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DOI: http://dx.doi.org/10.2 Seção temática Tálamo dos Cânt uma espiritualida Canticles’ Thalamu spirituality Resumo: A capela Árvore da edifício religioso com m construção de uma via he participámos, explora-se simbólicas; como memór criações artísticas, a litera de S. Bernardo sobre o C meditativo, o texto desafi cuja expressão criativa se ca, da performance ritual Palavras-chave: Hermenêutica. Abstract: The Tree of Life c religious architecture and b of access to the eucharistic t multidimensional comprehe themselves. On that dialog comments from Saint Ther the contemporaneous poe spirituality, in Theresa’s sen spatiality, sculptural praxis, Keywords: Hermeneutics. Spir Introdução Situada no interior do capela Árvore da Vida torn que foi agraciada com o * Doutor em Liturgia pelo Pon Teologia da Universidade Católica Religião. [email protected] 23925/1677-1222.2018vol18i1a7 REVER Ano 1 8 ticos na capela Árvore da V ade do atrevimento us at Tree of Life chapel: by a Joaquim Félix a Vida foi agraciada, em 2011, com o prémio melhor arquitetura, e tornou-se mundialment ermenêutica de acesso ao seu tálamo eucarístico a sua compreensão multidimensional: as di ria e recriação se implicam. Nesse diálogo te atura mística (sobretudo comentários de Santa Cântico dos Cânticos) e a poesia contemporâ ia para uma espiritualidade do atrevimento, no institui no renovar poético da espacialidade, da e da linguagem religiosa. . Espiritualidade. Performance. Mística. Poesia. chapel was awarded in 2011 with the ArchDaily became known worldwide. In the construction of a thalamus, in whose creation I participated, it is pos ension: the different symbolic layers; as memory an gue we have present artistic creations, the mystic l resa and sermons from Saint Bernard about Canticl etry. Essayistic and meditative, the text challeng nse, whose creative expression is instituted in the po ritual performance and religious language. rituality. Performance. Mystic. Poetry. o Seminário Conciliar de S. Pedro e S. Pau nou-se mundialmente conhecida a partir d o prémio ArchDaily para edifício religioso ntificio Ateneo Sant’Anselmo (Roma). Professor Auxil a Portuguesa. Membro do Centro de Investigação em T om 8 Nº 1 jan/abr 2018 Vida: por boldness de Carvalho* o ArchDaily para te conhecida. Na o, em cuja criação iferentes camadas emos presentes as Teresa e sermões ânea. Ensaístico e sentido teresiano, a praxis escultóri- y prize to the best a hermeneutic path ssible to explore its nd recreation imply literature (specially le of Canticles) and ges to a boldness oetic renovation of ulo, em Braga, a de 2011, ano em o com a melhor liar da Faculdade de Teologia e Estudos de

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DOI: http://dx.doi.org/10.23925/1677

Seo temtica

Tlamo dos Cnticos na capela rvore da Vida: por uma espiritualidade do atrevimento

Canticles Thalamus at Tree of Life chapel: by a boldness spirituality

Resumo: A capela rvore da Vida foi agraciada, em 2011, com o prmio ArchDaily para edifcio religioso com melhor arquitetura, e tornouconstruo de uma via hermenutica de acesso ao seu tlamo eucarstico, em cuja criao participmos, explora-se a sua compreenso multidimensional: as diferentes camadas simblicas; como memria e recriao se implicam. Nesse dcriaes artsticas, a literatura mstica (sobretudo comentrios de Santa Teresa e sermes de S. Bernardo sobre o Cntico dos Cnticos) e a poesia contempornea. Ensastico e meditativo, o texto desafia para uma espiritualidade docuja expresso criativa se institui no renovar potico da espacialidade, da praxis escultrca, da performance ritual e da linguagem religiosa.

Palavras-chave: Hermenutica.

Abstract: The Tree of Life chapel was awarded in 2011 with the ArchDaily prize to the best religious architecture and became known worldwide. In the construction of a hermeneutic path of access to the eucharistic thalamus, in whose creation I participatedmultidimensional comprehension: the different symbolic layers; as memory and recreation imply themselves. On that dialogue we have present artistic creations, the mystic literature (specially comments from Saint Theresa andthe contemporaneous poetry. Essayistic and meditative, the text challenges to a boldness spirituality, in Theresas sense, whose creative expression is instituted in the poetic renovation of spatiality, sculptural praxis, ritual performance and religious language

Keywords: Hermeneutics. Spirituality

Introduo

Situada no interior do Seminrio Conciliar de S. Pedro e S. Paulo, em Braga, a

capela rvore da Vida tornou

que foi agraciada com o

* Doutor em Liturgia pelo Pontificio Ateneo SantAnselmo (Roma). Professor

Teologia da Universidade Catlica Portuguesa. Membro do Centro de Investigao em Teologia e Estudos de Religio. [email protected]

.doi.org/10.23925/1677-1222.2018vol18i1a7

REVER Ano 18

Tlamo dos Cnticos na capela rvore da Vida: por dade do atrevimento

Canticles Thalamus at Tree of Life chapel: by a boldness

Joaquim Flix de Carvalho

A capela rvore da Vida foi agraciada, em 2011, com o prmio ArchDaily para edifcio religioso com melhor arquitetura, e tornou-se mundialmente conhecida. Na construo de uma via hermenutica de acesso ao seu tlamo eucarstico, em cuja criao

se a sua compreenso multidimensional: as diferentes camadas simblicas; como memria e recriao se implicam. Nesse dilogo temos presentes as criaes artsticas, a literatura mstica (sobretudo comentrios de Santa Teresa e sermes de S. Bernardo sobre o Cntico dos Cnticos) e a poesia contempornea. Ensastico e meditativo, o texto desafia para uma espiritualidade do atrevimento, no sentido teresiano, cuja expresso criativa se institui no renovar potico da espacialidade, da praxis escultrca, da performance ritual e da linguagem religiosa.

Hermenutica. Espiritualidade. Performance. Mstica. Poesia.

The Tree of Life chapel was awarded in 2011 with the ArchDaily prize to the best religious architecture and became known worldwide. In the construction of a hermeneutic path of access to the eucharistic thalamus, in whose creation I participated, it is possible to explore its multidimensional comprehension: the different symbolic layers; as memory and recreation imply themselves. On that dialogue we have present artistic creations, the mystic literature (specially comments from Saint Theresa and sermons from Saint Bernard about Canticle of Canticles) and the contemporaneous poetry. Essayistic and meditative, the text challenges to a boldness spirituality, in Theresas sense, whose creative expression is instituted in the poetic renovation of

iality, sculptural praxis, ritual performance and religious language.

Spirituality. Performance. Mystic. Poetry.

Situada no interior do Seminrio Conciliar de S. Pedro e S. Paulo, em Braga, a

capela rvore da Vida tornou-se mundialmente conhecida a partir de 2011, ano em

que foi agraciada com o prmio ArchDaily para edifcio religioso com a

Doutor em Liturgia pelo Pontificio Ateneo SantAnselmo (Roma). Professor Auxiliar da Faculdade de

Teologia da Universidade Catlica Portuguesa. Membro do Centro de Investigao em Teologia e Estudos de [email protected]

8 N 1 jan/abr 2018

Tlamo dos Cnticos na capela rvore da Vida: por

Canticles Thalamus at Tree of Life chapel: by a boldness

Joaquim Flix de Carvalho*

A capela rvore da Vida foi agraciada, em 2011, com o prmio ArchDaily para mundialmente conhecida. Na

construo de uma via hermenutica de acesso ao seu tlamo eucarstico, em cuja criao se a sua compreenso multidimensional: as diferentes camadas

ilogo temos presentes as criaes artsticas, a literatura mstica (sobretudo comentrios de Santa Teresa e sermes de S. Bernardo sobre o Cntico dos Cnticos) e a poesia contempornea. Ensastico e

atrevimento, no sentido teresiano, cuja expresso criativa se institui no renovar potico da espacialidade, da praxis escultri-

The Tree of Life chapel was awarded in 2011 with the ArchDaily prize to the best religious architecture and became known worldwide. In the construction of a hermeneutic path

, it is possible to explore its multidimensional comprehension: the different symbolic layers; as memory and recreation imply themselves. On that dialogue we have present artistic creations, the mystic literature (specially

sermons from Saint Bernard about Canticle of Canticles) and the contemporaneous poetry. Essayistic and meditative, the text challenges to a boldness spirituality, in Theresas sense, whose creative expression is instituted in the poetic renovation of

Situada no interior do Seminrio Conciliar de S. Pedro e S. Paulo, em Braga, a

se mundialmente conhecida a partir de 2011, ano em

ArchDaily para edifcio religioso com a melhor

Auxiliar da Faculdade de Teologia da Universidade Catlica Portuguesa. Membro do Centro de Investigao em Teologia e Estudos de

116 Joaquim Flix de Carvalho

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

arquitetura. obra do atelier Cerejeira Fontes Arquitectos, de vrios artistas1 e

artesos.

