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Psicodrama: Convite ao Encontro Rebecca de Oliveira Silva Campos Silvamir Alves Pontifícia Universidade Católica de Goiás Este trabalho fundamenta-se no referencial teórico do Psicodrama. Este método foi desenvolvido por Jacob Levy Moreno, em Viena, a partir de 1921. De acordo com Bustos (1992), essa teoria psicoterápica é baseada no método fenomenológico-existencial. Tem como objetivo refletir e propor soluções às questões da vida cotidiana, considerando o fenômeno tal como se apresenta e percebendo a importância das relações e vivências de cada pessoa. É o método por excelência para o autoconhecimento, o resgate da espontaneidade e a recuperação de condições para o inter- relacionamento. É o caminho por meio do qual o indivíduo pode entrar em contato com conflitos, que até então permaneciam em estado inconsciente. Nesse sentido, Moreno (2009) parte do princípio que o ser humano é um ser social, influencia e é influenciado todo o tempo. A saúde e a doença emocional nascem nas relações, ou seja, são desenvolvidas por meio dos relacionamentos que construímos primeiramente em nossa família de origem e

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Psicodrama: Convite ao Encontro Rebecca de Oliveira Silva Campos

Silvamir AlvesPontifícia Universidade Católica de Goiás

Este trabalho fundamenta-se no referencial teórico do Psicodrama. Este método foi

desenvolvido por Jacob Levy Moreno, em Viena, a partir de 1921. De acordo com Bustos

(1992), essa teoria psicoterápica é baseada no método fenomenológico-existencial. Tem

como objetivo refletir e propor soluções às questões da vida cotidiana, considerando o

fenômeno tal como se apresenta e percebendo a importância das relações e vivências de

cada pessoa. É o método por excelência para o autoconhecimento, o resgate da

espontaneidade e a recuperação de condições para o inter-relacionamento. É o caminho por

meio do qual o indivíduo pode entrar em contato com conflitos, que até então

permaneciam em estado inconsciente.

Nesse sentido, Moreno (2009) parte do princípio que o ser humano é um ser social,

influencia e é influenciado todo o tempo. A saúde e a doença emocional nascem nas

relações, ou seja, são desenvolvidas por meio dos relacionamentos que construímos

primeiramente em nossa família de origem e secundariamente por meio das demais

relações que vivenciamos durante a vida.

O psicodrama é um método psicoterapêutico que teve suas origens no teatro, do

qual por meio da ação dramática, trabalha as relações interpessoais e subjetividades do

indivíduo. A palavra drama vem do grego que significa ação, então Psicodrama pode ser

definido como uma abordagem que vai além do verbal e explora a “verdade” do ser

humano por meio da ação dramática (Moreno, 1992).

O Psicodrama é a sociedade humana em miniatura, o ambiente mais simples

possível para um estudo metódico da sua estrutura psicológica. Por meio de técnicas como

as do ego auxiliar, da improvisação espontânea, do duplo, do espelho, da inversão de

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papel, autoapresentação, do átomo social, do solilóquio, da interpolação de resistência,

revelam-se novas dimensões da mente e, o que é mais importante, elas podem ser

exploradas em condições experimentais (Blatner & Blatner, 1996).

Alves (2008) afirma que o Psicodrama não pode ser compreendido apenas na

teoria, pois seu poder de penetração se sustenta em sua prática, na ação transformadora. É

um processo de ação e interação que não leva em consideração apenas a comunicação

verbal; o corpo, seus movimentos e expressões são também muito importantes, para

explorar os sintomas, os conflitos, os mecanismos de defesas e os acontecimentos

marcantes da vida do paciente. É um método que penetra a verdade da alma por meio da

ação dramática. Assim sendo, o psicodramatista tem a possibilidade de trabalho ampliado,

pois vai além do verbal.

A dramatização ocorre no universo do “como se” permitindo o protagonista

acessar suas dimensões imaginárias e fantasiosas, que segundo Alves (2002) “possibilita o

protagonista reviver o passado, clarear o presente e antecipar o futuro, sem as implicações

da vida real” (p. 23). Para o psicodrama todos os tempos são atuais, pois a vivência do

momento atual gera uma ação transformadora, colocando o ser humano em contato com o

seu eu mais verdadeiro e mais emocional. O contexto do “como se” diminui o

compromisso social, pois é o contexto da fantasia, em que o tempo e o espaço são

fenomenológicos, subjetivos. Esse afastamento que o “como se” do psicodrama propicia

dá ao ser humano outras possibilidades para a realidade, o “como é”. Para Moreno (2009),

ele possibilita ao ser humano a experiência de reviver no aqui e agora de situações

conflituosas, mas não funciona como renovação do sofrimento. Pelo contrário, confirma a

regra geral: “toda e qualquer segunda vez verdadeira é a libertação da primeira” (p. 78).

Para Moreno (2009) “o psicodrama coloca o paciente num palco onde ele pode

exteriorizar os seus problemas com a ajuda de alguns atores terapêuticos. É um método de

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diagnóstico, assim como de tratamento” (p. 231). De acordo com Bustos (1992), a

dramatização é o elemento essencial do psicodrama, cujo objetivo é o resgate da

espontaneidade-criatividade. Martin (1984) esclarece que “as conservas sufocam a

espontaneidade e este esgotamento da espontaneidade produz a doença psíquica” (p. 124).

