tcc - final - análise da representação de luiz inácio lula da silva nos filmes lula - filho do...

184
ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO LUCAS AUGUSTO FINKLER SCHMIDT DO HOMEM AO MITO, DO MITO AO HOMEM: Análise comparativa da representação de Luiz Inácio Lula da Silva nos filmes Lula - Filho do Brasil e Peões

Upload: finkler-lucas-a-f

Post on 28-Dec-2015

22 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

LUCAS AUGUSTO FINKLER SCHMIDT

DO HOMEM AO MITO, DO MITO AO HOMEM:

Análise comparativa da representação de Luiz Inácio Lula da

Silva nos filmes Lula - Filho do Brasil e Peões

Porto Alegre

2013

Page 2: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

LUCAS AUGUSTO FINKLER SCHMIDT

DO HOMEM AO MITO, DO MITO AO HOMEM

Análise comparativa da representação de Luiz Inácio Lula da Silva

nos filmes Lula – Filho do Brasil e Peões

Trabalho de Conclusão de Curso de Publicidade e Propaganda com Ênfase em Marketing, apresentado à disciplina de TCC II.

ORIENTADOR: Profa. Dra. Flávia Seligman

Porto Alegre

2013

Page 3: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

ATA DE AVALIAÇÃO DO TCC PELA BANCA EXAMINADORA

NOTA FINAL: ________________________

NOME DO ESTUDANTE:

_____________________________________________________

TÍTULO DO TCC:

___________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

NOTA ATRIBUÍDA AO TCC: _________ (______________________________)

Parecer da Banca Examinadora:

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Data de Realização da Banca Examinadora: ________/_______ de 200______.

Professor(a) Orientador(a): ____________________________ Ass.: ____________________

Professor(a) Convidado(a): ____________________________ Ass.: ____________________

Professor(a) Convidado(a): ____________________________ Ass.: ____________________

Page 4: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

RESUMO

O presente trabalho realiza uma análise fílmica da construção do personagem de Luís

Inácio Lula da Silva nos filmes Peões (2004) e Lula, Filho do Brasil (2010). Ambos filmes

retratam o líder político através de formas cinematográficas distintas, com objetivos

diferentes e desenvolvidos em contexto históricos próprios. Com as técnicas de análise

fílmica sócio-histórica de Vanoye e Goliot-Lété (1994), juntamente com os campos

semânticos de Bordwell (1995) foi possível detalhar os elementos presentes em cada filme

que influenciam na criação do personagem Lula. Através da escolha de temáticas que

permeiam ambos filmes, assim como suas estruturações narrativas baseadas na Jornada do

Heroi presente na obra de Vogler (1998), o trabalho mostra um panorama de representações

do Lula personagem e sua relação com o Lula da vida real.

Palavras-chave: Cinema. Política. Jornada do heroi. Personagem. Representação.

Page 5: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

ABSTRACT

This paper makes a film analysis of the construction of the character Luís Inácio Lula

da Silva in the films Peões (2004) and Lula, Filho do Brasil (2010). Both movie pictures

portraits the political leader through distinctive cinematic forms, with different objectives,

developed in unique historical contexts. Using the techniques of social-historical film analysis

by Vanoye and Goliot-Lété (1994), alongside the semantic fields by Bordwell (1995), I was

possible to detail the elements that are present in each film that influences in the creation of

the character Lula. Through the choice of themes that permeate both films, as well as their

narrative structures based upon the Hero’s Journey present in the work of Vogler (1998), this

academic work shows a panorama of representations of the character Lula and his relation

with the real life Lula.

Keywords: Cinema. Politcs. Hero’s Journey. Character. Representation.

Page 6: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

2 CINEMA 7

2.1 Os elementos fundamentais do cinema 7

2.2 Diferenças entre cinema de ficção e cinema de não-ficção 11

2.3 A narrativa no cinema de não ficção 13

2.4 A narrativa no cinema de ficção 16

3 TRAJETÓRIA DE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA – DO SERTÃO AO

PLANALTO CENTRAL 22

4 LULA NO CINEMA BRASILEIRO 35

5 PEÕES E LULA – FILHO DO BRASIL 49

6 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA 56

7 ANÁLISE DO PERSONAGEM LULA NOS FILMES PEÕES E FILHO DO BRASIL

61

7.1 Contexto de produção de Peões e Lula - Filho do Brasil 62

7.2 Campos Semânticos 65

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS 99

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 101

Page 7: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

1 INTRODUÇÃO

Depois de concorrer pela quarta vez consecutiva à presidência do Brasil, o candidato

do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, sai vitorioso das eleições do ano de

2002. Garantindo sua vitória com 61,3% dos votos válidos no segundo turno, passou para a

história brasileira como o primeiro presidente de origem operária a assumir a presidência do

país. Por mais impressionante que esse feito tenha sido, foi apenas mais um capítulo na vida

“novelística” do agora ex-presidente (DE GARANHUNS..., 2002).

Desde muitos anos antes da primeira campanha presidencial de 1989, Lula já era uma

figura conhecida no âmbito nacional. Líder sindical, Lula capitaneou inúmeras greves de

metalúrgicos no setor industrial automobilístico do ABC paulista, de 1978 até 1980. Em

época de ditadura militar, as greves foram encaradas como ilegais e subversivas, e dessa

forma os metalúrgicos sofreram inúmeras pressões e até intervenção federal nos sindicatos.

Lula foi preso juntamente de outros dirigentes sindicais por 30 dias. A polêmica da

intervenção federal na greve e a gravidade da paralização dos trabalhadores metalúrgicos, que

na época compunham um dos maiores setores da economia brasileira, chamou a atenção da

imprensa e da sociedade brasileira. Desde então, Lula já foi reconhecido como líder e

representante da massa trabalhadora que se organizava para fazer suas reinvindicações de

classe (ABC DE LUTAS, 2009).

Logo em seguida às greves, Lula e outros de seus pares nas lutas sindicais viram a

necessidade da classe trabalhadora se organizar politicamente para exigir mudanças e

melhoras para si e para o Brasil. Assim nasce o Partido dos Trabalhadores. Ele era uma

novidade no cenário político. Apesar de o Brasil possuir outros partidos de esquerda de

tradição, como o Partido Comunista Brasileiro, nenhum conseguiu se reformular após a

ditadura proibí-los e perseguí-los. O PT conseguiu agremiar muitas forças e movimentos da

sociedade civil, contemporâneos à época da formação do partido, em torno de sua plataforma

política. Dentre elas, juntamente aos trabalhadores sindicalizados se juntaram exilados e

presos políticos da ditadura militar e as comunidades de base da igreja católica progressista,

simpatizantes da Teologia da Libertação (SAIBA..., 2006).

Já eleito presidente, Lula tratou de governar para os pobres, mas sem esquecer dos

ricos e dos grupos de poder já estabelecidos no cenário brasileiro. Os anos do Lula no poder

são classificados pelo economista e cientista político André Singer (2012) como um

“reformismo lento”. Nesse processo, o Estado brasileiro verdadeiramente mudou seu foco de

1

Page 8: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

atuação, priorizando novas iniciativas, obras de infra-estrutura, desenvolvimento de um

mercado interno mais forte e criação de inúmeros programas de assistência social. Os anos

Lula e o até então decênio do partido dos trabalhadores no poder causou um deslocamento da

economia neo-liberal para um modelo neo-desenvolvimentista, inspirado nas teorias

econômicas de John M. Keynes e outros. Ainda assim, nenhuma grande reforma ou mudança

legislativa foi implementada. A estrutura burocrática do Estado foi mantida intacta. E com

ela, as práticas políticas de corrupção, apadrinhamentos, descaso com contas públicas,

fisiologismo e abuso de poder também se mantiveram semelhantes. Apesar do crescente

desenvolvimento econômico interno, a desparidade entre grandes empresários e trabalhadores

autônomos manteve-se enorme. Da mesma forma, a industrialização interna ainda compete de

forma desleal com multinacionais.

Em 2005, foi descoberto um esquema de compra de apoio parlamentar com dinheiro

público desviado, supostamente capitaneado pelo então Ministro da Casa Civil do governo de

Lula, José Dirceu. Dirceu já tinha sido presidente do partido, inclusive na época da campanha

vitoriosa de 2002. Com o escândalo, muitos ministros e homens próximos de Lula pediram

renúncia ou foram formalmente afastados de seus cargos públicos, posteriormente

respondendo como réus em tribunais. O caso foi popularizado pela imprensa como o

escândalo do Mensalão (MENSALÃO..., 2012).

O saldo da publicidade que a corrupção petista ganhou na grande mídia foi curioso.

Apesar do desapontamento de muitos militantes antigos, constatou-se em pesquisas de

opinião que o Mensalão praticamente não abalou a confiança do eleitorado em Lula. A maior

parte dos eleitores seguiu avaliando o seu governo com um dos maiores índices de aprovação

na história brasileira. Dessa forma, a reeleição em 2006 transcorreu sem grandes dificuldades

para Lula (APROVAÇÃO..., 2006).

Ao longo de toda sua trajetória pessoal e política, Luiz Inácio Lula da Silva apareceu

para o público de diversas formas. Primeiramente ele surgiu na imprensa brasileira, quando da

notoriedade das greves metalúrgicas do ABC. Depois surgiu a figura do Lula político, visto

em palanques, debates, peças gráficas e audiovisuais para campanhas eleitorais. Dentre os

meios e formas como Lula já foi registrado e representado, um dos que mais possibilitam uma

radiografia desse homem-mito é o cinema.

De acordo com Marina Soler Jorge (2011) foram produzidos inúmeros documentários

registrando o movimento grevista de 1978-1980. Dentre eles se destacam Greve!, de João

Batista de Andrade, ABC da Greve, de Leon Hirzman, e Linha de Montagem, de Renato

Tapajós, e Braços Cruzados, Máquinas Paradas, de Roberto Gervitz e Sérgio Toledo. Ao

2

Page 9: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

mesmo tempo que a preocupação principal desses filmes era registrar as greves e os

movimentos de massa que ocorriam, grande parte dos filmes acaba enfocando na figura de

Luiz Inácio.

Décadas depois, outros dois documentários dão destaque à Lula, já na situação de

político conhecido, na campanha bem sucedida de 2002. O primeiro é Peões, de Eduardo

Coutinho, que cria um painel de memórias do movimento dos grevistas do ABC ao entrevistar

os anônimos que participaram das greves. Indiretamente, neste filme também surge uma

figura de Lula, que é assunto dos depoimentos dos ex-grevistas. A partir do recorte de

opiniões e visões dos entrevistados sobre a época e o papel que Lula desempenhou no

movimento, temos um apanhado de informações que podem ser interpretadas de diferentes

formas, gerando assim diferentes imagens de Lula.

Junto deste projeto do filme Peões, foi desenvolvido paralelamente outro projeto de

documentário, que registraria a campanha presidencial de 2002. Trata-se do filme Entreatos,

de João Moreira Salles. Nele, Salles acompanhou os bastidores da campanha presidencial de

Lula com bastante liberdade, priorizando o futuro presidente em momentos íntimos ou nos

bastidores da campanha, longe dos holofotes que o público já estava acostumado a vê-lo.

Assim, desfolha-se um outro Lula. Não mais um líder messiânico dos operários, Lula parece

um homem comum aspirando ao poder executivo. O mito vivo é um homem de carne e osso,

com suas certezas, incertezas e vontades (ENTREATOS..., 2004).

Um ano antes da saída de Lula do Palácio do Planalto, em 2009, é lançado mais um

filme sobre o presidente. Dessa vez o formato é inédito: um longa-metragem de ficção

baseada em sua história de vida, desde a infância até a sua prisão nas greves de 1980 e a

morte de sua mãe. O epílogo do filme cruza o tempo e mostra Lula já em 2003, tomando

posse no Palácio do Planalto. O filme gerou polêmica, sendo acusado de ser mera peça de

propaganda para o governo Lula, ajudando a solidificar sua imagem de “homem maior que a

vida”, o que na visão da oposição aumentaria a chance de eleição de seu sucessor na

presidência (AZEVEDO, 2009).

O cinema tem como natureza servir como espelho de uma sociedade. O fato de Lula

ser personagem central de inúmeros filmes demonstra que ele por si só é um assunto relativo à

cultura e à sociedade brasileira.

Esse papel de espelhar uma sociedade pode ser feito de diferentes formas. Tanto na

forma de ficção como na forma de não-ficção, há recursos narrativos aplicados que fazem um

recorte específico da realidade, formando ideologias, representações e personagens. Dentre

esses recursos, a maneira como uma narrativa pode se desenvolver é através da teoria da

3

Page 10: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Jornada do Heroi. Este conceito surge com o antropólogo e especialista em mitologias Joseph

Campbell em seu livro O herói de mil faces (1949). Nesta obra, Campbell descreve como os

mitos e estórias humanas possuem um grande número de padrões em comum em suas

construções narrativas e de personagens. O grande aspecto em comum seria o personagem do

herói, que precisa empregar uma jornada em busca de uma fonte de conhecimento e poderes

que o farão mudar a si e a sua sociedade. Mais tarde esta obra influenciaria roteiristas no

cinema de Hollywood, consolidando assim um padrão de criação de estórias e personagens.

Neste contexto, os filmes que trazem Lula como protagonista reforçam o aspecto do ex-

retirante enquanto um herói nacional que realizou uma épica aventura, passando por muitos

percalços, até chegar à presidência do Brasil.

Com base em todo material audiovisual que ao longo dos anos documentaram e

trouxeram diferentes visões sobre o ex-presidente Lula, o presente trabalho se propõe a

analisar e comparar dois filmes diferentes que abordam o tema. Diante do exposto, busca-se

responder: de que forma Luiz Inácio Lula da Silva é representado nos filmes Lula – Filho

do Brasil e Peões?

Partindo deste questionamento, o presente trabalho tem como objetivo principal

analisar em ambos filmes como Lula é retratado e quais elementos simbólicos formam a

figura de Lula. Além disso, como objetivos específicos esse trabalho explorará outras

questões que permeiam as duas obras audiovisuais: a) Identificar recursos narrativos

utilizados em ambos filmes que influenciam na maneira de mostrar o personagem de Lula; b)

Testar a aplicação do conceito mítico e narrativo de jornada de herói na construção de Lula; c)

Demonstrar as diferenças e semelhanças na representação de Luiz Inácio Lula da Silva num

filme de ficção e de não ficção;

A temática foi escolhida, no âmbito pessoal do autor, pelo seu interesse no audiovisual

brasileiro e nas ideologias e formas ideológicas que ele adquire conforme a época ou a visão

de um autor que decidi realizar uma obra audiovisual. Para tanto, o autor do presente trabalho

julgou que utilizar como ponto de partida uma figura nacional de grande expressão e suas

representações no meio audiovisual seria adequado para aferir como um filme pode mudar a

percepção de um indivíduo acerca de uma temática específica.

Em termos acadêmicos, o trabalho é de interesse para quem quiser ampliar

conhecimentos no campo do audiovisual em geral, especialmente no que diz respeito aos

gêneros de cinema e alguns de seus recursos narrativos. Há uma dissertação de mestrado

realizado por Caroline da Silva (2009) através da Faculdade do Vale dos Sinos (Unisinos),

“Nos Entreatos, tal como peões: do Lula operário ao Lula presidente”, que analisa a figura de

4

Page 11: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Lula nos filmes documentários Peões (2004) e Entreatos (2004). Apesar da análise geral e da

temática semelhantes ao presente trabalho, esse projeto possui o diferencial de explorar não

apenas filmes do gênero documentário, mas sim contrapor um filme ficcional e um filme não

ficcional, de forma a mostrar suas diferentes estéticas e como elas podem afetar o resultado

final de um filme.

Esse estudo também é academicamente interessante por perpassar por inúmeros

momentos importantes da história nacional recente, já que muito da história do personagem a

ser analisado se confunde com a história e a política do Brasil. Além disso, o presente

trabalho pode ser utilizado para pesquisas que tentam traçar quais elementos impulsionam o

sucesso de um filme ou mesmo de uma peça audiovisual publicitária. O trabalho

proporcionará reflexões sobre a maneira como um público pode reagir a diferentes obras

audiovisuais que possuem a mesma temática, mas possuem intenções, enfoques e ferramentas

narrativas diferentes.

Para a sociedade como um todo, esse trabalho traz uma busca pelas identidades sociais

e culturais que um país consegue compor para si através do audiovisual e da forma como ele

retrata a realidade do país. Segundo Bill Nichols (2005), as artes sempre falam a respeito da

sociedade em que ela está inserida, sendo ela uma obra fantasiosa de ficção ou a não ficção,

que se parece mais próxima da realidade. Dessa forma, com esse presente trabalho é possível

aferir panoramas sobre o estado da cultura brasileira e sobre as visões que o brasileiro tem de

si mesmo e dos indivíduos diferentes que compoem seu povo e sua identidade cultural.

Com base nos objetivos perseguidos pelo presente trabalho, serão desenvolvidos três

capítulos teóricos para gerar uma maior compreensão sobre o tema. O primeiro capítulo

teórico que discorre sobre o cinema, diferenças entre o cinema de ficção e não-ficção e os

elementos característicos de cada uma dessas vertentes cinematográficas. Para tanto se

debruçou principalmente sobre as obras de Bill Nichols (Introdução ao documentário, 2005) e

Fernão Ramos (Mas afinal... o que é mesmo documentário?, 2008) para o campo do

documentário, e Christopher Vogler (A Jornada do Escritor, 1998) e Leandro Saraiva e

Newton Cannito (Manual de Roteiro ou Manuel, o primo pobre dos manuais de cinema e tv,

2004) para o campo da ficção. No segundo capítulo será apresentada uma biografia resumida

de Lula, que além de contextualizar a vida política do personagem também enfoca em

momentos relevantes que foram representados nos filmes que abordam a sua vida. A trajetória

de Lula foi pesquisada com base em alguns dos biógrafos e jornalistas que desenvolveram

livros sobre Lula como Denise Paraná (Lula – Filho do Brasil, 2009), José Pinto (O que sei de

Lula, 2011) e Richard Bourne (Lula do Brasil, 2009). Por fim, o terceiro capítulo teórico

5

Page 12: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

discorre sobre a presença de Lula no cinema brasileiro, seja na ficção ou no documentário.

Assim, será possível verificar as diferentes formas e modos pelo qual Lula já foi apresentado

ao público. Para tanto se utilizará o livro de Marina Soler Jorge (Lula no Documentário

Brasileiro, 2011).

Após os capítulos teóricos, será desenvolvido um capítulo para explanar a

metodologia de pesquisa deste projeto. Os métodos de pesquisa do trabalho foram

delimitamos pela pesquisa qualitativa, por seu caráter mais abrangente, interpretativo e não

objetivo. Os tipos de pesquisa conduzidos no trabalho são as de cunho bibliográfico e

exploratório, pois ambas permitem um aprofundamento maior sobre o assunto a ser tratado,

aclaram conceitos e fazem ser possível realizar hipóteses através da busca de informações em

bibliografias, materiais publicados e obras audiovisuais. Para a coleta de dados e interpretação

dos mesmos, serão usados conceitos de análise fílmica socio-histórica de Francis Vanoye e

Anne Goliot-Lété de sua obra “Ensaio sobre a Análise Fílmica” (1994), e o conceito dos

campos semânticos de David Bordwell(1995) para assim poder destrinchar com precisão os

recursos empregados na construção narrativa dos dois filmes a serem analisados

Por fim, o trabalho se encerra com um capítulo destinado à análise das duas obras

audiovisuais centrais do trabalho, Lula – Filho do Brasil e Peões. Neste capítulo constarão

análises individuais de cada filme, para então realizar uma análise comparativa através da

eleição de elementos narrativos e de linguagem que possam servir de comparativo entre os

filmes.

6

Page 13: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

2 CINEMA

Nesse capítulo se discorrerá sobre o cinema, tanto como forma de definí-lo enquanto

arte e expressão humana quanto para identificar as ferramentas e elementos do qual ele se

utiliza para tecer uma narrativa cinematográfica. Para tanto também foi necessário definir suas

principais correntes e gêneros, e como elas realizam uma representação própria da realidade

em que um filme é concebido.

2.1 OS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DO CINEMA

Jacques Aumont (2002) deixa claro que além de uma projeção de rápidos fotogramas

em sequência, o cinema pode ser primeiramente definido por sua imagem projetada na tela.

Essa imagem conta com duas características: é um plano, bidimensional, e um quadro,

delimitado pelas laterais do espaço projetado. Este quadro é um dos primeiros materiais sobre

o qual um cineasta se debruça no seu ofício. Mesmo o cinema sendo uma arte que causa uma

impressão de movimento – movimento de elementos captados ou um movimento da própria

câmera - ele trabalha também com imagens mais ou menos estáticas. Essas imagens possuem

um valor equivalente ao quadro para a pintura ou foto para a fotografia. Desta forma, se faz

necessária a preocupação com equilíbrio e expressividade na forma de compor um

determinado enquadramento.

Devido a essa característica de quadro limitado, Aumont (2002) revela que o espaço

delimitado pelo quadro pode ser chamado de campo. Dessa forma, o campo da imagem é um

espaço imaginário sobre o qual a câmera nos revela apenas um fragmento. Por sua vez, o

restante de um cenário que não é mostrado dentro do campo de um quadro também é um

cenário imaginário, que o público supõe existir, mesmo que nunca mostrado. Esse espaço é

chamado de fora-de-campo.

O espaço do campo captado por uma câmera pode ser chamado de plano ou

enquadramento quando pensado de uma maneira exclusivamente técnica, não levando em

conta o espaço fílmico imaginário que o público mentalmente forma ao assistir um filme.

Segundo Aumont (2002, p.39) “a noção muito difundida de plano abrange todo esse conjunto

de parâmetros: dimensões, quadro, ponto de vista, mas também movimento, duração, ritmo,

relação com outras imagens”. Ou seja, plano é quando se define qual o ponto de vista que uma

câmera tomará para registrar determinada situação. Para tanto, o plano que uma câmera

7

Page 14: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

captará muda conforme o que será enquadrado dentro do plano, qual o movimento que a

câmera está realizando, que elementos ficarão em foco ou fora de foco.

Sobre os movimentos de câmera, Aumont (2002) separa-os em dois tipos principais:

travelling e panorâmica. Sobre o travelling, Aumont (2002, p.39) revela que se trata de “um

deslocamento do pé da câmera, durante o qual o eixo de tomada permanece paralelo a uma

mesma direção”. Ou seja, é um movimento de aproximação ou afastamento de todo corpo da

câmera, sem que sua lente captadora de imagens seja apontada para diversas direções. O

movimento de panorâmica é definido por Aumont (2002, p.39) como “um giro da câmera,

horizontalmente, verticalmente ou em qualquer outra direção, enquanto o pé permanece fixo”.

Assim, é possível compreender que se trata de um movimento em que a câmera em si é

apontada para várias direções em torno de seu próprio eixo, para cima, para baixo, para os

lados, sem precisar deslocar a sua posição em um ambiente.

Somado ao elemento visual fundamental do cinema, o plano ou quadro, há inúmeras

outras interferências que podem modificar o resultado final de um enquadramento. Como já

citado por Aumont (2002) o quadro é o objeto básico do cinema e tem seu eco nas

composições da pintura e fotografia. Como tal, o quadro cinematográfico também é dotado de

harmonia, equilíbrio, composição de elementos, perspectiva, iluminação. Dependendo da

maneira com que esses elementos são utilizadas na composição de um enquadramento, pode-

se alcançar resultados dramáticos diferentes, evocando percepções e reações emocionais e

racionais do público.

Além de aspectos ligados mais diretamente ao campo enquadrado por uma câmera, há

a iluminação e a composição de cenário e objetos. Determinados objetos podem evocar ideias

na mente do público, conforme o repertório de imagens que ele possui. Um cenário fechado e

com linhas simétricas pode passar ao público uma sensação de agonia. Assim como se esse

mesmo cenário está mal iluminado, a carga dramática da agonia de um determinado

enquadramento pode aumentar. Dessa forma, é importante perceber que esses elementos de

composição de enquadramento afetam diretamente na sua percepção e significado

(AUMONT, 2002).

O cinema é uma obra audiovisual, portanto composta por uma parte visual –

determinada em geral pelo que a câmera capta – e uma parte sonora – muita mais abstrata e

variável que a imagem. O som nem sempre foi presente e vinculado à imagem na história do

cinema, tendo em vista que sua execução simultânea em filmes só se deu a partir da década de

1930.

8

Page 15: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Com o surgimento do cinema sonoro que reproduzia a voz humana e ambiência sonora

em sincronia com as cenas que se desenrolam na narrativa de um filme, houve uma cisão

entre os cineastas em duas linhas de teoria e prática diferentes. Majoritariamente os cineastas

acabaram incorporando o som direto ao cinema, mas a prática demorou um certo tempo para

ser estabelecida e aceita pela classe artística.

A linha que acabou se sobrepondo foi a do cinema com aplicação do som direto. Nesta

forma de cinema os filmes possuem áudio captado diretamente ou reproduzido artificialmente

para ser sincronizado com tudo que acontece em cena. Dentro dos espectros de áudio que

podemos destacar como principais estão os diálogos, os efeitos sonoros e a ambiência. Foi

possível eliminar o uso de cartelas escritas da época do cinema mudo para representar o que

os personagens dos filmes estão dialogando com a captação direta de suas vozes, que são

reproduzidas em sincronia com seus movimentos labiais captados pela câmera. Os efeitos

sonoros são todo e qualquer som que está em cena devido a alguma ação específica que está

ocorrendo na cena. Por exemplo, um enquadramento em que um pé de cadeira está sendo

arrastado e é acompanhado do som do pé de cadeira em fricção com o chão. A ambiência é

uma camada de áudio de fundo, presente para adequar a cena ao local onde ela foi gravada.

Como um resquício do cinema mudo, que era acompanhado de orquestras e músicos ao vivo

nas salas de cinema, mesmo na transição para o cinema sonoro foi mantida a estética sonora

de musicar filmes, conforme a carga emotiva que uma cena pretende possuir.

Conceitualmente, é difícil definir o áudio para o cinema por se tratar de uma quase

abstração como é o próprio som. Segundo Aumont (2002, p.48) “nenhuma definição de

‘campo sonoro’ poderia calcar-se na do campo visual”. Devido a essa dificuldade, muitas

vezes o som foi mantido em segundo plano de discussões e definições de estudiosos e

profissionais cinematográficos. Já no campo ideológico, esta forma de cinema com captação

de áudio direto e sincronia correspondente com os acontecimentos captados diante das

câmeras pretende ser uma representação realista ao máximo. Com o som correspondente à

imagem, cria-se um cinema que tem correspondência com a realidade. Dessa forma, o cinema

deu um passo adiante rumo ao desejo humano de captura e representação da vida humana, ao

mesmo tempo que limita a capacidade imaginativa e poética de expressão cinematográfica.

A outra linha do cinema que se manteve distante do frisson causado pela estreia do

cinema sonoro admite que o cinema não é e nem deve ser uma representação fidedigna da

realidade. Considerando que a própria captação de movimentos naturais é uma ilusão causada

por fotogramas projetados em alta velocidade, uma linha de cineastas atuantes na era do

cinema mudo se colocou contra qualquer uso sonoro que tenha um viés naturalista. Ou seja,

9

Page 16: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

nada do que se passa na tela deve ser acompanhado de um som correspondente aquilo que se

passa na tela. Ao contrário, sons só devem ser incorporados quando estão desvinculados da

cena, trabalhando muito a imagem e som não sincronizados e não correspondentes. Este não

atrelamento automático de imagem com o som possibilitou um viés mais poético e diverso

para o cinema, que agora ganhava não uma muleta acompanhante da imagem, mas sim um

novo elemento a ser explorado em busca de novas formas de expressividade. De maneira

nenhuma esta forma de lidar com o som se trata de um cinema de puro surrealismo e falta de

vinculação com a realidade. Tal qual uma montagem, a imagem e o som de um determinado

plano podem ter relação de sentido entre si e criar um terceiro significado maior, que é

diferente dos significados daquela imagem e daquele som independentes. É justamente

resultado da montagem de uma determinada imagem junta de um determinado som que se

pode obter esse significado final.

Conforme Aumont (2002, p.53) “um dos traços específicos mais evidentes do cinema

é ser uma arte da combinação e da organização”. Somando-se a totalidade da captação de um

filme, com imagem e som, é necessário um processo final que junta todos esses elementos e

cria sua real relação de significado. Trata-se da montagem. De maneira técnica, podemos

definir a montagem como a etapa final da produção de um filme, onde são organizados os

planos em sequência, além de adicionar ou sincronizar as cenas com efeitos sonoros, som

ambiente, diálogos e música composta. Conforme o tipo de filme que se pretende construir,

aqui são colocados os planos de acordo com a estória proposta e a narrativa construída

previamente para o filme. Mas o processo de montagem vai muito além de um arranjo técnico

dos elementos já captados. Nele ocorre um grande processo criativo, em que se lapida o

material do qual se dispõe para chegar a resultados muito diversos, rearranjando os elementos

entre si.

Além das operações de seleção e agrupamento, uma das características mais

importantes da montagem é a justaposição de elementos. Estes elementos, quando juntados ou

colocados em sequência acabam por criar um sentido maior do que o sentido de cada

elemento isoladamente.

Como nos informa Aumont (2002), está noção de justaposição já era teorizada desde o

cinema mudo, quando o campo de discussão teórica estava focado na imagem e sua unidade

narrativa, o plano. Cineastas teóricos como Sergei Eisenstein chamam de planos infletidos

aqueles planos que tentam criar uma relação de sentido entre si, através de sua justaposição

em sequência. Quando se coloca uma imagem seguida de outra, pode-se automaticamente

estabelecer uma relação de sentido entre ambas imagens. Esta relação é subjetiva à

10

Page 17: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

experiência do público, mas é realizada com intenção e propósito de afetar o público de uma

determinada maneira. Como exemplo, pode-se citar a justaposição de dois planos: um plano

de um relógio e um plano de um homem correndo. Isoladamente, eles possuem um

significado em si mesmos, estão representando tão somente aquilo que foi captado pela

câmera. Quando justapostos na montagem cria-se uma relação entre os dois planos e um

terceiro sentido narrativo e ideológico desfolha-se: o público do filme está presenciando a

representação de um homem correndo porque está atrasado, correndo contra o tempo. Este

significado conjunto não é uma soma de cada plano ou elementos isoladamente, ele é um

terceiro significado que se sobrepõe aos significados isolados de cada elemento. Assim, a

montagem se tornou o elemento mais importante para o desenvolvimento do cinema como

arte e expressão, ao tornar a mera captura de um movimento ou som em uma obra com

significados, interpretações e ideias as quais se pode atribuir.

