técnicas argumentativas

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^ íngoVoese 2. PM: Todo político c corrupto e clave ser condenado. 9 PM: Ora, João é político. Tese: Logo, João deve ser condenado. Observe-se que, quando a PM é de cunho ideológico (como, por exemplo, em outros enunciados, tais como Todo homem é infiel por natu- reza, A mulher é inferior ao homem, O branco 6 superior ao negro etc), as dificuldades de sustentação da tese se localizam em fazer passar por verossímil a PM, o que v em determmadas circunstâncias históricas e cul- funrrs, pode ser mais ou menos difícil. A escolha de uma presunção jurídica como PM também pode orientar a argumentação, como nos casos em que é importante reforçar a relação entre qualidade do ato é qualidade do caráter do autor, ou quando o argumentador que, atuando ria defesa, busca valer-se das vantagens da dúvida parabeneficiar o acusado. Na argumentação jurídica, realizam-se, pois, após a estruturação do silogismo - e que inclui a escolha das referências - que servirá de* r**. ápoío, várias atividades (especialmente de parafrasageni e de definição) • ; nue podem $er mais insistentes e trabalhosas ora num, ora em outra parte 4o raciocínio, compreendendo ora a construção de uma versão verossímil, (para o que se recorre a provas, Indícios e técnicas argumentativas), ora a V> utilização de técnicas argumentativas apropriadas, além da alocação de estratégias cujos efeitos intetVirão no estabelecimento das melhores con- dições de sucesso. Enfim, resumindo: o silogismo orienta a estruturação lógica do raciocínio, fixando uma combinação de lugares e relações entre as partes de modo que haja coerência, cõegão e congruência, ou seja, o modelo lógico é orientação para a sustentação de uma justificativa, para o que é fundamental ter argumentos que produzam os efeitos desejados. Quando, porgm, as provas e os indícios que se referem ao fato em julgamento forem insuficientes para a construção da versão desejada, como se pode alocar os argumentos necessários à sustentação dt? j ra lese'* O enunciado de cunho ideológico sempre revela uma generalização,,ft?2 -;u v : * q i b « A r u Todopolítico é corrupta' deveria — pnntnttò sef ídèoíógíco - tomar r '-: tf>..^ político que é corrupto". TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS Entende-se por técnica argumentativa a produção de argumen¬ tos que tomam como orientação não o que é pertinente ao fato em avalia¬ ção, mas, relações lógicas, circunstâncias e situações de outras esferas das atividades humanas e que, por pressuposição, têm condições para exer¬ cer força de convencimento: é quase comp se as técnicas argumentativas representassem um recurso que empresta prestígio e valores duma deter¬ minada prática para transformá-los em argumentos - no caso do Direito - jurídicos. Assim, por exemplo, considera-se como verdadeiro, dentro da lógica, que, se a = b t então também é verdade que b = a\ ou, então, se a = b e b = c, então, a = c. Os efeitos que produzem os dois tipos de rela¬ ções lógicas (reciprocidade e transitividaçle) serão aproveitados, devido ao prestígio que tem o saber lógico, pela argumentação jurídica, especial- mente no caso de fragilidade de provas e indícios: a.construção de uma versão que interesse à sustentação da tese requer a substituição das i n - cógnitas a, b e c por valores que serão trabalhados como se pudessem estabelecer as mesmas relações lógicas. Mais: as inferências e as dedu¬ ções que resultam das propriedades que têm as relações lógicas serão uti¬ lizadas e aplicadas-aos valores sociais c aceitas como argumentos'impor- tantes no julgamento jurídico. Outras técnicas para produzir argumentos, e que podem servir de exemplo ilustrativo para explicar o processo, são as que buscam apoio, quer seja no pressuposto de que o ponto de vista da pessoa de prestígio social é importante, quer seja na concepção de que a compàYação de fatos pode ajudar a interpretar e julgá-los melhor, quer seja, ainda, na definição

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Page 1: Técnicas argumentativas

^ íngoVoese

2. PM: Todo político c corrupto e clave ser condenado.9

PM: Ora, João é político.

Tese: Logo, João deve ser condenado.

Observe-se que, quando a PM é de cunho ideológico (como, por exemplo, em outros enunciados, tais como Todo homem é infiel por natu­reza, A mulher é inferior ao homem, O branco 6 superior ao negro etc), as dificuldades de sustentação da tese se localizam em fazer passar por veross ími l a P M , o que v em determmadas circunstâncias históricas e c u l -funrrs, pode ser mais ou menos difícil.

A escolha de uma presunção jurídica como PM também pode orientar a argumentação, como nos casos em que é importante reforçar a relação entre qualidade do ato é qualidade do caráter do autor, ou quando o argumentador que, atuando ria defesa, busca valer-se das vantagens da dúvida parabeneficiar o acusado.

Na argumentação jur íd ica , realizam-se, pois, após a estruturação do silogismo - e que i n c l u i a escolha das referências - que servirá de*

r**. ápoío , várias atividades (especialmente de parafrasageni e de definição) • ; nue podem $er mais insistentes e trabalhosas ora num, ora em outra parte

4o rac ioc ín io , compreendendo ora a construção de uma versão verossímil , (para o que se recorre a provas, Indícios e técnicas argumentativas), ora a

V> uti l ização de técnicas argumentativas apropriadas, além da alocação de estratégias cujos efeitos intetVirão no estabelecimento das melhores con­d ições de sucesso.

Enfim, resumindo: o silogismo orienta a estruturação lógica do raciocínio, fixando uma combinação de lugares e relações entre as partes de modo que haja coerência, cõegão e congruência, ou seja, o modelo lógico é orientação para a sustentação de uma jus t i f ica t iva , para o que é fundamental ter argumentos que produzam os efeitos desejados.

Quando, porgm, as provas e os indícios que se referem ao fato em julgamento forem insuficientes para a construção da versão desejada, como se pode alocar os argumentos necessários à sustentação dt? jra lese'*

O enunciado de cunho ideológico sempre revela uma generalização,,ft?2 -;u v : * q i b « A r uTodopolítico é corrupta' deveria — pnntnttò sef ídèoíógíco - tomar r '-: tf>..^

político que é corrupto".

TÉCNICAS A R G U M E N T A T I V A S

Entende-se por técnica argumentativa a produção de argumen¬tos que tomam como orientação não o que é pertinente ao fato em avalia¬ção, mas, relações lóg icas , circunstâncias e situações de outras esferas das atividades humanas e que, por pressuposição, têm condições para exer¬cer força de convencimento: é quase comp se as técnicas argumentativas representassem um recurso que empresta prestígio e valores duma deter¬minada prática para transformá-los em argumentos - no caso do Di re i to -

ju r íd icos .

