarizao das crianas com o repertrio contemporneo atravs da escuta informal
de CDs. A descrio desta parte da pesquisa compe o terceiro captulo.
Para contornar a dificuldade quanto ao repertrio adequado, foram criados para
este trabalho pequenos estudos, bem simples, com o intuito de auxiliar as crianas
no desenvolvimento das tcnicas. Desenvolveu-se tambm, junto a colegas compo-
sitores, um repertrio apropriado ao nvel de habilidade dos recm iniciantes, que
inclusse as tcnicas estendidas a serem aprendidas. O objetivo era a diversidade esti-
lstica, e deste trabalho resultou uma srie de duos e solos para flauta. Neste caso, foi
importante orientar os compositores quanto s possibilidades tcnicas do instru-
mento e o nvel de dificuldade acessvel. Preparou-se, ento, uma lista de possibili-
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dades sonoras e tcnicas que foi utilizada pelos colegas na composio de suas peas.
As peas foram revistas e alteradas, quando necessrio. Todo este processo ser
relatado no quarto captulo.
No quinto captulo, procura-se sugerir maneiras de ensinar, na prtica, as tc-
nicas abordadas. Estas sugestes foram elaboradas a partir de um estudo de campo,
realizado com quatro de meus alunos iniciantes, de oito a treze anos de idade. No de-
correr do perodo deste estudo, durante suas aulas semanais e paralelamente ao re-
pertrio tradicional de flauta transversal, os alunos trabalhavam tambm com tcnicas
estendidas envolvendo a produo de novas sonoridades, atravs dos estudos musicais
e da prtica de repertrio contemporneo, aprendendo algumas daquelas peas com-
postas especialmente para este projeto. As dificuldades encontradas, assim como ma-
neiras de contorn-las na prtica, so detalhadas neste trabalho, constituindo-se como
elemento fundamental para discutir a utilizao da msica contempornea no ensino
de iniciantes.
No sexto captulo ser relatado o estudo de um caso que resultou do trabalho
junto a uma das crianas que participaram da pesquisa de campo. A nfase ser voltada
s dificuldades especficas encontradas durante a prtica dos estudos didticos e do
repertrio. O paradigma adotado aqui foi o da pesquisa qualitativa.
Como apndices, sero includas as partituras referentes aos estudos musicais e
s peas compostas para este projeto, assim como a lista orientao para composi-
tores revisada; cpias de exemplos dos instrumentos de coleta de dados utilizados
na pesquisa de campo (questionrio de apreciao e agenda do aluno); o modelo dos
consentimentos assinados pelas mes dos alunos que participaram do estudo e um
CD com a gravao de algumas das peas compostas para esta dissertao e com os
trechos das msicas utilizadas no questionrio de preferncias.
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Captulo 1 Materiais bibliogrficos pertinentes
ao ensino da msica contempornea
para flauta transversal
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1 Leslie Ann Marrs, Integrating Extended Techniques into Flute Pedagogy: a resourceguide for flutists, teachers and composers (Tese de doutorado, North Caroline University atGreensboro, 2004).2 Lesley Carol Olson, The Pedagogy of Contemporary Flute Music (Tese de doutoradoem Artes Musicais, University of Illinois, Urbana-Champaign, 1998).
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Materiais bibliogrficos pertinentes ao ensino da msica contempornea para flauta transversal
Neste captulo, procura-se discutir a literatura relativa ao ensino de flauta que
de alguma maneira apresenta relao com esta dissertao.
1.1 Teses
A tese de doutorado Integrating Extended Techniques into Flute Pedagogy, deLeslie Marrs,1 uma grande reviso de literatura relacionada ao ensino da flauta con-
tempornea. A autora comenta que desde meados do sculo passado um nmero con-
sidervel de composies requer o uso de tcnicas estendidas, porm h um nmero
restrito de materiais didticos que abordam o tema e mesmo msicos adeptos ao uso
destas novas tcnicas tm dificuldade em encontr-los. Sua tese faz um levantamento
e anlise sumria de onze mtodos e materiais de referncia sobre o assunto que, em
sua opinio, seriam relevantes. Cada uma das publicaes examinada levando em
considerao o nvel de dificuldade ao qual dirigida, quais tcnicas estendidas so
includas, como a execuo das tcnicas explicada e sua contribuio para o reper-
trio. Sua tese traz uma srie de tabelas nas quais a autora classifica e categoriza os
materiais analisados, alm de uma reviso e descrio das tcnicas estendidas mais
comuns no repertrio flautstico, categorizando-as em cinco grupos: 1) tcnicas co-
muns didtica da flauta; 2) multifnicos; 3) microtons; 4) efeitos percussivos; e 5)
aspectos de respirao circular. O material pedaggico publicado dividido em duas
categorias: manuais e estudos; que so, por sua vez, classificados em sete nveis, de
iniciante a profissional/graduando. Como apndice h um CD com gravaes de
cada uma das tcnicas mencionadas no trabalho.
Em sua tese The Pedagogy of Contemporary Flute Music, Lesley Carol Olson,2
assim como Marrs, aponta que o nmero restrito de flautistas que consegue tocar o
repertrio de vanguarda composto aps 1945 conseqncia, entre outros fatores,
da falta de conhecimento e de experincia prticos (hands-on) em lidar com os pro-blemas tcnicos especficos desse tipo de msica, e da falta de familiaridade com a li-
teratura disponvel aliada dificuldade de ter acesso a tais trabalhos. Olson defende
a integrao da msica contempornea na pedagogia da flauta em todos os nveis. A
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3 Ibidem, 109-111.4 Michael Jerome Davis, Creative strategies for teaching extended flute techniques: A pe-dagogical approach with a performance and analysis of an original work, Dream Weaving forFlute and Tape (Dissertao de doutorado, Columbia University, 1993), 10.5 Ibidem, 13.
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autora faz um levantamento muito rico da literatura disponvel para flauta livros,
manuais e partituras que abordam novas sonoridades e tcnicas estendidas, in-
cludos materiais em alemo e francs no traduzidos para a lngua inglesa, o que am-
plia muito a abrangncia do trabalho. Cada material descrito brevemente e avaliado,
alm de ser classificado por nvel de dificuldade de iniciantes a flautistas adiantados
facilitando a escolha dos materiais para professores que desejem utiliz-los dida-
ticamente. Olson tambm discute longamente a questo da notao contempornea,
apontando os pontos positivos e negativos de cada sistema e propondo o que consi-
dera mais adequado, de acordo com questes que segundo ela definiriam a legibili-
dade da notao: a correspondncia unvoca a um smbolo deve corresponder
sempre uma mesma ao; a distinguibilidade cada smbolo deve ser claramentedistinto dos outros, a uma distncia normal de leitura; sugestividade o smbolodeve, de alguma forma, sugerir a ao; memorabilidade o smbolo deve ser facil-mente memorizado; estabilidade o smbolo deve levar em conta a legitimidadehistrica, dada pelo uso por outros compositores; e reprodutibilidade tipogrfica o smbolo deve ser de fcil reproduo com procedimentos de impresso normais.3
A Tese de Olson muito bem estruturada, uma fonte realmente til para o professor
que tenha em mente o ensino de msica contempornea e novas sonoridades.
Michael J. Davis comenta, na introduo sua tese Creative strategies for teachingextended flute techniques: a pedagogical approach with a performance and analysis ofan original work, Dream Weaving for Flute and Tape, que h evidncias de que m-sicas da chamada avant-garde tm tido maior aceitao agora, tanto entre os ou-vintes quanto entre os intrpretes e que qualquer estudante de flauta que no aprenda
estas tcnicas [estendidas] ter que ignorar uma parcela substancial do repertrio
flautstico e, deste modo, uma parte valiosa de sua educao e experincia musical se
perder.4 Segundo Davis, apesar da extensa literatura que requer o domnio de tc-
nicas estendidas, os mtodos de flauta ainda so centrados apenas nas tcnicas tradi-
cionais e o nmero restrito de materiais sobre a performance de tcnicas estendidas
geralmente dirigido somente ao domnio das tcnicas deixando de lado questes
interpretativas e artsticas especialmente em se tratando de materiais voltados a
iniciantes e flautistas mais jovens.5
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Davis desenvolve uma abordagem que consiste em propor estratgias para o au-
xlio no ensino de msicas que envolvam tcnicas estendidas com jovens iniciantes
na flauta transversal. O autor define como jovens iniciantes (young beginners) es-pecialmente os alunos do ensino mdio (high-school) das escolas americanas, que sepreparam para o curso superior de msica portanto, alunos nem to jovens e nem
to iniciantes assim. So oito estratgias, para serem usadas com grupos de 4 a 8 alunos
aproximadamente do mesmo nvel, que abarcam quatro reas principais:
a) a primeira foca na exposio e exame das atitudes prvias dos alunos sobre anatureza da msica e o encorajamento de uma abertura s qualidades expressivasinerentes em algumas msicas de vanguarda (incluindo estratgias filosficas)e podem ser usadas com alunos de qualquer nvel;
b) a segunda rea engloba a descoberta de novas sonoridades e idias musicaise suas definies atravs de reaes pessoais antes de relacion-las a conceitosmusicais pr-existentes e estabelecidos (estratgias auditivas, de improvisao etranscrio, recomendadas para o uso com grupos um pouco mais avanadosque estejam comeando a tocar peas de vanguarda da literatura para flautasolo);
c) a terceira rea engloba a compreenso e a organizao significativa destasidias numa composio musical (estratgias analticas e composicionais);
d) na quarta, finalmente, so oferecidas tcnicas que facilitaro o aprendizadode msicas que requeiram o uso de tcnicas estendidas (estratgias aplicadas,estas basicamente para alunos que estejam estudando uma pea para perfor-mance, sendo as nicas que podem ser usadas em aulas individuais).
