teatro no brasil

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Cultura

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  • FALL 1977 17

    Alguns Aspectos do Teatro no Brasil nos Sculos XVIII e XIX

    NELSON DE ARAJO

    A segunda metade do sculo XVIII significou, para o teatro brasileiro, o aparecimento das primeiras casas de espetculos, com a implantao de elencos regulares, e de incipiente, mas bem caracterizada profissionalizao. Recebeu tambm a colnia lusitana na Amrica, quela poca, a primeira visita de com-panhia europeia, a do ator portugus Antnio Jos de Paula, que esteve no Rio de Janeiro, retornando a Portugal em 1794. A diversificao de gneros, uma das tnicas do teatro portugus de ento, teve alguns reflexos no Brasil, ao menos fazendo chegar at o Rio o teatro de bonecos, extremamente popular em Lisboa, cedo testemunhado por viajantes estrangeiros na cidade brasileira.

    O incio do sculo viu amiudarem-se os espetculos teatrais em solenidades pblicas, como j vinha acontecendo no anterior. Seis comdias foram encenadas na Bahia em 1729 para celebrar o casamento do Prncipe do Brasil com a Infanta de Castela, entre as quais Fineza contra fineza, de Caldern, e El desdn con el desdn, de Moreto. Outros desposorios, os de Dona Maria, Princesa do Brasil, com o Infante de Portugal, foram comemorados em 1760, em Santo Amaro da Purificao, no Recncavo baianoe brilhantemente tambm em Salvador1com os funcionrios da Justia financiando a apresentao de uma "pera da fbula de Anfitrio" pelos alunos da classe do Padre Joo Pinheiro de Lemos. de admitir-se que esta "fbula" no foi seno a pea do mesmo tema de Antnio Jos da Silva, "o Judeu,"2 que teve algumas das suas obras encenadas no Brasil do sculo XVIII, inclusive na Casa da pera do Padre Ventura,3 do Rio de Janeiro, destruda em incndio, em 1769. Em Vila Rica, em Diamantina, em Cuiab, em Mariana, no Recife, no Rio de Janeiro, no Maranho, no Par, e certamente em outros pontos do pas, espetculos pblicos semelhantes aconte-ceram, no somente na primeira parte, como por todo o curso do sculo.

    Tornaram-se mais frequentes e melhor definidas as formas populares de repre-sentao e de espetculos, aps os primeiros passos ensaiados no sculo anterior.

  • 18 LATIN AMERICAN THEATRE REVIEW A mesma fonte que descreve a encenao da "fbula de Anfitrio" no Recncavo baiano, a Relao escrita por Francisco Calmon, da Academia dos Renascidos, e publicada em Lisboa em 1762, proporciona minudentes informaes sobre "folguedos" populares que complementaram a representao teatral, com meno expressa das "taieiras" e "quicumbis," ou "cacumbis,"4 assim como de danas relacionadas com as atividades profissionais, enumerando-se as dos marceneiros, alfaiates e cutileiros. Convm lembrar que Santo Amaro da Purificao, a cidade baiana objeto da Relao de Francisco Calmon, retm a tradio do "maclele,"5 que se pode associar ltima categoria acima citada. O documento acrescenta uma "congada,"6 forma de representao que reaparece em festividades sob o mesmo pretexto celebradas no Rio de Janeiro. A Narrao escrita pelo Padre Manuel de Cerqueira Torres sobre as celebraes de 1760 em Salvador descreve danas de marujos, danas da populao negra e cigana, alm de mencionar comdias encenadas. Esta funo comemorativa do teatro, extensa no decorrer do sculo XVIII, despontaracomo j se observouno sculo XVII, inquieto momento da Histria brasileira. O teatro somara-se s homenagens prestadas a D. Joo IV, quando da sua aclamao como Rei de Portugal, uma vez separados os reinos ibricos. No Rio, em abril de 1641, houve comdias como parte das comemoraes ali realizadas. No Recife, sob o mesmo pretexto e no mesmo mes, apresentou-se uma obra em francs. A estes espetculos do ms de abril de 1641, j mencionados pelos historiadores do teatro brasileiro, acrescenta-se no presente trabalho outro ainda no anotado, o que se fez na Bahia s expensas dos comer-ciantes locais, conforme as Atas da Cmara do perodo.7 Prontamente os patro-cinadores requereram aos vereadores iseno dos cortejos religiosos, salvo os de Corpus Christi, e naturalmente das suas despesas, "em rezo do custo que fizeram com as comdias que se apresentaram nas festas del-Rei Nosso Senhor." esta a primeira referncia a espetculos teatrais no-religiosos na Bahia seiscentista. Em 1662 outros se teriam realizado para comemorar o casamento de Carlos II da Inglaterra com a Infanta portuguesa Dona Catarina, como revelam as Atas da Cmara\ Carlos II, o mesmo que com o trono restaurou o teatro na Inglaterra e que no escapou aos encantos da plebeia e talentosa atriz Ellen Gwynn.

