tabarÉ #15

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chorando em braile mãos amarradas • braços cruzados • mãos ao alto porto alegre agosto 2012 #15 VENDE SE - UM CANDIDATO

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Décima quinta edição do jornal Tabaré. Matéria sobre mercadologia política, sobre o Caso das Mãos Amarradas e uma entrevista com Luiz Eduarto Soares.

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mãos amarradas • braços cruzados • mãos ao alto

porto alegreagosto 2012

#15

VENDE SE-UM CANDIDATO

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tabare.net

Críticos de plantão têm demonstrado uma grande insatisfação com as paralisações que pipocaram no país nas últimas semanas. Afirmam que fazer greve é egoísmo daqueles

que “mamam nas tetas” do Estado, ou um mero mecanismo individualista de gente que não tá afim de trabalhar. Ou ainda, como estampado no título de um artigo do jornal O Globo, que os grevistas usam a população como refém. Muitos desses revoltados com as greves alegam que os servidores não pensam nas contas públicas, que reclamam de barriga cheia, usando como comparação a média dos salários da iniciativa privada. É de se questionar, no entanto, se são os servidores públicos que ganham demais, ou se são os funcionários de empresas privadas que ganham de menos.

É difícil mensurar o quanto um trabalhador merece ganhar, mas é inegável a discrepância entre os salários da massa de funcionários e os altos rendimentos dos patrões/administradores das empresas estatais. Da mesma forma, é discrepante a diferença entre os salários de servidores do Executivo e dos poderes Legislativo e Judiciário - a média de salário destes últimos é praticamente o dobro da média salarial do primeiro. Isso sem entrar no mérito dos benefícios que os cargos mais altos desses dois poderes têm, como dois meses de férias ou, no caso do Legislativo, 14º e 15º salários, além de uma série de pensões que se estendem aos familiares. Tem-se aí uma estrutura hierárquica, semelhante àquela existente na iniciativa privada, que separa um grupo de privilegiados da grande maioria que tem de se virar ao ver o salário engolido pela inflação em razão de anos sem reajuste.

Apesar da melhoria na renda da população nos últimos 10 anos e do visível aumento de investimentos no setor público, muitas das mudanças parecem não alcançar problemas estruturais de determinados setores. No caso das universidades federais, houve uma ampliação do número de vagas que permitiu um acesso mais diversificado a partir da política de cotas. No entanto, problemas como a falta de laboratórios ou de salas de aula e a timidez das políticas de auxílio estudantil e a falta de professores dificultam o aprendizado e a permanência dos alunos. Soma-se a isso a falta de

Chico Guazzelli, Felipe Martini, Gabriel Jacobsen, Iván Marrom, Jessica Dachs, Júlia Schwarz, Juliana Loureiro, Leandro Hein Rodrigues, Luísa Santos, Luna Mendes, Matheus Chaparini, Marcus Pereira, Martino Piccinini, Natascha Castro

Projeto Gráfico/Diagramação: Martino PiccininiCapa: Jessica Dachs

Colaboradores: Fred Stumpf, Jéssica Albuquerque, Lara Rösler, Luísa Hervé, Maíra OliveiraTiragem: 2 mil exemplares

Contatos: [email protected] [email protected] facebook.com/jtabare

Distribuição: Fabico � Famecos � Instituto de Artes UFRGS Casa de Cultura Mario Quintana � Ocidente � Palavraria � Sala Redenção � StudioClio

Comitê Latino-americano � Instituto NT � Nova Olaria

correções salariais com base na inflação, que afeta o planejamento pessoal e/ou familiar dos servidores.

No entanto, as reivindicações das greves dos últimos meses não se reduzem à situação salarial. Os sindicatos organizados de mais de 30 categorias exigem mudanças no plano de carreira, melhores condições de trabalho e uma maior valorização de determinadas áreas, como a Educação. Não se pensa unicamente nas condições pessoais de sobrevivência dos servidores – embora poder pagar as contas também seja uma reivindicação válida e

TABARÉ

[Fred Stumpf]

justa – mas sim em estimular uma reflexão coletiva sobre a importância que o governo federal confere às áreas que asseguram direitos básicos do cidadão.

A desculpa do governo – a famosa política de austeridade econômica – faz lembrar os anos negros do neoliberalismo tucano e das políticas adotadas atualmente nos países europeus. Nessa política, as demandas dos trabalhadores são colocadas em segundo plano enquanto os benefícios a banqueiros e empresários – com altos incentivos fiscais – permanecem intocados.

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EncostadosAproximadamente 900 mil britânicos estão doentes há mais de dez anos, 98,34% deles recebendo pensões do governo por doenças como obesidade, dores de cabeça ou, ainda, acne. Se, após um ano afastados, não podem retornar à labuta, os encostados passam a receber uma ajuda semanal de £99,15 (R$ 314,06). Entretanto, há dependentes do governo com motivações raras, 670 obesos, 350 pessoas com varicose, 1020 com dores de cabeça crônicas, 20 por conjuntivite, 10 por acne e 10 por infecções nas unhas.

Em tempoA notícia acima causou furor na redação do Tabaré. Tem jornalista querendo usar licença saúde para tratamento de sardas, outro

alegando danos morais pela altura inantingível dos armários aéreos (1,80m); outro, ainda, alegando ser alérgico à água, disse que trabalhará em casa até que o escritório tenha uma bombona de canha, única bebida liberada pelo seu alergista.

Personagem homenageadoPor falta de herois e ídolos verdadeiros para virarem estátua e enfeitar a cidade, os moradores de Tangamandápio (México) resolveram homenagear um personagem fictício. Trata-se do carteiro Jaiminho, do seriado Chaves (El Chavo del Ocho no original), que virou um estátua de bronze com 1,7m. Segundo o prefeito da cidade, Juan Campos González, a ideia da população era agradecer ao intérprete do personagem, o ator Raul Padilla, por divulgar o nome do local e tirar a população do anonimato. “Graças a ele, Tangamandápio ficou conhecida mundialmente”, afirma González.

Em tempoA estátua, localizada em uma das principais ruas da cidade, tem valor estimado em mais de 2 milhões de

pesos mexicanos (cerca de R$300 mil) o que traz à tona a pergunta: será que a cidade vai tão bem que não tinha onde mais investir essa grana? Porque não parece estar sobrando pesos ao México...

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[email protected]

A madrugada é a região mais Che Guevara dos sonhos.Daniel Viglietti, guitarreiroNão entendemo mas achamo lindo!

Só para avisar a rapaziada que acompanha meu trampo que o novo blog que entrou no ar pela internet com o nome Reboco Caído nada tem haver [sic] com meu trabalho. Ainda não sei qual é a do blog porque o cara (ou a mina) ainda não postou nada lá. Mas já tô avisando que nem sei do que se trata para não haver

confusão com o trampo que já venho desenvolvendo há algum tempo. Se não daqui a pouco estão dizendo que eu falei coisas de que nem sei. Informa a galera aí.Fabio da Silva Barbosa, precavidoPuta merda! Agora que tu avisa a gente? Já dizemo um monte de coisa que tu nem sabe!

