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INSTITUTO TECNOLÓGICO DIOCESANO SANTO AMARO EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - LÍNGUA PORTUGUESA x EJA - LÍNGUA PORTUGUESA - PROGRAMA ALFABETIZA SÃO PAULO - MATERIAL DE APOIO - TE TOS E TRAS

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INSTITUTO TECNOLÓGICO DIOCESANO SANTO AMARO

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - LÍNGUA PORTUGUESA

xEJA - LÍNGUA PORTUGUESA - PROGRAMA ALFABETIZA SÃO PAULO

- MATERIAL DE APOIO -

TE TOS E TRAS

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INSTITUTO TECNOLÓGICO DIOCESANO SANTO AMARO

Dois matutos de Monteiro no Cariri paraibano, cansados da seca e das promessas dos

políticos, decidiram tentar a vida em uma cidade grande. Venderam o burro, o jumento e o

cavalo e na esperança de um dia voltar, rumaram para o Rio de Janeiro.

Chegando lá, por sorte, arranjaram empregos de serventes em uma pequena construção, o

salário era pequeno mal dava para sobreviver e raramente sobravam alguns trocados para

enviarem para aos familiares na Paraíba.

Durante o período do carnaval, dois árabes, fazendo turismo no Rio, passaram em frente à

obra e viram os paraibanos de enxadas nas mãos, mexendo areia e cimento. O sol estava

escaldante e os nordestinos suavam até pela ponta do nariz. Os turistas se aproximaram e

admirados de tanta bravura, perguntaram quais os salários dos dois. Eles informaram que

ganhavam o salário mínimo e que era muito pouco.

Os turistas perguntaram se eles não aceitavam ir morar na Arábia Saudita e trabalhar lá

recebendo salários mais justos. Os paraibanos esclareceram que não seria possível viajar para

um lugar tão longe, pois faltava o dinheiro das passagens. Os árabes afirmaram que isto não

seria um problema já que os mesmos estavam de avião particular e daria para levar os dois.

Depois do carnaval e após uma prece ao “Padim Pade Ciço”, os nossos irmãos embarcaram

para mais uma aventura. Quando o avião estava sobrevoando o deserto do Saara, apresentou

uma pane, sendo necessário um pouso não programado.

Um dos paraíbanos desceu do avião, olhou em frente só viu areia, do lado direito areia, do

lado esquerdo e na parte de trás também só se via areia e ai ele com ar de preocupação virou-

se para o companheiro e falou: SEVERINO, NÓIS TAMO É LASCADO QUANDO CHEGAR O

CIMENTO!

NÓIS TAMO É LASCADO!Autor: Severino Nunes de Melo

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INSTITUTO TECNOLÓGICO DIOCESANO SANTO AMARO

Um rico passa pela entrada de um labirinto e não resiste. Entra. Quer saber o que se esconde

no centro do labirinto.

Talvez seja um tesouro, ou no mínimo uma oportunidade de negócios. É da natureza humana

querer explorar o desconhecido e é da natureza dos ricos querer ficar mais ricos. Como, além

de um aventureiro e um empreendedor, o rico é um ser racional, vai deixando moedas no

caminho, para depois voltar pelo mesmo caminho e encontrar a saída do labirinto. No centro

do labirinto não há nada, só o centro de um labirinto, e quando se vira para começar o caminho

de volta, o rico dá com o pobre, que chega colocando a última moeda do chão na sua sacola.

— Minhas moedas! — diz o rico.

— Suas? Estavam no chão. Vim catando-as pelo caminho. Agora são minhas. Tenho direito a

um pouco da riqueza do mundo.

— Imbecil! Eu as deixei pelo chão para encontrar o caminho de volta, já que sou um ser

racional. Agora eu não encontrarei a saída. Agora eu vou ficar neste labirinto pelo resto da

vida.

— "Eu, eu, eu." Você só pensa em você, como todos os ricos. E eu?

— Você também está condenado a ficar neste labirinto pelo resto da vida. Culpa da sua

ganância e da sua burrice.

– Outra mania de rico, achar que quem é pobre é burro. Mas eu também sou um ser racional,

meu caro. Em lugar das moedas, deixei grãos de milho pelo chão, para me guiar de volta à

saída do labirinto.

Os dois preparam-se para sair do centro do labirinto quando dão com uma galinha que chega

bicando o último grão de milho. A galinha passou pela entrada do labirinto, viu os grãos

enfileirados no chão e também não resistiu. Foi comendo o milho de grão em grão sem deixar

nada em seu lugar para mostrar o caminho de volta.

O rico e o pobre xingam a galinha juntos. Chamam a galinha de irresponsável. De

inconsequente. O rico diz que entrou no labirinto porque é um aventureiro e um

empreendedor, e porque é da sua natureza explorar o desconhecido e as oportunidades de

enriquecer mais. O pobre diz que entrou no labirinto atrás de moedas, mesmo as moedas

sendo de outro, porque tem direito a um pouco da riqueza do mundo. E a galinha, que só foi

atrás da sua fome?

E o rico e o pobre passam o resto de suas vidas correndo pelo labirinto atrás da galinha, que,

como não é um ser racional, nem sabe o que está fazendo ali.

O que deve significar alguma coisa.

O RICO, O POBRE E A GALINHAAutor: Luís Fernando Veríssimo

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O apelido foi instantâneo. No primeiro dia de aula, o aluno novo já estava sendo chamado de "Gaúcho". Porque era gaúcho. Recém-chegado do Rio Grande do Sul, com um sotaque carregado. — Aí, Gaúcho!— Fala, Gaúcho!Perguntaram para a professora por que o Gaúcho falava diferente. A professora explicou que cada região tinha seu idioma, mas que as diferenças não eram tão grandes assim. Afinal, todos falavam português. Variava a pronúncia, mas a língua era uma só. E os alunos não achavam formidável que num país do tamanho do Brasil todos falassem a mesma língua, só com pequenas variações?— Mas o Gaúcho fala "tu"! — disse o gordo Jorge, que era quem mais implicava com o novato.