O autor criou uma pea solo de vanguarda, Dream weaving, com fins didticos,especificamente para a dissertao, para ser usada com as estratgias, mas adverte que
a pea muito difcil e sugere outras trs, um pouco mais fceis, que poderiam ser
usadas para o mesmo fim. Apesar de, idealmente, as estratgias parecerem a princpio
muito atrativas, mostram-se vazias medida que o autor as explicita, pois prtica
no instrumento, o que seria o ponto principal da tese de acordo com o autor, no
dada nfase suficiente. Os exerccios sugeridos envolvem muito mais uma discusso
esttica do que estratgias para introduo de tcnicas estendidas para iniciantes.
1.2 Trabalhos voltados a crianas
O livro de Wil Offermans Fr den jungen Fltisten, direcionado a crianas ini-ciantes na flauta transversal. A obra no trabalha exatamente com tcnicas estendidas
(inclui apenas wind tones, sons de vento, em uma das peas), mas procura introduzir
-
6 Wil Offermans, Fr den jungen Fltisten: 10 unterhaltsame zeitgenssische Stcke fr Solo-Flte und Fltenensemble (Frankfurt: Zimmermann, 1995), 4.
12
a msica contempornea atravs de dez pequenas peas que incluem desde o uso de
notao grfica, at tocar e andar ao mesmo tempo. Algumas peas tm estrutura
de jogo (como por exemplo um labirinto com sugestes de posies de notas e din-
micas pelo caminho) ou brincadeiras (como uma histria em quadrinhos com
desenhos de uma s linha que dever ser tocada pelo flautista).
Diferentemente das estratgias de Davis, Offermans sugere muito inteligente-
mente maneiras de instigar a criatividade e a improvisao em msica contempornea
com flautistas de fato jovens e iniciantes. No final do livro encontram-se instrues
para o professor de como introduzir aos alunos e trabalhar cada uma das peas. A
primeira, por exemplo, chamada The First Step na verdade um conjunto de quatro
pequenas peas, focadas naquilo que Offermans considera as mais fascinantes qua-
lidades da msica: dinmica, densidade, altura e articulao.6 Para cada uma delas,
o autor escreve trs verses, A, B e C. Nas verses A, usa notao tradicional; nas
verses B, desenhos que sugerem a qualidade trabalhada; e nas C, notao grfica.
Desta maneira procura estimular a imaginao criativa, pois nas ltimas duas verses
o aluno livre para escolher diferentes notas e ritmos, desde que seguindo as sugestes
da partitura (figura 1.1). O livro bem organizado, as instrues para o professor so
bastante claras e sugestivas, trazendo idias divertidas que parecem realmente seduzir
as crianas iniciantes.
Figura 1.1 Offermans, Fr den jungen Fltisten, The First Step.
-
7 Phylis Avidan Louke, Extended Techniques Double the Fun (Charlotte, NC: Alry Publications), 2004.
13
Tambm voltada a crianas iniciantes no instrumento, Phylis Avidan Louke
comps uma srie de doze duetos, Extended Techniques Double the Fun,7 que, porsua vez, incluem uma ou mais tcnicas estendidas cada. So nove composies pr-
prias e trs arranjos de melodias tradicionais americanas, a maioria bastante acessvel
a alunos iniciantes. H, entretanto, alguns problemas de notao que podem dificul-
tar a interpretao. Na pea Telephone, por exemplo, as colcheias so agrupadas de
trs em trs num compasso (figura 1.2). A inteno enfatizar a acentuao; mas,com iniciantes, agrupar as colcheias duas a
duas e acentu-las a cada trs funcionaria
muito melhor, pois o aluno pode confun-
dir essa notao com a de um compasso 68.J para a tcnica cantar-e-tocar no h
notao especfica, apenas a indicao singand play acima das notas, na pea PopGoes the Weasel (figura 1.3); ou uma indicao na primeira de uma srie
de notas de que devem ser cantadas e tocadas, na pea The Bagpiper (figura 1.4).
Ainda assim, alguns dos duetos so interessantes. Me-
ldica, harmnica, rtmica e estruturalmente, con-
tudo, todos so muito convencionais, o que, de certa
forma, enfraquece o trabalho, pois nele o autor des-
perdia a oportunidade de introduzir traos estilsti-
cos mais contemporneos.
Figura 1.4 Notao para cantar-e-tocar em The Bagpiper.
Figura 1.3 Notao para cantar-e-tocarem Pop goes the Weasel.
Figura 1.2 Notao rtmica em Telephone.
-
8 Pierluigi Mencarelli e Bruno Bartolozzi, Metodo per flauto (Milo: Edizioni Suvini Zer-boni, 1975), 3.
9 Robert Dick, Tone Development through Extended Techniques (Saint Louis: MultipleBreath, 1986), 7.
14
1.3 Mtodos, estudos e manuais
Como exemplo de manual de tcnicas estendidas, temos Metodo per flauto, dePier Luigi Mencarelli (1975), parte da coleo Nuova tecnica per istrumenti a fiatodi legno. No prefcio do livro, o organizador da coleo, Bruno Bartolozzi pio-neiro na sistematizao de tcnicas estendidas para instrumentos de madeira ad-
verte que estes mtodos so dirigidos mais do que a principiantes a
instrumentistas adiantados, com bom domnio das tcnicas tradicionais.8 Esse livro
amplamente usado como fonte de consulta para compositores, por apresentar
tabelas bastante completas das possibilidades estendidas do instrumento. dividido
em duas grandes partes: tabela geral de posies e classificao tmbrica dos sons (al-
teraes de quarto-de-tom, diversidade tmbrica de um mesmo som, tratamento do
som por meio do controle do lbio e efeitos especiais); e tabela dos acordes de tim-
bres homogneos e heterogneos (multifnicos). As instrues para a produo dos
sons no so muito elucidativas, e assim o mtodo parece mesmo dirigido a quem j
tem domnio e experincia com tcnicas estendidas, abrindo uma gama enorme de
possibilidades sonoras no-tradicionais.
Mais recente (1986), e complementar ao trabalho de Mencarelli, o livro de Ro-
bert Dick, Tone Development through Extended Techniques, tambm referncia noestudo das tcnicas estendidas. Diferentemente do primeiro, o autor defende que o
trabalho com novas sonoridades pode auxiliar, muito, no aperfeioamento da sono-
ridade tradicional por desenvolver fora, flexibilidade e sensibilidade na emboca-
dura, alm de maior acuidade auditiva e portanto seu uso deve ser incentivado
mesmo que no haja interesse pelo repertrio que as envolva diretamente. Segundo
o autor, algum que consiga tocar, por exemplo, a Sonata de Hindemith, est pronto
para comear este trabalho.9 O livro traz uma srie de exerccios e explicaes de
como as tcnicas devem ser realizadas, e dividido em trs captulos. O primeiro, Es-
tudos Preliminares, trata do aperfeioamento da embocadura aborda harmnicos,
flexo de afinao (tone bending) e whisper tones. O segundo, Timbres Estendidos, dividido em sons difusos, sons brilhantes, escalas tipo bambu e trilos tonais; traz
tabelas de posies para cada nota sugerida. O terceiro captulo, Multifnicos, tam-
bm apresenta tabelas bastante claras, mas que no incluem a dinmica possvel ou a
facilidade de emisso de cada um. Estas informaes so encontradas em outro livro
-
10 Robert Dick, The Other Flute: a Performance Manual of Contemporary Techniques, 2 ed.(Saint Louis: Multiple Breath), 1989.