Um dia disseram-me: “as cartas envelheceram, já não são desta época”. Não pactuo com os corações crédulos deste mugido de finitude, a comunicação

epistolar, considerada bastante antiquada, renasceu com a internet e o correio electrónico. Contudo, o e-mail não passa de um bilhete virtual. Os textos, as palavras, as confissões vermelho-púrpura são mais dinâmicas em cartas tradicionais. Sob o meu hálito de cigarro e hortelã, escrevo cartas poéticas: “ O que era antes de ti a beleza para mim?”.Antonio Júnior, portuguésBá, como assim, velho?! Tem cada loco…

Aí, quem disse que jornal velho só serve pra enrolar peixe?As ilustras do Tabaré ajudaram a compor um lindo cartão que fiz pros meus coroinhas. Só valeu!Flávia Corrêa Pinto, recicladoraQue afudê, Flávia! Sempre bom recompensar nossos pequenos auxiliares de missa.

O Tabaré não é de nada, a gurizada do Tabaré não é de nada!Flávio Godard, radialistaE tu é mais feio que abraçar vó de pau duro!

[Lara Rösler] flickr.com/photos/lararosler/

Do tempo do ‘vence na

vida quem diz sim’

Enquanto borbulham

comissões com o propósito de

rever os crimes cometidos pelo

Estado durante a ditadura militar,

uma jovem propõe sacudir a poeira

do grupo político que comandava o

teatro democrático dos anos de chumbo.

Dos escuros porões da ditadura ressurge

a Aliança Renovadora Nacional (Arena) -

criada em 1965 para sustentar a então ditadura

militar. O retorno dos mortos-vivos, encabeçado

pela estudante de direito de 22 anos Cibele Bumbel

Baginski, já conta com mais de 150 simpatizantes.

Questionada sobre o passado do partido que pretende

retomar, a jovem afirma que não pretende voltar os olhos

para trás, “A História do Brasil – a Revolução de 1964 e

outros fatos – deve ser respeitada, mas um partido político

não é uma instituição histórica para ficar remoendo fatos

do passado.” E defende as posturas do seu partido. “ O que os

governantes faziam, eles estavam endossados pela lei para fazer.”

Em tempoDo jeito que a coisa vai não demora pra cabeludo

fumando na esquina voltar a ser subversão.

Porrada do Senhor

O pastor Todd Bentley, líder da Fresh Fire Ministries, com sede em Lakeland,

na Flórida (EUA), é conhecido por adotar métodos não ortodoxos de cura e

libertação. Bentley afirma curar doenças que afligem seus seguidores com socos

e chutes na cara. Em um vídeo pulicado no YouTube, o pastor, de 36 anos, explica

sobre alguns dos casos em que sarou os fiéis com socos e chutes: “assim que minha

bota tocou o nariz dela, ela se sentiu sob o poder de Deus”. Ele também afirma ainda ter

curado um homem de câncer e uma fratura no osso externo dando socos no peito dele.

Em tempoSerá que foi depois de uma pancada na cabeça que o pastor, ex-

motoqueiro de gangue, passou a ouvir a palavra do Senhor?

Cupins-bomba camicase

Especialistas belgas encontraram uma nova espécie de cupim na Guiana Francesa. O bichinho tem uma

característica curiosa que, até hoje, nunca havia sido documentada. À medida que envelhecem e se

tornam menos capazes de cumprir as tarefas do dia a dia, os insetos começam a armazenar

cristais sólidos que produzem uma reação química explosiva quando misturados com

outras secreções do animal. Para defender a colônia, os insetos mais velhos

realizam “suicídio coletivo” frente a uma ameaça. Ou seja, tornam-se

camicases, ou “cupins-bomba”, da colônia.

Em tempoNão contem pra CIA. Vai que eles

acabam tendo algumas ideias...

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tabare.net

o paradoxo: o Brasil é o país da impunidade? Em relação aos crimes mais graves, sim, pois dos 50 mil homicídios dolosos praticados por ano, apenas 8% são investigados. Por outro lado, nós somos os campeões de encarceramento. De quem? Dos pobres e negros que estão transacionando no varejo. Uma coisa completamente descabida, absolutamente perversa! Imagina o que significa para o futuro deles e da sociedade também. Fora o custo para o Estado por preso, que é de R$ 1.500,00 em média. Imagina esse dinheiro aplicado na vida deles e de suas famílias! Resolveria a vida de cada um deles, com educação, emprego, lazer, habitação e saúde.

Como se equaliza a questão da violência ligada ao tráfico de drogas e à repressão? A legalização é o melhor caminho?

Desde os anos 70 eu defendo a legalização das drogas. Vejam o que acontece: os EUA vêm liderando esta luta, investindo bilhões de dólares – assim como outros países –, envolvendo polícias qualificadas e reconhecidas pelo sucesso em outras áreas. E o resultado é zero! Eu desafio qualquer crítico a provar o contrário. Isso é consenso até mesmo entre os agentes do DEA (Departamento de Narcóticos dos EUA). Claro que não publicamente, mas nos bastidores eles sabem que é um desastre total. Por quê? O tráfico vai muito bem obrigado, com lucro igual ou aumentando. Uma tonelada de cocaína na Colômbia se converte em seis no varejo europeu, pelas misturas facultadas pela clandestinidade. Fora o percentual de lucro, cada tonelada gera US$ 40 milhões. E o consumo não caiu, pelo contrário. A qualidade da droga permanece inalterada e os preços estão estáveis nesses 20 anos. Por que não funciona? Porque há oferta e demanda e essa demanda corresponde a um desejo pessoal forte. Só a sociedade totalitária consegue impedir que a oferta encontre a demanda e vice-versa. Portanto a pergunta não é se se permite ou não o acesso à droga, mas em que contexto normativo, jurídico-político, vai se dar esse acesso. Neste contexto, que põe a droga como questão de polícia e prisão? Ou em um contexto em que a droga é tomada como um problema de saúde pública e educação? Vamos tomar o caso da pior das drogas, que é o álcool. São 18 milhões de alcoólatras no Brasil. Qual é a política brasileira e americana para ela? A mais sensata: nós não conseguimos acabar com o alcoolismo, mas pelo menos não criamos uma guerra que adicionaria, a este problema, mortes e tráfico de armas, como ocorreu na época da ‘Lei Seca’ [de 1920 a 1933 nos EUA]. No caso do cigarro, que é a segunda droga em importância no Brasil, temos obtido muito êxito na redução do consumo por conta da regulamentação e campanhas de esclarecimento.

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Hoje, no Brasil, todo mundo entende de segurança pública. Ou ao menos supõe que entende. Com uma caveira no braço e um saco plástico na mão para “facilitar”

depoimentos, o Capitão Nascimento ensinou ao “país da impunidade” que justiça se faz à força, e assim foi alçado a heroi nacional. Honesto e dedicado a salvar a nação do mal, explicou às massas aquilo que muitos já desconfiavam: bandido bom é bandido morto.

Se ao menos esse é o discurso do blockbuster policialesco brazuca, é exatamente o oposto que nos conta Luiz Eduardo Soares, um dos autores de Elite da Tropa - livro que inspirou o filme. Soares é mestre em Antropologia, doutor em Ciência Política e pós-doutor em Filosofia Política. Para além da academia, Soares também foi chefe de muitos capitães Nascimento - como subsecretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (na administração Garotinho) e como primeiro secretário de Segurança Pública do governo Lula.

Em julho, esteve em Porto Alegre para lançar seu livro mais recente: Tudo ou Nada. Entre um compromisso e outro, o Tabaré conseguiu entrevistar este escritor de 58 anos que nos mostra como o tema da segurança pública é muito mais complexo do que a turma do Bope e sua legião de fãs supõem.