Nos ltimos anos, foi abundantemente noticiada e sobre ela existe bibliografia

em jornais, revistas, livros e atas de congressos. De facto, ela foi apresentada no

mbito de dois congressos internacionais, ambos realizados em 2015: no congresso

litrgico internacional, realizado de 4 a 6 de junho, no Mosteiro de Bose, Itlia,

subordinado ao tema Architettura della Luce. Arte, Spazi, Liturgia (cf. Flix de

Carvalho, 2016, pp. 217-232); e, tambm, na International Conference on

Communication and Light, que decorreu de 2 a 4 de novembro, na Universidade

do Minho, Braga2.

Em fevereiro de 2018, foi publicado, pela Universidade Catlica Editora, um

livro (Flix de Carvalho, 2018), sobre as capelas dos Seminrios Arquidiocesanos de

Braga, focado nas novas poticas da espacialidade ritual, onde a capela rvore da

Vida figura em primeiro lugar. Esta, como a Imaculada e a Cheia de Graa, so

assim apresentadas, na contracapa: Nova carne do Corpo de Cristo, estas capelas

so movimento cultural, epifania tica, refinado despojamento, prticas de

esperana.

Tendo em conta os temas j tratados, privilegiamos para este artigo a reflexo

sobre um espao, por muitos aspetos especial, da capela rvore da Vida: o tlamo

eucarstico. Faremos a sua hermenutica crtica seguindo o modelo adotado no

posfcio, publicado em O ladro e o querubim. Drama litrgico cristo oriental, sobre

a iconizao da porta principal da capela, a partir das miniaturas pintadas por Ilda

David. Por conseguinte, exploraremos a sua compreenso multidimensional: as

diferentes camadas simblicas da construo, mostrando como memria (inclusive

da literatura mstica e potica) e recriao (esttica) se implicam nessa realizao.

Ser possvel construir uma via hermenutica de acesso ao espao? Esse o repto.

Importante, porm, partir nessa via para o que ela poder potenciar, quer em

termos de experincia religiosa, quer quanto performance ritual e linguagens a

recriar.

O gnero literrio, ensastico e meditativo, prprio de um liturgista, que

participou na construo do espao, cuja densidade se institui no dilogo entre a

ao ritual e a experincia esttica. Espao este que atinge outro nvel de revelao

1 Entre outros: Asbjrn Andresen, Professor e, de 2003 a 2009, Vice-Reitor na Bergen School of Architecture (Noruega); Lourdes Castro e Ilda David, pintoras e artistas plsticas; Manuel Rosa, escultor e editor; Jlia Ramalho, ceramista; Helena Cardoso, estilista; Pedro Guimares e Beate von Rohden (Alemanha), organeiros; Joaquim Flix, liturgista.

2 As atas deste congresso encontram-se no prelo. Na conferncia plenria, que proferimos e intitulmos A luz na liturgia, apresentmos alguns aspetos sobre a luz na arquitetura da capela rvore da Vida.

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para alm das palavras, porque entremeamos o texto com imagens realizadas por trs

reconhecidos fotgrafos profissionais: Nelson Garrido (Portugal), Nick Kane

(Inglaterra) e Santo Eduardo Di Miceli (Itlia).

Nick Kane / Capela rvore da Vida

Tlamo eucarstico na capela rvore da Vida

O conhecimento libertador. Tantas vezes em paradoxo, certo. Coloca-nos

no centro da conflagrao do sentido. Sempre alm das contradies, muito

aparentes. Porque, quando vivemos de procuras, do itinerrio, podemos saber as

partidas (s vezes j confludas em Tradio) e, bom seria, tambm o horizonte

amplo para possveis vises telescpicas sobre o futuro, onde se vislumbram, em

esboo, realidades novssimas. De facto, no teramos justificao se, depois do

conhecer as mltiplas tradies acerca da reserva eucarstica, segundo o ritmo vivo

e evolutivo da Tradio, escavssemos um sulco que no nos permitisse sair da

mimese. Em vez do constrangimento, o estudo histrico, que fizemos, permite

pensar, sobre os ombros de milnios, o lugar da reserva eucarstica na capela rvore

da Vida. Responsabilizou-nos. E, porque havia vrias contingncias no espao

118 Joaquim Flix de Carvalho

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

disponvel, comprometeu-nos na procura de uma soluo magnamente industriada

a favor da cultura eucarstica de que deveria cuidar a comunidade que a capela

serve.

Considerada a economia do espao e no existindo propriamente um presbi-

trio, onde colocar o tabernculo? Tratando-se de nova construo, seria possvel

pensar-se num lugar fora da aula litrgica, como sugerem as disposies dos

documentos ps-conciliares? Nessa opo, porm, no se limitaria a capacidade

da capela? Com certeza. At porque as duas capelas, que existiam na mesma rea

de implantao da nova, dispunham de pequenas sacristias; o que reduzia os

respetivos espaos litrgicos. E abrir um tabernculo nas paredes de madeira,

como se fez para a pequena credncia; ou, na semelhana das pombas e torres

eucarsticas, suspend-lo sobre o altar? Era possvel. E com franca exposio.

Contudo, o tema da visibilidade no contexto do espao litrgico mereceu

particular ateno. No porque seja de evitar, sem mais. Mas porque, a partir da

fora do sinal, possvel harmonizar os sentidos da presena eucarstica, em

declinaes que s a valorizam, quer na celebrao comunitria, quer na orao e

adorao individuais. E cada uma na mxima dignidade.

Para evidenciar a primazia da celebrao da eucaristia em relao3 ao mistrio

do culto eucarstico fora da missa (no prolongamento daquela), aconselha-se a

no colocar o tabernculo sobre o altar. De facto, a Instruo Eucharisticum

Mysterium e, ainda mais claramente, a Instruo Geral do Missal Romano, apelam

razo e natureza do sinal4. A meno dos textos propositada, porque foi

tambm na base desta fundamentao teolgica que, durante sculos e sob muitas

formas, se conservou a reserva eucarstica nos pastofrios ou sacristias, e hoje se

sugere que, nas novas construes, se criem capelas do Santssimo, quanto

possvel junto dos presbitrios.

Postas estas consideraes, como se poderiam harmonizar, na disposio

espacial da capela, os sinais da presena eucarstica sem sobreposies?5 A soluo

arquitetada enquadra-se num regime de polivalncias. Como assim? Primeiro,

deve dizer-se que optmos pela criao de um pequeno e proporcionado tlamo

3 Sobre a relao entre o culto eucarstico fora da missa e a celebrao eucarstica, ver os preliminares nn.1-4,

do Ritual Romano, Sagrada Comunho e Culto do mistrio eucarstico fora da Missa (Catlica, 1995, pp. 9-10) 4 Cf. n. 55 da Instruo Eucharisticum Mysterium (Sagrada Congregao dos Ritos, 1967, p.524); e, quanto

Instruo Geral do Missal Romano, ver o n.315 (Congregao do Culto Divino, 2003, p. 100). 5 Sobre a necessria adequao s caractersticas do espao, veja-se por exemplo o n. 314 da Instruo Geral

do Missal Romano (Congregao do Culto Divino, 2003, pp.99-100); e, tambm, o n. 69 da Exortao Apostlica Ps-Sinodal Sacramentum Caritatis (Bento XVI, 2007, pp. 96-97).

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ou pastofrio eucarstico, no ngulo sudoeste, de linhas triangulares. Um aposento

preparado para o Esposo, no dizer de S. Jernimo6. Na parede divisria entre o

espao litrgico e o pastofrio, escavou-se uma cmara para o tabernculo. Aberta

completamente s para o interior do tlamo, possui uma amplitude cinco vezes

maior do que a do tabernculo. A parede muito espessa, com largura de cerca

de um metro. Do ponto de vista estrutural, o bloco que equilibra a capela. Pois,

sem esta parede-coluna no interior, seria mais difcil distribuir as cargas da

capela por outros pontos de apoio. E, na perspetiva simblica, ganha outro

alcance: faz-nos intuir a fora da eucaristia, fundamento de toda a construo, da

vida.

Pelo intervalo entre as pranchas de madeira, esta parede , em parte, trans-

parente. Como todas as outras, alis. E porque a sua espessura, por trs do

tabernculo, oscila entra os 5 cm e os 27 cm (corte diagonal) possvel entrever

o tabernculo do lado do espao litrgico. Claro que se torna mais visvel para

quem frequenta a capela. Daqui se depreende a polivalncia criada: no

pastofrio, contempla-se diretamente o tabernculo; no espao litrgico,

entrev-se atravs do crivo parietal. Por isso, pode fazer-se de ambos os lados a

adorao privada da santssima eucaristia. Contudo, para salvaguardar o fim

primrio da celebrao da eucaristia em relao a este fim secundrio7 da reserva

eucarstica, durante a celebrao da Missa, o tabernculo deixa de ver-se.

Porqu? Porque os participantes, mesmo sentados, impedem a sua visibilidade.