11 Pierre-Yves Artaud e Grard Geay, Fltes au prsent: trait des techniques contemporainessur les fltes traversires lusage des compositeurs et des flutistes (Paris: ditions Jobert, 1980).12 Sheridon W. Stokes e Richard A. Condon, Special effects for flute (S.l.: Trio Associates,1976).
15
do mesmo autor, The Other Flute.10 As duas publicaes so semelhantes tanto nocontedo quanto na estrutura.
Outra fonte bastante rica e muito utilizada tanto por intrpretes quanto por
compositores o tratado Fltes au prsent, do flautista Pirre-Yves Artaud e do com-positor Gerard Geay.11 Apesar da estrutura dos captulos e suas sub-divises serem
bastante obscuras, o livro, cuja edio bilnge (francs e ingls), alm de tabelas
de posies tanto para flauta de concerto quanto para flautim, flauta contralto e flauta
baixo, traz descries detalhadas das tcnicas estendidas mais usadas, com uma su-
gesto de notao bastante aceita na literatura contempornea para flauta, especial-
mente na Europa. Nelas, inclui informaes extremamente teis e precisas sobre o
que funciona melhor em determinado registro, ou conselhos para os compositores
sobre como utilizar as tcnicas com maior eficincia.
No manual de tcnicas estendidas Special effects for flute, Sheridon Stokes e Ri-chard Condon12 incluem um disco compacto de vinil com exemplos gravados de v-
rias novas sonoridades. A edio muito bem ilustrada, com desenhos grandes das
posies alternativas necessrias para a execuo (figura 1.5). Os autores descrevem
e procuram explicar trilos tonais, sons difusos, multifnicos, ataques acentuados in-
comuns, whisper (whistle) tones, cantar-e-tocar, harmnicos, pulsaes no usuais dacoluna de ar (frullato, vibrao do lbio ou da garganta e vibrato pronunciado), sub-tons alcanados soprando-se a flauta ao modo de um trompete, glissando e uma sur-
dina, feita tampando-se parte da abertura do bocal com uma fita adesiva. O manual
pode ser usado como referncia tanto
para flautistas (mesmo com iniciantes,
pois as ilustraes so claras) quanto
para compositores (que tm a oportu-
nidade de ouvir alguns dos sons es-
pecialmente os multifnicos
gravados).
Figura 1.5 Notao de multifnico no tamanho como aparece em Special effects for flute.
-
13 Wil Offermans, For the contemporary flutist: twelve studies for the flute with explanationsin the supplement (Frankfurt: Zimmermann, 1992). Offermans gravou dez dos estudos e oslanou comercialmente num CD intitulado Daily Sensibilities (Amsterdam: BVHAAST Re-cords, s.d.).14 Dean N. Stallard, Extended Techniques for New Beginners: a presentation of the useof contemporary flute technique at the beginner level, The Full Pitch Music Resource,http://www.fullpitcher.co.uk/Dean.htm (acesso em 12 de maro de 2009).15 Matts Mller, New Sounds for Flute: on Flute Techniques from the 20th Century,http://www.sfz.se/flutetech/index.htm (acesso em 12 de maro de 2009).16 Larry Krantz, Extended Techniques Resource Page, http://www.larrykrantz.com/et/et.htm (acesso em 12 de maro de 2009).
16
Tambm de Wil Offermans, h um caderno contendo doze estudos voltados a
flautistas adiantados For the Contemporary Flutist cada um dedicado ao dom-nio de uma tcnica estendida em particular (com exceo do nono, que emprega v-
rias delas), alm de um voltado notao grfica e improvisao. As composies so
musicalmente interessantes, o que torna sua execuo prazerosa.13 No final do volume,
explanaes detalhadas sobre o domnio de cada uma das tcnicas fazem este livro
um guia valioso para o flautista interessado na interpretao de msica
contempornea.
1.4 Internet
H, disponvel na web, o artigo Why not Extend your Palette?, no qual DeanStallard prega o uso de tcnicas estendidas por flautistas de todos os nveis, sejam eles
interessados em msica contempornea ou no. Seu argumento que, se artistas [pls-
ticos] esto sempre buscando o desenvolvimento de novas tcnicas que sirvam as suas
preferncias, os msicos deveriam fazer o mesmo, j que a msica tambm uma
forma de Arte.14 O autor descreve detidamente vrias tcnicas estendidas, arrolando
razes para o aprendizado de cada uma delas e sugerindo uma srie de exerccios para
o seu desenvolvimento e prtica, com uma linguagem esclarecedora e acessvel.
Tambm na web, h uma lista bastante completa de tcnicas estendidas, escritapor Matts Mller, New Sounds for Flute on flute techniques from the 20th cen-
tury, na qual se incluem exemplos sonoros dos efeitos.15
Em sua pgina, do mesmo modo, Larry Krantz lista uma srie de tcnicas es-
tendidas (especialmente baseadas na bibliografia de Robert Dick), descrevendo-as e
disponibilizando exemplos sonoros, alm de uma pequena bibliografia anotada sobre
o assunto.16
No stio de John McMurtery h textos, partituras e vdeos descrevendo as tc-
-
17 John McMurtery, Extended techniques for flute, http://www.johnmcmurtery.com/ET/index.html (acesso em 12 de maro de 2009).18 Jennifer Binney Clippert, Patricia George, Camilla Hoitenga, Rita Linard, Phyllis Louke,e Cynthia Stevens, Pedagogy Panel on Extended Techniques (Lista de repertrio compiladapara o conveno anual da National Flute Association, em Nashville, EUA, 11-15 de agostode 2004), in Phyllis Louke Extended Techniques, http://palouke.home.comcast.net/~palouke/RepExtendedTechniques.htm (acesso em 12 de maro de 2009). Ver tambm SusanMaclagan, The ABC'S of teaching extended techniques, Dr. Johns Flute Clinic,http://www.johnranck.net/studio/clinic/ practice_corner/ abcs.html (acesso em 12 de marode 2009).
17
nicas estendidas mais usadas no repertrio contemporneo. O autor divide as tcnicas
em cinco grupos (tcnicas comuns, tcnicas polifnicas, efeitos percussivos, sonori-
dades alternativas e outras tcnicas). Para cada tcnica descrita h geralmente um
ou mais exemplos (excertos) de obras contemporneas em partitura e o prprio
McMurtery executando-os em vdeo.17
Phylis Avidan Louke dispe na web uma lista de repertrio com gradao donvel iniciante ao intermedirio para flauta solo, flauta e piano, duetos, trios, e
grupo de flautas que inclui tcnicas estendidas, indicando quais tcnicas aparecem
em cada pea ou coleo.18
No possvel, e nem a inteno aqui, que esta reviso bibliogrfica seja exaus-
tiva. No decorrer deste trabalho foram sendo encontradas novas fontes especial-
mente na internet, onde so mais facilmente acessveis. Isto justificvel, exatamente
porque estamos lidando com a msica de nosso tempo, e as possibilidades, junta-
mente com o interesse pelo novo, so desejavelmente crescentes. Este um
campo aberto e em expanso.
-
Captulo 2 Tcnicas estendidas
-
1 Toru Takemitsu, Air, for flute (Tokio: Schott Japan, 1996), 5.2 Matts Mller, New Sounds for Flute, .3 Lesley Carol Olson, The Pedagogy of Contemporary Flute Music, 116.
21
Tcnicas estendidas
O universo de sonoridades possveis atravs do uso de tcnicas estendidas cres-
cente. Novos sons so criados de acordo com as idias do compositor e novas idias
podem necessitar de novos caminhos de execuo, resultando em novas tcnicas.
Porm, em funo de seu uso bastante difundido, algumas tcnicas estendidas j so
tradicionais (se que cabe aqui a palavra) e fazem parte de manuais e catlogos que
podem ser utilizados tanto por compositores quanto por intrpretes.
Neste captulo ser abordada uma seleo das principais tcnicas, aquelas usadas
nas composies que fazem parte deste trabalho (ver Captulo 5) e que, por expe-
rincia, sabe-se no serem de difcil execuo para os iniciantes.
2.1 Trilo tonal
s vezes chamado bisbigliando (murmurando em italiano, termo que deveentretanto ser evitado, porque usado por diferentes autores para efeitos diversos),
ou vibrato de chave, ou trinado enarmnico, ou trinado de timbre (timbraltrill ).
Enquanto o trinado tradicional obtido alternando-se uma nota com outra um
semitom ou um tom acima da principal, no trilo tonal a alternncia entre dois tim-
bres diferentes da mesma nota, aquele obtido com a posio normal e um segundo
usando-se de uma posio adicional, esta muitas vezes com alterao da afinao um
pouco para baixo. H vrias notaes diferentes para este efeito.