Estiveste no alto escalão estadual e federal da segurança pública. Como foram estas experiências?

Na época em que fui subsecretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, nós criamos uma ou duas dúzias de programas que se converteram em paradigmas nacionais, e a linguagem com a qual se tratava da problemática foi transformada. O tema, que antes ficava restrito às polícias, se tornou uma conversa mais complexa, que envolve muitas dimensões, em que a polícia é somente parte do problema e não necessariamente uma solução. A problemática da prevenção foi incorporada e os direitos humanos se tornaram o centro da nossa referência, pois só há

segurança pública com respeito aos direitos humanos e vice-versa. No Rio de Janeiro, analisando os últimos 20 anos, em 1999 nós tivemos o menor número de execuções extrajudiciais [mortes causadas pelas polícias]. Foram 272, o menor número nesse período.

Mas esse número voltou a crescer...Sim, e isto é a melhor demonstração de que

quando você tem, de fato, uma política de controle à brutalidade policial, você consegue produzir um efeito imediato. O número é vergonhosamente alto. De 2003 a 2011 houve 9.231 mortes provocadas por ações policiais. Em média, nós estamos com cerca de mil por ano.

Como tu entendes a cobertura da mídia em relação à polícia e aos direitos humanos?

Você tem desde os programas da tarde de TV, que são a celebração da brutalidade, da violência, do populismo penal, dessa demagogia das penas mais duras e da polícia brutal, até jornalismo decente, que respeita a legalidade. Porque, a rigor, o respeito aos direitos humanos corresponde, no Brasil, felizmente, ao respeito à Constituição. Onde está o problema para mim? Na forma de editar e selecionar temas, matérias, manchetes. Um exemplo, só para tornar isso mais concreto. Não faz muito tempo, houve uma morte com bala perdida de uma senhora que dirigia pela Linha Vermelha, no Rio. Bom, uma tragédia que a mídia destacou, como tinha de fazê-lo. Ocorre que três outras pessoas morreram na mesma troca de tiros, com o mesmo grau de dramaticidade e com as mesmas consequências devastadoras para suas famílias, mas dentro da comunidade, e elas não foram objeto de nenhuma notícia, nenhuma informação. O filtro é muito seletivo. Quando morre alguém da classe média, isso se converte em manchete. Alguém que morre na favela é logo rotulado de traficante ou suspeito.

Mas não existe uma homogeneidade na maneira de tratar o traficante como inimigo público?

Claro, sem dúvida. O Brasil tem a terceira população carcerária do mundo, abaixo apenas de China e Estados Unidos, e a taxa mais elevada de incremento desta população. Nós tínhamos 160 mil presos em 1995 e temos 540 mil hoje, mais os mandados de prisão não cumpridos, que poderiam dobrar este número. Quem está sendo preso? Segundo pesquisa da professora Luciana Boiteux (UFRJ), nos últimos cinco anos, 65% dos presos são jovens, pobres e negros, com baixa escolaridade. Até aí nenhuma novidade, infelizmente. Mas o que chama atenção é que negociavam no varejo substâncias ilícitas sem armas ou práticas violentas e sem vínculos com organizações criminosas. Veja

Muito além do Tropa de Elitepor Eduardo Amaral, Gabriel Jacobsen e Guilherme Dal Sasso

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Por que não se revoga a guerra às drogas como se fez com a Lei Seca?

O desastre foi do tamanho do nosso, mas o preconceito com o álcool é muito menor. O álcool tem muito mais maleabilidade, ocupa templos religiosos, o vinho é uma bebida apreciada e, em algumas culturas, considerado até alimento. As sociedades que integram o álcool em suas cerimônias diárias e cotidianas são as que apresentam menos problemas de alcoolismo, como França, Itália e Israel. Não porque aboliram o consumo, mas pela valorização como um ritual. Se a sociedade fosse tão refratária ao álcool e visse no comerciante um monstro, isso não se daria. Hoje drogas são associadas ao crime, à brutalidade, à monstruosidade, e os preconceitos são muito grandes, então é muito difícil discutir. Do ponto de vista de princípio, eu não consigo imaginar legítimo o Estado me dizer quanto de açúcar, de sal ou de qualquer droga eu deva consumir. Se você está dentro de uma esfera privada e não provoca danos a terceiros, quem é o Estado para dizer que o álcool é diferente da maconha ou de qualquer outra droga?

É possível mudar a segurança pública brasileira com esta estrutura de duas polícias, civil e militar?

Com essa estrutura é impossível um avanço significativo. A gente pode reduzir danos e avançar circunstancialmente, mas não há possibilidade de avanços maiores. Vocês viram a manchete d’O Globo que causou tanto constrangimento para o Exército no Rio? Transcrevia uma música cantada por um pelotão nas ruas da Tijuca, parecida com aqueles cantos do Bope: “Bater, quebrar, matar, tirar a cabeça, é isso que nós fazemos”. Isso mostra que não estamos falando só de polícia, mas de aspectos culturais e de formação. Isso remete a dois elementos. O primeiro é a transição política da ditadura militar para a democracia sem o momento de verdade, passando para a reconciliação em um salto tríplice sem rede. Há um legado da ditadura que persiste intocado e está justamente na segurança pública e nos aparatos de repressão. A ditadura não inventou a tortura no Brasil, isso faz parte da nossa história escravagista e das violências do autoritarismo brasileiro. A ditadura modernizou, qualificou tudo isso. Como nós não olhamos o horror nos olhos e não passamos o Brasil a limpo, sem um ritual de passagem, ficou muito mais fácil que essas práticas prosseguissem. Daí a importância da Comissão da Verdade, de nós não esquecermos. O segundo ponto são os processos de formação dos profissionais de polícia e os mecanismos internos de controle. Como é que se muda isso? Fazendo com que os agentes compreen-dam que a legalidade requer respeito e cobrando duramente o cumprimento desse dever. É preciso criar mecanismos de solidariedade e aprendizado. Não precisa ser pela punição. No primeiro caso de desrespeito a homossexuais pela PM, quando eu era subsecretário no RJ, dois policiais foram levados à prisão, mas nós pedimos ao Comandante-Geral que relevasse. Assim, eles cumpriram uma espécie de pena alternativa em uma instituição voltada para os direitos LGBT e se tornaram outras pessoas. E mudou também a visão dos militantes em relação a

eles, que são trabalhadores, pessoas com seus medos e preconceitos. Mas aí voltamos para a pergunta-chave: e as estruturas institucionais? Nós podemos mudar a educação, o controle interno, rever a transição política, mas as estruturas institucionais são um legado da ditadura que nós nunca mudamos. Isto que eu chamo de arquitetura institucional é esse conjunto de instituições organizadas de determinada maneira, tudo consagrado no artigo 144 da Constituição. Nele, os municípios não existem. O município está excluído da segurança pública. A União, com as polícias Federal e Rodoviária Federal, é impotente. Criou a Secretaria Nacional de Segurança Pública, cuja responsabilidade é formular uma política nacional

para a qual não há instrumentos de implementação. Não faz sentido nenhum! E além disso há a corrupção. No Rio de Janeiro, por exemplo, o crime e a polícia são indissociáveis. Para enfrentar a criminalidade, você precisa enfrentar a questão da reforma policial.

E como deveria ser a polícia, então?