Ass im, por exemplo, considera-se como verdadeiro, dentro da lógica, que, se a = b t então t ambém é verdade que b = a\ ou, então, se a = b e b = c, então, a = c. Os efeitos que produzem os dois tipos de rela¬ções lógicas (reciprocidade e transitividaçle) serão aproveitados, devido ao prestígio que tem o saber lóg ico , pela argumentação jur ídica, especial­mente no caso de fragilidade de provas e indícios: a.construção de uma versão que interesse à sustentação da tese requer a substituição das i n ­cógnitas a, b e c por valores que serão trabalhados como se pudessem estabelecer as mesmas relações lógicas. Mais : as inferências e as dedu¬ções que resultam das propriedades que têm as relações lógicas serão uti¬lizadas e aplicadas-aos valores sociais c aceitas como argumentos'impor-tantes no julgamento jur ídico.

Outras técnicas para produzir argumentos, e que podem servir de exemplo ilustrativo para explicar o processo, são as que buscam apoio, quer seja no pressuposto de que o ponto de vista da pessoa de prestígio social é importante, quer seja na concepção de que a compàYação de fatos pode ajudar a interpretar e julgá-los melhor, quer seja, ainda, na definição

Page 2: Técnicas argumentativas

52 Ingo Voese

da importância da história, da educação e das e m o ç õ e s na conduta dos

ind iv íduos etc.

As técnicas podem, pois, ser consideradas recursos que se j u s t i ­f i c am a partir de pressuposições que devem ter aceitação acadêmica e/ou social , o que, no D i r e i t o , se toma por demais importante e sublinha o cui¬dado que o argumentador deve ter na escolha dá técnica e das estratégias interativas que visam a estabelecer um acordo acerca das pressuposições subentendidas nos argumentos produzidos e ut i l izados .

Em outras palavras, a construção da versão de um fato jurídico pode, quando apoiada em provas e indícios frágeis, valer-se de técnicas argumentativas, o que, na verdade, não envolve, num pr imeiro plano, o que está sendo ju lgado e permite dizer que provas e indícios são argu¬mentos produzidos através da pesquisa e da interpretação do fato, ao contrário dos argumentos que são resultado das técnicas argumentativas e que apenas são aceitos como tais devido à pressuposição de que os "em­p r é s t i m o s " são possíveis e úteis.

A argumentação jurídica, embora d i f i r a dos conteúdos dos racio¬cínios formais, busca pois, aproximar-se ou orientar-se por eles porque se pressupõe que a coerência, a coesão e a Acongruência possam c o n t r i b u i r com o poder de convencimento, de forma que, por. exemplo, na argu-mcotaçSO jurídica, *Qucm crítica i{m argumento tenderá a pretender que

o que tem à sua frente depende da lógica; a acusação de cometer uma

falta de lógica é, em geral, por sua vez, uma argumentação quase-lógica.

A pessoa se prevalece, com essa acusação, do prestígio do raciocínio

rigoroso". (PERELMAN, 1996 a, p. 220)

No presente trabalho, a distinção entre argumentos lógicos e

quase- Iógicos que faz Perelman nãô receberá, p o r é m , considerações mais

demoradas, porquanto se entende cjUe, na prática jurídica, especialmente

quando se trata de valores, isso se toma bastante complexo, precisamente

porque a argumentação jurídica, onde o objetivo não é nem demonstrar,

nem descobrir verdades ou testar hipóteses, mas j u s t i f i c a r teses, pode

ser caracterizada, em grandes traços» sempre como quase-lógica.

O que importa, todavia, é observar que um raciocínio jur ídico,

para poder usufruir do prestígio do. rigor lóg ico , precisa adotar procedi¬

mentos que deverão dar consistência e c red ib i l idade à prática, e Que po¬

dem ser de diferentes níveis:

1. realizar interpretações que sejam aceitáveis e defensáveis, o

que exige do argumentador um sistema de referência competente e

abrangente;

|J Argumentação Jurídica 53

2. procurar controlar a heterogeneidade lingüística, o que exige, por sua vez, habilidades do argumentador para definições c delimitações dos sentidos das palavras;

3. adotar um modelo lógico como orientação.

O estudo, pois, de diferentes técnicas argumentativas que po¬dem ser úteis à prática jur íd ica enfatizará sempre os aspectos relaciona¬dos à atividade lingüística e à orientação lógica, e destaca os seguintes:

4.1 O A R G U M E N T O D A C O E R Ê N C I A

Esse pr imeiro tipo de técnica vale-se do prestígio cio rigor lógi¬co e requer, por isso, uma atividade intensa com e sobre a linguagem -mais precisamente, de controle e de delimitação dos sentidos - para, as¬sim, ut i l izar a coerência como argumento.

A coerência - como já se enfatizou - é uma qualidade considera¬da imprescindível a qualquer argumentação, pois não se aceita a contradi¬ção dentro de um raciocínio, ou seja, não se deve afirmar algo e depois as¬sumir uma outra idéia que negue a primeira afirmação. Para manter a coe¬rência e utilizá-la como argumento, é preciso que se assuma um compro¬metimento com uma referência socialmente aceita e tomá-la como orienta¬ção rigorosa para a produção de sentidos que não apresentem contradições.

E isso tem seus motivos: o prestígio do rigor lógico leva a que a contradição possa ser interpretada, uma vez, como falta de convicções claras e incapacidade para escolher com segurança a referência que orienta a atividade, e, por outro lado, como um desrespeito com o auditório em termos de não lhe facilitar a compreensão dos objetivos da argumentação,

• precisamente por não haver uma organização lógica correta e rigorosa das relações entre referência e sentidos verbalizados.

Entende-se, por isso, que a falta de coerência, uma vez denuncia¬da, expõe o argumentador à condenação e ao insucesso: a frouxidão refe¬rencial e a contradição denunciam a incapacidade de produzir boas inter¬pretações dos fatos, vale dizer, de construir boas teses. Perde, pois, o argu-

. .mentador uma das qualidades - se não a mais importante - que a intera¬ção cobra dos participantes, ou seja, a da credibilidade.