Este efeito permite a concentrao total na ao litrgica. Porm, uma vez

terminada, este foco da vida crist de novo se faz presente e retoma a sua

polaridade no espao da assembleia. Assim, atravs desta simples mas

procurada soluo arquitetnica, consideramos o mistrio eucarstico em

toda a sua amplitude, tanto na celebrao da Missa como no culto das sagradas

espcies, que se conservam depois da Missa para prolongar a graa do sacrifcio

(Congregao do Culto divino, 1995, p. 10).

6 Na obra Commentariorum In Ezechielem Prophetam: Libri XII, S. Jernimo escreve: Vel certe thalami;

qui graece dicuntur : ostendunt sponsi adventui cubicula praeparata (Jernimo, s.d., p. 282).

7 No preliminar n. 5 do Ritual Romano Sagrada Comunho e Culto do mistrio eucarstico fora da Missa, pode ler-se o que se diz do fim primrio e dos secundrios: O fim primrio e primitivo da Reserva eucarstica fora da Missa a administrao do Vitico; os fins secundrios so a distribuio da comunho e a adorao de nosso Senhor Jesus Cristo presente no santssimo Sacramento (Congregao do Culto divino, 1995, p. 11).

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Nelson Garrido: transparncias junto ao tlamo

Com esta localizao estratgica, o tabernculo torna-se omnipresente no espao

interno. A visibilidade faz-se em todas as direes: dentro do tlamo e daqui para o

espao litrgico; e desta para o tabernculo. H uma intercomunicao de interiores.

Mas dizer isto seria pouco. Porque, pelo mesmo processo de transparncia das

paredes, so garantidas outras visibilidades: do pastofrio para o exterior e do

exterior para o seu interior. Deste modo, o tabernculo pode ser contemplado no

nrtex. O que permite ser-se acompanhado pela presena de Jesus e, da parte do

transeunte, saud-lo atravs do levar da mo ao peito ou de uma genuflexo, mesmo

se de passagem para os trabalhos e os tempos livres da jornada. algo que sucede

frequentemente, semelhana de algumas pessoas que, nas ruas, atravs de um

costume ancestral, ao passar diante das portas das igrejas e em gesto de reverncia, se

benzem ou retiram o chapu. H ainda uma outra forma para que isto suceda: na

escadaria de acesso ao piso superior, fora da sala onde se encontra a capela. Para isso

foi reaberta uma janela de alvenaria que, em obras anteriores, tinha sido fechada com

beto armado.

Esta extenso da visibilidade do tabernculo sobre outras zonas da casa no

uma inovao sem precedentes. A histria do lugar e dos recetculos da reserva

eucarstica revelou-nos diversos modos de assegur-la: a abertura de culos nas portas

e paredes dos tabernculos murais, os hagioscpios e, ainda, a exposio permanen-

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REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

te assegurada por pxides de vidro colocadas em certas edculas eucarsticas

protegidas com grelhas de ferro ao nvel da reserva. Algo de semelhante sucede, por

exemplo, no novo (inaugurado a 21 de maro de 1994) convento de So Domingos,

situado junto ao Alto dos Moinhos, em Lisboa, obra dos arquitetos Jos Fernando

Gonalves e Joo Paulo Providncia. Neste caso, o sacrrio encontra-se suspenso

numa das paredes laterais da igreja, de tal forma que visvel do claustro, do hall de

entrada, dum grande salo e, na hiptese de se vir a construir, desde um centro

cultural. Tal inspirao foi colhida num outro convento dominicano, no caso, no

Convento de Sainte-Marie La Tourette8, em Eveux-sur-lArbresle, perto de Lyon,

obra do arquiteto Le Corbusier. , como se reconhece, um dos exemplares mais

importantes de Le Corbusier no panorama da arquitetura religiosa do sculo XX.

No jardim do Cntico dos Cnticos

O tlamo eucarstico, onde se encontra o tabernculo, remete-nos para a simb-

lica do espao. Com uma presena omnmoda, de viso vigilante sobre os passos dos

membros da comunidade, rememoramos, em primeiro lugar, a tenda (tabernaculum,

em latim, quer dizer isso mesmo: casa construda com tbuas de madeira9) descrita

no livro do xodo (cf. x. 25-26)10, o santurio porttil, a partir do qual Deus

acompanhava, como nmada, o povo israelita ao longo da sua peregrinao. Armado

com madeira de accia, revestida de ouro, o tabernculo era a sede de Deus, das suas

epifanias, coberto por trs camadas de peles de animais, que lhe conferiam uma

obscuridade mstica. Estava colocado no centro do trio e a entrada fazia-se a Este.

Faz lembrar as cabanas, feitas com ramos, levantadas por ocasio da festa dos

tabernculos (cf. Dt 16, 1-17), memorial da sua presena vivificante atravs do

deserto, que se abre vinda messinica (cf. Lev 23, 42s ). Lembra-se o povo para que

tambm Deus se lembre: Lembro-me de ti, da tua afeio quando eras jovem, e do

teu amor quando noiva, e de como me seguias no deserto, numa terra em que se no

semeia (Jer 2,2). Nesta festa comemorava-se, como nota Louis Bouyer, uma

perptua renovao do noivado do povo com o seu Deus (Bouyer, 1968, col. 620).

Presena que Ele garantiu, no Novo Testamento, com uma tenda nova: a

humanidade de Cristo, qual S. Joo se refere com a forma verbal e,

8 O convento, que do perodo mais maduro de Le Corbusier, comeou a ser projetado em 1953, mas s

em julho de 1959 foi entregue comunidade dominicana. 9 Sobre esta matria, cf. Zovatto,1953, col.1678-1679. 10 Sobre o significado de tabernculo, cf. Bouyer, 1968, col.619-620; e, sobre a tenda da reunio,

propriamente dita, cf. Mariani, 1953, col.1681-1684.

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equivalente ao verbo hebraico akan (morar na tenda): E o Verbo se fez carne e

habitou (na tenda) entre ns (Jo 1,14). na semntica deste habitar tendas, que S.

Paulo se refere ao nosso corpo como templo de Deus (1 Cor 3,16-17 e 6,19), e o

livro do Apocalipse apresenta Jerusalm celeste como tabernculo de Deus com os

homens, pois com eles habitar (Ap 21,3).

Santo Eduardo Di Miceli: Viso noturna sobre o tlamo eucarstico

O enquadramento sugere, como assim arquitetmos, uma nova estetizao: a do

tlamo nupcial. Agora, num outro jardim: o do Cntico dos Cnticos. Sim, faltava

este jardim para completar a trilogia dos jardins bblicos. Recordemos que, no espao

litrgico, se estetizam dois: o den, a partir do relato da criao, e, numa valorizao

teolgica do ambo, cone espacial do tmulo aberto, o jardim da manh de Pscoa.

Trs jardins, metforas do amor esponsal, entre Deus e o seu povo, Cristo e a Igreja.

mo de recolher, o livro do Cntico dos Cnticos encontra-se mesmo a, entre

as lamelas da madeira do tlamo, como um manual do amor, puro como chamas

de fogo. a edio bilngue, hebraico-portugus, com traduo, introduo e notas

de Jos Tolentino Mendona (Mendona, 1999, p. 11). Sem esquecer os belssimos

desenhos de Ilda David. Ambos so artfices desta capela, do nome e das pinturas.

Como andamos juntos h tanto tempo! Histria duma amizade que nos faz pensar

que a rvore da Vida j tinha sido eleita, mesmo sem sabermos, antes de se formar

no espao. Deixemos, porm, esta vocao, para voltar ao livro.

Tlamo dos Cnticos na capela rvore da Vida 123

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

Como justificar aos escrupulosos a sua presena no tlamo eucarstico? Nada h a

justificar. Trata-se da proposio de uma ria de beleza sufocante, primitiva, um

desenho de labaredas, como o Cntico11. Se atrapalhar os olhares preconceituosos,

valha-nos, como recorda Jos Tolentino no texto introdutrio (cf. Mendona, 1999,

p. 13), a declarao da sua canonicidade na assembleia rabnica de Yabn, reunida nos

fins do sculo I :Pessoa alguma em Israel jamais conteste que o Cntico torna sujas as

mos; critrio judaico para apurar a santidade das Escrituras. Tolentino Mendona v

nele um jardim entreaberto, com outros apreos, s vezes, tardios:

S muito tarde se permitiu consider-lo naquilo que ele : epitalmio, canto de admirao e de amor trocado por uma mulher e por um homem, sussurro de a-mantes. Mapa instvel, sempre a ser refeito, cartografia de um grande amor desen-contrado, da solido que os amores muito grandes proporcionam, do assalto violen-to ou, afinal, tnue ou do assombro tnue e, depois, e logo depois, o corpo nomea-do, perseguido, suplicado, o jardim entreaberto, a prece atendida (Mendona, 1999, p. 14).

A sua canonicidade, inteiramente aceite por judeus e cristos, no o ilibou de

certas problematizaes e de ser tido por desaconselhado e fonte de suspeio. A

principal dificuldade, sintetiza-a o biblista, residiu no desequilbrio instaurado por

uma espcie de totalitarismo alegrico das interpretaes. Sacrificava-se, com muita

facilidade, o sentido primeiro, literal (ou natural, como lhe chama Anne-Marie

Pelletier, no seu indispensvel estudo Lectures du Cantique des Cantiques, Ed. Pont.