Eu vejo as polícias idealmente como o aparato do Estado que aos fracos oferece a força para a garantia do exercício dos seus direitos, e não o contrário, como sempre tem sido na história do Brasil. Nosso modelo com duas polícias estaduais é uma jabuticaba institucional, só existe no Brasil e, evidentemente, não funciona, pois como eu disse, investiga-se apenas 8% dos crimes mais graves. E essa não é apenas a opinião de pesquisadores. Fiz uma pesquisa em 2009 com o Marcos Rolim e a Sílvia Ramos, onde ouvimos mais de 64 mil profissionais de segurança pública no Brasil. Deles, 70% foram favoráveis à mudança do modelo policial. Então quem disser que essa é uma visão de elite,

contrária à categoria, está equivocado. Mas não é o que estas instituições dizem publicamente. Por quê? Porque é uma categoria sem sindicato, em que os porta-vozes são os oficiais, os superiores. É a voz institucional que fala. Quando a gente ouve mais profissionais da área, percebe-se que não só a sociedade está insatisfeita, mas os policiais também. O que é esse modelo? São quatro polícias estaduais, não duas: delegados e não-delegados [na Polícia Civil], oficiais e não-oficiais [na Polícia Militar]. O que significa o seguinte: ‘Vamos escrever um texto juntos. Eu escrevo os substantivos e vocês os verbos’. Vai ser impossível a gente chegar a um acordo! É uma divisão absurda e essa estrutura nos rege. A Polícia Militar, umbilicalmente ligada ao Exército, tem que se organizar à sua imagem e semelhança. A organização do Exército serve à finalidade estabelecida pela Constituição: defesa do território nacional. E o método

de funcionamento no caso do Exército é basicamente o do pronto-emprego: mobilizar grandes contingentes humanos de forma convergente e

sem hesitação. Então é preciso concentração de poder e hierarquia rígida. Mas a polícia, segundo

a Constituição, deve preservar os direitos e garantias do cidadão. Não tem nada a ver com a função do Exército. O único ponto em comum são os confrontos bélicos, mas que correspondem a apenas 1% das atividades da PM. Então você vai organizar toda a instituição por conta desse 1%? Não, você tem

de respeitar 99% das atividades, o que requer descentralização, flexibilidade adaptativa às

circunstâncias locais, deslocamento de autoridade para a ponta e autonomização de agentes, para que eles sejam capazes de compreender a complexidade

da situação e gerir localmente a segurança, tal como as polícias mais avançadas fazem. E nós temos também uma Polícia Civil burocratizada, perdida no labirinto dos inquéritos, gerando uma ineficiência absurda. Pontos de consenso: mais

importância aos municípios e à União, e nos estados o fim da divisão do ciclo criminal [que frequentemente começa com a PM e termina com a PC]. Não com a unificação das polícias, mas com a criação de

mais polícias menores, organizadas por tipos de crimes ou por territórios. Todas de ciclo completo

e organizadas de um modo não militar.

Os estudiosos da segurança pública previam o nascimento das milícias?As milícias começaram como grupos de extermínio que se organizavam a soldo

para atender certas solicitações criminosas. E isso foi evoluindo, foi objeto de contemplação de quem estava atento ao tema. Para quem não acompanhou, dá a impressão de que de repente isso se constituiu. Mas foi construído com apoio dos políticos conservadores, que diziam que essa era uma autodefesa comunitária, com a demagogia dos que também lucravam do ponto de vista eleitoral. As práticas policiais tradicionais são tão brutais e corrompidas que isso passou a ser uma pequena variante, entendem? E a fonte disso é o segundo emprego dos policiais. Devido ao baixo salário, eles têm de buscar o segundo emprego e o fazem na área de sua especialidade, a segurança, o que é proibido. Os governos não reprimem porque senão a demanda por melhoria salarial se projetaria sobre o orçamento, levando-o ao colapso. Isso acaba formando o que eu chamo de “gato orçamentário”, para usar a linguagem da milícia. Um pilar de legalidade, o Estado, e um pilar de ilegalidade, a segurança privada informal. Um financiando o outro.

[ilustração de Jéssica Albuquerque sobre fotografia de Gabriel Jacobsen]

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eleitorais. Essa mudança, para Giba, ajudou a dar um caráter menos ideológico às campanhas.

– Um negócio que era extremamente politizador para a democratização do país, terminou virando absolutamente despolitizante. Hoje as pessoas formam votos na TV entre o comercial de iogurte e cerveja, é isso.

Toninho Neto, formado em Filosofia, trabalha com campanhas políticas desde 1985 quando trabalhou na campanha de Fernando Henrique Cardoso para a prefeitura de São Paulo. Atualmente, Toninho atua como diretor de criação e desenvolve estratégias de campanha. Ele concorda com o argumento de que cada vez mais a ênfase da campanha é a propaganda comercial.

– Quando começa o horário eleitoral gratuito, as pessoas provavelmente desligam a televisão. O que não acontece quando elas são pegas de surpresa ao longo da programação. Essas inserções são muito importantes. Acho que no futuro, o Brasil vai acabar adotando um modelo mais parecido com o americano.

No modelo estadunidense, a propaganda política não é gratuita nem obrigatória. Os partidos compram espaços publicitários para veicular suas campanhas. Esse sistema é bem conhecido por Toninho, que mora no país e já participou das campanhas políticas dos candidatos democratas Antonio Villaraigosa (para prefeitura de Los Angeles) e do candidato à presidência, John Kerry, em 2004. Para Toninho, as campanhas estadunidenses têm uma grande diferença com relação as nossas.

– Por incrível que pareça a discussão é muito mais ideológica do que no Brasil, onde se discutem

A política pode ser entendida como a arte da negociação. No campo político, as articulações com movimentos sociais e classes trabalhadoras permitem aos governantes alcançarem os

seus objetivos. Mas para um bom político sempre foi fundamental outra espécie de arte: a oratória. Foi a partir do excelente uso da retórica que os principais políticos, principalmente os mais modernos - como Getúlio, Perón, Mussolini, Hitler e mais recentemente Brizola, Lula, Chávez e Obama - promoveram a si e a suas convicções através da mídia. Além deles, Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda na Alemanha nazista, é sempre lembrado por quem estuda o poder da propaganda política.

Entretanto, esta não pode ser confundida com outra ‘arte’ que vem alavancando candidaturas e construindo fenômenos políticos e eleitorais: o Marketing Político (mais informações no Box). O trabalho do marqueteiro está diretamente relacionado com a construção de discursos, escolha de temas e cores de campanha e desempenho em debates. Mas até que ponto a influência destes profissionais, que como os atuais treinadores de futebol peregrinam a cada eleição por partidos e ideologias diferentes, estará afetando o resultado final de cada processo eleitoral?

No Brasil, os principais meios de comunicação

são de propriedade de alguns poucos empresários que procuram lucrar com a publicidade veiculada durante suas programações de jornalismo e entretenimento. Como minoria pertencente às classes de maior poder aquisitivo, as ‘famílias’ proprietárias dos meios de comunicação não têm interesse real em qualquer tipo de mudança na

estrutura social. Além disso, a maior parte dos profissionais da informação também pertence ao mesmo grupo social, o que estimula a reprodução de um único discurso, uma única “verdade”.

