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1730 47 LEVANDO A SÉRIO O QUE NOS DIZEM – NOTAS SOBRE NARRATIVAS E AVALIAÇÃO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS Luiz Eduardo Abreu Frederico A. Barbosa da Silva

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LEVANDO A SÉRIO O QUE NOS DIZEM – NOTAS SOBRE NARRATIVAS E AVALIAÇÃO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Luiz Eduardo AbreuFrederico A. Barbosa da Silva

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TEXTO PARA DISCUSSÃO

LEVANDO A SÉRIO O QUE NOS DIZEM – NOTAS SOBRE NARRATIVAS E AVALIAÇÃO NASPOLÍTICAS PÚBLICAS

Luiz Eduardo Abreu*Frederico A. Barbosa da Silva**

R i o d e J a n e i r o , a b r i l d e 2 0 1 2

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* Bolsista do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea.** Técnico de Planejamento e Pesquisa da Disoc/Ipea.

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Governo Federal

Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República Ministro Wellington Moreira Franco

Fundação pública vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o Ipea fornece suporte técnico e institucional às ações governamentais – possibilitando a formulação de inúmeras políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiro – e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.

PresidenteMarcio Pochmann

Diretor de Desenvolvimento Institucional Geová Parente Farias

Diretor de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais, Substituto Marcos Antonio Macedo Cintra

Diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia Alexandre de Ávila Gomide

Diretora de Estudos e Políticas Macroeconômicas Vanessa Petrelli Corrêa

Diretor de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais Francisco de Assis Costa

Diretor de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e Infraestrutura Carlos Eduardo Fernandez da Silveira

Diretor de Estudos e Políticas Sociais Jorge Abrahão de Castro

Chefe de Gabinete Fabio de Sá e Silva

Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaçãoDaniel Castro

URL: http://www.ipea.gov.br Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

Texto paraDiscussão

Publicação cujo objetivo é divulgar resultados de estudos

direta ou indiretamente desenvolvidos pelo Ipea, os quais,

por sua relevância, levam informações para profissionais es-

pecializados e estabelecem um espaço para sugestões.

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e

inteira responsabilidade do(s) autor(es), não exprimindo,

necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estraté-

gicos da Presidência da República.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele con-

tidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins co-

merciais são proibidas.

ISSN 1415-4765

JEL: Z18

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SUMÁRIO

SINOPSE

ABSTRACT

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 7

2 O MAIS CULTURA ................................................................................................. 8

3 A CONSTRUÇÃO DOS NOSSOS DADOS ..................................................................13

4 UMA NARRATIVA ENTRE OUTRAS NARRATIVAS .....................................................25

REFERÊNCIAS ...........................................................................................................30

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ...............................................................................32

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SINOPSE

O texto examina a aplicação do conceito de narrativas para a avaliação de políticas públicas. Para tanto, utiliza como exemplo a pesquisa sobre o programa Mais Cultura, realizada pelo Ipea.

Palavras-chave: Narrativas, discursos, institucionalismo discursivo, neo-institucionalismo, políticas públicas.

ABSTRACTi

Public policy studies in Brazil strongly rely on sociological, historical or rational choice neo-institutionalisms. A forth “newest new institutionalism” argues that ideas and discourse matter, meaning they play a paramount role in politics. The concept of narratives may provide insights into the daily routine of public institutions that remain unperceived by “older new-institutionalisms”. It also helps to develop one’s sensibility to what people say into a more conspicuous representation of what that really means. Numbers, norms, and official or unofficial discourses only make sense as parts of broader, although unsettled narratives.

Keywords: Narratives, discourse, discursive institucionalism, new institucionalism, public policies.

i. The versions in English of the abstracts of this series have not been edited by Ipea’s editorial department.As versões em língua inglesa das sinopses (abstracts) desta coleção não são objeto de revisão pelo Editorial do Ipea.

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Levando a sério o que nos dizem – notas sobre narrativas e avaliação nas políticas públicas

1 INTRODUÇÃO

A proposta de avaliar as políticas públicas utilizando as narrativas parte de um princípio que, correndo o risco de um vocabulário que não parece apropriado, diríamos “singelo”. A formulação cândida deste princípio é a seguinte: “o que as pessoas dizem é importante”. Ninguém de bom-senso o negaria, e o leitor, inconformado, simplesmente retrucaria: “mas isso é óbvio!” O que não é nada óbvio são as consequências de aceitar o princípio em todo o seu radicalismo. A ingenuidade é apenas um disfarce ou, dizendo como o faria Wittgenstein, com sérios ares e em bárbara gramática:

Os aspectos da linguagem [ou aquilo que nos interessa mostrar] que são filosoficamente os mais importantes estão escondidos porque são simples e ordinários. (As pessoas não conseguem percebê-los porque estão sempre e abertamente à vista de todos.) (WITTGENSTEIN, 2005, parágrafo 419).

Dito de outro jeito, queremos neste texto lembrar os esquecimentos, os usos que damos àquilo que dizem os outros. O problema é que esse esquecimento nos leva a imaginar os nossos dados de uma maneira que, propomos, não é a mais apropriada. Os nossos dados são – defendemos – narrativas, como são narrativas aquilo que produzimos ao avaliar políticas públicas.

São afirmações muito gerais e, Deus nos acuda!, metodológicas. Na abstração das boas intenções, elas não querem dizer muita coisa. Para que façam sentido a um leitor razoável (alguém que não passe o seu tempo debruçado sobre obscuros filósofos analíticos), é preciso mostrá-las na concretude de um exemplo. Para tanto, vamos utilizar a pesquisa recentemente finalizada sobre o programa Mais Cultura (ABREU; BARBOSA DA SILVA, 2011).1 Com esse objetivo, vamos construir o nosso argumento a partir das seguintes questões: i) O que fazemos ao avaliar uma política pública? ii) O que queremos entender por narrativas? e iii) O que seria uma avaliação como narrativa. Antes, porém, é preciso examinar o que, afinal de contas, foi o Mais Cultura. É por aqui que começaremos.

1. Financiada pela Secretaria de Articulação Institucional do Ministério da Cultura (SAI/MinC) e realizada pela Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

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2 O MAIS CULTURA

O Mais Cultura foi um programa implementado pela SAI/MinC, cujas complexidades poderíamos qualificar da seguinte maneira: i) continha uma ideia geral com a qual mantém um diálogo quase permanente, a saber, a ideia de Sistema Nacional de Cultura (SNC). A ideia de sistema incorporava outras que faziam parte de uma certa visão de mundo, uma Weltanschauung, a propriamente dizer, que permeou o governo do presidente Lula, entre elas: descentralização, com ênfase na territorialidade local (municípios e estados); gestão setorial da cultura; equidade regional, dada a desigualdade de distribuição dos recursos entre as Unidades da Federação (UF); particularidade de seu público-alvo, que estava entre as faixas mais pobres da população (o caráter redistributivo da política); expansão do programa para populações que não fossem contempladas por outras políticas culturais, particularmente as políticas do mecenato, entre outras; ii) também foi uma estratégia caracterizada pela transversalidade: ele uniu várias ações de secretarias e de instituições vinculadas ao MinC e procurou dar-lhe um sentido, ao mesmo tempo, específico (na medida em que defendia um conteúdo determinado para as suas ações) e genérico (na medida em que esse conteúdo se baseava numa certa maneira de perceber o papel do Estado); além disso iii) funcionou como agência, isto é, gestou, articulou, coordenou e organizou a implementação de ações por meio de editais e deu a todas elas uma programação global; por fim, iv) exigiu a administração de um orçamento, continha um componente financeiro que lhe foi central. Como explicou um dos antigos gestores da área cultural “política pública é uma fatia do orçamento, é o comprometimento do governo, é a interação com os demais órgãos” (Ângelo Oswaldo apud BARBOSA DA SILVA; MIDLYJ, 2009).

