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TAGIL OLIVEIRA RAMOS

Três monges

assassinados,

a misteriosa morte do

Papa

e um segredo sobre o

Final dos Tempos que

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pode abalar os pilares da

igreja

ÓRION EDITORA - 2012

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Copyright © 2012 Tagil Oliveira Ramos Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 12/02/1998. É proibida a reprodução dessa obra, sem prévia autorização por escrito do autor. Edição: Órion Editora Revisão: Regina Soares Arte da Capa: Lucas Nunes Projeto Gráfico e Diagramação: Douglas S. Dias DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP – CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP) Ramos, Tagil Oliveira Crimes no Mosteiro / Tagil Oliveira Ramos. São Paulo: Órion Editora FICÇÃO E CONTOS BRASILEIROS ISBN 978-85-905377-3-1

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ESTE LIVRO É ESPECIAL. Sua participação é

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Aberta”, do semioticista Umberto Eco, sua

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Sem Papa

SÃO PAULO, A CIDADE QUE NUNCA

DORME, amanheceu nublada. O sol, tímido, lutava contra nuvens cor-de-chumbo no horizonte. Uma névoa espessa envolvia as torres da basílica do Mosteiro de São Bento. Lá do alto, esculturas de anjos fitavam com indiferença as sombras do vale do Anhangabaú. O grande relógio bateu cinco horas, acionando os sinos de bronze. A igreja parecia despontar de dentro do nevoeiro, como uma fantasmagórica aparição medieval. Ao redor, as ruas do Centro ainda exalavam o cheiro da urina noturna derramada por vadios, criminosos e prostitutas. Por detrás das pesadas portas do mosteiro, uma cerimônia secreta acontecia. Somente os enclausurados podiam participar do primeiro ofício do dia. A fumaça do incenso tomou conta da nave, imersa na escuridão. Vultos encapuzados caminhavam na direção do altar central. Os monges abriram seus hinários e entoaram um canto gregoriano pungente. Abade Calixto se ajoelhou diante do crucifixo. Seus 65 anos molestavam juntas e joelhos. Subitamente, as portas centrais da basílica foram empurradas com estardalhaço. Vindo da rua, o noviço Marcos invadiu o recinto, cambaleante e esbaforido. O moço correu ruidosamente pelo corredor central, ignorando totalmente a proibição que o impedia de estar àquela hora

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entre os professos, que seguiam cada letra da rigorosa Regra de São Bento. O jovem caiu no chão, quase batendo a boca em um banco. Catatônico, levantou-se sem se dar conta do tombo. À medida que se aproximava, ouvia-se sua respiração nervosa. Os rostos se viraram para ele. O moço gritou desesperado: – Dom abade! Veja isto. Será o Final do mundo?! Agitava nas mãos um jornal. Seguiu esbarrando pelos bancos vazios como um inseto tonto. O rosto estava pálido e as mãos tremiam, num ataque de nervos. A cerimônia parou. O cântico gregoriano deu lugar a um murmúrio inquieto. Marcos subiu cambaleante os degraus que levavam para o altar. O abade deu alguns passos na direção dele. “O que acontece a este rapaz?” Lágrimas escorriam pelas faces do jovem. – Que desgraça aconteceu com o Papa, dom abade? Quebrando todas as normas, o jovem abriu a portinhola que, nas missas, separava o altar sagrado do público. Invadiu então o espaço consagrado, sem ao menos fazer o sinal da cruz. Abade Calixto avançou para ele e o segurou pelos ombros, com autoridade. Ordenou que se ajoelhasse. Os demais monges permaneceram estáticos e boquiabertos, com os libretos de cântico suspensos no ar. O rapaz chorava compulsivamente. Entre um fôlego e outro, levantou os olhos umedecidos, agitando o jornal. Não conseguiu mais pronunciar palavra, apesar dos seus esforços. – Calma – pediu novamente o abade. – O que aconteceu? Respire fundo e fale devagar. O jovem estendeu a primeira página do matutino, apontando a manchete, ilustrada por uma enorme foto na vertical. Diante daquela imagem tétrica, alguns monges gritaram de horror. Outros se benzeram repetidas vezes.