Assim, o psicodrama considera doente o ser humano que está com seu potencial

espontâneo-criativo embotado, incapacitado de romper com situações prontas e acabadas

sem criar, recriar e transformar suas relações com o mundo.

O primeiro exemplo de ato espontâneo é o nascimento, ao nascer o bebê ingressa

em um mundo totalmente estranho, não dispõe de modelo algum, e defronta-se com uma

nova situação. A essa resposta a uma situação nova, ou uma nova resposta a uma situação

antiga, damos o nome de espontaneidade. Nesse primeiro dia de vida um mínimo de

espontaneidade é requerido, respostas mais ou menos adequadas reagindo ao estímulo do

momento (Moreno, 2009).

Para Gonçalves e colaboradores (1988), ser espontâneo é estar presente nas

diversas situações transformando aquilo que está insatisfatório. Produzindo assim em nós o

prazer de nos sentirmos vivos em que somos agentes do nosso próprio destino, impedindo

a alienação do fator E. Assim, de acordo com Moreno (2009), o ser humano espontâneo

tirará maior proveito dos recursos que tem à sua disposição tais como inteligência,

memória e aptidões. Logo, a espontaneidade funciona como potencirealizador das

características favoráveis ao sujeito, colocando-o em situação de vantagem ao que não a

possui.

A possibilidade de modificar uma dada situação ou de estabelecer uma nova

situação implica em criar, produzir. A criatividade é indissociável da espontaneidade. A

espontaneidade permite a manifestação da criatividade, isto é, a disponibilidade do ser

humano para o ato criador. Criar é aplicar o potencial humano numa ação transformadora,

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integradora, que proporciona crescimento e maturação ao indivíduo que cria (Pereira,

2011).

O comportamento habitual, conservado, rígido e robótico é o oposto da

espontaneidade e esses comportamentos compõem o que em grande parte se chama por

psicopatologia (Blatner & Blatner, 1996). Conforme Faleiros (1999) a cristalização do

papel é a conserva cultural, estagnação, a permanência do igual, a repetição. Para Moreno

(2009) o ser humano é capaz de viver saudável, mas em virtude do movimento

sociodinâmico e das conservas culturais esse mesmo ser humano pode adoecer.

O conceito de papel pressupõe inter-relação e ação. Nesse sentido, Moreno (2009)

o define como “a forma de funcionamento que o indivíduo assume no momento específico

em que reage a uma situação específica, na qual outras pessoas ou objetos estão

envolvidos” (p. 27). Corroborando com Moreno, Fonseca Filho (1980) ressaltou que “um

papel é uma experiência interpessoal e necessita de dois ou mais indivíduos para ser posto

em ação. Todo papel é uma resposta a outro. Não existe papel sem contra papel” (p. 20).

Para Gonçalves e colaboradores (1988), os papéis de cada um dos envolvidos é que

proporcionam o contato, favorece a troca. Isso que possibilita influenciar e ser

influenciado, sendo a ação advinda dessa interação de papéis. Desse modo, a dinâmica

entre as pessoas é o foco do psicodrama.

De acordo com Martin (1984), do ponto de vista da teoria dos papéis, a pessoa

adoece por dois motivos: primeiro porque a sociedade impõe a aceitação de funções vitais

que o ser humano não gosta de exercer e que o deixa com sensação de frustração, de vazio.

Segundo, porque o papel escolhido não pode ser desempenhado. Esse conflito se

estabelece na imposição de papéis, onde a sociedade está organizada em conservas

culturais.

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Nesse sentido, Rubini (1995), ressalta que quando o paciente assume papéis

imaginários correspondentes ou não aos da realidade social, recupera a capacidade de

realizar transformações autênticas em sua vida, em suas relações e meio onde vive.

O psicodrama aumenta o poder da solução simbólica utilizando técnicas que

estendem a imaginação e, ao mesmo tempo, dão força ao ser humano para que faça

escolhas, tome novas decisões e crie. O método permite a distância do papel, o que facilita

a criatividade e estimula a dialética dinâmica com envolvimento autêntico (Blatner &

Blatner, 1996).

Fonseca (2000) nos traz que à correta percepção, apreensão, ou captação, em duplo

sentido, da experiência relacional entre duas ou mais pessoas (do meu desempenho de

papel em uma relação e da percepção do desempenho do papel da outra pessoa) se chama

tele.

A tele é o processo total de uma relação e dentro dela pode estar a percepção mais

próxima da realidade do que o outro é e pode estar a percepção mais distorcida do outro.

Quanto mais distorcida a percepção do outro maior a transferência presente na relação

(Perazzo, 1994). Para Moreno (2009), além do fator e (espontaneidade), é o fator tele que

atua na cura e não a transferência. A transferência é o fator que a estorva. E reafirma: “o

fator decisivo para o progresso terapêutico é a tele” (p.44).

O vínculo, que é estabelecido por meio dos papéis, é um dos eixos teóricos do

projeto moreniano. Para Moreno (2009), um indivíduo só será um ser na relação com o

outro. É na relação que ele adoece, mas é também nela que se cura. O ser humano em crise

possui uma necessidade de ter alguém ao seu lado compartilhando de seu sofrimento e o

auxiliando a encontrar respostas novas e adequadas. Independente da linha terapêutica, a

hipótese principal é que a interação produz resultados terapêuticos.

