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Page 1: Tecnicas de Redacao Juridica

Técnicas de Redação Jurídica

Prof. William Sanches

www.williamsanches.com.br

A LINGUAGEM JURÍDICA

Material organizado pela

Profª Drª Alice Yoko Horikawa

Jornal Folha de S. Paulo, 03/02/2009

Juiz chama "BBBs" de "gostosas" em sentença

Ao justificar indenização por televisor quebrado, magistrado do RJ citou as participantes do

programa

DA SUCURSAL DO RIO

Assistir às "gostosas" do "Big Brother Brasil" foi uma das justificativas de um

juiz do Rio para dar ganho de causa a um homem que ficou meses sem poder ver

televisão. O juiz Cláudio Ferreira Rodrigues, 39, titular da Vara Cível de Campos dos

Goytacazes (278 km do Rio), justificou sua sentença dizendo que procura "ser sempre o

mais informal possível".

Ao determinar o pagamento de indenização de R$ 6.000 por defeito em um

aparelho de TV, o juiz afirmou na sentença: "Na vida moderna, não há como negar que

um aparelho televisor, presente na quase totalidade dos lares, é considerado bem

essencial. Sem ele, como o autor poderia assistir às gostosas do "Big Brother'?".

O magistrado disse que procura ser direto para que o autor da ação entenda por

que ganhou ou perdeu. Para ele, quem reclama na Justiça é quem mais deve ser

respeitado, porque "é o cara que paga o tributo". "Não adianta ficar falando só o que os

advogados sabem sem chegar à cognição do jurisdicionado. Fiz aquela folha de

brincadeira para deixar informal."

Ele argumenta que a expressão foi usada para fundamentar o autor da ação, um

senhor que contou ter ficado por seis meses sem assistir ao "BBB", ao "Jornal Nacional"

e a jogos de futebol, por um defeito da TV. O juiz diz que não se arrepende.

"[As garotas que participam do "BBB'] Não são escolhidas pelo padrão de

beleza? 90% das mulheres que vão para lá são bonitas realmente. Talvez eu tenha

pecado pela linguagem. Poderia ter falado: "Deixando de observar as meninas com um

padrão físico'", ironizou.

Page 2: Tecnicas de Redacao Juridica

Na sentença, ele ainda faz piada com dois times cariocas. Assim como o autor da

ação, que contou ser flamenguista, ele brinca com a situação do Fluminense e do Vasco,

que foi rebaixado no ano passado. "Se o autor fosse torcedor do Fluminense ou do

Vasco, não haveria a necessidade de haver TV, já que para sofrer não se precisa de TV",

diz, na sentença.

"Eu sou flamenguista, mas todo mundo sabe disso. Tem um outro processo em

que eu sacaneio o meu próprio time. E não provocou nenhuma celeuma. Eu podia ser

criticado se eu fosse moroso demais. Estou fazendo o que meu antecessor não fez."

(MALU TOLEDO)

Leia a íntegra da sentença

"Foi aberta a audiência do processo acima referido na presença do Dr. Cláudio Ferreira

Rodrigues, Juiz de Direito. Ao pregão responderam as partes assistidas por seus patronos.

Proposta a conciliação, esta foi recusada.

Pela parte ré foi oferecida contestação escrita, acrescida oralmente pelo advogado da

Casas Bahia para arguir a preliminar de incompetência deste Juizado pela necessidade de

prova pericial, cuja vista foi franqueada à parte contrária, que se reportou aos termos do

pedido, alegando ser impertinente a citada preliminar.

Pelo MM. Dr. Juiz foi prolatada a seguinte sentença: Dispensado o relatório da forma

do art. 38 da Lei 9.099/95, passo a decidir. Rejeito a preliminar de incompetência deste Juizado

em razão de necessidade de prova pericial. Se quisessem, ambos os réus, na forma do art. 35

da Lei 9.099/95, fazer juntar à presente relação processual laudo do assistente técnico

comprovando a inexistência do defeito ou fato exclusivo do consumidor. Não o fizeram, agora

somente a si próprias podem se imputar. Rejeito também a preliminar de ilegitimidade da ré

Casas Bahia.

Tão logo foi este fornecedor notificado do defeito, deveria o mesmo ter, na forma do

art. 28, § 1º, da Lei 8078/90, ter solucionado o problema do consumidor. Registre-se que se

discute no caso concreto a evolução do vício para fato do produto fornecido pelos réus. No

mérito, por omissão da atividade instrutória dos fornecedores, não foi produzida nenhuma

prova em sentido contrário ao alegado pelo autor-consumidor.