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Formaram lentamente um círculo em torno do abade e do noviço. Todos leram, assustados, a frase desastrosa, para a cristandade e para o mundo:

Papa Paulo VII encontrado morto

em seu quarto no Vaticano

A notícia era aterradora. O Papa Paulo VII, eleito seis meses atrás, estava morto? Tinha apenas 56 anos, era considerado jovem para o cargo. O impacto desnorteante vinha das circunstâncias de sua morte, sugerida pela foto, horrenda e patética. A violência da imagem deixou alguns monges sem fôlego. Monge Pedro não suportou a crueldade do fato e desmaiou. O reflexo rápido de monge Marcelo impediu que ele batesse a cabeça no mármore e maculasse o local sagrado. O abade Calixto sentiu seu coração bater violenta e dolorosamente. Foi dobrando os joelhos até o chão. De seu peito angustiado, saíram as notas de um canto gregoriano triste e compungido. Os outros monges se ajoelharam. Dois deles seguravam monge Pedro, que se recuperava lentamente do desmaio. Seguiram o cântico em uníssono, que se levantou numa súplica desesperada: – Pater de caelis, Deus, misere nobis, Fili, Redemptor mundi, Deus, miserere nobis. Spiritus Sancte, Deus, miserere nobis. Sancta Trinitas, unus Deus, miserere nobis. Pai do céu, Deus, tende piedade de nós. Filho, Redentor do mundo, Deus, tende

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piedade de nós. Espírito Santo, Deus, tende piedade de nós. Santa Trindade, Deus único, tende piedade de nós. Tonto, o noviço Marcos deixou cair o jornal. Uma súbita rajada de vento carregou a página e a levantou na direção da cúpula. O papel ficou rodopiando por alguns segundos. De repente, um golpe de ar carregou-o na direção de um crucifixo de prata, colando-o à peça. A foto ampliada, que mostrava os últimos instantes de vida do Papa, tremulou como uma bandeira negra, exibindo a cena aterrorizante que dificilmente pode ser encarada com tranquilidade por qualquer pessoa que louva a vida e o milagre da criação. Era momento de rezar, rezar muito, para que o mundo ganhasse alguma esperança, já que, para o Papa Paulo VII, não houvera nenhuma.

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Profecia

A POUCOS QUARTEIRÕES DALI, o tradutor de línguas antigas Saulo Kuram bebia uma caneca extra de café para espantar o sono. Passara a noite e a madrugada debruçado sobre um papiro egípcio de 1.900 anos, que chegara a suas mãos em circunstâncias insólitas. “Ufa! Consegui acabar a tradução”, suspirou aliviado. Naquele momento, Saulo concluía o rascunho da Editio Princeps, primeira edição de um manuscrito histórico. Ele conseguira verter para o português um complicado texto bíblico proibido pela igreja. O texto original estava em copta, uma língua egípcia antiga falada por cristãos foragidos do império romano. Ainda naquela manhã, entregaria o trabalho para a editora. “Ainda bem que não preciso digitar todo esse texto”. Saulo tinha aversão por computadores. Aquele comportamento lhe rendera várias piadinhas na universidade. Colegas e até alunos o chamavam de “dinossauro”, uma raça extinta incapaz de se adaptar às novidades da vida moderna. Saulo sabia: o lançamento daquele evangelho apócrifo era uma bomba nos alicerces da História cristã. Uma mentira fora repetidamente contada durante séculos. Sua tradução revelava finalmente a verdade escondida por tanto tempo.

O papiro trazia segredos nunca antes revelados sobre a vida íntima de Jesus. Ao mesmo tempo que previa altas vendas, sua editora temia uma retaliação violenta dos “xiitas tradicionalistas”. Por isso, a existência do papiro estava

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sendo mantida a sete chaves. Saulo passara os últimos dias quase sem dormir, numa dieta de café, sanduíches, pizzas e refrigerantes, para cumprir o apertado prazo que lhe dera Jandiro Paixão, o editor rabugento. O tradutor dirigiu-se à janela de sua pequena casa no Centro de São Paulo para respirar ar puro. Deu uma olhada na rua deserta. Raríssimos madrugadores passavam pela calçada da frente àquela hora. Seus amigos professores, que preferiam a altura e o conforto dos apartamentos, achavam uma loucura morar numa casa térrea naquela região. Saulo odiava alturas. E adorava bater pernas pela parte velha da cidade. Naquele momento, ouviu as badaladas do sino do Mosteiro de São Bento ali perto. Eram cinco e meia. Saulo voltou ao pequeno escritório, entulhado de livros, e resolveu ligar a TV para relaxar um pouco.