Ser coerente diz, desse modo, respeito à competência tanto para escolher os conceitos que serão referência para o raciocínio, como para organizar os argumentos sem que haja contradição com a referência es¬colhida. •

Page 3: Técnicas argumentativas

54 Ingo Voese Argumentação Jurídica 55

Na argumentação jur ídica , a referência quase obrigatória é a l e i . Pode, porém, também ser uma jurisprudência ou um conceito que tenha aceitação social ou uma presunção jur íd ica T *». desde, porém, que se en­quadre nos l imites tios modais deônticos. De qualquer modo, o impor­tante é considerar que a coerência só poderá ser invocada como argu­mento quando determinada referência tem - ou poderá v i r a ter - prestí¬gio jun to ao auditório, ou seja, ao invocar a coerência como argumento, o argumentador se vê diante de duas importantes tarefas:

1. fazer com que a referência escolhida seja aceita pelo auditó¬

r i o , o que imp l i ca saber fazer avaliações preliminares corretas quanto ao

universo referencial aceito pela sociedade e determinar com competên¬

cia o sentido desta referência, tendo em vista o que interessa à argu¬

m e n t a ç ã o ;

2. conduzir o raciocínio de modo a que não haja contradições

em relação à referência, o que representa dominar os processos de manu¬

tenção da coerência, da coesão e da congruência:

En f im , a técnica que produx o argumento da coerência é essen¬

cialmente uma atividade lingüística que visa à utilização do prestígio do

r igor lógico, ou seja, um recurso em que o argumentador se ocupa ou cm

observar o rigor da relação não-contraditória entre uma referência c as

interpretações e justificativas que por ela se orientam, ou em denunciar a

falta dessa condição na argumentação adversária.

4.2 O A R G U M E N T O DA R E C I P R O C I D A D E

Essa técnica argumentativa apóia-se também no prestígio do r i ¬

gor lógico, especificamente na propriedade das relações para construir

unia aproximação ou simetria entre dois fatos ou idéias (ou mesífto valo¬

res) de modo a que a semelhança de características i m p l i q u e que se possa

aplicar o mesmo tratamento ou julgamento a ambos, mesmo se houver

uma inversão de s i tuações ou de posições da simetria inicial.

A atividade do argumentador, nessa técnica de raciocínio, exi¬

ge, principalmente, saber interpretar e construir o contexto das situa¬

ções, ou seja, é preciso que a aproximação de dois fatos diferentes se

faça pelo que se pode localizar de semelhante neles e nos eleitleíntos

contextuaiizadorés; Isso requer, sobremodo, saber produzir interpreta¬

ções apropriadas, o que, mais uma vez, enfatiza a importância de um

. sistema de referência produt ivo e competente, e, por isso, da l inguagem:

para poder aproveitar uma correlação lógica como sc a = />, então b = a, na argumentação jurídica, a pr imei ra atividade refere-se à delimitação conceituai que deverá dar condições para que.o raciocínio se beneficie da relação lógica .

Assim, por exemplo, adotando essa técnica, o argumento sus¬tentará que, se cabe aos piais dar proteção e abrigo aos filhos enquanto estes puderem ser considerados dependentes, da mesma forma caberá aos filhos a responsabilidade de prover as condições de sobrevivência dos pais quando estes, eventualmente, atravessarem uma si tuação em que se puder considerá-los dependentes. O raciocínio precisa def in i r , obrigatoria¬mente, o que se entende por dependência para que o caráter de reciproci¬dade da relação entre pais e fi lhos possa ser sustentado c o m apoio no mo¬delo lógico.

4.3 O A R G U M E N T O DA T R A N S I T I V I D A D E A / / .

A técnica que permite à argumentação jurídica produzir determi- A 2 T \ nados argumentos qud mantém uma relação de transitividade, toma como motivação, segundo Perelman (1996), uma propriedade formal de

certas relações que permite passar da afirmação de que existe a mesma

relação entre os tennos a eb e entre os temws b e c, à conclusão de que

ela existe entre os termos a e c: as relações de igualdade, de superiorida­

de, de inclusão, de ascendência são relações transitivas". (p. 2 57)

Isso significa que a argumentação jurídica pode buscar como apoio relações formais de transitividade, desde que se controle a hetero-geneidade lingüística: o obje t ivo de construir uma relação de t r a n s i t i v i -dade que não deixe de apresentar o r igor lógico exige interpretar e de¬marcar com a precisão poss íve l os sentidos que substituirão as incógni¬tas d, b e c.

Por exemplo, embora seja discutível sustentar que "Os amigos de nossos amigos são nossos amigos", a idéia pode ser trabalhada, insis¬tindo que a verdadeira amizade deveria ser assim. O enunciado pode ser¬v i r de referência a um raciocínio, o que quer dizer que este tem funda¬mento no modelo que sustenta a transitividade, pois a implicação é uma das mais importantes relações transitivas epode ser avaliada socialmente em diferentes áreas ou práticas sociais.

Assim, o seguinte silogismo se constrói pela relação dc t ransi t i -vidade:

Page 4: Técnicas argumentativas

9 f l l t l i l l l l l l i l A 1 , 1 1

56 Ingo Voese

Não deye ser condenado (= a) aquele que mata em legítima de­

fesa (= b) ; ora, João (= c) matou em legítima defesa (= b) ; logo, João (= c) não deve ser condenado (= a).

A dificuldade de ordem lingüística reside, em primeiro lugar, na

delimitação do sentido da expressão legítima defesa e, segundo, adotar a

referência para interpretar o ato de João.

O A R G U M E N T O DA C O M P A R A Ç Ã O

A técnica que faz da comparação um argumento tem o objetivo

de comparar enquadrando uma imagem (do réu ou da vítima, por exem­

plo) ou a versão de um fato (um del i to , por exemplo) dentro duma se­

qüência hierarquizadora que i n c l u i outras imagens ou versões.

Cabe ao argumentador a tarefa de fazer as escolhas das imagens

ou ve r sões c o m as quais organizará a seqüência escalar que servirá de

parâmetro de avaliação, o que, de certa forma, corresponde à escolha das

referências c o m as quais ele estruturará, o r a c i o c í n i o * A comparação pas­

sa, portanto, a produzir argumentos, quer seja a favor, quer seja.contra o

que esta sendo j u l g a d o : se se quiser condenar, a escolha, para fazer o co¬

tejo, deverá p r i v i l e g i a r aquelas imagens (referências) que têm um con¬

ceito e logiável no instituído social. E o inverso ocorrerá quando o objeti¬

vo for o de defender: o cotejo do que está sendo ju lgado será feito com o

que houver decondenável no imaginário do auditório.

O ARGUMENTO DA I N C L U S Ã O DA P A R T E NO TODO

Uma outra técnica de argumentação consiste em apoiar-se na

presunção de que o que vale para o todo também vale para as partes, o

que signif ica, mais uma vez, a utilização do modelo lógico-formal (se...

então) e- o trabalho com o sentido das palavras, i. é, a técnica, i n c l u i o

controle da heterogeneidade de sentidos.

