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Instituto de Anatomia da Faculdade de Medicina do Porto DIRECTOR—PROF. J. A. PIRES DE LIMA TÇÊSCS505I POR ALBERTO DA SILVA E SOUSA (PREPARADOR DE ANATOMIA) 3ese de SDoútoramento apresentada à faculdade de Medicina do Sôrto. 1921 TIPOGRAFIA CENTRAL Rua da Picaria, 54 Porto

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Instituto de Anatomia da Faculdade de Medicina do Porto DIRECTOR—PROF. J. A. PIRES DE LIMA

TÇÊSCS505I POR

A L B E R T O DA S I L V A E S O U S A (PREPARADOR DE ANATOMIA)

3ese de SDoútoramento apresentada à faculdade de Medicina do Sôrto.

1 9 2 1 T I P O G R A F I A C E N T R A L

Rua da Picaria, 54 Porto

TRES CASOS DE BAÇOS S U P R A N U M E R Á R I O S

Instituto de Anatomia da Facilidade de Medicina do Porto D I R E C T O R — P R O F . J. A. P I R E S DE LIMA

TRÊS 6HS0S DE BUÇOS 5 M , f | l i l 5 POR

A L B E R T O DA SILVA E SOUSA (PREPARADOR DE ANATOMIA)

Sese de SDouioramento apresentada \ à &aculdade de ^Medicina do Sôrto. \

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1 9 2 1 T I P O G R A F I A C E N T R A L

Rua da Picaria, 54 Porto

FACULDADE DE M E D I C I N A DO PORTO

D I R E C T O R

Dr. Maximiano Augusto de Oliveira Lemos PROFESSOR SECRETÁRIO

Dr. Álvaro Teixeira Bastos

CORPO DOCENTE

P R O F E S S O R E S O R D I N Á R I O S

Joaquim Alberto Pires de Lima . . Anatomia descritiva. Abel de Lima Salazar Histologia e embriologia. António de Almeida Garrett . . . " Fisiologia geral e especial. José de Oliveira Lima . . . . Farmacologia. Alberto Pereira Pinto de Aguiar . . Patologia Oeral. Augusto Henrique de Almeida Bran­

dão Anatomia patológica. Carlos Faria Moreira Ramalhão . . Bacteriologia e Parasitologia João Lopes da Silva Martins Júnior. Higiene. Manuel Lourenço Gomes Medicina Legal. António Joaquim Sousa Júnior . . Medicina operatória. Carlos Alberto de Lima Patologia cirúrgica. Álvaro Teixeira Bastos . . . . . Clínica cirúrgica. Alfredo da Rocha Pereira . . . . Patologia médica. Tiago Augusto de Almeida . . . . Clínica médica. José Alfredo Mendes de Magalhães . Terapêutica geral. Vaga Clínica obstétrica. Maximiano Augusto de Oliveira Le­

mos História da medicina e Deontologia, Luís de Freitas Viegas Dermatologia e Sifiligrafia. António de Sousa Magalhães Lemos. Psiquiatria. Vaga (i) Pediatria.

L E N T E S J U B I L A D O S

José de Andrade Gramaxo Pedro Augusto Dias

(1) —Cadeira regida pelo Prof, ordinário-Dr. Antonio de Almeida Garrett.

A Faculdade não responde pelas doutrinas expendidas na dis­sertação (Art. 15 §2.° do Rugulamento privativo da Faculdade de Medicina do Porto, de 3 de Janeiro de 1920)

A Meus Pais

Nunca esquecerei que vos devo tudo O que sou. Deixo gravado nesta página o eterno testemunho da maior gratidão do fi lho que vos beija enternecidamente.

A Minha Avó

Com um abraço do neto agradecido.

A minhas irmãs e cunhada

A meus irmãos

Arminda Júlia Maria Alice

António Júlio Armando

A meus primos e em especial

Dr. António Sousa Torres Dr. Raul César Cândido Torres

Para todos a mesma parcela de sincera estima.

A memória de meu irmão

Francisco

Eterna saudade,

A meus Tios

e em especial

A minha Tia e Madrinha

Com um grande abraço de estima.

e a meu Tio

Domingos Alexandrino Ferreira da Silva

Pelo muito que por mim fizestes, a minha grata amizade e sincera dedicação.

_

Aos insignes professores de pintura

Joaquim Vitorino Ribeiro

Como afirmação de muita estima e homenagem ao vosso talento e saber.

e ao

Joaquim Lopes

Nunca esquecerei a bela e leal ca­maradagem do vosso atelier, bem como os ensinamentos que a vossa amizade e talento me proporcionaram.

Às famílias que me distinguem com a sua amizade

2

Aos meus amigos

Amadeu Lopes Moreira António d'Azevedo (escultor) Emanuel Ribeiro Dr. Guilherme Nogueira Dr. Augusto Barreto Costa Ernesto Lopes Vieira

Aos meus Condiscípulos e em especial

Dr. José Mendes Moreira Dr. Benjamim M. Antunes Lemos Dr. Luís António Côrte-Real Dr. Mário Alexandrino Dr. Eurico Alves Dr. Germano Campos Monteiro

Aos meus contemporâneos

Dr. José Guimarães Pestana da Silva Dr. José Luís Pinto dos Reis Dr. José Fernandes Braga

Ao

Dr. Hernâni Monteiro

Ilustro esta página com o vosso nome como homenagem simples e sin­cera ao vosso saber e como afirmação da muita estima de que vos sou de­vedor.

Ao Douto Corpo Docente

DA

Faculdade de Medicina do Porto

Pelos vossos ensinamentos

i

Ao meu Ilustre Professor de Anatomia e Ex.mo Presidente de Tese

Doutor J. A. Pires de Lima

Sinto-me feliz por ver que o vosso nome apadrinha tão modesto trabalho.

Breves palavras

É costume no prólogo das teses de doutora­mento dardejarmos a rabujice da lei que nos pri­meiros degraus da vida prática tão agreste can­seira nos exige.

Fiel como sou à tradição, submeto-me. No Instituto de Anatomia, onde há mais de

um ano faço serviço, surgiu-nos a ideia de apro­veitar, da sua preciosa colecção, os três interes­santes casos de baços supranumerários.