— E fala certo — disse a professora. — Pode-se dizer "tu" e pode-se dizer "você". Os dois estão certos. Os dois são português.O gordo Jorge fez cara de quem não se entregara. Um dia o Gaúcho chegou tarde na aula e explicou para a professora o que acontecera.— O pai atravessou a sinaleira e pechou.— O que?— O pai. Atravessou a sinaleira e pechou.A professora sorriu. Depois achou que não era caso para sorrir. Afinal, o pai do menino atravessara uma sinaleira e pechara. Podia estar, naquele momento, em algum hospital. Gravemente pechado. Com pedaços de sinaleira sendo retirados do seu corpo.— O que foi que ele disse, tia? — quis saber o gordo Jorge.— Que o pai dele atravessou uma sinaleira e pechou.— E o que é isso?— Gaúcho... Quer dizer, Rodrigo: explique para a classe o que aconteceu.— Nós vinha...— Nós vínhamos.— Nós vínhamos de auto, o pai não viu a sinaleira fechada, passou no vermelho e deu uma pechada noutro auto.A professora varreu a classe com seu sorriso. Estava claro o que acontecera? Ao mesmo tempo, procurava uma tradução para o relato do gaúcho. Não podia admitir que não o entendera. Não com o gordo Jorge rindo daquele jeito. "Sinaleira", obviamente, era sinal, semáforo. "Auto" era automóvel, carro. Mas "pechar" o que era? Bater, claro. Mas de onde viera aquela estranha palavra? Só muitos dias depois a professora descobriu que "pechar" vinha do espanhol e queria dizer bater com o peito, e até lá teve que se esforçar para convencer o gordo Jorge de que era mesmo brasileiro o que falava o novato. Que já ganhara outro apelido: Pechada.— Aí, Pechada!— Fala, Pechada!

PECHADAAutor: Luís Fernando Veríssimo

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Estou esperando a chuvaPorém a chuva não vemMeu açude já secouE o meu riacho tambémSem chuva no meu sertão,É triste a situaçãoFelicidade não tem.

A passarada sumiuA jurema já murchouOnde a água escorriaHoje é só chão que rachouPerante tanta quentura,Acabou-se a farturaMeu sertão esturricou.

E se Deus não der um jeitoEu não sei o que seráPois mais uma vez padeceO meu pobre CearáAgora só muita féE apelar pra São JoséQue é padroeiro de lá.

O subsolo é bem ricoÉ só explorar o chãoO que falta é vergonhaNos mandantes da naçãoEstes seres abjetosQue ignoram projetosPara irrigar o sertão.

SECA E FALTA DE VERGONHA

Autora: Dalinha Catunda

Há mulheres que dizem:

Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,

de vez em quando os cotovelos se esbarram,

ele fala coisas como “este foi difícil”

“prateou no ar dando rabanadas”

e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa,

vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:

somos noivo e noiva.

Autora: Adélia Prado

CASAMENTO

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Creio que eram seis horas da manhã. Reparei pelas frestas da cortina que o dia estava amanhecendo. O barulho era de tontear, algo de muito grave deveria ter acontecido para um helicóptero ficar parado bem em cima do meu edifício. Pior: ele parecia estar alinhado à minha janela. Aos poucos fui voltando do sono e disse a mim mesma: deve ter acontecido um assalto a banco, estão à procura de fugitivos.

Mas o helicóptero, insistente, não voava para longe, parecia resoluto em não se deslocar. Desisti de voltar a dormir, não conseguiria. Levantei, fui até a sala, abri a porta de correr que dá para a sacada e olhei para o céu. Nada. Então, olhei para baixo e ali estava o helicóptero, estacionado num terreno descampado, ali diante dos meus olhos o helicóptero que não era helicóptero, e sim um equipamento de construção civil ligado na velocidade máxima, um trambolho que fazia um barulho idêntico ao de um helicóptero, e que continuaria a me servir de despertador nas manhãs seguintes.

Se você é morador de uma grande cidade, também deve ter um helicóptero matinal entrando pelos ouvidos, ou uma bateria de escola de samba, ou uma turbina de avião, ou qualquer coisa excessivamente barulhenta que seja oriunda do que se chama obra. Metrópoles estão em constante construção. Aqui onde moro há essa obra bem em frente ao meu prédio, e outra bem ao lado, e duas logo atrás. Silêncio? Estamos em falta.

Não há como reclamar para o bispo. Obras são efeitos colaterais do progresso. E o barulho faz parte do pacote, não se ergue um edifício aos sussurros.

Então, como tenho escritório em casa, trabalho o dia inteiro com essa trilha sonora pouco romântica. Desde a manhã até o final da tarde, escrevo, escrevo, escrevo, e não ouço o toque dos meus dedos sobre o teclado, ele é abafado pelos motores de equipamentos pesados, caminhões despejando cimento, batidas de estacas, uma orquestra em permanente ensaio, e só resta adaptar-me, um dia o edifício onde moro também foi um esqueleto que não foi posto em pé quietinho.

Sou uma escritora de apartamento, digo com o mesmo tom pejorativo que classificamos crianças de apartamento. Deveríamos estar cercados por jardins, margens de rio, praias abertas, mas vivemos confinados entre quatro paredes que de certa forma aleijam a inspiração. Escrever, lógico, me oferece várias

oportunidades de fuga. Estou onde estou, fisicamente,

mas também não estou: invento meu próprio

lago, pátio, horizonte. Até que volto a ser atingida

pela consciência do inevitável: não é o barulho do

mar que escuto, nem o das folhas caindo nesse

final de outono, e sim o de betoneiras, perfuratrizes,

compactadores, rolos compressores. De poético,

me restou apenas a chuva. Quando chove, a obra para.