A técnica exige, pois, além da orientação da estrutura "se... en­

tão", uma intensa atividade de produção de sentidos (ou controle de sen¬

tidos) para a sustentação do "se" porque é preciso conseguir a adesão à

idéia de que a inclusão da parte num todo em que as partes mantêm um

determinado t ipo de relações faz com que cada uma se submeta ao que

vale para o todo..

l I I I 1 1 f l l T f Y f f f l t l l l l l

, Argumentação Jurídica 57

A produção ou o controle de sentidos refere-se, pois, a definir o que é o todo, quais são as suas partes e quais são as relações que elas mantêm entre si dc modo a que se submetam ao todo.

Por exemplo, na argumentação jurídica, é freqüente encontrar a tese de que, se a lei vale (ou não) para o todo, também vale (ou não) para cada parte. Parte-se do pressuposto de que o todo se compõe de partes que têm entre si uma relação de igualdade, o que, especialmente no D i ­reito, necessita de uma série de procedimentos interpretai!vos dos fatos, de modo a que se convença o auditório de que essa relação lógica c sus­tentável. Qualquer deslize ou impropriedade interpretativa fragiiizará a argumentação.

4.6 O ARGUMENTO DA D I V I S Ã O DO TODO EM PARTES L

Trata-se, agora, ao contrário da técnica anterior, não dc tentar demonstrar a inclusão e o submetimento da parte ao todo, mas de que o todo é a soma das partes: o argumentador busca, aqui, quando constrói o sentido do todo, apoio no sentido da parte e no pressuposto de que a soma é a relação que sustenta o todo. O recurso da definição e da deli¬mitação conceituai ocupa-se, em pr imei ro lugar, da parte, para, num se¬gundo momento, baseado no resultado da atividade i n i c i a l , ocupar-se do todo como, por exemplo, ocorre na relação entre gênero e espécie em que, segundo Perelman (3996), "Para poderafirmar algo do gênero, cumpre que esse algo se confirme mima das espécies: o que não faz parte de nenhuma espécie não faz parte do gênero." (p. 265).

Essa técnica pode, por isso, produzir argumentos positivos, va-A lendo-se de todos os efeitos que se pode tirar, pr imeiro , das interpretações v realizadas, e, depois, das operações dc soma, de subtração e de suas com¬

binações como, por exemplo, tentar sustentar que uma comunidade está à mercê das drogas (ou de bandidos e tc) , alistando e quantificando exaus¬tivamente os bairros que acusam o fato, ou que alguém apresenta uma boa (ou má) conduta social produzindo versões boas (ou más) de atos isolados„seus.

É evidente que, neste t ipo de técnica, o argumentador tende a valer-se especialmente do tratamento estatístico e da formulação de tabe¬las, o que significa, novamente, qtie, após a atividade que produz e fixa

. sentidos, atua-sc sobre uma pressuposição, ou seja, a de que a soma, o tratamento estatístico e as tabelas - pelo prestígio de que desfrutam - po¬dem dar à versão a imagem da verdade.

Page 5: Técnicas argumentativas

58

Q

Ingo Voese

O A R G U M E N T O AD IGNORANTIUM

Argumentação Jurídica 59

O argumentador pode, numa situação em que as condições para uma ampla e demorada discussão estejam prejudicadas, valer-se da técni¬ca que consiste em formular os argumentos convenientes à tese, ao mes¬mo tempo em que desafia ~ devido ou à ex igü idade de tempo ou a difi­culdades momentâneas - o auditório a apresentar os que se possam con¬trapor a eles.

No Di re i to , particularmente, o uso dessa técnica pode ser muito eficazA porquanto há, em momentos de análise e intervenção nos conflitos, situações de impasse ou de dificuldades que entravam o avanço do julga¬mento no exato momento em que elas requerem uma decisão urgente.

OS A R G U M E N T O S A PARIE E A CONTRARIO

A concepção de relações ou de inclusão ou de exclusão orienta

essa técnica argumentativa: parte-se, mais uma vez, de uma característica

das ciências lógicorfocrnab ondexmt eliímèfitõ pode, a depender de suas

características, ser ou não incluído uma conjunto mais amplo, do que se

retira a pressuposição de que essa inclusão (ou exclusão) que permite hie¬

rarquizações e classificações c o n t r i b u i para uma aproximação do que é do

nível do verdadeiro. Ess? técnica que constitui os argumentos a pari e a

contrario é muito uti l izada na prática jurídica, como, por exemplo, no

caso em que a le i fala dos direitos dos filhos herdeiros: pelo argumento a

pari tenta-se estender os mesmos às filhas, precisamente porque a inter¬

pretação de filhos diz que a palavra não se refere, neste caso, soreente aos

indivíduos do sexo masculino, mas que o sentido deve ser considerado

genérico e, por isso, i n c l u i os indivíduos de ambos os sexos, o que quer

dizer que a in te rp re tação produziu uma relação de inc lusão . 1 0

Pelo argumento a contrario, porém, pode-se contestar uma in¬

clusão ou igualdade* a depender da interpretação cia l e i , e que permitirá,

então, construir uma relação de exclusão.

Novamente, nos dois tipos de argumentos, a atividade lingüísti¬

ca é fundamental: a sustentação de uma relação de inclusão ou de e x c l u -

No Brasil, o exemplo dado pode até causar estranheza porque os direitos de herança estão garantidos tanto para filhos como para filhas. Em algumas comunidades da Ásia, porém, esse a pari nào acorre: prevalece v ü contrario.

são só pode ser feita uma vez determinado um campo semântico onde se cotejam dois (ou mais) conceitos. A atividade interpretai! va - sempre orientada por interesses bem específicos no caso do Di re i to - visa a in¬clu i r ou excluir um conceito menos amplo num de maior amplitude, aten¬dendo ao prestígio que se confere ao processo dc sistematização e de classificação.

Uma conseqüência, pois, interessante (e absurda) é o que pode acontecer, por exemplo, no julgamento dum estuprador: caso o seu defen¬sor conseguir definir o conceito de sexualidade humana como sendo igual (o que significa inclusão) ao de sexualidade dos animais em geral,

é bem possível que - se a acusação não for competente para desarmar a inclusão - o estuprador seja absolvido e a vítima passe por culpada por ter estimulado a que o macho (como na natureza) se tomasse agressivo e incontrolável na conduta sexual.