Porém, é preciso admitir, o Mais Cultura, como política pública, foi, na longa história destas coisas, não mais que um soluço. É fácil ver o que queremos dizer com isso se levarmos em consideração que as políticas de cultura no Brasil começam, pelo menos, em 1930 (ABREU; BARBOSA DA SILVA, 2011), e o Mais Cultura inicia pelos idos de 2007 e termina com a mudança da administração no fim de 2010. É verdade que houve certa continuidade entre o fim do segundo mandato do presidente Lula e o começo da administração subsequente, pela razão nada singela de o presidente Lula haver, na linguagem da política, “feito” o seu candidato a presidente Dilma Rousseff. O MinC, no entanto, apesar da permanência de alguns funcionários em cargos importantes, passou por uma inflexão com a mudança do seu ministro. Olhando à

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distância não mudou muito e, ao mesmo tempo, tudo é diferente: discurso, prioridades e justificativas continuam semelhantes; porém mudaram as pessoas e, com elas, vieram novas ênfases – o suficiente para desarticular e descontinuar o programa.

O Mais Cultura era um programa ambicioso, reconheçamos. Tentou, com graus discutíveis de sucesso, reorganizar vários projetos que já estavam em andamento, alguns de média duração, e criou alguns novos, dando-lhes, no plano das justificativas e organizações conceituais, uma estrutura coerente com algumas das grandes preocupações do então governo (combate às desigualdades, redistribuição de recursos para os municípios mais pobres, reinvenção do pacto republicano, reinvenção do Estado, ênfase na participação popular etc.). Curiosamente, os programas que lhe precederam e foram incorporados ao Mais Cultura acabaram por sobreviver a ele. Isso nos leva a sugerir que o Mais Cultura tenha sido, no fundo, a encarnação governamental de uma antropofagia institucional que nos lembra, nem que seja transversalmente, a perspectiva modernista, de índole revolucionária na década de 1930, de juntar coisas que não poderiam estar juntas (no caso dos modernistas, a cultura europeia e a brasileira). Ou talvez nem seja tão curioso assim, uma vez que as sobrevivências nas coisas do governo sejam muito mais poderosas do que as rupturas e novidades, apesar do caráter histriônico destas e da humildade servil daquelas. Justamente por isso, perguntar-se-ia o leitor, qual a importância de avaliar um soluço?

A nossa resposta à pergunta necessita de um breve circunlóquio. Considere o leitor o seguinte fato, um tanto às avessas com nossas concepções intuitivas, com o qual vez ou outra nos deparamos em sociologia: às vezes, nossas mais importantes conclusões surgem do problemático, do difícil, do complexo, do fugaz. Daquilo que, de uma certa perspectiva, “não deu certo”, que acabou antes de ter começado. Mas há, para o interesse sociológico que nos despertam esses momentos, uma boa explicação. É nos momentos de ruptura, naquilo que talvez chamássemos de “fracasso”, que aparecem com mais nitidez as contradições com as quais se tecem as urdiduras de um campo social, no nosso caso, das políticas públicas de cultura. Colocando então o problema de uma maneira metafórica que nos parece apropriada às nossas escolhas, a importância do Mais Cultura não está na sua duração, mas naquilo que enuncia sobre o movimento institucional de longa duração ao qual pertence, movimento no qual incluímos não só as instituições, mas a tradição, as narrativas, as criações normativas e as ideias. Por certo, uma avaliação do Mais Cultura tem, para os seus participantes – construtores,

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visionários, gestores, gente do povo e artistas anônimos – o sentido muito especial da lembrança, da memória do esforço, dos ganhos que auferiu e das descobertas que proporcionou. Não queremos negar a importância disso, mas queremos afirmar que, por ser justo o tributo aos seus esforços, pretendemos mostrar que eles – esforços, pessoas, ideias e conflitos – representam muito mais do que um tempo que já passou. São capazes de mostrar, propriamente dizer, os valores, ideias, contradições de longa duração, que fazem parte da nossa tradição na área de cultura – e, mais importante para o nosso presente assunto, podem nos ajudar a mostrar ao leitor (quiçá, senão convencê-lo, pelo menos plantar-lhe a semente de uma dúvida) o razoável nas nossas polêmicas afirmações iniciais, particularmente na afirmação de que o que fazemos não passa da coleta, organização e recriação de narrativas (o que, se não foi o que dissemos, foi o que quisemos dizer).

Para tanto, precisamos examinar como resolvemos, na pesquisa supracitada, o seguinte problema: como localizar, empiricamente, nos nossos dados aquilo que há de interessante no Mais Cultura? De onde pudemos ouvir o que ele tinha a nos dizer? Tomando como princípio de boa etnografia, fomos procurar a resposta a estas questões naquilo que os atores diziam o tempo todo; e eles nos falavam o tempo todo das relações do Mais Cultura – conceituais, práticas, esotéricas, imaginárias e voluntaristas – com a ideia de um SNC. E aqui as coisas ficaram verdadeiramente interessantes. O SNC era, naquele momento, uma proposta. Ele ainda não existia como tal – conforme, inclusive, nos diziam todos os funcionários. Qual o seu desenho? Quais os seus usos? Um instrumento de política pública ou um conteúdo que a política pública deveria carregar? Qual o seu interesse? Por que ele representaria uma mudança no pacto federativo? Na participação social? Quais os seus desdobramentos? Qual o seu sentido para o Estado? Essas eram algumas das questões para as quais encontramos várias respostas. Por certo, havia já alguns movimentos para sua institucionalização – como, por exemplo, a proposta de constitucionalização do sistema. Mas, durante o período da pesquisa, ele ainda era uma ideia reguladora, algo para onde se pretende dirigir, que se quer alcançar, algo sobre o que não é possível ter ainda uma noção clara, justamente porque colocada no adiante, no concreto do daqui a pouco. Nas entrevistas com os funcionários do ministério, muitos eram os sentidos que ganhava o SNC. E, num certo sentido, a mudança no MinC entre as administrações do presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff implicou que, pelo menos em um primeiro momento, uma destas concepções – aquela que o aproximava do sistema nacional de saúde – assumiu

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a gestão da secretaria na qual o programa Mais Cultura era gestado, a mesma secretaria responsável pelo SNC. Mas, por debaixo das percepções individuais, das idiossincrasias e das lutas pelo poder, correm águas mais profundas. Nossa hipótese de trabalho foi que a relação entre o Mais Cultura e o SNC seria frutífera para a pesquisa porque, de um lado, o sistema era a justificativa última do Mais Cultura, pretensão confirmada pelas narrativas que nos disseram repetidamente “O Mais Cultura é um exercício do Sistema Nacional de Cultura”; por outro, à medida que as ações e os subprogramas que compunham o Mais Cultura desenrolavam-se, mais claras ficavam as contradições entre o sistema e o programa que lhe serviria como exemplo e base empírica.

A breve introdução ao Mais Cultura já nos permite examinar os papéis que as narrativas representaram naquela pesquisa. Convém-nos fazer sua breve enumeração. Afirmamos que o Mais Cultura pertence a uma história – longa, defendemos – e que somente sua imersão nesta história – em uma “tradição”, chegamos a dizer – é capaz de explicitar um sentido que ultrapasse a sua breve duração. O que é importante para nós neste momento não é a confirmação da proposição, algo que foge muito dos objetivos, mais modestos, do presente texto. Mas reconhecer que ela assume o seguinte pressuposto: avaliar o Mais Cultura requer colocá-lo dentro de uma narrativa, ou melhor, na confluência de várias narrativas, na cacofonia de diferentes vozes. Aqui, a narrativa serve para ligar o Mais Cultura ao movimento das instituições públicas, colocá-lo dentro de uma perspectiva mais geral; mas não é somente isso, a narrativa (ou narrativas) dá-lhe um sentido de propósito. Ele fez parte de algo que lhe é maior. Mesmo que admitamos, apenas para fins do argumento, o caráter puramente ficcional do trajeto histórico, a nossa conclusão não muda, o que está em jogo é um princípio de boa epistemologia: a possibilidade de pensar o Mais Cultura depende da nossa capacidade de colocá-lo numa narrativa. “A narrativa de um certo tipo acaba por ser o gênero básico e essencial para caracterizar as ações humanas”, argumentava Macintyre (2007, p. 208).