Na vida moderna, não há como negar que um aparelho televisor, presente na quase

totalidade dos lares, é considerado bem essencial. Sem ele, como o autor poderia assistir as

gostosas do Big Brother, ou o Jornal Nacional, ou um jogo do Americano x Macaé, ou

principalmente jogo do Flamengo, do qual o autor se declarou torcedor?

Se o autor fosse torcedor do Fluminense ou do Vasco, não haveria a necessidade de

haver televisor, já que para sofrer não se precisa de televisão. Este Juizado, com endosso do

Conselho, tem entendido que, excedido prazo razoável para a entrega de produto adquirido

no mercado de consumo, há lesão de sentimento.

Page 3: Tecnicas de Redacao Juridica

Considerando a extensão da lesão, a situação pessoal das partes neste conflito, a

pujança econômica do réu, o cuidado de se afastar o enriquecimento sem causa e a decisão

judicial que em nada repercute na esfera jurídica da entidade agressora, justo e lícito parece

que os danos morais sejam compensados com a quantia de R$ 6.000,00.

Posto isto, na forma do art. 269, I, julgo parcialmente procedente o pedido, resolvendo

seu mérito, para condenar a empresa ré a pagar ao autor, pelos danos morais experimentados,

a quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais), monetariamente corrigida a partir da publicação

deste julgado e com juros moratórios a contar da data do evento danoso, tendo em vista a

natureza absoluta do ilícito civil. Publicada e intimadas as partes em audiência. Registre-se.

Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos. Nada mais havendo, mandou

encerrar. Eu, Secretário, o digitei. E eu, , Resp. p/ Exp., subscrevo.

(Sentença extraída do site www.espacovital.com.br)

Para nos auxiliar nessa reflexão, vejamos o que dizem Adalberto Kaspary e Viviane Rodrigues de Melo, em seus artigos de opinião que analisam a linguagem jurídica:

Page 4: Tecnicas de Redacao Juridica

LINGUAGEM DO DIREITO1

(Espaço Vital Artigos - 30.06.2003) Adalberto J.

Kaspary 2

O Direito é uma profissão de palavras. (D. Mellinkoff)

Em toda profissão a palavra pode ser útil, inclusive necessária. No mundo do

Direito, ela é indispensável. Nossas ferramentas não são mais que palavras, disse o

jurista italiano Carnelutti. Todos empregam palavras para trabalhar, mas, para o jurista,

elas são precisamente a matéria-prima de sua atividade. As leis são feitas com palavras,

como as casas são feitas com tijolos. O jurista, em última análise, não lida com fatos,

diretamente, mas com palavras que denotam ou pretendem denotar esses fatos. Há,

portanto, uma parceria essencial entre o Direito e a Linguagem.

Quando o advogado recebe o cliente e escuta sua consulta, responde com

palavras. Se precisa elaborar um contrato ou estabelecer um acordo, é com palavras que

o faz. O mesmo sucede quando atua em defesa de seus clientes, nas diversas instâncias

do Judiciário.

Os juízes e os tribunais, em suas sentenças, acórdãos e arestos, decidem

mediante palavras. E a coação, ou a força, que se poderão empregar na execução desses

atos terão de ajustar-se aos estritos termos do que neles se disse.

O órgão do Ministério Público, em seus pareceres, em suas intervenções na

sessão do júri e em suas demais formas de atuação, procura, mediante palavras,

demonstrar que, no caso sob exame, cumpre adotar a solução por ele alvitrada e

defendida.

De tais considerações cabe deduzir que todo jurista deve ser um bom gramático,

porquanto a arte de falar e escrever com propriedade é noção elementar de gramática.

Claro que da gramática não se cairá na gramatiquice. A linguagem deve ser viva

e dinâmica, funcional e palpitante de realidade. As questões técnicas não podem fazer

esquecer que a luta pelo Direito gira em torno de problemas humanos. A linguagem do

jurista deve ser instrumento a serviço da eficaz prestação jurisdicional. Ela visa a fins

utilitários, antes de mais nada, e não a fins artísticos.

Ao redigir, ordenam-se idéias e acontecimentos. Quanto melhor conhecermos o

necessário instrumento para isso – as palavras –, com maior precisão nos expressaremos

e comunicaremos. A palavra está, aqui, entendida em tudo que lhe diz respeito: seu

significado preciso, sua forma correta e sua apropriada inserção em estruturas sintáticas

simples e complexas.

