taxatividade da improcedÊncia liminar do pedido the … · taxatividade da improcedÊncia liminar...

23
1 TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel Junior Mestrando e Especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP [email protected] Área do Direito: Processual Resumo: O escopo do presente trabalho é identificar e delimitar as hipóteses de cabimento do art. 332 do CPC/15, que cuida da improcedência liminar do pedido. Tal dispositivo apresenta uma incongruência em relação ao sistema de uniformização de jurisprudência inaugurado pelo CPC/15 (art. 927), tendo em vista que falta homogeneidade entre seus incisos, embora ostentem a mesma finalidade: economia, celeridade, efetividade e uniformidade da aplicação e interpretação do direito. Não é por outra razão que há divergência na doutrina e na jurisprudência acerca da atipicidade do rol do instituto processual em análise. A par desse contexto, fixamos uma interpretação sistemática e finalística da improcedência liminar do pedido, com o intuito de que obtenha o rendimento prático, útil e necessário, aos olhos da CF e do CPC/15. Palavras-chave: improcedência liminar do pedido precedente jurisprudência segurança jurídica Abstract: This paper aims to identify and establish the hypotheses of suitability of art. 332 from CPC/15, which adresses the preliminary denial of the claim. That provision presents an incongruity in relation to the standardisation of case law system established by CPC/15 (art. 927), keeping in mind the lack of homogeinity among its items, although having the same goal: economy, celerity, effectiviness and uniformity in the application and interpretation of law. For that reason the case law and doctrine diverge concerning the atypicality of the processual institute in analysis. Facing that context, we have established a teleological and systematic interpretation of preliminary denial of the claim,

Upload: others

Post on 17-Dec-2020

10 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

1

TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO

THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM

Mauro Gabriel Junior

Mestrando e Especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP

[email protected]

Área do Direito: Processual

Resumo: O escopo do presente trabalho é identificar e delimitar as hipóteses

de cabimento do art. 332 do CPC/15, que cuida da improcedência liminar do

pedido. Tal dispositivo apresenta uma incongruência em relação ao sistema de

uniformização de jurisprudência inaugurado pelo CPC/15 (art. 927), tendo em

vista que falta homogeneidade entre seus incisos, embora ostentem a mesma

finalidade: economia, celeridade, efetividade e uniformidade da aplicação e

interpretação do direito. Não é por outra razão que há divergência na doutrina e

na jurisprudência acerca da atipicidade do rol do instituto processual em

análise. A par desse contexto, fixamos uma interpretação sistemática e

finalística da improcedência liminar do pedido, com o intuito de que obtenha o

rendimento prático, útil e necessário, aos olhos da CF e do CPC/15.

Palavras-chave: improcedência liminar do pedido – precedente –

jurisprudência – segurança jurídica

Abstract: This paper aims to identify and establish the hypotheses of suitability

of art. 332 from CPC/15, which adresses the preliminary denial of the claim.

That provision presents an incongruity in relation to the standardisation of case

law system established by CPC/15 (art. 927), keeping in mind the lack of

homogeinity among its items, although having the same goal: economy,

celerity, effectiviness and uniformity in the application and interpretation of law.

For that reason the case law and doctrine diverge concerning the atypicality of

the processual institute in analysis. Facing that context, we have established a

teleological and systematic interpretation of preliminary denial of the claim,

Page 2: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

2

aiming to obtain the practical, usefull and necessary return, in the eyes of CF

and CPC/15.

Keywords: preliminary denial of the claim – precedent – case law - legal

certainty

SUMÁRIO: 1. Notas iniciais – 2. Considerações gerais sobre a

improcedência liminar do pedido – 3. Taxatividade da improcedência

liminar do pedido – 4. Notas conclusivas – 5. Bibliografia.

1. NOTAS INICIAIS

A improcedência liminar do pedido não é novidade criada pelo

CPC/15 (art. 332), pois constava no CPC/73 (art. 285-A). Os institutos, todavia,

não se confundem. Apresentam apenas finalidades comuns: economia,

celeridade, efetividade e isonomia na atividade jurisdicional.

A legislação atual exige requisitos bem diferentes daqueles da

ordem jurídica passada para o juiz afastar, de plano, a pretensão do autor.

Veja-se que, no CPC/73 (art. 285-A), dispensava-se a citação do

réu, para negar-se o pedido do autor, quando, tratando-se de controvérsia

unicamente de direito, o magistrado houvesse enfrentado o tema em outros

processos idênticos que tramitaram pela sua vara/secretaria, prolatando

sentenças de total improcedência do pedido. Ao decidir com fulcro nesse

comando normativo, o magistrado reproduzia o conteúdo de sua decisão

paradigma para o caso sob julgamento.

Criou-se, com isso, a figura da “jurisprudência de primeira instância”,

pois não exigia o texto legal que a solução jurídica criada pelo julgador

representasse, ao menos, a posição dos tribunais superiores. Também não

esclarecia o legislador quantos processos julgados anteriormente serviriam de

modelo para aplicação deste mecanismo processual.

Quando da inclusão do art. 285-A no CPC/73, houve quem, como

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, sustentasse sua

inconstitucionalidade, por ferir as garantias da isonomia (art. 5º, caput e I, CF),

Page 3: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

3

do devido processo legal (art. 5º, caput e LIV, CF), do direito de ação (art. 5º,

XXXV, CF), do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, CF), bem como o

princípio dispositivo, sob o fundamento de ter o autor direito à citação do réu,

que poderia não resistir e curvar-se à sua postulação, além de haver no

sistema constitucional vedação à “súmula vinculante” do juízo de primeiro

grau1.

Inclusive, a validade do dispositivo foi questionada pelo Conselho

Federal da OAB, por meio da ADI 3.695/DF, na qual consta parecer do Instituto

Brasileiro de Direito Processual (IBDP), como amicus curiae, da AGU e da

Procuradoria-Geral da República, pugnando pela higidez da norma. Essa ADI

até hoje não foi julgada, perdendo seu objeto, com a entrada em vigor do

CPC/15.

Independentemente da demora do STF em se manifestar sobre o

tema, prevaleceu na doutrina e jurisprudência a constitucionalidade deste

julgamento antecipadíssimo do mérito da causa, com certo temperamento, para

adequá-lo ao modelo constitucional de processo.

Humberto Theodoro Júnior, a título ilustrativo, já sustentava que, do

lado do autor, restava assegurado o contraditório e ampla defesa em razão da

possibilidade do juízo de retratação e do manejo do recurso de apelação, e, do

lado do réu, sendo ele favorecido com a decisão de mérito, ausente qualquer

prejuízo à sua esfera jurídica e, portanto, preservado também estava seu

direito ao contraditório2.

Nesse sentido foi que STJ acabou por criar o requisito da dupla

conformação na aplicação do art. 285-A do CPC/73, isto é, as decisões do

mesmo juízo sobre questões de direito deveriam encontrar também guarida na

jurisprudência do tribunal local e dos tribunais superiores3.