Mas não é só dessa maneira que a narrativa aparece no nosso relato. Não se tratava apenas de incluir o Mais Cultura em um movimento. O próprio problema de pesquisa, a maneira que encontramos de abordá-lo surge da confluência de várias narrativas que o relacionavam com o SNC – fato ao qual nos referimos como princípio de método etnográfico. Isso, por sua vez, expressa um mecanismo mais profundo: uma avaliação para fazer sentido, para ter um uso, deve necessariamente dialogar com as preocupações

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e as maneiras como os próprios funcionários (que são o seu primeiro público e os seus mais críticos leitores) veem as coisas que fazem, os problemas que enfrentam, as dúvidas contra as quais se insurgem e as certezas que acalentam. No fundo, a avaliação tem de dialogar com a maneira pela qual eles conseguem pôr tudo isso em palavras. E, repare o leitor, nos deparamos aqui com um paralelismo no fundo curioso, entre o diálogo e a elaboração do problema de pesquisa. A clareza de um problema e a aplicabilidade de uma teoria a um conjunto empírico nunca é o ponto de partida de uma pesquisa, mas um dos seus resultados, no qual se misturam argumentos de várias espécies – já dizia, com razão nos parece, Feyerabend (1977):

(...) as teorias só se tornam claras e ”razoáveis” depois de terem sido usadas por longo tempo, depois de articularem intensivamente as várias partes incoerentes que as compõem. Essa condição desarrazoada, insensata, sem método é, assim, condição inevitável de clareza e de êxito empírico.

Da mesma maneira, o diálogo com os funcionários também tem esse caráter anárquico e rebelde: nossa experiência é de que a clareza do diálogo (inclusive do que a voz do outro quer dizer) não é o resultado do método, das entrevistas estruturadas ou semiestruturadas, dos questionários, das gravações e de outros artifícios. Não há neles magia que baste para organizar falas, discursos, posições, visões de mundo e outras perspectivas metafísicas. Todos os estratagemas e ardis de experientes pesquisadores são parte deste diálogo, estão englobados, pertencem às coisas que dizemos. A conversa não está, na prática, voltada para o consenso, mas para a sua continuação por todos os meios possíveis. Ela termina com o prazo ou com um ato de violência, esse sim, às vezes, consensual: “cansamos, daqui não prosseguiremos”. É um diálogo que, mesmo com a boa vontade de todos os lados, está baseado na repetição como razão de convencimento, na mudança das palavras, no silêncio estratégico, no cansaço, na frustração de que o outro “não nos entende” (e mesmo que entenda, nunca entende o suficiente), na autoridade “sou um técnico e sei do que falo”, no silenciar do outro “os números não dizem isso”, e em outras tantas escaramuças. O seu sucesso é o relatório de avaliação. E o diálogo organiza porque termina – sua clareza é, portanto, sinal de que ele já terminou, significa que estamos olhando para trás e não praticando algo.

Por fim, há um terceiro sentido em que as narrativas apareceram acima: como dados de pesquisa. Os funcionários, os números e os documentos nos dizem coisas. É a partir destes que elaboramos uma avaliação. Mas isso merece um desenvolvimento mais aprofundado. É o que faremos a seguir.

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3 A CONSTRUÇÃO DOS NOSSOS DADOS

Nas próximas linhas, e para utilizar a linguagem própria da avaliação das políticas públicas, vamos fazer a descrição da parte “metodológica” da pesquisa, ou, dizendo como preferimos, em vez de falar do programa, vamos dizer algo sobre de onde surge nossa fala. E o nosso ponto de partida é a etnografia da nossa pesquisa (SCHEPPELE, 2004), quer dizer, vamos fazer a história dos dados aos quais tivemos acesso: os números, as entrevistas e os documentos.

1) O Mais Cultura não tinha uma história contada em números, justamente porque se tratava de um programa novo. Assim, ele não possuía dados sobre o seu comportamento em anos anteriores; ainda não havia criado índices a partir dos quais pudéssemos comparar sua variação, e sua relação com decisões políticas, aplicação de recursos etc. Havia pesquisas anteriores sobre alguns dos programas que foram “incorporados” pelo Mais Cultura (BARBOSA DA SILVA; ARAÚJO, 2010; BARBOSA DA SILVA; ZIVIANE, 2011) e um conjunto de entrevistas com os principais gestores da área desde a criação do ministério, em 1985 (BARBOSA DA SILVA; MIDLYJ, 2009), e fizemos uso intensivo destas últimas. Mas sobre o Mais Cultura propriamente dito não havia muito. Havia também números criados pela própria atividade da SAI, principalmente relacionados com a política de distribuição de recursos por meio de editais. Seria possível, por exemplo, quantificar o número de editais por programa, dos beneficiados e sua procedência regional, o valor médio por benefício, entre outros. No entanto, conforme avançavam as pesquisas, principalmente as entrevistas com os funcionários da secretaria, percebemos que os números estavam todos desorganizados, quer dizer, não faziam parte de uma base de dados que pudesse servir para testar hipóteses de pesquisa e que os próprios números continham uma amplitude e ambiguidade que dificultava o seu uso. Longe de ser uma característica exclusiva do Mais Cultura, a dificuldade do dado – chamemo-la assim – é, pela experiência dos autores deste texto, uma constante de outros programas e políticas públicas. Para olhá-la mais de perto, vamos utilizar como exemplo os números que poderiam ser construídos a partir dos editais do programa.

Cada uma das várias diretorias da SAI utilizava modelos diferentes de editais (o mesmo se aplica aos programas do Mais Cultura que se reportavam diretamente a outras secretarias). Cada edital, portanto, incorporava as experiências anteriores de um

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programa em particular2 – o que, por sua vez, significa dizer que os editais de programas diferentes se apropriavam de experiências distintas e, potencialmente, incomensuráveis. O modo de produção dos editais era também divergente: desde um funcionário que teria “ido à UnB estudar para elaborar o edital”, e que se reportava aos superiores, até um grupo que discutia conjuntamente o edital proposto por um deles. Os critérios de adjudicação dos editais também variavam, e alguns deles eram, aparentemente ou à primeira vista, contraditórios com os princípios mais amplos da política. Por exemplo: toda política de editais, na qual se incluía a ampliação do conceito de cultura, vinha, segundo os atuais funcionários, da gestão do ministro Gil, pautada por “essa nova concepção de protagonismo popular” (Gilberto Gil apud BARBOSA DA SILVA; MIDLYJ, 2009). Estão aí implicadas – da perspectiva dos atuais funcionários – duas ideias. A primeira é envolver na ação governamental da área de cultura setores da população que, até aquele momento, não tinham acesso a recursos para ações na área de cultura, nem conseguiriam competir por recursos do mecenato (borracheiros, motoristas de táxi, adolescentes do interior da Amazônia, repentistas populares, municípios mais pobres, entre outros). A segunda ideia é que a administração pública passou a perceber que estes setores tinham autonomia na produção e no consumo da cultura – e não necessariamente a cultura do grande espetáculo, das grandes produções. Não nos importa neste momento do nosso argumento se o que o ministro Gil propunha era, de fato, tão original assim, na medida em que argumentos semelhantes já estavam presentes em narrativas de funcionários mais antigos (ABREU; BARBOSA DA SILVA, 2011). Nosso pequeno circunlóquio nos ajuda a chamar a atenção para a seguinte “incongruência” dos editais – alguns deles – com a política mais ampla do ministério. Alguns editais exigiam que as organizações que participassem do certame tivessem um período mínimo de atuação no estado ao qual se candidatavam. O problema é que esse critério supõe exatamente o contrário das duas ideias citadas acima: não era a comunidade que organizaria o uso dos recursos governamentais, mas instituições que lhes seriam externas (outro critério do mesmo edital era justamente a incorporação de pessoas da comunidade nas diversas fases da implantação do programa). Estes critérios, em particular, estariam – na nossa opinião – mais próximos da perspectiva da década de 1930 do século passado, segundo a qual o governo tem de levar a cultura às massas. É sempre possível encontrar razões para utilizar esses e não outros critérios, contudo, poder-se-ia argumentar, talvez, que o

2. Apesar de existir um “Observatório dos Editais” cujo objetivo seria justamente criar e disseminar uma certa tecnologia comum para os editais, e todos eles terem de passar pela consultoria jurídica do ministério. Mas estas duas instâncias preocupavam-se respectivamente com problemas de implementação e com razoabilidade legal.