Takemitsu1 nota um sinal de trinado normal com a indicao
da posio das chaves que se alternam entre abertas e fechadas
com o sinal (figura 2.1), muito pare-
cida com a de Mller (web), que no uti-liza as letras , apenas a linha ~~~~ para
indicar o trinado (figura 2.2).
A notao aprovada pela conferncia de Gent (figura 2.3) uma
notao tradicional de trinado com a nota a ser alternada entre
parnteses3 no caso, sempre a mesma nota, dado que o tri-
nado de timbre:
~~~
&
~~~~~~~
7
~~~
~~~
~~~
#
Figura 2.1 Notaousada por Takemitsu.
Figura 2.2 Notaosugerida por Mller.
-
&
~~~~~~
#( )# Figura 2.3 Notao aprovada na conferncia de Gent.
4 Wil Offermans, For the contemporary flutist, 39.5 Jean-Yves Artaud, Fltes au prsent, 118.
22
A notao utilizada neste trabalho vem a ser uma combinao destas trs. Basi-
camente a notao usada por Takemitsu e Mller, que apresentam bastante clareza
quanto digitao e ao smbolo de trinado j familiar. Porm, para indicar claramente
que o trinado feito com a mesma nota, esta ser colocada entre parnteses, como
indicado pela Conferncia de Gent.
Figura 2.4 Notao de trilo tonal adotada neste trabalho.
2.2 Som de vento ou wind tones
No som de vento (ou som elio), possvel escutar somente o sopro, e no
o som natural da nota. Para a sua produo, a abertura do lbio deve ser maior e a di-
reo do ar mais horizontal do que na produo do som natural.4 Artaud5 indica que,
para obter uma altura precisa, a tessitura deve estar entre o mi grave e o mi mdio,
mas que seria possvel produzir sons de alturas menos precisas at o si b mdio e tam-
bm abaixo do mi grave. Artaud sugere ainda que a digitao deve ser a tradicional
entre o d grave e o r # mdio, e que a chave correspondente ao indicador da mo es-
querda deve ficar aberta, mantendo-se os outros dedos nas posies tradicionais, entre
o mi mdio e o si b mdio.
possvel ainda misturar o som de vento ao som normal e passar de um para o
outro. A notao usada por Artaud a seguinte:
&
~~~~~~~~~~~~
t
~~~~
wb
s o sopro sopro e nota
passagem progressiva de um som ao outro
Figura 2.5 Notao da transformao de som de vento em som normal,adotada por Artaud.
-
6 Olson, 112.7 Wil Offermans, For the Cotemporary Flutist, 7.8 Olson (ibid.) comenta ser esta notao agradavelmente intuitiva, sugerindo sopros devento como os desenhados por cartunistas e distintas dos demais smbolos usados para T.E.,apesar de ainda no ser usada por outros compositores.9 Offermans, ibid., 50; Robert Dick, Tone Development through Extended Techiques, 26;Artaud, ibid., 120; Sheridon W. Stokes & Richard A. Condon, Special Effects for Flute, 17.
23
De acordo com Olson6, esta notao, com uma cabea de nota triangular, seria
a notao que vem se tornando mais aceita (generally becoming accepted) para ossons de vento (elios). Essa, porm, no ser a notao adotada neste trabalho, por
duas razes: muito parecida com a notao de tongue ram (ver abaixo 2.4), o quepode gerar confuso; e causa dificuldade na notao rtmica (pois a distino entre
uma mnima e uma semnima faria com que fosse necessrio ou preencher o tringulo
vazado o que causaria ainda mais confuso com o tongue ram ou indicar-se oritmo paralelamente, fora da pauta.
A notao utilizada por Offermans (figura 2.6) parece mais apropriada, por ser
mais sugestiva.7 Parece elucidativo tambm o uso da letra N para indicar o som nor-
mal que, de modo gradual (indicado por uma flecha figura 2.7), muda para som
de vento, ou vice-versa. esta a notao que ser adotada.
2.3 Whisper tones
O whisper tone (som de sussurro, ou whistle tone som de assobio) pro-duzido soprando-se muito suavemente no tubo da flauta com uma coluna de ar
lenta, porm focada de maneira tal que o ar na flauta no vibra completamente e
refora um dos harmnicos parciais em detrimento do resto do espectro sonoro. O
som obtido lembra o som de um assovio, tnue porm muito expressivo.9
&
Figura 2.6 Notao de sons de vento, usadapor Offermans.
&w
N
w
Figura 2.7 Notao da transformao gradual de som de vento em somnormal, adotada neste trabalho.
-
10 Artaud, 120-1.
24
Artaud10 indica duas possibilidades de uso desta tcnica:
1) Pode-se usar o som do harmnico parcial correspondente posio da nota.Segundo o autor, essa tcnica relativamente fcil no registro agudo, e vai setornando mais difcil quanto mais grave for a nota, sendo praticamente im-possvel no registro grave.
2) possvel produzir uma varredura (balayage) do espectro sonoro a partirde uma s nota (preferivelmente uma nota grave). Este uso de whisper tones tambm chamado efeito de guimbarda.
justamente este segundo uso que interessa aqui, por ser de mais simples execuo
do que o whisper tone com notas definidas, e portanto mais apropriado para inician-tes.
A notao sugerida por Artaud para esta tcnica grfica um diamante para
indicar a posio da nota e uma linha sugerindo o caminho dos harmnicos parciais
para dar mais liberdade ao intrprete.
Ser adotada esta notao, acrescentando as letras WT (amplamente utilizadas na li-
teratura) para deixar claro que se trata de um whisper tone.
&
WT
O
Figura 2.9 Notao dos whisper tones, adotada nestetrabalho.
Figura 2.8 Notao da varredura (balayage) de whis-per tones, adotada por Artaud.
-
11 John McMurtery, Extended techniques for flute, www.johnmcmurtery.com/ET/PEtr.html; Larry Krantz, Extended Techniques Resource Page, www.larrykrantz.com/et/et.htm ; Artaud, ibid., 117.12 Artaud, ibid.13 McMurtery, ibid.; Artaud, ibid.14 Olson, 128.15 Salvatore Sciarrino, Come vengono prodotti gli incantesimi?, in LOpera per flauto (Mi-lano: Ricordi, 1990), 12.
25
2.4 Tongue ram
O tongue ram um efeito percussivo obtido quando se cobre o porta-lbiocom a boca e, atravs de um movimento rpido, fecha-se a passagem de ar com a ln-
gua. O som resultante soa uma stima maior abaixo da nota digitada.11 Artaud12 su-
gere que a extenso para o tongue ram seja do d grave (que soa o r b uma stimamaior abaixo) ao d# mdio (que soa como r grave). Segundo o autor, alm desta
tessitura o efeito de tongue ram se conserva, mas a sonoridade mais um objeto so-noro do que um som preciso. Outro fato a ser considerado que, numa seqncia
de tongue rams, o intrprete deve ter tempo para que a lngua volte posio iniciale seja possvel proceder ao tongue ram seguinte. A mesma preparao deve ser levadaem conta quando o tongue ram entra em meio a uma seqncia de notas tradicionais,pois ainda soma-se o tempo necessrio para que o flautista consiga posicionar o ins-
trumento na boca, girando-o para dentro para cobrir o orifcio completamente.13
A notao adotada tanto por Artaud referncia na Europa quanto por
Dick que exerce grande influncia na Amrica do Norte inclui as iniciais TR
e uma cabea de nota em forma de diamante.14 Artaud inclui ainda um smbolo para
indicar que a embocadura encoberta e um outro indicando o som resultante do ton-gue ram, semelhante notao dos harmnicos.
Justamente para evitar alguma possvel confuso com a notao dos harmnicos,
ser adotada neste trabalho uma notao semelhante de Salvatore Sciarrino15, e de
grande aceitao na Europa, em que se indica somente a posio dedilhada para o
tongue ram, da seguinte maneira:
posio digitada
som produzido
Figura 2.10 Notao usada por Artaud para o tongue ram, dentro da tessitura sugerida.
-
16 Para o compositor, a informao de que o tongue ram soa uma stima maior abaixo real-mente relevante. Para a criana, porm, desnecessrio que esta informao seja notada, poissobrecarregaria desnecessariamente a partitura uma vez que o professor pode informar, ver-balmete, que o efeito soar mais grave do que o escrito. importante distinguir entre tongueram e tongue slap (tambm chamado de tongue pizzicato), que s vezes so confundidos. O ton-gue slap tambm produzido por um golpe de lngua, mas sem a ocluso do orifcio pelos lbios,pontanto sem soar uma stima abaixo.17 Artaud, ibid., 112.18 No seu website, Krantz chama ateno para o fato de que, mesmo que o ar no seja usado,a flauta deve estar posicionada no queixo, na posio de tocar, com os lbios semi-abertos pois,caso contrrio, os cliques de chave ficaro desafinados (muito altos).