1 NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 13 ed. São Paulo: RT, 2013, p. 669. 2 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – vol. I. 53 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 380. 3 DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. SENTENÇA LIMINAR DE IMPROCEDÊNCIA. ART. 285-A DO CPC. NECESSIDADE DE CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL LOCAL E DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. 1. Sentença de improcedência proferida com fulcro no art. 285-A do CPC que, embora esteja em consonância com a jurisprudência do STJ, diverge do entendimento do Tribunal de origem. 2. O art. 285-A do CPC constitui importante técnica de aceleração do processo. 3. É necessário, para que o objetivo visado pelo legislador seja alcançado, que o entendimento do Juiz de 1º grau esteja em consonância com o entendimento do Tribunal local e dos Tribunais Superiores (dupla conforme). 4. Negado provimento ao recurso especial. (Informativo n.

Page 4: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

4

Agora, no CPC/15 (art. 332), a improcedência liminar do pedido tem

apenas cabimento, quando a matéria dispensar instrução probatória e houver

tese dos tribunais, superiores e local, firmada, a princípio, em demandas de

“massa”, ou houver ocorrido a prescrição ou decadência do direito do autor.

Andou bem o legislador neste ponto.

De fato, exigir que a “matéria controvertida fosse unicamente de

direito”, consoante dispunha o art. 285-A do CPC/73, é contrariar a lógica

jurídica. É impossível falar-se em matéria controvertida sem que antes tenha o

réu se manifestado sobre a pretensão afirmada pelo autor.

Outrossim, a diferenciação entre questão de fato e de direito é algo

intangível, ao menos no plano empírico, em razão de o fenômeno jurídico dar-

se diante da junção de fato e norma (lei e/ou princípio).

A decisão para dirimir a lide se dá com o fenômeno da subsunção,

em que se qualificam os fatos, determinando-lhes as consequências do

sistema jurídico. O que se pode dizer é que há questões cuja problemática

recai predominantemente ora em aspectos fáticos ora em aspectos de direito.

Nessa esteira, Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas esclarecem que,

no plano ontológico, e também no plano processual, podem-se identificar graus

de predominância do aspecto jurídico da questão, de forma que, se, por

exemplo, o objeto de atenção do juiz for fixar o alcance e o conteúdo do texto

normativo (interpretação), para os fatos já estabelecidos no processo, isto é,

para aqueles fatos cujo lugar, momento e forma como se deram já estão

resolvidos pelas provas e pelo debate produzido pelas partes, estaremos diante

de uma questão de direito4.

Com o abandono da redação do código revogado, ao estipular como

requisito do art. 332 do CPC/15 que a “matéria dispense instrução probatória”,

o juiz rechaçará o pedido do autor, sem citar o réu, quando: (i) a causa de pedir

da petição inicial fundar-se em provas pré-constituídas, tal como no mandado

524, REsp 1225227/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 12/06/2013) 4 ALVIM, Teresa Arruda, DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 3 ed. São Paulo: RT, 2016, p. 348-349.

Page 5: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

5

de segurança5, ou (ii) for inútil a produção probatória, porque o direito alegado

é incompatibilizável com o entendimento jurisprudencializado6.

Observe-se, ainda, que o entendimento do juiz de primeira instância,

fixado em casos anteriores, tornou-se, com isso, irrelevante para aplicabilidade

da improcedência liminar do pedido.

Apesar dessas inovações, o CPC/15 apresenta, ainda, uma

incoerência interna com seu próprio sistema de uniformização de jurisprudência

(art. 927), na medida em que, v. g., não autorizou expressamente que uma

pretensão fundada em lei declarada inconstitucional ou contrária a tese fixada

em RE individual pelo plenário do STF seja rejeitada liminarmente.

É por este motivo que doutrina e jurisprudência vêm divergindo

sobre o assunto, ora classificando o rol do art. 332 do CPC/15 como taxativo,

sem qualquer possibilidade de ampliação, ora como exemplificativo ou atípico.

Em razão desse contexto, construímos nos tópicos a seguir até

nossa conclusão uma interpretação sistemática e finalística da improcedência

liminar do pedido, com o intuito de que obtenha o rendimento prático, útil e

necessário, aos olhos da CF e do CPC/15.

2. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO

PEDIDO

Nas palavras de Marcelo Abelha, “assim como, diante de um direito

evidente do autor, o legislador processual privilegiou as técnicas de

adiantamento da tutela e de julgamento imediato da lide, também o fez quando,

5 ABBOUD, Georges, SANTOS, José Carlos Van Cleef de Almeida. IN: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo, DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2016, p. 905. 6 Especificamente em relação a esta última hipótese (ii), destacamos a ilustração oferecida por Alexandre Freitas Câmara do professor de escola pública postulando em juízo sua aposentadoria especial com base em tempo de serviço realizado fora da sala de aula, porque exercia o cargo de diretor de escola. Como tal interpretação contraria a Súmula n. 726 do STF, deverá o juiz julgar liminarmente improcedente o pedido, já que a prova deste tempo de serviço, ainda que possível e requerida na petição inicial, em nada altera o destino de sua sorte no plano do direito material. Ver: CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3 ed. (E-book). São Paulo: Atlas, 2017, p. 180.

Page 6: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

6

ao inverso, mostra-se evidente a ausência de direito do autor, sendo prima

facie improcedente o seu pedido”7.

Claro que a improcedência liminar do pedido não tem natureza de

tutela de evidência (art. 311, CPC/15), até porque a decisão não é provisória. O

juiz, aqui, faz um juízo exauriente do pedido exarado na petição inicial e sua

irrecorribilidade por parte do autor conduz à formação da coisa julgada

material.

Não se confunde, igualmente, com o julgamento conforme o estado

do processo, previsto no art. 355 do CPC/15, cujas hipóteses de cabimentos

são infinitas, se preenchido seu pressuposto: desnecessidade de produção de

provas8. Neste caso específico, o réu terá sido citado para integrar a lide e o

julgador não fica limitado à rejeição do pedido, pois também pode acolhê-lo.

O art. 332 do CPC/15 é um mecanismo ou técnica de abreviamento

procedimental, de observância obrigatória9 por parte do magistrado, na

primeira instância, ou do relator, nos processos de competência originária do

tribunal, que visa, em última análise, dar efetividade e racionalidade à atividade

jurisdicional, de forma a obstaculizar demandas infundadas, em contradição

com a posição dos tribunais.

Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves:

O objetivo do dispositivo legal é o encerramento de demandas repetitivas – típicas da sociedade de massa em que vivemos

7 ABELHA, Marcelo. Manual de direito processual civil. 6.ª ed. (E-book). Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 484. 8 Sabe-se que o art. 355 do CPC/15 traz duas hipóteses para o julgamento antecipado do mérito, ou seja, quando: (i) não houver necessidade de produção de outras provas; ou (ii) houver revelia, operando-se a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor (efeito do art. 344), e não haja requerimento de prova do réu na forma do art. 349. A razão de ser deste julgamento, todavia, continua sendo única: a desnecessidade de instrução probatória. Nem sempre a revelia, portanto, conduz a este julgamento. Pode o juiz não estar convencido de que os elementos dos autos não são suficientes para resolução do mérito, a despeito de o réu ser revel. Sendo, pois, imprescindível a produção de provas, seja por conta do poder instrutório do julgador, seja por conta de requerimento formulado pelo réu revel, após o momento da contestação, não haverá aplicação do art. 355. A esse respeito, as lições de WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins, RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva, e MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2016, p. 685-686. 9 A propósito, são as lições de Georges Abboud e José Carlos Van Cleef de Almeida Santos, a saber: “diferentemente da redação do art. 285-A do CPC/1973, a imperatividade do tempo verbal do caput do art. 332 do CPC/2015 revela que o julgamento de improcedência liminar do pedido tornou-se um dever do órgão judicial. De efeito, o legislador foi expresso em indicar que o juiz “julgará” com base nessa técnica sempre que presenciar alguma das hipóteses legitimantes, retirando o caráter facultativo da norma”. (ABBOUD et al, p. 906).

