tbmpo cultufo,l - mozambique history net€¦ · coleegf,o do ftiuseu nacional de i altura: 30 em,...
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Tbmpo cultuFo,lDIVULGAQAO
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Escultura naconde!Encontro da arte
com a vldaNos principios deste sdculo, um
sribito interesse pela arte africanase desenvolveu nos meios artisticoseuropeus . Grandes a r t i s tas quetransformaram a face da arte' cemoMaurice de Vlaminck, e Andr6 Drrain entre outros, intelectuais queestiveram na lideranga deste grandemovimento de transformagSo, comoApollinaire e Andr6 Gide, entusias-maram-se e coleccionaram essasobras em madeira que criavam sen-sagSo na Europu. E por dernais co-nhecido o interesse que Picasso de-votou a esta express6o, e muito setem falado sobre a influ€ncia que garte africana exerceu sobre a suaobra. Na reacgSo que entSo se pro'cessava contra os principios est6-ticos veiculados durante sdculos pe-lo classisismo, a arte africana pro-porcionava uma inspiragSo liberta-dora, pelas caracterfsticas da abs-tracASo, estilizaqSo e expressividadeque evidenciava.
No entanto na generalidade, aapreciagSo da arte africana, tem-sefeito ndo atendendo aos reais valo-res que ela apresenta. Descura-sede todo uma an6lise da sua evolu-96o ao longo de sdculos, e ao partir-se de uma abordagem que somenteexalta os aspectos ex6ticos e miticosdessa arte, muitos outros valoresestdticos e humanos sdo deixados departe. Pretende-se assim apresentar
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velmente., ao desafio que lhe 6 colo-cado pelo contacto com outras in-flu€ncias e com outras culturas.
O artista Maconde ndo 6 o tradi-cionalista, an6nimo de uma triboex6tica. Ele 6 um homem que peloseu esforgo, pelas suas qualidades,se individualizou desde sempre, nu-ma sociedade que o soube respeitare que o soube formar, atravds dosvalores est6ticos que durante gera-g6es cultivou.
OA hist6ria da arte Maconde 6 as-
sim a expressSo da transformagdoprofunda e permanente dessa mes-ma arte, ao longo da Hist6ria quemais directamente afectou os ma-condes. Sem abordar essa Hist6ria,n6o se pode csmpreender essa arte., Pouco se sabe ainda sobre a ori-
gem dos macondes, e embora v6riosantrop6logos, sendo a destacar JorgeDias e Margot Dias, tenham feitoinvestigagdes antropo16gicas apro-fundadas sobre esta etnia, ainda ndofoi feito nenhum estudo intensivo
sobre as suas origens historicas; noentanto somos levados a considerarque este grupo tenha emigrado em6pocas remotas da bacia do Congo,da regiSo onde se desenvolveu o es-tado Luba. Seriam assim aparenta-dos com os Tchokwes, os Bayaca,os Maraves e outros povos aparen!-tados com estes, todos da mesmaorigem e tambdm todos com gran-des tradig6es escult6ricas de certasemelhanga entre si. No culminardeste movimento migrat6rio, os Ma-condes fixaram-se num planalto asul ,do rio Rovuma, rro fronteiranorte ds Mogambique, planalto esteque pelas suas caracterfsticas os tornou quase inacespiveis a invasores ea influ6ncias de outros povos quedesde o primeiro mil6nio eircula-vam em toda a regiSo norte de Mo-gambique.
56 em 1917 os portugueses con-seguiram penetrar no planalto einiciar a sua ocupagdo, comegandoa partir de entSo a fixarse ali asprimeiras miss6es cristds. O podercolonial nunca conseguiu no entan-to subjugar os macondps ao seu do-
Escultura da prlmelra lase representnlcum homem. Colecgio do Museu de Hlst6-rla Natural, *"1[T;,rlltnra: 75 cm, em
como <<arte primitiv?)>, ? nog6o deum movimento que durante s€culosnunca teria evoluido se pa-ra estes povos n6o existisse Hist6ria- e no contacto com a civilizagdoocidental, irremediavelmente esta-ria adulterado e destruido.