A notícia que viu no telejornal teve o mesmo efeito que um soco no maxilar. Saulo custou a acreditar em seus olhos e ouvidos. O apresentador do telejornal explicava em voz grave que o Papa Paulo VII fora encontrado numa forca em seu quarto, no Vaticano. A TV mostrou o Sumo Sacerdote vestido em paramentos de gala. A câmera fez uma volta em torno do corpo e fechou foco em um rosto pálido e conturbado. Os olhos abertos do cadáver passavam pânico e apreensão. A mandíbula, caída para a esquerda, lado contrário para onde pendera a cabeça, dava à feição do morto um aspecto sinistro. O jornal exibiu uma entrevista com o secretário do Papa, agora na função de carmelengo. Ele tomaria conta do pontificado interinamente, até ser eleito o novo representante de Deus na Terra: – Sua Santidade estava muito deprimido nas duas

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últimas semanas – informava o cardeal francês Antonienne Flaubert, em um inglês com forte sotaque. – Ele não dormia direito havia meses. A pressão política sobre o Santo Padre estava enorme. Reclamava muito disso. No final de semana, me confessou, particularmente, não estar preparado para o cargo de Pontífice. Mas nunca desconfiei que o Vigário de Cristo pudesse chegar a um extremo desses – benzeu-se e abaixou a cabeça, entristecido. Saulo aumentou o volume para não perder uma só palavra. Lembrou-se de que o novo Papa enfrentara resistência aguerrida da ala ortodoxa do clero desde o início de seu pontificado. Mas jamais imaginaria que a pressão pudesse chegar a tais proporções, forçando-o a um ato desesperado. As primeiras decisões de Paulo VII foram muito combatidas no seio da igreja. Comentava-se à boca pequena que os cardeais mais conservadores da cúria estavam escandalizados com as atitudes liberais do novo Pontífice. Paulo VII criara, logo na sua estreia como ocupante da cadeira de São Pedro, uma comissão para discutir e revisar assuntos controversos, como a posição da igreja a respeito dos métodos anticoncepcionais.

Mas o que chamou atenção da imprensa – e que começou a abalar a inexpugnável estrutura eclesiástica – foi sua posição com relação ao celibato clerical. Ele pedira, ao assumir o pontificado, revisão de vários processos de afastamento de padres casados. A notícia da morte do pontífice deixou Saulo apreensivo e nervoso. Não somente pela violência das imagens, mas, principalmente, pelo conteúdo do papiro que estivera traduzindo durante a madrugada. O papiro trazia profecias sobre o Final dos Tempos. Uma das previsões deixava Saulo angustiado. O professor correu até a mesa de trabalho e voltou às pressas ao manuscrito antigo para confirmar suas

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suspeitas. Algo no texto o deixara perplexo. Folheou suas anotações à procura do trecho específico. Uma das profecias, para o espanto de Saulo, estava se realizando naquela manhã fatídica. Ela dizia respeito ao suicídio do Papa negro. Ali estava. Traduzido do copta, o versículo afirmava:

“O sucessor negro (de Pedro) morrerá no seu quarto,

seguindo o destino dos que não podem ter enterro em solo

sagrado.

A nave (igreja) naufragará e as ovelhas debandarão sem

pastor.

Será o começo do Fim, descrito pelos profetas,

e o Dia de minha segunda vinda.” Saulo tremeu. “Coincidência?”, pensou. “Uma coincidência perturbadora.” Antes que concluísse mais alguma coisa, sua atenção foi desviada para os fundos da casa. Escutou um estalo de madeira quebrada e, em seguida, uma porta batendo contra a parede. Apurou o ouvido e escutou pisadas sorrateiras, vindas do quintal. Temeroso, o professor embrulhou o papiro numa seda vermelha e o colocou debaixo do travesseiro. “Ninguém dará importância a um livro velho.” Saulo caminhou vagarosamente até a sala e se esgueirou por detrás da poltrona. Viu pela janela um vulto. Uma sombra de homem carregava uma barra de ferro sobre a cabeça. Saulo gelou. Encostou-se à parede e prendeu a respiração. Ouviu a porta ser forçada. A maçaneta rodou de um lado para o outro. Saulo engoliu em seco e se escondeu atrás da cortina de feltro.