Para Dias (1987), na relação psicoterapeuta e paciente se estabelece a aliança

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terapêutica, que é o vínculo entre o psicoterapeuta e a parte sadia da paciente, para que

ambos de comum acordo passem a pesquisar e tratar da parte indiferenciada, doente do

paciente. Mas cabe ao psicoterapeuta, perceber a pessoa em um processo de

transformação, e aceitá-la como é confirmando e tornando reais suas potencialidades.

Desta forma, o jogo flutuante de emoções e sensações existentes entre o terapeuta e

o paciente é um fator de básica importância para o sucesso terapêutico, já que o encontro é

um fenômeno télico (Fonseca, 1980).

A propósito de o psicodramatista ser um instrumento facilitador do vínculo

psicoterapêutico Faleiros (1999, p. 40) escreveu:

Quanto mais espontâneo e criativo for o psicodramatista, expressando sua

inspiração momentânea com originalidade em suas ações, mais facilitará ao

cliente mostrar-se em profundidade. Espera-se então, que crie um clima

propício à situação desde o primeiro encontro, de tal maneira que ela se

torne um locus nascendi da espontaneidade do cliente.

Paciente e psicoterapeuta, de acordo com Fonseca (2000), co-participam de um

encontro humano, envolvidos em papéis de categorias diferentes. Um está buscando ajuda

de algum tipo, o outro, trabalhando. O terapeuta está a serviço do paciente, que é uma das

características básicas da relação. Apesar disso, ambos constituem uma relação horizontal,

incluídos no mesmo clima, inter, que é o caldo de cultura necessário para o

desenvolvimento do processo do ser. A qualidade em saber criar essa condição marca a

eficácia do psicoterapeuta.

A psicoterapia envolve não só conhecimento teórico e vivência técnica, como a

ligação genuína com o paciente, a satisfação pelo trabalho, o desenvolvimento pessoal

como ser humano, do outro e de si próprio (Cardoso, 1985).

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De acordo com Dias (1987), é necessário que haja nessa relação um clima

terapêutico que favoreça o crescimento do indivíduo, amadurecimento psicológico do

paciente e uma pesquisa orientada e sistematizada, para a identificação, vivência e

integração das vivências registradas nas zonas de psiquismo caótico e indiferenciado. O

clima terapêutico é composto de aceitação, proteção e continência.

Conforme Faleiros (1999) para ser um bom psicoterapeuta é preciso ter aceitação,

proteção, continência relacionada a vivência pessoal, grau de saúde mental, conhecimento

teórico, encontro consigo mesmo, busca da verdade parcial e criatividade. E para atingir

este propósito se fazem necessárias algumas experiências de vida e maturidade.

Nesse sentido, Cardoso (1985) esclarece que de fato o psicoterapeuta tem uma

sobrecarga de ansiedade porque trabalha com um sujeito de estudo semelhante a si próprio.

Assim, para Faleiros (1999), uma condição preliminar para um bom desempenho

psicoterapêutico é que o psicoterapeuta tenha resolvido seus próprios problemas. O

profissional deve se submeter a um processo psicoterápico, de preferência na abordagem

em que escolheu para se especializar. Deste modo, poderá trabalhar os seus conteúdos,

vivenciar a metodologia e as técnicas para que possa sentir sua eficácia.

A segurança emocional deve estar presente no psicoterapeuta, pois a percepção de

sua instabilidade pode dificultar o processo psicoterapêutico. Portanto, a postura do

psicoterapeuta não anula sentimentos, vontades, mas exige sim, que o mundo interior não

influencie ou oriente o mundo do paciente, para que possa se realizar uma relação fluida,

espontânea, sem contaminação pela sua realidade interna (Faleiros, 1999).

Cukier (1992), diz que ser terapeuta é uma tarefa a ser aprendida ao longo dos anos

e por toda a vida. É preciso ter coragem de se lançar e experimentar com o próprio

paciente. Compreender o indivíduo em todas as suas mudanças, desde suas peculiaridades

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nas trocas afetivas iniciais até a complexa estruturação de seus conflitos e defesas atuais, é

primordial para qualquer procedimento terapêutico.

De acordo com Faleiros (1999), o psicoterapeuta deve facilitar o livre fluxo de

emoções e sensações do paciente desencadeando assim o encontro, a tele e chegando ao

êxito do processo psicoterapêutico. O psicoterapeuta deve ser um instrumento facilitador

do vínculo terapêutico.

Gonçalves e colaboradores (1988) ressaltam que “Pessoas capazes de relações

télicas estão em condições favoráveis para viver relacionamentos marcantes e

transformadores” (p. 52). Ou seja, estão disponíveis para viver a experiência privilegiada,

o encontro.

O trecho do poema “Convite ao encontro” escrito por Moreno (2009) demonstra

uma das inúmeras facetas do psicodrama, sendo que para Marineau (1992) ele expressa

como é a técnica terapêutica mais importante criada por Moreno: a inversão de papéis.

Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face, e quando você estiver perto

arrancarei seus olhos e os colocarei no lugar dos meus; arrancarei meus olhos e os

colocarei no lugar dos seus; então verei você com seus olhos e você me verá com

os meus olhos. Então, até a coisa mais comum servirá ao silêncio e nosso encontro

permanecerá meta sem cadeias. Um lugar indeterminado, num tempo

indeterminado. Uma palavra indeterminada para um homem indeterminado (p. 59).