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tipo de programa que se propunha desenvolver não teria, na comunidade, expertise para realizá-lo ou, ainda, que o objetivo do programa seria introduzir, na localidade, algo que ela ainda não possuía – ou, ainda, que o programa se relacionava ao princípio mais geral do “protagonismo popular” de alguma outra maneira; ou, concedendo que o edital não fosse o melhor exemplo do protagonismo, dizer que ele se relacionava com os objetivos mais gerais da política de outras formas, por estranhos e tênues caminhos. As possibilidades discursivas são muitas, seria preciso reconhecer.

A pluralidade dos editais nos colocou diante de um problema de natureza metodológica: agregar os dados em categorias para então quantificá-las exigiria que tomássemos decisões que não estivessem necessariamente vinculadas àquilo que os editais efetivamente faziam ou àquilo que os atores nos diziam. Nós, então, nos perguntávamos se, ao colocarmos tudo isso num número para dizer “foram x pontos de leitura e y pontos de cultura”, não estaríamos comparando coisas que, se fôssemos levar a sério os rigores do método, não poderíamos. Diferente seria se o próprio ministério tivesse organizado os números em uma série histórica. Isso não significa que, à base de tudo isso, não continuássemos com o mesmo problema, quer dizer, encontrássemos não uma homologia entre as diversas instâncias que resultasse dos próprios fenômenos, mas uma decisão de agrupá-los de uma certa maneira. Porém, na situação em que o órgão público já possui uma organização do empírico na forma de um banco de dados, ele também criou procedimentos de coleta de informação, treinou a expressão de certa forma para o dado. Porém, mais importante do que isso, ele teria desenvolvido uma ou várias histórias para contar a partir dos dados assim organizados. Para que nós fizéssemos a avaliação, encontrar a informação organizada desta maneira nos imporia algumas obrigações: simplesmente não poderíamos deixar de lado a “objetividade” de tudo isso, teríamos necessariamente de dialogar com as narrativas que, historicamente, foram criadas a partir das tabelas, dos gráficos, narrativas que, muitas vezes, assumem o gênero (literário, diríamos nós) da “racionalidade global”.3

3. Queremos entender por “racionalidade global” o gênero segundo o qual a atuação do Estado moderno, “a adminis-tração burocrática”, é, por definição, racional, visando à melhor relação meios e fins; “nela se alcança[ria] tecnicamente o máximo de rendimento em virtude de precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade”; narrativa tão antiga quanto Weber (os trechos foram retirados de WEBER, 1999, p. 145; uma perspectiva mais contemporânea da mesma narrativa, encontramos em HEIDEMANN; SALM, 2009).

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Com isso não queremos dizer que os números não sejam importantes ou que não devamos criá-los. O que está em jogo não é a desqualificação do número. É, ao contrário, colocá-lo no seu devido lugar, mostrar a sua prática, de forma que deixemos de lhe exigir algo que ele não é capaz de dar. A analogia que nos vem à mente é a seguinte: é possível derramar uma quantidade ilimitada de água numa xícara de chá, mas ela apenas conseguirá reter a quantidade de água que cabe naquela xícara (WITTGENSTEIN, 1965). Da mesma forma, por maiores que sejam nossas esperanças de certeza e vontade de objetividade, nos números apenas cabe o que o seu tamanho permite. Mas não dizemos isso para desanimar o leitor. O fato é que, numa sociedade de massas como a nossa, para contar certas histórias, precisamos de números e das relações que eles nos permitem dizer. Assim, para conseguir uma dotação orçamentária para um programa é necessário argumentar a partir da ideia de que aquele conjunto de ações tem um impacto. E o impacto pode ser mensurado de várias maneiras: número de pessoas beneficiadas (o que, muitas vezes, envolve algo de ciência exata, algo de suposição, algo de intuição ou simplesmente de razoável adivinhação) e quantidade de prêmios, volume de recurso etc. A renda das populações beneficiadas (número que na elaboração da política é mais um valor a ser perseguido do que uma correspondência com a realidade da sua implementação) serve para argumentar pela justiça social, redistribuição de renda ou pela importância do programa em comparação com outros que se voltam para outros públicos. A quantidade de editais serve para, por exemplo, reivindicar mais funcionários. A relação entre dispêndio financeiro e população beneficiada pode ser usada para defender a eficiência do programa (ele atinge mais pessoas utilizando menos recursos) ou argumentar que um programa tão barato do ponto de vista dos recursos do Estado merece ter sua dotação aumentada. O número de municípios atingidos serve para afirmar a “capilaridade do programa”, quer dizer, ele permite atingir populações dispersas pelo Brasil afora. Por outro lado, a relação entre arrecadação e recursos para os programas do MinC permite afirmar que não houve aumento destes em relação ao Produto Interno Bruto (PIB); enquanto o valor absoluto do recurso autoriza a defender o contrário. Todas essas são coisas importantes de se dizer, mas elas são ditas nos contextos, nos jogos de linguagem (Wittgenstein os chamaria assim), muito particulares do cotidiano da administração pública. Elas só fazem sentido por pertencerem a uma ou mais histórias que os possíveis interlocutores, outros funcionários talvez, reconheçam legítimas, razoáveis, consistentes. O número precisa de uma narrativa para fazer sentido. Não é outro o seu lugar.

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2) As entrevistas com os funcionários são, de todos os nossos dados, aqueles que menos dificuldades temos para defender que sejam narrativas – ou, para apaziguar os ânimos dos leitores mais analíticos, que contenham narrativas (imaginando que elas possam conter outras coisas, como erros de português, idiossincrasias regionais, sotaques e, eventualmente, posições políticas, estratégias ou desculpas sinceras; e que faça sentido separá-las). Como estratégia de pesquisa, tencionamos essas narrativas com o que conhecíamos a respeito dos temas e das histórias que nos contavam e procuramos levar as coisas que nos diziam ao seu limite, onde frequentemente elas se tornavam contraditórias, atentos ao que, no contexto da entrevista, nos parecia mais apropriado para desdobrar opções morais irrefutáveis em caminhos inusitados, para retirar a neutralidade e reintroduzir as distâncias ideológicas, sociológicas e políticas que marcam a administração pública. Contrapusemos narrativas a outras narrativas, portanto. As atitudes dos funcionários em face das entrevistas foram muitas – e, é claro, a maneira como eles se relacionavam com nossas perguntas inoportunas e a perda de tempo que representávamos refletia naquilo que nos diziam. Encontramos a sinceridade sofrida de quem se confessa ao psicanalista, “tenho de ser sincero, porque é uma pesquisa”; a atitude distante do discurso oficial, “não, eu não concordo com você, acho que estamos, sim, distribuindo o recurso de uma maneira compatível com o sistema”; a defesa das políticas da secretaria; a expressão reprimida da crítica ao sistema; a atitude reflexiva de quem, ao dialogar conosco, sentia uma necessidade profunda de entender a sua própria experiência. As estratégias narrativas dos nossos interlocutores também variavam bastante. “Eu vi”, “conversei com fulano”, “estava na reunião que decidiu”, “não era isso que o secretário pensava”, “o ministro disse”, “o fulano apoiava, mas não na prática”, para citar apenas algumas das suas possibilidades, servem, entre outras coisas, para criar a autoridade do que se fala, autoridade que difere segundo as posições e também em razão das funções: há aqueles com papéis mais políticos, outros, não menos importantes, são gestores com funções mais administrativas e ainda encontramos aqueles com conhecimentos mais técnicos, em contraposição aos amadores e generalistas, das áreas que são objeto das políticas. De todo jeito, cada um deles tinha uma experiência a comunicar, uma opinião a enunciar, uma crítica a fazer a ouvintes atentos. Encontramos, no geral, uma grande disposição para conversar conosco que, para além dos enunciados, dos erros de concordância acidentais e dos sotaques regionais, baseava-se em uma necessidade profunda: a vontade de ser ouvido. E foi desconcertante para nós percebermos aquele sentimento difuso, não articulado de que, para “minha experiência”, falta alguém que a ouça. Incidentalmente, podemos,

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a partir daí, sugerir a hipótese segundo a qual, para os funcionários, a sua experiência só se – digamos, por falta de melhor vernáculo – “completa” quando há quem a ouça? Quer dizer, quando se transforma numa narrativa.