26
Sciarrino acrescenta que os tongue rams podem ser produzidos inspirando ou expi-rando, o que possibilita maior velocidade nos ataques.16
2.5 Percusso de chave
Este efeito (tambm chamado de clique de chave ou key slap) obtido comum golpe rpido da chave ao fechar um orifcio do instrumento. A princpio, a per-
cusso de chaves possvel com qualquer posio bsica da flauta. Artaud, entretanto,
chama a ateno que, para que seja possvel a percepo de uma altura especfica, a
tessitura deve ser limitada a d gravel mdio, e que para as notas da segunda oitava
(ou registro mdio) deve-se abrir a chave correspondente ao indicador da mo di-
reita.17 Para a sua execuo, o flautista posiciona os dedos para uma nota especfica e
percute uma chave (geralmente do anelar da mo esquerda ou do ltimo dedo mais
direita usado na posio da nota). O clique de chave pode ser executado sem o ar
soprado pelo tubo da flauta ou combinado com o sopro.18 A notao geralmente
usada para o clique de chave com um x no lugar da cabea da nota quando no se
usa o ar, ou uma nota regularmente escrita com um sinal + junto cabea.
&
Figura 2.12 Notao de clique de chave, semusar e usando ar, respectivamente.
Figura 2.11 Notao de tongue ram por Sciarrino.
-
19 Robert Dick, The Other Flute, 137.20 Artaud, ibid., 112; Krantz, ibid.21 Em The Other Flute, 10-11, Robert Dick apresenta um tabela de harmnicos naturais,onde h indicaes de afinao e de facilidade de execuo.22 Quando a posio indicada, alguns compositores omitem o pequeno crculo.
27
Segundo Dick, a boca pode servir de caixa de ressonncia, e possvel mudar a
sonoridade e a afinao do clique mudando a posio dos lbios.19 A posio da em-
bocadura influencia a altura do som, que fica mais baixa medida que se cobre o ori-
fcio com os lbios, e quando aquele totalmente coberto, os cliques de chave soam
uma stima maior abaixo.20
2.6 Harmnicos
Os harmnicos so usados naturalmente na produo do som na flauta, pois o
segundo registro (a partir do mi mdio at o d # agudo) obtido enfatizando-se o
segundo harmnico parcial ao invs da fundamental, o que se consegue atravs de
mudanas na coluna de ar, criando as condies para que a freqncia mais aguda
soe mais intensamente. Portanto, o uso de harmnicos faz parte da tcnica tradicional
da flauta transversal.
Como tcnica estendida, sero utilizados neste trabalho tambm o terceiro e
quarto harmnicos parciais a partir das posies das notas graves.21
Existem duas maneiras mais difundidas de notar o uso destes harmnicos:
1) possvel indicar que a nota deve ser produzida por harmnicos colocando-se um pequeno crculo acima da nota (figura 2.13). Deste modo, o intrpretetem a liberdade de escolher a partir de que fundamental a nota ser realizada:
Neste caso, o som do r agudo poder ser alcanadoa partir do r grave, do sol grave, ou do r mdio (otimbre varia de acordo com a posio escolhida).
Figura 2.13
2) Indica-se a posio com uma nota em forma de diamante e o harmnico de-
sejado com uma cabea de nota normal (figura 2.14), s vezes com um pe-
queno crculo acima da cabea da nota.22
Neste trabalho, para que o iniciante no necessite pesquisar qual a fundamental
necessria para a obteno do harmnico, ser usado o segundo tipo de notao, in-
dicando sempre a fundamental.
&
o
&
O
Figura 2.14 Notao de harmnico, com a indicaoda fundamental.
-
23 Em seu website, McMurtery chama este efeito de lip gliss glissando de lbio; Dick (TheOther Flute, 76 e 140) distingue este efeito, que chama de pitch bend, do glissando, que seria ode chaves.24 Dick, Tone Development, 25; Olson, ibid.,120; McMurtery, ibid.; Mller, ibid.25 McMurtery, ibid.26 Em The Other Flute, 140, Robert Dick apresenta uma tabela com as possibilidades depitch-bend.27 O professor normalmente alerta para que o aquecimento seja silencioso, com um levesopro quente, vindo da garganta, para o interior do instrumento. Entretanto os iniciantes, crian-
28
2.7 Glissando, flexo de afinao ou pitch-bend
Existem dois tipos de glissandos: o glissando de chaves e o pitch bend, ou glissando de lbio.23
Neste trabalho no ser abordado o uso de glissando de chaves, pois muitos
deles s podem ser realizados em flautas com chaves abertas e crianas iniciantes
usualmente tocam em flautas com chaves fechadas.
O outro tipo de glissando, que mais restrito na inflexo da mudana de altura,
porm bastante verstil, o realizado mudando o ngulo da flauta com relao ao
lbio. Consegue-se este efeito girando a flauta para dentro ou para fora e/ou levan-
tando ou abaixando o queixo.24 Pode ser realizado com praticamente qualquer nota
na flauta, mas na primeira e segunda oitava so mais fceis.25 Outro fato a ser consi-
derado que, quando o recurso a mudana de ngulo, mudanas de afinao para
baixo na flauta so mais fceis do que para cima.26
Este efeito notado com uma linha sugerindo a direo da altura da nota logo
aps sua cabea.
2.8 Assobio a jato ou jet whistle
O nome desta tcnica estendida vem da pea de Villa-Lobos, Assobio a Jato.Apesar de ser uma pea brasileira, o termo em ingls adotado universalmente. Para
conseguir este efeito, encobre-se o porta-lbios completamente com a boca e asso-
pra-se com fora contra a parede interna do orifcio. Sua execuo a princpio bas-
tante fcil, pois deste modo, assoprando dentro do instrumento, que o flautista
aquece seu instrumento.27 O compositor, porm, deve tomar o cuidado de dar tempo
&
Figura 2.15 Notao de pitch bend.
-
as e adolescentes especialmente, gostam muito de aquecer a flauta sonoramente e comumproduzirem jet whistles espontaneamente (muitas vezes em momentos inoportunos!).28 Offermans, ibid., 48.29 curioso que os primeiros mtodos para multifnicos foram publicados por volta de1820, como por exemplo, em Viena, Schule fr Doppeltone auf der Flte, de Georg Bayr (cf. Of-fermans, ibid., 48).30 Dick, Tone Development, 36.
29
para que o instrumentista posicione a flauta, que fica numa posio diferente daquela
de tocar normalmente, e respire o suficiente, pois o jet whistle exige bastante ar. Anotao usada a seguinte:
nossa observao que possvel um controle, limitado, da direo do jet whis-tle, aumentando ou diminuindo a presso do ar. Para este efeito, podemos usar a seguinte notao:
2.9 Multifnicos
Quando se pensa na flauta, normalmente a idia que se toque uma nota de
cada vez. Offermans sugere que o flautista,
treinado e influenciado pelo sistema notacional ocidental, costuma imaginar e pro-duzir apenas uma nota de cada vez. Infelizmente, este sistema notacional reduz osentido da escuta a simplesmente perceber e reconhecer uma nota. Como resultado,ensina-se o flautista que no haveria a possibilidade de tocar mais de uma nota aomesmo tempo. Mas, na realidade, o oposto verdade! 28
Na verdade, os multifnicos duas ou mais notas tocadas de uma s vez
so uma possibilidade amplamente usada na msica contempornea.29 Para produzi-
los, o flautista deve ser capaz de manipular a coluna de ar de maneira a fazer duas ou
mais vibraes componentes do som soarem ao mesmo tempo. De acordo com
Dick30, existem literalmente milhares de possibilidades de combinaes de alturas,
desde algumas que so fceis de tocar at outras de dificuldade extrema.
Para notar multifnicos, escrevem-se regularmente as notas que devem soar e
indica-se acima como deve ser sua digitao.
Figura 2.17 Notao de jet whistle, com controleda presso do ar, e com a posio determinada ou no.
&
JWO
Figura 2.16 Notao de jet whistle.
-
31 Sciarrino, ibid., 16.
30
Para este trabalho, selecionamos algumas combinaes simples, tanto na digitao
quanto na emisso.