Um dos objetivos do Psicodrama é descobrir, aprimorar e utilizar os meios que

facilitem o predomínio de relações télicas sobre relações transferências, no sentido

moreniano. À medida que as distorções diminuem e que a comunicação flui, criam-se

condições para a recuperação da criatividade e da espontaneidade (Moreno, 2009).

Objetivar-se-á, então, estudar a relação vivenciada no processo psicodramático na

modalidade bipessoal (terapeuta-cliente), bem como identificar os benefícios que este

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vínculo traz para os envolvidos. Por fim, demonstrar que por mais que o adolescente seja

encaminhado por pais, médicos, escola, entre outros, o processo psicoterápico ocorrerá

apenas com a presença do vínculo terapêutico estabelecido durante o processo

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Método

Participante

Participou deste estudo paciente, cujo nome fictício será Lucas, brasileiro, 17 anos

de idade, solteiro, cursando o terceiro ano pela segunda vez e trabalha com seu avô na loja

agropecuária da família na parte da tarde. Já realizou tratamento psicológico durante três

meses quando tinha 10 anos de idade, em outra abordagem psicoterápica. Sua mãe

procurou a clínica escola vida, com a queixa de que o adolescente estava se comportando

mal na escola e na família, não estava com vontade de fazer as coisas, querendo ficar o dia

todo em casa nos jogos eletrônicos.

Instrumentos

Para o atendimento foi utilizado o consultório quatro da Clínica Escola VIDA, com

materiais adequados para trabalhar com o método do psicodrama. Esse consultório possui:

almofadas coloridas e com diversos tamanhos, tapete (tamanho retangular), três cadeiras,

uma mesa, ar-condicionado e boa iluminação. Para o registro das sessões foi utilizado

prontuário específico, relógio para marcar o tempo da sessão, gravador para o registro das

sessões e roteiro de anamnese Cukier (2007).

Procedimento

Lucas (nome fictício) foi encaminhado para psicoterapia a pedido de sua mãe, que

já fazia psicoterapia de grupo na clínica na abordagem psicodramática. Assim, foi dado

início ao processo psicoterápico de Lucas, que contou com atendimentos uma vez por

semana, com duração de cinquenta minutos. O processo psicoterapêutico durou de agosto

de 2014 a junho de 2015, totalizando 21 sessões, e teve como fundamento a teoria

Psicodramática de Jacob Levy Moreno, que tem por objetivo resgatar o potencial

espontâneo-criativo do paciente para que este possa desempenhar melhor seus papéis, se

relacionando melhor e dando respostas novas e mais adequadas às situações – o que o

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torna mais saudável e protagonista de sua história. Os atendimentos foram supervisionados

por um professor especialista em psicodrama.

A estagiária utilizou de algumas técnicas psicodramáticas para execução do método

de acordo com os seguintes autores: Moreno (2009); Gonçalves e colaboradores (1988);

Cukier (1992); Blatner e Blatner (1996).

1) Autoapresentação: o paciente concretiza o seu mundo interno (pessoas, coisas,

lugares, sentimentos, fantasias, etc.) por meio de objetos intermediários e depois toma o

lugar de cada personagem. 2) Átomo Social: O paciente apresenta somente pessoas

afetivamente significativas, do ponto de vista de sua subjetividade. 3) Inversão de papéis:

O paciente toma o papel do outro e o representa, em vez de falar sobre a pessoa fala sendo

a pessoa. 4) Duplo: Consiste em o psicoterapeuta, num determinado momento, expressar

aquilo que o paciente não está conseguindo expressar. Tal técnica tem como objetivo

proporcionar ao paciente a percepção de novas possibilidades de motivação e emoção

naquele papel. 5) Espelho: O terapeuta se coloca na postura física assumida pelo paciente

em um determinado momento, afim de que o mesmo, olhando para si de fora da cena,

perceba todos os aspectos presentes nela e sua reação frente estes aspectos. 6) Esquema de

papéis: é um jogo dramático que visa explorar os papéis que o protagonista exerce em sua

vida. 7) Cadeira Vazia: Em vez de outra pessoa (um auxiliar) desempenhar a figura

complementar na dramatização de um protagonista, uma cadeira vazia a representa. Esta

técnica permite uma expressão mais espontânea de sentimentos ternos ou agressivos.

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Resultados e Discussão

Primeira Sessão

Nessa sessão, Lucas nem sabia ao certo o que fazia dentro do consultório, ele

estava fazendo terapia apenas porque sua mãe o obrigou a comparecer na sessão. A

estagiária explicou a ele o que era psicoterapia, o seu objetivo e que a mesma só poderia

acontecer se ele colaborasse. Falou, também, da sua formação, do seu papel, do método,

dos procedimentos, tempo de duração da psicoterapia, numa linguagem compatível ao

entendimento de um paciente leigo.

Cunha e Bertussi (2010) ressaltam que o adolescente pode ser encaminhado para

tratamento pela escola, pelos pais ou pelo médico. Mas ele só permanecerá no tratamento

se conseguir construir com o terapeuta um vínculo com o qual se sinta livre e confiante

para colocar a sua relação consigo mesmo, a sua visão de si mesmo, porque é esta que o

atormenta. É uma fase de transformações e perdas, o adolescente precisa contar consigo

mesmo, acreditar no seu potencial, para poder antever que conseguirá lidar com todas as

novidades que estão por vir.