    Fato de natureza diversa, e de significao ainda maior para o teatro brasileiro no sculo XVIII, foi a construo de "casas da pera" ou "casas de comdia" em vrias cidades: Vila Rica, Salvador, So Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife. A primeira sala permanente apareceu na Bahia, com a adaptao de um dos recintos do edifcio da Cmara de Vereadores, feita em 1729 e desfeita em 1733, para a montagem de comdias.8 Em 1748 j existia no Rio de Janeiro uma casa da pera. De 1760 foi a edificao do Teatro da Praia, na Bahia.

    O repertrio que sustentou os diferentes tipos de teatro no Brasil no sculo XVIII continuou marcado pela dramaturgia espanhola, mas admitiu autores como Metastsio, Moliere, Voltaire e Mafei, por fora da sua voga em Portugal, em verses profundamente adaptadas. de notar a reincidncia do drama re-ligioso no mbito dos colgios. Isto aconteceu nas dcadas iniciais, no Maranho, onde os jesutas fizeram representar, em 1731, uma pea intitulada Concrdia; no Par, em 1739, onde se encenou Hercules Gallicus, Religionis Vindex, do Padre Aleixo Antnio, e em outras partes do Pas. A documentao deixa trans-pirar escassas informaes sobre alguns textos de origem portuguesa, como os de

  • FALL 1977 19 "o Judeu," a tragdia Ins de Castro e entremezes, um dos quais intitulado Saloio Cidadoy todos encenados em Cuiab, em 1790.

    O pernambucano Lus lvares Pinto (1719-C.1789), autor de Amor Mal Correspondido (do qual restam pequenos fragmentos), aparece como um dos primeiros brasileirosseno o primeiroa terem peas de sua autoria levadas a palcos regulares. Sua obra foi apresentada em 1780, em teatro construdo no Recife em 1772 e existente at 1850. A produo pernambucana, da categoria que se poderia chamar dos "amadores," foi numerosa e dela, com o escrpulo de assinalar as encenaes, d conta o cronista setecentista Domingos de Loreto Couto {Desagravos do Brazil e Glorias de Pernambuco), que arrolou pelo menos oito autores, com vrias obras tambm em castelhano. Os poetas da Inconfidncia Mineira pisaram vagamente o terreno do teatro. Deles sobrevive apenas O Parnaso Obsequiosoy de Cludio Manuel da Costa (1729-1789), texto alegrico de diludo valor, encenado em Vila Rica em 1768, no Rio de Janeiro e ao que parece em mais alguns lugares. De Alvarenga Peixoto (1744-1793), outro dos rcades de Minas, sabe-se ter escrito um Eneias no Lcio, cujo texto se perdeu, bem como traduzido a tragdia Merope, de Maflei.