Com o surgimento da democracia no Brasil, no final dos anos 1980, surgiram as campanhas obrigatórias e gratuitas nos rádios e nas televisões. Essas manifestações nas grandes mídias implicaram em uma mudança no hábito das pessoas e na sua relação com a política.

– O horário político possibilitou às pessoas assistirem versões diferentes sobre o mesmo fato durante alguns meses. Isso foi uma revolução. Podia ser que cada um mentisse para o seu lado, mas não importa, foi uma revolução. As campanhas eram politizadas.

O editor e montador de cinema Giba Assis Brasil vivenciou essa transformação. Ele é sócio da Casa de Cinema de Porto Alegre e através dela participou nas campanhas eleitorais de 1992, 1994, 1996, 1998 e 2000.

– No começo, as campanhas eram politizadas, mas a legislação foi mudando e ficou cada vez mais restritiva e voltada para a publicidade – conta Giba.

A partir de 1994, além do horário eleitoral gratuito, obrigatório nas rádios e nos canais abertos de televisão, foi regulamentada a possibilidade de inserções publicitárias de campanha em qualquer horário. Com esta mudança, aprovada pelo Congresso, novas possibilidades de marketing político foram introduzidas nas campanhas brasileiras. Atualmente, somos surpreendidos por inserções políticas de rápida duração no intervalo de qualquer programa transmitido durante os períodos

MeRcAdologiA políTicA

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Padre Erecti

o bem de spiritus sancti

A ROÇA É NOSSA!

VOTE ERETINHOErê

a diversidade vai vencê!

por Chico Guazzelli e Natascha Castrofotos de Martino Piccinini

Como são contruídas as estratégias das campanhas eleitorais

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na atual campanha para a prefeitura da capital.– Tu analisa em pesquisa a imagem que teu

candidato tem junto ao eleitorado potencial dele, e tu estrutura tua comunicação de maneira a aproveitar os pontos fortes dessa imagem e a enfrentar os eventuais problemas de imagem que ele tem. Precisa diminuir os aspectos mais vulneráveis do teu candidato - declara Juliano Corbellini, cientista político que trabalha desde 2002 em campanhas eleitorais.

Para Marcos Martinelli, a experiência no jornalismo serve de apoio para sua trajetória em campanhas eleitorais, que começou em 1989 na candidatura de Mário Covas à presidência do Brasil.

– Como fui jornalista político, conheço a necessidade dos partidos de se relacionar com o marketing. Muitos que trabalham com marketing eleitoral não entendem isso, acham que podem ter apenas uma relação direta com o candidato, e isso pode trazer problemas na relação com a base. A campanha é um conjunto, ou todas as coisas andam bem ou tu tem problema. A principal dificuldade é encontrar profissionais que entendam como funciona o marketing político, como se trabalha o conceito de candidato, como se interpreta pesquisas. [Profissionais] que entendam o conceito de uma campanha.

Juliano Corbellini conclui resumindo o que ele considera como os principais elementos de uma campanha, aquilo que todo marqueteiro estuda antes de desenvolver sua estratégia:

– Os três elementos fundamentais são: a agenda que tu tem para a cidade (ou estado, ou país); as propostas que tu tem para a vida das pessoas; e a imagem do candidato que tu tá apresentando. O que decide é uma conjugação desses três elementos. E depois, a comunicação é uma ciência persuasiva.

À contramão das principais candidaturas à prefeitura de Porto Alegre, o Psol trabalha sem um setor de marketing na candidatura de Roberto Robaina, que criou o slogan da própria campanha. A coordenação é encabeçada por Luciana Genro, ex-deputada e agente na política gaúcha. A crença em um modelo de campanha voltada para as ideias do partido

e do candidato reforçam a revolta com as práticas adotadas pelas outras candidaturas, que baseiam seus métodos nos padrões do marketing comercial.

– O candidato não é um produto que a gente tem que embalar da melhor maneira possível pra vender. O candidato é uma pessoa que tem uma história, que tem uma trajetória e que tem ideias. Só temos que fazer com que ele possa expressar essas ideias de uma forma clara, sintética e compreensível para as pessoas. Então não tem marketing, é pura política - assegura Luciana.

Já Toninho Neto acredita que sua profissão pode transmitir de maneira clara e para todos os públicos o mote de uma campanha.

– Não quero transformar ele [o candidato] em alguma coisa que ele não é. Quero achar uma verdade. Se eu achar uma verdade que possa beneficiar as pessoas, eu aposto todas as fichas. Este candidato tem uma verdade que as pessoas vão reconhecer como algo benéfico para elas. Depois o trabalho é técnico.

O rESuLTADO DA POLíTiCA-MErCADONossas disputas eleitorais estão submetidas à lógica de mercado. Os cidadãos são cada vez mais atraídos pelos produtos de melhor aparência. Todos os candidatos procuram os marqueteiros para formar e apresentar essa imagem que tanto agrada a maior parte do eleitorado. Neste contexto, fica difícil desenvolver um debate ideológico.

– Quanto mais ideologizado um partido, vários estudos mostram isso, mais dificuldade ele tem de penetrar em vários perfis de eleitores. Esse é um fenômeno mundialmente discutido na Ciência Política. Temos um eleitorado de massa, como são as democracias contemporâneas, onde o eleitorado é muito heterogêneo, muito diverso, muito volátil, que cada vez mais vê as candidaturas como uma mercadoria que, quando atende, compra, ou quando não o atende, joga no lixo. Então os partidos que estão no espectro mais à esquerda e mais à direita têm menos chances eleitorais, conquistam menos percentuais, vão ter menos vitórias – detalha Silvana Krause.

Nos últimos anos, o ceticismo com relação à atual conjectura política tem dado sinais visíveis, com um aumento do descrédito dos políticos pela opinião pública, ou daquela opinião pública que se faz voz na nossa sociedade. Nesse cenário, talvez o marketing político não seja a única razão para essa desideologização, como analisa Maria Berenice:

– Tu não pode creditar só à propaganda ou à mídia o resultado de uma eleição. É uma questão complexa. Envolve um cenário político, condições políticas. O cenário é composto por forças, histórias, vaidades, propostas, assessorias. A comunicação faz a sua parte. Tá tudo muito parecido porque acho que nós temos um problema de identidade na sociedade. Nosso cidadão eleitor é um pouco responsável, porque ele se acomoda, ele não quer participar e ele não vai. No último dia decide em quem vai votar, pegando santinho na frente da sessão eleitoral. É o descaso com a política. Se tu não te envolver com a política, tu deixa para o outro decidir, e ele vai decidir o melhor pra ele. Meus direitos e meus deveres são negociados por outro. É uma questão de sobrevivência se envolver com a política. Esse estado da política também revela um pouco do cidadão, do descaso do cidadão. O parlamento é a representação do povo, tem os palhaços, os corruptos, os fisiologistas, porque essa é a cara do nosso país e do nosso eleitor. Esse “tudo muito igual” é também porque as pessoas estão exigindo pouco, se envolvendo pouco, participando pouco.

– Se o eleitor tá querendo escutar alguma coisa, 7

picuinhas. Nos Estados Unidos se discute ideologia mesmo: o democrata defende um Estado maior, interferindo mais na economia, na política; e os republicanos defendem um Estado menor, com mais iniciativa privada, por exemplo. E a discussão é muito clara lá, todo mundo sabe quem é mais à direita ou mais à esquerda.

A cientista política e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Silvana Krause, comenta que as mudanças na política não se reduzem ao cenário brasileiro.