Em vista dos elementos citados que compõem a base do cinema, pode-se ainda

catalogar filmes diferentes conforme gêneros. Estas divisões são popularmente expressas

conforme o assunto e o tom emocional dos filmes ao invés da forma e dos recursos utilizados

na narrativa destes filmes. Como exemplo podemos citar as prateleiras de videolocadoras,

com sessões dedicadas à filmes considerados como dos gêneros drama, terror, suspense, etcs.

Como já visto anteriormente, no desenvolver da história do cinema pode-se falar em duas

vertentes principais: o cinema de ficção e o de não ficção. Dentre ambas vertentes há

subdivisões conforme a forma de suas narrativas, suas intenções e as ferramentas

cinematográficas que foram empregadas para se alcançar estes devidos resultados. Os

seguintes sub-capítulos tratarão de ampliar estas noções de tipos de cinema dentro das

vertentes ficção e não ficção e suas principais diferenças.

2.2 DIFERENÇAS ENTRE CINEMA DE FICÇÃO E CINEMA DE NÃO-FICÇÃO

O cinema é tipicamente dividido em tipos de filmes, com gêneros e sub-gêneros,

pertencentes a certos movimentos estéticos ou escolas de cinema. A variedade é imensa, mas

basicamente pode-se dividir o cinema em duas vertentes: o cinema de ficção e o cinema de

não ficção. Cada um conta com elementos característicos na sua conceituação inicial, nos

recursos empregados para construir sua narrativa e no resultado final da obra audiovisual. Não

obstante, ambos tipos de cinema não se tratam de formas puras e completamente divisíveis, já

11

Page 18: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

que há filmes de ficção que usam de elementos narrativos da não-ficção, e vice-versa

(NICHOLS, 2005).

Vindo da vertente inicial dos filmes registro dos irmãos Lumière, o cinema de não-

ficção ou documentário foi considerado como o grande registro da realidade dentro do

cinema. Sobre sua forma de ser, Fernão Ramos (2008, p. 22) diz que “documentário é uma

narrativa com imagens-câmera que estabelece asserções sobre o mundo, na medida em que

haja um espectador que receba essa narrativa como asserção sobre o mundo”. Dessa forma,

além da forma do próprio filme definir se ele se enquadra na ficção ou no documentário, essa

definição também depende da forma que o público aceita-o.

O ilusionismo e mágica que Méliès trouxe ao cinema fez desabrochar o veio de

cinema de ficção. Nesse campo ficcional, os filmes obedecem a uma narrativa clássica

estruturada. Ramos (2008, p. 25) contextualiza-o como:

[...]centrado em uma ação ficcional teleológica encarnada por entes que denominamos personagens. Tipicamente, a ação ficcional estruturam-se uma trama que articula através de reviravoltas e reconhecimentos. A estruturação das imagens em movimento, através de unidades que chamados planos, é basicamente motivada pela estrutura da trama.

Apesar da dificuldade para separar o cinema de ficção do cinema de não-ficção,

Ramos (2008) diz que o documentário possui algumas características bastante próprias, que

mesmo também utilizadas no cinema de ficção, são mais comuns aos documentários. Como

maiores exemplos pode-se citar o uso de entrevistas e depoimentos, imagens de arquivo, rara

utilização de atores dramáticos profissionais, cenas não encenadas, improvisação, roteiros

abertos, imagens não necessariamente plásticas e locução explicativa externa ao filme. Essas

ferramentas, quando utilizadas por um autor audiovisual com a intenção de fazer asserções

sobre o mundo, mostrando pontos de vista que lhe são de interesse, são o que mais

caracterizam um documentário frente a um filme de ficção.

De acordo com Luiz Carlos Merten (1980) toda forma de cinema cria uma ilusão, ora

menos realista ora mais realista, do mundo captado por algum ser humano. Tanto no caso da

ficção, com ações decididamente ensaiadas diante das câmeras, quanto nos documentários,

que trabalham com elementos já existentes na realidade para compor um registro com seus

pontos de vista sobre o mundo. O documentário pode também construir uma forma de

realidade através da edição de falas, imagens, sons, etcs. Hoje se sabe que o documentário é

mais uma forma de interpretar, ver e demonstrar o mundo de um autor de uma obra

audiovisual do que propriamente um registro da realidade pura do mundo.

12

Page 19: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Da mesma forma, tanto a ficção quanto a não-ficção criam registros, documentos,

impressões, aferições sobre a realidade em que vive o contexto dos autores de um filme.

Assim, a ficção também é um registro documental válido, tanto quanto a não-ficção. Nicholls

(2005) separa os filmes em dois tipos: documentários de realização pessoal e documentários

de representação social. Os documentários de realização pessoal seriam o que chamamos de

ficção, que usa de fantasia, dramaticidade, ilusão, criação e expressão. Os documentários de

representação social então seriam a não-ficção, são construídos com material provindo do

meio social em que ele foi realizado, e com isso ele constrói o discurso que se deseja

apresentar em um filme.

À medida que o cinema foi evoluindo, ele foi evoluindo no seu conjunto. Dessa forma,

ficção e não-ficção caminharam juntos na invenção de novas técnicas e ideias de

representação audiovisual. Com essa evolução de mãos dadas, um tipo de cinema foi

naturalmente se retroalimentando do outro. Hoje é possível assistir a muitos filmes de ficção

que se assemelham aos documentários, assim como documentários que cada vez mais usam

de recursos da ficção para construir suas narrativas. Desta forma, será discutido no próximo

sub-capítulo as formas narrativas do cinema de não ficção e no sub-capítulo seguinte as

formas narrativas do cinema de ficção.

2.3 A NARRATIVA NO CINEMA DE NÃO-FICÇÃO

Para Nichols (2005), existem essencialmente seis formas de documentário, cada um

com certos elementos mais presentes que em outros. São eles: documentário expositivo,

documentário participativo, documentário observativo, documentário reflexivo, documentário

poético e documentário performático. Mesmo sendo possível fazer essa divisão entre tipos de

filmes de não ficção, não existem documentários com uma forma pura, pois cada filme

documental se apropria de ferramentas de vários tipos de documentários e até de elementos

formais do cinema de ficção.

O documentário poético faz uso de imagens e sons do mundo social para, através da

montagem e justaposição de elementos, realizar asserções sobre o contexto que o filme

propoe demonstrar. A narrativa é extremamente visual e sonora, apresentando o mundo

captado pela câmera de forma bastante pura, sem a interferência aparente do documentarista.

O uso de narração fora-do-quadro explicativa, entrevistas com pessoas ou mesmo de textos e

13

Page 20: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

tipografia são escassos, o que torna o documentário poética bastante aberto para as

interpretações do público. A grande força narrativa desse modo de documentário está em sua

capacidade de relacionar imagens diferentes e juntá-las com a trilha sonora ambiente ou

musical, para assim criar efeitos sinestésicos e interpretações que extrapolam o julgamento

que se pode fazer dos planos individualmente.

Nos documentários expositivos os fragmentos do mundo histórico captados são

apresentados de uma maneira bastante direta e explicativa, sem grandes utilizações de

recursos artísticos estéticos. Os filmes dentro desta forma se utilizam muito de argumentos e

explicações calcados em dados científicos ou fatos. Para alcançar seus objetivos expositivos

de modo didático é comum a utilização de legendas e de narração onisciente, o tipo de voz

fora-do-quadro que tudo sabe sobre o assunto em questão e explica-o com aparente sapiência.

Devido à presença constante dessa fala argumentativa, as imagens e sons ficam relegadas a

segundo plano, sendo apenas uma espécie de prova documentada dos argumentos do narrador

do filme.

O documentário observativo foi uma das vertentes do chamado “cinema-direto”, que

foi surgindo pelo mundo ao longo das décadas de 50 e 60. O apelido de “direto” refere-se a

uma certa crueza desses filmes, que se aproximavam do seu campo de interesse sem grandes

interferências dos cineastas na captação dos sons e imagens. A proposta desse tipo de

documentário é captar o material apenas observando acontecimentos que se desenrolam

perante a câmera. Não existe uma narração expondo pontos de vista do cineasta, nem a adição

de efeitos visuais, sonoros, música ou texto na pós-produção. Não há a transmissão de ideias

nem através de entrevistas com personagens. Dessa forma, o documentário observativo se

caracteriza como um tipo de filme que tenta observar o mundo real e trazê-lo ao público com

o mínimo de interferência possível.

O modo participativo de documentário se assemelha a algumas tradições do

documentário expositivo, por se tratar de filmes que buscam apresentar informações e

argumentos a cerca de um fato real. A grande diferença surge na maneira da exposição das

ideias dos autores de uma obra e no seu envolvimento direto e explícito com o material

captado. A narração onisciente fora-de-quadro dá lugar à entrevistas com pessoas comuns,

que se tornam atores sociais. Esses depoimentos são alternados com imagens e sons

diferentes. Ao passo que boa parte dos filmes, ficção ou não-ficção, tentam suprimir e

esconder o fato de um filme possuir uma equipe de profissionais por trás de sua realização, no

documentário participativo o documentarista e sua equipe de gravação fazem questão de

aparecer durante o filme e demonstram sua participação ativa na sua confecção. Por exemplo,

14

Page 21: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

em entrevistas as perguntas feitas pelo documentarista aos seus entrevistados podem constar

dentro do filme e a interação entre esses entrevistadores e entrevistados também poderão estar

na versão final do filme. Então, o documentário participativo tem o mesmo valor que um

filme com exposição de argumentos, porém ele explicita que o resultado final do filme

prescinde da interação do cineasta com o mundo real para assim resultar em um filme com

sua visão particular de mundo sobre a realidade.

O documentário reflexivo vai ainda mais além do modo participativo na questão de

conscientizar o espectador do filme de que o que ele assiste é uma representação da realidade

e não necessariamente a captação integral da realidade. Esse documentário suscita

questionamentos sobre a própria forma comum que os documentários tomam, como por

exemplo quando uma imagem qualquer captada é cortada para a imagem de uma sala de

edição em que está se trabalhando com aquela primeira imagem. Essa forma de o

documentário expor para o público o seu próprio modus operandi faz com que o público

reflita sobre o papel do filme que estão assistindo e como ele se trata de uma narrativa

construída com intenções dos cineastas. Essa mesma lógica desse tipo de documentário é

expandida para a maneira de tratar qualquer que seja seu assunto. O documentário reflexivo

convida o público a pensar sobre os padrões de representação de um determinado assunto para

assim ir além do convencimento argumentativo que busca angariar o seu público para um

ponto de vista específico, deixando à cargo do espectador refletir sobre o assunto do filme de

maneira mais aberta e assim deixar ele traçar suas próprias conclusões.

O documentário performático por excelência enfoca na subjetividade ao invés da

objetividade e empirismo científico. Ele se propoe também a mostrar o mundo de uma certa

maneira explicitando que se trata de uma versão da realidade, já que cada indivíduo tem uma

percepção diferenciada não somente de dados e fatos concretos da realidade assim como suas

percepções pessoais emotivas afetam a maneira de uma pessoa interpretar um elemento

qualquer do real. Nessa forma de documentário há ênfase em maneiras menos realistas de

captar a realidade, com licenças poéticas, estruturas narrativas não convencionais e

subjetividade. Nele a “sensibilidade do cineasta tenta estimular a nossa” (NICHOLS, 2005, p.

171), através de recursos como fotografias, números musicais, encenações, elementos

artísticos que sugiram estados mentais específicos, planos subjetivos, etcs, de forma a compor

um quadro social e também pessoal e emocional sobre a questão documentada.

15

Page 22: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

2.4 A NARRATIVA NO CINEMA DE FICÇÃO

O cinema de ficção se estabeleu por excelência como uma forma de cinema narrativo.

Isso quer dizer que sua principal pretensão é narrar uma estória, com personagens que

interagem entre si e entram em conflito com eventos que alteram suas vidas, fazendo os

personagens embarcarem em uma jornada para resolverem, ou não, esse conflito. Segundo

Christopher Vogler (1998) esta estrutura básica de narração de uma estória possui tradição

milenar nas mais variadas formas de arte, expressão, religiões e mitos ao longo da

humanidade. O cinema é mais uma maneira de expressar esse desejo inerente à cultura

humana.

O primeiro estudioso a fazer paralelos entre as estórias contadas em diferentes grupos

humanos ao longo do tempo foi Joseph Campbell. Como antropólogo, Campbell conseguiu

verificar as semelhanças e coincidências existentes entre todo tipo de estória, percebendo que

quase todas estórias pareciam derivar de alguns poucos mitos originais. Tanto cenários,

personagens e eventos presentes nas mitologias antigas são muito semelhantes,

desempenhando as mesmas funções sociais para cada sociedade distinta.

Dentre esses padrões culturais das mitologias, um dos mais presentes é o mito do

heroi. Sobre essa descoberta Vogler (1998, p. 48) diz que “em seu estudo sobre os mitos

mundiais do heroi, Campbell descobriu que todos eles, basicamente, são a mesma história,

contada e recontada infinitas vezes, em infinitas variações”. Dessa forma, identificou-se que

boa parte das estórias presentes nos roteiros de cinema também descrevem sempre o mesmo

mito, chamado de “jornada do heroi”.

Vogler (1998) sugere que todo roteiro de ficção cinematográfica possui basicamente a

mesma estrutura. Há sempre inúmeras personagens povoando a estória de um filme de ficção,

dentre elas a mais importante seria o heroi. O heroi não necessariamente é o protagonista do

filme. Na realidade o que define o heroi é o fato de ele ser o personagem que mais se modifica

profundamente ao longo da estória, seja caindo em desgraça, seja alcançando a glória

prometida.

Outro personagem essencial à jornada do heroi é a figura do Mentor. Este é uma

espécie de mestre do Heroi, um guia sábio que indica quais caminhos o Heroi deve percorrer

em sua jornada. Esta sabedoria muitas vezes é fruto de que o Mentor é um Heroi que já

cumpriu sua própria jornada e portanto pode dar conselho e avisos ao heroi graças a sua

experiência prática. O Mentor pode em dado momento de uma estória ser modificado ou

16

Page 23: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

substituído, conforme o próprio Heroi se comporta em relação a sua jornada. Porém, o mais

importante aspecto do Mentor é o que ele representa para o Heroi: ele é a Jornada vitoriosa a

ser percorrida. Sua experiência pregressa e o estímulo que o Mentor oferece ao Heroi são uma

representação da jornada, já que o Mentor parece saber de tudo que vai acontecer e nesta sua

experiência e conhecimento ele carrega as recompensas conquistadas em uma jornada bem

sucedida. O Heroi bebe desta fonte inspiradora para aceitar a sua própria Jornada e poder

prosseguir (VOGLER, 1998).

Vogler (1998) separa a narrativa ficcional em várias etapas, cada uma com um

significado e importância para o desenvolvimento da estória em geral. Há três atos principais

cisando a jornada do heroi. Cada ato é dividido um do outro por pontos de virada, geralmente

um clímax de eventos em um certo momento da estória.

No primeiro ato o heroi se encontra em seu mundo comum. O mundo comum pode ser

positivo ou negativo para ele. A semelhança entre as estórias é que tanto o mundo comum

como o heroi estão em um estado de inércia. Após as personagens serem devidamente

desenvolvidas, ocorre um evento que drásticamente modifica esse mundo comum e estimula o

heroi a embarcar na sua jornada, que busca de alguma forma reestabelecer essa ordem de

mundo anterior ou o estado inicial do heroi.

Durante o segundo ato, o heroi emprega efetivamente sua jornada atrás de seus

objetivos. Neste período da narrativa, ele enfrenta diversos percalços, acontecimentos ou

enfrentamentos com outros personagens. Há outros elementos em comum, como por exemplo

a presença do Mentor, que durante este segundo ato pode ser revelar um verdadeiro mentor e

aliado ou um traidor convertido em inimigo. No clímax de eventos do fim deste segundo ato,

o heroi assegura se vai cumprir a jornada de forma exitosa ou não.

No terceiro ato, o heroi finalmente está mudado por completo em relação ao seu

estado inicial. Os personagens se encaminham para a etapa de “volta para o lar”, quando

conseguem restabeler o seu mundo comum, trazendo consigo os méritos das batalhas

vencidas, seja ele algo material ou imaterial, como o conhecimento e amadurecimento

pessoal. O heroi pode também ter empreendido uma jornada negativa, que lhe mudou

inesperadamente para o pior. Nesse caso o heroi volta ao ponto de partida, uma “estaca zero”

decepcionante (VOGLER, 1998).

Para além dos três grandes atos que constituem uma jornada do herói, Vogler (1998)

nos introduz também aos sub-capítulos que compõem cada ato. Essas etapas intermediárias

são relativas aos encontros do herói de uma jornada com demais personagens ou frente a

eventos que moldam os caminhos de uma determinada jornada do herói. Dessa forma, são

17

Page 24: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

momentos decisivos que fazem o herói avançar ou retroceder em sua missão. As etapas

intermediárias da jornada do herói se constituem em doze momentos diferentes.

A primeira etapa da jornada do herói é chamada Mundo Comum. Nela, o público

ouvinte de uma estória a ser contada ou de um filme a ser visto é apresentado ao mundo

cotidiano do herói. Em vista de que quase toda estória lida com um personagem que é retirado

de seu ambiente natural e levado para uma aventura em que esse personagem precisa se

adaptar ao novo ambiente para empreender sua jornada, é necessário que primeiramente se

demonstre como é o mundo natural do herói. Dessa forma, é possível criar um contraste entre

o ambiente amigável do herói e o desconforto do ambiente da jornada a ser empreendida, com

todos seus desafios e perigos a serem enfrentados.

Com o Mundo Comum devidamente apresentado ao espectador, surge a etapa que

deflagra toda a jornada do herói: o Chamado à Aventura. Neste período, o herói é defrontado

com um problema a ser resolvido. Esse problema pode ser de diversas ordens e pode se

materializar de diversas formas possíveis. Geralmente, o chamado é trazido por alguma

informação de algum outro personagem ou é um evento forte o suficiente para afetar o Mundo

Comum do herói. Quando defrontado com esse desafio a ser resolvido, o herói não se permite

mais o conforto de sua vida cotidiana, de seu Mundo Comum.

Logo após o Chamado à Aventura, temos a etapa da Recusa do Chamado. Apesar da

mensagem para impulsionar a jornada do herói ser suficientemente forte para tirar o herói de

sua zona de conforto, ela é necessariamente temível e perigosa. Para demonstrar a caráter de

desafio e dificuldade da execução da jornada a ser feita, a primeira reação do herói é negar a

jornada. É um momento em que um roteiro de cinema lida com emoções como medo e receio,

principalmente o temor de um mundo desconhecido. Durante esse momento de reflexão, o

herói medita sobre os pros e contras de empreender a jornada. Muitas vezes o herói necessita

de um estímulo extra, um conselho de outros personagens ou outro evento forte o suficiente a

ponto de estimular o herói a entrar na jornada.

A quarta etapa da jornada é o Encontro com o Mentor. O Mentor, juntamente do

próprio herói, é uma das figuras mais presentes e importantes de uma jornada do herói. Consta

em quase todo tipo de estória humana. Essa etapa vem logo em seguida da Recusa do

Chamado, pois esta etapa materializa a aceitação de herói de empreender uma jornada. Após

um herói meditar sobre se deve ou não aceitar uma jornada, ele é aconselhado por outro

personagem, o Mentor. O Mentor é muito ligado à figura de um mestre, um velho sábio.

Muitas vezes é um herói que já participou de uma jornada, portanto está em condições de

ajudar um herói em sua futura jornada. A função do Mentor é justamente preparar o herói a

18

Page 25: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

lidar com este mundo desconhecido que se apresenta a sua frente. Assim, através de

conselhos, treinamento ou mesmo de um objeto material, ele faz com que o herói se sinta

preparado para aceitar a jornada.

Após os conselhos do Mentor, o herói adentra na etapa de Travessia do Primeiro

Limiar. Esse trecho da jornada do herói separa o primeiro ato do segundo ato da estória.

Alguns autores como Syd Field (1995) marcam essa separação de atos em um roteiro de

cinema através de um evento importante chamado Ponto de Virada. Nesta travessia, o herói

definitivamente aceita a jornada e todas possíveis consequências que ela possa lhe trazer. É

onde realmente se inicia a aventura, o ponto de partida da jornada rumo ao Mundo Especial,

desconhecido e diferente do Mundo Comum ao qual o herói está habituado.

Passado o Primeiro Limiar, o herói é devidamente apresentado ao Mundo Especial na

etapa de Testes, Aliados e Inimigos. Primeiramente o herói passa por testes que o fazem

compreender as regras do ambiente novo que ele adentrou. Em meio a esses desafios é que se

apresentam e se firmam personagens que simpatizam com o herói e o ajudarão na sua jornada,

assim como inimigos que seguirão desafiando-o ao longo da jornada. Os testes desta etapa

farão com que aspectos psicológicos da personalidade de todos personagens venham à tona, já

que estão frente a uma situação de tensão e pressão.

Mais à frente existe a etapa da Aproximação da Caverna Oculta. Neste período o herói

- e seus aliados que o acompanham na jornada, se os mesmos existem – chega à fronteira do

lugar que guarda os objetivos da jornada. A entrada deste lugar, ou caverna, é

necessariamente uma antecipação de perigo, um ambiente calmo que prepara o tormento

futuro que será encarado pelo herói dentro deste lugar. É durante esta fase de preparação que

o herói se questiona novamente sobre seus motivos para empreender a jornada. Ao se sentir

suficientemente preparado, ele reafirma seus compromissos com seus objetivos e aceita à

jornada novamente.

Dentro do local que guarda os objetivos da jornada - a caverna -, o herói enfrentará

vários perigos. Perigos relativos a sua vida e a de seus companheiros. Em um determinado

desafio, ele passará pela sua maior provação até o momento, que pode envolver sua quase

morte. Esta é a etapa de Provação. Dependendo da estória, essa provação de vida ou morte

pode ser apenas metafórica, mas possui a mesma relevância. O herói será quase dizimado,

mas contra todas expectativas, ele sobreviverá. O fator que leva o herói a sobreviver à

Provação tem relação com a força de seus ideais, aquilo que o move na sua jornada.

Após passar por sua grande provação, o herói ganha a Recompensa que o fez

empreender a jornada. Neste momento da estória, o herói resolveu o problema principal com

19

Page 26: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

o qual tinha que lidar. Muitas vezes ele obtém uma recompensa física, como um pote de ouro,

uma arma especial, etcs. Outras vezes a recompensa é imaterial, ligada à valores e ideias.

Nesses casos, o conhecimento é o grande bem obtido pelo herói. Nesta etapa ocorre o segundo

ponto de virada, de acordo com Syd Field (1995), levando a estória ao seu terceiro e último

ato.

Adquirido o objetivo final da jornada, cabe ao herói fazer o Caminho de Volta. Apesar

de vencida a maior batalha, o herói precisa evitar as forças repressivas que ainda o rondam.

Essas forças podem ser também de natureza física ou mental. Se a grande Recompensa do

herói foi ter adquirido conhecimento, ele ainda precisa enfrentar o seu lado que não absorveu

esse conhecimento por completo. Além do mais, a jornada do herói só se torna válida na

medida em que ele consegue retornar ao seu Mundo Comum e ser reconhecido como um

herói vitorioso lá, levando suas conquistas para toda sua comunidade.

Ao decidir voltar para seu Mundo Comum, o herói precisa passar por um teste final.

Esta última provação também tem um caráter de situação de vida ou morte. O herói enfrenta

um acontecimento extremo, para sair ainda mais forte e purificado, comprovando os valores

da sua jornada. Esta é a sua fase de Ressurreição. Após “voltar dos mortos”, o herói está

definitivamente pronto para seu retorno ao lar.

De volta ao Mundo Comum, o herói encerra a sua jornada com o Retorno com Elixir.

O Elixir é outra metáfora, é o bem maior – físico ou não – que a jornada lhe proporcionou e

que deve ser testemunhado por seu povo. Com essa conquista em mãos e tendo internamente

se modificado através das experiências pelas quais passou, o herói encerra a sua jornada.

Mesmo que todo filme de ficção esteja dentro do padrão da jornada do heroi, é

possível verificar que há mais de uma forma básica de jornada. Dentre todas variações

possíveis, segundo Saraiva e Cannito (2004) pode-se dividir os filmes de ficção em quatro

narrativas primordiais: o melodrama, a tragédia, a comédia e a farsa. Esses conceitos não são

presos somente ao cinema de ficção, já que remetem à análise cultural feita por Aristóteles,

em seu livro “Poética”, ainda na Grécia Antiga.

A comédia é uma jornada do heroi típica. O mundo comum dos personagens é abalado

pela chegada de uma entidade ou evento inesperado, que deverá ser remediado ao longo dos

atos da jornada. Ao fim, o heroi é vitorioso, tendo completa sua jornada mudando à si e seu

mundo de maneira positiva.

O melodrama se caracteriza por ter um heroi que é apartado seu estado inicial positivo

por um bloco de inimigos que formam um mundo cruel e dissimulado. Saraiva e Cannito

(2004, p. 85) dizem que o início do melodrama é uma “situação através da qual o espectador

20

Page 27: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

possa compartilhar a sensação de solidão e desamparo do protagonista”. Boa parte do

desenrolar da estória melodramática está amparada em situações complicadas seguidas de

situações complicadas, de uma maneira quase capitular e sequencial. Após o heroi sofrer das

formas mais variadas, ele alcança seus objetivos e volta ao lar vitorioso, graças a sua

capacidade de se manter íntegro e respeitar o código de ética que desenvolveu ao longo da

jornada.

Na tragédia, o heroi está fadado a fracassar em sua jornada. Apesar de ser guiado pela

melhor das intenções ao se lançar em busca de seus objetivos, geralmente ele se torna algo ou

parte de algo com o qual ele não desejaria, mas cegamente caminhou rumo a esse destino.

Desenrola-se uma situação dramática sem solução, que acaba destruindo por dentro o heroi

que queria resolver a questão. Apesar de todo negativismo que a tragédia propoe, o heroi não

é um personagem fraco ou vítima de acontecimentos externos que se abatem sobre ele apesar

de suas qualidades. Os acontecimentos se abatem sobre ele justamente por ele ser ativo e por

ter decidido desafiar o ordem normal de seu mundo, apesar de todas indicações contrárias.

Na farsa o heroi se depara contra forças separadas que surgem uma após a outra, de

forma capitular. É um equivalente da estrutura do melodrama. Assim como no melodrama, o

heroi pode sofrer inúmeras provações, mas a intenção dramática não é a de comover o

espectador e criar empatia pelas agruras pelas quais o heroi passa. A maneira da farsa

conseguir causar humor e riso de situações penosas é o seu princípio de irrealidade ou

caricaturização. O princípio da falta de realidade pode fazer o público rir do heroi, dos

personagens ou de si mesmo, dependendo das formas que a farsa abordar suas questões

centrais. Apesar de os eventos da jornada do heroi possuírem respaldo no nosso mundo, eles

serão sempre exagerados ou simplificados ao ponto de afastar o espectador de sua densidade

emotiva, deixando à tona a real falta de lógica e o surrealismo das situações esdrúxulas dessa

jornada do heroi.

Tendo em vista as principais formas de expressão do cinema de ficção e de ficção, será

possível embasar esta monografia para ser realizada a análise fílmica das obras audiovisuais

Lula, Filho do Brasil (2010) e Peões (2004). Porém, para fazer a análise propriamente dita, no

capítulo seguinte será exposta a trajetória de vida de Luiz Inácio, baseada na documentação

oficial presente em biografias publicadas. Desta forma, será possível contrapor os fatos de sua

vida com a maneira com que eles são retratados no cinema.

21

Page 28: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

3 TRAJETÓRIA DE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA – DO SERTÃO AO

PLANALTO CENTRAL

Para o devido desenvolvimento do trabalho que se segue é pertinente o uso de material

acadêmico e teórico prévio para o embasamento competente do projeto e a busca posterior por

seus objetivos. Este capítulo abrangerá a história da trajetória pessoal e política de Luiz Inácio

Lula da Silva, de forma a poder primeiramente informar ao leitor do trabalho quem é o

personagem principal dos filmes Peões (2004) e Lula, Filho do Brasil (2010), que serão

analisados nos capítulos futuros. Para tanto se utilizou ao longo deste capítulo os materias

bibliográficos de José Nêumanne Pinto (2011), Denise Paraná (2009) e Richard Bourne

(2009)

Luiz Inácio da Silva é natural do sítio Vargem Comprido, Garanhuns, na região de

Caetés, interior do estado de Pernambuco. Nasceu no dia 27 de outubro de 1945, filho de

Eurídice Ferreira de Melo e Aristides Inácio da Silva. Veio ao mundo já sendo irmão de mais

seis filhos. A mãe Eurídice já havia perdido outros dois filhos para as condições adversas e

miseráveis do sertão. Apesar da casa cheia, na tarde em que Lula nasceu, seu pai estava a

milhares de quilômetros de distância, morando no litoral paulista com sua outra família

(PINTO, 2011).

A região onde Lula nasceu é a parte seca do sertão nordestino, a mais de 240 km da

capital do estado, Recife. Segundo Bourne (2009, p. 20), “quando Lula nasceu, essa era uma

região inóspita.” Não existia luz elétrica, nem água potável encanada. Era comum as famílias

espremerem-se em casas de dois cômodos, construídos pelos próprios membros da família de

maneira tosca. A casa da família de Eurídice, mais popularmente conhecida como Dona

Lindu, foi construída pelo pai de Lula e pelo seu tio, com simples telhado de palha e chão

batido de terra, tendo só o quarto principal um chão cimentado.