4.9 O A R G U M E N T O DA A N A L O G I A

Uma das relações dé igualdade da lógica formal é a analogia cm termos de a 'b assim como c = d% o que pode servir como um recurso para a argumentação jurídica sobre o que Perelman se manifesta como segue:

Ninguém negou a importância da analogia na conduta da inteligên­cia. Todavia, reconhecida por todos como um fator essencial de in­venção, foi olhada com desconfiança assim que se queria transformá-la num meio de prova. (...) Longe de nós a idéia de que uma analogia não possa servir de ponto de partida para verificações posteriores; mas nisso ela não se distingue de nenhmií outro raciocínio, pois as conclusões de todos eles sempre podem ser submetidas a uma nova prova. (...) Todo estudo global da argumentação deve, pois, incluí-la enquanto elemento de prova. ( P E R E L M A N , 1996a, p. 423-24)

Na verdade, a analogia é uma comparação que não visa a dife¬renciar, mas a estabelecer as semelhanças, o que, de certa forma, na práti¬ca jur ídica, aponta para uma igualdade de relações entre os ind iv íduos .

Ass im, se o argumentador escolher um enunciado como, por

exemplo, "Agredir a mulher é como agredir o mcmbro„central da família

c, jpor isso, a célula da sociedade", estará construindo uma r e l a ç ã o de se-

Page 6: Técnicas argumentativas

60 Ingo Voese Argumentação Jurídica 61

mclhança que, ao fazer a valorização do instituído social, cria condições de valorizar a família e a mulher, ao mesmo tempo que reforça a acusa¬rão contra um eventual agressor.

Outro efeito interessante da analogia se dá quando o argumen-

tador quer desqualificar alguém comparaudo-o com o que é desprezível

aos olhos do auditório: cria-se uma associação entre o indivíduo e o que é

desqualificante - efeito da relação de igualdade que a técnica cult iva

como pressuposição.

A inda um outro aspecto da técnica diz respeito ao cuidado na construção da analogia, pois

A escolha dos termos de comparação adaptados ao auditório pode ser um elemento essencial da eficácia de um argumento, mesmo quando se trata da comparação numericamente especificável: haverá vanta¬gem, em certos casos, em descrever um país como tendo nove vezes o tamanho da França em vez de descrevê-lo como tendo a metade do Brasil ( P E R E L M A N , 1996a, p. 278)

A escolha dos termos (por exemplo, dos mímeros) ê importante porque cada atteração produz diferentes efeitos de convencimento, po¬dendo inclusive criar - especialmente no caso das estatísticas - uma ima¬gem de credibilidade que, como se sabe, nem sempre se jus t i f i ca , mas se torna decisiva para o argumentador conseguir a adesão do auditório.

De qualquer forma, a construção de uma analogia, apesar dc to¬dos os cuidados do argumentador na avaliação do auditório, sempre re¬vela um caráter de instabilidade pu de fragilidade, precisamente porque basta a lguém não aceitar uma semelhança estabelecida para que todas as conclusões que dela se retiraram sejam também rejeitadas.

4.1 o O ARGUMENTO DA F IXAÇÃO DE UM GRAU

O recurso a esse argumento permite, através do processo de comparação, um cotejo entre vários? objetos para avaliá-los um em relação ao outro e estabelecer as diferenças dc grau de qualidades ou dc caracte¬rísticas. A técnica difere do argumento de identificação como o da analo¬gia porque atua ou com uma oposição (Justo x injusto) ou de ordena­mento (mais justo que e tc) , mas mantém a pressuposição de que o orde¬namento hierárquico pode facilitar b acesso ao que é verdadeiro.

A atividade é essencialmente lingüística, o que pode ser obser¬vado tomando, como exemplo, a disposição bipolar dascores, onde num extremo da escala se suponha estar o azul e noutro o amarelo: a mistura das cores pode ser feita partindo dc um ou outro ponto da escala e faz com que, querendo nomear as cores intermediárias, e pani ndo do amarelo em direção ao azul, possam ser utilizadas indist intameite as expressões verde mais amarelado e verde menos azulado. Tomandocomo referência o outro extremo, as expressões que designarão as ap rox imações deverão ser verde mais azulado e verde menos amarelado.

Isso quer dizer que as escolhas parecem equivalentes, mas, na verdade, produzem efeitos diferenciados: o verde é classificado a partir ou do amarelo ou do azul, o que quer dizer que a escolha do ex¬tremo definidor corresponde, na verdade, à escolha da referência i n -terpretativa.

Ora, isso leva a que se constate que a argumentação, ao valer-se dessa técnica, atua, em pr imeiro lugar, com linguagem porque, substitu¬indo as cores por outros pares de expressões como correta c incorreto,

justo e injusto, bom e mau, social e ann-sacial tite, é necessário definir e ..delimitar as-referência? para, depois, proceder às classificações que, em¬bora contenham os quantificadores mais c menos, se fazem pela expres¬são utilizada, ou seja, correto ou incorreto Justo ou injusto etc.

Os efeitos que os qualificadores produzem são, evidentemente, diferenciados e explicam tanto a sutileza como a força do argumento, ainda mais quando o argumentador, ab trabalhar a escala de mais e me¬

nos, se valer da situação e demarcar o lugar de um supeiiaii vo em termos de o verde mais amarelado ou o verde menos azulado, o verde mais azu¬

lado e o verde menos amarelado, ou, no caso do Di re i to , o mais justo

etc: o uso do superlativo produzirá um argumento bastante agressivo que pode, em determinadas circunstâncias, causar efeitos mais eficientes do que a simples comparação.

4.11 O ARGUMENTO DA R E L A Ç Ã O DE MEIOS E FINS

Essa técnica pode ser considerada como um processo que, de

certo modo, também - como as técnicas anteriores - u t i l i z a a compa¬

ração, pois realiza o cotejo entre duas realidades, não visando, porém,

a estabelecer semelhanças pu , a hierarquizar qualidades, mas, a avaliar

os sacrifícios ou meios que a obtenção dc um resultado estaria exigindo.

Page 7: Técnicas argumentativas

62 Ingo Voese

U n i exemplo típico de argumento que é resultado do acolhi¬mento da relação entre meio e fim é o contrato de compra e venda: a pro¬posta de aquisição de um bem requer um determinado sacrifício (paga¬mento e tc) , ou seja, o f i m explica (pu jus t i f ica) a alocação de determina¬dos meios.

Na argumentação jur íd ica , a i nvocação de meios necessários pode tanto servir à acusação como, à defesa, e produz efeitos importantes como, por exemplo, ocorre com frases como só acredito em quem sabe respeitar as leis, só acredito em quem sabe perdoar, só acredito em justi¬ça quando houver rigor na aplicação da lei, só acredito em diminuição da violência com a implantação da pena de morte, o que quer dizer que, para conseguir credibilidade, os meios necessários são saber respeitar as leis, saber perdoar, ser rigoroso na aplicação lei ou implantar a pena de morte: o argumentador toma como referência um f i m - credibilidade, por exemplo - que mereça a aprovação do auditório e que, por isso, deve dar condições a que os meios propostos também sejam aprovados.