Mas não é só isso. As narrativas com as quais trabalhamos tinham um aspecto central e, até mesmo – dir-se-ia – fundante para nossas preocupações. Nelas, aqueles que contam dizem algo do qual eles mesmos foram ou são personagens: eles fazem parte da história tanto quanto são seus autores e contadores. Mas a relação do contador com a história muda conforme passa o tempo. A distância permitia, como gênero narrativo, “a clareza do que acontece ou aconteceu”. Foi mais usual encontrarmos as certezas a respeito de um fato distante ou a formulação, os julgamentos peremptórios a respeito de outros governos do que daquele do qual se é parte. A mesma certeza desaparecia no fato próximo, quando ainda se espera desdobramentos para a “plena” avaliação dos seus sentidos ou quando ainda se está “em disputa”. Em todos os casos (embora fosse mais visível nas entrevistas com os funcionários do MinC e da SAI em particular), os agentes estão dialogando com algo que, para eles, é muito concreto: quem será o novo presidente; e na hipótese de a candidata da administração vencer, se existiria ou não a possibilidade de eles continuarem no ministério ou, mesmo, galgar cargos mais ambiciosos; quais seriam os candidatos ao cargo de ministro da Cultura no próximo governo; e se haveria alternativas de colocar-se na máquina pública etc. (questões existenciais as quais a proximidade do fim do governo nos permitiu perceber). Já aqueles que estão mais à distância têm outros usos para suas histórias: como não deixar perder a memória de sua participação no governo; a reivindicação de reconhecimento pelo trabalho realizado; a expressão de uma “sabedoria” alcançada pela experiência (e não apenas uma expertise, o domínio de uma técnica) e, principalmente, pelo tempo decorrido que cura feridas e torna as imagens mais claras etc. Aqui faz sentido a introdução do conceito hermenêutico de verdade, discutir a “verdade” que as narrativas contêm. Trata-se de outro sentido de “verdade” – é preciso enfatizar. Não a “verdade” como consistência da sua referência ao mundo (ou, pelo menos, não principalmente este); mas no sentido “daquilo que permanece ao longo do tempo”, quer dizer, daquilo que, apesar de estar no passado, ainda pode ser, de alguma forma, aplicado hoje (seguimos aqui o argumento de GADAMER, 1993). Das narrativas, portanto, temos de considerar não só os seus contextos, mas o que a narrativa nos diz a respeito da relação daquele que conta com aquilo que diz; ou, dizendo de uma maneira mais abstrata, admitir que o lugar do próprio narrador está contido pela textualidade

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da história que ele conta. Tudo se passa como se os narradores não fossem os donos, nem inventassem as histórias, mas que, em alguma medida, acontecesse o contrário: fossem eles mesmos inventados pelas histórias, como se elas os contassem. É, no fundo, a experiência de ter o seu destino decidido por uma trama da qual não se tem controle, mas sobre a qual é possível dizer algo – e, mais do que isso, a história que se diz faz parte da própria história que os conta. São todas narrativas dentro de outras narrativas. E o exemplo mais interessante para a pesquisa foram as entrevistas com os antigos próceres do ministério, que mencionamos antes (BARBOSA DA SILVA; MIDLYJ, 2009).

Por outro lado – e invertendo as proposições do parágrafo precedente –, essas narrativas são uma parte importante da ação dos agentes. Elas não são apenas algo que nos contam, mas ações, estratégias nas quais nos empenhamos. As narrativas têm, portanto, usos, como já dissemos: elas servem para estabelecer posições políticas; para montar uma personagem, uma identidade que serve para ganhar ou preservar espaços; para desdizer alguém, colocar-se em oposição, espalhar uma intriga (no sentido mais comum do termo); para criar uma explicação abrangente ou expressar uma visão de mundo; só para citar algumas das possibilidades mais evidentes. Em oposição a isso, as pessoas que contam algo fazem, implicitamente, neste caso, uma reivindicação de validade: “o que dizemos é ‘verdade’”, quer dizer, a história não é uma simples invenção, ficção sem maiores apegos com – como chamaria a filosofia – a referencialidade do que se diz (a sua consistência com o mundo da experiência – e daí a importância dos marcadores de autoridade que mencionamos atrás). Elas se baseiam na afirmação oculta de que “foi assim que as coisas se passaram” ou “é isso que acontece” ou variações quaisquer. Sem essa afirmação oculta elas não fazem sentido. O problema é que, conforme o uso muda – e ele pode mudar a todo instante a depender das flutuações e perambulações do contexto – mudam também as narrativas: outras escolhas se tornam possíveis e, talvez, mais prováveis. O que aconteceu ontem pode mudar completamente amanhã.4

Foi sobre esse fundo potencialmente caótico e incoerente que, para criar nossa própria narrativa, organizamos as falas alheias em torno de algumas intuições de pesquisa; foram elas: i) “traçar uma visão panorâmica das políticas, uma geral das referências”; ii) “articular uma narrativa histórica das políticas em torno inclusive da ideia de que

4. A exemplo das próprias afirmações e hipóteses científicas criadas nos laboratórios. Latour e Woolgar (1986) mostram que o enunciado que se retira de uma experiência de laboratório varia conforme passa o tempo e que ele somente se estabiliza algum tempo depois da “descoberta”, ao se estabilizar, o enunciado transforma o resultado de uma ação caótica e potencialmente imprevisível no resultado do pensamento e do planejamento racionais.

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elas marcam diferenças políticas e sociais entre os grupos que nem sempre percebem a continuidade no campo de questões e de práticas”; iii) “as ideias gerais configuram estratégias e há riscos não calculados nessas, a exemplo da constitucionalização da cultura enquanto direito social”; iv) “as controvérsias se articulam, se confundem e devemos segui-las para avaliar conflitos cognitivos e as diferentes apostas na resolução de problemas”; e v) “as decisões, sejam elas quais forem, são seguidas de discussões e impactos institucionais previstos ou não”. Por certo, essa escolha implicou uma simplificação daquilo que ouvimos, tendo em vista o uso que lhe demos. Mas isso nos leva a outra consideração de ordem metodológica: em face desse conjunto caótico e considerando que a história que criamos a partir deles é, no fundo, mais uma narrativa (para a qual contribuem doses diferentes de sorte, arte, intuição, pois não há nisso ciência que baste), tivemos o cuidado de, na medida de nossas capacidades literárias, representar a pluralidade das vozes com as quais conversamos. A tentativa de substituir a pluralidade pela hegemonia do narrador onisciente nos parece violar a “natureza” do material fugidio com o qual lidamos. Embora seja preciso reconhecer que, com o subgênero, o narrador onisciente tem lá suas razões, seus usos na avaliação das políticas públicas.

3) O terceiro e último tipo de dado que coletamos foram os documentos. A categoria documentos, para o nosso assunto, abrange uma variedade muito ampla de fenômenos que, provavelmente, não seriam assim considerados em outros contextos: queremos incluir aí tudo aquilo que apresenta uma textualidade que seja reconhecida, pelos funcionários, como, em algum grau, “oficial”: leis, decretos, memorandos, processos, formulações de políticas públicas, entre outros. Convenhamos que não é uma definição muito boa para ser aplicada em qualquer situação. Mas ela nos parece apropriada tendo em vista o contexto da pesquisa sobre o Mais Cultura. O Mais Cultura era parte de uma estratégia mais ampla, vinculada ao SNC, que incluía uma extensa e ambiciosa agenda de reformas constitucionais, agenda que, por sua vez, estava referenciada em outros documentos como nos resultados das duas Conferências Nacionais de Cultura (CNC). O problema é que incorporar os documentos em narrativas parece ir contra o seu gênero literário: leis e decretos, por exemplo, têm uma textualidade que lhes é bem particular, textualidade que se constrói justamente contra a ideia de que ali se conta uma história. Outros documentos, embora pertençam a outros gêneros ou subgêneros (classificá-los não tem, neste texto, uso algum, mas é preciso reconhecer a sua diferença), também compartilham, em graus variados, desta característica. Assim, o documento com as estratégias da CNC em nada se parece com

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uma narrativa (PRÉ-CONFERÊNCIAS SETORIAIS DE CULTURA, 2010); já a proposta do SNC se lhe aproxima, em alguns de seus momentos (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2009). Seria possível argumentar que todos estes documentos têm, por detrás, um conjunto de ideias que, para serem contadas, são ou podem ser imaginadas como narrativas (ABREU, 2009). A abordagem não é estranha à teoria das políticas públicas, uma vez que algo semelhante se encontra no conceito de referencial.5 Mas, seja como for, temos algo diferente em mente.