Istituto Biblico, 1989, p. 13) em nome de um simbolismo moralizante. E mesmo

assim, o que espantoso, no deixava de ser um texto suspeito (Mendona, 1999,

p.13). Mas as dificuldades eram mais. A sua linguagem parecia pouco aderente aos

lbios. V-se l saber porqu? Porque eram impuros, como os de Isaas12, no?

Certamente. Aos ouvidos, porm, no era menos. Talvez muitos vejam nela um

modo esprio, ou sublimado, de traduzir o amor. O que nos falta reconhecer,

como Jeremias, que no sabemos falar, porque somos ainda crianas. E deixar que

Deus estenda a sua mo e nos toque a boca. Porque, afinal, Ele quem coloca as

suas palavras em nossas bocas (cf. Jer 1, 6-9). As palavras da amada do Cntico dos

Cnticos so dEle.

verdade que este livro, pelas interpretaes que se conhecem, prdigo de

sentidos. E ainda bem. Porque o torna inesgotvel e retrai quem lhe queira pr

limites definidos. Tolentino Mendona sabe isso: Talvez, porque a global apreenso

11 A expresso de Tolentino Mendona: (Mendona, 1999, p.13). 12 Is 6,5: Ai de mim! Pois estou perdido; porque sou um homem de lbios impuros, e habito no meio de

um povo de impuros lbios.

124 Joaquim Flix de Carvalho

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

de um sentido nos remeta sempre para essa escatologia, dos grandes textos da nossa

cultura, o Cntico dos Cnticos, colocando-se entre os mais obstinadamente lidos e

comentados, no deixou de ser nunca um territrio inapreensvel, um corpo

obscuro (Mendona, 1999, p.11). Na verdade, no h livro do Antigo Testamento

do qual tenham sido propostas interpretaes mais divergentes (Jerusalm, 1989,

p.1182). E, como se refere na Introduo, que lhe dedica a Bblia de Jerusalm, a

leitura varia conforme as interpretaes adotadas, a alegrica ou a literal (Jerusalm,

1989, pp.1182-1183). No nosso interesse aprofundar o sentido das linhas

exegticas, mas to-s considerar o valor sapiencial do Cntico. Porque ele interessa-

-se pela condio humana e medita num de seus aspetos vitais. Ensina a seu modo a

bondade e a dignidade do amor que aproxima o homem e a mulher, exorciza os

mitos que se lhes associavam ento e livra-o tanto dos vnculos do puritanismo como

da licenciosidade do erotismo (Jerusalm, 1989, p.1184). E tambm porque, por

detrs do sentido literal, alis legtimo aplicar o Cntico s relaes de Cristo com

sua Igreja, coisa que entretanto So Paulo no fez em Ef 5, ou unio das almas com

o Deus amor, o que justifica o uso admirvel que dele fizeram alguns msticos como

So Joo da Cruz (Jerusalm, 1989, p.1184).

Santa Teresa de Jesus, outra grande mstica, fez tambm algumas meditaes

sobre o Cntico dos Cnticos. No sem reservas, porque um dos seus confessores

chegou mesmo a ordenar-lhe a sua destruio. Segundo ele, eram pensamentos

desadequados para uma mulher. Embora no destrudas, h sinais de que passaram

no crivo da ortodoxia, como se depreende da nota escrita margem do manuscrito,

assinada pelo P. Baez: Isto so umas consideraes de Teresa de Jesus. No

encontrei nelas coisa que me parea mal. Frei Domingos Baez (Jesus, 1994,

p.577). Ns, pelo contrrio, encontramos muita oportunidade em funo da

qualificao do lugar da reserva eucarstica na capela e da espiritualidade que as

meditaes nos proporcionam. No o fazemos para contrariar o seu diretor

espiritual, ou os da nossa comunidade, que, sobre esta matria, no tm a mesma

perceo sobre as meditaes teresianas.

Teresa de Jesus no comenta muitos versculos. No sua inteno fazer um

comentrio ao Cntico, semelhana de quem o fez versculo a versculo. So

palavras para partilhar, no caminho de orao, com suas irms dos mosteiros, a

quem trata por filhas suas. Consciente da dificuldade que algumas tinham em ler e

compreender as sagradas Escrituras, sobremaneira o Cntico dos Cnticos, traduz o

versculo primeiro e procura, atravs de muitas consideraes, dar-lhe a interpretao

que lhe ocorre, avisando-as desde logo que ser com bastantes tolices (Jesus, 1994,

Tlamo dos Cnticos na capela rvore da Vida 125

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

p. 583). A sua traduo resulta assim: Beije-me o Senhor com o beijo da sua boca,

porque melhores so os teus peitos do que o vinho13.

Antes de lhe dar interpretao, Teresa acautela as irms dizendo-lhes que, a

propsito de palavras como estas, algumas pessoas at fugiriam de as ouvir (Jesus,

1994, p. 580). Donde a dificuldade em entender esta linguagem? A razo para tal,

diz ela, prende-se com algo que, tambm a ns, no deveria deixar indiferentes:

exercitamo-nos to mal no amor de Deus que no nos parece possvel uma alma

tratar assim com Ele (Jesus, 1994, p. 581). E, logo, destemida dos muitos sentidos

que possa ter, comenta:

Beije-me com o beijo da sua boca. () Diro que sou uma ignorante, que no quer dizer isto, que tem muitos significados, que claro est que no devemos dizer esta palavra a Deus, e por isso bem que estas coisas no as leiam gente simples. Confesso haver muitos modos de se entender; mas a alma que est abrasada de a-mor que a desatina no quer nada, seno dizer estas palavras. Sim, que no lho im-pede o Senhor. Valha-me Deus! O que que nos espanta? No mais de admirar a obra? No nos abeiramos do Santssimo Sacramento? E pensava eu se a Esposa pe-dia merc que Cristo depois nos fez. Tambm tenho pensado se pedia aquela unio to grande, como foi Deus fazer-se Homem, aquela amizade que trocou com o g-nero humano. Porque claro est, que o beijo sinal de paz e de grande amizade en-tre duas pessoas (Jesus, 1994, p. 584).

Ser este o nosso entender, dentro ou junto do tlamo onde adoramos o Sants-

simo? Que esposa seremos? Se nos abrasamos no amor, tambm ns no quereremos

outras palavras. Por mais atrevidas que ainda hoje paream, so as palavras justas,

beijos dados.

Nick Kane: Perspetiva diurna sobre o tlamo eucarstico

13 Cant 1,1. Tolentino Mendona prefere traduzir, sem pontuao, o que corresponde ao v. 2: beije-me

com os beijos da sua boca / melhores tuas carcias do que o vinho.

126 Joaquim Flix de Carvalho

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

Ser que, sentados diante do Santssimo, o Esposo, passa pelas nossas oraes o

desejo daquela unio imensa como foi Deus fazer-se Homem, aquela amizade que

trocou com o gnero humano? Que tem isto a ver com o beijo da sua boca e o

mistrio da incarnao? Tem tudo. Quem o diz S. Bernardo (1090-1153) que, ao

longo da sua vida, escreveu 86 sermes (Bernardo, 1987)14 sobre o Cntico dos

Cnticos. De facto, assim que, no primeiro sermo, ele interpreta este beijo:

Olhai: no primeiro caso a boca que beija o Verbo que encarna; aquela que recebe o beijo, a carne assumida pelo Verbo; e o beijo que consumam, o que beija e a que beijada, a pessoa composta por ambos: o mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus. Por esta razo nenhum santo jamais se atreveu a dizer: que me beije com a sua boca, mas unicamente com os beijos da sua boca. Reconheciam esta prerrogativa como algo exclusivo daquele a quem o Verbo beijou apertadamen-te com um beijo nunca interrompido, ao estreitar-se com ele corporalmente toda a plenitude da divindade. Feliz e surpreendente beijo por sua desconcertante conces-so. Beijo que muito mais que a simples presso dos lbios: a prpria unio de Deus com o homem. Com o contacto dos lbios tenta-se exprimir a mtua identi-ficao de sentimentos. Mas com este outro beijo, essa unio das duas naturezas as-socia o humano com o divino, estabelecendo a paz entre o cu e a terra. Ele a nos-sa Paz, que fez com os dois um. Por esta razo os santos do Antigo Testamento de-sejaram este beijo; pressentiam que obteriam gozo e mxima alegria onde se escon-dem os tesouros da sabedoria e da cincia. Eles tambm desejavam receber da sua plenitude (Bernardo, 1987, p. 91).

Como no desejar, tambm ns, este beijo da sua boca? que, para viver na

alegria completa, temos de desej-lo. Claro que, como dissemos j, provvel

encontrar quem nos acuse de atrevidos, s de dizer estas palavras do Cntico. Mas se

a tanto nos assiste o Esprito, no as subtraiamos nossa adorao ao Santssimo.