– O processo de desideologização não é um fenômeno apenas brasileiro, mas da política contemporânea, principalmente a partir dos anos 90. As campanhas se tornaram mais pragmáticas e o político acaba sendo uma mercadoria que tem que se apresentar para agradar vários perfis de eleitores.

Maria Berenice da Costa Machado, professora da Faculdade de Comunicação da UFRGS tem como objeto de estudo a comunicação publicitária e também a propaganda política. Berenice comenta a falta de identidade dos partidos Brasileiros.

– Tu olha e não consegue identificar que partido é. Isso para o cidadão brasileiro que não gosta de política é uma coisa complicada. Ele não vê essa identidade, até porque os partidos não têm. O programa, as alianças... Esse híbrido deixa as pessoas confusas. Esse é o estado dos centros de poder fragmentado, das identidades fragmentadas, e com isso nós temos que conviver. Acho que a política perde um pouco daquele purismo, de se colocar como proposta.

Silvana vai além, identificando nos eleitores um comportamento parecido com o dos consumidores.

– A política funciona hoje como um mercado. O eleitorado é um mercado a ser buscado e os partidos procuram entender o que esse mercado está querendo. Eles fazem um mapa para oferecer no seu discurso aquilo que o eleitorado tá querendo. É uma estratégia típica de sociedades de democracia de massa baseada em um eleitorado extremamente diversificado e que tem uma ótica de mercado.

ELEiTOrADO, uM MErCADOPara conquistar a confiança e o voto dos eleitores, os partidos utilizam todas as plataformas disponíveis de divulgação de suas candidaturas. Os melhores marqueteiros são disputados a cada dois anos por diferentes campanhas, e a pesquisa de “mercado” e a formação da estratégia começa quatro ou cinco meses antes do dia marcado para a votação.

Procurando entender como funciona o trabalho desenvolvido pelos profissionais das eleições, conversamos com os coordenadores de campanha dos quatro primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto para a prefeitura de Porto Alegre em 2012.

– A primeira coisa que fazemos é uma leitura de quem está se candidatando e o que cada um representa. A gente se baseia nas pesquisas, imagina que a pessoa A, que representa esse tipo de classe, tem tantos por cento na pesquisa. A pessoa B tem isso, a C tem aquilo. [A partir disso] a gente avalia onde pode crescer. Podemos crescer dentro das intenções de voto do candidato A, ou do C que representa uma determinada classe e elaboramos um discurso para falar com essas pessoas. Aí é uma coisa matemática, pelo menos da maneira que eu faço. Eu vejo quantos votos eu quero ter, onde estão esses votos hoje e como eu faço para buscar esses votos. Eu preciso entender por que as pessoas gostam do candidato A, do B e do C. E provar que o nosso candidato tem isso melhor que os outros. – explica Toninho Neto, que está no Brasil para trabalhar

A política levada a sério

EREUTÉRIO RODRIGUES

68

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campanha de Fernando Henrique Cardoso, Germano Rigotto em 2002 e atualmente faz parte da equipe de Adão Villaverde; e Juliano Corbellini é quem está por trás da estratégia política de Manuela D’Ávila, tendo trabalhado também com Yeda Crusius e José Fogaça.

A política atual apresenta a necessidade dessa construção de imagem que é tão bem desenvolvida pelos marqueteiros. Essa construção não leva em conta a ideologia defendida historicamente pelo partido,

essas bandeiras são distorcidas ou esquecidas em prol da vitória nas urnas. A dimensão

que esses profissionais têm adquirido nas últimas eleições é questionável

e ao mesmo tempo é explicável pela exigência desse sistema.

– Acho que o principal problema não são as pessoas que trabalham, mas a forma como o produto é apresentado.

Talvez seja o caso de acabar com a propaganda gratuita na TV, mas eu

acho que o ideal é voltar para o modelo de campanha centralizada,

com financiamento público, que foi demonizado pela imprensa

que disse que isso seria porta aberta para corrupção

quando é o contrario, é uma tentativa de diminuir isto.

Mas o principal é não tentar apresentar um candidato e uma proposta em 30 segundos.

Apesar das críticas veementes à atual estrutura que os partidos políticos vêm adotando nas últimas eleições, Giba Assis Brasil não é tão pessimista com relação às ideologias que os governantes adotam hoje em dia no Brasil.

– Eu continuo acreditando que existem diferenças ideológicas e filosóficas entre os partidos e os candidatos, mas na tevê a gente não enxerga nada.

você tem que dizer aquilo que o eleitor tá querendo escutar, se não você não é político, é outra coisa. Isso é da própria natureza da política reduzida ao mercado, infelizmente – Sentencia Krause.

Diferenças ideológicas existindo ou não em governos e campanhas, o fato é que a política brasileira (talvez acompanhando uma tendência internacional) está se transformando. Após a onda politizadora que o país viveu com o final da ditadura, os setores políticos parecem enraizados nos mesmos interesses nos últimos tempos. Com isso, algumas carências da sociedade estão deixando de ser representadas nas campanhas políticas. As possíveis razões para essa mudança são inúmeras. Maria Berenice afirma que não podemos acusar apenas a mídia por todas essas transformações. Mas também não podemos culpar apenas os cidadãos que pouco se envolvem. Existe neste campo um terceiro elemento igualmente importante: os partidos. Historicamente, as lideranças políticas surgiam das bases da sociedade organizada: dos sindicatos, das comunidades eclesiais, do movimento estudantil... Esse lastro político já não é tão comum, como diz Berenice:

– Nós temos um vácuo de legitimidade política dos candidatos. Hoje a causa é uma roupa de aluguel.

*** Inquestionavelmente os avanços do marketing

político modificaram o conceito de uma disputa eleitoral. Candidatos e partidos se entregam a imagens,

cores e discursos padronizados recorrendo, para isso, aos melhores profissionais da área. Coordenadores de campanha ou marqueteiros se tornaram peças-chaves para vencer no atual jogo eleitoral. Marcos

Martinelli que trabalha para a atual campanha de José Fortunatti, já trabalhou nas campanhas de Mário Covas, Lula e Antônio Britto; Toninho Neto participou da

O Marketing POlíticOO Marketing Político surgiu nos anos 50 nos Estados Unidos. Estudos apontam que somente no século XX os políticos deram a devida atenção ao uso da propaganda para controlar reações populares e divulgar seu trabalho.- A propaganda é o primeiro exercício do homem: a persuasão. O berço do exercício político ligado à democracia é a cidade grega. Lá havia também algo que é muito próximo da propaganda política hoje, que é o exercício retórico. Quem fala bem tem o poder e começa a se destacar – afirma a professora de Propaganda Política da UFRGS, Maria Berenice da Costa Machado.A evolução do trabalho persuasivo foi grandiosa desde a Grécia até hoje. Os acontecimentos mais recentes destacados por Berenice foram as campanhas durante a Primeira Guerra Mundial e a propaganda nazista anterior à Segunda Guerra Mundial. No regime nazista, a propaganda viveu uma enorme fase de desenvolvimento com a criação de um Ministério da Propaganda que esteve sob o comando de Joseph Goebbels. Com severo controle dos meios de comunicação e das instituições educacionais, o trabalho de Goebbels é julgado como um dos principais motivos para o sucesso da ideologia nazista na Alemanha.A partir desta última experiência, que serve

como exemplo de propaganda massiva, a discussão sobre o poder da comunicação e de sua influência no posicionamento das pessoas passou a ser seriamente analisada.Em 1952 o general Dwight Eisenhower contratou a agência BBDO para ajudá-lo durante a campanha eleitoral para a presidência dos Estados Unidos.- O berço do Marketing Político é a política estadunidense. A partir dos anos 1950 nós temos o que hoje se fala e se confunde com a propaganda, que é o Marketing Político. Esse método vem do marketing usado nas trocas mercantis e mercadológicas de produtos, serviços e idéias - resume Berenice.O que os estadunidenses incorporaram na disputa eleitoral é a lógica do trabalho com produtos. Criar um conceito e trabalhar em cima dele para vendê-lo à população, mesmo sendo este conceito uma proposta política. Os analistas perceberam que não bastava usar a propaganda para fazer com que as pessoas aceitassem as propostas dos políticos, a partir de então fez-se necessário criar métodos e pesquisas sobre os anseios da sociedade para produzir propostas adequadas. Assim surgiu o Marketing Político que conhecemos hoje.