Page 7: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

7

atualmente – nas quais a mesma questão jurídica é alegada em diversas demandas individuais. A economia processual e a celeridade do processo mais uma vez são os fundamentos principais que levaram o legislador a prever um instituto processual que possibilita um encerramento definitivo da demanda (sentença de mérito produzindo coisa julgada material), antes mesmo da complementação da relação jurídica processual com a citação do réu10.

A despeito de vislumbrar no art. 332 do CPC/15 vício de

inconstitucionalidade, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery

constatam que:

A norma comentada é medida de celeridade (CF 5º LXXVIII) e de economia processual, que evita a citação e demais atos do processo, porque o juízo, o tribunal local, o STF ou o STJ já havia decidido questão idêntica anteriormente, ou por se ter verificado a decadência ou a prescrição. Seria perda de tempo, dinheiro e de atividade jurisdicional insistir-se na citação e na prática dos demais atos do processo, quando o juízo ou mesmo a jurisprudência como um todo já tem posição firmada quanto à pretensão deduzida pelo autor, ou quando já se apurou que o pedido é caduco ou prescrito ... .11.

Com o emprego deste instrumento processual, garante-se a

segurança jurídica, um dos motes do CPC/15. Isso porque, ao inviabilizar que

conflitos juridicamente idênticos, sobretudo os seriados, sejam constantemente

objeto de novos processos, por contrariarem interpretações pacificadas nos

tribunais, promove a igualmente de tratamento do jurisdicionado, evitando-o de

participar de uma custosa demanda12; estimula a autocomposição das partes;

além do que preserva a integridade e a coerência da jurisprudência13.

10 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 622. 11 NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 16 ed. São Paulo: RT, 2016, p. 989. 12 É o que quanto sustenta André Vasconcelos Roque, para quem o art. 332 do CPC/15 “... tem por finalidade não apenas preservar recursos da máquina judiciária, evitando a prática de inúmeros atos processuais desnecessários, mas também impedir que o réu venha a ser importunado na fruição de seus direitos por pleitos que, mesmo sem qualquer dilação probatória e ainda que tomadas por verdadeiras as afirmações do autor, revelam-se manifestamente improcedentes”. (ROQUE, André Vasconcelos. In: GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos, e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 54) 13 Ver ABELHA, p. 484

Page 8: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

8

Para que ocorra esta espécie de julgamento sumaríssimo do mérito,

estabelece o legislador ser necessário que a causa dispense instrução

probatória e o pedido contrarie (i) enunciado de súmula do STF ou do STJ; (ii)

acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos;

(iii) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas

ou de assunção de competência; (iv) enunciado de súmula de TJ sobre direito

local; ou (v) haja prescrição ou decadência do direito alegado pelo autor (art.

332, caput, I a IV, §1º, CPC/15).

Como visto, causa que dispensa instrução probatória é aquela cujos

fatos afirmados pelo autor podem ser constatados por meio de documentos ou

cuja instrução probatória revela-se despicienda diante da constatação de que o

direito alegado, inexoravelmente, será rejeitado por contradizer tese jurídica

consolidada no tribunal.

Havendo dúvida sobre o quadro fático narrado pelo autor ou sua

incompatibilidade com o caso paradigma da instância superior, não deve incidir

a regra do art. 332 do CPC/15, prosseguindo-se o processo, com a citação do

réu.

A esse respeito, aponta Cassio Scarpinella Bueno que:

O que é menos claro no dispositivo e, por isto, merece ser relevado, é que os casos devem pressupor uniformidade fática ou, quando menos, inviabilidade de qualquer dúvida, por parte do magistrado, sobre o substrato fático a partir do qual incidirá o comando jurídico jurisprudencializado. É esta a interpretação que merece ser dada à expressão que abre o caput do art. 332, “nas causas que dispensem a fase instrutória”. Havendo dúvida sobre os fatos aplicáveis, sua extensão ou quaisquer outros detalhes, o art. 332 não pode incidir. O que pode ocorrer – mas é totalmente diverso – é que, após a contestação, o magistrado profira julgamento antecipado do mérito (art. 355). Aqui também cabe ressalva que eficiência processual não é – e nem pode ser – sinônimo de pressa. Não é disto, definitivamente não, o que impõe a CF desde seu art. 5º, LXXVIII, e que está espelhado no art. 4º14.

A par dessa importante advertência do Prof. Scarpinella, percebe-se

a relevância da tese de Humberto Theodoro Júnior em sustentar que a

prescrição não deveria integrar as hipóteses de cabimento do art. 332 do

14 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 322.

Page 9: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

9

CPC/15, porquanto, além de poder ser ela renunciada pelo réu, o prazo de sua

contagem pode ter sofrido alguma interrupção ou suspensão no seu interregno

que não esteja evidente para o magistrado15. Por isso, mister se faz a oitiva do

réu. Tal situação não se dá com a decadência, cuja natureza não admite

renúncia, nem contratempos na contagem de seu prazo, salvo na hipótese de

decadência convencional, que exige arguição da parte para sua decretação

(art. 211, CC)16.

Uma vez aplicada a presente técnica de julgamento, com a rejeição

do pedido, abre-se ao autor prazo para apelação. Interposto o recurso, o juiz

terá 5 dias para se retratar. Mantendo seu decisum, determinará a citação do

réu, para que integre a relação jurídica processual e, caso queira, ofereça

contrarrazões, em 15 dias. Com ou sem manifestação do réu, os autos serão

remetidos ao juízo ad quem (art. 332, §§ 3º e 4º, CPC/15).

Impende registrar que, quando tratar-se de processo de

competência originária, deverão ser observadas, na dinâmica do citado

procedimento, as regras do regimento interno da respectiva corte, além

daquelas relativas aos recursos cabíveis (agravo interno, RE ou Resp, por

exemplo).

Infere-se, ademais, do art. 332 do CPC/15 que a regra do

contraditório prévio parece mitigada, pois não se exige expressamente que o

juiz ou relator intime o autor, antes de negar liminarmente seu pedido, a fim de

que se manifeste acerca da ausência dos requisitos do comando normativo, a

exemplo da demonstração da distinção de seu caso concreto com o caso

paradigma identificado como incidente sobre a postulação.

15 Para o mestre mineiro, “malgrado o Código dispense a manifestação prévia dos litigantes na hipótese em análise, nenhum juiz tem, na prática, condições de, pela simples leitura da inicial, reconhecer ou rejeitar uma prescrição. Não se trata de uma questão apenas de direito, como é a decadência, que se afere por meio de um simples cálculo do tempo ocorrido após o nascimento do direito potestativo de duração predeterminada. A prescrição não opera ipse iure, envolve necessariamente fatos verificáveis no exterior da relação jurídica, cuja presença ou ausência são decisivas para a configuração da causa extintiva da pretensão do credor insatisfeito. Sem dúvida, pode tratar a prescrição como uma simples questão de direito que o juiz possa, ex officio, levantar e resolver liminarmente, sem o contraditório entre os litigantes. A prescrição envolve, sobretudo, questões de fato, que, por versar sobre eventos não conhecidos do juiz, o inibem de pronunciamentos prematuros e alheios às alegações e conveniências dos titulares dos interesses em confronto”. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – vol. I. 59 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 801). 16 Em sentido contrário, NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 16 ed. São Paulo: RT, 2016, p. 991.