Etnograficamente, percebe-se uma grande ambiguidade do funcionário público em relação à legislação (para tomar como exemplo o caso extremo do que estamos chamando de documentos). Por um lado, ele imagina que a legislação confira continuidade e estabilidade à política pública. Aliás, essa é a razão apontada pelos entrevistados quando lhes perguntávamos do porquê das emendas constitucionais de criação do SNC e da vinculação de recursos. Em relação a essa última, nos fazíamos um pouco de desentendidos, afinal é intuitivamente bastante razoável imaginar que uma emenda que prescreva recursos para uma área da administração tenha como resultado o aumento de recursos. Mas, por outro lado, o funcionário deixa a interpretação dos meandros jurídicos para os juristas – trata-se, afinal, de uma linguagem técnica cujo objetivo maior parece ser confundir aqueles que não a dominam; entretanto, numa reviravolta difícil de explicar, ele, ao mesmo tempo, imagina que a interpretação da norma jurídica obedeça àquilo que ele acredita como mais razoável e, curiosamente, o que para ele é mais razoável coincide com suas posições políticas ou ideológicas ou com a sociologia intuitiva pela qual ele imagina o funcionamento da administração pública. O funcionário não poderia estar mais equivocado: como já disse Hermitte (1998), “o direito é um outro mundo”. E o seu engano lhe traz consequências, às vezes trágicas (como, aliás, adverte TELES FILHO, 2011). Nisso lhe faz companhia o cientista social. Este também imagina que algumas coisas é melhor deixar para os

5. Não há lugar aqui para digressões maiores a respeito do papel heurístico do conceito de referencial. Contentemo-nos com o que já se escreveu com alguns desdobramentos necessários para o entendimento do seu lugar neste trabalho; o conceito de referencial sugere um conjunto significativo, um sistema de representações que permite delimitar os sentidos das políticas. Jobert afirmou que o referencial é uma representação que organiza as relações entre protagonistas de uma política pública através de três operações: ela define esquemas causais que explicam de forma estilizada a realidade (di-mensão cognitiva), mobiliza valores da cultura política que permitem legitimar as ações (dimensão normativa) e finalmente essas explicações e valores se encarnam em orientações estratégicas, se institucionalizando como instrumentos estrutura-dos de ação (JOBERT, 2004/2). Ver também Campbell (1998). Surel, por sua vez, tratou a política pública por analogia ao paradigma e – tal como um paradigma – a política é constituída por elementos fundamentais, princípios gerais, hipóteses práticas, metodologias de ação e instrumentos específicos (SUREL, 1995).

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juristas; sua justificativa se apoia na máxima de caráter duvidoso (embora a teoria lhe afirme verdadeira), segundo a qual não é o que está na norma que é relevante, a norma seria apenas um epifenômeno, a reflexão, num plano secundário, de um fenômeno mais fundamental (preconceito para o qual já apontava BOURDIEU, 1986). “Porque é inconstitucional” não parece, para o cientista social, uma razão suficiente. Mas nisso o cientista social se distancia do funcionário público. O último para antes. O seu é um mundo de regras que ele, para o bem ou para o mal, tem de saber utilizar. Mesmo que sejam uma ficção, um sonho ruim, ele não se atreve a ignorá-las. E é justamente na diferença entre o funcionário e o cientista social que encontramos as narrativas que interessam à nossa pesquisa.

Voltemos um pouco. Dizíamos nós que a estratégia de mudanças constitucionais que acompanham o Mais Cultura (como veremos adiante) justifica-se pela estabilidade da política que a constitucionalização do SNC garantiria. Gastemos, pois, alguns instantes para descrever o que estaria por detrás dessa estranha concepção. E o que encontramos, um tanto silencioso é verdade, é a ideia de que o direito funcionaria de uma maneira mais ou menos automática, de que ele teria o poder, não se sabe retirado de onde, de, como um conjunto de engrenagens, ser capaz de reproduzir o seu movimento nos diversos níveis da administração pública: os níveis superiores determinam aquilo que acontece, ou, pelo menos, aquilo que pode acontecer (no sentido de um quadro de possibilidades) nos níveis inferiores. No entanto, não é isso que encontramos na nossa etnografia da administração pública (etnografia que, se tem no Mais Cultura o exemplo mais imediato para este texto, é, na experiência dos autores, corroborada em diversos outros trabalhos de campo). A ideia que fundamenta a política de mudanças constitucionais não é tampouco consistente com o cotidiano dos funcionários. Um esquecimento intencional, no sentido de sociologicamente necessário no caso brasileiro, pois permite manter a crença na importância da norma e, ao mesmo tempo, o funcionamento da instituição que parece ser, em relação à norma, estranho, incongruente, distante. O cotidiano lhe mostra que não existe nada de automático nas políticas públicas. No dia a dia, os funcionários não fazem outra coisa senão reinterpretar, reconstruir, mudar o sentido, criar o novo. Gadamer (1993) não se espantaria com isso: ele argumentaria com razão que a hermenêutica é condição ontológica do homem em sociedade. Assim, observamos no Mais Cultura que, conforme a política vai se distanciando dos documentos que, normativamente, lhe deram “origem” (uma ficção que nos ajuda a desenvolver o nosso assunto), ele vai

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ganhando novos contornos, o seu sentido vai se transformando, como foi o caso dos critérios do edital que citamos atrás, para permanecer num exemplo familiar ao leitor. Mesmo tendo consolidada uma política que todos conheçam, que esteja referenciada em documentos com caráter normativo, mesmo assim a interpretação da política pode variar e, de fato, varia conforme passa o tempo, acumulam-se experiências, o setor do ministério, a diretoria dentro da secretaria, as pessoas envolvidas, a materialidade da política pública (a política de pontos de leitura é substancialmente diferente da política de pontos de cultura), as discussões entre os diversos setores, as políticas mais amplas do governo, entre outros – fenômeno, aliás, bem conhecido da antropologia, quando os atores vão ressignificando sua atuação e o sentido das suas próprias palavras conforme muda o contexto (MOORE, 1985; ABREU, 2005).

Mas o que isso tem a ver com as narrativas? Por um caminho um tanto torto, estamos no meio delas. Tudo se passa como se, no cotidiano da administração, a linguagem jurídica simplesmente não se aplicasse, ela simplesmente não serve para gerir os contextos formados, em parte, pelas diversas narrativas que fazem os outros funcionários; todavia, ao mesmo tempo, a condição objetiva do funcionário não lhe deixa esquecer a norma, mas, ao contrário, lhe impõe a necessidade de levá-la a sério (a todo momento os funcionários estão pensando nas possíveis consequências jurídicas dos seus atos). E, então, é como personagem de uma narrativa em que o funcionário se apropria do documento, constrói ligações que o direito por ele mesmo faz questão de ignorar (e, também por isso, a linguagem jurídica lhe é insuficiente). Mas isso não significa que o direito não tenha lá suas narrativas, apenas que elas servem a outros fins, tem outros usos.