Na verdade este assunto não deixa de ter o seu interesse, pois que os casos desta natureza são bastante raros. Sem pretensões e sem aquela forma literária que tantíssimas vezes contribui para que a leitura se torne grata, o trabalho mo­desto de síntese, deficiente sem dúvida, que exponho à benevolência do júri ilustre, não passa dum en-

saio. E por assim dizer, o primeiro passo nesta estrada que pretendo seguir, animado pelos ensi­namentos daqueles que foram meus Mestres.

Possa eu vencer as dificuldades que se me de­parem!

*

* *

Cumpre-me agora confessar ao Ex.mo Snr. Pro­fessor Dr. J. A. Pires de Lima toda a gratidão e reconhecimento do meu coração pela sua generosa Amizade e a honra com que me distingue presi­dindo ao meu doutoramento.

Seja-me lícito consignar aqui ao Ex.'"° Snr. Dr. Hernâni Monteiro pela sua valiosa colabo­ração, os meus sinceros agradecimentos.

TRÊS CASOS DE BAÇOS S U P R A N U M E R Á R I O S

I

Baço tendo anexos onze pequenos baços supranumerários

Entre as numerosas e interessantes peças que possue o Museu do Instituto de Anatomia da Faculdade de Medicina do Porto, é esta a pri­meira das peças que formam, propriamente, a tríade que constitue o assunto da minha tese.

Este exemplar foi colhido duma criança viti­mada pela meningite cérebro-espinal e está arqui­vado no nosso Museu desde Janeiro de 1918.

Apresenta este baço a configuração de uma pirâmide triangular alongada de cima para baixo e achatada de fora para dentro, tendo o aspecto dum segmento elipsóide cortado segundo o seu eixo maior (V. fig. i).

Depois duma permanência de dois anos em 3

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Kaiserling para sua conservação, pesa esta peça actualmente 52gr,5.

As medidas tomadas foram as seguintes :

Altura . . . . . . . . . 75ram­

Largura máxima 43 „ Espessura 24 „ Circunferência horizontal . . '. ■ .. 105 „

A sua face externa é lisa, confinando na sua parte superior com o vértice ou cabeça por um grosso rebordo, que forma por assim dizer, a base da pirâmide.

A face interna é formada por dois planos que se juntam em ângulo obtuso, cuja abertura olha para diante e para fora, formando assim aquele ângulo um bordo (que é interno), o qual divide a referida face em duas: uma ántero­interna e outra póstero­interna. A face ántero­interna é mais côn­

cava na sua metade superior, concavidade esta que se orienta de cima para baixo e de trás para diante. A outra, a póstero­interna, é ligeiramente plana; dela nascem vasos que vão lançar­se no pequeno baço, como se vê na fig. i.

O seu bordo anterior é liso, fino e ligeiramente

Kst. I

ALBERTO UE SOUSA—Três casos de baços supranumerários (Obs. i).

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côncavo de cima para baixo. O bordo posterior é grosso, convexo e apresenta pequenas cesuras.

O bordo interno é grosso, côncavo de cima para baixo e a sua concavidade olha para diante e para dentro. Quer a cabeça, quer a cauda não apresentam nada digno de registo.

Anexos ao baço principal no epiploon pan-creático-esplénico, e junto ao hilo, encontram-se dez pequenos baços supranumerários, todos de dimensões exíguas, variando o seu comprimento entre 2mm- a 6mm- Alem destes, existe ainda um pe­queno baço flutuante (V. fig. i) com a forma duma pequena cereja (esferóide de 8mm- de diâmetro) e que está suspenso por vasos de Sõ™"1- de compri­mento, os quais se encontram envolvidos por uma prega peritoneal.

II

Baço tendo anexos dois pequenos baços supranumerários

Esta segunda peça foi extraída do cadáver de Manuel E. S., de 26 anos, jornaleiro e natural de S. João da Pesqueira.

Entrou no Museu do Instituto de Anatomia em 26 de Dezembro de 1919, e está conservada em formol.

Pesa actualmente 387gr-,5. Do baço principal, cuja conformação é apro­

ximadamente a dum baço normal, tirei as seguin­tes medidas:

Altura 14cm-Largura máxima . . . . . . . 9,3 Expessura 5,3 Circunferência horizontal máxima . . 22,5

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Anexos a este baço principal, (Fig. 2) vêem-se dois pequenos baços supranumerários que se encon­travam no epiploon pancreático-esplénico. O pri­meiro estava preso ao hilo do baço principal por um vaso de 15mm- de comprimento. Este baço supra­numerário tem a forma e o volume duma pequena amêndoa, cujo eixo maior media 22mm-, o eixo menor 18mm- e a sua espessura era de 15mra- Sus­penso a este baço supranumerário, por um vaso de 8mm- de comprimento, encontra-se um novo baço supranumerário, também ovalar, muito mais pequeno que o primeiro e que mede õmm- de com­primento por 5mm- de largura.

Neste mesmo cadáver encontraram-se as ano­malias seguintes, que foram descritas pelo Dr. Her­nâni Monteiro na sua Nota Anatómica xxxiv, publicada nos "Anais da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,, Vol. iv, 1920:

Arco axilar muscular. Fusão do grande peitoral e do deltóide di­

reitos. Imperfuração do córaco-braquial pelo nervo

músculo-cutáneo. Pequeno feixe muscular estabelecendo cone-

.

Kst. I I

ALBERTO DE Sous*—Três casos de baços supranumerários (Obs. 11).

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xões entre o longo flexor próprio do polegar e o flexor profundo dos dedos.

Duplicidade bilateral do longo abdutor do polegar.

Ramificação anómala da artéria axilar. Duplos nervos fémuro-cutáneos.

Ill

Baço esplenomegálico com vinte e cinco baços anexos

Esta peça anormal encontra-se no Museu do Instituto de Anatomia e está conservada em for­mol há cerca dum ano. Não existe relação alguma deste exemplar, pois sobre êle nenhuma nota se encontra naquele Museu.

Pesa actualmente esta peça 1008gr,7. A conformação exterior do baço principal é

extravagante e irregular, obtendo-se os seguintes dados métricos:

Altura 18cm,8 Largura máxima 12cm,l Circunferência horizontal máxima . 31cm,5

A face externa é ligeiramente plana, e bosse-lada donde a onde (Fig. 3).