Nesse sentido, Moreno (1999) esclarece a importância de o paciente estar ciente de

que “sua colaboração e a completa revivência de suas ideias doentias têm uma influência

direta no processo de cura” (p.103). O resultado terapêutico sempre será uma resultante

dialética do esforço de mão dupla: disponibilidade do psicodramatista e da participação e

compromisso do paciente.

Lucas se dispôs a iniciar o processo e nesse momento, a estagiária se posicionou de

forma a facilitar para que ele falasse a sua queixa, contasse a sua história e posteriormente

a estagiária rememorou a sessão pontuando o que percebeu e devolvendo o que está

saudável, mas também focalizando os conflitos que são perceptíveis.

Após a devolutiva foi feito o contrato sobre os dias, os horários, a duração das

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sessões, a pontualidade e as faltas. Foi esclarecido sobre o sigilo e a ética profissional,

assegurando que o caso seria compartilhado apenas com o supervisor, pois se tratava de

um estágio. Após o encerramento da sessão foi dado a Francisca, responsável de Lucas, o

termo livre e esclarecido para que ela assinasse garantindo que havia concordado com os

termos do contrato e que a identidade dele fosse preservada.

Uma vez que o vínculo do trabalho terapêutico se instala, o jovem vai se abrindo,

aprofunda, compartilha, abre seus segredos, seus medos, suas falhas, suas tristezas e,

também, abre suas paixões, fala da sua sexualidade, e, desta forma, por este caminho, se

instala o processo psicoterápico, no qual as defesas se apresentam primeiro para depois

abrir o que é muito dolorido e temido. É um relacionamento muito rico, muito cheio de

energia. O fundamental é que o adolescente perceba claramente que está sobre ele o foco

principal do atendimento: ele precisa se sentir valorizado, individualizado, olhado e

incluído (Ferreira, 2010).

Segunda e Terceira Sessão

Nessas sessões, foi realizada entrevista estruturada com o paciente sobre sua

história de vida. Utilizou-se como roteiro o modelo de Anamnese de Cukier (2007). O

intuito da entrevista foi obter dados desde o início da vida do paciente até o tempo atual.

Investigou-se como foi a gestação, o nascimento, como é a sua família, como foram seus

primeiros anos de vida, a escolarização, sexualidade e adolescência até a atualidade, como

se segue abaixo:

Apesar de seus pais terem se casado por amor e planejado a gravidez com sete

meses de gestação seu pai abandonou sua mãe e saiu da cidade. Lucas relatou que seu pai

sempre foi “cachorro” e homem de muitas mulheres. Quando ele tinha um ano de idade,

sua mãe o deixou com os avós maternos e foi para os EUA trabalhar, pois ainda era nova e

não estava preparada para ter um filho sozinha.

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Nesse período, Lucas a via apenas por foto e falava com ela pelo telefone. Ele

relatou que sempre imaginava como seria sua mãe e que quando a viu pessoalmente após

seis anos ficou “deslumbrado” com ela, apesar de que sua avó materna sempre falava mal

dela e dizia que ela era muito brava. Lucas tinha sete anos quando sua mãe voltou. Ela era

nervosa, exigente e sempre o disciplinava. Já sua avó sempre foi protetora.

Após dois anos que sua mãe estava no Brasil ela se casou. Sua avó não permitiu

que Lucas fosse morar com a mãe. Quando ele tinha quatro anos de idade ele conheceu o

pai, apesar de que quase não o via, e até os dias atuais não tem muitas notícias dele. Lucas

se queixa, pois disse que nunca teve de fato um pai presente, e sente falta. O pai aparece e

dá notícias de vez em quando, entretanto, sempre que o faz eles viajam e se divertem

muito. O pai nunca o ajudou financeiramente.

Lucas iniciou a vida sexual aos 15 anos, perdeu a virgindade com uma mulher mais

velha e já tirou a virgindade de várias meninas. Não conseguiu ter apenas uma pessoa,

apesar de até desejar, mas nunca deu certo. Já teve duas decepções amorosas e depois disso

prefere não se apegar a nada e nem a ninguém, pois não gosta de sofrer.

De acordo com Cukier (2007) o que se quer é compreender o paciente, então mais

do que rotulá-lo com um diagnóstico “devemos poder responder, ao término dessa

anamnese, quais foram as ansiedades infantis dessa pessoa, como ele sobreviveu e como se

automedicou, para poder lidar com seus problemas” (p.159), ou seja, ter dados para

começar a entender o caráter e a dinâmica de personalidade do paciente.

Quarta Sessão

Nessa sessão, Lucas chegou contando de sua vida por si só, falou de seus conflitos

e decepções amorosas, de suas dúvidas quanto ao futuro e de sua relação com sua família.

E no final da sessão disse à estagiária que nunca tinha se aberto tanto com uma pessoa e

que ficava muito feliz por saber que ali podia ser ele mesmo. Disse que ninguém sabia

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tantos detalhes sobre sua vida.

O foco das primeiras entrevistas é estabelecer o vínculo psicoterapêutico. E as

sessões de psicoterapia de Lucas evidenciavam que a aliança terapêutica entre ele a

estagiária estava sendo construída. Conforme Dias (1987) é de fundamental importância

realizar o vínculo terapêutico para que se possa trabalhar a parte, indiferenciada, doente do

paciente. Portanto, para estabelecer a aliança terapêutica, o psicoterapeuta deve perceber o

paciente em um processo de transformação e aceitá-lo como é confirmando e tornando

reais suas potencialidades.