Quando nos debrugamos sobre aarte Maconde com um pouco de ser iedade, podemos observar umexemplo de corno a criagEo artisticaevoluiu, transformando-se profun-damente ao longo da Hist6ria, e co-mo ela sabe hoje responder admira-
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MAscara "Llplco". Coleegf,o do Museu de Nampula. Altura; 20 cm, em madelle
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minio e em Junho de i900 um vio-lento massacre colonial em Muedainiciava violenta repressSo que seprolorrgou por varios anos. Em 1964,com a eclosSo da Luta Armada deLibertagSo Nacional, os macondesenvolveram-se activamente, enqua-drados pela Frente de Libertagdo deMogambique, na lilbertagSo do ter-rit6rio nacional. Como consequdnciada repressSo colonial que neste pe-riodo ss abateu sobre eles, centenasforam presos e grande quantidadeprocurou exilio no territ6rio vizi-nho da Tanzania. Hoje, ap6s a l iber-tagdo, os macondes engajam-se co-mo parte do Povo mogambicano, naconstrugSo da sua pdtria - Mogam-bique.
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Assim como em todas as socie-dades, a arte maconde transformou--se atrav6s dos srSculos, permanente-mente ao sabor da evolugSo hist6-rica.
Considerando uma melhor com-preensSo desta transformagSo, pode-mos dividi-la em 3 grandes fases:
1." fase; Arte antiga - Elevadonivel de estilizagdo, fun-g6es m6gicas e rituais.
2.' fase; Arte do penfodo co-lonial - Car6cter realistamais acpntuado, fung6es decritica social.
3." fase; Arte moderna-Gran-de nivel de abstracgSo, in-sergSo nas modernas cor-rentes mundiais da compo-sigSo est€tica.
ONo que se refers b primeira fase,
infelizmente poucas esculturas che-garam atd n6s e poucas informa-E6es ss tdm conseguido obter sobreessas 6pocas recuadas. Destacam-seno entanto espalhadas por .diversosmuseus e colecg6es, as m6scaras deg r a n d e expressividade designadas<lfpico> que tinham fung6es rituaisna danga (<mapico>, que era execu-tada por altura dos ritos de inicia-g5o dos jovens e outras ocasides ri-tuais. Conservam-se tambdm nessesmuseus, algumas antigas esculturasde caracterfsticas iddnticas is mds-caras. Segundo Jorge Dias e MargotDias essas esculturas representariamespiritos dos antepassados, <<machi-namo>, sendo tamb6m esta palavra
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Mfseara "Llpleo" representando uma mulher. Coleegf,o do ftIuseu Nacional de IAltura: 30 em, em madelra
utilizada para designar estatueta demadeira; pessoalmente no entanton6o conseguimos ainda atravds dosdiversos inqu€ritos gue fizemos con-firmar estas afirmag6es' Ao certopodemos no entanto. escrever queo ritual do maPico, constitufa a ba-se da actividade escult6rica dos ma-condes. As artes pldsticas faziam as-sim parte de uma actividade ritualdentio da organizagilo da sociedade.
A madeira utilizada na esculturaera extremamente leve e Perecivel,(sumaumeira brava). O talhe eraperfeito e bem acabado, os tragoseram estilizados e as peeas eram pg-
licromadas, acrescentando-se po -
zes outros materiais como tecicabelo. A maneira original de'balhar os olhos e os lSbios, a PrcupagSo com o pormenor, s6o ear3iterfsticas que entre outras desde en-t6o individualizam esta arte, man-tendo-e at6 i actualid,ade, ao longode toda a sua transformagEo.
OCom a implantagdo colonial a ex-
pressSo escult6rica torna-se maisrealista e assume uma mais activafungSo de critica social, particularmente cnitica do ocupante eolonial
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Eseultor meeonde fazen,ilo uma estatueta. A seufrequentemente utlllzados
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podemse ver os utensfllos malseseultores
e tamb6m da sociedade. E nesta
altura que as Primeiras PreocuPa-g6es comerciais abordam o escultor,
atrav6s das insist€ncias da adminis-
tragSo colonial, dos colonos e dos
missiondrios; 6 talvez por esta raz6o
que se inicia o abandono da madeira
leve (sumaumeira brava) e se Pas-sam a utilizar madeiras mais riias,
como o pau-rosa e o Pau-preto-Devido a este facto a tdcnica escul-
t6rica altera-se um pouco, abando-
nando o canivete passa-se a esculpir
ao formSo, o trago torna-se mais
fino, o acabamento mais deliiado'
Aos poucos vai-se perdendcl a poli-
cromia que desaparece comPleta-
mente quando se comeqa a utilizar
o pau-preto. Cultivam-se nests pe-
riodo grandes qualidades caricatura-
listas, evidenciando um desenvolvi-
mento da critica social refinado.