A face interna é convexa, orientando-se esta

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convexidade de cima para baixo. Dessa orientação participa também o hilo.

O bordo anterior é grosso, vertical; deste partem, na sua metade inferior, três cesuras, que se vão perder no hilo.

O bordo posterior é muito mais grosso que o anterior e apresenta uma convexidade acentuada, orientada de cima para baixo ; neste bordo encon-tra-se ainda urna cesura, cuja extremidade interna se perde no hilo e a externa na cabeça volumosa deste baço. A cauda deste grande baço é grossa, com uma convexidade que se orienta de trás para diante.

Suspenso a este baço esplenomegálico, encon-tra-se um outro, de muito menores dimensões.

Os meios de suspensão deste pequeno baço são constituídos por grupos de vasos, um dos quais parte do hilo do baço principal e mede 105mm de comprimento e o outro, cujo compri­mento é de 63mm, parte do bordo posterior do baço esplenomegálico para lançar-se no polo superior do pequeno baço.

Apresenta este pequeno baço supranumerário as seguintes dimensões:

M l — . ' —— —

Vint. Ill

A L B E R T O DE S O U S A — T r ê s casos de baços supranumerár ios (Obs. m) .

43

Altura máxima 50mm

Largura máxima ao nível do hilo . . 31 „ Espessura 26 „ Circunferência horizontal máxima . . 95 „

A

Este pequeno baço supranumerário tem nitida­mente a forma dum rim.

A sua face anterior é fortemente convexa, e a face posterior plana.

O bordo interno é convexo e o externo côn­cavo.

Anexos aos vasos do baço esplenomegálico, ao longo do hilo, encontram-se 24 baços supra­numerários, de dimensões variáveis, todos alon­gados, cujo comprimento médio é de lmm, e cuja largura média é de 4mm.

*

* *

O exame histológico destas peças foi feito no laboratório do Professor Salazar, o qual confirmou serem estas pequenas formações compostas de substância esplénica.

IV

Neste último capítulo em que divido o presen­te trabalho, vou falar de todos os casos de baços supranumerários, encontrados por portugueses e estrangeiros, de que pude obter conhecimento pela minha investigação bibliográfica.

Principiando pelas portuguesas, começo, por­tanto, por citar os casos de baços supranumerários que o Prof. Sousa Júnior (1) descreveu, em 1902, na sua tese de concurso "Peste bubonica,,, casos estes, observados no decurso das autópsias então feitas.

Na autópsia de Antónia C, de 44 anos, crea-da, do Largo do Monte dos Judeus, (observação xiv), aquele professor encontrou um baço supra­numerário, que apresentava lesões análogas às do baço principal.

No cadáver de Gracinda P., de 12 anos, cria­da, da rua do Correio, (observação XLIV), foi tam­bém encontrado um baço supranumerário com

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periesplenite e pseudo-tubérculos muito desen­volvidos.

Na observação u\ (autópsia de M. J. C, de 30 anos, natural do Porto) encontrou-se igualmente um baço supranumerário, cujas lesões eram idên­ticas às do baço principal.

Um outro caso de baços supranumerários é o encontrado pelo Snr. Dr. José Joaquim de Moura (2), zm 1918, no decurso da autópsia de M. J., de 5 anos de idade, efectuada em Trás-os-Montes.

Diz o Dr. Moura ter encontrado um baço de volume normal, negro, tendo junto, para dentro e para baixo, dois pequenos corpos redondos inde­pendentes um do outro e, ambos, por sua vez, independentes do baço mais volumoso, com ade­rências ao peritoneu (grande epiploon) dando o aspecto nítido de baga de sabugueiro completa­mente madura.

Outro caso português é, ainda, o encontrado no cadáver de António J. A., de 19 anos de idade, refinador de assúcar, natural de Vila Verde, disse­cado, em Janeiro de 1920, pelos alunos de Anato­mia desta Faculdade, sob a direcção do Dr. Her­nâni Monteiro (3).

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Nesta dissecção encontraram-se numerosos ba­ços supranumerários, todos de exíguas dimensões, bem como as seguintes anomalias: feixes anexos aos digástricos; feixe anexo ao milo-hioideu esquerdo; existência, à esquerda, de um músculo anómalo su­pra-costal anterior; ramificação anómala das arté­rias axilares; artéria radial direita cruzando superfi­cialmente os tendões do longo abdutor e longo ex­tensor do polegar; o músculo escaleno anterior, era atravessado pelos ramos anteriores do 5.° e 6.° ner­vos cervicais; no pé esquerdo os nervos colaterais dorsais provinham do músculo-cutáneo e do tibial anterior, e distribuiam-se de uma maneira anómala.

Todas estas anomalias são descritas pelo Dr. Hernâni Monteiro, na sua Nota anatómica xxxiv, publicada nos "Anais da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,,. Vol. iv, 1920.

* *

Das observações estrangeiras sobre baços su­pranumerários, começarei por citar as mais an­tigas que, nos tratados clássicos encontrei re­gistadas, as quais sintetisarei o mais possível.

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Em 1733, Porras (4) no seu tratado, refere-se à possível existência de baços supranumerários, sem contudo citar qualquer observação pessoal. Diz aquele autor que o regular é encontrar-se um só baço, mas que não faltam anatómicos que têem encontrado dois e mesmo três.

Verheyen (5) em 1734, sobre o assunto expri-me-se da seguinte maneira:

"Algumas vezes encontra-se mais do que um baço e isto consta também na verdade desde há muito tempo. Foram encontrados no corpo huma­no por vários anatómicos e por Falópio que viu três. Nós, também, há poucos anos, vimos no Tea­tro Anatómico de Louvain no cadáver duma rapa­riga condenada ao suplício da morte por causa de prolicídio e que foi demonstrado naquele tempo por C. L. D. Herregoust, professor de Anatomia. Um dos baços, porém, era de tamanho vulgar e os outros dois mais pequenos. Vi, além destes, há pouco tempo, no cadáver dum rapaz de perfeita saúde, e repentinamente morto, um apêndice vermiforme do intestino e também um baço duplo; um deles de tamanho mais do que medío­cre, e outro, sobreposto ao primeiro, conexo à

4g

membrana comum, e que constituía cerca da quar­ta parte do baço ordinário,,.