    A histria dos elencos profissionais no Brasil comeou com o que foi criado no Rio de Janeiro pelo Vice-Rei Lus de Vasconcelos, nas derradeiras dcadas de 1700, sob a direao do Tenente-Coronel de Milcias Antnio Nascentes Pinto, ele prprio tradutor de peas. No perodo, contratos foram assinados em cartrios para a constituio de elencos para as casas da pera de Porto Alegre e So Paulo. Contingentes de homens de cor compunham esses primeiros grupos, tal como in-formam as Cartas Chilenas, de Toms Antnio Gonzaga (1774-1809), e mais extensamente os comentrios, de autoria desconhecida, sobre as peas apresentadas em 1790 em Cuiab, pela passagem do aniversrio do Ouvidor Diogo de Toledo Ordonhes, a que j se fez referncia.

    Por fora dessa permanente presena do negro no palco, que se prolongou at o sculo XIX, foram os prprios ex-escravos brasileiros os criadores do teatro maneira europeia em certas regies africanas, para onde retornaram j livres, no gradativo processo da abolio da escravatura no Brasil. Este o caso da atual Nigria. O primeiro elenco regular da cidade de Lagos, denominado Brazilian Dramatic Company (grafado em ingls o seu nome em todos os documentos), foi fundado em 1880 pelo brasileiro Z. P. Silva, que por longo tempo se manteve frente do grupo, dedicado ao teatro e msica. A primazia assegurada por mais de um autor africano, a exemplo de Oyekan Owomoyela, em seu ensaio Folklore and Yoruba Theatre, que por sua vez menciona a propsito o trabalho de Lynn Leonard intitulado The Growth of Entertainments of Non-African Origin in Lagos from 1866-1920? H informaes sobre um espetculo encenado pela Brazilian Dramatic Company, com o patrocnio do cnsul alemo na cidade, Sr. Heinrich Bey, a 23 de maio de 1882, em homenagem Rainha Vitria, ocasio em que o palco "estava decorado com gosto, e as representaes consistiram de peas humorsticas, dramticas e outras, e execues de violino e violo," segundo relata o escritor nigeriano Michael J. C. Echeruo. Mais significativa ainda a informao recolhida por Pierre Verger, do jornal Lagos Times, de 8 de dezembro de 1880, sobre atividades mais remotas dessa Brazilian Dramatic Company: "Uma representao dramtica em homenagem ao aniversrio de D. Pedro II, Imperador

  • 20 LATIN AMERICAN THEATRE REVIEW do Brasil, foi oferecida pela companhia dramtica brasileira no Phoenix Hall, no quinta-feira, 2 do corrente, pela noite. O divertimento teve numerosos as-sistentes e foi animado pela msica de uma orquestra." Firmado em fontes nigerianas, escreve um comentarista norte-americano: "Alguns dos membros desta sociedade dramtica negra, de nomes adquiridos no Brasil, como da Costa, Campos, Barboza e Silva, deveriam tornar-se figuras de destaque nos meios musicais de Lagos. Infelizmente o movimento de 'concertos' no durou mais de algumas dcadas, pois lhe faltavam 'razes fortes e independentes no solo ni-geriano.' "10 Informaes mais recentes, divulgadas por Manuela Carneiro da Cunha (ver seu artigo Brasileiros Nags em Lagos no Sculo XIX), do conta de novos grupos e de novas atividades artsticas dos "brasileiros" repatriados: "Em 1896, a atuao de }. L. Gomes, em Zabedeu Carrancudo, encenado no Lagos Cricket Club, arrancava aplausos {Lagos Standard, 23, set. 1896), e em 1910, a sociedade Flor do Dia dava uma representao em presena do governador, na qual encenou Le bourgeois gentilhomme (The Nigerian Times, 20. dez. 1910)."

    Tambm as formas brasileiras de teatro folclrico foram levadas frica. No Daom ainda sobrevive a "burrinha,"11 anualmente apresentada por uma associao de descendentes de brasileiros. E em Lagos, at data recente, o "bumba-meu-boi," fiel ao modelo original, percorria regularmente as ruas da cidade.

    A transferncia da famlia real portuguesa para o Brasil teve repercusso sobre a vida teatral, do mesmo modo como aconteceu msica e ao drama lrico, estimulados por D. Joo VI. Em 1813, abria as suas portas, no Rio de Janeiro, o Real Teatro S. Joo, iniciativa privada que contou com o apoio oficial. Mais de vinte dessas casas foram no perodo construdas em diversas cidades. Na Bahia, inaugurou-se em 1812 o Real Teatro S. Joo. A afluncia de troupes europeias sobretudo portuguesasmarcou tambm o tempo.