O conhecimento das palavras supõe a consciência de seu caráter relativo. É

sabido que o significado das palavras é convencional e emotivo; vago e ambíguo; que

são imprecisos os conceitos; que as palavras assumem acepções distintas nas diferentes

áreas do conhecimento, e até dentro da mesma área, nos diversos segmentos desta. E é

bem sabido que palavras como Liberdade, Democracia, Nacionalismo, Bem Público se

empregam, muitas vezes, de forma contraditória e encoberta.

1 (**) Artigo originalmentre inserido no saite www.fesmp.org.br 2 (*) Formado em Letras Clássicas (Latim, Português e Grego) e em Direito, ambos pela UFRGS, advogado e

professor do Curso de Preparação da Língua Portuguesa para Concursos da ESMP (a 5ª edição terá início em 4 de agosto). Autor de diversas obras, entre elas, Habeas Verba – Português para Juristas, O verbo na Linguagem Jurídica – Acepções e Regimes.

Page 5: Tecnicas de Redacao Juridica

A missão principal do jurista é contribuir para a realização da justiça. E a este

propósito não somente não se opõem, antes para ele contribuem, os meios empregados e

as formas desses meios. Fundo e forma vão tão intimamente ligados como espírito e

corpo. O fundo – o sentido de justiça de uma decisão, por exemplo – pode vir

determinado, ou mais exatamente fixado, pela forma sob a qual se apresenta. Na

decisão, a realidade da justiça está objetivada nas palavras do magistrado.

Afirma-se – e é comumente aceito – que a linguagem jurídica é uma linguagem

tradicional, ao contrário daquela das ciências aplicadas, uma linguagem revolucionária,

inovadora, que constantemente incorpora novos termos e expressões.

Ocorre que o nosso Direito basicamente foi escrito em latim, língua precisa e

sintética. O Direito, pela sua própria origem, tem, assim, uma linguagem tradicional;

mas ele tem, ao mesmo tempo, uma linguagem revolucionária, em constante evolução,

conseqüência da necessidade urgente de acudir a novas realidades e a soluções

adequadas a estas. O acesso universal à justiça, a judicialização de um universo

ilimitado de fatos, questões e situações que antes passavam ao largo do tratamento

judicial, a comunicação instantânea e abrangente são algumas de outras tantas

realidades que implicam a incorporação, ao Direito, de novos termos, somando-se aos já

existentes.

O desenvolvimento da técnica jurídica fez com que surgissem termos não-usuais

para os leigos. A linguagem jurídica, no entanto, não é mais hermética, para o leigo, que

qualquer outra linguagem científica ou técnica. Aí estão, apenas para exemplificar, a

Medicina, a Matemática e a Informática com seus termos tão peculiares e tão esotéricos

quanto os do Direito.

Ocorre que o desenvolvimento da ciência jurídica se cristalizou em instrumentos

e instituições cujo uso reiterado e cuja precisão exigiam termos próprios: servidão,

novação, sub-rogação, enfiteuse, fideicomisso, retrovenda, evicção, distrato, curatela,

concussão, litispendência, aquestos (esta a forma oficial), etc. são termos sintéticos que

traduzem um amplo conteúdo jurídico, de emprego forçado para um entendimento

rápido e uniforme.

O que se critica, e com razão, é o rebuscamento gratuito, oco, balofo, expediente

muitas vezes providencial para disfarçar a pobreza das idéias e a inconsistência dos

argumentos. O Direito deve sempre ser expresso num idioma bem-feito;

conceitualmente preciso, formalmente elegante, discreto e funcional. A arte do jurista é

declarar cristalinamente o Direito.

E o Direito tem dado, lá fora e aqui, mostras de que pode ser declarado numa

linguagem paradigmática. Stendhal, romancista francês, aconselhava aos escritores o

estudo do Código Napoleônico, de sua linguagem sóbria e funcional, para aperfeiçoar o

estilo. Nosso Código Civil de 1916, um monumento de linguagem simples, precisa e

elegante, há de – ou deveria, ao menos – servir sempre de inspiração e modelo aos que

lidam com o Direito, em suas mais diversas modalidades de atuação. (O atual Código

Civil, de 2002, lamentavelmente, deixa, em vários momentos, a desejar em matéria de

linguagem correta, clara e precisa.).

Quem lida com o Direito, em suas diferentes concretizações, deve aspirar a

expor o conteúdo mais exato na expressão mais adequada. E isso implica uma

convivência definitiva – harmônica e amorosa – com a Linguagem. Direito e

Linguagem constituem um par indissociável. Sem a qualidade desta, aquele faz má

figura.