Martinez (6), em 1745, no seu tratado de Ana­tomia, a propósito do baço, sob a epígrafe de "Casos raros,, refere: "Riolan advertiu que nada varia tanto na natureza, como a forma, situação e aspecto do baço. Theophilo Bouer menciona certa mulher melancólica que padecia de icterícia e que levou os médicos a pensar ser a enfermidade de­pendente de grandes obstruções do baço.

Feita a autópsia a esta mulher pouco depois da sua morte, não se encontrou o baço. Pelo con­trário, Henrique Sempsónio observou dois baços num cadáver.

Florêncio Kelli, dissector régio e sócio da So­ciedade Régia de Sevilha, em 2 de Abril de 1710, no cadáver de uma mulher, encontrou, dois dedos abaixo do baço normal, outro mais pequeno e de mais dura substancia, mas com a mesma forma; tinha três ligamentos: um que o prendia ao peri-toneu, outro ao diafragma (e este penetrava dentro da substancia, formando um triângulo), o terceiro unia-o ao baço normal.

Os seus vasos, ainda que mais pequenos, nas-

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ciam dos mesmos ramos que iam para o outro. A sua membrana era mais delicada, a sua côr mais escura e não apresentava conexões com o grande epiploon,,.

Em 1767, Morgagni (7), nas suas cartas ana­tómicas, coleccionadas no livro " De Redibus et causis morborum per Anatomum indagates,, relata: (Epist. Anat. Médica—xxxvn—art. 30 pág. 139): "Como eu com mais cuidado examinasse aquela porção do epiploon que adere ao ventrículo, obser­vei do lado esquerdo, na direcção dele e não longe do seu fundo, semelhante a uma glândula, um pequeno baço, recebendo vasos sanguíneos do epiploon ao qual aderia, muito semelhante ao baço principal, na côr, na túnica e até na subs­tância, quando esta está um pouco húmida e com o tamanho e forma dum pequeno ovo de galinha. Além deste, não faltava o outro baço que apre­sentava o tamanho do fígado,,.

Ainda na sua carta LXIV (art. 2 pág. 294), ao interpretar uns corpúsculos encontrados no abdó­men, refere: "entre os primeiros corpúsculos en­contrados, um era um corpo arredondado, com o diâmetro transverso do polegar, de côr vermelha,

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prêso à sua túnica, o qual, embora se encontrasse na membrana adiposa do rim esquerdo, todavia, nem era certamente sucenturiado, nem rim, que daquele lado era duplo, nem outro rim mais pequeno, nem uma glândula linfática, mas, antes delo contrário, era um outro pequeno baço, como nos mostra a natureza, de facto, em dois lugares. No decorrer da nossa investigação atendemos à sua côr escar­late, ou por outra, vermelho escuro, de modo que, todos os que o vissem, facilmente conheceriam ser um baço, ainda que a sua estrutura fosse mais resistente ao escalpelo do que o baço ordinário,,.

Noutra carta, (Epist. Anat. Médica xxxvm art. 30 pág. 185) apresenta uma outra observação de baço supranumerário: "O baço ordinário era maior; o outro era são e muito menor na verdade, de forma arredondada, com o diâmetro transverso de um dedo. Este baço supranumerário ficava si­tuado entre os vasos que o ligavam ao baço maior do qual estava vizinho, mas separado dele, com a mesma côr e a mesma estrutura interna. Todavia na túnica do baço maior, semelhante a hidátides, a cada passo apareciam corpúsculos arredondados, de vários tamanhos, e muitos deles, contudo, um

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pouco maiores que grãos de milho. Encontravam-se estes aqui e ali, na face interna do peritoneu e na face externa dos intestinos, principalmente dos delgados, aonde apresentavam também o aspecto de hidátides. A maior parte destas igualava uma pequena maçã redonda, com o diâmetro transverso de dois dedos, ligadas ao intestino por vasos san­guíneos, divididos em ramos, e pela membrana comum,,.

Num outro caso, descrito na sua carta médica LXII (art. il), Morgagni diz:

" . . . glândula, como à primeira vista parecia, anexa ao epiploon, perto do baço, com a forma e tamanho um pouco superior ao de um ovo de pomba. Como eu o examinasse um pouco mais atentamente e suspeitasse ser outro baço, foi esta suspeita confirmada claramente pela dissecção e pela ligação com o baço próximo, porque, na verdade, um e outro tinham a mesma estrutura e substância,,.

Poucos anos depois, em 1775, Winslow (9) escreve: "A forma do baço não é sempre regular, varia, assim como o volume. Algumas vezes, en-contram-se cezuras consideráveis na circunferência

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e nas faces; por vezes teem apêndices. Eu mesmo encontrei uma espécie de pequenos baços parti­

culares, mais ou menos arredondados e separada­

mente presos ao epiploon a alguma distanciada extremidade anterior do baço ordinário,,.

No mesmo ano, Háller (8) cita casos de baços supranumerários, referidos por vários autores. ■

Dois anos mais tarde, em 1777, Sabatier (10), no seu tratado, regista: "Há indivíduos que teem vários baços, entre os quais há um sempre maior, cujo volume é quasi semelhante ao que tem um baço ordinário e que está colocado no lugar que esta víscera costuma ocupar e outros mais peque­

nos, situados mais abaixo. Esta nota não tem es­

capado aos anatomistas modernos. Duverney viu dois, três ou quatro glândulas ou baços secundá­

rios no epiploon. Petit de Namur fala dum indi­

víduo que tinha cinco. Winslow encontrou vários, sem especificar o número, e M. de Háller viu muitos no homem, abaixo do verdadeiro baço e na espessura do grande epiploon, uma glândula como uma azeitona, de côr lívida, mas com a mesma forma do baço principal sustentada por vasos que partiam dos vasos principais,,.