Para Moreno (1983), sem vínculo terapêutico não haverá condições para que o

processo psicoterapêutico aconteça, pois “o encontro é a base concreta do processo

terapêutico” (p.249).

Oitava Sessão

Nessa sessão, foi realizada a técnica da autoapresentação, que consiste na

representação simples dos personagens e situações da vida da paciente, no presente. O

intuito é explorar o contexto que a paciente está inserida e conhecer o seu mundo interno.

O paciente teve facilidade de entrar nos papéis e colaborou para a aplicação da técnica. Ele

se queixou da falta de aceitação que sofre por parte da família, principalmente, pelo fato de

morar com seus avós que já são de idade e não concordam com muitas coisas do “mundo

atual”, tais como: furar a orelha e dele gostar de rock.

O paciente se mostrou a vontade com o método e trouxe dados importantes para o

processo psicoterapêutico. Segundo Alves (2008), o Psicodrama possibilita explorar os

sintomas, os conflitos, os mecanismos de defesas e os acontecimentos marcantes da vida

do paciente, não só por meio da fala. É um método que penetra a verdade da alma por

meio da ação.

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Nesse sentido, Moreno (2009) reforça que no psicodrama a espontaneidade opera

não só na dimensão das palavras, mas em todas as dimensões de expressão. Assim sendo,

o psicodramatista tem a possibilidade de trabalho ampliado, pois vai além do verbal. Esse

afastamento que o “como se” do psicodrama propicia dá ao ser humano outras

possibilidades para a realidade, o “como é”.

Décima Segunda Sessão

Nessa sessão, a temática foi vida profissional. Fizemos a seguinte dramatização:

Lucas (no papel de chefe, seu avô): Sinceramente eu tenho é que mandar ele

embora. Não dá pra trabalhar com alguém assim, ele não tem conserto. Peço as coisas

pra ele, mas ele reclama de tudo.

Estagiária: Como assim mandar embora? Mas ele não tem conserto?

Lucas (como chefe, avô): Até tem, mas tá difícil (silêncio). Ele precisa ser mais

esforçado, menos preguiça, não matar serviço. Mas ele precisa de menos serviço também

(risos)

E: Ele trabalha três ou quatro horas por dia e recebe seiscentos reais, O senhor

acha que ele precisa trabalhar menos?

Lucas (como chefe, avô): Hum ... (silêncio).

Lucas saiu do papel de avô-chefe e disse: É, eu não gosto de ver eu, é estranho.

E: Mudamos aquilo que conhecemos, né? É importante você se conhecer e se

enxergar. O que quer dizer com estranho?

Lucas: Estou decepcionado comigo mesmo. A gente acha que tá amadurecendo,

mais responsável, mas a gente vê que continua bobão ainda.

E: Mas só o fato de você estar aqui em terapia mostra esse interesse de mudança.

É um processo.

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Lucas: Sei que preciso mudar, sei que a vida não é só mulher, beber, sair, amigos

e farra. Mas não consigo sabe (silêncio). Eu sei que to errado, mas agora não acho.

A técnica de inversão de papel proporcionou que Lucas compreendesse o seu

chefe-avô e visse outras possibilidades. Isso foi possível porque de acordo com Moreno e

colaboradores (2001) esse procedimento “é a técnica de absoluto envolvimento, da

capacidade de ver a trama de outro ponto de vista, qualquer que seja ele. Assim, o

protagonista precisa realmente sair fora do self e tornar-se outra pessoa” (p. 41). E

ressaltam que “quando se invertem os papéis de verdade, há uma mudança de percepção,

durante ou após o processo” (p. 42). Foi o que se verificou nessa sessão.

Corroborando com Moreno e colaboradores (2001), Rubini (1995), afirma que no

Psicodrama quando o paciente assume papéis imaginários correspondentes ou não aos da

realidade social, recupera a capacidade de realizar transformações autênticas em sua vida,

em suas relações e meio onde vive. Ao final da sessão, o paciente relatou que estava

saindo bastante reflexivo.

De acordo com Cunha e Bertussi (2010), a adolescência é uma época em que todos

os papéis desempenhados por um indivíduo estão em mudança; suas relações se

transformam e lhe são exigidas novas formas de se relacionar com as pessoas, coisas e o

mundo. É preciso exercer a capacidade de colocar-se no lugar do outro e poder acolher a

dor, dúvida e angústia do jovem, compreendendo-o neste momento de sua vida e

estimulando-o a buscar suas próprias saídas para seus dilemas. Não podemos não

considerar o sofrimento inerente a todo este processo de transformação.

Décima Quarta Sessão

Nessa sessão Lucas chegou triste e desanimada pelo fato de que não queria mais

ficar com Letícia (nome fictício), porém não conseguia “terminar” com ela. Relatou que se

sentia culpado por ter tirado a virgindade dela, mas que não gostava mais dela. Para

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trabalhar essa cena a estagiária propôs a técnica da cadeira vazia. Ela colocou uma cadeira

em frente Lucas e disse que na cadeira simbolicamente estava Letícia. Em seguida pediu

para que ele conversasse com ela.

Lucas: Olha Letícia, eu até curto você e tal, mas não quero mais ficar com você.

Sei que você tem todas as razões do mundo para me odiar. Mas eu queria muito ser seu

amigo ainda.

A estagiária solicitou que Lucas tomasse o lugar de Letícia e fosse ela.