Segundo Pinto (2011, p. 42) “no semi-árido nordestino, o ciclo das secas transformou

o êxodo em rotina”. Dessa forma, Aristides deixou a mulher e os sete filhos quase à própria

sorte, fugindo da seca para arranjar emprego próximo a São Paulo e constituir lá a sua

segunda família, às escondidas de Dona Lindu. A outra mulher de Aristides era a tia de Lula,

conhecida como Mocinha. Aristides mantinha contato com a família do sertão através de

cartas que o filho mais velho escrevia, visto que Aristides era analfabeto. Junto dessas cartas,

o pai de Lula às vezes enviava algum dinheiro que tinha acumulado trabalhando como

estivador no porto de Santos.

22

Page 29: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Esses primeiros anos de vida de Lula foram alguns dos mais difíceis em matéria de

sobrevivência. Naquela época, as taxas de mortalidade infantil eram exorbitantes. Seja pela

falta de higiene, de água potável e de comida disponível, muitas crianças recém-nascidas no

sertão nordestino morriam no primeiro ano de vida. A falta de seu pai para o trabalho manual

da roça sertaneja dificultou ainda mais a parca utilização da terra e a caça de animais para as

refeições, o que exigiu de Dona Lindu um esforço homérico para que nenhum de seus filhos

morresse de desnutrição e doenças (PARANÁ, 2009).

A escassez de recursos para a subsistência se refletia na pobreza do cotidiano da

família de Lula. Por exemplo, o único móvel da casa era a cama de palha do casal. Todos os

filhos dormiam na sala-cozinha, em redes afixadas nas frágeis paredes. As refeições eram

feitas sentadas no chão de terra da casa, em potes de barro. Os filhos mais velhos tinham

colheres para comer. Lula não teve tanta sorte. “O café da manhã constava de feijão-de-corda

com farinha de mandioca, alimento por excelência do nordestino pobre”, sinaliza Pinto (2011,

p. 46). A água era retirada de poços cavados em leitos de rios secos. Com sorte, ainda se

encontravam reservas subterrâneas que eram retiradas e postas em jarros de barro, para depois

serem transportadas por vários quilômetros até a casa da família Silva.

Foi apenas com cinco anos de idade que Lula foi conhecer o pai. Aristides prestou

uma visita à primeira família em 1950. Veio junto dos filhos da outra família, que usavam

roupas novas e melhores que as dos filhos de Dona Lindu. Tinham também um luxo de

destaque: todos calçavam sapatos. O adereço era bastante incomum para a região. Anos mais

tarde, ficou célebre uma foto de infância de Lula, em que ele está usando sapatos que lhe

foram emprestados só para que a fotografia fosse tirada (PARANÁ, 2009).

Numa das raras visitas feitas por Aristides, ele levou consigo para Santos o seu filho

mais velho, Jaime, para que pudesse ajudar a trabalhar na cidade. Aristides, que não sabia

nem ler nem escrever, sempre pedia para o seu filho mais velho escrever as cartas para a

família no sertão. Certa feita, Jaime aproveitou a limitação do pai para enganá-lo, escrevendo

não o que o pai lhe ditava, mas sim o que ele realmente queria escrever para a família. Jaime

julgou que por mais pobre que ele, Aristides e a sua outra família ainda fossem, a vida urbana

dava mais oportunidades que o agreste nordestino. Além disso, Jaime tinha muita saudade do

resto da família. Foi assim que Jaime escreveu na carta para a sua mãe vender a pequena

propriedade e todos poucos pertences que possuíam, e assim vir para junto do resto da família.

Como o pai não sabia ler, nem soube o que o filho tinha planejado.

Depois de vender todas parcas posses materiais e de passar treze dias de viagem em

um caminhão “pau de arara”, Dona Lindu e seus agora oito filhos completaram seu êxodo

23

Page 30: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

rural. Ao desembarcar na casinha de Aristides e de sua outra prole, foram recebidos apenas

com perplexidade pelo pai. Segundo Pinto (2011, p. 50), “o estivador não manifestou o

mínimo entusiasmo por recebê-la, mas resmungou uma queixa irritada porque o clã havia

deixado Lobo, seu cão de estimação”. Foi dessa forma que começou e que se seguiriam os

próximos três anos da relação de Lula com seu pai ausente.

O cotidiano entre as famílias era tenso. Aristides não se mostrou mais presente do que

a família poderia esperar. Entre os filhos de Mocinha, irmã de Lindu, Aristides mantinha um

tratamento mais normal de pais e filhos. Esses ganhavam presentes e eram atendidos pelo pai,

apesar de serem os que ganhavam mais seguidamente os castigos físicos. Para os filhos de

Lindu, sobravam a antipatia e a falta de cuidado. Aristides preferia dar pão aos cachorros do

que ao seus filhos. Além disso, era alcoólatra e distribuía surras com frequência em alguns

dos filhos de Lindu também (PARANÁ, 2009).

Foi devido a um episódio de violência doméstica que Dona Lindu decidiu sair da casa

de Aristides, levando consigo sua prole. Segundo Pinto (2011), certa feita Aristides mandou

Ziza, filho mais velho, junto de Lula para que fossem verificar se sua canoa ainda estava

ancorada no local que ele a tinha deixado. Por conta de uma tempestade repentina, Ziza e Lula

decidiram voltar para casa no meio do caminho. Os dois mentiram, dizendo que a canoa

estava ancorada no lugar de costume. Quando Aristides foi verificar mais tarde, a canoa tinha

sido roubada. Enfurecido, ele voltou para casa surrando Ziza. Em seguida, avançou para cima

de Lula, que foi defendido pela mãe. Ela apanhou no lugar e decidiu ir embora de vez. Mesmo

sob ameaça de morte pelo marido, saiu para ir morar em um casebre de madeira podre na

zona litorânea de Santos.

Mais uma vez a subsistência da família era a questão principal na vida de Dona Lindu

e dos seus filhos. Analfabeta, Lindu fez questão de colocar os filhos para estudarem na escola

pública, contrariando as vontades do pai analfabeto. Segundo o pai de Lula, “tem esse negócio

de escola não, menino homem tem que trabalhar” (ARISTIDES APUD PINTO, 2011, p. 53).

De acordo com Paraná (2009), Lula e os irmãos Ziza e Maria Baixinha tiveram um

bom empenho no colégio, ganhando até prêmios para incentivar a leitura. Talvez o maior

reconhecimento desse empenho de Lula tenha se manifestado quando uma professora sua

propôs que Dona Lindu lhe entregasse o filho para criá-lo, porque assim ele teria algum

futuro. A mãe, irredutível, disse que filho não se entrega na mão dos outros.

Um dos irmãos de Lula, Vavá, mantinha um emprego no Mercado Municipal de

Santos. Certo dia, junto de Lula, Vavá encontrou um pacote envolto em jornais no mercado.

Tal foi a surpresa e alegria dos dois quando abriram o pacote: dentro haviam Cr$ 5.885,00,

24

Page 31: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

que na época valia a quantia de 35 salários mínimos. A sorte imensa dos dois irmãos trouxe

mais uma mudança para a família Silva. Após pagar os alugueis atrasados do barraco,

compraram passagem para a região do ABC paulista, na Vila Carioca (PINTO, 2011).

Em Vila Carioca, a família Silva novamente se encontrava em situação precária de

vida. Moravam em uma casa minúscula, em que as crianças dormiam no chão da cozinha. A

água vinha de apenas uma torneira. O banheiro era compartilhado pelos clientes do buteco,

que fazia parte do mesmo imóvel. O próprio Lula (APUD PINTO, 2011, p. 61) relembra que

“a gente tinha um fogão a querosene, que cada vez que acendia, quase incendiava tudo.” Não

havia móveis nem cadeiras.

Cada membro da família se virava para conseguir juntar um punhado de dinheiro.

Lula, como muitas crianças, começou na vida do trabalho infantil na cidade como engraxate.

Foi dessa forma que conseguiu seus primeiros trocados sobressalentes, que lhe rendiam

lanchinhos, garrafas de Tubaína e de vez em quando um ingresso para ir no cinema. Durante

essa fase da infância, Lula se apaixonou pelos filmes de aventura que passavam nos matinês

da cidade e dizia que quando crescesse iria ser ator (PINTO, 2011).

Em seguida, Lula trabalhou em um negócio de lavagem de roupas, de um vizinho. Seu

primeiro emprego formal foi de telefonista, no Armazéns Gerais Colúmbia. Curiosamente,

Lula era muito tímido, não conseguindo passar mensagens corretamente ou manter diálogos

claros com os interlocutores que lhe falavam ao telefone.

Quando Lula tinha 14 anos, a fábrica de parafusos Marte abriu vagas para a

contratação de menores que quisessem fazer o curso de torneiro mecânico do SENAI (Serviço

Nacional de Indústria). Lula se apresentou para o teste de admissão, levado orgulhosamente

por Dona Lindu. Segundo Pinto (2011, p. 65), o sonho da mãe de Lula “era ver o filho de

macacão sujo de graxa”, como mecânico. Admitido para o trabalho, Lula seguiria os

próximos quatro anos na fábrica Marte, dos quais passava seis meses do ano no curso do

SENAI e seis meses trabalhando na fábrica.

Completado o curso do SENAI e recebido o diploma, Lula foi falar com o patrão, de

quem era próximo por jogar peladas de futebol junto de seus filhos. Lula disse ao chefe que

estava ganhando pouco para quem já estava formado, e ainda por cima sua força de trabalho

estava rendendo mais do que a dos empregados mais velhos que recebiam o dobro que ele. O

patrão disse que ele não ganharia mais, já que foi investido dinheiro para Lula cursar o

SENAI. Lula resolveu se demitir e procurar um emprego melhor (PARANÁ, 2009).

Já nos anos 60, Lula presenciaria de forma prática as consequências de uma greve de

trabalhadores. Na época, Lula chegou a acompanhar alguns piqueteiros, trabalhadores em

25

Page 32: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

greve que ficavam nas portas de fábricas para se assegurar que nenhum trabalhador romperia

com a paralização. Esses trabalhadores que não respeitavam a greve da maioria eram

chamados de “fura-greves”. Os piqueteiros muitas vezes eram violentos, apedrejando as

janelas das fábricas e empresas. Certa vez em uma fábrica de meias, Lula testemunhou vários

piqueteiros invadindo o pátio da fábrica para parar os “fura-greves”. Alguém de dentro da

fábrica resolveu atirar contra os piqueteiros invasores, acertando um deles na barriga. Os

grevistas desarmaram o atirador e o atiraram janela abaixo, matando-o. Lula assistiu a tudo,

espantado (PINTO 2011).

Em 1964, Lula conseguiu um emprego na Fábrica Independência, um pequeno

negócio que contratava torneiros mecânicos. Trabalhando no turno da noite, era possível tirar

sonecas enquanto o patrão estivesse fora. Em uma dessas madrugadas, enquanto alguns

colegas dormiam, uma máquina se desregulou e um de seus parafusos quebrou-se. Lula

torneou outro parafuso, para substituí-lo. Quando foi colocá-lo na máquina, ainda sonolento,

Lula soltou o braço da máquina, esmagando com força a sua mão esquerda. Mesmo

severamente machucado e sangrando, teve que esperar até de manhã para ir a um pronto-

socorro. O médico que o atendeu resolveu amputar o dedo mínimo da mão esquerda. De todo

esse evento, Lula conseguiu apenas uma indenização da Fábrica Independência, da qual saiu

logo em seguida para conseguir salário melhor em uma fornecedora de componentes para

automóveis (PARANÁ, 2009).

Em 1966, Lula conseguiu o primeiro emprego em uma grande indústria do ABC

paulista, a Aço Villares. Lá o trabalho era duro e incessante. As máquinas eram operadas de

dia e de noite, cada turno com um trabalhador. Ali, Lula começou a observar uma competição

entre os operadores da máquina de um turno e de outro em que “fica cada um querendo fazer

mais do que o outro” (LULA APUD PINTO, 2011, p. 83). Entretanto, essa disputa por

eficiência não se revertia em um salário maior, era apenas movida pelo medo da perda do

emprego. Novamente foi na prática e observação que Lula aprendeu de forma simples o que

era a exploração do operário pelo patrão.

Os anos seguintes de trabalho na Villares transcorreram de forma normal. Lula não

estava envolvido com o movimento sindical existente. Quem o introduziu ao meio foi seu

irmão Ziza, o Frei Chico. Frei Chico já era simpatizante do Partido Comunista Brasileiro

(PCB) e mais ligado à política. Lula não se importava muito de ser um “alienado”, como seu

irmão lhe chamava, preferindo por exemplo ver novela na televisão (PARANÁ, 2009).

Em 1969, Frei Chico trabalhava em uma empresa de carrocerias de caminhão. Ele

queria disputar uma vaga em uma chapa para a direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São

26

Page 33: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Bernardo do Campo e Diadema. Os planos de Frei Chico foram podados, em vista de que já

havia um colega da mesma empresa na chapa, impossibilitando sua candidatura. Como Lula

trabalhava na Villares, Frei Chico resolver colocar o irmão no seu lugar. Lula não tinha a

mínima vontade, mas atendeu ao pedido do irmão para ir assistir com os próprios olhos como

era uma assembleia sindical. Acabou tomando gosto pelos enfrentamentos retóricos e

ideológicos entre os participantes do sindicato (PINTO, 2011).

Dias depois, Lula compareceu em um almoço que definiria os membros da chapa

sindical. Entre os presentes estava Paulo Vidal Neto, que já fazia parte da chapa atual como

primeiro-secretário e agora queria disputar uma chapa como candidato à presidência do

Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Os presentes tentavam

convencer Lula de que valia a pena fazer parte do sindicato. À contragosto da sua noiva

Lourdes, Lula aceitou fazer parte da chapa. Lourdes achava que Lula seria perseguido na vida

sindical e ameaçou desmarcar o casamento se ele realmente fosse concorrer. No fim, ela

aceitou e a chapa de Lula e Paulo Vidal foi vencedora (PINTO, 2011).

Paulo Vidal foi o grande iniciador da vida sindical de Lula. Diferentemente das

correntes sindicais vigentes, Paulo Vidal tinha uma proposta autêntica e prática de

sindicalismo. Não queria seguir nem a linha sindicalista “pelega”, como era dito de sindicatos

que eram ligados diretamente ao governo que estivesse vigente, nem a linha “ideológica” ou

“comuna”, como era o sindicalismo que recebia a influência de militantes pró-soviéticos do

PCB. Paulo Vidal tinha como objetivo tratar de conseguir melhorias de direitos para os

metalúrgicos, negociando junto com os patrões ou agindo contra os mesmos se necessário.

Acerca do estilo sindical de Paulo Vidal, Pinto (2011, p. 91) nos revela que ele “foi o

verdadeiro criador da estratégia de negociação em separado com os sindicatos, o pai do

sindicalismo autêntico do ABC nos anos de 1970, o criador (involuntário) de Lula”.

No primeiro mandato da chapa de Paulo Vidal na presidência do Sindicato dos

Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema foi proposta a criação de um

departamento que ficasse encarregado especialmente do atendimento previdenciário dos

associados do sindicato. Lula encabeçou esse departamento, o que lhe deu os primeiros

contatos com o universo jurídico e organizacional trabalhista. Ao mesmo tempo, Lula já pode

ver a realidade da vida sindical de então, que apesar dos belos discursos nas assembleias

“essas belas palavras eram negadas na prática por uma politicagem de futricas, pichações e

interesses meramente pessoais” (Pinto, 2011, p. 92). Esse contraste entre discurso e prática

quase levou Lula a desistência de concorrer uma segunda vez na chapa de Paulo Vidal para a

presidência do sindicato, mas Vidal conseguiu convencê-lo a permanecer.

27

Page 34: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

No segundo mandato da chapa de Paulo Vidal no sindicato, Lula assumiu como

secretário-geral. Desta vez, Vidal conseguiu colocar mais em prática suas ideias de

sindicalismo autêntico. Em 1974 foi feito o 1º Congresso dos Metalúrgicos de São Bernardo

do Campo e Diadema, um passo importante para redefinir as práticas sindicalistas da época.

As negociações seriam realizadas diretamente com os empregadores, ao invés de perpassar

primeiro pela Justiça do Trabalho e pelo Ministério do Trabalho, que monopolizavam as

relações trabalhistas da época e eram atrelados às políticas do Estado brasileiro. Osmar

Mendonça (APUD PINTO, 2011, p. 95), também líder sindical da época, diz que “esta talvez

tenha sido a maior contribuição de Paulo Vidal para a história e lutas futuras da entidade e dos

trabalhadores do ABC”.

Em 1975, Paulo Vidal teve que se afastar formalmente da direção do sindicato porque

a empresa onde era empregado se realocou para uma região fora de São Bernardo e Diadema.

Dessa forma ele tentou organizar um sucessor para ocupar seu lugar e ainda manter sua

influência. Lula acabou sendo o escolhido e apesar de inicialmente contrariado, aceitou ser o

presidente do sindicato de 1975 até 1978. Paulo Vidal nunca abandonou o sindicato por

completo, por exigência do próprio Lula. Paulo achava que Lula seria fácil de controlar e

manipular, já que ainda era tímido nos palcos dos sindicatos. Com o tempo, Lula foi

adquirindo força própria no sindicato, afastando Vidal das decisões (PARANÁ, 2009).

Em 1975, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e

Diadema com 92% dos votos dos seus membros. Já era um cargo de poder considerável: sob

sua guarda estavam quase 100.000 trabalhadores associados. Na presidência do sindicato,

seguiu promovendo as mudanças que Paulo Vidal havia iniciado anteriormente,

transformando o sindicato em uma ferramenta de negociação de direitos para os trabalhadores

ao invés de um simples centro sucateado de benefícios médicos e dentários, como era comum

até os anos 70 no Brasil (PINTO, 2011).

Ainda em 1975, Lula pela primeira vez colocou os pés pra fora do país, indo para o

Japão em um congresso da Toyota. Mal pode aproveitar a viagem, pois recebeu um

telefonema alarmante: Frei Chico, seu irmão mais velho, estava desaparecido. Frei Chico era

nessa época presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano e mantinha uma

militância clandestina atrelada ao Partido Comunista do Brasil, que agia às escondidas durante

a ditadura militar. Lula voltou do Japão e junto do advogado do sindicato foram nas

delegacias de polícia procurar Frei Chico. Depois de certo tempo e insistência, descobriram

que ele estava preso no DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de

Operações de Defesa Interna) de São Paulo. Após ser torturado por mais de uma semana, sem

28

Page 35: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

ter nenhuma informação de relevante para o regime militar, o irmão de Lula foi solto

(PARANÁ, 2009).

Ainda na sua primeira gestão como líder sindical, Lula liderou protestos dos

trabalhadores por melhores condições de trabalho, em que além de criticar os empresários das

fábricas já criticava as políticas trabalhistas do governo em geral. Em 1977 foi organizada a

primeira grande campanha de reposição salarial dos metalúrgicos. Em 1978, Lula se

candidatou para a reeleição na liderança do sindicato. Conseguiu falcilmente a vitória, agora

com 98% dos votos. A sua capacidade de orador estava cada vez melhor e impressionava

mais os seus liderados. Com isso, seus discursos foram se tornando mais ásperos e

reivindicatórios (PINTO, 2011).

Em 1978, no feriado do dia do trabalhador, 1º de maio, o sindicato de Lula realizou

outro ato de protesto contra as condições em que vivia a classe trabalhadora. Nesse momento,

não se falava abertamente na possibilidade de realizar greves como forma de reinvindicação,

já que as mesmas eram proibidas pelo regime militar. Apesar disso, doze dias depois do ato

do sindicato os trabalhadores da automotiva Scania resolveram espontaneamente parar de

trabalhar. A semente estava plantada, e seguiu germinando dia após dia, com novas greves

sendo deflagradas em diferentes fábricas. Era um fenômeno completamente novo. Lula e sua

dirigência sindical tinham tanta experiência em greves como qualquer um dos metalúrgicos

(PARANÁ, 2009).

As greves de 1978 foram bem conduzidas pelo sindicato, alcançando alguns benefícios

para a classe. Um dos maiores deles talvez tenha sido involuntário: a mídia brasileira se

interessou pelo fenômeno que ocorria no ABC paulista e pelo líder sindical. As greves saim

das páginas policias para entrarem na seção de política e economia dos grandes jornais e

revistas, e Lula começou a se tornar uma figura nacional (PINTO, 2011).

No ano de 1979 o movimento sindical conseguiu um feito ainda maior que no ano

anterior: deflagrou uma greve geral dos metalúrgicos. Foi realizada assembleia no estádio da

Vila Euclides. A quantidade de trabalhadores foi muito além do esperado o que nos primeiros

dias exigiu muita improvisação da organização, com um palco feito de mesas de bar e as

palavras de Lula sendo transmitidas sem microfone, de boca em boca pelos próprios

metalúrgicos. A greve geral durou 15 dias. Lula e sua liderança sindical perceberam que a

situação das negociações não estavam andando, tendo o sindicato sob intervenção

governamental e tropas de choque forçando o encerramento das assembleias no estádio de

Vila Euclides. A situação piorou quando 20.000 metalúrgicos se reuniram para uma

manifestação em frente à prefeitura de São Bernardo. Foram recebidos por tropas de choque

29

Page 36: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

federais com mil soldados. A situação quase levou a uma tragédia, não fossem o apoio de

líderes do então Movimento Democrático Brasileiro, de membros da Igreja Católica

progressista e do próprio prefeito de São Bernardo, Tito Costa, para apaziguar o confronto.

Foi a partir desse momento que Lula e a classe trabalhadora entravam em contato com as

comunidades de base da Igreja Católica, ligadas à Teologia da Libertação (PINTO, 2011).

Após 15 dias de greve geral, Lula pediu que os metalúrgicos realizassem uma trégua

de 45 dias de trabalho, para que as negociações com as patronais pudessem ser retomadas

com mais calma. No fim, foi conquistado um acordo positivo com a indústria automobilística,

apesar de Lula receber críticas por ter supostamente traído a sua classe. Para acalmar as

críticas, Lula realizou uma assembleia do sindicato convocando uma nova eleição para a

diretoria. Lula e sua diretoria foram aplaudidos pela imensa maioria dos metalúrgicos e assim

foram mantidos no posto.

No ano seguinte de 1980 foi deflagrada a maior greve dos metalúrgicos até então. A

paralização geral foi levada ao longo de 41 dias e sofreu diversas intervenções federais. Logo

de cara, os órgãos governamentais declararam a greve ilegal, o que permitiu a prisão de todos

dirigentes sindicais da chapa de Lula. O governo achava que prender a direção sindical no

DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) impediria o prolongamento da greve.

Estavam redondamente enganados, pois os trabalhadores estavam suficientemente

organizados para continuar a greve nas comissões de fábricas, piquetes, grupos de bairro e nas

eucaristias. Lula e a liderança do sindicato ficaram presos por um mês, enquanto a greve

seguia e sua mãe, Dona Lindu, padecia de câncer no útero. A mãe de Lula morreu quando ele

ainda estava preso. O DOPS permitiu à Lula ir ao enterro da mãe, em que foi ovacionado

pelos presentes, sendo logo em seguida levado devolta à cela. Sem conseguirem algum acordo

razoável, a greve acabou com poucos ganhos reais para os metalúrgicos. Depois de acabada a

greve, o governo decidiu soltar os líderes sindicais junto de Lula. (PINTO, 2011)

Apesar da derrota na questão grevista, a greve de 1980 chamou ainda mais atenção

para o papel de Lula como um líder. Além disso, o envolvimento ainda maior das

comunidades de base da igreja católica, com destaque para a atuação de Frei Beto, estreitou as

relações de setores da classe trabalhadora explorada com os religiosos. Essas forças, junto de

membros da esquerda anistiada pelo governo em 1979, da classe artística e de membros de

movimentos sociais faria parte da sopa primordial que formaria o Partido dos Trabalhadores.

Nas palavras do próprio Lula (APUD PINTO, 2011, p. 169) “o ganho político que nós

tivemos resultou na criação do PT, da CUT e na chegada daquele líder do sindicato à

presidência da República”.

30

Page 37: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Apesar de a ideia de organizar um partido de trabalhadores já tivesse sido discutida

desde início de 1979 em um dos Congressos dos Metalúrgicos, foi oficialmente no início de

1980 que foi lançada a pedra fundamental para a fundação do PT. Foi no Colégio Sion, sob o

abrigo dos católicos. Logo em seguida, os futuros petistas foram atrás de apoio no sindicato

dos jornalistas. Em outubro do mesmo ano, o PT já contava com vários membros e suficiente

presença em diversos estados para poder ser oficializado perante as exigências das leis

eleitorais (PINTO, 2011).

Ainda na época da fundação do PT, Lula passou a apoiar o então membro do PMDB e

sociólogo Fernando Henrique Cardoso a uma vaga ao Senado. Assim, começou a entrar em

contato com a vida política. Com o PT fundado e a possibilidade de eleições diretas para

todos cargos políticos exceto presidente da república, em 1982 Lula se candidatou à

governador do estado de São Paulo. Ficou em quarto lugar na votação.

Em 1986, Lula conseguiria seu primeiro posto político como deputado federal. Desta

vez foi uma vitória importante. Além do PT eleger mais outros 16 deputados, Lula foi o mais

votado no país para a Câmara dos Deputados. Durante esses anos conturbados as casas

legislativas do Brasil ficaram encarregadas de redigir a nova Constituição. A bancada petista

em boa parte rechaçou a nova carta de 1988, muito em razão de terem sido afastados do

projeto, que ficou encabeçado pelos membros do recém formado PSDB (Partido Social

Democrata Brasileiro) Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Mário Covas (PINTO,

2011).

Em 1989, o povo brasileiro finalmente voltaria a exercer por voto direto a escolha para

presidente da República. Naquela eleição havia a enorme quantidade de 20 candidatos ao

executivo. Além do próprio Lula, dentre os candidatos com maior destaque estava o líder da

esquerda no exílio Leonel Brizola, do Partido Democrático Trabalhista. Brizola era uma

figura conhecida brasileira, com destaque por ter sido o único brasileiro a ter governado dois

estados diferentes, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro por duas vezes. Apesar de ambos

pertenceram à esquerda brasileira, Brizola e Lula nunca se entenderam bem. Brizola sempre

reclamou de ter sido mal recebido por Lula no ABC paulista.Lula via com desconfiança a

aproximação de um político que não era oriundo do meio em que ele e os metalúrgicos eram,

tal qual as aproximações do PCB nos sindicatos nos anos 60 e 70 (PINTO, 2011).

Dentre os inúmeros aventureiros na disputa eleitoral que eram desconhecidos do

público brasileiro estava o governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello. Contando com

apoio de um amigo dentro do instituto de pesquisas Vox Populi, Collor conseguiu

informações privilegiadas sobre os maiores anseios do brasileiro: estabilidade econômica e

31

Page 38: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

vontade de novidade, o que não queria dizer mudança radical. Collor habilmente soube

traduzir em discursos, debates e propagandas televisivas essas vontades do eleitorado. Por ser

um rosto novo, desvinculado da dita “velha política”, acabou conquistando muita atenção. Em

vista desse contexto, meios de comunicação como a revista Veja e a emissora Rede Globo

passaram a apoiar a sua candidatura, mesmo que a preferência deles fosse inicialmente por

Mário Covas do PSDB (PINTO, 2011).

No primeiro turno da campanha de 1989, Collor saiu na frente com 28,52% dos votos.

Lula quase empatou com Brizola, saindo um pouco a frente com 16,08% do eleitorado.

Mesmo com inúmeras trocas de acusações nada amigáveis durante o primeiro turno, Brizola

declarou apoio ao líder sindical. Apesar do otimismo dessa união para o segundo turno, Lula e

o PT tinha muitas pedras no sapato para administrar. Além da inexperiência na administração

pública, Lula era a cara do radicalismo no Brasil, apresentando projetos de calote na dívida

externa e reforma agrária que mais afastavam votos, não importando a classe social.

Pinto(2011) ainda diz que, em última instância, pode-se atribuir a derrota nessa eleição ao

isolamento político do PT, que em nenhum momento cogitou fazer um governo de coalizão se

juntando com políticos tradicionais do PMDB ou PSDB.

No decorrer dos anos seguintes à derrota eleitoral, com Collor posto e retirado da

cadeira de presidente pelo povo brasileiro, Lula permaneceu alheio aos governos de Itamar

Franco e Fernando Henrique. Ao invés de procurar alianças com outras forças políticas, a

estratégia adotada era reforçar a força do próprio PT e a figura de Lula como homem do povo.

Nesses períodos começaram as Caravanas da Cidadania. Inicialmente, Pinto (2011, p. 219)

nos diz que “Lula teve a ideia genial de refazer o trajeto do menino retirante, partindo de

Caetés, no agreste pernambucano, para chegar a Vicente de Carvalho, no litoral paulista”.

Como a Coluna Prestes, os petistas percorreram o interior do interior do Brasil. Eram

carreatas e comícios de cidade pequena em cidade pequena, para assim se aproximar da base

do eleitorado e entender melhor o que o público esperava de um governante.

No governo substituto de Itamar Franco, vice do derrubado Collor, Fernando Henrique

do PSDB entrou como Ministro das Relações Exteriores e acabou no Ministério da Fazenda.

Mesmo desconfortável em um primeiro momento, foi ali que juntamente de economistas

como Pérsio Arruda, Pedro Malan e Gustavo Franco que o Plano Real foi tecido. Lula,

aconselhado pelos palpites do economista petista Aloízio Mercadante, passou a defenestrar o

plano, dizendo que seria outro tapa-buraco mal feito como o Plano Cruzado da era Sarney. A

prática traiu a teoria, deixando Lula com uma imagem negativa e Fernando Henrique como o

“pai do Real”, aquele que acabou com a hiperinflação. Basicamente “foram a moeda forte, a

32

Page 39: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

estabilidade econômica e a paz social por ela produzida” (PINTO, 2011, p. 221) que

passariam a eleger Fernando Henrique para mais duas gestões presidenciais.