Page 10: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

10

A priori, ficamos inclinados a não vislumbrar qualquer agressão à

garantia do contraditório do autor, porque, tal como no CPC/73, o duplo grau de

jurisdição estaria à sua disposição, para deduzir seu inconformismo. Por ser o

art. 332 do CPC/15 regra de conhecimento prévio do autor, não haveria que se

falar em decisão surpresa em seu desfavor. De mais a mais, estaria

assegurada a retratação do julgador, que, ao deparar-se com as razões

recursais do autor, poderia corrigir a inadequação de seu posicionamento e dar

normal prosseguimento ao processo, citando o réu. Nesse sentido, já decidiu o

TJ-SP, quando do julgamento da Apelação 1504954-79.2017.8.26.0176, em

31.08.201817.

Todavia, em face dos arts. 6º a 10 do CPC/15, que estabeleceu o

dever de cooperação, de diálogo, entre os sujeitos do processo, neles estando

incluso o próprio julgador, dar prévia oportunidade de manifestação ao autor,

sobre a possibilidade de enquadramento de seu caso concreto em uma das

hipóteses do art. 332 do CPC/15, desempenha a profilaxia de não suprimir

prematuramente a primeira instância, com o consequente congestionamento do

sistema recursal, além de permitir que o autor avalie se persiste na obtenção

de sua pretensão (uma súmula vinculante, por exemplo, poderia ter sido

editada após a distribuição da ação, levando-o a desistir da demanda). Admitir-

se que o autor contradiga ou não a possível improcedência liminar de seu

pedido, pelo fundamento indiciado pelo juízo, acaba trazendo, também,

eficiência para a tutela jurisdicional. É, pois, medida a ser observada. Em

defesa do contraditório prévio, encontramos as lições de Humberto Theodoro

Júnior, Dierle Nunes, Alexandre Melo Franco Bahia e Flávio Quinaud Pedron18,

além de Alexandre Freitas Câmara19.

17 Apelação. Execução Fiscal. ISSQN e Taxa de Licença do exercício de 2012. Sentença que, liminarmente, de ofício, reconheceu a prescrição originária dos créditos executados, nos termos dos arts. 332, §1º, e 487, II, do CPC/2015. Inocorrência de violação do princípio da não surpresa, já que a prolação de sentença de improcedência liminar fundada na prescrição dispensa o contraditório prévio, pois pode ser retratada após a interposição da apelação. Questão de fundo. Insurgência da Municipalidade quanto ao decreto da prescrição. Acolhimento. Ação distribuída em outubro de 2017, antes do decurso do prazo prescricional de cinco anos (art. 174 do CTN), contados do vencimento da obrigação informado na CDA. Aplicabilidade ao caso concreto da Súmula 106 do E. STJ. Extinção afastada para que a execução fiscal prossiga. Recurso provido.(TJSP; Apelação 1504954-79.2017.8.26.0176; Relator (a): Ricardo Chimenti; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de Embu das Artes - SAF - Serviço de Anexo Fiscal; Data do Julgamento: 31/08/2018; Data de Registro: 31/08/2018) 18De acordo com os autores, “... em razão da valorização do contraditório presente no sistema – mesmo quando a lei dá ao magistrado a possibilidade de decisão ex officio (art. 9º) –, seria defensável, para

Page 11: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

11

Ao lado dessa problemática em torno da (in)dispensabilidade de

intimação prévia do autor, para exercício do contraditório, temos a questão da

natureza das contrarrazões do réu: se seriam ou não uma contestação.

Considerando que o art. 332 do CPC/15 só tem aplicação quando a

causa dispensar produção probatória em juízo, interposto o apelo, os autos

serão encaminhados ao tribunal e lá serão julgados, ante a incidência do efeito

devolutivo do recurso, nos termos do art. 1.013, §§ 1º, 2º, 3º, I, e § 4º, do

CPC/1520.

Não haverá, portanto, outra oportunidade para o réu deduzir sua

defesa em juízo. Logo, todas as matérias de seu interesse devem ser ofertadas

nas contrarrazões, em face ao princípio da eventualidade, sob pena de

preclusão21.

A não ser que haja reforma da decisão, porque o instituto fora

empregado de maneira equivocada, quando, por exemplo, era necessária a

instrução probatória, os autos voltarão a correr na instância ordinária e ao réu

evitar as chances de recursos, que mesmo na hipótese ora em comento, houvesse a abertura de prazo ao autor antes do proferimento de sentença liminar para que este pudesse demonstrar a possível diferença (distinguishing) de seu caso em relação ao padrão” (THEODORO JÚNIOR, Humberto, NUNES, Dierle, BAHIA, Alexandre Melo Franco, PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2 ed. rev. at. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 363). 19 No entender do r. processualista, “... não poderá o juiz proferir a sentença de improcedência liminar sem antes dar ao autor oportunidade de manifestar-se sobre ser ou não o caso de se rejeitar desde logo a demanda (arts. 9º e 10). É que sempre se pode admitir que o autor demonstre a distinção entre seu caso e os precedentes ou enunciados de súmula que ao juiz pareciam aplicáveis ao caso concreto, convencendo o juiz, então, de que o processo deve seguir regularmente. Só com essa prévia oitiva do autor, portanto, a qual deve ser específica sobre a possibilidade de aplicação da regra que autoriza a improcedência liminar, é que se terá por respeitado de forma plena e efetiva o princípio do contraditório, o qual exige um efetivo diálogo entre partes e juiz na construção comparticipativa do resultado final do processo”. (CÂMARA, p. 181) 20 Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello ensinam que “tamanha é a amplitude do efeito translativo decorrente do art. 1.013, § 3.º, I, do NCPC, que pouca relevância terá, para a identificação das questões que podem ser investigadas pelo Tribunal, ao julgar a apelação [...]. Com efeito, se o Tribunal pode conhecer do mérito da causa mesmo que o juiz tenha proferido sentença terminativa, poderá, a fortiori, conhecer dos fundamentos levantados pelo autor ou pelo réu em primeiro grau, mesmo que a sentença não os tenha apreciado, expressamente” (WAMBIER et al. Primeiros ... . p. 1559). 21 Nesse sentido, Fredie Didier Jr., em cuja obra, além de sustentar a necessidade de no mandado de citação constar a advertência do art. 250, II, do CPC/15, defende que, se o réu trazer fato novo nas contrarrazões, deve o autor ser intimado para réplica, ante a possibilidade de julgamento de mérito também pelo tribunal, nos termos do art. 1.013, § 3º e § 4º, do CPC/15. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17 ed. Salvador: Jus Podium, 2015, v. 1, p. 594).

Page 12: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

12

será dada nova possibilidade de oferecer resposta ampla, incluindo a alegação

de incompetência relativa22-23-24.

Evidencia-se, assim, que a defesa do réu há de ser a mais completa,

afinal, em regra, não terá outro momento processual para complementá-la.