Page 6: Tecnicas de Redacao Juridica

Veja qual a decisão da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) com relação ao hermetismo da linguagem jurídica:

Linguagem comum

AMB lança campanha pela simplificação do “juridiquês”

por Adriana Aguiar

(Revista Consultor Jurídico, 10 de agosto de 2005)

Com o objetivo de aproximar o judiciário da sociedade, a AMB — Associação dos

Magistrados Brasileiros - vai lançar a Campanha pela Simplificação da Linguagem Jurídica - o

chamado “juridiquês”. O ato ocorre no dia do advogado, 11 de agosto, às 11h, na Faculdade de

Direito da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.

Para o juiz e presidente da AMB, Rodrigo Collaço, é necessário reunir os estudantes de

direito e os jornalistas para difundir a simplificação dessa linguagem e promover a

aproximação da sociedade com o meio jurídico. Como o uso da linguagem tradicional do

Direito, que começa a ser aprendida já na faculdade, os estudantes serão o alvo inicial da

campanha.

Segundo a AMB, que reúne 15 mil juizes, é clara a noção de quanto mais distante a

linguagem usada nos atos judiciais, menos compreendida é atuação do Judiciário pelo cidadão.

E por isso, a campanha quer modificar essa cultura lingüística do Direito, para que a atuação

da justiça seja compreendida por todos os cidadãos.

Page 7: Tecnicas de Redacao Juridica

ATIVIDADES

1. Com base na orientação da AMB, analise o uso da linguagem na sentença

abaixo transcrita:

1. Ementa: Utilização adequada de aparelho celular. Defeito. Responsabilidade solidária do fabricante e

fornecedor.

Processo Número: 0737/05

Quem Pede: José de Gregório Pinto

Contra quem: Lojas Insinuante Ltda, Siemens Indústria Eletrônica S.A e Starcell Computadores

e Celulares.

Vou direto ao assunto.O marceneiro José de Gregório Pinto, certamente pensando em

facilitar o contato com sua clientela, rendeu-se à propaganda da Loja Insinuante de Coité e

comprou um telefone celular, em 19 de abril de 2005, por suados cento e setenta e quatro

reais.

Leigo no assunto, é certo que não fez opção por fabricante. Escolheu pelo mais barato

ou, quem sabe até, pelo mais bonitinho: o tal Siemens A52. Uma beleza!

Com certeza foi difícil domar os dedos grossos e calejados de marceneiro com a

sensibilidade e recursos do seu Siemens A52, mas o certo é que utilizou o aparelhinho até o

mês de junho do corrente ano e, possivelmente, contratou muitos serviços. Uma maravilha!

Para sua surpresa, diferente das boas ferramentas que utiliza em seu ofício, em 21 de

junho, o aparelho deixou de funcionar. Que tristeza: seu novo instrumento de trabalho só

durou dois meses. E olha que foi adquirido legalmente nas Lojas Insinuante e fabricado pela

poderosa Siemens.....Não é coisa de segunda-mão, não! Consertado, dias depois não prestou

mais... Não se faz mais conserto como antigamente!

Primeiro tentou fazer um acordo, mas não quiseram os contrários, pedindo que o caso

fosse ao Juiz de Direito.

Caixinha de papelão na mão, indicando que se tratava de um telefone celular, entrou

seu Gregório na sala de audiência e apresentou o aparelho ao Juiz: novinho, novinho e não

funciona. De fato, o Juiz observou o aparelho e viu que não tinha um arranhão.

Seu José Gregório, marceneiro que é, fabrica e conserta de tudo que é móvel. A

Starcell, assistência técnica especializada e indicada pela Insinuante, para surpresa sua,

respondeu que o caso não era com ela e que se tratava de “placa oxidada na região do teclado,

próximo ao conector de carga e microprocessador.” Seu Gregório:o que é isto? Quem garante?

O próprio que diz o defeito diz que não tem conserto....

Page 8: Tecnicas de Redacao Juridica

Para aumentar sua angústia, a Siemens disse que seu caso não tinha solução neste

Juizado por motivo da “incompetência material absoluta do Juizado Especial Cível –

Necessidade de prova técnica.” Seu Gregório: o que é isto? Ou o telefone funciona ou não

funciona! Basta apertar o botão de ligar. Não acendeu, não funciona. Prá que prova técnica

melhor?

Disse mais a Simens: “o vício causado por oxidação decorre do mau uso do produto.”

Seu Gregório: ora, o telefone é novinho e foi usado apenas para falar. Para outros usos, tenho

outras ferramentas. Como pode um telefone comprado na Insinuante apresentar defeito sem

solução depois de dois meses de uso? Certamente não foi usado material de primeira. Um

artesão sabe bem disso.