    O agitado perodo poltico que o Brasil viveu antes e aps a Independncia consolidou o terreno para a criao de um teatro verdadeiramente nacional, que seria obra da primeira gerao romntica. Como fato dos mais significativos do quartel inicial do sculo XIX, houve a sensibilizao de maiores camadas do pb-lico para os espetculos, no s teatrais, como lricos e de bal, possvel graas construo de bom numero de edifcios, a presena de companhias estrangeiras, e a organizao de elencos brasileiros estveis. Os fatos polticos por mais de uma vez refletiram-se nos recintos teatrais, como bem ilustra o depoimento de Cari Seidler,12 sobre o que vira no Rio de Janeiro em 1826: "O teatro imperial tornou-se o teatro de novo drama nacional. Toda gente participava na apresentao, no palco, atrs dos bastidores, na plateia, nos camarotes, nas galerias; na tola loucura do entusiasmo da hora todos se supunham artistas natos." No repertrio, peas polticas de circunstncia acrescentaram-se aos dramas europeus de inclinao romntica ou liberal, enquanto surgiam grupos amadores, com a participao de letrados e estudantes.

    Trs nomes da primeira gerao romntica contriburam decisivamente para imprimir feies nacionais a este quadro de um Pr-Romantismo brasileiro: Gonalves de Magalhes (1811-1882), Martins Pena e Joo Caetano. Costuma-se estabelecer como data inaugural desta fase o ano de 1838, o da apresentao da tragdia Antnio Jos, ou o Poeta e a Inquisio, do primeiro desses dois autores,

  • FALL 1977 21 protagonizado por Joo Caetano, a 13 de maro, no Teatro Constitucional Flu-minense. Mas 1838 assinalou tambm a estreia de O Juiz de Paz da Roa, de Martins Pena (1815-1848), acontecimento de importncia ainda maior, como incio de uma dramaturgia de fato voltada para a sociedade brasileira. A imagem do Pas e dos seus modismos e peculiaridades foi pela primeira vez recriada em linguagem dramtica, nas 28 peas que escreveu esse formulador da comdia brasileira de costumes. Tem-se observado que tanto O Juiz de Paz da Roa como outra pea de Martins Pena, A Famlia e a Festa da Roa (representada em 1840), foram escritas antes da apresentao da tragdia de Gonalves Magalhes, o que certamente lhes aumenta o mrito.

    Joo Caetano (1808-1863), como ator e empreendedor, proporcionou o apoio necessrio a essa dramaturgia brasileira que se configurava. A sua companhia, que havia estreado em 1833, em Niteri, j no era o elenco rudimentar dos tempos anteriores, tendo-se formado segundo as diretrizes do profissionalismo europeu; primou pela presena de atores brasileiros. plenamente justificada a homenagem que se rende a este homem de teatro, que no ficou alheio nem mesmo aos mtodos de educao do ator e aos problemas tericos e estticos do teatro; as suas Lies Dramticas, impressas em 1862, foram a primeira obra brasileira neste campo. A influncia exercida por Joo Caetano seria secundada pela presena, no Rio de Janeiro, por volta dos meados do sculo, do encenador francs mile Doux, que se estabelecera no Brasil depois de ter coadjuvado Al-meida Garrett na revitalizao do teatro em Portugal.13 Em 1851 mile Doux esteve junto a Joo Caetano, como participante da sua companhia, em 1856 era admitido como membro do Conservatrio Dramtico do Rio de Janeiro, em 1876 falecia nessa cidade.