Feitas essas considerações, passamos ao problema da taxatividade

do rol do art. 332 do CPC/15.

3. TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO

Pela literalidade do art. 332 do CPC/15, para a rejeição imediata do

pleito do autor sem a citação do réu, é necessário que a causa prescinda de

instrução probatória, bem como que se enquadre em uma das hipóteses de

seus incisos I a IV ou do § 1º.

Interpretando o rol do dispositivo em estudo, temos que ele é

taxativo, pois exige que a demanda se subsuma em uma das situações

positivadas pelo legislador.

Destarte, é vedado, v. g., ao magistrado julgar improcedente o

pedido a pretexto de ser juridicamente impossível.

Discordamos, assim, da exegese desenvolvida por Fredie Didier Jr.25

e por José Roberto dos Santos Bedaque26. Ambos juristas defendem que,

22 DIDIER JR, p. 596. 23 De igual modo, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, para quem “... o tribunal pode, ao prover o recurso, rejulgar o mérito porque a matéria é exclusivamente de direito e, portanto, não necessita de dilação probatória. Esse procedimento é compatível com o efeito devolutivo da apelação, estatuído no CPC 1013, notadamente no § 3º. Na nova apreciação do mérito, o tribunal pode inverter o resultado da demanda, de improcedência para procedência, e dar ganho de causa ao autor. Daí a necessidade de o réu ser citado para acompanhar o recurso e, nas contrarrazões, aduzir toda matéria de defesa como se contestasse. Caso o tribunal dê provimento ao recurso, mas determine o prosseguimento do processo no primeiro grau de jurisdição, o réu será intimado (a citação já ocorreu) para oferecer contestação”. (NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 16 ed. São Paulo: RT, 2016, p. 993). 24 George Abboud e José Carlos Van Cleef de Almeida Santos sustentam, de outro lado, que “... a citação do réu na hipótese é para tomar ciência da demanda, integrar a relação jurídica processual apresentar contrarrazões. Aparentemente, o texto da norma revela que o legislador quis eliminar a discussão que imperava acerca da natureza jurídica da resposta do réu ao recurso do autor, indicando tratar-se verdadeiramente de contrarrazões e, não, de contestação. Isso pode eliminar a problemática que sugeria que o réu deveria desempenhar o ônus da contestação da defesa e da impugnação especificada já na resposta ao recurso do autor”. (ABBOUD et al, p. 906)

Page 13: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

13

quando o pedido requerido em juízo for absurdo, evidentemente contrário ao

ordenamento jurídico, deve ser liminarmente rechaçado, ainda que não

ajustável ao rol do art. 332 do CPC/15.

A nosso ver, a possibilidade jurídica do pedido encontra-se dentro do

interesse do agir do autor e, como tal, será analisado abstratamente pelo

julgador em face do ordenamento27.

Sobre o tema, trazemos à tona as claras e precisas explicações de

Alexandre Freitas Câmara, para quem “... aquele que vai a juízo em busca de

algo proibido aprioristicamente pelo ordenamento jurídico postula, a rigor, uma

25 Segundo Fredie Didier Jr.: “é possível, e recomendável, construir essa possibilidade a partir dos princípios da eficiência (art. 8º, CPC), da boa-fé (art. 5º, CPC) e da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CF/1988; art. 4º, CPC). Primeiramente, não há razão para aumentar o custo do processo, com a citação desnecessário do réu, para responder a uma demanda absurda. Não apenas se praticarão desnecessários atos processuais, como o autor terá de pagar os honorários advocatícios em favor do advogado do réu, o que torna seu prejuízo ainda maior. Em segundo lugar, trata-se de importante instrumento de combate às demandas abusivas, permitindo a extinção fulminante de processos que muitas vezes funcionam como mecanismos de extorsão processual. Em terceiro lugar, essa hipótese já é expressamente permitida nos embargos à execução, que podem ser rejeitados liminarmente, quando manifestamente protelatórios (art. 918, III, CPC). Finalmente, não há razão para aumentar injustificadamente o tempo dos processos. Assim, parece-nos possível que o juiz julgue liminarmente improcedente o pedido em situações atípicas, de manifesta improcedência (art. 487, I, CPC)”. (DIDIER JR., p. 604-605). 26 Nas palavras de Bedaque, “nada impede que o juiz julgue improcedente de plano pretensão não amparada no plano do direito material, desde que chegue a essa conclusão pela mera leitura da inicial. Embora não citado, o réu será beneficiado pela sentença de mérito. Quanto ao autor, se discordar, pode interpor apelação. Tal providência não difere substancialmente do julgamento antecipado do mérito (NCPC, arts. 355 e 356). Embora adotada antes mesmo da citação, a ausência do contraditório não prejudica quem dele não participou, pois o resultado lhe é favorável”. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins, RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva, e MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2016, p. 1291). 27 Cassio Scarpinella Bueno, constatando a abolição da nomenclatura “condições da ação” e “possibilidade jurídica do pedido” pelo CPC/15, produz a seguinte análise: “curioso é que o CPC de 2015, ao preservar a legitimidade e o interesse (art. 17), manteve incólume o funcionamento daquelas categorias, no que é suficientemente claro o disposto no inciso VI do art. 485, isto é: quando o magistrado verificar que não há interesse e/ou nem legitimidade – e se, por qualquer razão, não for possível o saneamento do vício e/ou o seu esclarecimento –, ele não pode proferir decisão relativa ao reconhecimento de quem faz jus à tutela jurisdicional ou, no jargão preservado pelo próprio CPC de 2015, de mérito. Muito pelo contrário, ele deve proferir decisão obstativa daquela finalidade, a chamada sentença terminativa, que não aprecia o mérito. É correto entender, portanto, que a extinção da categoria das condições da ação é mais nominal do que, é isto que realmente importa, substancial. Com relação à extinção da possibilidade jurídica do pedido como categoria autônoma, lamento, particularmente, a opção do CPC de 2015. É típico exemplo de involução, porque o CPC de 2015 não soube (na verdade, não quis) aproveitar a evolução que a maior parte da doutrina brasileira alcançou acerca daquela categoria, indo muito além do que Liebman, seu formulador original, conseguiu ir. Deixamos nos levar pela lição repetida acriticamente um sem-número de vezes de que o próprio Liebman alterou seu posicionamento quando seu único exemplo, o do divórcio, foi constitucionalmente autorizado na Itália. Uma pena”. (BUENO, p. 75-76)

Page 14: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

14

providência jurisdicional que não lhe pode trazer qualquer utilidade. E isto nada

mais é do que ausência de interesse de agir”28.

Lembra, ainda, o ilustre desembargador do TJ-RJ, que as condições

da ação são analisadas com base na teoria da asserção, isto é, com base nas

afirmações trazidas pelo demandante na petição inicial, sem adentrar no

exame de provas para descobrir sua veracidade. É a aplicação desta técnica

de julgamento que distingue as condições da ação do exame do mérito da

causa. Na análise da procedência ou improcedência do pedido (mérito) sempre

haverá análise probatória. Como exemplo, cita o caso do indivíduo que postula

em juízo a prisão por dívida do réu que deixou de pagar o aluguel de um

imóvel. Como da simples leitura das asserções contidas na inicial extrai-se que

a tutela jurisdicional pleiteada não soluciona a crise jurídica deduzida pelo

autor, estamos na presença de uma decisão reconhecendo a impossibilidade

jurídica do pedido da causa, ante sua inutilidade processual. Trata-se, pois, de

pronunciamento sobre condição da ação, e não sobre o mérito da causa29.