Quando chove, o helicóptero some.

Quando chove, o silêncio me pisca o olho: "Aproveita a trégua e me escuta".

BARULHOS URBANOSAutora: Martha Medeiros

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Quando se completa 40 anos, damos outro sentido à vida.

Aprendi que ter pressa para resolver as coisas não me leva a lugares seguros e que se eu tiver

mais tempo para planejar as ideias, encontrarei abrigo no travesseiro da vida.

Percebi que a família é tudo o que você tem de verdade; que ela é o seu porto seguro diante

dos desafios que a vida te permite enfrentar; que você pode encontrar abrigo, que o amor de

verdade está diante de nós e que na miopia da ignorância, não nos permite enxergar tais

sentimentos genuínos.

Compreendi que amizade é algo muito sério. Precisamos dela para suportar tantas barras que

a vida coloca em nosso caminho, mas que temos os amigos como suporte para não nos deixar

cair e nem ficar na escuridão. Compreendi também que os ferimos nas nossas incertezas, mas

que uma amizade verdadeira resiste as maiores tempestades do mundo porque o que a

sustenta são as raízes do amor incondicional.

Enxerguei que existem vários tipos de relacionamentos. Os amorosos são os mais complicados

porque eles ferem a nossa ilusão. Iludimo-nos depositando na outra pessoa a nossa felicidade,

entregando de mão beijada todas as nossas expectativas sem percebermos que o verdadeiro

encontro está no nosso baú interior.

Compreendi que o que ainda está para acontecer é o melhor caminho porque o que já é

presente já faz parte do passado e que se vivermos a vida rebuscando coisas de outrora, nunca

encontraremos o caminho do futuro. Ele está à nossa frente, é o nosso maior espelho e não

queremos seguir porque temos medo de errar mesmo sabendo que o erro é um momento de

maturação e singularidade em nossas vidas.

Compreendi que Deus não mora nos templos, trancado nas portas da ignorância. Ele vive no

olhar da fome, da solidariedade, do bom dia com amor e do abraço fraterno. Deus está em

todos os momentos da nossa vida, mostrando-nos o caminho para a verdade e ensinando que

tudo passa, mesmo diante da dor e da submissão.

Ao completar 40 anos, renascemos no nosso aprendizado,

pois o livro está com páginas incompletas, com histórias

fabulosas ainda a se contar e costurar nas linhas da vida

porque a verdadeira sabedoria está no calar-se diante da

provação e no levantar-se diante de todas as conquistas da vida.

Pois o amor tudo liberta, nada aprisiona.

Ensina, ensina, ensina...

CRÔNICA DOS 40Autor: Marco Aurélio

http://gazeta24horas.com.br/portal/?p=14649

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Por que Deus permite

que as mães vão-se embora?

Mãe não tem limite,

é tempo sem hora,

luz que não apaga

quando sopra o vento

e chuva desaba,

veludo escondido

na pele enrugada,

água pura, ar puro,

puro pensamento.

Morrer acontece

com o que é breve e passa

sem deixar vestígio.

Mãe, na sua graça,

é eternidade.

Por que Deus se lembra

- mistério profundo -

de tirá-la um dia?

Fosse eu Rei do Mundo,

baixava uma lei:

Mãe não morre nunca,

mãe ficará sempre

junto de seu filho

e ele, velho embora,

será pequenino

feito grão de milho.

PARA SEMPRE

Autor: Carlos Drummond de Andrade

RETRATO

Eu não tinha este rosto de hoje,

assim calmo, assim triste, assim magro,

nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

tão paradas e frias e mortas;

eu não tinha este coração que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,

tão simples, tão certa, tão fácil:

Em que espelho ficou perdida a minha face?

ASSIM EU VEJO A VIDA

Autora: Cora Coralina

A vida tem duas faces:

Positiva e negativa

O passado foi duro

mas deixou o seu legado

Saber viver é a grande sabedoria

Que eu possa dignificar

Minha condição de mulher,

Aceitar suas limitações

E me fazer pedra de segurança

dos valores que vão desmoronando.

Nasci em tempos rudes

Aceitei contradições

lutas e pedras

como lições de vida

e delas me sirvo

Aprendi a viver.

Autora: Cecília Meireles

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É quatro horas. Eu já fiz o almôço — hoje foi almôço. Tinha arroz, feijão e repolho e lingüiça.

Quando eu faço quatro pratos penso que sou alguem. Quando vejo meus filhos comendo arroz

e feijão, o alimento que não está ao alcance do favelado, fico sorrindo atôa. Como se eu

estivesse assistindo um espetaculo deslumbrante. Lavei as roupas e o barracão. Agora vou ler

e escrever. Vejo os jovens jogando bola. E êles correm pelo campo demonstrando energia.

Penso: se êles tomassem leite puro e comessem carne...

2 de junho Amanheceu fazendo frio. Acendi o fogo e mandei o João ir comprar pão e café. O

pão, o Chico do Mercadinho cortou um pedaço.

Eu chinguei o Chico de ordinário, cachorro, eu queria ser um raio para cortar-lhe em mil

pedaços. O pão não deu e os meninos não levaram lanche.

[...] De manhã eu estou sempre nervosa. Com medo de não arranjar dinheiro para comprar o

que comer. Mas hoje é segunda-feira e tem muito papel na rua. [...] O senhor Manuel apareceu

dizendo que quer casar-se comigo. Mas eu não quero porque já estou na maturidade. E depois,

um homem não há de gostar de uma mulher que não pode passar sem ler. E que levanta para

escrever. E que deita com lápis e papel debaixo do travesseiro. Por isso é que eu prefiro viver

só para o meu ideal. Êle deu-me 50 cruzeiros e eu paguei a costureira. Um vestido que fez para

a Vera. A Dona Alice veiu queixar-se que o senhor Alexandre estava lhe insultando por causa de

65 cruzeiros. Pensei: ah! O dinheiro! Que faz morte, que faz odio criar raiz.