Observa-se, pois, nesta técnica, também a necessidade de inten¬sa atividade lingüística - interpretai deiimiiar* definiretc; cr que desta­ca a sua importância para a argumentação jur íd ica , principalmente quan­do se sabe que a técnica pode gerar argumentos como Os fins s&nprc jus¬

tificam os meiosr e que, na tentativa de promover a justiça, criarão, com certeza, empecilhos indesejáveis e desastrosos, porquanto a pressuposição contida no enunciado constitui , dentro da heterogeneidade social e da desigualdade de forças e poderes, a possibilidade de implantação do auto¬ri tar ismo e do abuso de poder.

4.12 O A R G U M E N T O DA P R O B A B I L I D A D E

U m a técnica de argumentação m u i t o usada, mesmo (ou espe¬cialmente) para realidades não-quantificáveis, é a que busca o modelo lóg ico- formal para valer-se das estatísticas e do cálculo de probabilidades que, se nas ciências matemáticas e naturais, têm sua importância, no D i ¬reito, só devem a sua utilização ao status do procedimento, pois a reali¬dade a ser abordada d i f ic i lmente permite quantificações e cálculos proba-bi l ís t icos .

Ass im, por exemplo, num julgamento, o uso da estatística em

relação ao comportamento humano para determinar a probabilidade do

percentual de responsabilidade ou do i n d i v f d u o o u da sociedade na ocor¬

rência do del i to , pode facil i tar a-tarefa do argumentador, especialmente

Argumentação Jurídica 63

pela imagem de credibilidade que os números constroen. Trata-se, po¬rém, da instituição de um tratamento uniforme para umarealidadc que é heterogênea, o que indica os múltiplos usos (e abusos) a (ue essa técnica pode servir.

Além disso, não se deve esquecer que qualquer f a to - jurídico ou não - pode ser abordado a partir de diferentes variávás ou conceitos operacionais, ou seja, os números e as estatísticas vão d a r u c r e d t b i l i d a d e " àquilo a que o argumentador quiser dar, mas não são capaies de produzir, no D i r e i t o , as "verdades" que aparentam produzir, ou seja, a realidade analisada nos tratamentos estatísticos nunca é uma totaíclade, mas um recorte produzido pela intervenção do analista ao se valer cie categorias operacionais escolhidas por ele: conceitos e sentidos adottclos e produzi¬dos podem e devem, pois, no caso de um debate - especialmente no D i ¬reito - ser rèlativizados, embora sejam eficientes como argumentos, des¬de que a pressuposição de que a técnica seja válida tenha acolhida pelo auditório.

4.T3 O ARGUMENTO DO V Í N C U L O C A U S A L

Uma argumentação pode escolher por estabelecer um vínculo causai entre:

a) dois acontecimentos sucessivos;

b) um acontecimento e uma causa determinante;

c) um acontecimento e seus efeitos prováveis;

No p r ime i ro caso, a argumentação visará à sustentação da tese de que um acontecimento que sucede imediatamente a outro tem com este um vínculo causai, ou seja, é conseqüência: se hão houvesse o primeiro, não haveria o segundo.

Já é diferente a relação causai que se pretende sustentar no se¬gundo caso: um fato ocorrido não tem necessariamente a sua origem num outro imediatamente anterior, mas num ponto qualquer que depen¬de da escolha do argumentador. Por isso, determinar uma causa de um ato permite que o argumentador,-valendo-se da riqueza de seu sistema dç referência, construa argumentos extremamente, fortes como, por exemplo, no Di re i to , o da necessidade ou inex ig ib i l idade de conduta diferente.

Page 8: Técnicas argumentativas

64 Ingo Voese -

Pode, porém, como no último caso, o argumentador construir uma relação causai entre o fato ocorrido e uma situação futura.

No caso da argumentação ju r íd ica , a técnica que se vale de determinados procedimentos das ciências lógico-formais , precisa -como todas as demais técnicas - cuidar da atividade lingüística, pois fica evidente que um vínculo causai, qualquer que seja, necessita de interpretações que produzam sentidos que possam suportar essa relação de causalidade, especialmente, tomando em consideração que se atua com valorações diferenciadas que se o r ig inam da heterogeneidade refe­rencial . *

4.14 O ARGUMENTO P R A G M Á T I C O

O argumento pragmático aprecia um acontecimento pelas con¬

seqüências favoráveis ou desfavoráveis que poderá provocar nos aconte­

cimentos c na vida prática. Na verdade, "Esse argumento desempenha um

papel a tal ponto essencial na argumentação que certos autores quiseram

ver nele o esquema único da logfcvido?juízos de valor9. ( P E R E L M A N ,

1996a, p. 303)

A técnica, pois, através da qual se tomam elementos do nível

pragmático como argumentos é valorizada sobremodo na prática jurídica

porque as atividades referem-se a questões que dizem respeito quase

sempre a problemas das relações sociais e que envolvem valores.

Por isso, pôr exemplo, a condenação (ou a absolvição) .do réu

pode ser construída, sustentando o que a sentença poderá significar paia o

bem-estar da sociedade. Ao propor o sucesso (ou a felicidade, bem-estar

etc.) como critério de avaliação, o argumentador vale-se da técnica para

apoiar-se em determinada hierarquia de valores que, obviamente, não

precisa ser considerada a única e a melhor, mas que é sempre produto de

uma atividade interpretativa que visa à defesa de interesses específicos e

atua sobre a heterogeneidade referencial.

A força do argumento pragmático está, pois, no fato de ele d i¬

zer respeito aos sentidos da vida, do cotidiano das pessoas, dos projetos

pessoais etc., elementos que pertencem ao nível imediato do contexto

do fato em julgamento e que, às vezes, podem, tendo em vista os siste-r

mas de referência do auditório, produzir maiores efeitos do que aqui lo

que se coloca num horizonte mais distante como, por exemplo, concep¬

ções ideológicas.

Argumentação Jurídica 65

4.15 O ARGUMENTO DO D E S P E R D Í C I O

A técnica em dizer que uma vez que já se começou a fazer alço (obra etc.) seria um desperdício não continuá-la, na prática jurídica, pode ' significar, por exemplo, que não se deve perder uma oportunidade de condenar ou dc absolver alguém porque já existem meios para atender os efeitos cia decisão/sentença. Haveria, pois, um desperdício de meios pro­duzidos pela sociedade c seria inaceitável, por isso, não ap l i cá - los ou uti¬lizá-los, o que possibilita que a criação e a manutenção da polícia, do exército, do sistema carcerário etc. possam ser invocadas como argu¬mentos para sustentar a idéia de que é um desperdício de custos querer, num dado momento, por razões diversas, desativar ou desconsiderar o emprego do que já foi criado.