Em outras palavras: o juiz, diante de um pedido sem respaldo no

ordenamento jurídico, julga extinto o processo, mas sem adentrar em seu

mérito. Tal decisum não faz coisa julgada material (art. 485, VI, CPC/15). Logo,

pode o autor repropor a demanda, desde que sanado o vício (art. 486, § 1º,

CPC/15) – o que, na prática, acaba por obstar a sua repropositura, na grande

maioria dos casos, aproximando essa decisão terminativa do efeito negativo da

coisa julgada.

Convém esclarecer que o fato de sustentarmos ser o rol do art. 332

do CPC/15 taxativo não equivale a dizer que seja exaustivo30.

Como sói acontecer com qualquer regra de direito, o preceito em

análise demanda uma interpretação teleológica e sistemática, a fim de que

possamos harmonizá-lo com a ordem processual31.

28 CÂMARA, Alexandre Freitas. Será o fim da categoria "condição da ação"? uma resposta a Fredie Didier Junior. Revista de Processo. vol. 197/2011. Jul/2011, p. 262-263. 29 Op. cit., p. 263-264. Ver também CÂMARA, p. 45-46. 30 Em sentido contrário, encontramos a posição de Humberto Theodoro Júnior advogando pela taxatividade e exaustividade do art. 332 do CPC/15 (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – vol. I. 59 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 797). 31 Refutando o brocardo in claris cessat interpretativo (lei clara não comporta interpretação), já dizia Carlos Maximiliano que o “... o alcance de um artigo de lei se avalia confrontando-o com outros, isto é, com aplicar o processo sistemática de interpretação”. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 31)

Page 15: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

15

Trata-se da construção da denominada hermenêutica estrutural de

Miguel Reale, cujo conteúdo apresenta os seguintes pontos nucleares:

a) toda interpretação jurídica é de natureza teleológica (finalística) fundada na consistência axiológica (valorativa) do Direito; b) toda interpretação jurídica dá-se numa estrutura de significações, e não de forma isolada; c) cada preceito significa algo situado no todo do ordenamento jurídico32.

Com efeito, tendo por finalidade a improcedência liminar do pedido

dar suporte ao sistema de uniformização de jurisprudência do CPC/15,

obstaculizando pedidos de tutela jurisdicional sobre os quais já exista tese em

sentido contrário, rejeitando-os, é necessário fazermos uma leitura conjugada

do art. 332 com o art. 927 e seus incisos.

Disto decorre que, embora o art. 332 não reproduza todos os incisos

do art. 927 do CPC/15, as decisões proferidas (a) pelo plenário ou órgão

especial aos quais estiverem vinculados o magistrado e (b) pelo STF em

controle de constitucionalidade autorizam, também, a aceleração do

procedimento pelo julgador.

Note-se que as cortes superiores têm como função zelar pela

interpretação e aplicação uniforme do direito constitucional e federal para todo

o território nacional. Sendo assim, as decisões proferidas pelo STF ou STJ

servem como parâmetro interpretativo do caso concreto a ser dirimido pela

instância a quo.

Ocorre que, por uma opção do sistema, nem todo acórdão destes

tribunais terá sempre efeito “vinculante” em relação aos demais membros do

Judiciário.

Acórdão decidido por turma do STJ ou STF, a rigor, não gera um

dever de observância para as demais instâncias do país, pois essa decisão não

representa a posição da corte, mas de parte dela.

É até mesmo corriqueiro que turmas destes tribunais apresentem

divergência em julgamentos de casos assemelhados que, na essência, exigiam

soluções jurídicas idênticas.

32 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 291.

Page 16: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

16

Por essa razão, a interpretação de turma, ainda que das cortes

máximas do Judiciário, é imprestável para a improcedência liminar do pedido,

sob pena de tergiversar sua finalidade de trazer economia para a jurisdição e

isonomia ao jurisdicionado33.

A utilização de acórdão de órgão fracionário do STF ou STJ como

hipótese do art. 332 do CPC/15 maltrata o direito de ação do autor. Até que

haja manifestação do plenário ou órgão colegiado indicado pelo regimento

interno que faça suas vezes, não há que se falar em entendimento modular e

obrigatório da corte (art. 927, V, CPC/15).

A posição de turma dos tribunais superiores pode, obviamente, ser

utilizada como vetor interpretativo do julgamento da causa, mas após a oitiva

do réu e a devida instrução probatória. Não se tem, aqui, evidentemente,

ligação com a improcedência liminar do pedido. É, na verdade, o normal curso

do processo no Judiciário, e não caso de abreviamento procedimental.

O STF, nesse cenário, no que tange ao cabimento da improcedência

liminar do pedido com base em acórdão proferido por seu plenário, apresenta

uma particularidade, porque, até hoje, não julgou recurso extraordinário sob o

rito dos repetitivos, a despeito da previsão do CPC/15.

Noutros termos, se não admitíssemos que o rol da improcedência

liminar é taxativo, mas não exaustivo, ou seja, essa interpretação conjunta do

art. 332 com o art. 927, V, do CPC/15, nenhuma decisão da Suprema Corte

brasileira teria força cogente no sistema.

A repercussão geral acabou por se tornar o filtro necessário para

que a norma jurídica criada pelo pretório excelso no julgamento de recurso

extraordinário se expanda para qualquer caso juridicamente idêntico no Brasil,

conforme se extrai de sua jurisprudência (vide, v. g., AI nº 760.358-QO34; ARE

nº 998.807-AgR35 e ARE 1150792 AgR36).

33 Humberto Theodoro Júnior aponta que o art. 332 do CPC/15 funda-se no “... princípio da economia processual, bem como valorização da jurisprudência, principalmente nos casos de demandas insustentáveis no plano da evidência, dada a total ilegitimidade da pretensão de direito material veiculada na petição inicial”. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – vol. I. 59 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 799). 34 “Questão de Ordem. Repercussão Geral. Inadmissibilidade de agravo de instrumento ou reclamação da decisão que aplica entendimento desta Corte aos processos múltiplos. Competência do Tribunal de origem. Conversão do agravo de instrumento em agravo regimental. 1. Não é cabível agravo de instrumento da decisão do tribunal de origem que, em cumprimento do disposto no § 3º do art. 543-B, do CPC, aplica decisão de mérito do STF em questão de repercussão geral. 2. Ao decretar o prejuízo de

Page 17: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

17

De acordo com o Ministro Gilmar Mendes e Luciano Felício Fuck, “...

o precedente da repercussão geral reconhecida, quando decidido no mérito,

vincula verticalmente as demais instâncias do poder Judiciário, de modo que o

STF precise decidir uma única vez a questão constitucional, cabendo às

instâncias ordinárias dar efeito multiplicador em cada caso concreto”37.

Conquanto seja equivocado que um processo entre “A” contra “B”,

com suas particularidades fáticas próprias, transforme-se em regra geral para o

jurisdicionado38, verifica-se que a grande maioria dos recursos extraordinários

decididos pelo Supremo são voltados para conflitos de “massa”, que autorizam

a universalização da tese jurídica firmada para casos futuros.