Na campanha de 1994, Lula tentou se candidatar em uma chapa puro sangue, com

Mercadante do PT como vice-presidente. O sucesso do Plano Real elegeu Fernando Henrique

já no primeiro turno. Lula manteve-se isolado do poder, criticando o governo do tucano

sempre que possível. Em meio ao seu mandato, FHC aproveitou a popularidade e encaminhou

projeto de lei que permitisse a reeleição presidencial, mediante diminuição do mandato

presidencial de 5 anos para 4 anos. Aprovada a emenda, FHC acabaria sendo reeleito contra

mais uma candidatura de Lula. Pinto (2011, p. 222) nos mostra que foi nessa eleição que “o

PT fez sua primeira concessão ao seu projeto de isolacionismo político” oferecendo a cadeira

de vice-presidente para Leonel Brizola. Esse processo de abertura política petista se mostraria

vitorioso no futuro.

Para a eleição de 2002, a abertura política de Lula foi ainda maior. Dessa vez o PT

inovou na escolha do vice-presidente: o milionário industrial têxtil José de Alencar. A filiação

de Alencar era outro indicativo de mudança política, já que o mesmo era do Partido Liberal,

conservador e aberto à iniciativa privada e ao capital global, em contraste com as ideias de ex-

guerrilheiros de esquerda que figuram nos quadros do PT. Na questão religiosa também foi

uma novidade, em vista da base eleitoral evangélica de José de Alencar, diferente dos cristãos

democratas e teólogos da libertação da base católica do PT. Por fim, José de Alencar tinha sua

base em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país e sempre palco de disputas

acirradas (PINTO, 2011).

Para finalizar a “conversão” da candidatura de Lula, foi elaborado um documento

chamado Carta ao Povo Brasileiro. Nele, o então candidato rechaça projetos antigos de suas

candidaturas, como o rompimento com a economia aberta global, o calote na dívida externa, a

expropriação de terras para a reforma agrária e a estatização de setores estratégicos da

economia. Essa guinada completa acabou por atrair outras forças políticas, como o PTB e o

PMDB que apoiou os governos FHC. O próprio ex-presidente José Sarney, muito criticado

por Lula durante todo seu governo, aproximou-se do ex-sindicalista depois de se indispor com

membros da cúpula do PSDB por conta de investigações da Polícia Federal contra sua filha,

Roseana Sarney.

Na campanha, Lula mudou completamente de tom e figura. Seu estilo foi mais

apaziguador de ânimos e menos calcado na crítica dura aos oponentes e governos passados.

Os eleitores brasileiros não eram mais “companheiros” do chão da fábrica. Agora Lula se

dirigia ao eleitorado como “meus amigos e minhas amigas”. Ao invés de ataques ao passado,

33

Page 40: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

sorrisos vislumbrando o futuro brilhante do país. A equipe de marqueteiros políticos,

capitaneados por Duda Mendonça, foi uma das principais responsáveis por essa mudança de

tom na comunicação da campanha, que ficou conhecida como “Lulinha, paz e amor” (PINTO,

2011).

A tão cobiçada chegada ao Palácio do Planalto finalmente se concretizaria nessa

eleição de 2002. Além de todas mudanças e de suas competências como comunicador de

massas, Lula se beneficiou dos desgastes do PSDB e de FHC, que em seu segundo mandato

não conseguiu enfrentar problemas como crises econômicas internacionais e apagões

elétricos. Quase ganhando em primeiro turno, com 46% dos votos, José Serra foi derrotado no

segundo turno com facilidade.

A vitória de Lula foi mais uma prova de sua maior característica como sindicalista

autêntico que foi: um hábil negociador. Pinto (2011, p. 224) conclui que Lula “já era muito

maior que o PT, este é que não sabia”. Lula, à revelia e contragosto de alguns de membros de

seu partido, conseguiu fazer o que sempre soube fazer na sua experiência sindical, costurando

apoios inusitados que permitiram a chegada do primeiro operário brasileiro ao poder máximo

da República. A popularidade recorde de seus dois governos confirmariam que em termos de

comunicação e de “jogo de cintura” político, as estratégias de Lula na obtenção e manutenção

do poder se mostraram as mais eficientes de toda história da república brasileira até hoje.

Parte deste poder de comunicação do ex-presidente pode ser averiguado no uso de um dos

mais importantes e influentes meios de comunicação da humanidade: o cinema.

34

Page 41: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

4 LULA NO CINEMA

A fim de verificar como a biografia de Lula já foi aplicada no meio audiovisual, é

necessário percorrer e verificar as aparições de Lula no cinema brasileiro até hoje. O capítulo

a seguir se debruçará sobre o livro de Marina Soler Jorge, Lula no Documentário (2011), para

fazer suas aferições.

Assim como sua trajetória pessoal, a vida de Lula começa a aparecer no cinema a

partir do momento em que ele começa a ser uma figura de proeminência nacional, justamente

no período das greves de 1979 e 1980, na região do ABC paulista, nas cidade de Santo André,

São Bernardo e São Caetano, berço da indústria metalúrgica e consequentemente dos

movimentos operários. É graças a este evento que acabam sendo produzidos três filmes

documentários, que marcam as primeiras aparições de Lula no cinema.

Na época das greves do ABC paulista Lula era presidente do Sindicato dos

Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Em 1979 Lula já fazia parte da vida

sindical de sua categoria por mais de dez anos. Em boa parte deste tempo Lula já

desempenhava papel de liderança operária. Graças a esse papel, acabou se tornando referência

para os trabalhadores mais do que qualquer um de seus companheiros de chapa sindical,

fazendo com que ele fosse reconhecido pelos próprios metalúrgicos como seu líder e porta-

voz. Portanto, não é de surpreender o fato de que ele logo desempenha papel de protagonista

nas suas primeiras aparições no cinema, mesmo quando o principal assunto sendo

desenvolvido não seja ele, mas o movimento grevista.

Durante estes anos de 1979 e 1980 foi deflagrada uma paralisação geral dos

metalúrgicos do ABC, em campanha para melhorar seus salários e condições de trabalho.

Mesmo em fins de ditadura, com a sinalização de abertura política do recém-empossado

presidente General João Batista Figueiredo, o clima de tensão era enorme. A repressão e

perseguição policial eram de praxe nas manifestações de rua ou nos piquetes nas frentes das

fábricas. O Ministério do Trabalho interviu, impedindo espaços públicos de serem usados

para as assembleias dos metalúrgicos, além de afastar e prender os líderes sindicais.

Três filmes documentários tentam relatar o acontecido durante o período das greves

dos metalúrgicos, cada um a sua maneira e com ferramentas cinematográficos que moldam a

visão dos autores dos filmes sobre os acontecimentos e acabam por passar para o público uma

percepção específica sobre as greves e sobre o líder do movimento, Luiz Inácio Lula da Silva

(JORGE, 2011).

35

Page 42: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Primeiramente podemos relatar o média metragem Greve!, de João Batista de

Andrade, filmado em 1979. Ao longo de seus 36 minutos de duração, o documentário se

utiliza de entrevistas e narração para contextualizar o movimento grevista e para dar voz para

os metalúrgicos que participam ativamente da greve. Segundo Bernardet (apud Jorge, 2011,

p. 123) trata-se de um filme que possui “a intenção, não de fornecer uma análise sociológica

ou política do fenômeno, ou pelo menos se limitar a isso, mas de se inserir na ação”. Greve! é

um filme do imediato, que capta o desenrolar de fatos no ABC paulista conforme eles

acontecem, quase como um telejornalismo que relata um fato bombástico, mas não sabe nem

mede as consequências ou causas do tal fato. Assim, o média-metragem foca em eventos

chamativos da greve de 1979 e contrapõe entrevistas com trabalhadores da greve com

entrevistas daqueles que ou não participam da greve ou não a apoiam ou fazem parte do

instrumento estatal repressor à greve.

O filme acompanha mais de perto os metalúrgicos que participam das greves. O

espectador é convidado a ouvir esses sujeitos grevistas, à época uma parcela praticamente

invisível e muda nos meios de comunicação do Brasil. Esse caráter de ineditismo da voz do

trabalhador explorado é um dos pontos mais fortes do filme. Os próprios metalúrgicos

utilizam a presença das câmeras como um púlpito de denúncias, falando de sua condição de

exploração e trabalho duro, além da repressão policial e estatal contra o movimento grevista.

Junto de tais denúncias, temos a comprovação da fala dos trabalhadores com imagens de

policias batendo em pessoas na rua, prendendo grevistas, utilizando bombas de gás para

dispersar multidões, acompanhados de cães e montados como cavalaria perseguindo

manifestantes (JORGE, 2011).

Em seu primeiro segmento, o filme contextualiza a situação de pobreza e exploração

dos metalúrgicos de maneira básica, demonstrando ao espectador que a greve por melhores

salários é minimamente justa. Tão logo se instaura a greve, o documentário enfatiza a

presença policial nas ruas do ABC, a intervenção no sindicato por parte do Ministério do

Trabalho, o afastamento de Lula e da diretoria do sindicato dos metalúrgicos e a proibição de

utilizar o estádio de Vila Euclides como local de assembleia. Após relatar estes fatos, a

narração onisciente sentencia: “O ABC se torna uma praça de guerra”. São utilizados

novamente inúmeros planos mostrando a repressão policial às manifestações de rua, levando

ao espectador a percepção de que o radicalismo do movimento grevista aumentou somente

como resposta às pressões estatais.

Lula surge no filme neste momento de intervenção federal no sindicato. Ele é uma

figura um tanto quanto distante, nunca é entrevistado nem biografado por algum relato ou

36

Page 43: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

pelo narrador do filme. O autor do filme, João Batista de Andrade, não faz questão de

informar ao público quem é esse sujeito quase messiânico. Não é relatada nenhuma biografia

ou perfil de Lula, sabemos dele através da palavra de outros metalúrgicos, através de imagens

das assembleias lotadas e através das falas que ele profere em rádios ou nestes eventos

públicos.

O filme prefere dar voz ao metalúrgico comum, o anônimo que de forma madura, e

numa escala até então inédita no país, resolveu exigir seus direitos com uma paralisação

massiva de sua categoria. Não obstante, Lula aparece como o exemplo em quem o

metalúrgico em geral deve mirar e se inspirar, já que ele conseguiu convencer a sua categoria

e sindicato a levar adiante uma greve geral. Ao longo do filme os metalúrgicos citam que Lula

deu o exemplo para a sua categoria, ensinou que a união entre os trabalhadores superará

qualquer adversidade e assim eles conseguirão ter seus direitos atendidos. É por isso que ele é

um líder que é ouvido pelos metalúrgicos.

Greve! como um todo é um filme bastante passional, e esse aspecto ele também leva

para a interpretação que se pode tirar do papel de Lula no movimento grevista. Apesar de

falas de metalúrgicos enfatizando que mesmo com a diretoria do sindicato afastada ou mesmo

que prendam Lula o movimento continuará, há várias cenas que contrapõem e discordam

dessas falas mais otimistas de certos operários. Em uma cena de uma assembleia lotada, já

após a intervenção federal no sindicato e o afastamento da diretoria, é possível presenciar que

os trabalhadores em geral sentem falta da figura do presidente do sindicato conduzindo as

falas. Em muitos momentos os metalúrgicos clamam por Lula, mesmo em meio à fala de

outros líderes sindicais. Acompanhado destas cenas temos uma narração corrobando com essa

visão de que os metalúrgicos ainda não alcançaram um grau de autonomia e organização em

relação a suas lideranças. A visão do filme sobre as lideranças do movimento é expressa na

narração onisciente, que sentencia que os grevistas padecem de má organização e podem levar

a greve ao fracasso. Novamente quem acaba se sobrepondo é a imagem de Lula, o inegável e

necessário líder daquelas massas.

Apesar de o filme nunca debater sobre Lula, suas origens, suas motivações, seu real

papel na organização da greve, suas qualidades ou feitos que o tornam apto para ser a

liderança do movimento metalúrgico, ele aparece como alguém indispensável para o

movimento naquele momento histórico. O final do filme é bastante explícito nesta posição,

mostrando que devido à persistência da greve, o governo recuou na intervenção do sindicato,

garantindo a volta de Lula e sua diretoria. O que se segue para demonstrar isso é uma cena de

uma assembleia no estádio de Vila Euclides, em que Lula é carregado nos ombros pelos

37

Page 44: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

companheiros metalúrgicos até chegar ao palanque em que declararia a volta da diretoria do

sindicato. Contrariamente ao retorno triunfal, Lula sugere que a greve dê uma trégua de 45

dias enquanto se retomam as negociações com os empresários e com os órgãos

governamentais. Apesar do suposto retrocesso no radicalismo do movimento, Greve! se

encerra com esta cena forte, de um líder que retorna ao seu posto merecido, é escutado por

todos e tem a aprovação de todos, mesmo com uma mensagem pouco acalentadora. Jorge (p.

137, 2011) reafirma este caráter de imagem positiva e messiânica de Lula, que mesmo

mantido à distância, o filme “ao final, também toma para si a admiração que essa classe sente

por seu líder, uma admiração que é vista aqui não apenas como uma necessidade de

organização do movimento, mas também algo da ordem emocional”.

Assim como Greve!, o filme ABC da Greve, de Leon Hirszman, também foi filmado

ao longo do ano de 1979. Comparado ao documentário anterior, ele trata os acontecimentos

do período com maior imparcialidade e explorando as complexidades e contradições dos

personagens que compunham o movimento das greves. Quanto à representação de Lula e da

massa trabalhadora dos metalúrgicos “Leon Hirszman prefere sugerir a variada gama de

pensamentos e posições dentro da classe trabalhadora do que teorizar sobre elas” (Jorge, p.

140, 2011). Esta heterogeneidade entre os grevistas e os acontecimentos postos em prática por

eles se demonstra em vários aspectos: na repressão policial, na intervenção governamental no

sindicato, na postura de Lula nas assembleias, na volta da diretoria do sindicato depois da

intervenção, nas aprovações dos acordos coletivos nas assembleias, etcs.

Primeiramente, o filme trata de dar um panorama sobre a vida dos metalúrgicos e sua

batalha cotidiana, ao invés de um enfoque completamente voltado para as lutas que se

desenrolavam com as greves. Através de várias entrevistas com trabalhadores, Leon Hirszman

mostra como são as condições de trabalho, carga horária, material de proteção, salários

congelados e baixos, que não pagam por boas condições de vida e nem bens de consumo. Há

também espaço para o espectador compreender as diversas origens dos metalúrgicos, as

motivações para a profissão, a busca por emprego fixo, a luta por uma vida mais digna. Com

esta exploração maior da situação vivida por diferentes metalúrgicos individualmente,

permanece a impressão de que os metalúrgicos, seja grevistas ou não, são uma massa enorme

de pessoas muita diferentes, mas com condições sociais semelhantes.

Se em Greve! a câmera sempre se manteve à distância das forças policias, registrando

a repressão aos grevistas, com cenas de brutalidade, enfatizando a diferença entre os dois

grupos, em ABC da Greve surge o diálogo. Há várias cenas de negociação direta entre chefes

da polícia e grevistas, combinando como fica a situação dos piquetes na frente das portas das

38

Page 45: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

fábricas. Inúmeras vezes a polícia sinaliza que não agirá a não ser que seja necessário conter

um enfrentamento. Por sua vez os metalúrgicos se comprometem a mobilizar os

companheiros para atuarem longe da porta das fábricas.

Outro aspecto de pluralidade presente em ABC da Greve é que Lula é um líder

importante para o movimento, porém trata-se de um entre vários dos líderes sindicais do

movimento organizado dos metalúrgicos. Há inúmeras líderes que se pronunciam nas

assembleias. Mesmo que todos sejam da mesma diretoria do sindicato e concordem em geral

com as mesmas causas e táticas, a presença de outras vozes e porta-vozes dos metalúrgicos

faz parecer que a liderança de Lula é uma construção coletiva. Mesmo com imagens de Lula

desde o início do filme, é apenas mais adiante no filme que o narrador se empenhará em

explicar quem é este homem. Após uma breve biografia, que não é realizada para os outros

líderes sindicais, segue-se acompanhando os eventos e as manifestações de Lula, junto de

outros membros da diretoria do sindicato. Apesar de Lula despontar como presidente do

sindicato, uma liderança carismática com as massas, não lhe é conferido uma relação de

respeito maior do que aos outros líderes do sindicato.

A dirigência sindical inúmeras vezes ao longo do filme faz pedidos de calma, controle

e pensamento estratégico para a massa metalúrgica. Além de enfatizar as diferenças de

comportamento dos grevistas, este fato explicita ainda outro aspecto: as lideranças das greves

não possuiam um controle absoluto sobre o que estava acontecendo no ABC. Um exemplo

recorrente neste documentário são nos momentos de assembleia em que os líderes sindicais

pedem que os metalúrgicos não façam piquetes nas portas das fábricas para impedir que os

trabalhadores que não aderiram à greve entrem nas fábricas. Ao invés disso, eles recomendam

que os grevistas empenhem-se nos bairros e nas paradas de ônibus para convencer os ditos

“fura-greves” a não irem trabalhar. Ao mostrar os líderes sindicais fazendo esses apelos aos

seus liderados, o filme passa um aspecto de que as opiniões e estratégias de Lula e da sua

dirigência sindical não são unânimes na massa metalúrgica, enfraquecendo assim a sua força

como líderes absolutos.

Ao final do filme percebe-se que assim como os metalúrgicos são dotados de

diferentes comportamentos e linhas de pensamento, diferentes são as suas percepções sobre

Lula. Durante as assembleias em que são acordadas a volta ao trabalho por um período

temporário, é visível o descontentamento de parte dos metalúrgicos. De modo geral a imagem

do líder sindical é positiva, mas vemos que Lula é mais humano e menos messiânico,

precisando se esforçar mais para conquistar a empatia e os votos de confiança de seus

liderados.

39

Page 46: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

O último documentário do período das greves do ABC paulista é o filme Linha de

Montagem, de Renato Tapajós, lançado em 1981. Diferente da forma com que Greve! e ABC

da Greve tentam contextualizar o movimento grevista analizando-o com uma narração externa

às cenas, Linha de Montagem intercala cenas dos acontecimentos das greves com entrevistas

com os líderes do sindicato de São Bernardo do Campo e Diadema. Cada entrevistado conta

como os fatos ocorreram na sua visão, analisando em retrospecto ações que foram tomadas e

justificando outras ações que ocorreram ou não deram certo ou poderiam ter sido diferentes.

Além destas análises reflexivas póstumas aos eventos, as entrevistas servem muito para

explicar a organização do sindicato e dos trabalhadores como um todo.

Assim como em ABC da Greve, este filme confere representatividade para várias

lideranças do sindicato além de Lula. O filme também tenta demonstrar que apesar de Lula

ser a cara do movimento grevista, ele é mais um em meio há vários outros que coletivamente

conseguiram organizar as greves. Assim, Lula aparece novamente como alguém importante,

mas longe de ser o responsável exclusivo pelos acontecimentos do ABC.

Um dos primeiros aspectos diferenciais deste documentário é que ele faz um processo

de dar voz aos metalúrgicos e destina sua mensagem aos próprios metalúrgicos. Enquanto

Greve! e ABC da Greve são visivelmente realizados para um público externo às greves,

tentando analisar o ocorrido e explicá-lo para um leigo no assunto e para um público muito

diferente dos metalúrgicos, Linha de Montagem se propõe a ser um registro dos metalúrgicos

para eles mesmos. É uma forma de recuperar uma memória coletiva do movimento,

lembranças extraídas dos metalúrgicos para a posteridade de sua própria classe. Além de os

eventos das greves serem analizados pelos próprios participantes, por vezes temos a

impressão de que o filme tenta dar um passo-a-passo da organização da greve, para que não se

percam as estratégias e táticas, que podem vir a ser empregadas em um futuro próximo.

Este aspecto do filme ser dirigido ao público metalúrgico se dá muito em função da

forma como o projeto do filme foi idealizado. O diretor do filme Renato Tapajós já vinha

trabalhando junto ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo de Diadema na

realização de outros vídeos relativos às condições de trabalho dos metalúrgicos. Desta forma,

podemos observar que há uma relação mais próxima do cineasta com sua temática e seus

entrevistados. Linha de Montagem foi financiado pelo fundo de verbas do próprio sindicato,

portanto trata-se de um filme “oficial”, de certa forma um vídeo institucional, que os

metalúrigicos queriam produzir dando a visão deles mesmos para o movimento grevista.

O formato das entrevistas no filme, analisando eventos ocorridos no passado, também

serve para que os líderes sindicais de certa forma justifiquem decisões que podem não ter sido

40

Page 47: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

as melhores, mas eram as decisões que a situação extrema daqueles momentos acabou

exigindo. É uma forma também de eles corrigirem erros ou recuperar a confiança de certos

companheiros que se sentiram contrariados com certas decisões da dirigência do sindicato.

As formas de organização dos metalúrgicos é um dos pontos de maior destaque neste

filme. Para além do papel das lideranças do sindicato, tenta-se enfatizar que foi necessário

desenvolver formas de o movimento andar com as próprias pernas, no caso de ausência e

prisão dos líderes sindicais. Assim, são mostradas formas de auto-organização dos

metalúrgicos, buscando autonomia em relação às lideranças. Este aspecto é enfatizado pelas

falas dos sindicalistas entrevistados, que tentam conscientemente reduzir sua importância para

o movimento. Isso reflete na caracterização de Lula no filme, que é posto como um líder

substituível, mesmo que muito importante.

Um dos elementos de auto-organização que os metalúrgicos criaram foi o fundo de

greve. Este acaba sendo um dos temas centrais de Linha de Montagem. Quando os líderes do

sindicato percebem que podem sofrer intervenção federal e temem pela esfacelação do

movimento, percebem que precisam criar mecanismos que mantenham os metalúrgicos

mobilizados e com recursos financeiros para custear ações, transporte, panfletagens,

impressão de jornais, infra-estrutura para assembleias massivas, etcs. Assim eles sugerem que

através da organização própria dos trabalhadores, realizando eventos culturais, esportivos,

buscando aliados externos ao movimento, eles conseguiriam manter uma situação de greve

mesmo sem seus líderes sindicais. Desta forma, os entrevistados do filme passam a ideia de

que neste sentido os metalúrgicos foram vitoriosos, na medida em que foram se

conscientizando, politizando e organizando de maneira autônoma.

Lula é retratado como o indivíduo que cumpriu um determinado papel importante nos

acontecimentos, mas somente porque a classe inteira estava mobilizada e consciente de suas

ações, aceitando de livre e espontânea vontade a tarefa de lutar por seus direitos. Da mesma

forma como Lula é um dentre vários entrevistados da dirigência sindical, a sua importância

para o desenrolar dos fatos é relativizada e diminuída. No lugar disto, sobressai que o mais

importante são os metalúrigicos como um todo, sem a necessidade de um líder único e

perfeito.

O filme encerra com as análises finais dos líderes sindicais e apontam para um futuro

dos metalúrgicos e da classe trabalhadora brasileira como um todo. Retomando o aspecto da

autonomia e tomada de consciência dos metalúrgicos em exigir direitos e se organizar para

tanto, os entrevistados apontam para um “otimismo a longo prazo, e a de que a vitória final

dos trabalhadores depende de um crescente processo de experiência e aprendizagem” (Jorge,

41

Page 48: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

p. 178, 2011). Com esta mensagem, Lula encerra o filme dizendo que o próximo passo de

organização dos trabalhadores explorados é influenciar a esfera política institucional, através

da conscientização de que é necessário a criação de um partido que represente a massa

trabalhadora. Antevendo a criação do Partido dos Trabalhadores, que seria criado futuramente

pelos próprios líderes sindicais do ABC junto de muitos outros, Lula reafirma seu caráter de

porta-voz dos trabalhadores.

Muitos anos mais tarde, com o PT encabeçado por Lula já disputando as eleições

presidenciais pela quarta vez, serão desenvolvidos dois filmes documentários: Peões(2004),

de Eduardo Coutinho, e Entreatos(2004), de João Moreira Salles. Ambos filmes nasceram e

foram rodados ao mesmo tempo. Inicialmente a produtora de Salles, Video Filmes, planejava

documentar as duas campanhas presidenciais de maior destaque, a de Lula e seu rival do

PSDB, José Serra. Devido à problemas orçamentários e dificuldade de convencer partidos

rivais a abrirem os bastidores de suas campanhas para equipes de filmagem de uma mesma

produtora, o projeto acabou se desenvolvendo diferentemente. Ao fim manteve-se a cobertura

dos bastidores da campanha de Lula, que se tornaria o filme Entreatos, e Eduardo Coutinho

focou em buscar os anônimos participantes das greves do ABC paulista, criando outro painel

sobre a figura de Lula no filme Peões.

Peões (2004) trata-se de um documentário do tipo participativo. A sua forma é uma

marca de seu autor, o cineasta Eduardo Coutinho. Coutinho, inicialmente um entusiasta do

cinema novo brasileiro, com influências do neo-realismo italiano, desenvolveu uma trajetória

no cinema documental que se caracteriza principalmente por dois fatores: a entrevista e a

interação. Os filmes de Coutinho procuram realizar uma colcha de retalhos entre falas de

diversas pessoas, que ao final despontam como um quadro maior que caracteriza algum

determinado assunto. As entrevistas realizadas sempre deixam à mostra as falas de Coutinho

como entrevistador, e assim se concebem diálogos de uma maneira única, que depende

necessariamente da interação do entrevistador com seus entrevistados. Não foi diferente em

Peões, que procura criar um painel dos grevistas do ABC através de suas histórias e memórias

expressas em seus diálogos com Coutinho.

O filme Peões se inicia com a equipe de Eduardo Coutinho empregando a trajetória

inversa de boa parte dos grevistas migrantes do nordeste brasileiro. Às vésperas das eleições

que colocariam Lula pela primeira vez como presidente da república, o filme busca

depoimentos de ex-metalúrgicos que participaram nas greves do ABC paulista em 1979 e

1980. Para iniciar o processo, a equipe de filmagem começa as gravações no interior do

Ceará, colhendo depoimentos de metalúrgicos, boa parte já aposentados, que empreenderam o

42

Page 49: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

jornada de ir embora de suas terras natais em busca de oportunidades de trabalho na região

sudeste.

O filme foca nos grevistas anônimos, aqueles que compunham a massa trabalhadora

que empreenderam suas lutas e não ficaram famosos. Ao longo do filme, Coutinho

contextualiza certos momentos das greves do ABC paulista com cenas dos documentários que

registraram o ocorrido, como em Greve!, ABC da Greve e Linha de Montagem. Junto disso,

ele busca pessoas que estão nestas imagens captadas, muitas vezes mostrando para o próprio

entrevistado alguma imagem dele naquela época. Dessa forma, Coutinho sempre procura

traçar um paralelo entre passado e presente vivenciado pelos entrevistados. Juntamente com o

contexto das eleições de Lula, o filme também acaba sinalizando para um futuro próximo e

incerto, em que os entrevistados depositam esperanças na eleição do ex-líder operário.

O que desponta ao longo do filme é um sentimento de orgulho do passado, seja na luta

pela sobrevivência, seja na luta por direitos dos metalúrgicos. O empreendimento de saírem

de suas terras locais, acuados pela seca, falta de terras e de emprego, e se lançarem ao

desconhecido é tido como uma atitude corajosa. Atitude que rendeu frutos, já que apesar de

toda exploração no trabalho metalúrgico, boa parte dos migrantes conseguiu melhorar seu

padrão de vida e voltar para suas terras natais. Assim, os ex-metalúrgicos, tal qual Lula, são

mostrados como vencedores.

Além da luta mais básica pela sobrevivência, emprego e melhora de vida, outro fator

emerge como saldo positivo das migrações dos nordestinos para o ABC: a consciência

política. Como muitos entrevistados atestam, se tivessem permanecido em seus locais de

origem, provavelmente não teriam contato com a militância e reinvindicação por direitos do

trabalhador. Foi através do sindicato que muitos conseguiram o estudo que nunca tiveram na

vida de trabalho precoce e nas parcas escolas públicas. Seja através de leituras sobre

sindicalismo, socialismo, história do Brasil e de outros países, foi só no contexto de uma

maior organização e união dos trabalhadores metalúrgicos que foi possível que eles mesmos

buscassem uma maior consciência sobre a sua condição de explorado na sociedade e assim se

espelhassem em outras lutas de outros lugares do mundo ao longo da história. Essa

característica reforça a importância do sindicato dos metalúrgicos e o papel de Lula como

liderança, na medida em que esses fatores afetaram o desenvolvimento intelectual dos

trabalhadores. Lula aparece em Peões como um líder nato, um guia, até mesmo como um

“segundo pai”, como diz um dos entrevistados, levando consciência para os metalúrgicos

ainda alienados.

43

Page 50: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Apesar do filme só mostrar Lula em imagens de arquivo e tratar da pessoa dele através

de falas dos entrevistados, é um filme que fala sobre Lula a todo momento. Mesmo quando

em nenhum momento um entrevistado aborda diretamente algum assunto sobre Lula, ao

prestar informações sobre a migração nordestina, sobre a vida dura nas fábricas e sobre as

lutas das greves, os ex-metalúrgicos estão mostrando como vivenciaram uma história que em

muitas partes foi a mesma história vivenciada por Lula. Assim, o filme desenvolve uma

imagem de Lula criada espontaneamente em terceira pessoa, formada pelas falas de seus ex-

companheiros de classe e de luta.

Gravado juntamente de Peões, Entreatos (2004) trata-se de um documentário no

formato observativo. Com algumas exceções, o filme se atém a captar os bastidores, diálogos,

reuniões e viagens do candidato Lula sem interagir com as pessoas filmadas. As cenas se

desenrolam na frente da câmera como que fossemos um espião desvendando os mistérios

sigilosos de uma campanha política. Entretanto, o clima do filme não foca tanto na

organização da campanha, ressaltando mais o caráter pessoal e humano das pessoas

envolvidas no processo eleitoral.