2.10 Trmolos com efeito glissando
Inspirado na obra de Sciarrino, especialmente em Come vengono prodotti gli
incantesimi?31, esse efeito de fcil execuo e sonoramente muito interessante. Di-
gita-se normalmente notas que necessitam somente da mo esquerda enquanto a mo
direita faz um trmolo com as chaves de r e r # . Sciarrino nota-os da seguinte forma:
No caso deste trabalho, as notas usadas sero sol-l-si e o trmolo feito somente
com a chave de r. A notao tambm foi simplificada:
&
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
r
Figura 2.19 Sciarrino, notao de trmolos com efeito glissando.
&
w
w
b w
w
w
w
# w
w#
#
ww
nn
Figura 2.18 Notao dos multifnicos selecionados.
Figura 2.20 Notao de trmolo com efeito glissando adotada neste trabalho.
-
32 Isabelle Ory, La Flute Traversire, vol. 1 (Paris: Edition Van de Velde, 1993), 11-16.33 Esta afirmao errnea, pois o intervalo entre fechado e aberto de stima maior,
portanto as nota seriam l3, sol# 4, mi5, sol# 5.34 Ory, ibid.,15.35 Antje Stahl, Spiel- und Arbeitsbuch: fr junge Fltisten (Frankfurt: Zimmermann, 1997),
8-9.
31
2.11 Tocar s com a cabea da flauta
Esta tcnica comumente utilizada para o ensino da embocadura a iniciantes.
possvel tocar com a cabea aberta ou fechada e ainda executar glissandos.
Isabelle Ory, em se mtodo La Flute Traversire32, sugere o trabalho com notasprovenientes da cabea fechada ou aberta e seus primeiros harmnicos parciais, l3,
l4, mi5 e l5.33 A autora indica se a posio com a cabea fechada ou aberta atravs
das letras F (ferme) e O (ouvert), escritas abaixo da nota, como mostra a figura:34
A indicao com letras para abrir e fechar no parece muito elucidativa, e a prin-
cpio funcionaria somente em francs. interessante notar que a criana de quem
tomei emprestado o mtodo, que francesa, fez anotaes acima das notas (crculos
vazados e preenchidos, bastante sugestivos, ver figura 2.21 acima) obviamente para
facilitar a leitura do exerccio.
Antje Stahl, no incio de seu mtodo para crianas iniciantes, tambm faz uso
desta tcnica.35 Alm de trabalhar com cabea fechada e aberta, sugere notao para
dois tipos de glissandos introduzindo e retirando o dedo indicador da mo direita
no tubo ou abrindo o orifcio aos poucos com a palma da mo e ainda o que chama
de Indianergeheul (em alemo, uivo do ndio), uma imitao do som obtido pelascrianas quando vocalizam abrindo e fechando a boca com a palma da mo, fazendo
o movimento rpido de abrir e fechar a cabea da flauta.
Figura 2.21 Notao de Ory de exerccio executado apenas com a cabea.
-
Nome(Alemo/Portugus)
Smbolo Modo de Tocar
Zeigfinger/indicador pr e tirar o dedo indicador dentro da cabea
Vogelruf/pio de pssaro abrir lentamente a cabeafechar lentamente a cabea
Kuckuck/cuco abrir e fechar a cabea de modo rtmico lento
Indianergeheuel/uivo do ndio
Figura 2.22 Simbologia sugerida por Stahl.32
Stahl usa os smbolos acima no pentagrama:
Como no existe nenhum tipo de notao padro para esta tcnica, a que ser
adotada a que temos usado ao longo dos anos, em parte sugerida pelas crianas, em
parte adaptada para favorecer a escrita rtmica. Assim, no usaremos pentagrama, j
que o que interessa no a nota em si, mas a altura (grave ou agudo).
Alm das tcnicas apresentadas neste captulo, existem outras possibilidades, es-
pecialmente algumas que envolvem produo simultnea de sons vocais e com a flauta,
como por exemplo chiar, sussurrar, cantar ou falar, com a embocadura fechada ou
aberta. O frulatto produzido por meio da vibrao da lngua ou a vula durante apassagem da coluna de ar outra tcnica comum, mas no foi usada aqui, pois,
apesar de alguns conseguirem execut-la sem nenhuma dificuldade, nem todos os ini-
ciantes conseguem, e para esses no foi encontrada uma maneira realmente eficaz de
ensin-la na prtica. A tcnica de cantar e tocar ao mesmo tempo no foi especifica-
mente explorada nesta abordagem, porque, por experincia, as crianas brasileiras,
especialmente os meninos, parecem no gostar, e em alguns casos recusam-se a cantar.
&c
~~~~~~~~~~~~~~
~~~~~~~~~~~
w
Figura 2.24 Parte da flauta em Daldegan, Msica da Cabea.
Figura 2.23 Exemplo de notao em pentagrama por Stahl.
-
nome adotado outra nomenclatura descrio
trilo tonal bisbigliando vibrato dechave, ou trinado enarm-nico, ou trinado de timbretimbral trill )
alternncia entre dois timbres diferentes damesma nota
som de vento wind tones som elio efeito em que possvel escutar somente osopro, e no o som natural da nota
whisper tone som de sussurro, ou whistletone som de assobio
o ar na flauta no vibra completamente erefora um dos harmnicos parciais em detrimento do resto do espectro sonoro
tongue ram efeito percussivo obtido cobrindo-se oporta-lbio com a boca e, atravs de um mo-vimento rpido, fechando-se a passagem dear com a lngua
percusso dechave
clique de chave ou key slap golpe rpido da chave ao fechar um orifciodo instrumento
harmnicos efeito obtido enfatizando-se o terceiro ouquarto harmnico parcial ao invs da fundamental
glissando flexo de afinao tone bend oupitch-bend
realizado mudando o ngulo da flauta comrelao ao lbio
jet whistle assobio a jato encobre-se o porta-lbios completamentecom a boca e assopra-se com fora contra aparede interna do orifcio
multifnicos duas ou mais notas tocadas de uma s vez
trmolos comefeito glissando
digita-se normalmente notas sol-la-si en-quanto a mo direita faz um trmolo com aschaves de r
tocar s com a cabea da flauta
posssvel tocar com a cabea aberta ou fe-chada e ainda executar glissandos
33
Entretanto, essa uma tcnica possvel, que algumas crianas conseguem executar
sem dificuldade. O som de interferncia em que se toca uma nota longa na flauta
e simultaneamente se vocaliza um glissando para baixo e ento ouve-se um som as-
cendente, que resultado da interferncia do som cantado e o da flauta, por exem-
plo, muito divertido para as crianas, por seu efeito inesperado.
A criao de novos efeitos um campo vasto a ser explorado o limite a
criatividade do compositor e da criana, pois muitas vezes elas mesmas inventam
sons diferentes e muito interessantes. Por outro lado, importante considerar que
efeitos sonoros devem estar a servio da msica. S a qualidade esttica desta o
que inclui seu valor ldico justifica seu uso, mesmo que em composies para
crianas.
Portanto, no prximo captulo ser descrito como foi realizado o trabalho com
os compositores no trato com o material sonoro e suas indicaes e restries para o
uso com iniciantes.Tabela 1 Tcnicas estendidas abordadas
-
Captulo 3 Apreciao
-
1 Stephen F. Zdzinski, Relationships among Parental Involvement, Music Aptitude, andMusical Achievement of Instrumental Music Students, Journal of Research in Music Education40, n. 2 (Summer 1992): 114-125.2 Shinichi Suzuki, Where Love is Deep (New Albany, Indiana: World-Wide Press, 1982),passim.3 Ian Bradley, Repetition as a Factor in the Development of Musical Preferences, Journalof Research in Music Education 19, n. 3 (Autumn 1971): 295.4 Idem, 298.