Temos, assim, uma realidade posta no sentido de que o guardião da

Constituição ignora o regime de recursos repetitivos do CPC/15 e impõe que

seus acórdãos, quando proferidos pelo plenário, sejam de estrita observância

para os membros da judicatura.

recurso ou exercer o juízo de retratação no processo em que interposto o recurso extraordinário, o tribunal de origem não está exercendo competência do STF, mas atribuição própria, de forma que a remessa dos autos individualmente ao STF apenas se justificará, nos termos da lei, na hipótese em que houver expressa negativa de retratação. 3. A maior ou menor aplicabilidade aos processos múltiplos do quanto assentado pela Suprema Corte ao julgar o mérito das matérias com repercussão geral dependerá da abrangência da questão constitucional decidida. 4. Agravo de instrumento que se converte em agravo regimental, a ser decidido pelo tribunal de origem” (AI nº 760.358-QO, Plenário, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 12/2/10). 35 “AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PROCESSUAL CIVIL. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DECISÃO ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. APLICAÇÃO DE PRECEDENTE DESTA CORTE PROFERIDO NA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO JUÍZO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO NESTA SEDE RECURSAL. ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO” (ARE nº 998.807-AgR, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 19/12/16). 36 EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Processual Civil. Aplicação da sistemática da repercussão geral na origem. Ausência de previsão legal de recurso para o Supremo Tribunal Federal. Recurso manifestamente incabível. Precedentes. 1. Segundo a firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não cabe recurso ou outro instrumento processual na Corte contra decisão do juízo de origem em que se aplique a sistemática da repercussão geral. 2. Agravo regimental não provido, com imposição de multa de 1% (um por cento) do valor atualizado da causa (art. 1.021, § 4º, do CPC). 3. Havendo prévia fixação de honorários advocatícios pelas instâncias de origem, seu valor monetário será majorado em 10% (dez por cento) em desfavor da parte recorrente, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, observados os limites dos §§ 2º e 3º do referido artigo e a eventual concessão de justiça gratuita. (ARE 1150792 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-257 DIVULG 30-11-2018 PUBLIC 03-12-2018) 37 MENDES, Gilmar Ferreira, FUCK, Luciano Felício. Novo CPC e o recurso extraordinário. Revista de Processo. vol. 261/2016. Nov/2016. p. 271. 38 ALVIM et al. Recurso especial ... . p. 410.

Page 18: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

18

A explicação dessa subordinação das instâncias inferiores em

relação aos tribunais de cúpula, representados pelo plenário ou órgão especial

respectivo, decorre das funções nomofilática, uniformizadora e paradigmática39

que exercem, como também da própria estrutura hierárquica do Judiciário.

Não há violação à independência funcional e ao livre convencimento

do juiz, que não são garantias absolutas. Como bem lembram Teresa Arruda

Alvim e Bruno Dantas, a liberdade quanto ao exercício do poder de dizer o

direito é do Judiciário e não do julgador, subjetivamente considerado40. Daí a

necessidade de as instâncias a quo respeitarem a posição do colegiado

máximo do STJ e do STF.

O mesmo raciocínio aplica-se quando a decisão advier do plenário

ou do órgão especial do tribunal local – TRF e TJ –, se o objeto de deliberação

limitar-se a direito local, já que, nessa hipótese, é a última instância para cuidar

da matéria41.

Do contrário, sendo a causa de direito federal ou constitucional, a

posição do tribunal local ficará condicionada ao entendimento do STJ ou STF.

Assim como as turmas dos tribunais superiores, as câmaras do TJ

ou as seções do TRF não se prestam para gerar tese jurídica obrigatória; por

conseguinte, são inaplicáveis como mecanismo de aceleração do procedimento

do art. 332 do CPC/15.

Com o CPC/15, é possível classificarmos as decisões dos tribunais,

mormente dos situados no topo da estrutura do Judiciário, em graus de

obrigatoriedade, a depender de sua correspondência no sistema de

uniformização de jurisprudência (art. 927).

Sabemos que, para alguns pronunciamentos judiciais, existe a

presença de um remédio jurídico – reclamação – para o controle efetivo de sua

(in)aplicação como paradigma em casos futuros (art. 988, CPC/15). Entretanto,

o fato de o legislador não ter estendido o emprego da reclamação para todo o

rol do art. 927 não o impede de ser combinado com o art. 332 do CPC/15.

39 Sobre tais funções, conferir as lições da Profa. Teresa e Bruno Dantas na obra acima citada (op. cit., p. 308-327). 40 Op. cit., p. 164. 41 NEVES, p. 1401.

Page 19: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

19

A possibilidade de ajuizamento de reclamação para aplicação de

certa tese de direito não é o discrimen utilizado para o julgamento de

improcedência liminar do pedido.

As súmulas administrativas do STJ e do STF, a propósito, pela letra

da lei (art. 988, CPC/15), não são objeto de reclamação e mesmo assim podem

gerar a rejeição no início da lide do pedido do autor42.

Portanto, a interpretação ora proposta tem como escopo cumprir os

ditames constitucionais insculpidos no art. 926 do CPC/15, de modo a

materializar a isonomia, previsibilidade e uniformidade na solução de conflitos.

Quanto ao controle de constitucionalidade, impende destacar que

sua força vinculante, decorrente da própria Constituição (art. 102, § 2º, e art.

52, X), é quem autoriza o julgamento liminar de improcedência do pedido. A

inobservância de decisão do STF nesta situação, até mesmo no âmbito

administrativo do Poder Público, configura violação à autoridade do tribunal,

sanável pela via da reclamação (art. 102, I, l, CF e art. 988, III, CPC/15). Por

isso, não é demais afirmar que sua disciplina sequer precisaria estar no código

de processo.

Versando o tema, Arruda Alvim aponta que a alteração de redação

do art. 332 do CPC/15 em relação ao art. 285-A do CPC/73 busca:

... dar efetividade aos arts. 926 e 927 do CPC/15, que trataram da obrigatoriedade de observância aos precedentes judiciais, e de forma geral instrumentalizam a ideia de respeito ao comportamento reiterado das cortes superiores. A lógica é a de que, se tais decisões são de observância impositiva, dar prosseguimento a pedidos manifestamente contrários a elas significaria um desperdício de atividade jurisdicional. Há de se ter em mente, portanto, que apenas quando a questão jurídica for tida como idêntica àquela decidida ou sumulada pelo tribunal superior, é que se poderá falar em improcedência liminar43.

Luiz Guilherme Marinoni, Sergio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero,

por sua vez, nos brindam com importantes lições sobre o art. 332 do CPC/15,

dando suporte ao nosso raciocínio, a saber:

42 Tem sido essa a interpretação reiterada no STF. Veja-se, exemplificativamente, os seguintes arestos: Rcl 30708 AgR, Relator(a): Min. Edson Fachin, Segunda Turma, DJe 14.11.2018, e Rcl 29.409 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 25.9.2018. 43 ALVIM, Arruda. O novo contencioso cível no CPC/15. São Paulo: RT, 2016, p. 164.