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Por sua vez também, no mesmo ano, Lieu-taud (11), em nota da pág. 243, do Tratado de Anatomia, escreve: "Encontram-se nos baços, al­gumas vezes, diversas cezuras tam consideráveis que o baço é dividido em vários lobos; e não há dúvida que uma tal estrutura tem dado lugar a que alguns anatómicos afirmem ter encontrado vários baços no mesmo indivíduo: Verheyen fala de um indivíduo que tinha dois baços; Fanton, de um outro que tinha quatro; Oui Patin, diz ter encon­trado cinco baços e Tyson pretende têr visto doze no cadáver de um homem; mas é de crer que em todos estes casos o baço estava simplesmente dividido em vários lobos,,.

E Soemmerring (12), em 1800, refere-se por seu turno aos baços, nos seguintes termos:

"A maior parte das vezes há um só baço, mas não raras vezes encontram-se dois, três e até cinco baços supranumerários menores, porque do baço principal não só todas as partes se dividem e ramificam, como também se podem encontrar a alguma distância deste. Estes baços supranume­rários, geralmente encontram-se abaixo do baço principal, no grande epiploon, junto dos vasos

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sanguíneos; teem a forma arredondada ou oval, porém, ligam-se juntamente com o baço principal à restante substância,,. .

Também Portal (13), em 1803, ao referir-se a este assunto cita: "Número. — Há apenas um úni­co baço; mas muitas vezes, no seu contorno, encon-tram-se sulcos, tão profundos nalguns lugares, que parece haver vários baços; todavia em alguns indiví­duos estas separações são na verdade reais, e então, o baço está dividido em muitos lobos distintos e separados; não podemos por isso dizer que haja muitos baços. Posthitis, Morgagni e outros, dizem todavia, terem visto dois; Cheselden, três; Fanton, quatro; Gui Patin, cinco; Tyson, doze,,. Ainda sobre este assunto acrescenta Portal :

" . . . não seria melhor dizer que nestes indiví­duos o baço estava dividido em vários lobos reu­nidos por artérias e veias que são ramos do mes­mo tronco? Alguns destes lobos estavam ligados ao estômago, outros ao cólon e havia alguns flu­tuantes na cavidade abdominal,,.

Cuvier (14), depois de se referir ao trajecto da artéria esplénica cita, ao concluir: "Emfim ela chega ao baço, dividida em 2 ou 3 ramos, que se

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subdividem num grande número de vasos, pene­trando e distribuindo-se no baço de modo que, as ramificações de um não tem comunicações fáceis e numerosas, com as ramificações do outro. O que explica, segundo a nossa opinião, ser a víscera algumas vezes dividida, e se separar em várias outras como nós vamos vêr nalguns mamí­feros,,. A respeito dos baços nos mamíferos, acres­centa: "Em todos os animais não há senão um baço. Encontram-se sete no golfinho e delfim, os quais todos em conjunto não egualam o volume do baço dum quadrúpede; o maior é quasi do ta­manho duma castanha; o segundo, um pouco me­nor e os outros cinco são como ervilhas e lentilhas,,.

Boyer (15), em 1815, na página 422 do seu tratado, escreve: "o baço é ordinariamente único; entretanto encontram-se indivíduos que teem vários baços, entre os quais há um muito mais volumoso, situado no lugar que esta víscera costuma ocupar, e outros mais pequenos, colocados mais abaixo, na espessura do grande epiploon, e que recebe os seus vasos da artéria esplénica. O número destes pequenos baços varia; teem-se visto até cinco,,.

Em 1825 também o anatomista português

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Soares Franco (16), sob a epígrafe "Do baço,,, refere: "Enfim até no seu número há variedade; porque em alguns casos há, além do órgão princi­pal, pequenos baços derramados pelo omento gastro-cólico,,.

Tocando este assunto, Bichat (17), no tomo v do seu tratado, diz: "este órgão é constantemente único ; tem, algumas vezes, por acessórios um ou mais corpos com a mesma aparência exterior, a mesma estrutura, e mais ou menos volumosos, co­locados na espessura do epiploon,,.

No Rio de Janeiro, em 1855, dois anatomistas, Nunes de Garcia (18) e J. P. Guimarães (19), fa­zem por seu turno referências a baços supranume­rários. O primeiro, na 30.a lição, sob a epígrafe "Organotomia visceral,,, refere: ". . '. órgão célulo-vascular situado na parte inferior do hipocondrio esquerdo, e preso ao estômago pelo epiploon gastro-esplénico e os vasos breves: muito raras vezes com suplementados,,; o segundo cita: "O baço é único na espécie humana; e o maior nú­mero dos casos considerados como supranume­rários não parecem ser outra coisa senão pequenas porções do baço, de forma ovóide e esferóide, que

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se destacaram e desenvolveram independentemente desse órgão. Não se podem, porem, deixar de aceitar algumas observações incontestáveis de ba­ços supranumerários, entre as quais citaremos a de Cruveilhier, em que este anatomista encontrou sete baços no mesmo indivíduo e a de Otto, em que existiam 23 baços,,.

Outras observações não menos curiosas são as do anatomista G. Hyrtl (20), descritas no seu tra­tado em 1870.

Este encontrou quatro casos de baços supra­numerários. O primeiro caso foi encontrado numa criança recemnascida, cujo baço se encontrava di­vidido noutro de menores dimensões; os outros casos de baços supranumerários pertenciam a adultos.

Sobre tais casos refere ainda: "um destes últi­mos, era dum flamengo morador em Viena, que se encontrava curado de hepatite; quando dissequei o seu cadáver, encontrei vinte mignatte no hipo-côndrio direito, onde se encontrava o baço. Este indivíduo deixou uma numerosa família (seis fi­lhos), e este facto pode convencer-me não ser a inversão da viscera uma anomalia hereditária como

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já se acreditava,,. Este anatomista cita a curiosís­sima observação de Rosenmùller que em 400 dis­secções de cadáveres de alemães do norte, ape­nas encontrou um caso de baço supranumerário; mas pelo contrário, em oitenta dissecções de ca­dáveres de alemães meridionais, só cinco vezes não encontrou baços acessórios,,. Este facto foi confirmado por Giesker (Splenoalgie, Zurich 1835, pág. 42) e transcrito ainda por Robin et Legros no "Dictionnaire encyclopédique des Sciences Mé­dicales, vol. il —m série, pág. 382, 1812,,.