(trecho) QUARTO DE DESPEJOAutora: Carolina Maria de Jesus

Semi-alfabetizada, negra e moradora de uma comunidade carente, Carolina foi mãe de três filhos e nunca se casou. Apesar de tais condições, a paixão dela pela escrita e leitura foi tamanha que passou a dividir seu tempo entre cata papel, cuidar dos filhos e escrever. m São Paulo, foi empregada doméstica, auxiliar de enfermagem, artista de circo. A escritora deu entrevistas, ganhou prêmios, apareceu na TV. Deixou a favela, recebeu as chaves da cidade. Mas seus livros seguintes não tiveram a mesma repercussão. Logo seria esquecida. Já não era favelada, mas morreu no barraco de um dos filhos em fevereiro de 1977. O livro Quarto de despejo vendeu 10 mil exemplares em uma semana. Contradição: no dia do lançamento, teve de catar papel para garantir comida.http://livrespensadores.net/artigos/carolina-maria-de-jesus-a-escritora-que-o-brasil-esqueceu/

Carolina Maria de Jesus

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Meu patrão que me desculpe Mas hoje vai ficar me esperando No mesmo horário de sempre O relógio tocou como um loucoDesliguei e resolvi dormir mais um poucoFoi aí que me atraseiE como me atrasei!!!

Levantei com a cara toda amassadaParecia que eu tinha levado uma porradaO espelho ainda me disse:-Bem feito!Quem mandou se encantar com a batucada?E olha que espelho não menteDaqui a poucoNão preciso nem de penteE o que sobrou do meu cabelo'Tá ficando tudo grisalhoDeve ser porque minha vidaÉ só trabalho, trabalho, trabalho...

Nesses tantos anosTrabalhei pra caramba,Será que não tenho o direito de passar uma noite no samba?

Dizem, por aíQue a boemia atrapalha o trabalhoMas por que não dizer o contrário?

O dia estando perdidoO salário será descontadoA menos que eu consigaDescolar um atestado

Mandei meu filhoIr ao bar do Seu ZéComprar pão e leite fiadoApesar da miséria que ganhoNo fim do mêsO acerto é sagrado

Nem tinha reparadoComo o moleque cresceuDaqui a pouco'Tá até maior que eu

Queria ter mais tempoPara cuidar que ele Ande sempre no trilhoMas se dou duroO dia inteiroÉ para que o filhoDo meu patrãoNão seja tambémO patrão do meu filho

Meu barraco é o mais altoO mais longe do asfalto O mais perto do céuIsso não é nenhum sacrilégioAliás é até um privilégio:-Daqui de cima dá pra ver tudo:O sino da igrejaO quintal da Dona EuricaMãe do Zeca CabeçudoQue lava roupa pra gente ricaE não é poucaE não reclama, apesar da canseiraE enquanto esfregaVai cantandoAqueles cantos de lavadeira

Lá embaixo, ao pé da seringueiraTem um banco de madeiraOnde a velha-guarda se reúnePr'aquela conversa corriqueiraE um bom jogo de dominó ou carteado Todo mundo aposentado Gente cheia de sabedoriaQue aprendeu que a vidaNão é feita de correriaE que toda vez que amanheceAcontece um novo dia-Olha só quem vai ali!Se não é a MariaMulher do Joaquim!Que tinha um cachorro que corriaAtrás de mimQuando eu pulava o muroPra roubar suas goiabas:-Ah, moleque sem vergonha!Se te pego, vai levar umas palmadas

Perdi a horaE pude perceber, por um instanteO que se passava bem diante do meu narizQue pra ser felizEu preciso de tão pouco:Dessas ruas sem asfaltoDessas casas sem reboco

Perdi a horaE pude notar Que o que a vida nos dáÉ de graçaQue nada em trocaEla há de quererPor issoTrabalhemTrabalhem simMas não deixem de viver.

FALTEI AO SERVIÇOAutor: Serginho Poeta

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EXAGEROS DE MÃE

Já te disse mais de mil vezes que não quero ver você

descalço. Nunca vi uma criança tão suja em toda a

minha vida. Quando teu pai chegar você vai morrer

de tanto apanhar. Oh, meu Deus do céu, esse menino

me deixa completamente maluca. Estou aqui há

mais de um século esperando e o senhor não vem

tomar banho. Se você fizer isso outra vez nunca mais

me sai de casa. Pois é, não come nada: é por isso que

está aí com o esqueleto à mostra. Se te pegar outra

vez mexendo no açucareiro, te corto a mão. Oh, meu

Deus, eu sou a mulher mais infeliz do mundo. Não

chora desse jeito que você vai acordar o prédio

inteiro. Você pensa que seu pai só trabalha pra você

chupar Chica-Bon? Mas, furou de novo o sapato: você

acha que seu pai é dono de sapataria, pra lhe dar um

sapato novo todo dia? Onde é que você se sujou

dessa maneira: acabei de lhe botar essa roupa não

faz cinco minutos! Passei a noite toda acordada com

o choro dele. Eu juro que um dia eu largo isso tudo e

nunca ninguém mais me vê. Não se passa um dia que

eu não tenha que dizer a mesma coisa. Não quero

mais ver você brincando com esses moleques, esta é

a última vez que estou lhe avisando.

O ANALFABETO POLÍTICOAutor: Bertolt Brecht

Autor: Millôr Fernandes

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos

políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do

remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o

imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta,

o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos,

que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio

das empresas nacionais e multinacionais.

http://blogdotarso.com/2012/04/16/charge-analfabeto-politico/

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A minha aluna virou uma Placa. Há três meses ela deixou de vir à escola por isso: virou uma

Placa. E não uma placa qualquer, de trânsito, que ninguém respeita. Ela virou uma Placa

publicitária. Agora tem uniforme, endereço e identidade. Não fica mais à margem. Fica na

porta dos shoppings, concessionárias e futuros edifícios, se autopromovendo: A Placa. Com

pernas.