4.16 O ARGUMENTO DA D I R E Ç Ã O „,.

Basear-se na concepção que pressupõe-queos fatos e a realida->xie*$e-eonstfruem por etapas que mantêm entre si uma re lação de causa e efeito, refere-se à técnica da qual resultam, como argumentos, as conside¬rações contra ou a favor da sucessão de etapas (prováveis) que um fato poderá gerar: é o que orienta o argumento da direção.

Por exemplo, no D i r e i t o , quando estiver em discussão o con¬trole da violência, o argumento pode dizer que, se nós vamos ceder desta vez, deveremos cederum pouco mais na próxima, e sabe Deus onde va­mos parar.

E n f i m , o argumento da direção concebe a História como uma linearidade que se sustenta por relações lógicas e desconsidera a possibi¬lidade de que, fora da seqüência de etapas, possa existir algo que explique melhor um determinado acontecimento.

4,17 -O A R G U M E N T O QUE RELACIONA ATO E P E S S O A

Esse t ipo de argumento tem especial importância no D i r e i t o , porque caracteriza uma presunção jurídica que diz que o valor de um ato revela o valor da pessoa (diferente da presunção rel igiosa, por exemplo, que considera que cada pessoa vale mais do que o pior de seus atos).

Page 9: Técnicas argumentativas

66 Ingo Voese Argumentação Jurídica 67

A dif iculdade da invocação ou da sustentação dessa relação en¬tre ato e pessoa diz respeito à questão da subjetividade, isto ét saber o que e social e o que é de ordem pessoal nas motivações e determinações dos atos que os indivíduos realizam.

Por exemplo, se o valor do ato determina apenas o valor da pessoa quer-se dizer que a responsabilidade do ato é inteiramente dc seu autor. A sociedade, nessa concepção, não exerce nenhuma pressão sobre as condutas, o que„ evidentemente, é questionável. A concepção inversa igualmente deve ser considerada um equívoco porque significa afirmar que o indivíduo não tem nenhuma responsabilidade por seus atos.

A complexidade reside, evidentemente, em conseguir demons¬trai* ou quantificar o grau de responsabilidade do indivíduo e da socieda¬de, o que representa, contudo, a condição para que a técnica possa ser ut i l izada para a produção de argumentos tanto para a defesa como para a a c u s a ç ã o do réu.

. x

4.18 O A R G U M E N T O DA A U T O R I D A D E

O instituído social prevê, entre os valores que protege, um des¬taque especial para as falas de autoridade, ou seja, valoriza as falas de acordo com o prestígio do lugar social que QS indivíduos ocupam.

Esse prestígio pode estar ligado não só à força e poder de de¬

terminados segmentos sociais, mas também, à importância que se dá a

certas atividades acadêmicas e profissionais.

O argumento da autoridade parte, assim, do pressuposto de que

a citação de outrem possibilita usar o prestígio e a autoridade do enunciante

citado, valorizando o citado coníô argumento. Para conseguir a adesão a

uma tese, o argumentador buscff, pois, dar à própria fala o prestígio e a

autoridade de outrem, citando o que entende como conveniente à susten¬

tação que está fazendo.

Para Perelman, "...existe uma série de argumentos cujo alcance

é totalmente condicionado pelo prestígio. A palavra de honra, dada por

alguém como\micaprova de umà asserção, dependerá da opinião que se

tem dessa pessoa como homem de honra..". (1996a, p. 347)

Por isso, investir no prestígio ou na autoridade da fala de outrem

pode até ser crit icado como procedimento que busca sustentar uma tese,

mas isso leva Perelman, quando se refere à estratégia m u i t o utilizada no Direito, a afirmar:

Mas não c uma ilusão deplorável crer que os juristas se ocupam uni­camente com a verdade, e não com justiça nem com paz social? Ora. a busca da justiça, a manutenção de uma ordem eqiiitativa, da con­fiança social, não podem deixar de lado as considerações fundamen­tadas na existência de uma tradição jurídica, a qual se manifesta tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Para atestar a existência dc semelhante tradição, o recurso ao argumento de autoridade c ine­vitável. [Op. cit.,[i. 349)

A citação, contudo, não serve apenas para valer-se do prestí¬gio de outrem mas também pode ter por obje t ivo desautorizar e desva¬lorizar determinados argufhentos de alguém a quem se busque imputar uma falta de autoridade: a técnica pode, pois, tanto servir para reforçar como desvalorizar uma atividade argumentativa e requer, por isso, que o indivíduo oitante-sarlyanão só interpretar mas também avaliar corre¬tamente as valorizações sociais das falas ou linguagens, fazer os re¬cortes convenientes e integrá-los de modo a que eles produzam os me¬lhores efeitos.

Para Maingucneau (1989), "Aí reside toda a ambigüidade do distanciamento: o locutor citado aparece, ao mesmo tempo, como o não-eu, em relação ao qual o locutor se delimita, e como 'autoridade' que protege a asserção. Pode-se tanto dizer que 'o que enuncio é verdade porque não sou eu que o digo*, quanto o contrário", (p. 8 6 ) 1 1 .

O recurso da citação, no D i r e i t o , busca - quase sempre - trabalhar „ com a exemplificação; toma-se um julgamento já ocorrido como orientação

para a interpretação e avaliação duma nova situação. Isso pode ser inte¬ressante até o l i m i t e em que se puder sustentar que a distância histórica não torna imprópria a comparação dos dois momentos e, por isso, será problemáticQ, por exemplo, considerar.uma jurisprudência sempre atuali¬zada, em especial, quando se sabe que houve época em que a defesa de alguns tipos de crimes acolhia a j u s t i f i c a t i v a de crime contra a honra

masculina. Ou seja, as interpretações c os julgamentos dos fatos não são

Além dos trabalhos de Maingueneau, existem inúmeros outros estudos interessantes (BAKHTIN, 1986, por exemplo) que se ocupam des*sa relação entre uma fala citante e outra citada, o que deve ser entendido como sinal de que as formas e os efeitos são va­riados e ricos.

Page 10: Técnicas argumentativas

68 Ingo Voese Argumentação Jurídica 69

estáticos e, por isso, nem sempre a citação auxil ia o argumentador na produção da v e r s ã o e na sustentação da tese.