Por sua vez, em 1873, Beaunis et Bouchard (21), ao referir-se ao número de baços, dizem: "O baço apresenta muitas vezes traços de lobulações e algumas vezes mesmo, os lóbulos completamente independentes do resto (baços supranumerários),,.

Mais tarde, em 1874, Cruveilhier (22) não admite que os baços supranumerários sejam mais frequentes no feto que no adulto e em oposição diz: "é verdade que se cita um grande número de baços supranumerários com mais frequência no feto que no adulto : mas é fácil explicar o caso, se reconsiderarmos que nos fetos os baços supranu­merários não nos podem escapar, enquanto que,

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no adulto, é mais difícil vê-los por causa da acu­mulação de gorduras dos epiploons e, portanto, eis a razão, porque não.se encontram com fre­quência,,.

Este anatómico encontrou numa mulher de 44 anos dois pequenos baços supranumerários : um, do tamanho duma ervilha; outro, do tamanho duma avelã. Estes pequenos baços estavam apen­sos ao colon por uma prega peritonial. Num outro caso encontrou sete pequenos baços supranume­rários : o primeiro tinha o volume de um baço nor­mal; o segundo tinha metade do primeiro; o ter­ceiro era do tamanho de um ôvo de galinha; o quarto, do volume de um ôvo de pomba; o quinto, do volume de um ôvo de pardal; o sexto e o sé­timo, eram do tamanho de uma ervilha. Os dois primeiros eram providos de um epiploon; os cinco últimos estavam apensos a um pedículo vascular muito comprido, de modo que flutuavam na cavi­dade peritonial.

Prendendo-se ainda com este assunto, Cruvei-lhier diz: "o baço é em geral um órgão constan­temente múltiplo num grande número de animais, podendo-se considerar os baços supranumerários

ôl

do Homem como vestígio desta disposição. Quanto aos exemplos de ausência congénita de baços, que se encontram mencionados por alguns autores, é para notar que eles coincidem com doenças graves do abdómen, e que os pequenos baços aderentes, perdidos de qualquer modo, no meio dos órgãos visinhos, tem muitas vezes escapado a uma obser­vação pouco atenta,,.

Sappey (23), em 1877, além de referir as obser­vações de Cruveilhier, cita por sua vez três casos de baços supranumerários por êle encontrados ; no primeiro caso, o baço supranumerário era do ta­manho de uma amêndoa e ocupava a prega pan-creático-esplénica ; nos dois outros casos, apresen­tavam o volume de uma avelã, e encontravam-se situados na porção esquerda do grande epiploon. Cita Sappey duas observações de Duverney: num caso três baços supranumerários, noutro, quatro.

Cadiat (24), no seu tratado de Anatomia geral, publicado em 1881, ao referir-se a baços, diz: "O baço não existe em nenhum invertebrado. É pouco desenvolvido nas aves, batráquios e nos peixes, a não ser nos esqualos. Falta no Amphio-xus e talvez nos Ciclóstomos. É em geral único;

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entretanto, tem-se visto indivrekos com vários baços. No Homem é dividido em lobos ; no gol­finho e no marsuino é multilobado; no esqualo, e outros animaes da mesma família, é dividido num grande numero de lobos, tendo a aparência dum cacho,,.

Morei e M. Duval (25) definem no seu Ma­nual baços supranumerários da seguinte forma: "Designa-se sob o nome de baços supranumerá­rios, pequenas massas ovóides ou esféricas, que se encontram algumas vezes na vizinhança do baço e que se lhe assemelham inteiramente, sob o ponto de vista da sua estrutura. O seu volume varia desde o de uma pequena ervilha até ao de uma noz,,.

Gegenbaur (26), em 1889, ao referir-se às cezuras dos bordos do baço, acrescenta: "e quando as cezuras são muito desenvolvidas, o órgão pode parecer lobado. Não é raro constatar, na visinhança da extremidade anterior, baços supra­numerários ou acessórios, esféricos, cuja estrutura é idêntica à do baço, e que se devem considerar como partes do órgão, destacadas em virtude do aprofundamento das cezuras,,.

Merkel (27) diz que os baços acessórios ou

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supranumerários, são pequenas porções destacadas do órgão principal, podendo ser estes únicos ou duplos, e que são mais raros quando em maior número; contudo, tem-se observado até cerca de vinte. O seu volume varia desde o de uma lenti­lha até ao de uma noz. Continuando, diz: "nestas formações observam-se numerosas passagens, que indicam um trabalho de profunda divisão em lobos mais ou menos autónomos do órgão e em cone­xões com ele por subtis porções de substância esplénica ou emfim, por intermédio da cápsula. Finalmente, o baço acessório tornado autónomo, pode emigrar para longe do baço principal. Teem-se encontrado junto do hilo, no ligamento gastro-esplénico, no grande epiploon, no meso-cólon transverso e na substância do pâncreas,,.

Sobre baços supranumerários Picou, em 1903, no Tratado de Poirier-Charpy (28) escreve:

"O baço, como todos os órgãos ímpares, é único. Mas existe alguns factos tendentes a de­monstrar que êle pode faltar absolutamente, e observações numerosas há, que atestam que êle é muitas vezes múltiplo. A sua ausência total é um facto excessivamente raro, e não se observa este

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facto, a não ser entre alguns fetos monstruosos. Segundo Sappey, apenas há um caso descrito por Martin, relatado nos Bulletins de la Société Ana-tomique, em 1826, e ainda neste caso, tratava-se de um indivíduo cheio de anomalias, no qual, entre outras, existia uma transposição do estô­mago. Um facto análogo foi observado por Val-leix num feto de oito dias e mencionado no Ar­chive de Medicine.

Pelo contrário, os exemplos de baços múl­tiplos são numerosos na sciência e todos os anos nos aparecem novos factos demonstrativos. Os baços supranumerários que se encontram, por vezes, na vizinhança do órgão principal, são ape­nas pequenos fragmentos de baço, ovóides ou esferoides, providos cada um dum pedículo vas­cular próprio, e que, nos levaria à primeira vista a toma-los por ganglios linfáticos. Encontram-se de preferência ao nível do hilo do órgão, no epiploon gastró-esplénico e no ligamento pancreático-esplé-nico. Mas tem-se visto, também, nalguns casos, na massa gordurosa que rodeia o rim, e até, no grande epiploon,,. Cita depois a opinião de Cru-veilhier sobre a frequência no feto e no adulto de

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baços supranumerários e tomando em linha de conta esse facto, acrescenta Picou: "Entretanto, a maior parte dos órgãos supranumerários teem ten­dência a atrofiar-se e a desaparecer completamente com a idade e reconhecer se há o motivo da pri­meira opinião,,.