Lucas (como Letícia): Como você faz isso comigo? Você não vale nada. Não quero

nunca mais falar com você.

Nesse momento, Lucas ficou em silêncio e reflexivo. A estagiária pediu que ele

pensasse alto (solilóquio) e ele disse que não sabia o que fazer, pois essa cena já havia se

repetido algumas vezes em sua vida e ele não gostava que isso acontecesse.

A estagiária perguntou à Lucas quem poderia ajudá-lo a resolver esse problema.

Lucas trouxe o pai na cena. Segundo Fonseca (1980) no cenário psicodramático é

permitida a perspectiva de um mundo novo. A vivência do momento atual gera uma ação

transformadora, colocando o ser humano em contato com o seu eu mais verdadeiro e mais

emocional.

Estagiária (falando à Lucas como pai): E então pai, Lucas trouxe você aqui, pois

acredita que você pode ajudá-lo nesse momento.

Lucas (como pai): E meu filho, pra que fazer isso com a menina?! Você precisa

mudar, fica iludindo as meninas. Isso não é muito legal.

Estagiária (Falando à Lucas como pai): Quem ele te lembra pai?

Lucas (como pai): Ele se parece comigo. (Nesse momento Lucas se emocionou e

ficou em silencio por um longo tempo).

Para Faleiros (1999), o psicoterapeuta deve facilitar o livre fluxo de emoções e

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sensações do paciente, que é um aspecto de fundamental importância, pois desencadeia o

encontro, a tele, e assim chega-se ao êxito do processo psicoterapêutico. É dever do

psicoterapeuta se apresentar como mapa norteador, e elemento principal a iluminar o

caminho percorrido junto ao paciente, criando situações geradoras de recursos,

facilitadoras e estimulantes do afloramento da espontaneidade-criatividade.

Nesse sentido, Moreno (2009) ensina que o Psicodrama proporciona ao ser humano

uma experiência nova e mais extensa da realidade em que se pode vivenciar e reencenar

situações antigas, resgatando a plena consciência dos fatos, tornando presente o seu

conflito. Assim, ele possibilita ao ser humano a experiência de reviver no aqui e agora de

situações conflituosas, mas não funciona como renovação do sofrimento. Pelo contrário,

confirma a regra geral: “toda e qualquer segunda vez verdadeira é a libertação da primeira”

(p. 78).

A estagiária percebeu que seria importante voltar outras vezes nessa cena, em

virtude de sua relevância, porém era perceptível o efeito libertador, a que Moreno se

refere. Lucas se encontrava muito diferente agora do que quando começou a sessão. Seu

semblante estava mais solto, já conseguiu perceber o que fazia com as meninas e que

estava repetindo a conduta que recriminava em seu pai. Pois a consciência do sentimento

que o fragilizava fez com que Lucas diminuísse o medo dos seus sentimentos. Só

enfrentando o monstro é que o impeço de crescer.

Décima Quinta Sessão

Nessa sessão foi feito um processamento verbal da sessão anterior.

Lucas: As pessoas dizem que sou safado e cachorro. Não dá maneira ruim sabe...

Como um cafajeste, isso pra mim é bem legal. Não gosto de me apegar a nada, nem que se

apeguem a mim. Se bem que ainda não sou o cafajeste... Ainda me importo com as

pessoas.

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Estagiária: Ainda? Você quer ser?

L: Não sei. Minhas escolhas vão definir isso, não sei.

E: Se você se tornar um cafajeste com quem irá se parecer?

Lucas: Ain! Tô confuso! Sou confuso!!! Não sei o que quero. Às vezes quero ser

sério e de caráter sabe... Alguém gente boa... Depois quero ser um cafajeste. Eu me

inspiro nos filmes saca, tipo “American Pie”, o Stifler me deixa doido. Eles são sempre os

mais felizes.

A adolescência é uma grande mutação. O corpo se transforma tudo explode, tudo

muda. O jovem se toca, se acaricia, se masturba. Sente prazer. Tudo é natural, é

incontrolável, é uma pulsão que o impele a expressar a sua sexualidade. Estas

transformações físicas vêm acompanhadas de transformações psicológicas. Alteram toda a

visão subjetiva do indivíduo (Cunha & Bertussi, 2010).

E: Sim é verdade. Mas isso é apenas um filme. E a vida real?

L: Complicado né? (Mostra-se confuso e triste)

E: Quando trouxe seu pai na sessão passada, ele disse que você se parece com ele

e que ele é um cafajeste. Ele é feliz?

L: Nossa! Pior que ele não é feliz... Ele tem várias mulheres, pega todas, mas não

paga pensão para os filhos, ele não se prende a nada. Putz, nem eu consigo me prender a

nada. Não consigo namorar e gostar apenas de uma menina. Mas também não sofro com

isso... (reflexivo)

E: Você quer e não quer se parecer com ele.

L: Exatamente isso! Não quero ser um pai assim, ele tá na merda. Mas eu sempre

quis ser como ele, saca? Esperto, confiante, sofre menos. Odeio ser melancólico, é

ridículo. Não quero ficar triste e ter dores amorosas. Esses tempos quando a Jessica

(nome fictício) terminou comigo eu chorei, bebi, ouvi músicas de sertanejo que falam de

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amor... Até escrevi uma carta me despedindo dos meus amigos, eu pensei em me matar,

sabe? Mas eu nem tentei nada... Foi coisa do momento, isso é ruim, viu?!