37
Apreciao
3.1 Familiaridade e gosto
A grande maioria dos artigos envolvendo msica contempornea e gosto data
do final da dcada de sessenta. De maneira geral, esses textos apontam para a noo
de familiaridade como fator muito importante no desenvolvimento do gosto. Existem
vrios estudos relacionando o envolvimento dos pais e famlia com aptido e desen-
volvimento de habilidades musicais de crianas. Zdzinski, em Relationships among
Parental Involvement, Music Aptitude, and Musical Achievement of Instrumental
Music Students,1 cita diversos. Na abordagem do Mtodo Suzuki, que toma a aqui-
sio da lngua materna como base para qualquer aprendizado e que vem servindo
autora desta dissertao como fundamentao didtica no ensino de instrumento
o envolvimento dos pais tem papel preponderante. Acreditando que o meio fator
fundamental na formao do indivduo, Suzuki afirma que a msica que se ouve no
ambiente familiar determinante no desenvolvimento musical da criana, pois assim
ocorre a sua familiarizao com a msica.2 Ao longo desta pesquisa, no foi encon-
trada, porm, bibliografia relacionando especificamente o envolvimento dos pais e
desenvolvimento do gosto musical. Ian Bradley afirma que um dos principais aspectos
do ensino de msica seria o de desenvolver a habilidade de apreciao para possibilitar
uma experincia esttico-musical mais rica.3 Em Repetition as a factor in the deve-
lopment of music preferences, Bradley defende que treino e experincia tm relao
com a formao do gosto, preferncia e julgamentos de valor, assim como o desen-
volvimento de atitudes positivas em relao a composies musicais. Resultados de
seus estudos apontam para a importncia da familiaridade com a msica atravs da
repetio, e que mesmo sem instruo formal em apreciao musical, uma rotina sim-
ples de escuta repetitiva colaboraria para a formao de preferncias positivas pela
msica contempornea de arte.4 Por outro lado, num artigo publicado um ano mais
-
5 Ian Bradley, Effect on Student Musical Preferences of a Listening Program in Contem-porary Art Music, Journal of Research in Music Education 20, n. 3 (Autumn 1972): 352.6 David J. Hargreaves, The Effects of Repetition on Liking for Music, Journal of Researchin Music Education 32, n. 1 (1984): 35.7 Idem, 36.8 R. E. Radocy e J. D. Boyle, Psychological Foundations of Musical Behavior (Springfield:Charles C. Thomas Publisher, 1979), 235.
38
tarde, Effect on Student Musical Preferences of a Listening Program in Contempo-
rary Art Music, o autor sugere que um programa envolvendo escuta analtica alm
da repetio poderia acarretar mudanas ainda maiores nas preferncias.5
H quem sustente, entretanto, que esta relao entre familiaridade e gosto no
seja assim to simples. David J. Hargreaves, num artigo escrito em 1984, intitulado
The effects of repetition on liking for music, defende tal ponto de vista, relatando
uma pesquisa experimental. Segundo o autor, a questo da escuta repetitiva na apre-
ciao positiva de uma msica tem efeitos tanto prticos quanto tericos. Canes
no rdio, por exemplo, ganham popularidade quando repetidas, alcanam um pico e,
depois disso, a repetio deixa de ter um efeito positivo e sua popularidade decai ra-
pidamente. Este tipo de curva de popularidade pode ser descrita pela teoria do U
invertido, segundo a qual existe uma relao entre a exposio a um estmulo e o gos-
tar deste.6 Segundo o texto, investigaes levam a crer que deve-se considerar tambm
o nvel de complexidade da pea e caractersticas pessoais do ouvinte; se h uma dis-
crepncia grande entre o nvel de experincia musical do ouvinte e a complexidade
da pea, no se atinge o pico nvel timo do gostar. Para o autor, seria o caso, por
exemplo, de algum muito experiente ouvindo uma pea simplria demais ou uma
pessoa ingnua ouvindo uma obra muito complexa.7 Haveria variao no pico das
curvas tambm para diferentes tipos de msica: a msica popular alcana o pico com
poucas repeties, enquanto a msica erudita tem seu pico em escutas mais tardias.
Segundo Radocy e Boyle,8 as preferncias podem ser alteradas, mas os meios e
a direo destas alteraes no so sempre previsveis, e a reordenao destas prefe-
rncias seria filosoficamente questionvel. Por outro lado, atravs da educao for-
mal, seria possvel e recomendvel a expanso das preferncias, com boas chances de
sucesso. Os autores citam um estudo de Hornyak segundo o qual a familiaridade au-
mentou as respostas positivas de crianas em idade de ensino fundamental com rela-
o a composies contemporneas, mas no fez diferena nas respostas de crianas
mais velhas. Evidncias de que as crianas mais novas so mais abertas a novos reper-
-
9 Entende-se aqui msica de arte aquela cuja funo esttica exclusiva ou preponde-rante.10 Graa Boal Palheiros, Beatriz Ilari e Francisco Monteiro, Childrens responses to 20thcentury art music, in Portugal and Brazil, in Proceedings of the 9th International Conferenceon Music Perception and Cognition, Bologna, 2006, ed. M. Baroni, A. R. Addessi, R. Caterina eM. Costa (Bolonha: ICMPC and ESCOM, 2006), 590.11 Simone Dalla Bella, Isabelle Peretz, Luc Rousseau e Nathalie Gosselin, A developmentalstudy of the affective value of tempo and mode in music, Cognition 80 (2001): B9. Esta idia,de mera reproduo do que a mdia traz para o dia-a-dia, bastante comum na musicalizaoinfantil. Em minha viso, quando adotado este caminho mais fcil, a escola, que a princpioteria o papel de educar musicalmente, acaba corroborando a idia de limitar o horizonte estticodas crianas.12 Michael L. Mark, Contemporary Music Education (New York: Schirmer, 1996), 28-34.
39
trios tambm so encontradas em Boal Palheiros et alii, numa pesquisa que investi-gou respostas de crianas brasileiras e portuguesas msica de arte do sculo XX.9
Os resultados mostraram tambm que a msica de arte do sculo XX no familiar
tanto para crianas portuguesas quanto brasileiras, pois no tocada na mdia, e ra-
ramente utilizada em programas de educao musical nas escolas. Os autores arro-
lam algumas razes pelas quais a msica contempornea considerada chocante e
no utilizada na sala de aula: melodias muito difceis de cantar, que vo alm dos li-
mites da voz humana; ritmos e compassos irregulares; sons no-convencionais e ele-
troacsticos; harmonia no-tonal; contrastes extremos; freqentemente o feio se
torna valioso; misturas de gneros, estilos e modos de expresso e efeitos sonoros es-
peciais. Segundo o texto, a combinao de algumas destas caractersticas perturbam
o senso de equilbrio na apreciao esttica, exigindo do ouvinte mais do que uma
escuta sedutoramente fcil e passiva.10
J Dalla Bella et alii parecem mesmo acreditar que o repertrio do sculo XXseria inapropriado para uso com crianas pequenas, sugerindo inclusive o uso de m-
sicas de filmes do Walt Disney para este propsito.11
Entretanto, um projeto de pesquisa com aplicao prtica direta na educao
musical como o Contemporary Music Project, entre outros, demonstra precisa-
mente o contrrio.12 O projeto, que aconteceu nos Estados Unidos na dcada de ses-
senta, visava integrar compositores e programas de educao musical em escolas
pblicas e pagava para jovens artistas trabalharem como compositores em residncia
nessas escolas. Estes descobriram que a maioria dos educadores musicais no tinha
preparo para lidar com msica contempornea, por conseqncia tampouco seus alu-
nos. Apesar disso, tanto alunos quanto professores participantes mostraram-se re-
-
13 Mark, ibidem, 31-32.
40
ceptivos msica nova em sua experincia com os compositores em residncia; os
professores observaram que o crescimento musical das crianas e as atitudes com re-
lao msica contempornea foram muito positivas. Algumas outras concluses a
partir do projeto foram:
A msica contempornea apropriada e interessante para crianas de qualqueridade. Quanto mais cedo for apresentada, mais natural ser seu entusiasmo. Crianaspequenas deveriam ser expostas ao som da msica contempornea antes de seremcapazes de intelectualiz-la.
()
Um dos maiores objetivos da apresentao de msica do sculo XX crianas de-veria ser ajud-las a aumentar a sua discriminao auditiva, para que se tornem gra-dualmente capazes de ser seletivos em suas escolhas de msica contempornea.
Selees adicionais contemporneas, que sejam curtas em durao e simples em estrutura, precisam ser localizadas ou compostas, de modo que possam ser incorpo-radas em um programa maior de educao musical.13
3.2 Apreciao musical: uma experincia
A fim de desenvolver familiaridade com o gnero, na pesquisa de campo que
ora se apresenta, alunos com idade entre oito e treze anos foram incentivados a escutar,
em casa, CDs com gravaes de msica contempornea para flauta que envolvessem
novas sonoridades. Antes deste perodo, de quatro meses, foi realizado um questio-
nrio preliminar para avaliar a familiaridade e o gosto por este tipo de repertrio. Este
captulo versa especificamente esta parte do programa. Um aspecto importante a res-
saltar, porm, que o projeto no tratou apenas da familiarizao das crianas com a
msica contempornea pela escuta passiva, mas a vivncia se deu tambm pela prtica
no instrumento. Durante suas aulas semanais, paralelamente ao repertrio tradicional,
os alunos trabalharam tambm com tcnicas estendidas, envolvendo a produo de
novas sonoridades atravs de pequenos estudos musicais e da prtica de repertrio
contemporneo. A parte prtica do programa discutida no sexto captulo.