Disso nos avisa Teresa, em dilogos com o Esposo:

que tenho por certo haver muitas pessoas que se chegam ao Santssimo Sacra-mento () e se ouvissem a uma alma morta de amor pelo seu Deus dizer estas pa-lavras, se espantariam e o teriam por grande atrevimento. Ao menos eu estou segura de que elas nos as diro, porque estas palavras e outras semelhantes que esto nos Cantares, di-las o amor. Como no o tm, bem podem ler os Cantares todos os dias e no se exercitar nelas; nem mesmo ousaro pronunci-las com a boca, pois verdadeiramente at ouvi-las causa temor, porque trazem consigo grande majesta-

14 Com os seus sermes, para serem meditados e no como se poderia pensar para serem pregados,

Bernardo de Claraval insere-se numa longa tradio que remonta ao tempo de Orgenes, cuja meditao do Cntico dos Cnticos foi a mais lida durante a Idade Mdia monstica do ocidente. Depois do Comentrio de Orgenes, seguiram-se outros tambm muito conhecidos, com amplitudes diversas: Gregrio Magno, Cassiodoro, Isidoro de Sevilha e Beda o Venervel. Mas sobretudo no contexto da espiritualidade cisterciense que se assiste multiplicao destes comentrios e sermes, da autoria de Guilherme de Saint gierry (1148), Gilberto de Hoyland (1172), Godofredo de Auxerre (c. 1188), Toms de Cteaux (c. 1190), Joo de Ford (1214), Isaac de Stella (c. 1178), Gilberto de Stanford ( fins do sculo XII).

Tlamo dos Cnticos na capela rvore da Vida 127

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

de. Muita trazeis Vs, Senhor meu, no Santssimo Sacramento; mas como no tm f viva, seno morta, estes tais vem-Vos to humilde debaixo das espcies de po, e nada lhes dizeis porque no o merecem ouvir, e assim se atrevem a tanto. Que as-sim tomadas letra, estas palavras causariam verdadeiro temor se estivesse em si quem as diz; mas a quem Vosso amor, Senhor, faz sair fora de si, bem lhe perdoa-reis que diga isto e mais ainda, embora seja atrevimento. E, Senhor meu, se signifi-ca paz e amizade, por que no Vos pediro as almas que a tenhais com elas? Que melhor coisa podemos pedir do que o que eu Vos peo, Senhor meu: que me deis esta paz com beijo de Vossa boca? (Jesus, 1994, p. 585).

Peamos-Lhe pois o osculum pacis (beijo da paz). Para que abunde em ns a

caridade. E transborde como rio que, de tantas chuvas, galga as margens do temor.

Pois no amor no h temor, antes o perfeito amor lana fora o temor; porque o

temor tem consigo a pena, e o que teme no perfeito em amor (1Jo 4, 18). Que

nos beije, ento, para que transbordemos. E possamos entoar, com a mstica

Hildegarda de Bingen, a sua magnificncia: Caritas abundat in omnia, / de imis

excelentissima super sidera, atque amantissima in omnia, / quia summo Regi / osculum

pacis dedit (Bingen, 2004, p.198). (Em tudo transborda a caridade: / notvel desde

os abismos aos cus mais altos, / mais amvel dos bens, / porque ao Rei supremo / o

beijo da paz deu).

Esta paz uma conformao de vontades. Muitos apreci-la-o no pequeno

tlamo eucarstico. J que, no discernir bem, condio fundamental. Vivemos,

como se saber, numa comunidade na qual os jovens discernem a vocao, antes da

entrega radical. Eles sabem, por meditaes constantes, que este discernimento

evanglico tem o seu fundamento na confiana no amor de Jesus Cristo, que sempre

e incansavelmente toma cuidado pela sua Igreja (cf. Ef. 5, 29), Ele que o Senhor e

Mestre, a chave, o centro e o fim de toda a histria humana; nutre-se da luz e da

fora do Esprito Santo, que suscita por toda a parte e em qualquer circunstncia a

obedincia da f, a coragem alegre do seguimento de Cristo, o dom da sabedoria que

tudo julga e no julgada por ningum (cf. 1 Cor. 2, 15); repousa sobre a fidelidade

do Pai s suas promessas (Paulo II, 1992, pp.530-531).

Teresa define assim a paz:

juntar-se com a vontade de Deus, de maneira que no haja diviso entre Ele (Espo-so) e ela (esposa), seno que seja uma mesma vontade; no por palavras, no s por desejos, mas posta em obra. Entendendo que serve mais a seu Esposo numa coisa, que haja tanto amor e desejo de content-Lo, que no escute as razes que lhe dar o entendimento, nem os temores que ele lhe por, mas deixe operar a f de maneira que no olhe a proveito nem descanso, seno que acabe j de entender que nisto est todo o seu proveito (Jesus, 1994, pp.603-604).

128 Joaquim Flix de Carvalho

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

Se nos revemos neste desejo, faamos nossa a splica:

Pois, Senhor meu, no Vos peo outra coisa nesta vida, seno que me beijeis com o beijo de vossa boca, e seja de maneira que, embora eu me queira apartar desta amizade e unio, sempre, Senhor da minha vida, sujeitai a minha vontade a no sair da vossa, e no haja nada que me impea de poder dizer, Deus meu e glria minha, com verdade: melhores so teus peitos e mais saborosos do que o vinho (Jesus, 1994, pp. 610-611).

Banco dos amigos, junto macieira

Santo Eduardo Di Miceli: jovem em orao no tlamo

O tlamo eucarstico da capela possui apenas um banco, no ngulo da parede,

para sentar. No d para outras pessoas. Se algum mais quiser fazer a adorao

eucarstica de forma individual, pode faz-la, sim, mas desde o espao litrgico;

possibilidade que foi acautelada, atravs da polivalncia acima descrita. Dentro,

como se imaginar, a intensidade torna-se fortssima. Entre a pessoa ali sentada e o

tabernculo no h ningum de permeio. Experimenta-se o dilogo face-a-face. E o

ouvido to inclinado boca. A distncia , de facto, prxima. Como se fala ao

corao, assim se afinar o tom da voz. Talvez, em muitos momentos, baste o

silncio e a leitura dos lbios e dos olhos, to prximos. As pequenas aberturas da

caixa protetora da pxide inspiram as confisses. Onde a misericrdia de Deus, s pelo

olhar, cobre as faltas e quanto nos falta. Como um amigo fala a seu amigo, ou entre

Tlamo dos Cnticos na capela rvore da Vida 129

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

amados, eis a relao que alimenta o profundo desejo de intercomunicao. E, mais

ainda, de comunho.

A experincia desta relao continuada (de outra forma, parecer to estranha

como um incndio no mar) produz a serenidade que procuramos. O esforo maior

ser sentar ali. E, mais do que trabalhar o pensamento, esperar. Contemplar o fruto,

mesmo em flor, se for o caso. Deixar que os aromas, no incremento da confiana,

sejam destilados. Quem os espalhar? Os ventos. Levanta-te vento norte vem vento

do sul / soprem no meu jardim espalhem os seus perfumes (Cant 4, 16): nardos,

aafro, clamo, blsamos, incensos. Espalhai ventos todos (o tabernculo cbico,

porque inspirado nos quatro ventos principais, referidos no captulo X da Didaqu).

As brisas so todas convocadas para introduzir, em silncio, tais perfumes no

corao. semelhana daquele particular silncio que deve seguir-se ao Sanctus, no

final do Prefcio, na orao eucarstica. Precisamente sobre a oportunidade deste

silncio, Inocncio III escreveu no seu De sacro Altaris mysterio: at que venha o

Austro soprar sobre o jardim para que os aromas (Cant 4) perfumem, isto , para

que os pensamentos inoportunamente no afastem a devoo da orao, antes sejam

afastados com a inspirao da graa (Inocncio III, 2002, pp.211-212). Sim, o

vento Sul, que melhor espalha os aromas no silncio. Ou, se preferirmos a

degustao, inebriados dos vinhos, atinjamos a ebria sobrietas (bria sobriedade), na

adega de Deus. Verdade, como traduz Santa Teresa: Assentei-me sombra

dAquele a quem desejava e seu fruto doce minha garganta. Introduziu-me o Rei

na adega dos vinhos, e ordenou em mim a caridade (Cant 2,3-4)15.

Voltemos, ainda, mstica Teresa, que nos interpreta o versculo da forma que

nos convm:

A alma sente ali um modo de descanso que at a cansa ter de respirar, e tem as po-tncias to sossegadas e quietas, que at um pensamento ainda que seja bom no quereria ento admitir a vontade, nem o admite de modo a inquiri-lo ou pro-cur-lo. No h necessidade de menear a mo nem de levantar-se falo da conside-rao para nada; porque cortada e guisada e at comida, lhe d o Senhor a fruta da macieira a que a Esposa compara o seu Amado, e assim diz, que seu fruto doce sua garganta (Jesus, 1994, p. 619).