Apesar de a influ6ncia estrangeira
ter sido responsdvel por em certos
casos ter cortado a liberdade criado-
t?, processou-se durante esta fase
um extraordindrio desenvolvimento
da capacidade expressiva dos artir
tas, retratando ate ao mais peque-
no pormenor as express6es e osgestos da actividade quotidiana esalientando o seu aspecto caricato.
E no exilio na Tanzania que eclo-
Eseultura da prlmelra fase representandouma mulher. Colecc5o do Museu de Nam'
pula. Alturai 42 erh, em madelra
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lado,pelos
i.
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II
ILl { tt.qi.,{t - ;llfl,lT
de a 3.u fase da arte maconde quehabitualmente 6 designada por (ar-
te maconde moderna>, e sobre elanos iremos referir mais em detalhe.
ODesenvolvendo-se a part i r dos
anos 60, a arte maconde modernadepressa chamou a atenqSo de apre-ciadores de arte por todo o Mundo,divulgando-se intensivamente no sprincipais cfrculos de interesse pela
arte africana. Na realidade enrai-zando-se profundamente nas tradi-g6es culturais do passado, e inserin-do-se com grande criatividade nascorrentes universais mais modernasda composigdo estdtica, a arte rrrs-conde moderna constitui um movi-mento de criatividade artistica quepoderemos considerar de vanguarda.Ela soqbe ultrapassar as limitaq6esimpostas pelo tradicionalismo con-servador e tambrdm, na generalida-de, escapar d adulteraqSo e standardizaqSo que tem sido normal nou-tras circunstAncias iddnticas.
Na realidade, desde o seu apare-cimento a arte maconds modernasuscitou uma acesa poldmica entreespecialistas e interessados pelg arteafricana (1), colocando-se as princi-pais tomadas de posiqSo b roda dasseguintes interrogagdes:
1. Responsabilidade dos macon-des perante o desencadea-mento deste processo cria-tivo.
2. Adulterag6o ou n6o dos va-lores culturais tradicionais
@Pensamos no entanto que a ra-
z6o de grands parte do sensaciona-lismo eus provocou esta poldmica,se encontra na incredulidade, por
Parte de alguns te6ricos, em aceitara genuidade africana, no desenca-deamento de um processo de criati-vidade de vanguarda e da dificul-dade dos mesmos, em aceitar queum movimento destes, se processecom um real alicerqamento nas maisprofuqd,as rafzes culturais do pas-
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Erulfura .Homem e fezer fogo,. Coleeglo do Museu de Nampule. Altura: ie cm,em madelra
sado, valorizando as tdo famosascaracteristicas culturais- genuinascomuns aos povos de Africa. La-mentamos este facto, mas de qual-quer modo, ele serviu para divulgars tornar conhecida, esta bela reali-dade artistica.
Estilisticamente a arte macondemoderna, caracteriza-e por um ele-vado refinamento na elaboragSo,com a execugSo do talhe levada atdao infimo pormenor e um acaba-mento esmerado. A finura e delica-deza na execugdo destas obras, exi-Be um extraordin6rio domfnio dahabilidade manual, que 6 adquiridoao longo de uma extensa aprendiza-gem. No que se refere i concepgSo,destaca-se uma extrema riqueza,na diversidade de motivos, produtode um extraordindrio poder imagi-nativo, baseado no cultivo do co-nhecimento mitol6gico, e da orga-nizaqSo social. Assim o dominio dat6cnica escult6rics e uma selecgso
rigorosa de habilidades inatas, permite ao escultor maconde expressaratravds da matdria que utiliza, oproduto da abstracAso proporcio-nada por um extraordindrio poderimaginativo.
Socorrendo-nos da classificagSoproposta por Margot Dias (1973),apresentamos as principais tend6n-cias estilisticas que segundo a auto-ra se distinguem <grosso modo>,nesta forma de expressSo artistica:
- Escultura tipo ujamaa com-pacto.
- Escultura tipo ujamas n6ocompacto.
- Escultura tipo Shetani.- Escultura em relevo.
(1) Sobre esta poldmica, ver os artigosda revista .African Arts, e o trabalhode Margot Dias (1973).
(coNTrNUA NO PROXTMO NUIIEnO)
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