A necessidade de uma narrativa que se apropriasse dos documentos, os transformasse em personagens da história que os funcionários do momento estão querendo escrever, foi o que observamos na relação entre o Mais Cultura e o SNC. Assim, o resultado das conferências (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2010) era sempre apropriado pelos funcionários para afirmar a importância do sistema e a coerência daquilo que estavam fazendo, para justificar a estratégia de emendas constitucionais, para enfatizar o caráter democrático e republicado daquilo que faziam: “a conferência decidiu” ou “baseados na conferência” marcavam a sua fala. Assim, a conferência deixava de ser a reunião de um grande número de pessoas, administrada, gestada, desenhada e implementada pelo próprio ministério, para se tornar um ator

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autônomo, um personagem cuja fala é importante naquilo que se faz hoje. Mas essa não é a única possibilidade de um documento ter um lugar nas histórias que eles nos contavam. O exemplo, no MinC, o mais pungente é, sem dúvida, a Lei Rouanet (Lei no 8.313/1991). A lei era, em muitas das narrativas, uma personagem ambígua: ela representava uma visão de mundo “ neoliberal” e a “política do balcão” (as palavras não são nossas), mas ao mesmo tempo era responsável pelo crescimento de recursos para cultura, via mecenato, crescimento que, muito provavelmente, não teria acontecido de outra forma. Não que o reconhecimento disso fosse importante. A ambiguidade se apresentava na fala de outra maneira: ao mesmo tempo que a criticavam, não paravam de falar nela. E o interessante é que a leitura que os funcionários faziam da lei estava geralmente equivocada (da perspectiva da interpretação puramente jurídico-literal da norma). Por exemplo: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), instrumento pelo qual se pretendia viabilizar o sistema via transferências fundo a fundo foi criado pela Lei Rouanet (a lei, sob certa perspectiva, já continha uma ideia de sistema). Num certo sentido, a lei era a grande referência para a política do ministério e a prova cabal da novidade desta. Enfim, nos parece bem apropriado repetir para o caso dos documentos o que havíamos dito em relação aos números: os documentos também precisam de uma narrativa para fazerem sentido.

A conclusão desta nossa breve etnografia é que os dados só podem ser percebidos a partir dos seus usos — e os seus usos requerem necessariamente que eles sejam parte de contextos discursivos mais amplos, de narrativas, portanto. O leitor, no entanto, já percebeu que, até agora, não definimos exatamente o que seria uma narrativa. Há boas razões para isso. O importante para nós não é a aplicação de um conceito, mas a mudança de atitude em face dos dados e daquilo que escrevemos que a ideia de que “são por todo lado narrativas” nos permite. Todavia, não se configura boa prática metodológica deixá-la assim no vazio de uma ideia reguladora abstrata, sem referências quaisquer. A reivindicação do leitor por uma definição é, acreditamos, legítima. Devemos fazer um breve exercício neste sentido, portanto. Uma maneira de se aproximar do conceito de narrativas é pensá-las como uma ação, a ação de contar algo, num determinado contexto, e, dentro deste contexto, o dizer da história tem um ou vários usos. Elas implicam uma estrutura, um “colocar-numa-intriga”, na impagável expressão de Ricoeur (expressão que apesar do senso mais comum da palavra “intriga” ainda guarda, no português, o mesmo sentido do original em francês, mise-en-intrigue, a saber, colocar em um enredo (HOUAISS; VILLAR, 2001)). Por sua vez, “colocar-numa-intriga” exige, por um lado,

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uma estrutura (a estrutura da história) e, por outro, duas escolhas: a escolha dos fatos, dos eventos, das ações das quais se diz algo; e a escolha do seu arranjo (a sua sequência e a maneira como as peripécias da história se ligam umas às outras); enfim, os eventos e o arranjo formam, juntos, uma história com começo, meio e fim (RICOEUR, 1986, p. 13). Não nos parece que definir narrativas dessa maneira agregue mais informações ao que dissemos anteriormente. Tampouco nos parece contraditório com aquilo que descrevemos sobre os números, as entrevistas e os documentos. Mas, seja como for, nos permite o sossego metodológico de termos, enfim, uma definição.

Depois, a proposta nem parece ser muito original. É verdade que a ideia de que as narrativas possam servir à avaliação das políticas públicas parece conter certa dose de ousadia. Afinal, o campo está acostumado a pensar as políticas públicas de outras maneiras (CAMPBELL, 1998; MULHALL; VENTURA DE MORAES, 1998; HALL; TAYLOR, 2003; SKOCPOL; MISKOLCI, 2004; GORMLEY, 2007; HEIDEMANN; SALM, 2009), nas quais a história, a decisão racional ou a sociologia representam um papel central. Mais recentemente, porém, Schmidt e outros vêm argumentando por uma quarta forma de institucionalismo, o institucionalismo discursivo (ROE, 1988; SCHMIDT, 2008). Schmidt defende que o institucionalismo discursivo seria uma alternativa aos antigos “novos institucionalismos”. A autora argumenta que o institucionalismo discursivo poria em questão as premissas básicas destes, quais sejam: o de que as instituições estariam em equilíbrio baseado nas preferências racionais, em tendências históricas que se autoalimentam (self-reinforcing historical paths) ou em normas culturais que permeiam todas as atividades sociais (all defining cultural norms) (SCHMIDT, 2008). Parece-nos, então, que, da perspectiva das teorias sobre políticas públicas, a proposta de uma avaliação enquanto narrativas nem é tão ousada assim, como quereriam fazer entender aqueles que pouca simpatia lhe têm. Ela se apresenta muito mais como uma possibilidade entre outras de enfatizar a importância do discurso que se produz dentro das instituições públicas.

4 UMA NARRATIVA ENTRE OUTRAS NARRATIVAS

“Levando o argumento de vocês ao limite, não estaríamos desqualificando tudo que é realmente importante para a avaliação de políticas públicas?” “Como podemos acreditar naquilo que nos dizem as análises se levarmos o que vocês dizem a sério?”, nos

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perguntaria talvez o leitor. Mesmo que tivéssemos sido completamente convincentes nos nossos argumentos – o que duvidamos –, mesmo que não haja, naquilo que dissemos, faltas ou erros graves, mesmo assim nada poderia estar mais longe dos nossos objetivos. Não acreditamos que esses sejam riscos reais. A única coisa que uma investigação do tipo que propomos aqui pode destruir são as esperanças vãs, os ídolos inúteis, ou, para ficar nos nossos exemplos, as tentativas de dizer a partir dos números, das entrevistas e dos documentos coisas que eles não conseguiriam. Números, entrevistas e documentos estão aqui em situação análoga àquela da xícara de chá – da mesma maneira que ela não consegue conter mais líquido do que o seu tamanho lhe permite, também nossos dados de pesquisa estão limitados pelas suas condições sociais de produção. É apenas isso que reivindicamos defender – e a única conclusão que, na nossa opinião, surge dos exemplos acima. No fundo, a nossa investigação deixa tudo como está e só é capaz de mostrar, para aqueles que a isso se dispuserem, as ligações entre as práticas e os seus contextos que a sua vontade de objetividade, clareza e certeza lhes fazia ignorar (no que seguimos WITTGENSTEIN, 2005, p. 306 ss.).

Defendemos a ideia de que uma avaliação mais aberta para as incertezas dos nossos dados e que os perceba como narrativas pode dizer coisas interessantes. E algumas, talvez, que não poderiam ser ditas de outro modo. Novamente vamos fazer uso da pesquisa sobre o Mais Cultura. Algo que nos foi possível identificar, que seria difícil de outro modo, foi a continuidade dos conceitos e dos problemas do campo. Com efeito, as narrativas sobre o Sistema Nacional de Saúde e o papel do Estado na cultura dialogam, mesmo sem se dar conta, com o “movimento” de ideias que, desde pelo menos a década de 1930 (data cuja escolha, um tanto arbitrária, nos fornece, pelo menos, um começo), volteia o assunto “cultura”, tais como “identidade nacional” (SCHWARTZMAN, 1981; ORTIZ, 1986; PEREIRA DE QUEIROZ, 1988), “particularidade & universalidade” (CANDIDO, 2000), “desenvolvimento & atraso” (além dos já citados, SCHWARCZ, 1993), para mencionar algumas. Muitas vezes o itinerário destas ideias não é fácil de seguir, mas, podemos adiantar, que elas aparecem e desaparecem, são retomadas anos depois, em contextos diferentes – com usos diversos, portanto, como se fossem grandes novidades, como é o caso da própria ideia de sistema que está presente desde, pelo menos, o governo militar. Não foi diferente com as narrativas que coletamos: lá também se misturam assuntos antigos com contextos contemporâneos e ideias novidadeiras. Mas, mais do que isso, estavam presentes os discursos da novidade e da ruptura, discursos cuja permanência em nosso imaginário

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coletivo representa senão um valor de longa duração, pelo menos um caminho que o nosso pensamento social já se acostumou a trilhar: por todo lado e em momentos diferentes, a mesma necessidade do novo, como se somente o mais recente fosse digno de se ver reconhecido no palco onde se apresentam e representam as questões que nos importam.6 A partir daí foi possível perceber que as mudanças da política cultural no período mais recente não implicaram apenas mudanças na direção de políticas públicas ou nas decisões de gestão e/ou aplicação de recursos; estas acompanharam-se da mudança na maneira como ideias gerais, crenças e valores compartilhadas são interpretadas ou, dizendo como preferimos, como se ouvem as vozes da tradição, como se lhes reatualizam o sentido.