Que macieira esta? a rvore da vida. Bem a podemos entrever, se quisermos,

porque perto se encontra. Onde? No espao litrgico, no trptico enquadrado com o

altar. Na sua copa, pende Jesus, o fruto salutar: a Ma nova que no nos deixa cair

em tentao. De seu rubro brilho afasta-se a serpente; do fruto e de ns. Venncio

15 Tolentino Mendona traduz: fez-me entrar o rei em sua penumbra / folgaremos e alegrar-nos-emos

contigo / lembrar-nos-emos de teus amores mais que do vinho.

130 Joaquim Flix de Carvalho

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Fortunato (c.530-c.600/609), poeta e bispo, canta a rvore da Cruz, num hino

belssimo, de Laudes da Semana Santa, do qual transcrevemos apenas duas estrofes:

Cruz fiel e redentora, / rvore nobre, gloriosa! / Nenhuma outra nos deu / Tal ra-magem, flor e fruto. / Doces cravos, doce lenho, / Doce fruto sustentais! // rvore santa, gloriosa, / Abranda tua dureza, / Dobra a fora dos teus ramos / Na morte do Redentor, / Sustenta, compadecida, / O Corpo do Homem-Deus (Congregao do Culto Divino, 2009, pp.371-372).

Talvez nele inspirada, Santa Teresa no perde o comentrio: Como abaixa seus

ramos esta divina macieira, para que, algumas vezes a alma lhe colha a fruta,

considerando Suas grandezas e a multido das misericrdias de que tem usado para

com ela, e para que veja e goze do fruto que tirou Jesus Cristo Senhor nosso da sua

Paixo, regando esta rvore com o Seu Sangue precioso, com to admirvel amor!

(Jesus, 1994, p. 620). De facto, a tradio associa o fruto perdido ma (com que

Eva foi tentada), mas Teresa confirma-a ainda com outro versculo do Cntico:

Entendo eu pela macieira a rvore da Cruz, porque se diz noutro lugar dos

Cantares Debaixo da rvore da macieira te ressuscitei (Jesus, 1994, p. 633)16.

Que fazer junto deste fruto? Que de ns querer o Esposo na sua adega de

vinhos? Comer e beber, porque mais importante que muito dizer. Palavras j

demais foram escritas. Acolhamos, por conseguinte, o comentrio de Teresa:

Mas o que diz a Esposa muita coisa junta. Mete-a o Rei na adega, para que

ali, mais sem medida, possa sair rica. No parece que queira deixar nada por lhe dar,

seno que beba, conforme a seu desejo e se embriague bem, bebendo de todos esses

vinhos que h na dispensa de Deus. Goze-se desses gozos; admire-se de Suas

grandezas; no tema perder a vida por beber tanto que v alm de suas foras e da

fraqueza da sua natureza. Morra nesse paraso de deleites. Bem-aventurada tal morte,

que assim faz viver! (Jesus, 1994, p.623).

At chegar ao fruto da macieira, face e voz do amado, h caminhos a percor-

rer. Por vezes, estradas prximas, iluminadas para os coraes que procuram. Com

demoras, diga-se, nem sempre previstas. Acontece, sobretudo mas no s, aos que

no se deixam ver por quem j lhes saiu ao encontro. Na permeabilidade das paredes

do tlamo-jardim-eucarstico, cria-se esta dinmica espiritual. Inscreve-se ela nas

procuras do amor, tpicas do Cntico dos Cnticos, esse mapa instvel, sempre a ser

refeito, cartografia de um grande amor desencontrado, da solido que os amores

muito grandes proporcionam (Mendona, 1999, p.14).

16 O versculo por ela transcrito Cant 8,5. Tolentino Mendona, tradu-lo no seguinte modo: Sob a

macieira te desperto / l onde tua me sentiu as dores / l onde te sentiu as dores e te concebeu.

Tlamo dos Cnticos na capela rvore da Vida 131

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Nelson Garrido / Extremos do tlamo: abrao e seta de luz

Vivemos ansiosamente o tiro da partida, que nos d o amor. E empenhamos

todas as foras na procura do Amado:

No meu leito toda a noite procuro / o amado do meu corao / procuro e no o encontro // preciso que me levante e rodeie a cidade / caminhos, praas / busque aquele que meu corao ama / procuro mas no o encontro // descobrem-me os guardas / que fazem ronda na cidade / vistes aquele que meu corao ama? // pouco me aparto deles / logo encontro / aquele que meu corao ama / abrao-o e no o solto (Cant 3,1-4).

Corremos para ele, porque a sua voz nos tinha chamado, nos corredores da casa,

no deambulatrio e na escadaria. Surpresa nossa, encontrmo-lo como no Cntico:

ei-lo por detrs dos nossos muros / olha pelas janelas / espreita pelas frinchas (Cant

2,9). Isto , por trs dos muros da capela, a espreitar atravs das lamelas de madeira.

Quanto delicia, entrados no jardim, sentir este forte abrao na luz! Amplexo

caloroso, como s Deus sabe dar sua amada, a cada um de ns. O espao interior,

que nos aperta sem magoar, colabora simbolicamente com Ele. E, de fora, seja

donde for, sabemos que os passos, pressentidos ao longe, no podem passar sempre

ao lado. A bno dos seus olhos, sempre voltados para ns, um continuado

convite a entrar no jardim. Para que O abracemos e jamais soltemos. Vale a pena

132 Joaquim Flix de Carvalho

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

procurar assim, quando o amor conduz e d o sentido. Porque o Amado est pronto

a dizer-nos coisas fabulosas como esta: s jardim fechado minha irm, minha

esposa / um jardim fechado uma fonte selada (Cant 4,12). E ns, amada sua, em

retribuio: eu sou para o meu amado e o meu amado para mim (Cant 6,3).

No ser utpico propor, nestes termos poticos e msticos, e a partir de um

espao como este, a espiritualidade e a cultura eucarsticas? Para mais a jovens

candidatos a pastores, no de lrios mas de pessoas. Haver sem dvida quem pense

isso. Porm, ns preferimos acentuar quanto o Papa Bento XVI recolheu da

persuaso dos padres sinodais, na exortao apostlica ps-sinodal Sacramentum

Caritais: Os padres sinodais afirmaram, significativamente, que os fiis cristos

precisam duma compreenso mais profunda das relaes entre a Eucaristia e a vida

quotidiana. A espiritualidade eucarstica no apenas participao na Missa e

devoo ao Santssimo Sacramento; mas abraa a vida inteira (Bento XVI, 2007,

pp. 112-113).

Eis porque este amor se torna urgente, na vida quotidiana. Num dos seus

poemas, Eugnio de Andrade diz-nos quanto

Urgentemente a vida inteira precisa de ser abraada pelo amor: urgente o amor. / urgente um barco no mar. // urgente destruir certas palavras, / dio, solido e crueldade / alguns lamentos, / muitas espadas. // urgente inventar a alegria, / multiplicar os beijos, as searas, / urgente descobrir rosas e rios / e manhs claras. // Cai o silncio nos ombros e a luz / impura, at doer. / urgente o amor, ur-gente / permanecer (Andrade, 2012, p. 54).

Deus urgente, porque Ele amor. E, como nos garante S. Joo, aquele que

permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele (1 Jo 4,16).

Se esta linguagem estranha vida, ou o seu lxico nos faz perder em iluses

retricas, porque no falar ento na amizade? Isso nos prope Tolentino Mendona.

Num dos seus ltimos livros, ao esclarecer a diferena entre o amor e a amizade,

adverte-nos de um perigo a evitar:

O perigo que oferece o vocabulrio do amor perder-se no indefinido, alagar-se no ilimitado da subjetividade: no sabemos bem o que o amor; sempre tudo; uma tarefa desmesurada; e essa sua indestrinvel totalidade, demasiadas vezes, se consuma numa desiludida retrica. A amizade uma forma mais objetiva, mais concretamente desenhada, porventura mais possvel de ser vivida (Mendona, 2012, pp. 13-14).

Por isso, prope ele que adotemos o modelo da amizade, porquanto ela pode

constituir um modelo criativo para o caminho crente, mesmo que continuemos a

falar do amor (Mendona, 2012, p.15).

Tlamo dos Cnticos na capela rvore da Vida 133

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

Amizade no amor, sim. Que seria do elogio da amizade sem o amor? Uma

contradio. Impossvel. Com mais propriedade se compreender agora a

espiritualidade proporcionada neste tlamo eucarstico: ela sustenta-se na grammatica

amoris (gramtica do amor), ao mesmo tempo com Deus e os irmos, amigos que

sempre nos acompanham no caminho (cf. Congregao do Culto Divino, 1992, pp.

1158, 1164, 1170, 1176)17. E como prope o provrbio japons, que Tolentino

Mendona adotou (em parte) para intitular a sua obra, confiemos: ao lado do teu

amigo, nenhum caminho ser longo. Ainda que seja atravs do deserto, onde, de

todas as vezes, preciso abri-lo nas areias deslocadas pelas tempestades, que

apagaram as marcas dos ltimos.

Trptico da rvore da vida

Desde o interior do tlamo, atravs das frinchas, v-se a rvore do jardim terrestre.