A minha aluna virou uma Placa. Ela diz sentir muito orgulho da empresa em que trabalha.

Construtora. Grande. Bem conceituada. Vende casas de alto padrão, para pessoas de bem,

alto poder aquisitivo. Luxo. Seus condomínios têm quadra de tênis, piscinas, bancos; centro

de compras particular, segurança e conforto. Diz que a tendência do futuro são os ricos não

saírem mais de suas caixas, seus bunkers. Para eles tudo será Prime, Van Gogh. Personalité.

A minha aluna virou uma Placa. Aconteceu na porta da escola. Um homem parou o carro

importado, abaixou o vidro e disse: - Você leva jeito para Placa. Um cara branco, alto,

malhado; peito raspado, gel e gravata. Big boss. Ele não perguntou idade, se tinha experiência

ou carteira registrada. Pediu apenas para tirar o óculos, soltar o cabelo. Pronto. Bonita. Está

contratada.

A minha aluna virou uma Placa. Ela diz que trabalha numa empresa ética, séria. Não

registram, mas pagam todos os impostos. Todo final do dia ela recebe o seu salário. E vai

embora pra casa. A empresa só fez uma exigência: que deixasse a escola. Questão de escolha.

O trabalho é das nove da manhã às sete da noite. Segunda a domingo. E sempre há um novo

bico. Setor imobiliário em expansão. As propostas estão em expansão. Eles precisam de

Placas. Ela já é uma Placa. Quem precisa de estudo?

A minha aluna virou uma Placa. Outro dia, pura sorte, eu a encontrei. Andando sozinha, pela

noite, voltava do serviço. Descaracterizada. Não parecia ser a menina frágil da sexta série que

até outro dia eu conheci. A menina tímida que sonhava em ser modelo, e só estudava. Falei: – E

aí? Você precisa voltar pra escola. Ela respondeu, em tom de deboche: Eu não! Já tinha uma

profissão. Tinha seu próprio dinheiro, ajudava a mãe em casa.

Responsável, não precisava mais de conselhos, não precisava

de mais ninguém. Só do big boss, o chefinho. Aquele que lhe

deu valor. Deu emprego, deu presentes, prometeu castelos.

O único que não lhe fez se sentir mais como uma qualquer.

A transformou numa Placa. Uma Placa-viva.

A PLACAAutor: Rodrigo Ciríaco

http://www.birigui.sp.gov.br/educacao/site/

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Depois escandaloso crime, onde uma patroa matou o filho a porradas e foi corajosamente denunciada pela empregada, que ainda tentou salvar o garotinho, acho que devemos rever a contratação de tal serviçal. Seria mais ou menos assim:

A patroa vai humildemente até a casa da futura empregada, bate na porta e é recebida

Empregada - A senhora tem experiência? Há quanto tempo é patroa?

Patroa - Desde mocinha, aprendi com a minha mãe.

Empregada - Quanto tempo a senhora ficou com a última empregada?

Patroa - Mais de cinco anos. Mas eu casei, engravidei...

Empregada - Sei, sei... Quantos filhos a senhora tem?

Patroa - Três.

Empregada - Pretente ter mais?

Patroa - Não, não. Pode ficar sossegada.

Empregada - A senhora cozinha bem, mantém a casa limpinha?

Patroa - Um primor.

Empregada - A senhora costuma tirar férias quantas vezes por ano?

Patroa - Aí depende do meu marido.

Empregada - Pois comigo vai ser apenas 20 dias corridos por ano.

Patroa - Para mim está bem.

Empregada - Outra coisa. A senhora costuma domir fora, chegar tarde?

Patroa - Uma vez ou outra. Fim de semana, né?

Empregada - Pois comigo vai ter apenas uma tarde de domingo livre a cada quinze dias.

Patroa - Sim, senhora.

Empregada - Não quero que receba visitas no quarto. Quando vier alguém, um parente, por exemplo, receba a pessoa no portãozinho. Do lado de fora.

Patroa - Claro.

Empregada - Não quero saber de namoros no telefone, e interurbano, nem pensar, está claro?

Patroa - Sim, senhora.

Empregada - A senhora tem uniforme de patroa? Está novo, não tem remendos?

Patroa - Novinho em folha.

Empregada - Ótimo. No período que estivermos trabalhando juntas, nada de engravidar. Nada de namorar PMs e jogadores de futebol.

Patroa - Claro.

Empregada - O INPS corre por conta da senhora. Não tem nem décimo-terceiro e nem férias pagas. A senhora trate de economizar.

Patroa - Não gasto quase nada, dona.

Empregada - Você é católica?

Patroa - Praticante.

Empregada - Pois eu sou da Igreja Universal do Reino de Deus. É melhor a senhora se converter, para evitar discussões.

Patroa - Claro, sempre gostei muito do bispo Macedo.

Empregada - Quando eu sair, de noite, você fica com as crianças, e nada de bater com a cabecinha deles nos ladrilhos, viu?

Patroa - De jeito nenhum. Adoro criancinhas.

Empregada - Ótimo. Vamos nos dar bem. E quando eu voltar , quero a casa toda arrumada e a comida no forno.

Patroa - Temos microondas.

Empregada - Ótimo. O seu marido faz o quê?

Patroa - É médico.

Empregada - Quanto ele está cobrando a consulta?

Patroa - Cem dólares.

Empregada - E quanto vai ser o meu salário?

Patroa - Um salário mínimo. Mais ou menos sessenta dólares.

Empregada - Quer dizer que o seu marido ganha cem dólares por hora e a senhora quer me pagar sessenta dólares por mês?

Patroa - Mais comida, casa e roupa lavada. É pegar ou largar.