    A dramaturgia que aflorou aps o momento de implantao do Romantismo e da comdia de costumes no esteve altura das primeiras experincias: sobre ela incidiu, de maneira pouco positiva, a influncia francesa e inglesa, ainda quando abordava temas brasileiros. Dessas tentativas, em que se envolveram Manuel de Arajo Porto Alegre (1806-1879), lvares de Azevedo (1831-1852) e Castro Alves (1847-1871), para citar apenas alguns autores, sobressaiu a obra dramtica de Gonalves Dias (1823-1864). O seu drama Leonor de Mendona, publicado em 1847, faz honra ao movimento romntico brasileiro. Agrrio de Menezes, baiano, nascido em 1834 e falecido em 1863, tentou a tragdia romntica com Calabar, impressa na Bahia em 1858, mas em algumas comdias de costumes teve mais sucesso: O Voto Livre, Uma Festa no Bonfim e outras.

    A dcada de 50 foi a da introduo do Realismo francs, que fez do Ginsio Dramtico, do Rio (batizado segundo o Gymnase, de Paris, onde a corrente triunfava), o seu reduto no Brasil. A Dama das Camlias (La dame aux camlias), de Alexandre Dumas, filho, foi encenada naquele teatro, em 1856, quatro anos aps a sua estreia parisiense. Ao Realismo recm-chegado corres-pondeu uma busca tateante de mtodos equivalentes na montagem, na cenografia, no dcor e na indumentria. O uso dos trajes da poca, substituindo o guarda-roupa fantasioso do antigo repertrio, levou o povo a denominar as peas "mo-dernas" de "dramas de casaca/' O Ginsio Dramtico teve como principal ani-mador o homem de empresa Joaquim Heliodoro Gomes dos Santos, dissidente da companhia de Joo Caetano, e no esforo de renovao que dali partiu vai-se

  • 22 LATIN AMERICAN THEATRE REVIEW encontrar, novamente, mile Doux, j a servio da dramaturgia de Dumas, filho, e da comedia burguesa de Scribe, Augier e Sardou.

    Novos edifcios foram construdos em todo o Pas, nos ltimos anos do sculo, de Manaus a Porto Alegre: data de 1858 o S. Pedro, dessa cidade; de 1896 o Teatro Amazonas; de 1886, o Politeama, o mais importante da Bahia depois do S. Joo. Segundo J. Galante de Sousa, fonte dessas informaes, s no Rio de Janeiro surgiram, na poca, treze casas de espetculos.

    O ltimo surto romntico tentou com relativo xito um retorno comdia de costumes. A experincia dramatrgica de Machado de Assis (1839-1908), autor da comdia Quase Ministro (representada em 1863) e de outras peas, no o levou plenitude dos seus contos e romances, nem mesmo ao padro da sua crtica teatral, bem exercida. O Rio de Janeiro: Verso e Reverso (1857), de Jos de Alencar (1829-1877), todavia, pode ser definida como exemplar de uma comdia de costumes que bem explorou temas das camadas mais altas da sociedade contempornea. Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) manteve em bom nvel literrio a tradio da comdia (A Torre em Concurso, 1861, e outras obras). E assim Joaquim de Frana Jnior (1838-1890), cujos escritos prestigiaram, como os de nenhum outro desde Martins Pena, o teatro de costumes: Caiu o Ministrio! (1882) e Corno Se Fazia um Deputado, representada tambm nesse ano.

    Com Artur Azevedo (1855-1908) encerrou-se este perodo do teatro brasileiro. Artur viveu o palco em quase tudo o que ele podia oferecer, desde a literatura dramtica direo de cena, e foi, por sobre tudo isso, um militante em defesa do teatro brasileiro, cujas dificuldades e limitaes crescentes percebeu. Sobre ele prprio pesaram acusaes de incrementar-lhe o declnio, por sua adeso plena revista. Revidou, em clebre documento, citado por Mcio da Paixo em O Theatro no Brasil: "Todas es vezes que tentei fazer teatro srio, em paga s recebi censuras, apodos, injustias e tudo isto a seco; ao passo que, enveredado pela bombochata, no me faltaram nunca elogios, festas, aplausos e proventos." A sua vasta obra dramtica, acolhedora de uma dezena de verdadeiras e definitivas obras-primas, abrange desde a burleta (O Mambembe, 1904), comdia (A Almanjarra, 1888), numerosas tradues e o teatro musicado: A Viagem ao Parnaso (1891), A Capital Federal (1897), entre outras obras.