No enquadramento do altar, foi instalado um trptico com a rvore da vida, obra da

pintora Ilda David. Ser fcil pensar numa possvel influncia matissiana, uma vez que

Henry Matisse, na Chapelle du Saint-Marie du Rosaire (iniciada em 1948 e terminada

em 1951), em Vence, Frana, colocou tambm em posio semelhante (no caso, em

vitral colorido) uma rvore da vida, na conhecida expresso do fauvismo francs. Mas

ainda que esta tenha exercido o seu influxo, mesmo se a nvel inconsciente, h razes

objetivas de outra ordem que esto na base do alargamento do imaginrio.

Nelson Garrido / Trptico da rvore da Vida

17 Na orao eucarstica V-A, a sequncia do post-sanctus introduz precisamente este tema: Sois

verdadeiramente Santo e digno de glria, Deus, amigo dos homens, que sempre os acompanhais no seu caminho. Verdadeiramente bendito o vosso Filho, que est presente no meio de ns quando nos reunimos no seu amor e, como outrora aos discpulos de Emas, Ele nos explica o sentido da Escritura e nos reparte o po da vida.

134 Joaquim Flix de Carvalho

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

A rvore do trptico tem uma longa histria, sugestiva a muitos nveis. No foi

pintada originalmente para a capela do Seminrio. De incio, ela surge de uma

iniciativa ligada ao teatro. Corria o ano de 2009, quando, no dia 20 de novembro, se

estreou no Teatro Nacional S. Joo, na cidade do Porto, a pea de teatro Breve

sumrio da histria de Deus, de Gil Vicente (1465-1536?), considerado pela

generalidade dos historiadores o primeiro grande dramaturgo portugus. Ao lado da

sala de espetculos, onde a pea era representada18, no salo nobre deste Teatro

Nacional, oferecia-se aos espectadores a possibilidade de apreciar um conjunto de

pinturas da autoria de Ilda David, numa aproximao ao texto do auto. Uma forma

inovadora de associar teatro e pintura. O trptico era uma dessas pinturas. De

seguida, acabou por fazer uma peregrinao at ao Teatro Nacional Dona Maria II,

em Lisboa, e depois estacionou no atelier da pintora Ilda David, no Chiado. Por ns

requisitado, em funo da qualificao teolgico-espacial da capela, enquanto jardim

terrestre (e pascal), veio em boa hora enriquecer o programa icnico da mesma. De

facto, na sequncia do relato da criao, por ns seguido, l-se: Do solo fez o

Senhor Deus brotar toda sorte de rvores agradveis vista e boas para alimento; e

tambm a rvore da vida no meio do jardim e a rvore do conhecimento do bem e

do mal (Gn 2,9).

Antes de apresentar o trptico e contemplar a rvore da vida, cremos indispens-

vel aceder ao contedo deste auto vicentino. Para isso servem-nos palavras de Artur

Moro, que contextualiza Gil Vicente nas vibraes e assonncias teolgicas dos

incios do sculo XVI:

No admira que a temtica teolgica desdobrada na Histria de Deus seja de inspi-rao e recorte tradicionais. Segue aqui, em linhas abreviadas, o figurino dos Padres da Igreja (S. Ambrsio, S. Agostinho, etc.) e dos telogos medievais (S. Toms de Aquino, S. Boaventura e outros) da historia salutis, da histria da salvao, da in-terpretao de todo o corpo da Bblia luz do desgnio divino de redimir a huma-nidade. Trata-se nela, essencialmente, do dilogo permanente entre Deus e os ho-mens, em que o ator principal o Criador, mas atuando sempre, de forma velada, por interpostas pessoas (Anjos, figuras bblicas de Abrao, Moiss, David, Isaas e outros profetas, e, por ltimo, Joo Baptista, Maria e Jesus) e confrontando obsti-nadamente a sua criatura, quase sempre remissa e avessa s exigncias que lhe im-pe ou s promessas que lhe oferece (Mouro, 2009, p.20).

Nisto existe profunda sintonia com o auto vicentino, por ns explorada: a

histria da salvao tambm a categoria teolgica-litrgica, importada pela reflexo

18 A encenao e cenografia eram da responsabilidade de Nuno Carinhas, que escolheu este auto vicentino

como sua primeira pea enquanto Diretor Artstico do TNSJ. De recordar que ele foi estreado na corte de D. Joo III, rei de Portugal, na era do Senhor de 1527.

Tlamo dos Cnticos na capela rvore da Vida 135

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

conciliar da teologia bblica, que serve de fundamento ao espao da capela rvore da

Vida.

E, mais por providncia do que por feliz coincidncia, no deixa de ser espanto-

so constatar que o Breve sumrio da histria de Deus comea e termina com o tema

da ressurreio de Cristo. Para Artur Mouro, este tema constitui o arco significante

em que, sucessivamente, se incrustam e cravejam os trs momentos essenciais da

histria da salvao: a Lei da Natura, a Lei da Escritura e a Lei da Graa, no como

momentos separados, mas entre si intimamente unidos, porque todos eles esto

enovelados no dinamismo providencial do desgnio de Deus, apontado para o futuro

escatolgico da plena redeno (Mouro, 2009, p.20). Uma histria onde podemos

ser atores ou, no mnimo, espectadores. Assim o salientava, D. Manuel Clemente,

ento Bispo do Porto, explorando a dimenso deste arco, num texto escrito na

sequncia do ensaio desta pea, realizado no dia 30.10.2009, no Teatro Nacional de

S. Joo:

Valha-nos o facto de o espao nos integrar a ns, atores ou espectadores, com a na-tureza de novo imensa de cada um. Encontramos ento o arco em que tudo acon-tece, de imenso a imenso, atravs das mediaes do espao e do tempo. Aqui, ago-ra, num teatro do Porto (Clemente, 2009, p.5).

Algo de semelhante podemos dizer, com a mesma atualidade, em todas as aes

litrgicas: Aqui, agora, numa capela de Braga, na rvore da Vida. Mas com outro

alcance, pois a liturgia no s ensaio. toda realidade. Embora terrestre, esta

representao j, de forma sacramental, participao da liturgia definitiva.

Sobre fundo amarelo-ocre, em cada tela do trptico desenham-se, em lminas

retangulares de traos rubros, trs momentos do mistrio pascal: a paixo, o

lanamento das sortes sobre a sua tnica e a crucifixo de Jesus. Porqu estes e no

outros? Porque Ilda David segue o texto gilvicentino, escrito num portugus

seiscentista:

ABRAO: Oh, Isaas, que novas tam belas / de tanta alegria que trazes contigo! // ISAAS: Outras tam tristes trago eu comigo / que j Jeremias fez pranto com elas. / Oh triste mazela / que o fruto do ventre daquela donzela / em pagamento do fruto vedado / justia divina ser ofertado / coberto de sangue com muita querela / e crucificado. // DAVID: Eu tambm o sei mui certo sabido: / sero suas mos e ps mui furados / e todos seus ossos lhe sero contados / e deitaro sortes sobre seu ves-tido (Vicente, 2009, p.49).

Por conseguinte, no trptico, traduzido de forma plstica o pice da ideia

matricial que preside criao do espao da capela, colhida no n. 5 da Constituio

136 Joaquim Flix de Carvalho

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

Sacrosanctum Concilium, a histria da salvao, que tem como centro e plenitude o

mistrio pascal de Jesus. Aquilo que poderia reduzir-se ao adorno acaba, afinal, por

revelar-se determinante: o trptico qualifica o espao como epifania do grande

mistrio que nele se celebra. O mistrio pascal - para usarmos palavras de Gil

Vicente - Breve sumrio da histria de Deus. Tudo fica breve, porque mais seria

excesso.19 E o seu esplendor, na sombra, perfume e fruto, chega ao tlamo numa

mstica de atrevimento.

O tabernculo e o vaso

Nelson Garrido / Tabernculo cbico e vaso eucarstico

O tabernculo e o vaso que conserva a reserva eucarstica so obra conjunta de

Asbjrn Andresen (design), Arlindo Ferreira (carpinteiro) e Antnio Ferreira

(ourives). Asbjrn Andresen fez os seus estudos nas Academias de Belas Artes de

Oslo e de Paris. Foi Professor e Vice-Reitor da Escola de Arquitetura de Bergen, e

19 A expresso de D. Manuel Clemente, e comparece no final do texto j citado. O pargrafo, de onde a

extramos, deixa-nos dentro deste sumrio universal: Tudo fica breve porque mais seria excesso. Tudo fica dito, porque basta para entrever. Da histria de Deus, abrindo eternidade no tempo, s se pode falar como entreviso. E assim arte. Espantosa ocasio de nos espantarmos de ns. Entre figuras e sentenas, Gil Vicente reencontrou-nos. Na mesma histria afinal. Por alguns dias, num teatro no Porto, o breve sumrio de tudo (Clemente, 2009, p. 5).

Tlamo dos Cnticos na capela rvore da Vida 137

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

chefe-editor, durante cerca de vinte anos, de uma das mais prestigiadas revistas de

Filosofia e Artes, na Noruega.