A empregada abre a porta para a patroa ir embora. Coloca a cabeça para fora:

Empregada - Por favor, a próxima.

PROCURA-SE PATROA COM EXPERIÊNCIAAutor: Mário Prata

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Um frade andava no peditório. Chegou à porta de um lavrador, não lhe quiseram aí dar

esmola. O frade estava a cair com fome, e disse :

- Vou ver se faço um caldinho de pedra …!

E pegou numa pedra do chão, sacudiu-lhe a terra e pôs-se a olhar para ela, para ver se era

boa para fazer um caldo. A gente da casa pôs-se a rir do frade e daquela lembrança.

Perguntou o frade :

- Então nunca comeram caldo de pedra? Só lhes digo que é uma coisa boa.

Responderam-lhe :

- Sempre queremos ver isso!

Foi o que o frade quis ouvir. Depois de ter lavado a pedra, pediu :

- Se me emprestassem aí um pucarinho…

Deram-lhe uma panela de barro. Ele encheu-a de água e deitou-lhe a pedra dentro.

- Agora, se me deixassem estar a panelinha aí ao pé das brasas…

Deixaram. Assim que a panela começou a chiar, tornou ele :

- Com um bocadinho de unto, é que o caldo ficava um primor!

Foram-lhe buscar um pedaço de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa pasmada pelo que

via. Dizia o frade, provando o caldo :

- Está um bocadinho insosso. Bem precisava de uma pedrinha de sal.

Também lhe deram o sal. Temperou, provou e afirmou :

- Agora é que, com uns olhinhos de couve o caldo ficava que até os anjos o comeriam!

A dona da casa foi à horta e trouxe-lhe duas couves tenras.

O frade limpou-as e ripou-as com os dedos, deitando as folhas na panela.

Quando os olhos já estavam aferventados, disse o frade :

- Ai, um naquinho de chouriço é que lhe dava uma graça…

Trouxeram-lhe um pedaço de chouriço. Ele botou-o à panela e, enquanto se cozia, tirou do

alforje pão e arranjou-se para comer com vagar. O caldo cheirava que era uma regalo.

Comeu e lambeu o beiço. Depois de despejada a panela, ficou a pedra no fundo. A gente

da casa, que estava com os olhos nele, perguntou:

- Ó senhor frade, então a pedra?

Respondeu o frade :

- A pedra lavo-a e levo-a comigo para outra vez.

E assim comeu onde não lhe queriam dar nada.

A SOPA DE PEDRA

Versão de um conto popular

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Projeto levará 2.000 livros para o cemitério São Luiz (zona sul) e alfabetizará coveiros; inauguração será no Dia de Finados

Para professora de arquitetura e urbanismo da USP, projetos como esse podem colaborar para reduzir a criminalidade.

DANIELA ALARCON, PAULO HENRIQUE RODRIGUES, RICARDO VIEL - COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Brás Cubas e suas memórias póstumas estarão no cemitério São Luiz, na zona sul de São Paulo. A "autobiografia" do defunto-autor, escrita por Machado de Assis, faz parte do acervo de uma biblioteca que será inaugurada, no Dia de Finados, em uma sala de velório.A Biblioteca do Além -como foi batizada pelo geógrafo Aziz Ab'Sáber (leia entrevista nesta p á g i n a ) - s u r g e i m p r o v i s a d a e m 1 4 m 2 , m a s j á a b r i g a 2 . 0 0 0 l i v r o s .O espaço logo ficará pequeno. Doze pessoas, entre jardineiros e coveiros, já se inscreveram para o curso de alfabetização que será oferecido pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) no cemitério.

«Uns cinco colegas meus não sabem ler. Eu me sinto mal, um pouco responsável por isso", diz o coveiro José Francisco da Silva, 52, que é alfabetizado.José Nelson da Silva, 46, sepultador -é assim que eles se autodenominam- é um dos futuros alunos. "Passamos o dia todo aqui no cemitério. Será ótimo ter um lugar para ler. Ele não concluiu o ensino fundamental, sabe ler "só um pouquinho", mas adoraria folhear jornais e revistas, algo que o orçamento não permite.

Garis, coveiros, eles são invisíveis para a sociedade, mas exercem um trabalho muito importante", diz Devanir Amâncio, presidente da ONG Educa São Paulo, que atua na criação da biblioteca. O espaço de leitura será mais um atrativo para o cemitério, que, por lembrar um jardim, é usado como parque nessa região de poucas praças. Marcada por um processo de ocupação desordenada, a região do Jardim São Luiz abriga moradores com baixos níveis de escolaridade e renda, expulsos da região central.

Para Sheila Ornstein, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, projetos como o da biblioteca podem colaborar para reduzir a criminalidade. A biblioteca ainda facilitará os estudos da auxiliar de limpeza do cemitério Maria Mascilene Nascimento, 35. Aluna de um curso técnico em enfermagem, quando precisa pesquisar, é obrigada a trocar os livros pelo computador. "Toda esquina tem uma lan house, mas biblioteca é difícil por aqui", diz.

Ornstein concorda. Para ela, as dimensões da cidade tornam necessário haver mais centros culturais de pequeno porte distribuídos nos bairros. Procurada pela Folha, a Secretaria Municipal da Cultura informou que a prefeitura não possui levantamento das bibliotecas comunitárias. Tampouco há políticas de auxílio ou parceria com essas iniciativas.

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SALA DE VELÓRIO VIRA BIBLIOTECA EM SP

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A educadora Dagmar Garroux preparou uma de suas alunas para ser prostituta. Mas não qualquer prostituta -seria

treinada para circular pelos bastidores de Brasília. Além de etiqueta, aprenderia a falar bem português e se viraria

no inglês ou espanhol. Com aulas de artes, história e atualidades, ela conseguiria manter uma conversa em

recepções. "O treino funcionou", orgulha-se Dagmar. Funcionou tão bem que Brasília perdeu uma prostituta.