    A opereta europeia apossou-se do Rio de Janeiro a partir de 1846, quando ali se apresentou a primeira companhia do gnero, de artistas franceses. Tornou-se depois o Teatro Alcazar, de proprietrios dessa nacionalidade, o seu centro irradi-ador. A resposta brasileira ao teatro musicado foi a revista, a primeira das quais saiu a pblico no Ginsio Dramtico, em 1859, com o ttulo de As Surpresas do Senhor Jos da Piedade, de autoria ainda discutida.14 Coube ao prprio Artur Azevedo elev-la ao seu mais alto nvel, ao produzir, s ou em parceria, obras da envergadura de A Capital Federal. Outros renderam fidelidade ao gnero, como Moreira Sampaio (1851-1901), o autor de Rio Nu (1896) e companheiro de Artur na elaborao de textos. A revista no tardou a disseminar os seus ncleos de produo. Na Bahia, Slio Boccanera Jnior (1863-1928), dramaturgo e historiador do teatro local e nacional {Teatro Nacional: Autores e Atores Dram-ticos Baianos, em Especial, 1923, entre outros trabalhos), fez par com Alexandre Fernandes (1863-1907) e j em 1895 ambos publicavam O Diabo na Becia, comeo de uma extensa colaborao que no se limitou aos prelos e repetidas

  • FALL 1977 23 vezes chegou aos palcos. Slio Boccanera Jnior, cuja atuaao em prol do teatro na provncia revestiu-se de dignidade, foi tambm historiador do cinema em sua terra, tendo publicado em 1919, com ilustraes, o trabalho intitulado Os Cinemas da Bahia.

    nico nesse horizonte de fim de sculo, nico ainda hoje quando a sua obra se tornou conhecida, Qorpo-Santo, pseudnimo de Jos Joaquim de Campos Leo, fez passar uma existncia marcada de enfermidade pelo Rio Grande do Sul, entre 1829, ano do seu nascimento, e 1883, quando faleceu. Em vida criou um mito de provncia, persistente na crnica local at a redescoberta das suas peas para montagens teatrais, a partir da dcada de 60 do presente sculo, e a publicao da sua obra por Guilhermino Csar em 1969,15 quando se veio a conhecer uma dramaturgia inteiramente margem das correntes preponderantes, que efetiva-mente entroncaria em experincias modernas, como a do Teatro do Absurdo, no fossem as peculiaridades do tempo e do lugar onde floresceu. De Mateus e Mateusa, As Relaes Naturais, Eu Sou Vida; Eu No Sou Morte (escritas em 1866) e outras peas de Qorpo Santo muito ainda h de ser extrado para a dramaturgia brasileira, em direes que o presente s ensaiou.

    Salvador, Bahia

    Notas 1. H ampla meno do importante documento que narra os eventos de Santo Amaro da

    Purificaoa Relao escrita por Francisco Calmonem Panorama do Teatro Brasileiro (So Paulo: Difuso Europeia do Livro, 1962), de Sbato Magaldi. As festividades de Salvador por sua vez foram minuciosamente descritas pelo Padre Manuel de Cerqueira Torres, em sua Narrao Panegyrico-Histrica (Rio: Annaes da Bibliotheca Nacional, 1913). Ambas, junta-mente com o Poema Festivo, de Joo de Brito e Lima (Intro, de Arnold Wildberger. Salvador: IOB, 1965), que alude s comdias de 1729 em Salvador, so bons exemplos das Relaes e Narraes em torno de festividades do Brasil colonial, valiosos instrumentos de pesquisa para o teatro brasileiro at o sculo XIX, ainda no investigados na sua totalidade.

    2. A obra de Antnio Jos intitula-se Anfitrio ou Jpiter e Alcmena e estreou em Lisboa em 1736. "O Judeu" hoje considerdo o mais importante dramaturgo portugus do seu sculo. Nasceu no Rio de Janeiro em 1709 e faleceu em Lisboa em 1739, executado pela Inquisio, por sua condio de judeu. Suas obras pertencem quele teatro europeu que, no sculo XVIII, rompeu definitivamente com os modelos clssicos e acolheu o canto e a msica como elementos do espetculo dramtico, bem representado distncia, na Inglaterra, por John Gay, o autor de The Beggar's Opera.