Um aspecto do filme, explicitado na narração em off logo no seu início, é que Salles

montou o filme privilegiando os momentos mais íntimos da campanha. Ou seja, os bastidores

e acontecimentos casuais aos quais o eleitor em geral jamais tem acesso. Assim, o filme já

estabelece uma proximidade mais íntima com os personagens que pretende observar. Esse

modo observativo não é mantido ao longo de todo filme, pois há breves momentos de

interação entre a equipe de filmagem e seus objetos de observação, além de uma entrevista

explícita com um personagem. Porém, o filme mantém um estilo predominantemente

observativo e parece acompanhar seus personagens de uma forma que os mesmos aparentam

não se importar com a câmera.

Neste filme, Lula é o astro principal. Todo o documentário é centrado em seu

personagem e nos seus afazeres durante a campanha. Mesmo nas raras cenas em que foi

gravado outros personagens sem a presença de Lula, o assunto sempre é relativo ao candidato.

Desta forma, Entreatos é um filme muito personalista, a todo momento mostrando outra

faceta do seu personagem principal e com cada nova cena acabando por agregar mais

conteúdo para formar sua imagem final.

Mesmo com o filme focando nas cenas íntimas da campanha, o espectador sempre é

lembrado que está diante de uma figura popular, uma celebridade. O aspecto de Lula como

astro surge em cenas como em que manifestantes cercam seu carro querendo lhe estender a

mão, em que fotógrafos motorizados o perseguem em alta velocidade tal qual papparazis da

44

Page 51: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Lady Diana ou quando eleitores esperam o resultado da eleição e comemoram o aniversário

de Lula no térreo do prédio onde Lula possui um apartamento. Outros momentos que

reforçam esse caráter de celebridade em si são cenas do filme que são extremamente

simplórias, em que não há nada de extraordinário ou interessante ocorrendo, apenas Lula,

assessores, políticos e publicitários fazendo atividades cotidianas. O fato de Lula ser ele

mesmo diante das câmeras por si só já despertaria o interessa das pessoas em sua imagem,

fazendo com que estas cenas cotidianas fossem mantidas na montagem do filme e assim

aumentando o aspecto de Lula ser uma celebridade não importa o que faça.

Inicialmente o público é iniciado nos bastidores de uma campanha política e às tarefas

diárias que rondam este trabalho eleitoral. No início Lula parece inseguro, sempre sob a

tutelagem de seus assessores, aliados políticos e publicitários da campanha, em especial do

marqueteiro político Duda Mendonça. Quase se cria a impressão de Lula ser apenas a fachada

da campanha, uma marionete que serve como rosto carismático para conquistar votos. Porém,

com o passar do tempo e com o aumento de familiaridade de Lula com a equipe de gravação,

sua interação e encenação para a câmera passam maior sensação de força e competência

própria, ao mesmo tempo em que mantém uma completa naturalidade.

Diferentemente dos filmes que retratam as greves do ABC no seu momento de

acontecimento ou em retrospecto como no caso de Linha de Montagem e mais recentemente

no filme Peões, há raríssimas cenas em que a vida de metalúrgico na fábrica é ressaltada

como uma qualidade ou como um exemplo de lutas para se ter orgulho. O Lula de Entreatos é

muito mais velho, engordou e aparece sempre engravatado. Quando Lula se refere à vida na

fábrica, tem boas recordações dos amigos, mas abomina toda forma de trabalho braçal e a

exploração cotidiana. Suas más lembranças não aparecem injustificadas, já que Lula explica a

dureza da vida metalúrgica para os assessores de campanha a sua volta, que assim como boa

parte do público do filme, não aparenta terem sido peões de fábrica como ele já foi.

A posição de Lula em relação a seu passado pode muito bem ser sincera, mas não

pode ser descontextualizada do momento eleitoral em que o documentário foi gravado. Lula

concorria pela quarta vez à presidência, desta vez para realmente ganhar a qualquer custo.

Para tanto, mudou muitas estratégias de campanha em relação a suas outras campanhas, como

a diferença de seu discurso radical para um discurso mais atenuado e positivo, o

comprometimento em manter relações de mercado e do comércio internacional, a ampliação

de alianças políticas, etcs. Neste contexto, como o próprio marqueteiro Duda Mendonça

explica no filme, há uma boa parte da população que ainda nutre medo da imagem grevista e

“tumultuadora” do Lula do passado. Assim, é mais do que lógico que Lula, consciente de que

45

Page 52: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

precisa mudar a imagem que o eleitorado tem dele, passe a falar do seu passado sindicalista

com mais cuidado e menos empolgação. Desta forma, Lula aproveita as câmeras de Salles

para demonstrar para o público que ele realmente mudou.

Um dos aspectos mais interessantes deste filme é que mesmo respeitando em grande

parte as ferramentas empregadas nos documentários observativos, o filme é abarrotado de

entrevistas sem entrevistas. Mesmo sem que haja um interlocutor para lhe fazer perguntas,

Lula muitas vezes se utiliza da câmera que o registra como uma forma de palanque eleitoral.

Há vários momentos que Lula aparenta querer explicar um certo ponto de vista seu ou decisão

eleitoral de seu partido. Lula então passa a discursar para o público do documentário, mesmo

que aparentemente ele esteja apenas conversando com seus assessores. Essas falas de Lula

podem muito bem serem calculadas para parecerem naturais, mas se tornam estranhas no

contexto em que são utilizadas, já que seus assessores não precisam ser convencidos de

nenhuma estratégia eleitoral, visto que já estão em plena campanha. Esta atitude de Lula

demonstra um pleno poder dele mesmo para com sua imagem pública e com a maneira como

ele pretende aparecer para o público.

Ao observar o tratamento que é dado à imagem de Lula em Entreatos, pode-se

concluir que ela é extremamente positiva, mesmo quando o documentário mantém na

montagem algum momento de maior irritação ou insegurança do candidato. O que sobressai é

a figura de um homem simpático, que não impõe sua vontade sobre a dos outros, é confiante

em si sem ser arrogante e acima de tudo é uma figura humanizada pelos seus pequenos atos de

simplicidade e de solidariedade. Mesmo quando Lula demonstra irritação, é um aspecto que

enfatiza o quanto ele também é um ser humano normal com diversos defeitos. É perceptível

que Lula desenvolve uma relação de cumplicidade com a câmera, ao desabafar certos pontos

de vista, criando assim ainda mais empatia com o público. Dessa forma, desponta um Lula

que mesmo tendo consciência da câmera e do público, podendo assim estar medindo cada

palavra e ato que faz, aparenta muita naturalidade, competência e humanidade.

O último filme produzido que caracteriza Lula é Lula - Filho do Brasil(2010), de

Fábio Barreto, que reconta de maneira ficcional a trajetória do ex-presidente desde a fuga da

miséria no interior de Pernambuco até sua chegada ao Planalto Central no carro presidencial.

O filme possui uma narrativa corriqueira, com momentos dramáticos típicos de filmes

biográficos ou mesmo de telenovelas brasileiras. O público acompanha de forma cronológica

momentos que marcaram a formação de Lula, principalmente na pobreza e dificuldade da

infância e juventude até o envolvimento com o sindicalismo e as pressões que surgiram com

este envolvimento.

46

Page 53: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

O Lula de Filho do Brasil passa por todas provações típicas de estórias e narrativas.

Ele é um sujeito aparentemente comum, tal qual milhões de outros migrantes e pobres

brasileiros. Lutando pela sobrevivência em condições adversas, ele despontará como alguém

que apesar de semelhante a muitos outros, possui características únicas que o farão passar por

todos desafios que lhe são impostos. De certa forma, Lula é um herói predestinado à luta e à

vitória, herói que estava apenas esperando o chamado de uma jornada para que então suas

capacidades “sobre humanas” surgissem.

Tal como é o caso de muitas cinebiografias, Filho do Brasil comete vários erros

históricos. Muitas cenas juntam artificialmente fatos que ocorreram em momentos diferentes

da história de Lula. Isso pode ter ocorrido durante a roteirização filme como uma forma de

reduzir tempo de produção do filme ou como aglutinação de fatos para aumentar a carga

dramática de cada cena. Há vários pontos que podem ser levantados, como a extroversão de

Lula desde a infância no filme, característica que entra em contradição com biografias do ex-

presidente que revelam que o mesmo era tímido e não conseguia certos empregos por conta

disto (PINTO, 2011).

Para além dos detalhes de Lula que não podem ser comprovados com exatidão devido

à falta de registros sobre certos fatos de sua vida, é justamente no período das grandes greves

do ABC paulista que o filme torna-se confuso e pouco esclarecedor para o público leigo no

assunto. O filme não faz questão de pontuar datas precisas sobre as greves de 1979 e 1980. Ao

invés disso, condensou ambos momentos em um fato único, fazendo parecer que foi em uma

única greve que Lula foi afastado do sindicato junto com sua diretoria, voltou, foi preso pelo

DOPS, perdeu sua mãe, etcs. Não há contextualização das negociações entre os metalúrgicos

e seus patrões, nunca são mencionados os ganhos e perdas das greves, tampouco o fato de os

metalúrgicos terem cedido para fazer as negociações voltarem. Com essa mistura de eventos e

omissão de certos fatos importantes que permearam as greves, o filme passa a ideia de que foi

um movimento contínuo, organizado e vitorioso.

A imagem de Lula concebida no filme é ancorada em um personagem que se espelha

no homem real. Há cenas-chave que moldam esse personagem para o público, pois estão

carregadas de significado, principalmente pelo conteúdo de certos diálogos e atitudes tomadas

por certos personagens. Há momentos e cenas pensadas explicitamente para elencar uma ou

outra qualidade do ex-líder sindical, seja em um âmbito mais pessoal e humano, seja em um

âmbito mais político e de liderança.

Ao final, o Lula que é representado de diferentes maneiras em cada filme em

específico é um espelho para seus liderados, tanto como personagem de ficção de filme

47

Page 54: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

quanto como registrado de forma documentária. É o operário que “deu certo”. Na luta e

trabalho duro alcançou a qualidade de vida, prestígio e poder que boa parte de seus ex-

companheiros e outros excluídos almejam possuir um dia. A imagem que o personagem Lula

passa ao público é a da esperança de prosperar. É a imagem do homem que se faz por si

mesmo com a ajuda de outros, basta lutar para realizar seus sonhos. Esta imagem e mensagem

são típicas dos mitos e dos heróis de cada cultura, que são alçados ao nível de extraordinário,

como um exemplo para que as pessoas se identifiquem e se projetem.

48

Page 55: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

5 PEÕES E LULA – FILHO DO BRASIL

Sinopse Peões

Peões se inicia em Várzea Alegre, interior do estado de Ceará. Os créditos do filme

informam ao público que a gravação data de outubro de 2002, ou seja, na época do segundo

turno da eleição presidencial brasileira. Luiz Inácio Lula da Silva está concorrendo ao cargo

pela quarta vez. O projeto do filme foi desenvolvido por Eduardo Coutinho juntamente com o

documentarista João Moreira Salles. Inicialmente, cada cineasta pretendia acompanhar as

duas campanhas presidenciais do segundo turno daquelas eleições, presumivelmente as

campanhas de Lula e do candidato do Partido Social Democrata Brasileiro, José Serra. Após

esse projeto ser cancelado, João Moreira Salles seguiu encarregado de registar a campanha de

Lula, resultando no filme Entreatos. Eduardo Coutinho por sua vez se empenhou em registrar

entrevistas com os participantes das greves dos metalúrgicos da região do ABC paulista (a

saber, as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, polo

brasileiro da indústria automotiva), nos anos de 1979 e 1980. Este projeto resultou no filme

Peões.

No início do filme, a câmera registra o percurso de van que a equipe de gravação está

fazendo até a primeira entrevista da cidade. Logo em seguida o diretor do filme, Eduardo

Coutinho, aparece em frente ao portão de uma casa, perguntando se esta é a casa de Dona

Socorro. Uma mulher surge e diz que é a mulher que eles procuram.

Na entrevista de Socorro descobrimos que ela é natural de Várzea Alegre e se mudou

para o interior de São Paulo em busca de trabalho. Na região do ABC paulista ela se tornou

metalúrgica e se envolveu com o sindicato de sua categoria. Durante as greves de 1979 e 1980

ela não participou, mas se emocionava ao escutar no rádio o desenrolar dos fatos. Socorro

acha que estas greves foram fundamentais, já que naquela época lutar pelos seus direitos era

proibido. Ela ainda destaca o quão difícil foi ao mesmo tempo manter a vida sindical, o

casamento e a criação dos filhos.

Eduardo Coutinho realiza ainda mais cinco entrevistas na região. A história de todos ex-

metalúrgicos é muito semelhante. A pobreza e a seca nordestina dificultava qualquer

oportunidade de emprego, forçando muitos nordestinos a buscar emprego no setor

automobilístico que se desenvolvia fortemente nos arredores da capital do estado de São

49

Page 56: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Paulo. Todos atestam que a vida era muito difícil, forçou-os a se acostumar com outro clima e

ambiente, o trabalho era duro e sempre com riscos de acidentes. Apesar das dificuldades,

todos acham que foi um empreendimento que valeu a pena, seja pelo aspecto econômico ou

pelo aspecto político. Muitos conseguiram acumular dinheiro e usufruir de aposentadoria e

algum conforto material e maior qualidade de vida. No campo político, por conta do

envolvimento com o sindicato dos metalúrgicos e com greves reivindicatórias, muitos dos

entrevistados dizem que aprenderam o que era política e militância, desenvolvendo assim

senso crítico próprio e capacidade de decisão.

Após este trecho inicial em Várzea Alegre, o filme recapitula os eventos mais marcantes

do período das maiores greves do ABC paulista. Para tanto, se utiliza de letreiros com

informações entrecortadas por imagens de arquivo vindas de outros documentários, como no

caso do filme Linha de Montagem e Greve. Nestas imagens vemos os metalúrgicos em

assembleias e passeatas. Muitas das cenas destacam o papel de Lula como líder e porta-voz

dos momentos decisivos das greves de 1979 e 1980.

Após o panorama histórico, Eduardo Coutinho aparece junto dos ex-grevistas em São

Bernardo do Campo. Ele explica para os participantes do filme que a equipe de gravação está

à procura das pessoas que aparecem em fotos e vídeos da época das greves de 1979 e 1980.

Preferencialmente a equipe busca os anônimos, pessoas que não ficaram conhecidas na mídia

ou política pelo envolvimento com as greves. A seguir, Eduardo Coutinho exibe trechos de

documentários da época das greves. Os ex-metalúrgicos apontam vários rostos de conhecidos

e indicam para a equipe de gravação onde podem encontrá-los.

Após esta pesquisa, há mais um bloco de entrevistados. Todos contam suas histórias de

vida e envolvimento com o movimento grevista. Outro ponto em comum nas falas de todos é

o sentimento de orgulho do passado. Orgulho pelo trabalho difícil que executavam

cotidianamente e orgulho pelas lutas de reivindicações de direitos. Alguns destacam como

realizar uma greve nas condições políticas da época foi algo extremamente complicado e

importante para o processo de abertura política do país.

À medida que mais entrevistados dão suas opiniões sobre a luta grevista, também

surgem suas percepções sobre Lula. A maior parte deles conviveu com o ex-presidente do

sindicato durante aqueles anos que precederam a greve e mais além, portanto concedem sua

visão pessoal e política sobre Lula. Alguns destacam a capacidade de negociação e

adaptabilidade de Lula frente às situações diferentes. Outros lembram que ele é muito

inteligente. Outros ainda relembram traços afetivos de Lula, que seria honesto, corajoso e

cheio de compaixão pelos seus companheiros.

50

Page 57: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

O papel de liderança de Lula também é recordado, com ex-grevistas considerando-o até

como um segundo pai, alguém que sabia convencer e fazer ver quais as melhores decisões

estratégicas a se tomar e alguém que conseguiu liderar e segurar um movimento massivo tão

grande e que poderia ter consequências perigosas. Estas falas são corroboradas por imagens

de arquivo de Lula em grandes assembleias, seja em momentos de decisão seja em momentos

emotivos.

Ao final do filme, no dia da eleição presidencial, Coutinho grava a última entrevista com

um dos peões. Este em especial é metalúrgico até hoje, mas não é contratado fixo. Coutinho

pergunta em quem o sujeito votou. O entrevistado responde que votou nos candidatos do

Partido dos Trabalhadores e reafirma que Lula na época das greves foi um heroi. Ele encerra

sua fala sobre Lula contando da época em que Lula foi preso na greve de 1980 e foi solto por

algumas horas para ir ao enterro de sua mãe. O metalúrgico lembra que a época do trabalho e

greve na fábrica foi muito difícil, mas foi muito bom e tem saudades. O entrevistado

questiona Coutinho se ele já foi peão, que responde que não. O filme se encerra aí, com um

letreiro que informa que Lula saiu vitorioso daquela eleição.

Sinopse Lula - Filho do Brasil

O filme Lula – Filho do Brasil é uma produção de ficção lançada no ano de 2009. A

direção ficou a cargo de Fábio Barreto, com produção de seu pai Luís Carlos Barreto, um

nome muito conhecido no cinema nacional. Trata-se de uma cinebiografia baseada no livro

homônimo de Denise Paraná. A produção e o lançamento do filme ocorreram ainda durante o

mandato de Lula como presidente. No ano seguinte ocorreriam as eleições presidenciais em

que Lula teria de deixar um sucessor em seu lugar, visto que ele já estava em seu segundo

mandato presidencial e a Constituição Brasileira estabelece duas eleições consecutivas para o

poder Executivo como limite.

Neste contexto, é perceptível que o filme era uma peça chave para influenciar na

maneira na qual o eleitorado percebe quem é Lula. Como o filme é baseado em uma biografia

oficial de Lula, mesmo antes da conclusão da obra surgiram acusações por parte da imprensa

de que o filme poderia ser mera peça de propaganda para elevar a popularidade de Lula e

assim assegurar a eleição de seu sucessor.

51

Page 58: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Já prevendo que poderia haver críticas à produção pelo seu contexto político e eleitoral,

o produtor Luís Carlos Barreto captou os recursos somente na iniciativa privada ao invés de

utilizar recursos públicos, uma medida tomada para afastar polêmicas caso o filme fosse pago

pelos recursos do estado, e seus contribuintes, para ser utilizado pelo governo em benefício

próprio. Não obstante, o filme foi patrocinado inteiramente pela iniciativa.

Estas polêmicas se seguiram até o lançamento do filme, que também enfrentou

represália de críticas artísticas quanto à qualidade do filme em si. Estes elementos podem ter

sido decisivos para o resultado de bilheteria do filme nas salas de cinema, abaixo do esperado

(LULA..., 2010).

Apesar do suposto fracasso frente à bilheteria esperada, o filme ainda conseguiu boa

exibição nas salas de cinema e em outros meios. Algum tempo depois quando Lula – Filho do

Brasil foi exibido na Rede Globo, alcançou ibope muito alto, comparável ao de capítulos das

suas telenovelas (LULA..., 2013).

Inicialmente Lula – Filho do Brasil mostra a família Da Silva no sertão de Pernambuco.

Aristides, pai de Lula, está saindo de casa para ir trabalhar no Estado de São Paulo, longe da

seca, da falta de recursos e de emprego. Junto dele vão o filho mais velho, Jaime, e uma

amante de Aristides, mas esta última a família não vê. A mãe de Lula, Eurídice, mais

conhecida e chamada por todos como Lindu, fica na casa precária com os outros filhos. Ela

estava grávida de Lula.

Tempos depois, Lula nasce. É o caçula de todos irmãos. Os anos passam rápido, e Lula

questiona a mãe sobre o paradeiro do pai. Ela desconversa.

Em Santos, litoral paulista, Aristides e Jaime trabalham como estivadores no porto.

Aristides, sendo analfabeto, pede a Jaime para escrever uma carta para Lindu. Jaime não

escreve o que Aristides quer. Ao invés disso, escreve na carta que Lindu deve vender tudo e

viajar com toda família para Santos. Aristides não suspeita de nada. Ao chegarem, após dias

de viagem no “pau de arara” da caçamba de caminhão, pegam Aristides de surpresa, que não

gosta nem um pouco da presença da família do sertão. Lindu e os filhos ainda descobrem que

Aristides tem outra mulher, já com filhos de Aristides. Lula encontra o pai pela primeira vez.

Todos na família trabalham da maneira que podem. Lula vende laranjas na rua e

frequenta a escola, escondido do pai. Uma professora de Lula se afeiçoa à ele e acha-o muito

inteligente. Esta professora vai até a casa de Lula para conversar com Lindu. Ela se oferece

para criar Lula, para lhe dar um futuro melhor com melhores condições econômicas. Lindu

recusa-se, dizendo que Lula já é alguém na vida e que ela que cria seus filhos. No mesmo

momento Aristides chega em casa, alcoolizado, e fica irado ao saber que Lula está estudando

52

Page 59: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

em escola, pois para ele lugar de homem é no trabalho. Aristides ameaça bater em Lula e em

Lindu, mas Lula defende a mãe e o pai recua. Logo em seguida, Lindu toma a decisão de sair

da casa e levar seus filhos consigo.

Passam-se os anos e Lula adolescente segue fazendo “bicos” de emprego para conseguir

dinheiro extra, como entregador de roupas lavadas, etc. Lula tem uma amiga, Lurdes, com a

qual promete um dia ir junto ao cinema.

Lindu matricula Lula em curso de metalurgia do Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial, o Senai. Lula é aprovado para entrar no curso. Em uma fábrica, durante um dos

treinamentos dos jovens entrantes, Lula percebe um tonel de óleo para máquinas. Para

impressionar a mãe, que sempre quis ver o filho com o macacão sujo pelo trabalho de

metalúrgico, Lula coloca as mãos no tonel de óleo e suja seu próprio macacão. Ao chegar em

casa, a mãe se enche de orgulho. Em seguida, Lula se forma no curso do Senai.

Lula já empregado no ramo metalúrgico chega um dia à fábrica e é avisado que os

trabalhadores estão em greve. Ao voltar para casa, no meio do caminho Lula encontra o irmão

Ziza em um caminhão cheio de grevistas. Ziza o chama para vir junto e Lula aceita. Quando o

caminhão desembarca todos grevistas na porta de uma das fábricas em greve, eles começam

um tumulto e tentam derrubar o portão principal. Ao entrarem, os grevistas depredam o local,

quebrando janelas e revirando toneis. Um empresário do local aparece armado e atira contra

um dos manifestantes, atingindo-o. Os manifestantes enraivecidos o imobilizam e o jogam de

cima de uma escadaria, matando-o. Lula fica em choque e foge junto com Ziza. Longe do

local, Lula critica as depredações, a violência desnecessária e diz que essas práticas erradas

devem ser do partido de Ziza, o Partido Comunista Brasileiro.

Ocorre o golpe militar de 1964. Ocorrem demissões em massa nas fábricas, diminuição

do valor real do salário frente à inflação e o desemprego aumenta, parte da política econômica

do regime de favorecimento ao grande capital industrial. Durante este período, Lula precisa

buscar vários empregos para manter seu sustento. Em um de seus empregos, Lula presta

serviço em um torno mecânico. Ele está cansado e ao se distrair uma parte da máquina cai

com todo peso sobre sua mão. O ferimento sangra bastante. Ao amanhecer Lula chega em

casa, com a mão enfaixada e sem o seu dedo mínimo da mão esquerda, que teve de ser

amputado.

Lula é aceito em outra fábrica. Ao mesmo tempo, Lula começa a namorar Lurdes.

Próximo a promulgação do Ato Institucional nº5, Ziza convence Lula a ir à uma assembleia

do sindicato dos metalúrgicos. Ziza precisa encontrar alguém para ficar em seu lugar. Após

53

Page 60: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

conversa com o presidente atual do sindicato, Feitosa, Lula é convencido de entrar na chapa

sindical.

Lurdes, apesar do medo de ter um marido sindicalista, aceita o casamento com Lula.

Lula começa a trabalhar com Feitosa no sindicato. Ele fica responsável pelo fundo de garantia

do sindicato, que distribui recursos para os trabalhadores que sofreram acidentes de trabalho

ou familiares de trabalhadores que morreram.

Lurdes anuncia para Lula que está grávida. Meses mais tarde, Lurdes é levada ao

pronto-socorro sentindo dores no ventre. Quando Lula chega, descobre que o filho que

esperavam nasceu morto e Lurdes morreu no parto.

Triste com a morte da esposa e filho, Lula se dedica como nunca ao sindicato. Ele chega

inclusive a enfrentar as políticas de Feitosa, que cada vez mais demonstra ser mentiroso e

aproveitador. Ao mesmo tempo, trabalhando no fundo de pensão do sindicato, Lula conhece

Marisa Letícia, uma jovem viúva que perdeu o marido. Os dois passam a se entender por

conta da situação parecida e começam namoro. Tempos depois, os dois se casam.

O tempo passa para o ano de 1975. Lula discursa intensamente em palanque do

sindicato. A ascensão dentro da entidade transcorre junto com o tempo. Em dado momento,

Lula já é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.

Ao comemorar o cargo, Lula recebe a notícia de que seu irmão sumiu. A sua família descobre

que Ziza foi preso pelo DOPS, acusado de subversão. Lula busca-o na cadeia, enfrentando

perguntas e humilhações psicológicas de oficial militar em uma sala de interrogatório. Ao fim

eles liberam Ziza, que visivelmente foi torturado.

Os anos passam novamente. Agora é o ano de 1977. Lula segue presidente do sindicato

e convoca greve na fábrica da Aço Villares SA. Esta empresa nacional foi fundada em 1945

em São Bernardo e sempre operou no ramo de industrialização de metais, criando

ferramentas, chapas de metal, peças para carros e eletrodomésticos. Logo após o anúncio da

greve, Lula recebe a notícia de que seu pai morreu. Ele não consegue esboçar muita tristeza,

já que não via o pai há muito tempo, e ainda reflete sobre como uma parte de sua

personalidade deve ter sido influenciada negativamente pelo convívio com Aristides.

Mais tempo se passa, para o ano de 1979. Lula lidera greve geral dos metalúrgicos do

ABC. Devido ao enorme número de trabalhadores sindicalizados em greve, os metalúrgicos

passam a fazer as suas assembleias no estádio de Vila Euclides, arena de futebol em São

Bernardo do Campo com capacidade para até dezesseis mil pessoas. Em uma destas

assembleias, todos trabalhadores clamam seu nome em coro. Lula decreta greve e diz para

54

Page 61: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

ninguém cair em provocações com a polícia. Apesar disso, nos dias seguintes ocorrem

intensos conflitos de rua, com prisão e violência bruta das forças policiais.

Dona Lindu está em cama de hospital, doente e fraca. Ao mesmo tempo, segue a greve.

Lula julga que é melhor os metalúrgicos voltarem temporariamente ao trabalho, para melhorar

organização e exigir recebimento de salário pelos dias parados. Lula é chamado de traidor por

sugerir esta ideia. Mais tarde, em assembleia improvisada dentro de igreja, Lula se coloca a

disposição para ser retirado do sindicato, se julgarem que ele não cumpriu seu papel como

deveria. Todos gritam por seu nome, exigindo sua permanência. Lula chora de emoção.

Ocorrem manifestações no feriado do Dia do Trabalhador, em apoio à greve dos

metalúrgicos. Em meio a esse contexto, a diretoria do sindicato dos metalúrgicos é afastada e

Lula e seus companheiros de gestão são presos pelo DOPS. Enquanto Lula está na prisão,

Lindu falece no hospital. O governo concede à Lula o direito de ir ao enterro da mãe. Lula se

despede de Lindu e prontamente é levado pelos agentes do governo. Em reação, os presentes

dizem que se não soltarem o Lula, ninguém volta ao trabalho. Lula segue sendo afastado do

cemitério, ao som das pessoas gritando por seu nome. A imagem escurece e o som de palavras

de ordem se mistura a mais sons de manifestação. Ao retornar o vídeo, vemos Lula e Marisa

em carro presidencial, no ano de 2003, na posse de sua primeira presidência. Os letreiros

finais do filme mostram que com a eleição de Lula o povo brasileiro mostrou que “nosso

esperança é maior do que o medo” e que Lula manteve-se fiel aos ensinamentos da mãe, que o

ensinou a “teimar” na vida contra todas adversidades.

55

Page 62: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

6 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

No presente capítulo apresenta-se a vertente de pesquisa, assim como o tipo de

pesquisa utilizado, as unidades de pesquisa investigadas, o método de análise empregado na

investigação do presente trabalho. Utilizando material bibliográfico sobre metodologia de

pesquisa e sempre tendo em mente os objetivos traçados para se alcançar e responder a

situação-problema proposta foram escolhidas as técnicas de pesquisa que melhor se

encaixavam com o tipo de análise que se propôs com a pesquisa deste trabalho.

Para realizar a análise dos dois filmes que trabalham o personagem Lula , decidiu-

se pela utilização de uma metodologia de pesquisa qualitativa. Naresh (2005) nos revela que a

pesquisa qualitativa é uma metodologia de pesquisa não estruturada, que se baseia na

utilização de pequenas amostras para propiciar ao pesquisador percepções e maior

compreensão do contexto do problema analisado. De acordo com Malhotra (2001), a pesquisa

qualitativa faz uso de descrições, interpretações e comparações para observar um fenômeno

específico, a procura de elementos que possam caracterizá-lo e assim representá-lo como tal.

De acordo com Roesch (2006), a pesquisa qualitativa é apropriada para a fase de uma

pesquisa quando se faz necessário criar proposições para a elaboração de planos, metas e

intervenções em um plano de pesquisa.

O tipo de pesquisa adotado, seguindo a linha qualitativa, foi a exploratória.

Segundo Marconi e Lakatos (1999), a pesquisa exploratória se caracteriza por realizar

investigações empíricas, com o objetivo de propor problemas e questões a serem resolvidas.

Dessa forma, a pesquisa exploratória possui algumas finalidades principais. Ela possibilita ao

pesquisador tomar maior conhecimento sobre um determinado tema, fato ou fenômeno a ser

pesquisado mais a fundo posteriormente. Ela também esclarece conceitos acerca dessas

temáticas pesquisadas, permitindo sua averiguação, confirmação e possível modificação. Por

fim, a pesquisa exploratória permite ao pesquisador formular hipóteses a respeito de um

estudo de caso específico.