A menina, estimulada com a chance de ser prostituta em Brasília, morava na favela do Parque Santo Antônio,

localizada no chamado "triângulo da morte", na zona sul da cidade de São Paulo. No "triângulo" existe o cemitério

São Luiz, que, conta-se, é o lugar onde estariam enterrados mais adolescentes por metro quadrado no mundo.

Dagmar criou, ali, um centro educacional batizado de Casa do Zezinho -o nome é inspirado na poesia "E agora,

José?", de Carlos Drummond de Andrade. Uma das freqüentadoras da casa era a menina, que começou a vender o

corpo, na fronteira da adolescência, agenciada por um rapaz mais velho da escola pública em que estudava.

Dividiam pela metade o valor de cada programa (R$ 10).

A garota não gostou da intromissão da educadora. "Não se mete, não.

Você nunca pensou em se vender para ganhar dinheiro?", perguntou, agressiva. Ela era conhecida pela violência,

metia-se em brigas. Quase sempre andava com uma faca.

Dagmar suspeitou de que corria o risco de perder a aluna, desfeito o já frágil laço afetivo. Decidiu entrar no jogo.

Disse que nunca quis vender o corpo. Mas, se quisesse, não iria aceitar mixaria. "Eu iria cobrar no mínimo R$ 1.000.

Isso no começo, depois aumentaria o preço."

A aluna arregalou os olhos e ouviu a improvável proposta: "Por que você não se prepara para ser puta em Brasília?

Você ganha dinheiro e se aposenta". Com aquele corpo e a bagagem intelectual, acrescentou, certamente iria

surgir um marido rico.

No dia seguinte, a garota voltou, animada com a proposta. "Topo", disse. Dagmar ponderou que ela deveria, então,

se preparar. Para começo de conversa, deveria se cuidar para que aumentasse a disputa dos clientes.

Precisaria, assim, parar imediatamente de estragar seu corpo com os homens da favela. "Você quer chegar a

Brasília com a mercadoria velha?" Dagmar convenceu-a de que, além do corpo atraente, precisaria mostrar cultura

e saber falar. Um tanto a contragosto, mas de olho nas recompensas futuras, aceitou as aulas.

Com as aulas, vieram reflexões sobre autonomia e responsabilidade; a auto-estima era trabalhada em projetos de

arte e comunicação. Certo dia, ela fez um comentário sobre os dentes de Dagmar. "Parece que você tem uma boca

de cavalo." E brincou: "Se eu fosse dentista, eu consertaria a sua boca".

O apoio explicou por que, embora sem intenção, a menina apresentasse melhor desempenho escolar. A trajetória

teve momentos de crise: como já não faturava com a prostituição, a garota passou a vender drogas. Dagmar voltou

a argumentar que, se fosse mesmo vender drogas, deveria se tornar chefe e, aí, precisaria continuar os estudos

para entender contabilidade. O inglês seria útil para transações internacionais.

Como era inteligente, a menina prosperava cada vez mais rapidamente na escola. À medida que ficava mais velha,

prestava mais atenção no que acontecia em sua comunidade com quem se envolvia com as drogas e a prostituição -

bem ao seu lado estava o pedagógico cemitério São Luiz.

Ela chegou a concluir o ensino médio e suspeitou que talvez pudesse prosseguir. Por motivos óbvios, não posso

revelar o nome da aluna: "Ainda sinto muita vergonha", justifica. Fez um cursinho pré-vestibular gratuito e entrou

na USP. Formou-se em odontologia -e agora vive consertando bocas.

PS: A ex-futura-prostituta de Brasília é um dos casos que passaram pela Casa do Zezinho, uma experiência relatada

agora pelo educador Celso Antunes no livro "A Pedagogia do Cuidado", a ser lançado neste mês.

Ele detalha o que existe de teorias pedagógicas por trás dos exemplos.

Se os gestores municipais agora eleitos quiserem fazer cidades melhores, terão de aprender as magias que podem

ser feitas quando existirem bons educadores, mesmo num "triângulo da morte".

É mais uma ilustração do que sempre digo: educar é ensinar o encanto da possibilidade. Um dos seus projetos é

transformar aquele simbólico cemitério São Luiz, com o recorde de covas de adolescentes, numa galeria de arte,

com os muros externos pintados -as obras, claro, serão feitas por adolescentes. Por esse tipo de experiência,

Dagmar vai dar aula, na próxima semana, num curso de gestão da Fundação Vanzolini, da Poli.

COMO BRASÍLIA PERDEU UMA PROSTITUTA Autor: Gilberto Dimenstein

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O MEU GURI Autor: Chico Buarque

Quando, seu moçoNasceu meu rebentoNão era o momentoDele rebentarJá foi nascendoCom cara de fomeE eu não tinha nem nomePrá lhe darComo fui levandoNão sei lhe explicarFui assim levandoEle a me levarE na sua meniniceEle um dia me disseQue chegava láOlha aí! Olha aí!

Olha aí!Ai o meu guri, olha aí!Olha aí!É o meu guri e ele chega!

Chega suadoE veloz do batenteTraz sempre um presentePrá me encabularTanta corrente de ouroSeu moço!Que haja pescoçoPrá enfiarMe trouxe uma bolsaJá com tudo dentroChave, cadernetaTerço e patuáUm lenço e uma pencaDe documentosPrá finalmenteEu me identificarOlha aí!

Olha aí!Ai o meu guri, olha aí!Olha aí!É o meu guri e ele chega!

Chega no morroCom carregamentoPulseira, cimentoRelógio, pneu, gravador

Rezo até ele chegarCá no altoEssa onda de assaltosTá um horrorEu consolo eleEle me consolaBoto ele no coloPrá ele me ninarDe repente acordoOlho pro ladoE o danado já foi trabalharOlha aí!

Olha aí!Ai o meu guri, olha aí!Olha aí!É o meu guri e ele chega!