    3. O Padre Ventura foi o fundador do que se considera a mais antiga casa da pera do Rio de Janeiro. Sabe-se que era homem de cor, e pouco mais que isso.

    4. "Taieiras" e "quicumbis," formas folclricas ainda sobreviventes em algumas regies do Brasil.

    5. O "maclele," dana guerreira em que se utilizam bastes ou uma modalidade regional de instrumento de corte e arma branca, existe somente em Santo Amaro da Purificao. Sua origem obscura, mas como mera hiptese volta-se a chamar a ateno para a remota existncia de uma "dana de cutileiros" na tradicional comunidade baiana.

    6. A "congada," "coroao do Rei do Congo," ou simplesmente "Congo" ainda se conserva em vrias partes do Brasil, em diferentes variantes e nveis de teor dramtico. certamente uma das modalidades folclricas mais densas no seu contedo de representao.

    7. Affonso Ruy, em sua Histria do Teatro na Bahia: sculos XVl-XX (Salvador: Universi-dade da Bahia, 1959), deixou de assinalar este espetculo de 1641 como a primeira representao profana na Bahia do sculo XVII. A primazia por ele atribuda s comdias de 1662, comemo-rativas do casamento de Carlos II da Inglaterra com Catarina de Portugal.

    8. Este teatro adaptado foi objeto de estudo de Affonso Ruy (O Io Teatro do Brasil, publi-cao no. 2 do Centro de Estudos Baianos), atravs do qual ficou historicamente localizada a primeira sala permanente no Brasil.

    9. Tese defendida na Universidade de Ibadan, Nigria, e ali publicada em 1967.

  • 24 LATIN AMERICAN THEATRE REVIEW 10. Fredric M. Litto, "Some Notes on Brazil's Black Theatre," The Blac\ Writer in Africa

    and the Americas. Intro, by Lloyd W. Brown (Los Angeles: Hennessey & Ingalls, 1973). 11. A "burrinha" a rigor uma das figuras do "bumba-meu-boi," um dos mais complexos

    autos populares brasileiros. Sob o nome de bouriyan est viva no Daom, atual Repblica de Benim, cultivada pela Association Brsilienne, sociedade de descendentes de brasileiros. Reco-menda-se ver as informaes a respeito, no artigo "Influences brsiliennes Ouidah," de Dohou Codjo Denis, Afro-Asia (Salvador), No. 12 (1976), 193-209.

    12. Citado por J. Galante de Sousa, O Teatro no Brasil (Rio: INL, 1960). 13. mile Doux foi encenador de peas de Garrett. Levou a Portugal o repertorio romntico

    de Victor Hugo, e Dumas, pai. 14. Observa J. Galante de Sousa, na obra acima citada, que no incio a revista manteve

    continuidade de enredo, passando depois a constituir-se de quadros isolados. Extremamente popular, muitos viram na revista a causa de problemas do teatro brasileiro na passagem do sculo. O Romantismo foi de fato, juntamente com as tentativas de Realismo, o limite e o ponto de distanciamento do teatro do Rio de Janeiro em relao s correntes experimentais da Europa. Bem mais lcido foi o comentrio do romancista Jos de Alencar, na edio do seu drama O Jesuta: "As mgicas e os espalhafatos que se do na cena fluminense so um esboo do teatro brasileiro, de que sem eles no existiria nem vestgios. Em vez de desacredit-los, devemos anim-los; e fique boa sociedade o vexame de seu atraso. O povo tem um teatro brasileiro; a alta classe frequenta os estrangeiros."

    15. Ver Leo, Jos Joaquim de Campos. As relaes naturais e outras comdias. Fixao do texto, estudo crtico c notas por Guilhermino Csar (Porto Alegre: Edies da Faculdade de Filosofia, 1969).