Page 20: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

20

Como ocorre ao longo de todo o seu texto, o novo Código confunde precedente e jurisprudência, assim como confunde o papel das Cortes Supremas (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça) - que são cortes de interpretação e de precedentes – com o papel das Cortes de Justiça (Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça) - que são cortes de controle e de jurisprudência. Precedente e jurisprudência não se confundem. O precedente é um conceito material e qualitativo - diz respeito à completa apreciação dos argumentos que podem influir na solução da questão examinada e à autoridade de quem elabora as razões a partir de determinado caso. Nessa linha, é claro que as razões invocadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento de recursos repetitivos ou no julgamento do incidente de assunção de competência podem gerar precedentes, mas é claro que pode igualmente haver a formação de precedentes a partir das razões invocadas pelas Cortes Supremas fora dessas hipóteses - por exemplo, no julgamento de um recurso extraordinário ou de um recurso especial. A mesma observação vale para a hipótese em que o tribunal de justiça se pronuncia sobre questão local - hipótese em que as suas razões devem valer como precedentes para os juízes de direito a ele submetidos: independentemente de a questão ter sido sumulada, é claro que pode haver precedente local oriundo de julgamento do tribunal de justiça. E semelhante precedente local obviamente poderá dar lugar a julgamento de improcedência liminar. Assim, o legislador viabilizou o julgamento de improcedência liminar do pedido: i) quando houver precedente contrário ao pedido do autor, oriundo ou não de julgamento repetitivo ou de incidente de assunção de competência, enunciada ou não a sua ratio em uma súmula (art. 332, I, II e IV, CPC); ii) quando houver jurisprudência contrária ao pedido do autor firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência (art. 332, III, CPC); iii) quando o direito do autor tiver sido extinto pela decadência (art. 332, § 1º, CPC); ou iv) quando a pretensão do autor tiver sido atingida pela prescrição (art. 332, § 1º, CPC)44

Por derradeiro, ressaltamos, outra vez mais, a imprescindibilidade da

equivalência jurídica dos fatos da causa com aqueles que deram ensejo a

edição de súmula, acórdão de plenário/órgão especial ou julgamento de casos

repetitivos, para fins do art. 332 do CPC/15. Havendo qualquer particularidade

ou dúvida na subsunção do caso pendente no direito jurisprudencializado, não

se deve optar pela rejeição imediata do pedido do autor, mas sim determinar-se

a citação do réu, seguindo-se o natural andamento do processo.

44 MARINONI et al, p. 353-354.

Page 21: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

21

4. NOTAS CONCLUSIVAS

Ante o exposto, temos que a improcedência liminar do pedido

evoluiu com o CPC/15, apresentando o art. 332 uma melhor técnica redacional,

mormente quanto aos seus pressupostos de aplicabilidade.

No entanto, esse mecanismo de abreviamento procedimental não

está imune a críticas, pois que não dialoga expressamente com o sistema de

uniformização de jurisprudência estabelecido pelo art. 927 do CPC/15.

Tendo em vista que o legislador, além da economia e celeridade

processual, busca a efetividade da jurisdição, por meio de decisões judiciais

coerentes, íntegras e uniformes perante situações jurídicas análogas, foi

necessária uma leitura sistemática e teleológica do CPC/15, através da CF, de

modo a concluirmos que o rol do art. 332 é taxativo, porém não exaustivo.

A improcedência liminar do pedido, ao encerrar um poder-dever ao

magistrado, abrange, na realidade, a integralidade do rol do art. 927 do

CPC/15. Desta feita, são, igualmente, hipóteses de cabimento de

improcedência liminar do pedido, além daquelas arroladas no art. 332, as

decisões advindas do controle de constitucionalidade ou proferidas pelo

plenário ou órgão especial do tribunal a que estiver vinculado o magistrado.

Embora possamos classificar as decisões dos tribunais,

notadamente dos de cúpula, em graus de obrigatoriedade, em vista à presença

da reclamação como instrumento fiscalizador de (in)aplicação do precedente

como paradigma para casos futuro, verificamos que, para fins de

improcedência liminar do pedido, o legislador preocupou-se exclusivamente em

concretizar o sistema de uniformização de jurisprudência, consagrando as

garantias constitucionais da segurança jurídica e isonomia no tratamento do

jurisdicionado. Se assim não fosse, as súmulas administrativas do STJ e do

STF, que não autorizam o uso de reclamação, não poderiam ter sido lançadas

no art. 332, I, do CPC/15.

Reconhecemos, todavia, que o adequado funcionamento do instituto

em epígrafe dependerá da mais completa, e não meramente suficiente,

fundamentação das decisões judiciais, peça chave do sistema de

uniformização de jurisprudência instituído pelo CPC/15.

Page 22: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

22

Qualquer nebulosidade no quadro fático narrado na petição inicial,

por conseguinte, acerca da dispensa da produção probatória, bem como

quanto à sua subsunção numa das espécies de decisões ou súmula do art. 332

c.c. 927 do CPC/15, seja porque os fatos não se assemelham ou porque a tese

encontra-se em processo de revisão no tribunal competente, deve-se prestigiar

o direito de ação do autor e citar-se o réu, seguindo-se com o ordinário trâmite

do feito.

5. BIBLIOGRAFIA

ABBOUD, Georges, SANTOS, José Carlos Van Cleef de Almeida. IN:

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo,

DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. 2

ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2016.

ABELHA, Marcelo. Manual de direito processual civil. 6.ª ed. (E-book). Rio de

Janeiro: Forense, 2016.

ALVIM, Arruda. O novo contencioso cível no CPC/15. São Paulo: RT, 2016.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim,

CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins, RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva, e MELLO,

Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo

civil: artigo por artigo. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2016.

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 3 ed. São

Paulo: Saraiva, 2017.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3 ed. (E-book).

São Paulo: Atlas, 2017.

_____. Será o fim da categoria "condição da ação"? uma resposta a Fredie

Didier Junior. Revista de Processo. vol. 197/2011. Jul/2011.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito

processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17 ed. Salvador: Jus

Podium, 2015, v. 1.

MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz, MITIDIERO, Daniel.

Novo código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2015.

Page 23: TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE … · TAXATIVIDADE DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO THE EXHAUSTIVE CASES OF PRELIMINARY DENIAL OF THE CLAIM Mauro Gabriel

23

MENDES, Gilmar Ferreira, FUCK, Luciano Felício. Novo CPC e o recurso

extraordinário. Revista de Processo. vol. 261/2016. Nov/2016.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19 ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2010.

NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo

civil comentado e legislação extravagante. 13 ed. São Paulo: RT, 2013

_____. Código de processo civil comentado. 16 ed. São Paulo: RT, 2016.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 9. ed.

Salvador: JusPodivm, 2017.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27 ed. São Paulo: Saraiva,

2002.

ROQUE, André Vasconcelos. In: GAJARDONI, Fernando da Fonseca;

DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos, e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte

de. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao

CPC de 2015. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – vol. I. 53

ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

_____. Curso de direito processual civil – vol. I. 59 ed. Rio de Janeiro: Forense,

2018.

_____, NUNES, Dierle, BAHIA, Alexandre Melo Franco, PEDRON, Flávio

Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2 ed. rev. at. e ampl. Rio

de Janeiro: Forense, 2015.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins, RIBEIRO,

Leonardo Ferres da Silva, e MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros

comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. 2 ed. rev.,

atual. e ampl. São Paulo: RT, 2016.

_____, CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins, RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva, e

MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de

processo civil: artigo por artigo. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2016.

_____, DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova

função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 3 ed. São Paulo: RT, 2016.