Chega estampadoManchete, retratoCom venda nos olhosLegenda e as iniciaisEu não entendo essa genteSeu moço!Fazendo alvoroço demaisO guri no matoAcho que tá rindoAcho que tá lindoDe papo pro arDesde o começo eu não disseSeu moço!Ele disse que chegava láOlha aí! Olha aí!

Olha aí!Ai o meu guri, olha aíOlha aí!E o meu guri!...(3x)

http://recado.info/recados/desenho-pai-e-filho

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TOCANDO EM FRENTE Autor: Almir Sater

Ando devagar por que já tive pressa E levo esse sorriso por que já chorei demais Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe,Só levo a certeza de que muito pouco eu seiNada sei.

Conhecer as manhas e as manhãs, O sabor das massas e das maçãs, É preciso amor pra poder pulsar, É preciso paz pra poder sorrir, É preciso a chuva para florir

Penso que cumprir a vida seja simplesmente Compreender a marcha e ir tocando em frente Como um velho boiadeiro levando a boiadaEu vou tocando dias pela longa estrada eu vouEstrada eu sou.

Conhecer as manhas e as manhãs, O sabor das massas e das maçãs, É preciso amor pra poder pulsar, É preciso paz pra poder sorrir, É preciso a chuva para florir.

Todo mundo ama um dia todo mundo chora, Um dia a gente chega, no outro vai embora Cada um de nós compõe a sua históriaCada ser em si carrega o dom de ser capaz E ser feliz.

Conhecer as manhas e as manhãsO sabor das massas e das maçãsÉ preciso amor pra poder pulsar,É preciso paz pra poder sorrir, É preciso a chuva para florir.

Ando devagar porque já tive pressa E levo esse sorriso porque já chorei demais Cada um de nós compõe a sua história, Cada ser em si carrega o dom de ser capazE ser feliz.

Conhecer as manhas e as manhãs, O sabor das massas e das maçãs, É preciso amor pra poder pulsar, É preciso paz pra poder sorrir, É preciso a chuva para florir.

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CONSTRUÇÃO Autor: Chico Buarque

Amou daquela vez como se fosse a últimaBeijou sua mulher como se fosse a últimaE cada filho seu como se fosse o únicoE atravessou a rua com seu passo tímidoSubiu a construção como se fosse máquinaErgueu no patamar quatro paredes sólidasTijolo com tijolo num desenho mágicoSeus olhos embotados de cimento e lágrimaSentou pra descansar como se fosse sábadoComeu feijão com arroz como se fosse um príncipeBebeu e soluçou como se fosse um náufragoDançou e gargalhou como se ouvisse músicaE tropeçou no céu como se fosse um bêbadoE flutuou no ar como se fosse um pássaroE se acabou no chão feito um pacote flácidoAgonizou no meio do passeio públicoMorreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o últimoBeijou sua mulher como se fosse a únicaE cada filho como se fosse o pródigoE atravessou a rua com seu passo bêbadoSubiu a construção como se fosse sólidoErgueu no patamar quatro paredes mágicasTijolo com tijolo num desenho lógicoSeus olhos embotados de cimento e tráfegoSentou pra descansar como se fosse um príncipeComeu feijão com arroz como se fosse o máximo

Bebeu e soluçou como se fosse máquinaDançou e gargalhou como se fosse o próximoE tropeçou no céu como se ouvisse músicaE flutuou no ar como se fosse sábadoE se acabou no chão feito um pacote tímidoAgonizou no meio do passeio náufragoMorreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquinaBeijou sua mulher como se fosse lógicoErgueu no patamar quatro paredes flácidasSentou pra descansar como se fosse um pássaroE flutuou no ar como se fosse um príncipeE se acabou no chão feito um pacote bêbadoMorreu na contra-mão atrapalhando o sábado

Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir Por me deixar respirar, por me deixar existir, Deus lhe pague Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair, Deus lhe pague Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir, Deus lhe pague

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Todo dia ela faz tudo sempre igualMe sacode às seis horas da manhãMe sorri um sorriso pontualE me beija com a boca de hortelã

Todo dia ela diz que é pra eu me cuidarE essas coisas que diz toda mulherDiz que está me esperando pro jantarE me beija com a boca de café

Todo dia eu só penso em poder pararMeio dia eu só penso em dizer nãoDepois penso na vida pra levarE me calo com a boca de feijão

Seis da tarde como era de se esperarEla pega e me espera no portãoDiz que está muito louca pra beijarE me beija com a boca de paixão

Toda noite ela diz pra eu não me afastarMeia-noite ela jura eterno amorE me aperta pra eu quase sufocarE me morde com a boca de pavor

Todo dia ela faz tudo sempre igualMe sacode às seis horas da manhãMe sorri um sorriso pontualE me beija com a boca de hortelã

COTIDIANO

Autor: Chico Buarque

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Não tenho mais os olhos de menina

nem corpo adolescente, e a pele

translúcida há muito se manchou.

Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura

agrandada pelos anos e o peso dos fardos

bons ou ruins.

(Carreguei muitos com gosto e alguns com

rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo

o que perdi: dou-te os meus ganhos.

A maturidade que consegue rir

quando em outros tempos choraria,

busca te agradar

quando antigamente quereria

apenas ser amada.

Posso dar-te muito mais do que beleza

e juventude agora: esses dourados anos

me ensinaram a amar melhor, com mais

paciência

e não menos ardor, a entender-te

se precisas, a aguardar-te quando vais,

a dar-te regaço de amante e colo de amiga,

e sobretudo força — que vem do aprendizado.

Isso posso te dar: um mar antigo e confiável

cujas marés — mesmo se fogem — retornam,

cujas correntes ocultas não levam destroços

mas o sonho interminável das sereias.

Autora: Lya Luft

http://nadiavida.blogspot.com.br

CANÇÃO DA PENITUDE