Uma avaliação aberta para as narrativas também pode dizer com mais propriedade coisas que não cabem em números. E, às vezes, o mais importante simplesmente não cabe em quantidades. No caso da pesquisa do Mais Cultura, vimos que as narrativas referiam-se constantemente à ideia de sistema: colocavam questões, expressavam dúvidas, defendiam a coerência dos programas, sugeriam diagnósticos sobre as dificuldades de implementação do sistema e propunham soluções. As próprias narrativas, portanto, já nos oferecem um critério para avaliar os impactos do programa e, particularmente, da proposta de um sistema nacional de cultura, qual seja: o uso que ela tem nas discussões, narrativas e reflexões dos funcionários do próprio Ministério (restringimo-nos aos funcionários para sermos coerentes com os dados levantados; o critério não se altera se incluirmos aí outros agentes da sociedade civil e dos estados e municípios, simplesmente não temos, no atual estágio da pesquisa, como aferi-lo). De uma maneira mais enfática, pudemos sugerir que o impacto do sistema é também – e, no atual estágio de desenvolvimento, arriscaríamos, principalmente – falar do sistema. Uma avaliação que se colocasse à distância para construir um resultado técnico que percebe as narrativas como um objeto estranho do qual é preciso extrair a verdade não poderia enxergá-lo. Avaliar, neste caso, implicou dialogar com as preocupações e os modelos, a rede de ideias que estão, nas narrativas, relacionadas com o sistema. Vamos, no pouco tempo que nos resta, explorar uma delas que, nos parece, seria central para a relação do Mais Cultura com o SNC.

6. Interessantíssima a esse respeito é a descrição que Lévi-Strauss faz da São Paulo entre a década de 1930 e 1940; ela mostra impregnada na própria tessitura da sociabilidade da elite paulista de então a necessidade à qual nos referimos (LÉVI-STRAUSS, 1957).

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Uma das expectativas presentes nas narrativas sobre a implementação do sistema é a capilaridade e o alcance que ele daria às políticas públicas na área de cultura. Parte dessa ideia vem da maneira como os funcionários veem a norma jurídica. Assim, o sistema teria um desenho jurídico, no sentido de uma hierarquia normativa, em que os regulamentos de ordem superior vão constrangendo as possibilidades dos regulamentos ou decisões subordinadas. Os funcionários, por sua vez, nos dizem que o sistema seria a “retaguarda da política” e serviria para transmitir um “conteúdo”; o MinC seria, então, um órgão de planejamento e fiscalização e de intervenções pontuais, diz-se. Convém examinarmos as afirmações com mais detalhe. Em primeiro lugar, elas têm um contexto: fazem sentido quando, por exemplo, perguntamos o uso que o sistema possui para o ministério; ou quando os funcionários discutem o modelo apropriado de Estado e a sua relação com a sociedade civil e tentam mostrar a diferença entre a atual e as gestões anteriores do MinC; elas também fazem sentido no diálogo entre documentos. Afirmações como essa, contudo, desaparecem no contexto dos editais ou dos programas e ações do Mais Cultura. Nesses últimos, ganham importância as vicissitudes e os problemas do fazer próprio da administração pública – onde as políticas vão se transformando, ganhando um desenho mais “pragmático”. É claro, as transformações não acabam por aqui. É razoável supor que a seleção das propostas ganhadoras envolva a interpretação do que significa exatamente cada item do edital. E mais. Também é verossímil que a interpretação dada ao edital do Maranhão seja diferente da do edital do Acre, pelos funcionários responsáveis pelo processo licitatório – trata-se, afinal, de contextos diferentes com todas as consequências desse fato. Em resumo, a expectativa de que o sistema seja capaz de dar capilaridade à política de cultura, no sentido de levar às pontas um determinado conteúdo, não leva em consideração o funcionamento da máquina administrativa e os contextos do fazer, porque a política pública vai se transformando conforme passa de um contexto a outro.

A partir dos comentários precedentes, podemos, em segundo lugar, examinar os fundamentos destas narrativas. Ao fazê-lo, somos capazes de concluir que a ideia de que o “sistema leva um conteúdo” se baseia em alguns pressupostos contrafactuais (Habermas os chamaria assim) (HABERMAS, 1984); são eles: o sentido definido pela regra de ordem superior não se modifica nas instâncias inferiores; o sistema é transparente, quer dizer, o significado da política e as suas implicações são compreendidas da mesma forma pelos funcionários e público em geral; o sistema é capaz de abarcar a pluralidade das intervenções que a ideia de cultura pode conter; os funcionários e os gestores estaduais

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e municipais aderem ao sistema “pelas razões certas”, isto é, estão convencidos de que ele é uma “boa ideia”; e, finalmente, a participação nos editais implica uma adesão ao sistema. Os supostos contrafactuais dão um certo “rosto” ao que se entende por sistema e a sua relação com as pretensões das políticas públicas da administração. Seria certamente possível imaginar um sistema nacional para a cultura que prescinda destes supostos. Ele teria, no entanto, um desenho diferente daquele proposto atualmente.

Seja como for, vimos também que, por enquanto, a ideia, na prática, está ligada ao Mais Cultura como “exercício do sistema”. A partir deste último, percebemos que é, sim, possível conseguir uma certa homogeneidade na política (pelo menos nos seus aspectos formais), na medida em que existe a vinculação entre o repasse de recursos e a obrigação, por parte dos entes federados, de reproduzir um edital e um processo licitatório. É interessante notar que as licitações são um procedimento conhecido e comum na administração pública (embora possa haver certas dificuldades nos municípios mais pobres). Isso significa que a – vamos chamá-la – “política dos editais” já se utiliza de uma prática comum e bastante difundida – o que, é razoável supor, facilita o trabalho de “exportar” um modelo. Os editais se baseiam numa linguagem conhecida (ou mais conhecida que a ideia de sistema) e sua adesão não requer mudanças drásticas – aliás, não requer mudanças nenhumas: tudo já está regulamentado por lei; e, estão associados a ideias importantes para administração (como publicidade, equidade, impessoalidade) e, portanto, contam com uma legitimidade institucional importante. Mais do que isso, a “política dos editais” permite exportar não apenas a exigência de que os entes federados devem distribuir os recursos por meio de editais, mas, sobretudo, um determinado modelo de edital: as justificativas, os itens de avaliação e o processo são os mesmos – o que, neste caso, implica exportar um fazer, uma tecnologia, na qual se incluem uma certa interpretação da legislação, dos procedimentos administrativos e uma aliança com outros documentos do Estado, como a jurisprudência dos tribunais sobre a Lei no 8.666. Embora no atual estágio de pesquisa não seja possível avançar dados mais substantivos para apoiá-la, é razoável sugerir a hipótese de que a ideia de sistema por si só não tenha como consequência uma homogeneidade que a proposta do “sistema como um transmissor de um conteúdo” parece sugerir. Para que os supostos contrafactuais apontados acima se confirmem é necessário mais do que isso. É preciso a criação e exportação de um sistema de práticas, vinculadas à administração pública, atreladas à transferência de recursos. E, é claro, seria preciso exportar também as narrativas que as alimentam e justificam.

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