Marketing eM PrÁticaEm 1960 o debate eleitoral entre os então candidatos à presidência dos Estados Unidos da América, John

Kennedy e Richard Nixon, entrou para a história da propaganda política e do marketing estadunidense. Transmitido pela televisão e pelo rádio, o debate provou para os comunicadores a relevância das estratégias marqueteiras. Isso aconteceu porque apesar dos cuidados para equiparar os candidatos, como plataformas para deixá-los com a mesma altura na frente das câmeras, os telespectadores creditaram a vitória do debate à Kennedy e os ouvintes da rádio creditaram à Nixon.– É o código do veículo, código visual que se impõe. E isso os profissionais de comunicação podem trabalhar muito bem. Por exemplo, o Nixon chegou com a barba ligeiramente crescida e tinha uma aparência mais pesada, o Kennedy era um visionário, ele olhava pra cima ao falar e “projetava os EUA”. Isso é fundamental em comunicação, é muito subliminar, muito sutil – afirma Berenice.Cinquenta anos depois, o desenvolvimento de estudos sobre cores, postura, e todas as mensagens subliminares na apresentação de um candidato político só aumentaram. Estes métodos chegaram ao Brasil junto com a democracia e são utilizados cada vez mais por candidatos de direita e de esquerda.– O marketing político é pensar a comunicação, mas pensar também tudo que está por fora. Porque não temos um preço como no marketing comercial. A troca que se faz não é mercantil, é voto e promessa.

O C

as

o das Mãos Amarradas

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agosto/2012 #15 9

O iníCiO E O fiM DO CALváriO

Porto Alegre, 11 de março de 1966. O sol da tarde ilumina o Parque Farroupilha. O ex-sargento do Exército Manoel Raymundo Soares se aproxima do auditório Araújo

Vianna. Carrega embaixo do braço um pacote com panfletos de conteúdo subversivo: “abaixo a ditadura!” Trata-se de um protesto à visita do presidente Castelo Branco à capital. O calhamaço deve ser entregue a um civil chamado Edu Rodrigues, que distribuirá os papéis entre os transviários da Carris, que, por sua vez, distribuirão os folhetos para a população que utilizar o transporte coletivo. Enquanto o ex-sargento aguarda a chegada de Edu, dois militares vestidos à paisana se aproximam. Por volta das 16 horas e 30 minutos, os sargentos Carlos Otto Bock e Nilton Aguaidas agarram Manoel pelos braços e o conduzem de táxi até a Polícia do Exército (PE). Pelas 19 horas, o prisioneiro é transferido para o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), na avenida João Pessoa.

Lá, os delegados Itamar Fernandes de Souza e José Morsch analisam a ficha do paraense Manuel Raymundo Soares. Ele entrara para o Exército com 17 anos, em 1955, no estado da Guanabara. Sempre fora engajado politicamente, a favor da democracia e das demandas sociais dos companheiros de farda. Teve a sua prisão decretada nos dias que sucederam o golpe militar de 1964. Então, desertou e fugiu. Foi expulso das forças armadas em junho daquele ano. Passou a viver na clandestinidade. Integrou os grupos de resistência armada Movimento Geral dos Sargentos (MGS) e Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). Viveu

em diversas cidades até chegar a Porto Alegre em 29 de setembro de 1964. Veio para a capital gaúcha junto com outros 21 sargentos e um agente da repressão infiltrado chamado Edu Rodrigues – que entregou a transação em frente ao auditório Araújo Viana. Em 25 de março de 1965, participou de dois levantes frustrados dentro dos quartéis da Brigada Militar e do Exército, na cidade de Três Passos. Assim, diante de tantos atos subversivos, os agentes do DOPS trancafiam Manoel numa cela escura e dão início ao seu calvário...

Porto Alegre, 24 de agosto de 1966. O sol se põe sobre as margens do Rio Jacuí. Os agricultores João Gomes Peixoto e Leci Ramos Brandão voltam para casa na Ilha das Flores, alheios à ditadura militar que assola o Brasil há dois anos; alheios aos atos institucionais que enrijecem o regime; alheios às guerrilhas de resistência ao golpe; alheios aos pro-testos pela democracia. Eles caminham pelas mar-gens do rio e à margem dos acontecimentos políticos. Num taquaral perto da ponte do Guaíba, avistam algo que flutua sobre o manancial. Seria um tronco? Uma carcaça de animal? Chegam mais perto para averiguar. Um passo, dois, três, quatro... Deparam-se, então, com o cadáver de Manoel Raymundo Soares.

Seu corpo tem as mãos amarradas às costas, com ataduras feitas com um pedaço da camisa que veste. Um suéter de banlon cobre os nós das amarras. Os bolsos da calça escura estão para fora, o que indica que o corpo esteve submerso. Apenas um dos pés está calçado com um carcomido sapado marrom. Muitos hematomas lhe estampam o rosto com as marcas da violência. Tudo indica que a morte não foi acidental. Os agricultores ainda não sabem, mas o defunto que

está diante deles foi arrastado até ali, não apenas pela águas barrentas do Jacuí, mas também pelas águas turvas da política vigente. Eles também não sabem que o morto que agora bóia entre as taquaras desencadeará uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa que investigará a situação dos presos políticos durante a ditadura militar. E, da mesma forma, não sabem que este cadáver será o primeiro caso comprovado de assassinato causado pela tortura cometida pelo regime militar. Eles não sabem, mas estão diante do Caso das Mãos Amarradas.

DuAS vErSõES SObrE O OCOrriDOAs autoridades da ditadura e os movimentos de oposição concordam sobre o que aconteceu com Manoel Raymundo Soares nos dias 11 de março de 1966 e 24 de agosto de 1966. Contudo, os dois lados discordam radicalmente sobre o que aconteceu entre essas duas datas. Em outras palavras, divergem sobre as circunstâncias que levaram a óbito o ex-sargento do Exército. Na época, foram formuladas duas versões sobre o que aconteceu a Manoel desde sua prisão até sua morte. No entanto, apenas uma sobreviveu à exigência de provas.