De acordo com Malhotra (2001), a pesquisa exploratória concede ao pesquisador

um maior conhecimento sobre um tema ou problema a ser analisado. Partindo do ponto de

que, como nos diz Gil (1999), é necessário se apropriar de e conhecer todas ferramentas e

elementos presentes na situação-problema de uma pesquisa, esse tipo de pesquisa foi

escolhido para o presente trabalho para se traçar hipóteses de como as obras audiovisuais

analisadas dialogam com o público e entre si.

56

Page 63: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

A pesquisa exploratória é apropriada para as primeiras fases de investigação sobre

um determinado problema, principalmente no caso de a temática ser pouco conhecida ou

explorada pelo pesquisador em questão. Para Mattar (2005), a pesquisa exploratória tem como

principal objetivo munir o pesquisador com um arcabouço teórico maior sobre o tema da

situação-problema a ser pesquisada. Ela é uma forma de pesquisa recomendada mesmo para

pesquisadores já familiarizados com o assunto de sua pesquisa, já que uma mesma temática

pode ser explorada das mais diversas formas e sob as mais variadas visões, interpretações e

versões. Através da pesquisa exploratória, um pesquisador poderá entrar em contato com um

maior número de leituras da temática em que ele irá se aprofundar.

A pesquisa exploratória é de utilidade quando se pretende formular um problema

ou definir esse problema em questão de forma mais elucidada. Segundo Malhotra (2001) essa

pesquisa ajuda a desenvolver outras hipóteses de um mesmo problema, sugere cursos de ação

para a pesquisa, explorando o problema para prover compreensão e entendimento sobre o

mesmo. Para Marconi e Lakatos (1999), vários procedimentos de coleta de dados podem ser

empregados através da pesquisa exploratória, sem a necessidade do emprego de técnicas

probabilísticas ou quantificáveis. A realização de entrevistas, a observação participante, a

análise de conteúdo, entre outros, são coletas de dados abrangidas pela pesquisa exploratória.

A flexibilidade e versatilidade das técnicas empregadas na pesquisa exploratória

são, segundo Malhotra (2001), algumas das maiores características da pesquisa exploratória.

Muitas vezes, mesmo respeitando os critérios dos métodos de coleta de dados e análise de

dados empregados, ela é uma pesquisa que não se utiliza de grandes protocolos e

procedimentos mais formais, raramente possuindo questionários rigidamente estruturados,

grandes amostragens como objeto de observação e planos de amostragem por probabilística.

Como bem revela Lima (2004), para proporcionar ao pesquisador um contato

mais profundo e direto com o seu tema de estudo, a pesquisa bibliográfica é a mais

recomendada para atingir esse objetivo. Segundo Marconi e Lakatos (1999), a pesquisa

bibliográfica, também chamada de pesquisa de fontes secundárias, abrange toda bibliografia

já publicada referente ao tema de estudo. Nesse tipo de pesquisa, procura-se fonte de

informação em diversos tipos de materiais documentais, desde publicações monográficas a

artigos científicos, através de fotografias, conferências, material impresso, obra audiovisual e

etc. Para melhor analisar as formas de representação do personagem Luiz Inácio Lula da Silva

documentada no cinema brasileiro, essa forma de coletas de dados foi a que melhor abarcou o

perfil da pesquisa desenvolvida.

57

Page 64: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

A pesquisa bibliográfica não é realizada apenas de forma a repetir material já

publicado arranjado de outra maneira ou ordem. Para Manzo (1971) ela proporciona que o

pesquisador desenvolve conclusões novas através do estudo comparativo dos materias já

públicos sobre o mesmo. A respeito da pesquisa bibliográfica Mattar diz (2005, p.86) que

“uma das formas mais rápidas de amadurecer ou aprofundar um problema de pesquisa é

através do conhecimento dos trabalhos já feitos por outros, via levantamentos bibliográficos”.

Assim, é natural que se procure informação e o conhecimento prévio contido em publicações,

jornais, revistas, órgãos governamentais, sindicatos, organizações, entre outros.

Para a presente pesquisa monográfica foram analisados como unidades de estudo

dois filmes que possuem como protagonista o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os

filmes em questão são Lula – Filho do Brasil, de Bruno Barreto, e Peões, de Eduardo

Coutinho.

Analisando comparativamente esses dois filmes que abordam Lula como

personagem, foi possível estabelecer tipos de abordagem diferentes para o tema e

representações diversas para Lula, conforme os autores dos filmes, o método de produção

envolvido na produção deles e o contexto histórico em que cada filme foi realizado.

Em um primeiro momento se analisou cada longa-metragem em separado,

fragmentando sua trama, forma narrativa e elementos empregados em cenas importantes de

cada filme para representar o personagem Lula. Esses elementos que ajudam a construir a

narrativa de cada filme foram analisados se utilizando de publicações e fontes bibliográficas

sobre cinema em geral, em textos sobre esses filmes em específico ou em materias

elucidativos que abordam o tema. Analisando como as ferramentas cinematográficas foram

empregadas em cada filme e em suas cenas, foi possível interpretar como cada filme constrói

o personagem de Lula e qual visão cada filme tenta passar para o espectador sobre o

protagonista.

Por fim, pode-se traçar conclusões comparativas sobre como cada filme interpreta

Lula, o homem real e sua história de vida, e como cada filme constrói um Lula próprio para si.

Também se pôde observar como cada estilo de filme, ficção e não ficção, modificam a

percepção sobre o protagonista dos filmes, imprimindo um maior ou menor senso de realidade

ao personagem para os espectadores.

Dentro do veio qualitativo de pesquisa, o trabalho usará a análise fílmica socio-

histórica de Vanoye e Goliot-Leté, presente no livro Ensaio sobre a Análise Fílmica (1994),

para analisar ambos os filmes que são a unidade de estudo desta monografia. A análise fílmica

58

Page 65: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

geralmente resulta em um trabalho escrito, mas pode também gerar um trabalho audiovisual

ou ainda possuir uma forma mista.

Para Vanoye e Goliot-Leté (1994) analisar um filme é descontruí-lo de forma

detalhista. Dessa forma, é possível observar os elementos individuais que compõem um filme,

uma cena ou mesmo apenas um enquadramento do filme. Quando esses elementos estão

delimitados desta maneira, pode-se analisar como cada elemento, ferramenta ou recurso

fílmico contribuiu para tentar criar para o público certa percepção sobre um assunto presente

no filme. Esses elementos dificilmente seriam de possível observação ao apenas assistir um

filme ininterruptamente, já que as ferramentas e simbolismos individuais se diluem no

conjunto total de uma obra audiovisual. Essa forma de desconstrução de um filme é

apropriada também para que o analista consiga tomar um distanciamento da obra a ser

analisada. Em um segundo momento da análise, se faz necessário reconstruir o filme ou partes

dele, agora já de posse do conhecimento de seus elementos individuais. Ao tomar esses

elementos individuais de um filme, é possível estabelecer ligações entre eles e assim

compreender como esses elementos se associam para criar um significado total das obras.

Dentre os tipos possíveis de análise fílmica de Vanoye e Goliot-Leté, o autor optou

pela análise sócio-histórica. Nela leva-se em conta o contexto interior e exterior em que uma

obra audiovisual foi realizada. Vanoye e Goliot-Leté (1994) destacam que todo filme é fruto

de muitos fatores além das vontades de um determinado autor. Além de aspectos técnicos da

produção de um filme, como condição de filmagem, planejamento, financiadores e promoção,

há aspectos como o contexto em que o filme está inserido culturalmente. Obviamente um

filme é uma expressão de uma determinada cultura e carrega esses traços em si, assim como o

próprio autor de um filme carrega estes traços culturais em si em suas demais obras.

Além disso, um filme está inserido em um momento histórico que pode influenciar

na sua criação, nas suas ideias ou pode condicionar a maneira com que determinado assunto é

exposto. Para os filmes que tratam de Lula como personagem central, é de suma importância

levar em conta o contexto em que os filmes foram realizados. Primeiramente é importante

destacar que Lula é um homem público e ainda vivo, portanto sua história pessoal ainda não

acabou e pode vir a futuramente influenciar na percepção que o público possui sobre ele.

Mesmo se fosse já falecido, sempre há a possibilidade de que novas informações sobre Lula

cheguem ao público e isso alterar a imagem simbólica que se formou em torno dele.

Conforme o momento histórico e conjuntura política, um filme poderia estar sob

pressão de censura ideológica. Ou dependendo de seus financiadores, pode criar percepções

distorcidas, favoráveis ou desfavoráveis a certos assuntos. Há ainda outros fatores pontuais no

59

Page 66: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

caso de filmes com Lula, tais como o período eleitoral. Portanto, é essencial levar em conta o

contexto socio-histórico em que uma obra audiovisual é desenvolvida para assim realizar uma

análise relevante de seus elementos e significados.

Com esta necessidade de analisar os filmes separando-os em seus elementos

individuais em seus elementos individuais e levando em conta o contexto em que eles foram

realizados, é necessário um método de catalogação e organização das informações recolhidas

e percebidas. Assim, foi determinado que a técnica de análise dos campos semânticos de

David Bordwell seria a mais adequada para o presente trabalho.

De acordo com Bordwell (1995) um campo semântico é um apanhado de unidades

linguísticas ou conceituais, referentes a um conteúdo ou elemento em comum. Ou seja, um

campo semântico pode se caracterizar como a delimitação de um assunto dentre vários

assuntos que um filme pode possuir. Após separar um filme em suas partes e elementos

individuais, é possível verificar, por exemplo, quais cenas se preocupam em destacar certo

assunto, ou quais cenas possuem uma mesma forma de observar certo aspecto. Assim, os

campos semânticos são úteis para se catalogar elementos e simbolismos cinematográficos

separados por elementos ou por temática. Desta forma pode-se verificar os padrões que eles se

repetem ao longo de um mesmo filme ou em uma comparação entre filmes diferentes.

Bordwell (1995) destaca que há três etapas para executar este tipo de pesquisa. A

primeira etapa é construir os campos semânticos que podem ser encaixados nos filmes. Após

isto é preciso definir os padrões e assuntos que ordenarão os campos. Posteriormente a estes

passos, pode-se analisar e comparar de forma textual os dados aferidos nos campos

semânticos. É importante também destacar que cada campo semântico pode ser representado

por uma tabela que elenca os elementos em destaque em determinado campo. Os campos

semânticos devem ser organizados conforme a abrangência e a especificidade do campo.

Quanto mais relativo ao total da obra e mais aberto a diferentes elementos, mais abrangente é

o campo. Quanto mais o campo tratar de questões individuais ou elementos restritos, mais

específico é o campo semântico.

Os três campos semânticos a serem aboradados no capítulo de análise são: política,

jornada do heroi e características do personagem Lula. Os indicativos dentro de cada campo

correspondem a um assunto, elemento ou estrutura do campo semântico. Estes indicativos

também são organizados na ordem de mais abrangente para mais específico, conforme os

acontecimentos cronológicos nas narrativas cinematográficas ou dos fatos historicos a eles

relacionados.

60

Page 67: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

7 ANÁLISE DOS FILMES PEÕES E LULA - FILHO DO BRASIL

Peões e Lula - Filho do Brasil possuem entre si um personagem em comum

extremamente popular. Porém, pode-se observar que são filmes com formas e gêneros

completamente diferentes, realizados por cineastas com bagagens culturais e carreiras

distintas no cinema nacional. Para compreender como estes autores e suas referências de vida

profissional e pessoal podem influenciar no resultado final de ambos os filmes, é necessário

entender suas trajetórias.

O diretor de cinema Fábio Barreto vem de uma carreira de cinema comercial

típico, contando em muito com o apoio de seu pai, o experiente produtor Luís Carlos Barreto.

O produtor Barreto despontou no cinema brasileiro como produtor e fotógrafo de filmes do

Cinema Novo, movimento artístico no cinema brasileiro das décadas de 50 e 60 que trazia

traços da cultura popular brasileira apresentados com narrativas experimentais e conteúdo

simbólico de forte conotação política. Com o tempo, Luís Carlos Barreto passou a manter sua

carreira cinematográfica produzindo longa-metragens de cunho comercial, resultando em

filmes nacionais extremamente célebres, como Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976)1,

dirigido por seu outro filho cineasta, Bruno Barreto. Fábio Barreto desde o início de sua

carreira se identifica com a fase comercial das produções de seu pai. Seus filmes usam

narrativas com estruturas básicas já convencionadas no ramo cinematográfico da indústria

cultural. Estas características comerciais de sua cinematografia desagradam muito à crítica

audiovisual nacional. Porém, a alcunha de ser mais um comerciante do que um verdadeiro

artista não incomoda Fábio (2009), que vê sua obra e sua razão de ser como “colaborar para a

existência de uma indústria brasileira de cinema”.

Outro aspecto da filmografia de Fábio Barreto são as ambientações históricas,

algumas vezes remetendo a fatos reais. Nesta gama podemos destacar Luzia-Homem (1988),

O Quatrilho (1995), Bella Dona (1997) e A Paixão de Jacobina (2002). Todos os filmes

lidam com cenários de um passado histórico, dando ainda destaque para grupos sociais pouco

representados na cultura brasileira, muitas vezes comunidades afastadas dos centros urbanos.

Dois de seus filmes se passam no interior do estado do Ceará, demonstrando parte do

cotidiano difícil do sertão. Dirigir uma cinebiografia de um retirante nordestino está bastante

afinado com o repertório do cineasta, já que se trata de um personagem do interior do Brasil,

1 Dona Flor e seus Dois Maridos foi o filme brasileiro de maior bilheteria nacional até o ano de 2010, contando com 10.735.524 de espectadores pagantes, de acordo com o Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, departamento da Ancine – Agência Nacional do Cinema (2013).

61

Page 68: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

lidando com um cotidiano de dificuldade de recursos, que acaba fazendo parte de um contexto

histórico único marcado por eventos que mudaram o país.

O outro diretor Eduardo Coutinho é um documentarista de enorme prestígio no

cinema nacional2. Muito adepto do método documental da entrevista, Coutinho realiza

documentários com o viés da interação com seus personagens. Os personagens de seus filmes

se constroem no momento da entrevista e da interação da equipe com os entrevistados. Ainda,

o próprio Coutinho acaba por se converter em um personagem de seus filmes ao

conscientemente permitir que ele e sua equipe apareçam durante cenas do filme e que eles

mantenham um diálogo com os entrevistados ao invés de ocultar a presença dos cineastas.

Além deste modo interativo de fazer filmes, outro elemento presente na

filmografia de Coutinho é a busca por expressividades da população brasileira mais típica. Em

1960 Coutinho torna-se integrante do Centro Popular de Cultura, organismo da União

Nacional dos Estudantes. Ali ele pôde percorrer o interior do Brasil e registrar de perto a

cultura e as condições de vida do que se concebe como a maior parte da população brasileira,

na maioria das vezes pessoas pobres e miseráveis, de parcos recursos e conhecimento.

Já em 1975, Eduardo Coutinho integra a equipe do Globo Repórter, da rede Globo

de televisão, onde ficaria até 1984. No programa ele realiza não somente documentários

televisivos puramente expositivos sobre um tema, mas consegue também estabelecer um tipo

de interação e construção de personagens únicos, como é o caso de Theodorico, Imperador do

Sertão (1978). São elementos que Coutinho utilizaria mais tarde em seus documentários

cinematográficos.

Ao realizar seus documentários, ele seguiu com a mesma preocupação de registrar

o popular, aquele que ao mesmo tempo é o mais presente e o mais anônimo na sociedade. O

projeto de Peões respeitou estes elementos cinematográficos do autor, que buscou registrar e

interagir com o homem comum e anônimo, que no caso deste filme são os ex-metalúrgicos e

ex-grevistas dos fins dos anos 70 e dos anos 80 no ABC paulista (LINS, 2004).

7.1 CONTEXTO DE PRODUÇÃO DE PEÕES E LULA FILHO DO BRASIL

2 De acordo com a Cinemateca Brasileira (2013) em 1984 o documentário Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho, ganhou 11 prêmios no Brasil e no mundo, trazendo imediato prestígio ao trabalho do cineasta dali para frente.

62

Page 69: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Outro aspecto determinante para a análise das duas obras presentes nesta

monografia é observar o contexto em que elas estão inseridas. Os filmes analisados trabalham

com um personagem que na vida real é alguém com grande influência no meio político

institucional, portanto o contexto político influencia fortemente na pré-produção, produção e

pós-produção de ambos os filmes. Como Lula é uma figura muito popular, se um autor deseja

gerar sucesso de público com seu filme ele pode criar uma imagem de Lula conforme a visão

popular já estabelecida sobre o ex-presidente. Em ambos os casos, motivações políticas e

econômicas podem afetar como é concebido para o público o personagem Lula.

Outro elemento importante na produção de qualquer filme é o seu financiamento,

pois sem ele uma produção sequer é concebida. A produção de um filme custa caro, fazendo-

se necessário um grande investimento público ou privado. Cada financiador possui interesses

quando apoia um determinado projeto cinematográfico, interesses estes que devem ser

levados em conta quando analisado o conteúdo presente nas obras. Um patrocinador pode até

influenciar diretamente no conteúdo de uma obra. Ou de maneira reversa, os produtores de

um filme podem modificar o conteúdo de um filme para apresentar seu projeto de maneira

mais atraente para um patrocinador. Seja no caso de financiadores privados ou públicos, os

interesses de cada parte podem influenciar na maneira positiva ou negativa com que as

temáticas dos filmes serão apresentadas e nos elementos que compõem os personagens.

O ambiente das forças políticas atuantes sobre a produção de um filme são de

enorme influência para o seu resultado final. No caso da política institucional os principais

fatores que devem ser levados em conta para o contexto da produção de um filme são quais as

forças políticas que estão na situação e oposição ao governo vigente e qual o contexto

eleitoral em que a obra é realizada e lançada. No caso de um filme que lida com a figura

pessoal de um político, este personagem pode receber um tratamento que o favoreça ou

desfavoreça no contexto de uma eleição. Conforme os objetivos dos autores em influenciar a

opinião pública ou um determinado público-alvo, certos aspectos pessoais ou políticos podem

ser realçados para cooptar o apoio de uma parcela da população. Assim, é importante levar em

conta inúmeros elementos que compõem o contexto socio-histórico dos filmes para entendê-

los.

Peões foi realizado enquanto se desenrolava a quarta campanha presidencial de

Lula. Tratava-se inicialmente de um trabalho conjunto das equipes de cinema dos

documentaristas Eduardo Coutinho e João Moreira Salles. Ambos tinham consciência de que

aquela eleição do ano de 2002 seria histórica não importando o seu desfecho. Lula já vinha

sendo apontado como favorito, depois de oito anos de governo já desgastado de Fernando

63

Page 70: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Henrique Cardoso. O sucessor de Fernando Henrique, José Serra, era o segundo favorito do

pleito eleitoral. Com a possibilidade da vitória de Lula, ambos documentaristas perceberam a

importância de gravar as campanhas políticas dos dois candidatos à presidência. Com a

impossibilidade para realizar este projeto, ambos resolveram priorizar Lula, cada um a sua

maneira. Enquanto João Moreira Salles registrava a campanha de Lula e desenvolvia o que

seria o filme Entreatos, Coutinho se ateve a uma frase do próprio Lula (apud Lins, 2004, p.

169) “eu só existo e sou o Lula porque existiram as greves do ABC.” Dessa forma, Coutinho

criou uma caracterização de Lula e daquela eleição presidencial através de entrevistas de ex-

participantes das greves metalúrgicas que Lula capitaneou no ABC paulista.

Lula - Filho do Brasil é concebido em um contexto em que Lula não somente já é

o presidente do país como está prestes a sair de seu cargo após o fim de seu segundo mandato.

No ano de 2009 se instaurava um clima de pré-eleição, com a opinião pública se indagando

quem seria o sucessor de Lula no poder executivo. Afinal, quem ficaria à altura do carisma de

Lula era uma grande dúvida. Por maior que fosse sua popularidade, não havia segurança de

que o eleitorado, acostumado a exercer o voto de forma mais personalista do que de forma

ideológica-partidária, concederia mais quatro anos para o PT na presidência.

Neste ambiente é lançado o Filho do Brasil, que de forma dramática e épica,

reconta a história de Lula desde o nascimento até a vitória de seu primeiro mandato. Pelo

contexto de seu lançamento, com Lula ainda no poder e brevemente em campanha eleitoral

indireta, o filme atraiu todo tipo de polêmica. Primeiramente foi questionada qual a imagem

de Lula que o filme iria estimular no público. Com Lula ainda no governo, se imaginava que o

filme seria amplamente financiado pelo Governo Federal, o que causaria interferência na

produção e na imagem de Lula. Além disso, o filme utilizou como base para o roteiro a

biografia oficial que Denise Paraná fez de Lula, que também colaborou diretamente com o

roteiro. O livro retrata a vida do ex-presidente de maneira bastante positiva e edificante. Para

afastar as possíveis críticas, Luís Carlos Barreto procurou financiar o filme sem dinheiro

público, para passar a credibilidade de que o filme não iria sofrer interferência governamental.

Por outro lado, segundo reportagens da revista Veja (Azevedo, 2009) e da revista Cult (Socha,

2009) os patrocinadores privados do filme são empresas ou com ligação direta com o governo

ou que executaram serviços ao governo e obtiveram muito lucro nos governos de Lula. Com

todas estas polêmicas ainda em sua produção, Fábio Barreto conseguiu dirigir um dos filmes

64

Page 71: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

mais caros da história nacional e contou com receptividade muito abaixo do esperado nas

salas de cinema.3

7.2 CAMPOS SEMÂNTICOS

O trabalho da análise de filmes é congelar sequências individuais das obras e

destacar sua importância para o seu resultado final, que em última instância controla de que

forma o personagem Lula é desenvolvido e poderá ser interpretado pelo público

cinematográfico. Para separar estes momentos específicos, os campos semânticos são uma

ferramenta muito útil. Através de tabelas que destacam momentos e cenas elementares dos

filmes, se faz possível perceber os esforços que foram feitos em cada filme para a criação de

uma figura específica de Lula. Além disso, é possível traçar nestes campos semânticos uma

comparação entre os filmes na forma com que cada um aborda um tema ou emprega

ferramentas para obter um resultado que se almeja. Para este propósito, foram criadas tabelas

para representar três assuntos que compoem campos semânticos identificáveis nos dois filmes

em análise: a Jornada do Heroi, a Política e Personagem Lula.

A seguir, constarão as tabelas com os momentos de importância de cada filme já

elencados, necessitando posteriormente de uma análise descritiva sobre cada aspecto e os

elementos que se sobressaem em cada campo semântico. Ainda mais adiante nesta

monografia, serão desenvolvidas conclusões e considerações finais acerca do capítulo de

análise e do presente trabalho como um todo, sempre tendo em vista a busca pelos objetivos

iniciais traçados.

Jornada do Heroi

Indicações Apontamentos Peões Lula - Filho do Brasil

Mundo

Comum

- Entrevistados de

Várzea Alegre

- Miséria e seca no

nordeste brasileiro

3 À época do lançamento do filme, a produtora do filme Paula Barreto (2009) afirmou que o orçamento do filme era de R$ 12 milhões, o maior da história do cinema nacional. O consultor da produtora do filme, Luis Carlos Barreto (2009) esperava que o filme poderia alcançar a marca inédita de até 20 milhões de espectadores. De acordo com Observatório Brasileiro de Cinema e Audiovisual (2009), o filme obteve 848.733 espectadores pagantes.

65

Page 72: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

- Nasce Luiz Inácio,

que sem conhecer o

pai, vive vida difícil

no interior de

Pernambuco com a

mãe e os irmãos.

Chamado à

Aventura

- Busca de melhores

oportunidades de vida

- Socorro ouvia sobre

as greves de 1979 no

rádio e se

emocionava, queria

ser metalúrgica

- Após receber carta

de Jaime, Dona Lindu

vai com os filhos para

Santos, SP. Lula “se

atira no mundo”,

como pai.

Recusa do

Chamado

- No meio da viagem

à Santos, Lula fica

chocado com morte

de um dos passageiros

que não resiste à

trajetória.

Encontro

com o

Mentor

- Letreiro

informativo: Lula

surge como líder dos

metalúrgicos

- Joaquim diz que

Lula era como um

segundo pai

- Lula conhece seu pai

Aristides, que rejeita

66

Page 73: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

ele e sua família .

- Dona Lindu assume

a criação de sua

família e de Lula após

briga com Aristides

- Lula conhece

Feitosa, presidente do

sindicato dos

metalúrgicos

- Dona Lindu

aconselha Lula até o

fim da vida

Travessia do

Primeiro

Limiar

- Zélia relembra da

entrada de Lula no

sindicato e das

mudanças

- Lula, em Linha de

Montagem (1982)

influenciando

grevistas a seguirem

na luta

- Dona Lindu

matricula Lula no

SENAI

- Lula é aceito em

fábrica

- Ziza apresente

sindicato dos

metalúrgicos à Lula

- Lula aceita vaga no

sindicato dos

metalúrgicos

67

Page 74: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Testes,

Aliados e

Inimigos

- Trabalho na fábrica

era “escravo”, como

diz Zacarias

- Cena de Linha de

Montagem:

metalúrgicos em

assembleia de Vila

Euclides gritam

“Trabalhador unido,

jamais será vencido”

- Perseguição policial

nas ruas

- Estádio Vila

Euclides interditado

por governo

- João Chapéu: logo

depois de greve de 80

foi demitido por ter

participado da greve

- Nice e Januário

contam da dificuldade

de equilibrar vida

operária, sindical e

familiar-pessoal

- Lurdes não aceita

bem a ideia de seu

marido entrar para

sindicato.

- Morrem Lurdes e

seu filho recém

nascido.

- Lula desafia e acusa

Feitosa, presidente do

68

Page 75: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

sindicato.

- Lula busca irmão

Ziza, preso e

torturado pelos

militares.

Aproximação

da Caverna

Oculta

- Tê diz que a

preparação de uma

“greve é que nem um

parto”

- Lula triste com

morte de Lurdes,

ocupa ainda mais seu

tempo com sindicato

- Lula é eleito

presidente do

sindicato dos

metalúrgicos de São

Bernardo do Campo e

Diadema

- Lula prepara greve

do sindicato

Provação - Perseguição às

greves

- Intervenção federal

no sindicato

- Lula e diretoria do

sindicato são presos

- Demissões de

grevistas

- Dona Lindu está

doente em cama de

hospital

- Lula pondera em

parar greve e

69

Page 76: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

companheiros e

chamam de traidor

Recompensa - Lula, em imagem de

ABC da Greve,

decreta greve

novamente em 1980

- Lula é mantido na

diretoria do sindicato

- Mesmo com

fracasso da greve de

1980, Lula desponta

como figura nacional

- Greve dos

metalúrgicos segue,

mesmo com Lula e

lideranças presas. “Se

não soltar o Lula,

ninguém vai

trabalhar” clamam os

grevistas.

Caminho de

volta

- Elza: “Olha onde ele

[Lula] tá hoje”

- Letreiro informa que

Lula foi liberado da

prisão e tentou se

eleger presidente da

república por três

vezes. E ele seguiu

tentando.

70

Page 77: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Ressureição - Tê: “Lula está

chegando ao poder”

- Letreiro final: Lula é

eleito presidente em

segundo turno

- Lula é eleito

primeiro presidente

de origem humilde do

Brasil

Retorno com

Elixir

- Hoje Bezerra vota

com a própria

consciência, não à

cabresto

- João Chapéu no

sindicato aprendeu

que só se melhora de

vida lutando

- Nice: “fiz meu papel

pra que hoje as

pessoas possam se

expressar com mais

liberdade”

- Januário: “...faria

tudo de novo”

- Mensagem final ao

espectador: “Nossa

esperança é maior do

que o nosso medo.”

Ambos filmes em análise possuem traços da clássica jornada do heroi. Peões

possui traços mais fragmentados, menos preso às etapas e à ordem cronológica das etapas da

jornada do heroi. Já Lula - Filho do Brasil é bastante próximo da jornada padrão. O uso da

formula da jornada do herói em cada filme pode se dar por conta do tipo de filme que cada

diretor pretendia realizar.

71

Page 78: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Peões, tratando-se de um documentário, não possui tendência a trabalhar com uma

jornada do heroi, já que os personagens que compoem sua narrativa são pessoas que prestam

depoimentos para um entrevistador, supostamente de maneira espontânea. Além desta

premissa básica da forma documental participativa, Eduardo Coutinho em seus trabalhos opta

por realizar cortes das falas de um entrevistado para outra fala dele mesmo, até o momento

que se esgotarem os assuntos da conversa ou as ações dos personagens que demonstram ao

público traços peculiares de suas personalidades. Dessa forma, cada ex-metalúrgico

entrevistado relata separadamente a sua jornada pessoal, que acaba por ter traços da jornado

do herói clássica. Ainda assim, cada entrevistado vê e relata sua trajetória a sua maneira, de

forma que há semelhanças e diferenças entre as histórias de cada ex-operário. Algumas

histórias dos ex-metalúrgicos retratam maior ou menor sucesso em suas jornadas pessoais e

seus objetivos, mas todos atestam que participaram de acontecimentos que deixaram

influências para o resto de suas vidas, um traço essencial das míticas jornadas do heroi.

Em Peões é possível aplicar a lógica da jornada do heroi de forma mais básica e

com alguns de seus passos mais triviais. Invariavelmente, há vários elementos que condizem

com os elementos de uma jornada, principalmente o fato de que cada entrevistado pode ser

considerado um heroi que percorreu uma trilha de aventuras e desbravações em busca de uma

recompensa, seja essa recompensa a qualidade de vida, seja a conquista de direitos

trabalhistas para sua categoria, seja a conscientização política própria e de seus próximos.

Todos entrevistados atestam que não foram mais os mesmos desde que empreenderam a

viagem do nordeste ao sudeste em busca de emprego melhor. Ainda mais modificados

ficaram aqueles que participaram ativamente das greves e até mesmo de organizações

sindicais.