Depois de citar os casos de Sappey e Cruvei-Ihier, diz: "Otto encontrou vinte e três no mes­mo indivíduo. Mas pode encontrar-se um número muito mais considerável, sobretudo no ligamento gastro-esplénico e principalmente no seu bordo inferior. Geralmente são tanto mais pequenos, quanto maior é o seu número. Orth encontrou 30 e mesmo 40; Rokitansky (Speciel. pathol. Anat.) encontrou até 20; enfim, o caso mais notável é o relatado por Albrecht (Beitrãge zur pathol. Anat. und zur allgem. Pathol. Iena, 1896, pág. 513) no qual o número de baços supranumerários se eleva a 400, com um volume que variava desde o tama­nho de um grão de milho ao de uma noz.

Neste último caso, a maior parte dos baços eram simplesmente cobertos pelo peritoneu, mas um grande número deles possuia um méso. En-contravam-se estes sobre todos os pontos da su­

fi

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perfície peritoneal, nas pregas peritoneais que se estendem do fígado aos órgãos vizinhos, e até no fundo de saco de Douglas e no terço superior do recto, sobre a face peritoneal do qual se podiam distinguir dois, nitidamente pediculizados, do ta­manho de um grão de milho.

Quanto ao baço normal, situado sob o dia­fragma, ao qual aderia completamente, um pouco mais acima que habitualmente, o seu volume não ultrapassava o de uma noz; este recebia vasos es­plénicos normais pouco desenvolvidos e o seu polo inferior perdia-se num conjunto de baços acessórios de diferentes tamanhos. O número de baços, que se pode encontrar num mesmo indiví­duo, depende de três circunstâncias diversas:—l.a

o número pode ser acrescido por um exagero da natural divisão do órgão em lobos, indo, por vezes, até à sua divisão completa em vários segmentos que, justapostos, reproduzam a forma e o volume do baço normal (lien lobulatus de Furst "Anat. Anz.„, 1902). — 2.a o baço pode ainda encontrar-se desdobrado segundo um plano que, passando pelo hilo, venha sair mais acima, ao nível do bordo

' crenado, de modo a ter, como no caso de Kon-

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rad Helly ("Anat. Anz.„, 1903), um baço gástrico e um baço frénico que, aliás, intimamente reuni­dos, dão à primeira vista a impressão dum baço único; é o "lien succenturiatus de Haberef,,, (Arch. f. Anat. Physiol. 1901), por oposição ao "lien accessorius,, que forma o nosso terceiro grupo, do qual o caso de Albrecht oferece o tipo mais notável. Podem aproximar-se deste último grupo os baços acessórios aberrantes encontrados na cabeça (Rokitansky), e na cauda (Klob) do pân­creas, disposição normal na cobra e em certos reptis aonde o pâncreas e o baço formam uma massa única. Laguesse dá uma explicação embrio-lógica destes factos, a qual é confirmada plena­mente pela anatomia comparada. Esta diz-nos, com efeito, que nos vertebrados inferiores os lobos esplénicos que aparecem no mesentério dorsal podem entrar em conexão, quer com todos os segmentos do intestino (Protopterus, Sirene lacer-tina), quer somente com um dos dois segmentos: terminal (Batráquios, anuros, tartaruga), ou proxi­mal (Salamandra). Nos Monotrémes, o baÇo é composto de três lobos que irradiam de um ponto do mesentério dorsal compreendido entre o esto-

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mago e intestino terminal; um, posterior, acom­panha este último; outro, anterior, dirige-se para diante para o estômago; o terceiro, mediano, con­serva uma posição intermediária aos precedentes.

Nos Primatas,-se bem que consideravelmente reduzidos e confundidos numa massa única, os três lobos dos Monotrémes deixam-se ainda vaga­mente reconhecer. O baço humano representa sobretudo a fusão íntima dos lobos médios e an­terior destes últimos; o lobo posterior encontra-se indicado no homem pela parte adjacente ao ân­gulo basal interno (Wiedersheim).

O anatomista Piersol (29), sem citar nenhum caso pessoal, ao referir-se em especial a baços supranumerários diz: "Os baços acessórios são comuns, mas não teem todos a mesma signifi­cação. Alguns são porções de baço que se separa­ram, em geral do bordo anterior, e que estão liga­dos ao baço principal por tecido fibroso. Outros encontram-se principalmente no grande epiploon, perto do hilo, sendo aparentemente corpúsculos, ou massas distintas do tecido esplénico. Muitos deles, contudo, não teem corpúsculos de Malpighi e são intermediários entre o baço e os gánglios

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linfáticos, e provavelmente, são classificados como glândulas hemolinfáticas. Diz-se que não é frequente encontrá-los dentro do pâncreas. Não é impossível que certos nódulos irregulares ocasionalmente en­contrados perto do hilo, sejam devidos à fusão de tais baços acessórios,,. Cita depois o caso de Otto. Nas suas considerações práticas sobre baços, de­pois de ter dito que umas vezes se pôde observar a ausência congénita do baço, outras vezes pode encontrar-se este tam pequeno como uma avelã. Ao continuar neste assunto acrescenta: "pode haver baços supranumerários ligados à principal glândula, ou então pode haver múltiplos baços in­teiramente separados e situados nas pregas do gran­de epiploon, no epiploon gastro-esplénico, ou no mesocolon transverso. É concebível que estas ano­malias possam conduzir a erros de diagnóstico,,.

Testut (30) sobre baços supranumerários diz: "O baço é único no Homem. Em certos casos, entretanto, encontram-se na sua visinhança peque­nas massas, arredondadas ou ovalares, de colo­ração vermelho escuro, que apresentam a mesma estrutura e, por consequência, constituem verda­deiros baços supranumerários ou acessórios. O vo-

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lume destes baços supranumerários varia muitas vezes do volume de um ôvo ao de uma ervilha. O seu número não é menos variável: os casos de baços duplos são relativamente frequentes,,. Cita em seguida as observações de Sappey, Duverney, Cruveilhier, Otto, e refere um caso de Baillie.