4.19 O ARGUMENTO DA R E L A Ç Ã O ENTRE ATO E E S S Ê N C I A

Um modo de explicar (ou de interpretar) a realidade busca asso¬ciar e explicar fatos particulares como manifestações de uma essência, como se determinados acontecimentos pudessem ser agrupados a partir de uma semelhança ou um ponto comum. Isso pode servir de base, espe¬cialmente na argumentação jur íd ica - onde a essência eqüivale ao que é considerado normal e legal - para construir, por exemplo, a noção de que o delito se opõe a uma essência, ou é um abuso que se faz contra ela: o que é normal é de acordo com a essência, c o delito é um abuso porque coloca-se contra o normal .

Na verdade, a pressuposição que dá lugar a essa técnica argu-mentat iva pode tambémAservir à u t i l i zaçãodumá estratégiamístificadora, como se poderá observar no próximo capítula.

4.20 O A R G U M E N T O DO E X E M P L O

O exemplo é um argumento, mas não uma prova: é um recurso para sustentar uma tese, especialmente na construção de uma generaliza­ção e, "Seja qual for a maneira pela qual o exemplo é apresentado, em

qualquer área que se desenvolva a argumentação, o exemplo invocado

deverá, para ser tomado como tal, usufruir estatuto de fato, pelo menos

provisoriamente; a grande vantagem de sua utilização é dirigir a atenção

a esse estatuto", ( P E R E L M A N , 1996a, p. 402)

O estatuto, pois, do argumento do exemplo deve-se a uma pres¬suposição, ou seja, a que diz que, para os exemplos conduzirem a uma generalização convincente, é preciso que eles suportem, além de uma vinculação estreita entre s i , a idéia de que da generalização que eles pos¬s i b i l i t a m se pode extrair uma verdade.

A generalização é, pois, um processo em que o argumentador,

valendo-se de versões (sentidosjAe fatos e situações particulares, constrói

uma idéia geral, como se, através desse processoA pudesse alcançar uma

verdade irrefutável. Em outros termos, ela é o processo que agrupa várias

singularidades numa categoria mais ampla e geral, para o que elimina, por abstração, os traços singularizantes e mantém apenas os traços gené ­ricos.

Embora no raciocínio formal isso até possa ser admitido, na prática jurídica a generalização assume enormes riscos, pois ela se realiza em função da heterogeneidade social: como superar o c o n f l i t o dos inúme¬ros sistemas de referencia sem incorrer num processo de hierarquização e valoração cios segmentos sociais - vale dizer, acionar o processo ideoló¬gico?

como recurso, numa disputa jurídica, pode, contudo, a gene¬ralização apresentar - especialmente se o argumentador fizer corretas avaliações do auditório - efeitos favoráveis porque,

Em direito, notadamente, enquanto se reserva às vezes o nome de precedente à primeira decisão tomada segundo certa interpretação á lei, o alcance desse julgamento pode só ser depreendido aos pou¬cos, depois de decisões posteriores. Assim, o fato de contentar-se com um único exemplo na argumentação parece indicar que não se percebe nenhuma dúvida quanto ao modo dc generalizar. (Op. c/7., p. 404)

Isso quer dizer que a maior dificuldade da exemplificação diz respeito ao trabalho com a linguagem: os sentidos extraídos dos exemplos devem servir à aprovação da generalização proposta, o que, em qualquer raciocínio e, sobremodo no D i r e i t o , é fundamental.

4.21 O ARGUMENTO DA ILUSTRAÇÃO

Diferente do argumento do exemplo, onde se busca agrupar di¬

-. iíerentes versões dé fatos de modo a construir uma regra, a técnica da

ilustração tem a função de reforçar a adesão a uma regra conhecida e já

aceita - escolhida como referência para a sustentação duma tese.

A atividade consiste em enriquecer o que resultou dum pro- a

cesso de generalização- com a exposição de fotos, f i lmes , gravações,

quadros etc. que não só esclarecem a regra mas também demonstram a

sua aplicabilidade; o que leva a que se considere a ilustração um tipo de

argumento.

Page 11: Técnicas argumentativas

70 ingo Voese_

O argumento da ilustração pode até ser duvidoso» mas, ao i m ­pressionar a imaginação, provoca efeitos de convencimento muito fortes, porquanto oferece singularidades ilustrativas, isto é, elementos de reforço a concepções ou regras que já pertencem ao insti tuto social.

Para finalizar, é preciso ter claro que, apesar da força e da di¬

versidade de argumentos, só eles não garantem a adesão do auditório a

teses e o acolhimento de justificativas que as decisões e as sentenças exi¬

gem no D i r e i t o : há, ainda, um outro conjunto de atividades que o argu-

mentador precisa realizar» e que dizem respeito a preencher as condições

necessárias para que a argumentação possa realizar-se enquanto i n t e r a ­

ção, e, assim, possam ser produzidos os efeitos desejados. É preciso,

abordar, neste momento, as estratégias de a r g u m e n t a ç ã o entendidas

como es t ra tégias de in t e ração .

ESTRATÉGIAS A R G U M E N T A T I V A S

5

Todo ato de fala - e, por isso, também a argumentação ~ pode ser entendido como uma atividade interativa porque envolve ações diferencia¬das, mas interdependentes, de um enunciante e de um auditório. Em outros JterjBos,..na-interação, arcada ação corresponde uma reação, o que implica dizer que, em grande parte, as ações de quem fala são determinadas pelas reações efetivas ou prováveis do auditório, embora não se deva desconside¬rar os privilégios de delimitação dos sentidos de que usufrui o enunciante: ele dispõe de espaço e tempo para alocar inúmeros recursos, sejam eles lingüísticos, discursivos ou lógicos, para orientar e influir na produção dos sentidos que lhe interessa fixar como válidos. E como há objetivos e/ou interesses envolvidos na argumentação, cabe imaginar disputas e confron¬tos, o que implica falar em estratégias argumentativas, entendidas como procedimentos que podem facilitar o convencimento e a adesão.

Nestes termos, a crítica que Sampaio Ferraz Jr. (1997) faz a Pe-relman, dizendo que a argumentação jurídica, assim como é abordada por ele, dá a falsa impressão de que todos os efeitos do ato argumentativo parecem se originar da atividade do enunciante, é pertinente: é preciso considerar a argumentação jur ídica um processo que, embora mantenha

-semelhanças com outros processos interativos, tem peculiaridades que a„ diferenciam dos demais tipos de interações.

Conceber a argumentação jurídica como interação resulta numa

compreensão mais ampla não só do processo em si, mas também, da es¬

pecificidade da atividade, porquanto o enunciante obrigatoriamente deve¬

rá dar atenção especial não ao interlocutor com quem faz as alternâncias

de atividade, mas a um terceiro elemento a quem caberá recolher das at i-