O que também não pode entender um marceneiro é como pode a Siemens contratar

um escritório de advocacia de São Paulo, por pouco dinheiro não foi, para dizer ao Juiz do

Juizado de Coité, no interior da Bahia, que não vai pagar um telefone que custou cento e

setenta e quatro reais? É, quem pode, pode! O advogado gastou dez folhas de papel de boa

qualidade para que o Juiz dissesse que o caso não era do Juizado ou que a culpa não era de seu

cliente! Botando tudo na conta, com certeza gastou muito mais que cento e setenta e quatro

para dizer que não pagava cento e setenta e quatro reais! Que absurdo!

A loja Insinuante, uma das maiores e mais famosas da Bahia, também apresentou

escrito de advogado, gastando sete folhas de papel, dizendo que o caso não era com ela por

motivo de “legitimatio ad causam”, também por motivo do “vício redibitório e da

ultrapassagem do lapso temporal de 30 dias” e que o pobre do seu Gregório não fez prova e

então “allegatio et non probatio quasi non allegatio.”

E agora seu Gregório?

Doutor Juiz, disse Seu Gregório, a minha prova é o telefone que passo às suas mãos!

Comprei, paguei, usei poucos dias, está novinho e não funciona mais! Pode ligar o aparelho

que não acende nada! Aliás, Doutor, não quero mais saber de telefone celular, quero apenas

meu dinheiro de volta e pronto!

Diz a Lei que no Juizado não precisa advogado para causas como esta. Não entende

seu Gregório porque tanta confusão e tanto palavreado difícil por causa de um celular de

cento e setenta e quatro reais, se às vezes a própria Insinuante faz propaganda do tipo: “leve

dois e pague um!” Não se importou muito seu Gregório com a situação: um marceneiro não dá

valor ao que não entende! Se não teve solução na amizade, Justiça é para isso mesmo!

Está certo Seu Gregório: O Juizado Especial Cível serve exatamente para resolver

problemas como o seu. Não é o caso de prova técnica: o telefone foi apresentado ainda na

caixa, sem um pequeno arranhão e não funciona. Isto é o bastante! Também não pode dizer

que Seu Gregório não tomou a providência correta, pois procurou a loja e encaminhou o

telefone à assistência técnica. Alegou e provou!

Além de tudo, não fizeram prova de que o telefone funciona ou de que Seu Gregório

tivesse usado o aparelho como ferramenta de sua marcenaria. Se é feito para falar, tem que

falar!

Page 9: Tecnicas de Redacao Juridica

Pois é Seu Gregório, o senhor tem razão e a Justiça vai mandar, como de fato está

mandando, a Loja Insinuante lhe devolver o dinheiro com juros legais e correção monetária,

pois não cumpriu com sua obrigação de bom vendedor. Também, Seu Gregório, para que o

Senhor não se desanime com as facilidades dos tempos modernos, continue falando com seus

clientes e porque sofreu tantos dissabores com seu celular, a Justiça vai mandar, como de fato

está mandando, que a fábrica Siemens lhe entregue, no prazo de 10 dias, outro aparelho

igualzinho ao seu. Novo e funcionando!

Se não cumprirem com a ordem do Juiz, vão pagar uma multa de cem reais por dia!

Por fim, Seu Gregório, a Justiça vai dizer a assistência técnica, como de fato está

dizendo, que seu papel é consertar com competência os aparelhos que apresentarem defeito e

que, por enquanto, não lhe deve nada.

À Justiça ninguém vai pagar nada. Sua obrigação é fazer Justiça!

A Secretaria vai mandar uma cópia para todos. Como não temos Jornal próprio para

publicar, mande pelo correio ou por Oficial de Justiça.

Se alguém não ficou satisfeito e quiser recorrer, fique ciente que agora a Justiça vai

cobrar.

Depois de tudo cumprido, pode a Secretaria guardar bem guardado o processo!

Por último, Seu Gregório, os Doutores advogados vão dizer que o Juiz decidiu “extra

petita”, quer dizer, mais do que o Senhor pediu e também que a decisão não preenche os

requisitos legais. Não se incomode. Na verdade, para ser mais justa, deveria também condenar

na indenização pelo dano moral, quer dizer, a vergonha que o senhor sentiu, e no lucro

cessante, quer dizer, pagar o que o Senhor deixou de ganhar.

No mais, é uma sentença para ser lida e entendida por um marceneiro.

Conceição do Coité, 21 de setembro de 2005

Gerivaldo Alves Neiva

Juiz de Direito