-
14 interessante apontar aqui que, ao ser apresentada proposta da pesquisa na qual haviaa afirmao de que no haveria riscos fsicos ou psicolgicos para os participantes do estudo,uma me comentou que a mudana de gosto poderia ser considerada um risco psicolgico.Expliquei-lhe ento que o objetivo seria a expanso das preferncias, e no a sua alterao.15 Brian Ferneyhough, Carceri di Invenzioni II, in Roberto Fabriciani, Flute XX. S.l.: Pilz,1995, Arts 447167-2.16 Wil Offermans, Just a Short Version, in Wil Offermans, The Magic Flute. Amsterdam:E-Records, 1997, CD E-971.17 Eric Dolphy, Gazzelloni, in Robert Dick, The Other Flute. Newton Centre, MA: GMRecordings, 1995, GM2013.18 Toru Takemitsu, Toward the Sea II, for alto flute, harp and strings, in 20th CenturyMusic for Flute and Orchestra. S.l.: Naxos, 1999, 8.554185.
41
3.2.1 Procedimentos metodolgicos
Antes do incio do estudo, houve uma reunio com as mes, explicando o pro-
jeto. Elas assinaram um consentimento para que seus filhos participassem.14 Todas
se mostraram a princpio receptivas, e se dispuseram a colaborar com o estudo to-
cando os CDs para que seus filhos escutassem em casa.
No questionrio para avaliar a familiaridade e o gosto pelo repertrio contem-
porneo para flauta que envolvesse novas sonoridades no instrumento, as crianas
responderam a um questionrio que consistia na escuta de oito trechos de msica.
Aps cada trecho, respondiam a trs perguntas, marcando numa escala de 1 a 5 :
O quanto esta msica parece familiar para voc?
(1 muito estranha, 5 bem comum);
O quanto voc gosta desta msica?
(1 nem um pouco, 5 adorei); e
Gostaria de um dia tocar uma msica como esta?
(1 de jeito nenhum, 5 com certeza).
As crianas tambm eram livres para escrever algum comentrio sobre cada tre-
cho. Os trechos ouvidos foram os seguintes, tendo sido escolhidos favorecendo a di-
versidade estilstica:
1. Brian Ferneyhough (1943- ) Carcere dInvenzione II (1985) flauta solo15
2. Wil Offermans (1957- ) Just a Short Version (1993) grupo de flautas16
3. Eric Dolphy (1928-1984) Gazzelloni (1964) flauta solo17
4. Toru Takemitsu (1930-1996) Cape Cod (1988) flauta e orquestra de cordas18
-
5. Jean-Claude Risset (1938 - ) Passages (1982) flauta e eletroacstica19
6. Robert Dick (1950- ) Flying Lesson 5 (1984) flauta solo20
7. Wil Offermans (1957- ) Etude 8 (1990) flauta solo21
8. Bruno Maderna (1920-1973) Musica su due dimensione (1956) flauta eeletroacstica22
Como instrumento de coleta de dados da audio informal das gravaes
CDs de msica contempornea para flauta cedidos em emprstimo foi organizada
uma agenda individual onde, entre outras coisas, cada aluno marcaria os dias em que
as escutasse (figura 3.1). Os alunos tambm foram incentivados a escrever algum co-
mentrio sobre o que ouviam na semana. O CD com os trechos de msicas utilizado
no teste de preferncias, exemplos dos questionrios e tambm das agendas usados
para a coleta de dados encontram-se nos apndices desta dissertao.
19 Jean-Claude Risset, Passages, in Roberto Fabriciani, Flute XX.20 Robert Dick, Flying Lesson 5, in Robert Dick, The Other Flute.21 Wil Offermans, Etude 8 (polyphonic singing), in Wil Offermans: Daily Sensibilities.Amsterdam: BVHAAST Records, s.d., CD 9206.22 Bruno Maderna, Musica su due dimensione, in Roberto Fabriciani, Flute XX. S.l.: Pilz,1995. Arts 447167-2.
Fig. 3.1 A agenda do aluno.
42
-
3.2.1.1 Participantes
Participaram do estudo quatro crianas de oito a treze anos, alunos meus, que
haviam iniciado seu aprendizado de flauta transversal h menos de dois anos. Os
nomes aqui apresentados so fictcios.
Alice, de oito anos, no incio do estudo tocava havia vinte e um meses. Ame, que leiga em msica mas envolvida com arte contempornea, desde oincio do programa mostrou-se encantada pelo repertrio de msica com so-noridades diferentes. Seu pai msico profissional.
Ceclia, de dez anos, no incio do estudo tocava havia dezoito meses. A metoca piano, e os dois irmos tambm tocam instrumentos. A me se diz receptiva
a todo tipo de msica.
Remo e Rmulo, gmeos de treze anos, no incio do estudo tocavam haviaseis e dezoito meses, respectivamente. Os pais gostam especialmente de MPB.
3.2.1.2 Resultados
Com relao ao questionrio de preferncias, um fato a ser considerado que
num teste como este no sempre possvel ter certeza de que as crianas, especial-
mente as mais jovens, entenderam completamente como proceder, por mais simples
que parea ser. Um problema apontado por Radocy e Boyle23 que qualquer tenta-
tiva de medir preferncias arriscada por diversos fatores, inclusive porque as pessoas
podem no responder honestamente s questes sobre suas preferncias. Ainda assim
foi possvel observar alguns pontos:
As peas Cape Cod, para flauta e orquestra de cordas, de Toru Takemitsu eGazzelloni, para flauta solo, de Eric Dolphy, mais convencionais do ponto de
vista da sonoridade e da harmonia, foram as peas comavaliaes positivas mais altas (17 pontos numa escala de4 a 20). As peas que envolviam sons eletroacsticos foramas que tiveram as avaliaes mais baixas (9/4-20 novepontos numa escala de quatro a vinte; figura 3.2). Estes re-sultados so, em parte, diferentes dos apontados por Pa-lheiros et alii,24 em que, num teste de apreciaosemelhante realizado em escolas pblicas, as peas conven-cionais obtiveram as avaliaes mais altas, porm aquelascom sons eletroacsticos tambm obtiveram resultados positivos.
23 Radocy e Boyle, Psychological Foundations . . . , 224.24 Palheiros et alii, Childrens responses . . . , 593.
Fig. 3.2 Gostar
TradicionaisEletroacsticas
20
16
12
8
4
43
-
As duas crianas mais jovens avaliaram mais alto o quanto haviam gostadodas peas (33/8-40, contra 21/8-40 dos mais velhos; figura 3.3) e demonstraramvontade maior de tocar o repertrio (31/8-40, contra 23/8-40; figura 3.4).
As avaliaes apresentadas para familiaridade, no geral bastante baixas,como era esperado, pareceram menos significativas: Alice parece ter confundidofamiliaridade e gosto, apresentando valores improvavelmente altos (14,7/8-40,sem considerar Alice, contra 30/8-40, para Alice; figura 3.5).
No que tange o programa de escuta informal e no-dirigida, temos os seguintes
resultados:
Rmulo no ouviu nenhuma gravao.
Remo ouviu apenas dois CDs. Na terceira semana, escutou um com com-posies de Toru Takemitsu; seu comentrio foi na minha opinio o CD hor-rvel, as msicas so muito ruins. Na quarta semana ouviu um CD, comgravaes de concertos de flauta e orquestra, com peas de compositores do s-culo XX, bem mais tradicional harmonicamente do que o primeiro, e com usorestrito de tcnicas estendidas na flauta. Seu comentrio: Msicas bem elabo-radas e melhores que as do CD anterior. Depois no quis mais ouvir.
Alice ouviu todos os CDs, regularmente por dez semanas. Comentou: Euachei que [The Magic Flute, de Wil Offermans] lindo porque tem muitosnovos sons. Este CD [com peas de Andr Jolivet] no muito contempor-neo, mas lindo. A melhor msica deste CD, a segunda [Piece, de JacquesIbert] porque mais clssica.
Ceclia ouviu os CDs com muita ateno, e produziu relatrios para cadamsica. Por exemplo: [Stabile de Jolivet] Demora para comear. D para ouvirum sonzinho estranho e baixinho. uma msica estranha! Hey! Estou conse-guindo ouvir algo . . . Que msica estranha. No consegui ouvir nada! Ah! Eu
Fig. 3.3 Gostar Fig. 3.4 Vontade de tocar Fig. 3.5 Familiaridade
8-10 anos 8-10 anos Sem Alice
13 anos 13 anos Alice
40
30
20
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