Peões inicia suas entrevistas na cidade de Várzea Alegre, no interior do Ceára.

Esta característica já denota o tipo de depoimento que Coutinho colhe de seus entrevistados: a

viagem de ida e de volta do retirante nordestino em busca de melhores oportunidades de vida.

Assim, logo é possível estabelecer um paralelo com a jornada do herói, visto que ela sempre

descreve a trajetória de um indivíduo que explora um mundo novo e volta ao seu lugar de

origem para trazer as experiências que colheu na jornada. Este é o caso destes ex-metalúrgicos

de Várzea Alegre. Todos saíram de seu lugar de origem pacato para enfrentar o desconhecido

mundo metropolitano em plena ascenção industrial do ABC paulista. Nenhum deles tinha

referência de como seria o modo de vida e de trabalho lá, apenas tinham o objetivo de

experimentar outra vida para poder voltar ao interior do Ceará em melhores condições

financeiras.

72

Page 79: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Quando se relaciona a jornada do herói com o mito do retirante nordestino, não é

possível traçar a figura de um Mentor para a jornada que os retirantes realizaram. Em

nenhuma entrevista eles citam alguma referência de algum migrante nordestino específico de

sucesso, tampouco é aclarado no filme que informações os levaram a empregar esta jornada

sem terem conhecimento dos desafios que teriam de enfrentar para sobreviver e estabelecer

uma vida com mais recursos financeiros.

Ao analisar a jornada do heroi compreendendo a luta sindical e a luta dos

metalúrgicos por direitos, fica claro que o Mentor de todos ex-grevistas é Lula. Ele mostrou

aos metalúrgicos a importância de reivindicar direitos, conscientizou os metalúrgicos de que

cada um possui importância política, estimulou a luta e união de trabalhadores de diferentes

ramos, inspirou os metalúrgicos a se mobilizarem e a acreditar em uma vida melhor, a

acreditar em uma greve que funcionasse como pressão para negociar com os donos das

empresas por melhores condições de trabalho e a acreditar no sindicalismo como método de

organização para a luta de direitos da classe trabalhadora. Peões condensa este aspecto de

Lula como inspirador dos valores da jornada do heroi de cada ex-grevista com um fragmento

do filme Linha de Montagem (1981), em que Lula (2004) diz que “nunca os trabalhadores

conseguiram ganhar nada sem que houvesse luta, sem que houvesse perseverança, sem que

houvesse disposição de brigar até o fim”.

Os grevistas que abordam o assunto das greves são unânimes em declarar que as

greves dos metalúrgicos não seriam as mesmas sem Lula como presidente do sindicato e líder

de massas. O metalúrgico Geraldo (2004) diz que na luta por melhoras através das greves

Lula foi efetivamente um heroi. Ainda de acordo com outros ex-grevistas, muitos

metalúrgicos anteriormente apáticos e apolíticos passaram a acreditar na importância de lutar

por direitos humanos, de se envolver com política e sindicalismo e na possibilidade de vitória

da categoria metalúrgica graças a disposição e a vontade de vencer de Lula.

Os peões também falam de todos sacrifícios que fizeram, seja na vida profissional

ou mesmo pessoal, por conta da exploração do trabalho, da falta de respeito pela vida do

trabalhador, das perseguições de quem se envolve com sindicalismo e política. O que todos

atestam em comum é o orgulho em terem feito tudo o que fizeram e orgulho de eles serem

quem eles são hoje. Alguns, como Geraldo e Antônio (2004) enfatizam o orgulho de exercer

sua profissão de metalúrgico de maneira bem feita e incessante. Outros demonstram este

orgulho em uma forma mais política, seja na conquista de direitos para trabalhadores seja em

um âmbito mais político e trangressor. Para a ex-sindicalista Nice (2004), ter participado das

greves e passeatas em apoio às greves foi uma forma de desafiar o poder das empresas e do

73

Page 80: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

próprio regime político. Ela se diz satisfeita de durante a ditadura militar poder ter contribuído

para a conquista da liberdade de expressão no Brasil.

Alguns dos ex-grevistas relatam trajetórias de maior sucesso que outros. Geraldo

(2004) revela que até a data da gravação do filme ele ainda era metalúrgico. Socorro voltou a

sua terra natal de Várzea Alegre, mas depende da pensão do ex-marido para se sustentar, pois

não há emprego na cidade. Já metalúrgicos mais envolvidos com os sindicatos tiveram mais

oportunidades no futuro. Januário, por exemplo, trabalhou como fotógrafo em sindicato e

ainda foi votado para exercer três mandatos sindicais. Bitu (2004) diz que foi demitido por

participar de greve em 1988, mas hoje é muito feliz trabalhando junto com movimentos

sociais e comunidades carentes através da prefeitura de São Bernardo do Campo. Apesar das

diferenças nas trajetórias de cada um, cada ex-grevista participou de uma jornada que os levou

para fora de seus cotidianos e acabou por transformá-los neste processo.

Lula - Filho do Brasil é uma ficção de padrão comercial e por esta razão segue as

prescrições de sucesso instantâneo dos manuais de roteiro, que se baseiam na jornado do

heroi. Em grande parte o filme se enquadra nesta forma. Porém, há muitos momentos

desconexos entre si, o que demonstra que apesar da vontade de realizar um roteiro em um

formato facilmente compreensível e consumível pelo público, há cenas que parecem possuir

importância para a formação do personagem principal, mas são cenas que não procuram em

nenhum momento fazer com que a trama do roteiro se desenvolva. Como um exemplo pode-

se citar as cenas em que a professora de colégio de Lula elogia sua inteligência e esforço para

logo em seguida ela se oferecer para adotá-lo. Após essa cena, ocorre uma briga que resulta

na separação do pai de Lula do resto da família. Nesse sequenciamente de cenas, não é

possível ver um critério que conecta as duas cenas, ficando uma destinada a mostrar uma

característica do protagonista e a outra cena responsável por dar real sequência aos eventos da

trama.

Filho do Brasil é um melodrama clássico com Lula sendo Lula o Heroi

melodramático perfeito, aquele que apesar de todas adversidades e prognósticos persevera na

sua jornada ao se manter íntegro aos seus valores e aos valores que sua Jornada e Mentora

representam. Ele é o menino pobre que possuía como único alicerce a família e

principalmente sua mãe Dona Lindu, a Mentora da jornada. Lula, sempre carregando consigo

a esperança e a ética que sua Mentora lhe inspirou ao longo da jornada do filme, alcança a

redenção de sua jornada ao chegar à presidência da República, com a promessa de ser um

redentor para seu povo, seja ele o nordestino, o pobre ou o trabalhador explorado. Assim ele

74

Page 81: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

torna-se como sua mãe, inspirando a esperança, a força de lutar e a ética, completando sua

jornada vencendo todas as forças que se abatiam contra ele.

A opção pela forma básica de jornada do heroi pode ser entendida de duas

maneiras. A principal tem a ver com o diretor do filme Fábio Barreto, que possui uma

cinematografia composta por filme com pretensões comerciais, que portanto obedecem aos

padrões narrativos e estéticos já instituídos do cinema massivo. Estes padrões funcionam

como um salva-guarda para alcançar sucesso de público, já que a população com contato com

as artes audiovisuais já estariam acostumadas a um padrão de elementos, e ao mudá-los um

cineasta estaria dificultando o sucesso de seu filme ao fazer uma obra que pode ser

trangressora e incompreensível para o grande público acostumado aos padrões.

A outra justificativa é que por se tratar de um filme que explora a figura de uma

pessoa muito popular, o roteiro só poderia seguir padrões populares de gosto da maior parte

da população. Somado ao tema, o filme teve lançamento contando com um esquema robusto,

que segundo Fábio Barreto (2009) contou com 400 cópias distribuídas em sua estreia nos

cinemas.

Assim como nos melodramas, as “forças do mal” se abatem sobre Lula e sua

família como ondas incessantes e disformes, muitas vezes forças que estão fora do controle

dos personagens. A seca do nordeste é uma dessas forças. A chuva que derruba o barraco da

família em Santos é outro exemplo, sempre ligado a uma força ou característica da natureza.

Quando Lula e Ziza começam a se envolver com sindicalismo, o roteiro passa a materializar

essas forças opositoras como o regime militar, seja na política de arrocho salarial, seja na

estrutura legislativa que mantém os sindicatos controlados ou no momento em que Ziza é

preso por seu envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro. Nos momentos de greve dos

metalúrgicos o regime militar, atuando na forma da Lei e de seus executores burocratas e

policias, declara a greve ilegal, intervém no sindicato e prende sua diretoria e Lula. Apenas na

cena final da conquistada da presidência da república é que Lula vence todas as forças que

impediam a alguém de suas origens a alcançar este posto de poder.

Dona Lindu é a Mentora principal da jornada. Porém, há outras pequenas jornadas

do heroi dentro da jornada geral de Lula. No início do filme há um arco da estória em que

pode-se identificar que o pai Aristides brevemente ocupa o espaço do Mentor. Dona Lindu

(2010) fala para o pequeno Lula que “seu pai caiu no mundo” ao explicar a ausência do pai

em busca de recursos para sustentar a família. Devido ao fato de Aristides conseguir mandar

dinheiro para a família trabalhando em Santos, a família não acha descabida a proposta que

Aristides lhes faz em uma carta para que eles venham morar com ele, mesmo que a carta fosse

75

Page 82: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

um texto falso escrito por Jaime, irmão mais velho de Lula. Quando Dona Lindu decide rumar

para Santos, Lula (2010) exclama “Agora é nossa vez de cair no mundo!”, demonstrando que

ele está seguindo os passos do pai, que inspira esta etapa da jornada.

Ao conhecer o pai, é estabelecido no roteiro que a mentora passa a ser a mãe de

Lula. O pai não aceita a família do nordeste em Santos. Ao conviver com o pai, Lula vê que

ele não é um personagem que seja exemplo de virtude e valores de sua jornada. A partir daí o

grande referencial de Lula será quase que exclusivamente sua mãe, enfim a mentora da

jornada. Ela é a força de vontade que luta por uma vida melhor para sua família, não

importando o quão improvável sejam as chances deles conseguirem melhorar de vida.

Quando Lula ingressa no sindicato, o presidente atual Feitosa passa a ser outro

mentor. Ao aceitar entrar no sindicato, aceita o sindicalista Feitosa como um mestre. Ao falar

nas assembleias, ele atrai a atenção de Lula para o sindicato. Depois ele lhe consegue o

primeiro emprego fora da linha de montagem da fábrica. Lula torna-se seu pupilo dentro do

sindicato, mostrando a ele como funciona a entidade e para que ela poderia ainda servir.

Com a decepção que Feitosa se torna para Lula, o heroi reafirma que Dona Lindu é

sua mentora, principalmente no que tange os seus valores e a esperança de lutar por uma vida

melhor, mesmo que para Lindu isso não se traduza como o sindicalismo. A própria Lindu não

se põe verdadeiramente contra, pois apoia o filho, mas mantém-se preocupada frente ao

contexto em que eles vivem. Efetivamente, ela anteviu os problemas a serem enfrentados na

próxima etapa da jornada do heroi, em seu terceiro ato dedicado à luta sindical.

A mentora de Lula, Dona Lindu, é uma figura bem trabalhada ao longo do filme.

Até o momento final o espectador é lembrado de sua importância para a formação de Lula,

utilizada como uma das justificativas para explicar como Lula pôde perseverar e chegar no

posto máximo de poder na República do Brasil.

A jornada de Lula em Filho do Brasil é materializada pelo desejo de se alcançar

uma vida melhor. Inicialmente este conceito de vida melhor é apenas um emprego com

melhor renda mediante menor esforço. Após passar pela infância miserável no nordeste e pela

adolescência pobre no ABC paulista, Lula alcança o primeiro objetivo que sua mentora, Dona

Lindu, sempre traçou para o filho-heroi: ser metalúrgico. Após este evento, a vida de Lula e

de sua família mudam, pois apesar de seguirem vivendo de forma humilde, possuem salário

estável e suficiente para custear elementos básicos e bens de consumo que garantem

comodidade e entretenimento. Até certo ponto da jornada, a preocupação de Lula passa a ser o

futebol e as novelas televisivas. O despertar para o segundo momento da jornada acontece

conforme aumenta o envolvimento de Lula no sindicato. Deste momento em diante, os

76

Page 83: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

valores da jornada de Lula se materializam no fortalecimento do sindicato dos metalúrgicos

para organizar e politizar a classe dos trabalhadores da indústria para lutarem por condições

mais dignas de trabalho.

Ao final o filme deixa uma mensagem ambígua em relação ao resto do roteiro. A

penúltima cena do filme é um anti-climax em que o futuro da greve está incerta, o sindicato

está sob intervenção, Lula e suas lideranças estão presos e por fim sua mãe morre. Na última

cena do filme, Lula termina sendo empossado Presidente do Brasil e se escuta sua voz

discursando, relembrando que o exemplo da mãe o fez chegar até ali. Os problemas

desenvolvidos na trama não foram resolvidos. Nem Lula nem sua mãe anteviram um futuro

com o filho presidente da República. Tampouco é mencionado a construção deste objetivo, a

tomada de poder como o caminho para o sucesso da jornada e redenção dos trabalhadores

explorados. Ao se pensar em um espectador que desconhece completamente a história real de

Lula, o final do filme é uma surpresa sem explicações.

Política

Indicações Apontamentos Peões Lula - Filho do Brasil

Metalúrgico/

Peão de

fábrica

- Antônio: “já estou

preparado para ver meu

filho peão de fábrica.”

- Antônio: “É desmérito

[ser peão de fábrica]? É

orgulho!”

- Geraldo tem orgulho

de fazer um trabalho

bem feito

- O filho pequeno de

João Chapéu achava

que todos carros tinham

peças que o pai tinha

feito na fábrica.

- Januário diz que

atualmente empresas

mecanizadas

77

Page 84: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

eliminaram muitos

postos de trabalho que

metalúrgicos

realizavam

- Lula realiza o sonho

da mãe de vê-lo

metalúrgico

Falta de

direitos

trabalhistas

- Zacarias: “a gente era

tratado como escravo”

- Antônio e George:

Acidentes de trabalho e

condições insalúbres.

“Por que [você acha]

que Lula não tem um

dedo?”

- Lula, cansado pelo

excesso de trabalho,

acidentalmente deixa

prensa de máquina cair

sobre sua mão e perde o

dedo mínimo.

Classe

patronal,

empresários

- Zacarias ia chorar no

banheiro de raiva para

não bater em chefes

- Antônio diz que

“Quando a gente se

acidenta é um

desmerecimento

profissional muito

grande.”

- Lula na greve de

1980, em cena de Linha

de Montagem “Todos

78

Page 85: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

sabem porque estamos

em greve...só não

querem saber os nossos

empresários.”

- Lula lamenta que

grevistas aliados de

Ziza tenham matado um

empresário em

confusão dentro de

fábrica

- Lula diz que patrões e

funcionários não são

inimigos, pois um paga

o salário do outro

Sindicato - João Chapéu:

“Sindicalismo, eu acho

isso uma coisa linda!”

- Zacarias chama

Coutinho de

“companheiro”.

- Cena de ABC da

Greve: “Trabalhador

unido jamais será

vencido.”

- Lula em cena de

Linha de Montagem:

“Eu já falei que

sindicato não é esse

prédio.”

- Lula assume como

“sangue novo” no

sindicato

79

Page 86: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Greve - Tê: Greve é que nem

gestação e parto

- Cenas de Lula em

assembleia

- Cena de Lula em

pedindo aos grevistas a

volta ao trabalho

- Socorro: greves

possibilitaram às

pessoas lutarem por

seus direitos em uma

época em que isso era

proibido.

Nice: a luta por direitos

ajudou a reacender

liberdade de expressão

no país.

Regime

militar

- Cartão “a repressão é

violenta”

- Zacarias: corri muito

da polícia. Vi muitos

companheiros sendo

preso.

- Socorro fala sobre

greves de 1979 e 1980:

“Até aquele tempo era

proibido lutar.”

Nice: “eu dei a minha

participação pra que

hoje as pessoas possam

ir pra rua, possam

criticar, possam opinar,

80

Page 87: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

porque na época nós

não podíamos.”

- Elza diz que Lula foi

mais perseguido pelo

governo do que os

outros

- AI-5 Lula: “eles já

tomaram tudo, que

querem mais?”

- Irmão de Lula é preso,

agente da repressão

- Lula diz que o povo

ainda vai se revoltar

contra a opressão do

governo

- Governo intervém em

greve e sindicato

- Polícia prende Lula

Despertar de

consciência

política

- João Chapéu aprendeu

que só se conquista

direitos ao se

conscientizar deles e

lutar por eles.

- Bezerra hoje vota com

consciência própria.

- Zé Pretinho diz que se

com Lula eleito

presidente “nada vier

pra nós, aí o bicho

pega!”

- Lula preferia novela à

sindicato até conhecer

de perto a entidade

81

Page 88: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

- Lula observa

diferença injusta entre

patrões e empregados

Partido dos

Trabalhadore

s

- Tê: a propostado PT

seria fazer tudo

diferente na polítca

- Zé Pretinho: O plano

de governo do Lula é o

PT

- Geraldo votou nos 13,

Lula e Mercadante

- Não há nenhum

registro em Filho do

Brasil, mesmo na cena

da eleição de Lula.

Ideologia - Tê: “O Lula está

chegando ao poder, não

o PT.”

- Zé Pretinho se diz de

esquerda, confia em

Lula, mas também sabe

que governo é incerto

- Lula critica PCB,

partido do irmão Ziza,

como arruaceiros

- Feitosa diz que

ideologia é coisa pra

bitolado

-Lula diz em

assembleia que

trabalhador não é nem

de direita, nem de

82

Page 89: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

esquerda

- Lula, ao ser

interrogado por militar,

diz que não é comunista

Em Peões as posições políticas e percepções sobre o trabalho de fábrica,

sindicalismo, eleições, patrões, militância podem servir para verificar como pensa uma parte

do eleitorado de Lula e que por terem convivido com ele parecem apontar para quais eram ou

ainda seriam as posições políticas do próprio Lula. Como alguns entrevistados dizem, a

maioria não convive com Lula há muito tempo, mas a memória que eles mantém do ex-líder

sindical e candidato à presidente da república é positiva e esperançosa.

Em Lula – Filho do Brasil as cenas mostram as percepções do personagem de Lula

sobre atividades políticas (como sindicalismo, greves e eleições), grupos socias (metalúrgicos,

empresários, funcionários, chefes) e ideologia quanto à regimes políticos (ditadura militar,

democracia, esquerda, direita). Como se trata de um filme de ficção atrelado politicamente ao

período eleitoral da campanha presidencial de 2010, o Lula criado para o filme age de acordo

com as percepções que se pretendia imprimir no potencial eleitor de Lula. Há um esforço para

não posicionar Lula dentro de uma corrente política tradicional ou radical, enfatizando sua

falta de ortodoxia e seu papel conciliador já desde a época sindical. Para tanto, há cenas com

diálogos desenvolvidos para expor de forma clara quais seriam as posições políticas deste

Lula personagem, não o homem real, mas aquele Lula candidato concebido pelas equipes de

comunicação e propaganda eleitoral.

Sobre a visão que os metalúrgicos possuem de si mesmo, os entrevistados de

Peões em geral demonstram orgulho do trabalho que faziam como metalúrgicos. Geraldo

(2004) tem orgulho de fazer até hoje um trabalho bem feito. Antônio (2004) em 1975 já

queria ver seus filhos como metalúrgicos, como acabou ocorrendo de fato. Na sua fala é

possível perceber que ele tem ciência de que a profissão de metalúrgico seria algo mal visto

aos olhos da sociedade, trabalho para mão de obra física e desqualificada, por isso ele

reafirma o orgulho que tem pela própria profissão. João Chapéu (2004) quase chora ao contar

o orgulho que o filho pequeno sentia pela profissão do pai, pois o menino achava que cada

carro que ele enxergava na rua possuia uma peça que o pai havia confeccionado. Por fim,

Januário (2004) faz uma análise da situação do operário fabril na época das greves do ABC e

83

Page 90: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

compara com a situação atual. Ele diz que um momento é muito diferente do outro, já que

hoje muitos postos de trabalho nas fábricas foram substituídos através da mecanização,

gerando desemprego na categoria e portanto uma reserva de mão de obra no mercado. Ele

acha muito difícil haver coesão e mobilização operária nestas condições instáveis de mercado

e emprego. Esta fala mais analítica demonstra o conhecimento maior que Januário possui de

sua classe, muito provavelmente graças a sua trajetória sindical.

Da mesma maneira que os ex-grevistas de Peões, o Lula de Filho do Brasil é

alguém orgulhoso de sua profissão. Mesmo antes de trabalhar como metalúrgico, ele e sua

mãe cultivavam o sonho de conseguir a profissão. Na adolescência, ao ver metalúrgicos em

suas vestimentas de trabalho, Lula diz que ainda vai ter um macacão. Após isto Lula se forma

pelo Senai e passa a exercer a função de metalúrgico. No primeiro dia de visita a uma fábrica,

Lula faz questão de manchar seu macacão com óleo, somente para despertar orgulho na mãe.

O apego de Dona Lindu é grande a ponto dela lembrar de salvar o macacão de Lula quando o

barraco da família está inundando. Estas cenas cumprem a função de mostrar ao público que

Lula valorizou o seu trabalho do metalúrgico e demonstra este orgulho até hoje, não

pretendendo esconder seu passado de vida difícil.

O trabalho nas fábricas são apontados não sendo apenas como difícil, mas sendo

abusivo e sem condições de segurança e saúde. Zacarias (2004) fala como os empresários e

chefes exerciam pressão desumana sobre seus trabalhadores, exigindo metas e ameaçando-os

com o desemprego imediato. Para o ex-metalúrgico esta situação era de escravidão. George

(2004), metalúrgico filho do também metalúrgico Antônio, fala que até hoje a área de solda

em que trabalha é totalmente isalubre e perigosa. Ele e o pai associam esta falta de respeito

pela vida como uma das principais motivações para tantas greves metalúrgicas. Ainda

relembram que há muitos acidentes de trabalho, dentre eles o acidente que fez o próprio Lula

perder o dedo mínimo da mão esquerda. Em Filho do Brasil, há a encenação do momento em

que Lula perde o dedo. A cena demonstra que Lula cometeu um erro ao operar a máquinha

pois estava cansado, devido à quantidade de trabalhos diferentes que ele precisa ter para se

sustentar. Isto demonstra a vida dura e sujeita a riscos de vida do operário de fábrica.

A relação dos donos das fábricas com seus funcionários, patrões e peões, é

retratada de maneira diferente em Peões e Lula – Filho do Brasil. Zacarias (2004), que conta

que diante das pressões dos patrões, precisava se conter para não golpeá-los, devido à raiva

que sentia. Ao invés disso, ele se controlava e ia ao banheiro chorar, para não perder o

emprego. Antônio (2004), que já se acidentou com queimaduras, lembra o quão ultrajado um

metalúrgico se sente com o que os chefes passam a pensar de alguém que comete um erro no

84

Page 91: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

trabalho. O próprio Lula (2004), em cena do filme Linha de Montagem afirma que a greve

tem motivos óbvio para acontecer, mas a classe patronal não admiti a situação e nem tem

interesse em entendê-la. Depoimentos como estes mostram a tensão, disputa e a desigualdade

de poder entre os que trabalham em uma fábrica e os que as comandam, além de uma relação

de ressentimento. Em Filho do Brasil, as falas de Lula trazem um discurso diferente. Quando

ele assume a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema,

Lula (2010) faz questão de dizer que nenhum trabalhador é inimigo dos patrões, pois eles que

contratam e pagam o salário de todo funcionário. Lula ainda faz uma defesa de um empresário

que é atacado e morto por grevistas que são parceiros de seu irmão Ziza, durante uma greve

em 1963. De acordo com Lula, não há exploração que justifique matar um homem.

É possível identificar uma cultura sindical nos ex-metalúrgicos de Peões. Zacarias

(2004) durante sua entrevista se dirige ao entrevistador Eduardo Coutinho chamando-o de

“companheiro”, termo que foi popularizado nos sindicatos. Outros falam do quão gostavam e

da importância do sindicato para a união, organização e educação da categoria metalúrgica.

João Chapéu pode ler as histórias de luta dos trabalhadores de outros países para se inspirar.

Este aspecto educativo do sindicato dos metalúrgicos é atestado por Lula (2004), em cena

extraída do filme Linha de Montagem (1982), que ele diz que o sindicato não é aquele prédio,

sindicato é a ação do trabalhador em transformar sua vida social e a de seus companheiros de

classe. Antônio ia em muitas reunião e participou de todas as greves, mesmo a custa de

perder contato com sua família. Há ainda os que se tornaram sindicalistas, como Djalma, Nice

e Januário. Em Filho do Brasil, Lula inicialmente não gosta da ideia de sequer conhecer o

sindicato. Mais tarde na trama, ele gosta da ideia de trabalhar na entidade, mas pretende ser

“sangue novo” na administração, fazendo sindicato ser uma ferramenta de luta e de

negociação dos trabalhadores. Ao longo do filme, Lula mantém o caráter combativo e

autêntico de seu sindicalismo.

As greves em ambos filmes são retratadas em suas amplas dificuldades e desafios,

além de destacar o papel de Lula na sua liderança. Em Peões é mostrado, seja nas falas de

entrevistados, seja em imagens de arquivo, a repressão policial e a intervenção no sindicato,

assim como a prisão de Lula. Zacarias (2004) compara as manifestações e os piquetes das

greves com um movimento de guerra. Nice (2004) avalia o papel político que as greves

tiveram em tempos de ditadura militar, um evento que despertou os brasileiros para a

mobilização e liberdade de expressão. O papel de Lula é fundamental para o andamento das

greves, de acordo com Geraldo (2004) ele foi um heroi e exemplo para todos na época. Estas

85

Page 92: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

falas são corroboradas por imagens de arquivo em que Lula incita as greves e ao mesmo

tempo pede organização, ordem e calma.

Em Filho do Brasil, Lula tem o papel de ser a voz e guia do trabalhador. No filme

ele sofre mais pessoalmente as pressões de ser o líder de milhares de pessoas, pois apesar de

tomar suas decisões com firmeza, ele sempre possui dúvidas, que muitas vezes o faz consultar

a mãe em busca de conselhos. Há momentos que ele é chamado de traidor por companheiros,

quando ele pede pelo fim da greve em vista de que o governo vai invadir a sede do sindicato e

cassar a diretoria. Porém, Lula é apoiado pelos metalúrgicos até o final, quando é levado de

volta ao presídio depois de ir ao enterro da mãe.

A posição de Peões em relação ao regime militar e ao papel de Lula preocupa-se

mais com a questão informativa de como o golpe militar alterou a vida dos trabalhadores e a

repressão às greves. Em um letreiro o espectador é informado de que o direito de greve foi

abolido e os sindicatos perderam autonomia. Para além disto, há depoimentos dos ex-grevistas

que mostram consciência de que sofriam censura e que lutaram para ter liberdade de

expressão. Outros contam como a repressão do governo às greves foi violenta, com tropas de

choque e cavalaria avançando sobre passeatas e piquetes, efetuando prisões ou

espancamentos. Sobre Lula, eles mencionam que com a atitude de organizar uma greve de

toda categoria, Lula peitou o governo e os empresários. Foi por essa coragem que ele teria

sido afastado dos sindicatos pelo governo e depois preso.

Em Filho do Brasil, Lula e sua família são mostrados como vítimas da ditadura

militar. É principalmente desta forma que o regime aparece caracterizado no filme, mais do

que os momentos de repressão às greves. Em especial, existe a questão que o personagem de

Ziza, irmão de Lula, é envolvido com o Partido Comunista Brasileiro. Com o passar dos anos

no filme, o regime torna-se cada vez mais presente na vida da família Silva. Inicialmente, a

polícia prende dois companheiros de Ziza. Mais tarde, é o próprio Ziza que é preso e

torturado. Lula vai buscar seu irmão na delegacia. Ele é enfrentado por um agente militar, que

questiona se ele é comunista e se gosta deste país. Lula (2010) afirma que não é comunista e

quanto ao gosto por seu país “não [gosto] do jeito que tá”, se referindo ao regime militar.

Após o irmão sair da cadeia, Lula (2010) comenta que “daqui há pouco, além de salário o

pessoal vai querer liberdade”. Com esta conclusão de Lula, o filme deixa bem claro que a

posição do personagem é contrária ao regime, mesmo que Lula não saiba exatamente o que

fazer quanto a isto e prefere focar sua luta no sindicato e na reivindicação de direitos.

Além da melhora física e econômica de vida, um dos grandes avanços que os ex-

metalúrgicos de Peões tiveram ao se envolver com a luta por seus direitos foi o despertar de

86

Page 93: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

sua consciência política. João Chapéu (2004) diz que aprendeu muito com sindicato, que era

uma fonte de informações sobre a história do movimento sindical e operário do mundo.

Graças a esses exemplos, ele aprendeu que só se melhora de vida ao exigir e fazer pressão por

melhores condições. Bezerra (2004) diz que hoje ele vota com a própria consciência ao invés

de votar a mando de seu chefe ou líder político. Lula aparece em imagens do filme Linha de

Montagem (1982), dizendo que os sindicalistas tem que meditar sobre o que estão fazendo,

ele não deve ser um líder dizendo o que todos tem que fazer. Este aspecto é reforçado com ex-

metalúrgicos como Zé Pretinho (2004), que mesmo sendo eleitor e fã de Lula, coloca em

dúvida se o governo de Lula realmente mudará o foco do governo e trabalhará para os

trabalhadores.