Segundo Cunha e Bertussi (2010), o adolescente sente-se frágil e vulnerável, muito

sensível às reações dos amigos. Fica às vezes inquieto, precisa de segurança, está sempre

tentando agir como os adultos, muitas vezes de forma desajeitada.

A estagiária trabalhou o pai interno do paciente, os erros e acertos cometidos por

ele. Possibilitando Lucas perceber que é outra pessoa e que pode desenvolver uma nova

maneira de se relacionar com as pessoas. O psicodrama proporciona ao paciente uma

experiência nova e mais ampla da realidade.

Nesse sentido, Moreno (2009) ensina que o ser humano em crise possui uma

necessidade de ter alguém ao seu lado compartilhando de seu sofrimento e o auxiliando a

encontrar respostas novas e adequadas.

Décima sétima Sessão

Nessa sessão, foi proposto ao paciente a técnica do esquema de papéis Cukier,

(1992), pois a temática que ele trouxe veio ao encontro da mesma. A respeito dos papéis

que Lucas desempenhava em sua vida construiu a seguinte imagem:

Figura 1. Representação do esquema de papéis feito pelo paciente Lucas.

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Foi solicitado ao paciente que definisse os papéis que ocupava no seu dia-a-dia, e

os colocasse no tapete. A estagiária questionou onde estavam os outros papéis tais como

filho, aluno, funcionário e Lucas disse que estavam dentro do vagabundo.

Os papéis e suas respectivas ordens trazidas foram: 1) vagabundo (exercido na

família, escola e trabalho); 2) fodão (exercido com os amigos, onde pega todas meninas e

“se dá bem” na escola sem estudar); 3) mau (quando anda na rua, veste preto para andar de

ônibus, assim ninguém mexe com ele) e 4) meigo (exercido com as meninas e verbalizou

que este era o mais forte).

Ele escolheu primeiro entrar no papel de vagabundo e quando entrevistado pela

estagiária disse:

L: Sou vagabundo mesmo porque assim eles não me pedem nada... eu tenho

dificuldade de dizer não, eu acabo cedendo aos pedidos deles. E quando fico o dia todo

sem fazer nada em casa e tal, eles não me pedem nada.

Lucas (papel de meigo): sou uma mentira!

Estagiária: Mas é o que está mais presente?

L (papel de meigo): É! Ele é importante. Ninguém gosta de um cara arrogante o

tempo todo, todo fodão. Nem um cara que nunca faz nada. É pra ser mais aceito.

E: Parece-me que esse é o mais verdadeiro de todos. Nele você chora se entristece,

depois coloca o sorriso no rosto e sai como se nada tivesse acontecido, para finalmente

ser o que as pessoas querem que você seja.

L (papel de meigo): Parece que sim.

E: Você precisa se proteger porque senão sofre demais, não é? Não quer se

machucar.

L (papel de meigo): (abaixou a cabeça e ficou em silêncio)

E: Tem alguém que o aceita dessa forma?

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L (papel de meigo): Além de você, tenho um amigo desde criança que sabe de

tudo.

Nesse momento, o paciente fez um relato de muitas histórias boas e divertidas de

sua história. Segundo Moreno (2009), todos os papéis, no contexto dramático,

transformam-se em papéis psicodramáticos e vão ser os instrumentos para as

transformações necessárias no mundo interno do paciente. Assim, o psicodrama tem por

objetivo reconstituir as realidades vividas, jogando os papéis que estão implicados na cena

para ressignificar os papéis estereotipados e fornecer outras possibilidades ao paciente.

Blatner e Blatner (1996) reforçam que desempenhar papéis como uma forma de

ensaio de vida age não apenas no sentido de aperfeiçoar habilidades e estratégias mais

eficazes para lidar com as situações, mas o que e mais importante ajuda o paciente a

revitalizar suas esperanças e sonhos. Isso ajuda o paciente a construir pontes mais

funcionais entre suas experiências subjetivas e as constatações objetivas da realidade.

Nesse sentido, a estagiária pontuou para Lucas os aspectos que estavam mais saudáveis em

sua vida, e conflitos que ainda necessitariam ser trabalhados.

Nas sessões posteriores Lucas falou sobre sua mudança de mentalidade e

comportamento com as meninas. Relatou que está com vontade de ter alguém e ser

diferente. Durante o processo terapêutico foi possível observar as mudanças do paciente

em relação às mulheres nos seus depoimentos verbais e em suas ações.

A evolução do processo psicoterápico de Lucas foi satisfatório. O paciente

raramente faltou às sessões e quando o fez, justificou todas às vezes, demonstrando

comprometido com o seu processo psicoterapêutico. Um dos fatores que contribui para

esse êxito foi o bom vínculo entre estagiária com o paciente. Nesse sentido, Vasconcellos

(2007) também afirma que o vínculo psicoterapêutico parece ser fundamental para que

haja a adesão do paciente ao tratamento psicoterapêutico.

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A aliança terapêutica com a parte sadia permitiu trabalhar a parte indiferenciada do

paciente, as suas relações adoecidas resgatando-lhe a espontaneidade-criatividade e a

satisfação ao desempenhar os seus papéis sociais. Assim, considera-se que o presente

artigo conseguiu atingir seu objetivo uma vez que, correlacionou a teoria psicodramática

ao caso clínico em questão.

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Referências

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