Testut observou três casos de baços supra­numerários: "nos dois primeiros casos, existia imediatamente para trás do baço normal um baço supranumerário do tamanho de uma noz. No terceiro caso (feto dum mês), havia quatro baços supra­numerários, dispostos ao longo da grande curva­tura do estômago, um pouco abaixo dos vasos curtos: o mais volumoso deles media 14 milí­metros de diâmetro; os três outros eram do ta­manho de uma ervilha.

Os baços supranumerários desenvolvem-se de preferência, quer no epiploon gástro-esplénico, quer no epiploon pancreático-esplénico. Mas po­dem encontrar-se ainda na massa gordurosa que rodeia o rim e até no grande epiploon. Qualquer que seja o número, a sede e as dimensões dos baços supranumerários, cada um deles possue um pedículo vascular próprio,,.

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Chiarugi (31) refere-se apenas ao caso de Al-brecht.

Quain (32) não apresenta nunhuma obser­vação pessoal de baços supranumerários, limitando-se a dizer: "São pequenos nódulos destacados, ocasionalmente encontrados na vizinhança do baço e semelhantes na sua substância. São chamados usualmente acessórios ou supranumerários (splen-culi, lienculi) .Aparecem, geralmente, um ou dois, mas um número superior, mesmo 23, teem sido encontrado.

São pequenas massas arredondadas que variam em tamanho desde o de uma ervilha ao de uma noz. Encontram-se usualmente perto do bordo an­terior, do inferior, perto do hilo do baço, no liga­mento gastro-esplénico ou no grande epiploon, junto do pâncreas, embebido no tecido conjuntivo que rodeia os vasos,,.

Considerações finais

Vê-se, pelo trabalho de síntese que acabo de efectuar, serem numerosos os casos de baços supra­numerários registados desde longa data por diferen­tes anatomistas. Na verdade, algumas destas obser­vações são muito curiosas, pois que, em uma delas o número de baços supranumerários se eleva a 400 no mesmo indivíduo (obs. de Albrecht), e em outra, a de Rosenmúller, que diz ter encontrado só cinco indivíduos sem baços supranumerários em oitenta cadáveres dissecados. O tamanho varia desde o de um grão de milho miúdo ao de um ôvo de galinha. Alguns anatomistas tentam explicar a formação des­tes pequenos baços supranumerários por um traba­lho de profunda divisão em lobos, que possivel­mente se afastaram do órgão principal. Sobre este trabalho de profunda divisão e no aparecimento irregular das cesuras e fissuras dá-nos Parsons (33) no "Journal of Anatomy and Physiology,,, 1904, Vol. xxxv, pág. 416, sob a epígrafe "On the no-

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tches and Fissures of the spleen and their meaning,,, um excelente trabalho, onde interpreta as cesuras e fissuras como um remanascente de uma primitiva lobulação do baço, como a que se encontra nos rins, fígado e pulmões dos animaes inferiores. Sobre este assunto acrescenta Parsons: "Eu interpreto-as como um desenvolvimento secundário causado pela compressão da víscera, cujo crescimento foi impedido pela tracção exercida em certos pontos.

E este facto tem a sua razão de ser, se aten­dermos ao que nos diz a anatomia e embriologia comparadas,,.

A existência dos baços supranumerários pode admitir ainda outras explicações. Assim, os baços supranumerários que se encontram junto ao hilo, como no terceiro caso que apresento (V. fig. m), podem ser interpretados como projecções de pe­quenas porções de tecido esplénico, que se pedicu-lizaram com conexões somente, com os vasos san­guíneos; outros, os que se encontram disseminados pelo peritoneu, grande epiploon e no ligamento pan-creático-esplénico, podem, muito provavelmente, ser tomados como restos de tecido supra-renal, ou então, como restos de tecido mesoblástico desti-

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nado a formar o órgão principal. Estes restos po-dem-se ainda subdividir e acantonar em outros ór­gãos. Allbutt and Rolleston (34) referem que Biggs descreveu um baço supranumerário na cauda do pâncreas. Se os baços supranumerários se subdi­videm na sua superfície, podem, subsequentemente, formar tumores capsulados num órgão. Desde que o lobo esquerdo do fígado e o baço se encontrem em contacto durante a vida fetal, pode muito bem acontecer que um baço supranumerário se torne di­vidido ou implantado na superfície do fígado. Factos deste género não teem sido observados, segundo Rolleston, embora em 1828, Berard insinuasse que os angiomas do fígado eram restos enquistados de substância esplénica.

Alguns anatomistas dizem que os baços supra­numerários são mais frequentes na infância, mas Cruveilhier afirma o contrário, dizendo que no adulto, são de mais difícil observação, por causa da acumulação da gordura. Jolly, segundo Rolles­ton, diz que em 80 autópsias de indivíduos de menos de 60 anos, encontrou baços supranume­rários em 20, ou seja na proporção de 1 para 4, sendo mais frequentes em idades avançadas.

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O que parece, de facto, é que eles se tornam mais evidentes nas crianças, mas não são realmente mais frequentes.

Se no decorrer duma esplenectomia, estes pe­quenos baços supranumerários ficam, podem, por hipertrofia compensadora, substituir e impedir os sintomas que ocasionalmente se seguem à extir­pação dum órgão como o baço.

Facto idêntico se observa com as cápsulas supra-renais.

No rato, por exemplo, a extirpação das supra-renais não é seguida de morte, devido à existência de cápsulas supra-renais acessórias. Nos animais em que estas não existem, como por exemplo na cobaia, a ablação das cápsulas é sempre mortal.

A hipertrofia compensadora dos baços supra­numerários, nos casos de esplenectomia, não é de estranhar, pois facto idêntico se dá, por exemplo, com os rins. Todos os tratadistas (35) mencionam a hipertrofia compensadora do rim são, obser­vada em seguida a uma nefrectomia. Esta hiper­trofia compensadora observa-se também num dos rins, quando o outro está altamente compre-metido.

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