Em madeira de freixo, o tabernculo deixa entrever atravs de orifcios uma

silhueta interior, que corresponde ao vaso eucarstico. Vaso este que feito de

madeira de oliveira, ungido com azeite. Dentro, uma caixa de prata, incrustada,

martelada, e com um lbio de ouro, a dizer que o Po da vida reservado mais

importante do que os materiais preciosos.

Estas criaes, semelhana de outras realizadas para as novas capelas de Braga,

inscrevem-se dentro daquele registo que, do amor, remete para a beleza da criao.

De facto, ele assim se declara, num texto apresentado no dossier 30 da revista

Mensageiro, cujas perguntas foram realizadas por Elisabete Carvalho e Elias Couto:

Amor a condio essencial para conceber uma obra de arte que leve as pessoas a descobrir a beleza da criao. Precisas de experimentar o teu trabalho como um ato de amor. Isso muito importante. E no fcil, porque, por vezes, no conse-gues concretizar o que tens na cabea, mas tens de o amar. Eu aprendi a amar o meu trabalho, afirma Asbjrn Andresen. E, acrescenta, o amor no dado, tens de o trabalhar. No fcil, algo que vem com a idade, o facto de seres capaz de olhar para ti mesmo como algum que capaz de mudar alguma coisa. No algo que te dado quando tens trs anos de idade, tens de trabalhar com a tua mente, tens de pensar no outro como algo valioso, algo que mais valioso do que o teu prprio ego. Trata-se de um processo. Asbjrn considera que no campo da arte no h nada mau, no h nada feio, pode haver peas que para uns so interes-santes e para outros perturbadoras. Para o escultor noruegus, o material faz parte da escultura. preciso amar a madeira ou a pedra e deixar-se fascinar pelas possibilidades. Mas, numa boa escultura, mais a mo do que o pensar. Por vezes, a forma aparece e tu no sabes. Muitas vezes, os escultores, depois de horas de tra-balho, no gostam da forma que a pea vai assumindo e recomeam num sentido diferente (Carvalho; Couto, 2017, p. 14).

Amante das matrias, Asbjrn Andresen assegura que este tabernculo se tornou,

a seu modo e pela sua performance, uma das suas criaes de arte mais conseguidas.

Na verdade, tanto no tlamo eucarstico como no altar, o tabernculo cbico e

porttil pode abrir-se de forma ritual, em todas as suas faces, no modo de revelao

de segredos ou mistrios, cujo alcance se faz atravs do desvelo de camadas at atingir

o centro. Precisa-se de tempo, no se pode abrir com pressa. A obra de arte reclama

literalmente a obedincia a uma performance, a um tempo que precede a deciso ou

a iniciativa humanas para abrir ou fechar a construo.

Por sua vez, o vaso de oliveira foi dimensionado segundo a medida das mos

humanas: uma segura o corpo, a outra abre a tampa. Refratrio ao uso constante de

novas tecnologias para o trabalho artstico, Asbjrn prefere acentuar o humanismo

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da arte, atravs de uma implicao plural dos sentidos e, na relao, criar o corpo-a-

-corpo. A uno do vaso com azeite, por exemplo, oferece mais suavidade e afago ao

contacto, respeito e transcendncia, alm do perfume que pacifica. E, dentro, a caixa

circular de prata, com o lbio de ouro, diz mais do que uma sntese de palavras

procuradas.

Perfil de Joo Maria Baptista Vianney

Nelson Garrido / Perfil de Joo Maria Baptista Vianney

Dentro do pastofrio foi colocado outro luminar. Que mais poderia ainda

espalhar luz? Um perfil. Sim, o perfil de Joo Maria Baptista Vianney, tambm

nominado por Cura d'Ars ou santo Cura d'Ars. Uma pea em bronze, da autoria de

Manuel Rosa, talvez mais conhecido, ultimamente, pela delicada arte de compor

livros, na editora Assrio & Alvim, mas de grande reconhecimento ao nvel da

escultura, com obras nas principais colees de arte contempornea do pas20. Num

espao como o da capela, criado a partir do caos original, na expresso da potica

csmica, Manuel Rosa no podia deixar de contribuir, tambm, no seu ministrio

artstico, atravs da escultura e na poesia da construo. Porque so caractersticas do

20 Fundao Calouste Gulbenkian, Fundao Ildio Pinho, Caixa Geral de Depsitos, Casa de Serralves,

Museu de Arte Moderna - Porto, Fundao Luso-Americana para o Desenvolvimento Lisboa.

Tlamo dos Cnticos na capela rvore da Vida 139

REVER Ano 18 N 1 jan/abr 2018

seu modus faciendi escultrico: desde o ponto de vista do sentido, como memorial da

criao genesaca; e, desde a expresso criativa, pelo renovar potico da praxis

escultrica.

Numa obra de pequena escala que lhe muito cara , recortou um perfil do

Cura d'Ars, para estabelecer nos usufruturios do tlamo uma aproximao

simblica, que se situa para alm da comemorao autorreferencial ou da proposio

de um paradigma modelar. De facto, o perfil no para assinalar as efemrides do

santo.

Encrustado na parede, toda atravessada, o perfil participa da poesia antropolgi-

ca, profundamente espiritual, transfigurada na luz do Homem que se deixa religar

pelos laos infinitos da insuflao original; a vida soprada no rosto. Contemplar este

perfil, mais do que rememorar, projeta para experincia da vida no sentido da luz e

do oxignio, que vindos de fora, iluminam, varrem e zelam o templo interior.

Desperta o sorriso da vida, terno como sol alagado nos olhos, e, na semelhana do

bronze de que feito, firme e determinado. Quem no ver nele a piedade nas mos

orantes? O homo orans? A doura dos olhos recolhidos, atentos? Os lbios

purificados? Tal a serenidade, que comove, s de fixar nele todo o horizonte. No

no sentimentalismo indisciplinado e mesquinho. Mas naqueles sentimentos que,

falta de palavras, se dispem compuno, ao lavacro das lgrimas. Grande o

ministrio deste rosto perfilado, que convoca adorao do Santssimo. Pedagogo,

companheiro, amigo dos caminhos vrios e deste ngulo iluminado, um poente

onde pomos os olhos, para voltar nascente, to prxima, lenol de gua em jorro

nos poros da vida.

Francis Trochu, em O Cura DArs, obra premiada pela Academia Francesa,

apresenta vrias catetersticas do rosto de Joo Maria Baptista Vianney, a partir de

elementos contidos no Processo Apostlico e noutras fontes bibliogrficas, que esto

presentes no perfil recortado por Manuel Rosa (cf. Trochu, 1987, pp. 459, 461).

Concluso

A explorao crtico-hermenutica do tlamo eucarstico da capela rvore da

Vida, na sua compreenso multidimensional, revela uma sedimentao semntica e

esttica em diferentes camadas simblicas, que esto presentes na sua construo. H

memria e h recriao. A sua implicao recproca faz-se no s na anamnese das

colocaes da reserva eucarstica, mas tambm, e sobremaneira, a partir da literatura

mstica, nomeadamente atravs dos comentrios de Santa Teresa e dos sermes de S.

140 Joaquim Flix de Carvalho

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Bernardo ao Cntico dos Cnticos, e da poesia contempornea. O prprio livro

bblico, presente entre as lamelas de madeira, recria o espao; da o ttulo Tlamo dos

Cnticos.

Ensastico e meditativo, o estilo literrio deste texto abre uma via hermenutica

de acesso a este espao, econmico e denso ao mesmo tempo, cuja expresso criativa

se institui no renovar potico da espacialidade e da praxis escultrica, da performan-

ce ritual e das linguagens religiosas. A seu modo, este texto pode considerar-se como

uma pea que se situa naquele vaivm entre o olhar que distancia para ler e a mo

que se aproxima para tocar o prprio objeto. Corresponde a uma posio epistemo-

lgica, cujo conhecimento se constri de forma multmoda.

As criaes artsticas, em registo contemporneo, transformam-se em veculos

para o novo sagrado. A performance ritual e a experincia esttica que instituem, em

vez de desviantes ou transgressoras (como eram interpretados, pela moral crtica de

ento, os comentrios de Santa Teresa e de S. Bernardo ao Cntico dos Cnticos),

adquirem o estatuto de liturgia, isto , de servio pblico. E, desta forma, a querela

que alguns alimentam, na condenao daquilo que interpretam como ofensivo para

o mistrio mais sagrado do catolicismo, o Santssimo Sacramento, d lugar

reabilitao de um dos aspetos essenciais do cristianismo, a recriar atravs da

experincia religiosa, cuja linguagem esttica se h de instituir numa mstica do

quotidiano, numa poiesis de recorte sapiencial, numa potica cujo versar

performance ritual.

Percorrido nesta via, o presente artigo acaba por transformar-se numa proposi-

o: para uma espiritualidade do atrevimento; no no sentido desviante ou blasfemo,

mas dentro daquele significado dado por Santa Teresa, a propsito da linguagem

ousada dos seus comentrios ao Cntico dos Cnticos.

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Recebido: 02/04/2018 Aprovado: 23/04/2018