Em Filho do Brasil, este processo educativo do sindicalismo fica em segundo

plano. Quando o irmão Ziza (2010) reclama de que falta consciência política no trabalhador

brasileiro, Lula (2010) faz uma defesa conformada: não se pode esperar de quem precisa

gastar todo seu empenho diário para apenas pagar as contas familiares. Lula também é

chamado pelo seu irmão de alienado, pois gasta seu tempo livre com futebol e novela. Mas

com o passar do tempo e o envolvimento de Lula com o sindicato, principalmente depois da

morte de sua primeira mulher, ele passa a se conscientizar do papel do sindicato e de que todo

trabalhador deve lutar por condições melhores de vida e de trabalho. Neste processo Lula

tenta politizar o resto da categoria, aparece incentivando as pessoas a participarem das

assembleias, distribui o jornal do sindicato pessoalmente e muda a comunicação deste jornal,

tornando-a de mais fácil compreensão para todos metalúrgicos. Nunca é mostrada a reação e

mudança nos metalúrgicos liderados, com exceção do gosto que eles criam por Lula e pelas

suas estratégias de ação. No entanto não ocorre a transmissão de conhecimentos mais

profundos como história do sindicalismo e de a luta dos trabalhadores no mundo, tampouco é

criada alguma crítica ao regime militar ou outra causa que não dos próprios metalúrgicos.

Outro assunto que não é abordado e também está relacionado à conscientização

política é a formação de instrumentos políticos de luta além do sindicato. Filho do Brasil não

entra em nenhum momento neste debate, que já surgiu quando Lula foi preisdente pela

priemria vez no sindicato. Não são mostrados os congressos metalúrgicos e de outros

sindicatos, onde começou a surgiu a ideia da Central Única dos Trabalhadores. Tampouco se

menciona o desenvolvimento e a criação de um partido político para representar a massa de

trabalhadores desassitidos, ideia que culminaria no nascimento do PT. O filme termina com a

eleição de Lula, com ele ao lado de Marisa Letícia no carro presidencial enquanto uma grnade

comemoração ocorria na Esplanado dos Ministérios. Em nenhum momento do filme é

87

Page 94: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

mostrado como ele criou a base de sustentação que pôde fazer com que ele disputasse e

conquistasse o poder.

Em Peões o Partido dos Trabalhadores aparece bem representado. Os entrevistados

usam camisetas, broches e fitas do PT e de Lula. Muitos ex-metalúrgicos afirmam que votarão

em Lula para presidente nas próximas eleições. Para além do líder, outros como Geraldo

(2004), entrevistado logo após o dia da eleição, votou em todos candidatos do PT. Zé Pretinho

(2004) afirma que o plano de governo de Lula é o plano do PT no governo, não há distinção.

A avaliação que é feita sobre o PT por Tê (2004) é de que sua proposta seria diferente já no

modo de agir, priorizando o trabalho de educação de base ao invés das práticas de favores

eleitorais dos outros partidos.

Há uma gama de ideologias que surgem na fala dos ex-grevistas, algumas

explicitando posições mais definidas e outras menos. João Chapéu (2004) afirma ter orgulho

de ser comunista. Zé Pretinho (2004) afirma que é de esquerda e sempre esteve do lado do

trabalhador. Outros sugerem apoio à Lula e ao PT nas eleições, mas não falam sobre

preferências ideológicas ou medidas que o governo deve tomar. Mesmo vendo Lula como um

grande líder e grande pessoa, Tê (2004) avalia que Lula se eleger presidente não é o mesmo

que o PT estar obtendo o poder. O diálogo neste momento é cortado e Coutinho passa para o

próximo entrevistado, deixando a reflexão de Tê sem explicação mais profunda. Pode-se

aferir que ela levantou o fato de que a presidência da república não consegue executar o seu

plano de governo desejado sem contar com o apoio de outros partidos na Câmara dos

Deputados e do Senado. Outra interpretação possível seria quanto à ideologia que move Lula,

já que Tê entenderia que ele pensa diferente do seu partido. A questão enfim, fica imprecisa,

mas Coutinho fez questão de inserí-la no filme.

Ideologicamente há alguns momentos importantes de Filho do Brasil a serem

levados em conta na imagem de Lula que o filme tenta passar para o público. Primeiramente

pode-se observar que o filme trás consigo traços do que foi o governo de Lula do ano de 2003

até o ano da produção do filme em 2009. Um desses traços é o fator conciliador e negociador

de Lula. Por mais que o filme exalte o trabalhador que luta por seus direitos, há também uma

defesa do ponto de vista dos empresários e patrões, uma marca do que foi a aliança

trabalhador-empresário nacional dos governos do PT. No filme, quando Lula já é presidente

do sindicato, ele renega ideologias fixas, procurando o pragmatismo para alavancar o

sindicato e o movimento grevista. Como o personagem de Lula (2010) fala em dado

momento, logo após sua posse como presidente do sindicato dos metalúrgicos, “Trabalhador

não é nem de esquerda, muito menos de direita.” Essa indefinição pode muito bem ter sido

88

Page 95: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

realmente utilizada por Lula à época para afastar a imagem de subversivo, esquerdista ou

comunista que um operário sindicalizado e combativo possuía em meio à ditadura militar. O

que se pode afirmar, no entanto, é que o filme privilegia estas cenas para ilustrar para o

público que Lula não é um operário radical, que estando no governo ele não privilegia apenas

uma classe de brasileiros.

Personagem Lula

Indicações Apontamentos Peões Lula - Filho do Brasil

Organização

e liderança

- Lula em

assembleias do

sindicato em 1979-

1980 é ovacionado

e carregado nos

braços

- Zé Pretinho: “Lula

disse que o que

importa é a equipe.”

- Joaquim: “nós

tínhamos esse

homem pra nós

guiar, nos orientar.

- Zélia diz que Lula

foi um pai, irmão,

tudo

- Lula cogita parar

greve e é chamado

de traidor por

colega

União e

espírito de

solidariedade

- “Trabalhador

unido jamais será

vencido” entoado

em assembleias

89

Page 96: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

- Januário: “Lula

disse: mandato

sindical passa, os

trabalhadores é que

ficam.”

Bom humor

e carisma

- Januário lembra

piada que fez sobre

dedo mínimo de

Lula e diz que ele "é

um gozador"

- Lula conta piadas

em assembleias e

reuniões, para gosto

de todos.

- Lula pede charges

para a Tribuna

Metalúrgica

Inteligência

e educação

- Tê fala que Lula é

uma das pessoas

mais inteligentes

que já conheceu

- Professora escolar

de Lula elogia

inteligência e se

oferece para adotá-

lo para lhe garantir

um futuro

econômico melhor.

Ética - Disposição do

trabalhador em

alcançar vitória

final

- Lula sugere que

tirem ele e diretora

90

Page 97: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

do sindicato pelos

erros cometidos

- Januário conta que

Lula recusou

presente/propina

- Lula se elege

como “sangue

novo” no sindicato

- Lula impede que

Feitosa se aproveite

do sindicato

presente-propina

para parar greves

Coragem,

esforço e

superação

- Geraldo: “Lula foi

um heroi”

- Elza: “Lula é

nosso hino nacional,

uma pessoa

lutadora.”

“Olha onde o Lula

tá agora.”

- Lula defende mãe

de surra do pai

- Lula chama

Feitosa de covarde

por não cogitar uma

greve em meio à

ditadura militar.

- No jornal Tribuna

Metalúrgica é feita

convocação da

categoria, mesmo

com risco de

censura do governo.

91

Page 98: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Lula diz que

“cadeia não foi feita

pra homi[sic]!”

- Discurso final:

“Nossa esperança é

maior que nosso

medo.”

Pragmatismo - Tê diz que Lula

tem jogo de cintura

tremendo

- Feitosa diz que

ideologia é coisa

pra bitolado

- Lula em

assembleia diz que

trabalhador não é

nem de esquerda,

nem de direita

Em Filho do Brasil, o personagem de Lula está de corpo presente na tela. Dessa

forma ficam mais visível os trejeitos e características pessoais do personagem. Assim, o Lula

que surge neste filme é uma pessoa carismática e agradável. É um homem leal e corajoso,

apesar de ter aspectos humanos que o fazem cometer erros e enganos, o que por sua vez acaba

humanizando o ex-metalúrgico e aumentando a simpatia do público por ele.

A liderança de Lula é inquestionável em ambos filmes. A fala é corroborada pelo

próprio Lula (2004), que em imagens de arquivo em assembleias com os metalúrgicos diz que

nunca os trabalhadores conseguiram ganhar nada sem estarem dispostos a lutar até o fim por

seus direitos. Estes elementos demonstram como Lula possui papel de liderança política para

os metalúrgicos e era uma inspiração para suas lutas de reivindicação por direitos.

Especialmente em Peões, o papel de líder de Lula é ainda aumentado para um

nível quase passional com os depoimentos de Joaquim (2004) que diz que Lula era um

segundo pai, orientando, mas não ditando, os passos que os metalúrgicos deveriam dar

durante as greves. Esta afirmação possui respaldo em cena de Peões, retirada do filme Linha

de Montagem (1982), em que Lula (2004) afirma que ele não precisa dizer para os

92

Page 99: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

metalúrgicos o que deve ser feito, pois cada um tem consciência e capacidade para fazer

reflexões por conta própria. Há ainda Zélia (2004) que tem admiração por Lula a ponto de

considerá-lo como “um pai, meu irmão, meu tudo.” Ao falar do tempo presente, em que Lula

é candidato à presidente da republica, Zé Pretinho (2004) afirma que “Lula disse que o que

importa é a equipe”, compartilhando a ideia de que Lula nunca se coloca como um líder

centralizador ou alguém mais importante do que os outros indivíduos de um coletivo humano.

A união dos trabalhadores de uma mesma categoria é enfatizada pelo personagem

de Lula em Filho do Brasil em inúmeros discursos e assembleias do sindicato. Somente a

unidade entre os vários trabalhadores, que sozinhos não possuem poder de barganha para

enfrentar a classe patronal, consegue dar aos próprios trabalhadores poder para exigir seus

direitos. Muitas vezes esse aspecto em Peões aparece reforçado pelas imagens de arquivo de

Lula, nestas mesmas situações de assembleia e reunião. Januário (2004) ainda revela outro

traço da consciência de Lula quanto à importância do trabalhador acima da diretoria do

sindicato já que “o mandato sindical passa, os trabalhadores é que ficam”.

Nas encenações das assembleias e reuniões do sindicato em Filho do Brasil, Lula

exerce carisma sobre sua plateia, sempre arrancando plavras de ordem ou tendo seu nome

repetido em coro. Um dos principais motivos é sua maneira despojada e direta de falar com os

metalúrgicos, sempre utilizando metáforas simples e piadas para fazer o trabalhador mais

simples e sem estudo captar sua mensagem e assim mobilizá-lo. Outro exemplo é uma cena

em que Lula sugere que se utilize histórias em quadrinhos e charges no jornal Tribuna

Metalúrgica para deixar o conteúdo do jornal mais divertido e de fácil entendimento. Em

Peões, Januário (2004) lembra de vez em que ele fez piada com o dedo mínimo ausente de

Lula, e o próprio alvo da piada achou a piada engraçada, reforçando a imagem de Lula como

um sujeito bem humorado.

Lula em Filho do Brasil é mostrado como inteligente desde a infância, quando se

esforçava na escola chamando atenção de sua professora. Há uma cena especialmente

dedicada ao momento em que esta professora de Lula oferece à Dona Lindu que ela pode

adotar Lula para lhe dar um bom futuro, enfatizando que vê esperança no garoto devido a sua

vontade e capacidade em sala de aula. Com o passar dos anos na trama do filme, Lula vai

ganhando cada vez mais repertório de conhecimentos e capacidade de articular ideias ao

longo do filme. Esta capacidade pouco a pouco desemboca na participação de Lula no

sindicato dos metalúrgicos.

Se em Filho do Brasil a professora de Lula se refere à ele como alguém inteligente

no aspecto formal, em Peões, Tê (2004) afirma que o personagem além de inteligente conta

93

Page 100: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

com um “jogo de cintura fantástico”. Este adendo denota que ele não apenas é alguém com

conhecimento teórico. Lula saberia trazer este conhecimento para o campo prático e

desenvolver suas táticas e estratégias de acordo com o meio em que ele está inserido. Tê pode

ter enfatizado esta afirmação devido ao momento histórico em que a entrevista estava se

desenvolvendo, com a provável conquista da presidência por Lula. O “jogo de cintura” seria

uma qualidade de Lula que garantiria a governabilidade e o diálogo.

Januário (2004) relembra quando durante uma greve algum empresário tentou

negociar o fim da greve ao entregar no escritório de Lula um aparelho de som novo, de última

geração na época. Lula prontamente ligou para o sujeito que tentou comprar seu apoio com o

presente, na frente de demais companheiros do sindicato. Lula irritado, manda o sujeito vir

buscar o presente antes que ele denuncie à toda categoria que ele tentou comprar seu apoio.

Januário conclui que desde aquele momento passou a ver Lula como um exemplo de

integridade em um líder.

Em Filho do Brasil o Lula que entra no sindicato dos metalúrgicos também tem

atitudes de respeito à lei e à ética, demonstrando que queria verdadeiramente reinventar o

Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Antes de Lula se eleger

como presidente do sindicato, há uma cena em que Lula confronta o atual presidente do

sindicato Feitosa. Após descobrir que o presidente do sindicato realizou um esquema ilegal

para manter um aliado dentro do sindicato de forma assalariada e sem função real, Lula o

confronta exigindo explicações. Ao final da cena Lula diz que ele mesmo sairá candidato à

chapa sindical, indignado com as atitudes de seu mentor sindical.

Outro aspecto do personagem de Lula tanto em Filho do Brasil como o Lula

descrito pelos metalúrgicos de Peões pode ser resolvido em uma da frases-conselhos de sua

mãe Dona Lindu: se ele insistir, tudo pode ser consquistado. Ela carregava a esperança

constante de que a vida poderia e iria melhorar graças à perseverança e força de vontade.

Levando em conta a jornada desafortunada que Lula teve de percorrer desde a miséria na

infância até a conquista de um sindicalismo autêntico em um regime autoritário e

posteriormente conquistar o cargo de Presidente da República, Lula realmente “teimou”. Lula

precisou enfrentar um líder inescrupuloso do sindicato dos metalúrgicos, enfrentar os

empresários da indústria metalúrgica e enfrentar o controle do governo. Acima de tudo, Lula

também enfrentou preconceitos de origem e de classe.

Apesar de sua perseverança irredutível, Lula também aparece como um

personagem pragmático em ambos filmes. Em Filho do Brasil, pouco antes de aceitar entrar

no sindicato, Lula escuta do presidente sindical Feitosa (2010) que “ideologia é coisa pra

94

Page 101: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

bitolado”. Quando torna-se líder sindical, Lula (2010) demonstra ter aprendido a lição de seu

mestre ao dizer em assembleia que trabalhador não é nem de esquerda, muito menos de

direita. Em Peões pode-se destacar novamente a fala de Tê (2004) sobre o “jogo de cintura”

de Lula, demonstrando seu caráter de negociador pragmático.

Em Peões a imagem de Lula, criada através dos depoimentos dos metalúrgicos

participantes das greves do ABC que ficaram anônimos, possui um duplo significado. Lula é

um sujeito tão corriqueiro como os anônimos grevistas e migrantes, pois divide com eles a

mesma trajetória de vida, as mesmas dificuldades, as mesmas lutas. Ao mesmo tempo Lula é

um ser extraordinário, que alcançou um lugar de liderança e fama que raramente é conferida

às pessoas de sua origem. Lula acaba sendo um exemplo para os trabalhadores tanto por suas

semelhanças, como por suas diferenças por ter alcançado um status  invejável na sociedade.

Este status e poder que Lula conquistou faz com que outras pessoas da mesma origem

humilde de Lula tenham a percepção que alcançar uma posição de poder na sociedade é mais

acessível em vista de Lula ter conseguido.

De maneira geral, o Lula que emerge de Filho do Brasil é acima de tudo um

lutador. Um indivíduo que apesar de todas adversidades conseguiu chegar à vitória,

justamente por se manter fiel a seus ideais e características éticas e solidárias. Junto da

exaltação de sua imagem, o filme também retrata de forma bastante positiva e romântica a

luta de cidadãos excluídos por melhores condições de vida. Por outro lado, a luta em si é

mostrada com mais destaque do que o processo e o trabalho de conscientização dos

trabalhadores para que chegassem a esse estado de mobilização. Lula acaba suprindo esta

lacuna do processo de conscientização do trabalhador, tendo um papel de líder messiânico,

que imbuído de conhecimento acima de todos, guia seus liderados para a luta grevista ao

invés de ensiná-los autonomia e conscientizá-los para que tomem suas próprias decisões. Se

tem a impressão de que Lula mereceu o posto que conseguiu e o prestígio de líder por seus

esforços e características individuais ao invés de ser mais um participante de um processo

plural, coletivo e complexo.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Lula foi e segue sendo o maior líder nacional hoje, talvez o maior líder da América

Latina ainda vivo. Mesmo afastado de cargos governamentais, ninguém questiona a sua

influência e herança para o cenário político brasileiro. Porém, esta envergadura do homem

real se confunde com o homem mitificado, um mito que pode ser interpretado de forma

95

Page 102: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

positiva ou negativa de acordo com quem estabelece a interpretação. Para uns, Lula político

institucional nada mais é que outra etapa na sua trajetória de liderança. Outros se assustavam

com este mesmo político e mito, o operário que liderou milhares de outros operários e parou o

Brasil. A imagem de Lula varia de acordo com quem a observa, seja na realidade ou nas

representações artísticas.

O trabalho acadêmico demonstrou que a maneira como o personagem de Lula é

apresentado em cada um dos filmes possui relação com as características de cada projeto.

Estas características podem ser os objetivos iniciais traçados por cada projeto audiovisual.

Podem ser a influência da visão do cineasta sobre quais facetas do Lula real devem estar

contidas no personagem que representa Lula. Ou ainda, o contexto socio-histórico,

principalmente político-institucional, em que esses projetos foram desenvolvidos afetam os

objetivos e resultados de cada projeto, afetando assim qual imagem e representação o

personagem Lula deve possuir.

Em comum ambos filmes trabalham um passado recente de Lula, marcado por sua

trajetória pessoal e por eventos históricos nacionais. Mesmo um dos filmes sendo um

documentário e o outro uma ficção, ambos fazem um mesmo exercício junto ao espectador:

pensar o político de sucesso Luiz Inácio da Silva através de um enfoque que nos leva ao seu

passado. Através desta origem, os cineastas propoem que seria possível interpretar o que fez

este indivíduo igual a tantos outros retirantes nordestinos, vendedores ambulantes, torneiros

mecânicos, sindicalistas e políticos institucionais ter alcançado um espaço simbólico de

enorme prestígio na imaginação do povo brasileiro. Olhando sua trajetória, o homem real se

aproxima do mito extraordinário, da jornada do heroi, para então hoje ocupar este espaço

duplo de mito vivo. Os filmes, logicamente, não fogem a essa lógica, demonstrando o

personagem Lula como um heroi em sua travessia pessoal.

O saldo da imagem de Lula que é construída através de Peões e Lula, Filho do

Brasil é uma figura edificante. Lula é um heroi típico, aquele que espelha anseios de um povo,

gerando identificação e projeção. É um líder a ser seguido, já que é uma pessoa com

capacidade legimitimada para tanto. Como todo heroi, Lula atravessou uma aventura repleta

de percalços que poem à prova a sua disposição e seus valores para alcançar seus objetivos.

Estes desafios o moldaram como pessoa. Da mesma forma, nas obras audiovisuais em que ele

é representado, os conflitos presentes nas tramas moldam o seu personagem e suas

características.

Em Peões o personagem Lula é concebido através das opiniões sobre Lula vindas

de pessoas que conviveram com ele, de maneira mais próxima ou distante. Em Lula, Filho do

96

Page 103: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Brasil há uma encenação dramática de eventos reais, centralizando o próprio Lula na narrativa

ficcional. Se em ambas formas de representação de Lula o que desponta é um heroi, quais

afinal são os valores da jornada de Lula que ele pretende levar ao seu povo, seus

representados e eleitores? Lula é um redentor de si mesmo e de sua família ao ter melhorado

de vida? É um redentor do retirante nordestino que ascendeu? Redentor dos metalúrgicos que

ele liderou? Redentor da classe trabalhadora, que Lula tanto prega a união em discursos?

Redentor do sindicalismo autêntico como ferramenta de luta por direitos? Ou ainda ele seria

um redentor da política institucional, levando a ética e o comprometimento que faltam a todos

outros?

As características do personagem Lula, como solidariedade, senso de justiça, e

coragem mostram ao fim o que sua figura representa: a esperança. Lula seria a prova viva de

que a força de vontade trás benefícios. Ele é a esperança do povo brasileiro de que tudo pode

melhorar, tal qual a vida do personagem melhorou mesmo com as condições mais adversas

para enfrentar, cenário comum para boa parte dos brasileiros. Mesmo sendo uma excessão à

regra, sua figura mítica permanece como inspiração para o público.

Ao final, Lula segue como figura de destaque no imaginário nacional. Apesar de

não mencionar nenhuma pretensão de voltar à Presidência da República, ele está

constantemente nas mentes de qualquer cidadão quando o assunto é a disputa eleitoral. Tendo

terminado seu governo com recordes de 80% de aprovação, seu nome segue sendo o eterno

candidato à Presidência da República. Resultado de sua trajetória pessoal e das formas com

que ela foi retratada para a sociedade brasileira, sendo uma das maneiras mais exploradas o

cinema. A única certeza que se pode ter é que o Lula homem é um ser complexo e

surpreendete, podendo ainda gerar muitos filmes, fazendo perdurar assim o Lula mito, que por

sua vez sempre nos trará alguma dimensão do homem real.

REFERÊNCIAS

ABC DE LUTAS. 1980 - Campanhas Salariais. ABC de Lutas. Disponível em:

< http://www.abcdeluta.org.br/materia.asp?id_CON=356>. Acesso em 04 de mar. 2013.

AGÊNCIA NACIONAL DO CINEMA. Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual.

Filmes Brasileiros com Mais de 500.000 Espectadores - 1970 a 2012. Brasília: Agência

97

Page 104: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

Nacional do Cinema, 2013. Disponível em: <

http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/DadosMercado/2105.pdf>. Acesso em: 20 de nov. 2013.

APROVAÇÃO ao governo Lula cresce, segundo o Datafolha. UOL Eleições. 08 de ago.

2006. Disponível em: <

http://eleicoes.uol.com.br/2006/pesquisas/ultnot/2006/08/08/ult3795u9.jhtm>. Acesso em 04

de mar. 2013.

AUMONT, Jacques. A Estética do Filme. 2ª ed. Campinas, SP: Papirus Editora, 2002.

AZEVEDO, Reinaldo. Lula o Filho do Brasil e a estética inaugurada pelo PT. Veja. 18 de

nov. 2009. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/lula-o-filho-do-

brasil-e-a-estetica-inaugurada-pela-pt/>. Acesso em 28 de out. 2013.

BATISTELI, Sergio. Coletiva do filme Lula, o Filho do Brasil. Almanaque Virtual. 30 de

nov. 2009. Disponível em: < http://almanaquevirtual.uol.com.br/ler.php?id=22697

>. Acesso em: 12 de set. 2013.

BAUER, Martin; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um

manual prático. 4a Ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2004.

BERNARDET, Jean-Claude. Cinema Brasileiro: Propostas para uma história. 2 ed. Rio

de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

_________. O que é cinema. 11 ed. São Paulo: Brasiliense, 1980.

BILHETERIA do filme Lula Filho do Brasil. AdoroCinema. Disponível em:

<http://www.adorocinema.com/filmes/filme-183532/bilheterias/>. Acesso em 28 de out.

2013.

BORDWELL, David. El significado del filme: inferencia y retorica en la interpretacion

cinematografica. Barcelona: Paidós, 1995.

98

Page 105: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

BOURNE, Richard. Lula do Brasil: a história real do Nordeste ao Planalto. 1 ed. São

Paulo, SP: Geração, 2009

CABRA Marcado para Morrer. Cinemateca Brasileira. Disponível em:

<http://cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=FILMOGRAFI

A&lang=P&nextAction=search&exprSearch=ID=025150&format=detailed.pft

>. Acesso em 23 de out 2013.

CAMPANERUT, Camila. Lula fecha governo com 80% de aprovação e bate novo recorde,

diz CNI/Ibope. Uol Notícias, Brasília, 16 de dez de 2010. Disponível em: <

http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2010/12/16/aprovacao-a-governo-lula-e-

de-80-e-bate-novo-recorde-diz-cniibope.htm>. Acesso em: 04 de abril, 2013.

CRÍTICAS AdoroCinema do filme Lula, o Filho do Brasil. AdoroCinema. Disponível em: <

http://www.adorocinema.com/filmes/filme-183532/criticas-adorocinema/>. Acesso em 05 de

mar. 2013

ENTREATOS: documentário sobre Lula. Centro de Mídia Independente. 17 de nov. 2004.

Disponível em: < http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/11/294947.shtml>. Acesso

em 05 de mar. 2013.

DE GARANHUNS a Brasília. Folha Online. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/governolula/presidente-biografia.shtml>.

Acesso em 04 de mar. 2013.

FURLANETO, Audrey. Cinebriografia de Lula é um dos filmes mais caros já feitos. Folha

Online. Rio de Janeiro, 04 de out. 2009. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u632645.shtml

>. Acesso em 15 de nov. 2013.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Ed. Atlas, 1999.

JORGE, Marina Soler. Lula no documentário brasileiro. Campinas, SP: Unicamp, 2011.

99

Page 106: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

LIMA, M. C. Monografia: a engenharia da produção acadêmica. São Paulo: Saraiva,

2008.

LINS, Consuelo. O documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema e vídeo. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar, 2004

LULA – Filho do Brasil. Direção: Fábio Barreto. Produção: Paula Barreto e Rômulo Marinho

Jr. Intérpretes: Rui Ricardo Diaz, Glória Pires, Cleo Pires, Milhem Cortaz, Juliana Baroni e

outros. Roteiro: Daniel Tendler, Fernando Bonassi e Denise Paraná. Música: Antonio Pinto e

Jacques Morelembuam. Rio de Janeiro: LC Barreto, 2009. 1 DVD (128 min), widescreen,

color. Produzido por: Europa Filmes. Baseado no livro “A história de Lula: o filho do Brasil”

de Denise Paraná.

LULA fracassa nas bilheterias, afirma El País. BBC Brasil. Brasília, 01 de fev. 2010.

Disponível em:

<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/02/100201_imprensa_elpais_lula_rw.shtml>

. Acesso em 28 de out. 2013.

LULA, o filho do Brasil elevou audiência da Globo aos níveis de novela. Os Amigos do

Presidente Lula. 03 de jan. 2013. Disponível em:

< http://osamigosdopresidentelula.blogspot.com.br/2013/01/lula-o-filho-do-brasil-elevou-

audiencia.html>. Acesso em 28 de out. 2013.

MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas e pós-cinemas. 5 ed. Campinas, SP: Papirus, 2008.

MALHOTRA, Naresh K. Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. Porto Alegre:

Bookman, 2001.

MARCONI, Maria de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de pesquisa: planejamento

e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e

interpretação de dados. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1996.

100

Page 107: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

MATTAR, Fauze Najib. Pesquisa de marketing: metodologia, planejamento. 6 ed. São

Paulo: Atlas, 2005.

MENSALÃO: o maior escândalo do governo Lula. iG São Paulo. São Paulo, 31 de jul. 2012.

Disponível em:

< http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2012-07-31/mensalao-o-maior-escandalo-do-

governo-lula.html >. Acesso em 04 de mar. 2013.

MERTEN, Luiz Carlos. Cinema – Entre a realidade e o artifício. 2 ed. Porto Alegre, RS:

Artes e ofícios, 2005

NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas, SP: Papirus, 2005.

PARANÁ, Denise. A história de Lula: o filho do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2009.

PEÕES. Direção: Eduardo Coutinho. Produção: João Moreira Salles e Maurício Andrade

Ramos. Intérpretes: Maria Socorro Morais Alves, Miguel Gonçalves da Silveira, José Alves

Bezerra, Zacarias Feitosa de Morais e outros. Roteiro: Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro:

Video Filmes, 2004. 1 DVD (85 min), fullscreen, color. Produzido por: Video Filmes.

PINTO, José Nêumanne. O que sei de Lula. Rio de Janeiro, RJ: Topbooks, 2011.

RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal... o que é mesmo documentário? São Paulo, SP: Senac

São Paulo, 2008.

ROESCH, Sylvia Maria Azevedo. Projetos de estágio e de pesquisa em administração:

guia para estágios, trabalhos de conclusão, dissertações e estudos de caso.. São Paulo: Atlas,

1999.

SAIBA mais sobre a história do PT. Portal Terra. 24 de jun. 2006. Disponível em:

< http://noticias.terra.com.br/eleicoes2006/interna/0,,OI1051899-EI6651,00.html>. Acesso

em 04 de mar. 2013.

101

Page 108: TCC - FINAL - Análise Da Representação de Luiz Inácio Lula Da Silva Nos Filmes Lula - Filho Do Brasil e Peões

SARAIVA, Leandro e CANNITO, Newton. Manual de Roteiro ou Manuel, o primo pobre

dos manuais de cinema e tv. São Paulo, SP: Conrad Livros, 2004.

SILVA, Caroline da. NOS ENTREATOS, TAL COMO PEÕES: do Lula operário ao

Lula presidente. 132 f. Dissertação (Mestrado)– Unisinos, São Leopoldo, 2009. Disponível

em: <http://biblioteca.asav.org.br/vinculos/tede/SilvaCarolinedaComunicacao.pdf>. Acesso em: 15

maio, 2013.

SINGER, André. Os Sentidos do Lulismo – Reforma Gradual e Pacto Conservador. São

Paulo, SP: Companhia das Letras, 2012.

SOCHA, Eduardo. Entrevista - Fábia Barreto. Revista Cult. Dez. 2009. Disponível em:

<http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/entrevista-fabio-barreto/>. Acesso em 07 de nov.

2013

SYD, Field. Manual do Roteiro. Rio de Janeiro, RJ: Editora Objetiva, 1995.

VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas, SP:

Papirus, 1994.

VOGLER, Christopher. A Jornada do Escritor. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1998.

102