A tese mais crível sobre a morte do ex-sargento foi formulada pela CPI do Caso das Mãos Amarradas (1966-1967), que recolheu mais de mil páginas de documentos e depoimentos para reconstituir os acontecimentos. As conclusões da comissão de inquérito convergiram com a investigação independente comandada pelo promotor de Justiça Paulo Claudio Tovo, que também juntou ofícios e entrevistas ao longo de muitos anos. A versão do colegiado e do promotor revela

por Marcus Pereirailustração de Luísa Hervé

O primeiro episódio revelado de tortura e assassinato cometido pela

ditadura militar no Brasil

O C

aso das Mãos Amarradas

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tabare.net

o futuro enderêço? Não lhe seguiria os

passos? Ou - segundo a linguagem policial

- não lhe iria fazer a ‘campana’ como o fez

com a viúva da vítima? O sargento Manoel,

por sua vez, não iria logo que libertado,

telegrafar a sua espôsa, transmitindo-lhe a

boa nova? E se ninguém viu Manoel depois

do dia 13 de agôsto, fora das dependências

do DOPS, nem mesmo um proprietário de

bar (onde poderia ter se embriagado) ou

restaurante (onde poderia ter se alimentado,

pois possuia dinheiro, segundo o livro do

DOPS) não obstante o amplo noticiário

do caso, com fotografias do morto - como

bem acentua o relatório policial, é porque

Manoel nunca foi posto em liberdade.

Ao invés de ser libertada, o promotor de Justiça sustenta que a vítima foi submetida à tortura conhecida como “caldo”: com as mãos amarradas às costas e uma corda amarrada às pernas, o torturado é lançado à água até o quase afogamento; antes que perca a consciência, os torturadores retiram a vítima da água puxando pela corda que prende as pernas. Segundo Tovo, os momentos derradeiros de Manuel Raymundo Soares foram assim:

A vítima teria sido submetida a um banho

ou caldo, por parte dos agentes do DOPS,

processo que consiste em arrancar do

paciente a confissão, mergulhando-o na

água até quase a asfixia. Ocorrera um

‘acidente no trabalho’, tendo os pés da

vítima escapado da corda que a prendia a

lancha e desaparecido nas profundezas das

águas do Rio Guaíba, que, a época estava

cheio. Hipótese menos provável também foi

aventada: a vítima teria sido submetida a

torturas às margens do Rio Jacuí, teria sido

arrastada (bolsos com carrapicho); em certo

instante, conseguindo desvencilhar-se, no

desespero, teria se arremessado às margens

do rio, desaparecendo nas suas profundezas.

Tanto a investigação da CPI do Caso das Mãos

Amarradas quanto a do Promotor Paulo Claudio Tovo apontaram como culpados pela morte de Manoel Raymundo Soares os delegados do DOPS Itamar Fernandes de Souza e José Morsch, juntamente com o comandante dos órgãos de repressão, Major Luiz Carlos Mena Barreto. Apesar das evidências que incriminavam os três responsáveis, eles foram absolvidos pela Justiça Militar.

O LEGADO DE MAnOEL rAyMunDO SOArESPorto Alegre, 2 de setembro de 1966. Centenas de pessoas acompanham o cortejo do ex-sargento Manoel Raymundo Soares. A viúva Betinha e o relator da CPI, Rosa Flores, têm lugar de destaque. Dezenas de jornalistas de todo o Brasil fazem a cobertura do evento fúnebre. O caso tornou-se notório em todo o país; revelou a tortura aos presos políticos cometida pelos órgãos de repressão da ditadura. Por isso, a procissão tornou-se uma mistura de homenagem ao ex-sargento e protesto contra o regime militar. Dessa forma, por onde passa o séquito, o comércio fecha as portas. Esta é a última reverência a Manoel Raymundo Soares. Porém, não é o fim da sua luta por democracia. Assim, o cortejo passa por uma, duas, muitas ruas... Atravessa a cidade, o estado, o país... Supera os anos, as décadas, o período... E sobrevive aos mares agitados da História.

que Manoel foi torturado antes de ser assassinado. O episódio recebeu ampla cobertura da imprensa nacional, pois, até então, as notícias sobre tortura não passavam de rumores. O caso das Mãos amarradas apresentava inúmeras evidências sobre violações aos direitos humanos dos prisioneiros políticos.

A tese de tortura e assassinato contrariava a versão dos militares. As autoridades do governo não só negavam que Manoel tivesse sido torturado, como também negavam que ele fora mantido preso durante longo período. Tal afirmação era baseada no depoimento – muitas vezes contraditório – dos delegados do DOPS. Entretanto, ao longo das investigações dos opositores, a versão do regime foi ruindo. O promotor Tovo desmentiu muitas informações fornecidas pelos oficiais do governo, apresentando documentos produzidos pela própria burocracia do Estado. Portanto, é inegável que a versão de tortura e morte possui muito mais credibilidade.

A viA CrúCiS DO Ex-SArGEnTO O relator da CPI do Caso das Mãos Amarradas foi o deputado Rosa Flores. Segundo seu relatório, o ex-sargento Manoel Raymundo Soares foi violentado tão logo foi preso. Primeiro foi espancado durante duas horas na PE; depois, torturado durante oito dias nas dependências do Departamento de Ordem Política e Social. Passado esse período, foi levado para a Ilha Presídio onde permaneceu até agosto.

Os integrantes da comissão de inquérito, acompanhados de membros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), visitaram a cadeia do DOPS e da Ilha Presídio. Na primeira inspeção, constataram que as celas destinadas aos presos políticos eram adaptadas para a tortura psicológica: eram totalmente escuras e minimamente ventiladas. Na segunda, depararam-se novamente com condições degradantes: celas escuras, frias e úmidas. Rosa Flores escreveu no relatório que “o presídio não dispunha de roupas para distribuição entre os presos; que periodicamente não ia médico ao presídio da Ilha, mas que lá existia um termômetro utilizado por guarda que conhecia princípios de enfermagem.” Posteriormente, descobriu-se que nem o termômetro existia.

Tais vislumbres já comprovariam a suspeita de maus tratos aos prisioneiros. Todavia, a tortura física só ficou explícita quando foram ouvidos os companheiros de cárcere de Manoel Raymundo Soares. O relator da CPI menciona o funcionário da Carris, Aldo Alves Oliveira, detido no DOPS em 10 de março de 1966:

O depoente declara que conheceu o (ex)

sargento Manoel Raymundo Soares, podendo

testemunhar que o mesmo mostrava sinais

de sevícias; que na ocasião em que o (ex)

sargento estava sentado no corredor que

dá acesso à cela verificou que o mesmo

se encontrava sem camisa deixando ver

as marcas de queimaduras e sinais de

espancamento a tal ponto que não podia

engolir alimentos sólidos, razão pela qual

tanto o depoente quanto os outros presos

forneciam do leite que lhes era enviado por

familiares alguma porção para alimentar

o (ex)sargento Manoel Raymundo Soares.

Declara o depoente que durante o período

que esteve recolhido ao DOPS que quase

todas as noites pela madrugada, o (ex)

sargento Manoel Raymundo Soares era

torturado o que podia ser comprovado pelos

gritos da vítima e que também pelo aspecto

físico que apresentava quando era trazido

de volta a sua cela e passava de fronte a

porta onde se encontrava o depoente...

No dia 19 de março, Manoel foi levado para ilha presídio. Lá, de maneira clandestina, o ex-sargento enviou nove cartas à esposa, Elizabeth Chalupp Soares, a Betinha, como era chamada pelo marido. As cartas eram enviadas através de familiares de outros prisioneiros. Em depoimento na CPI, Betinha apresentou quatro epístolas que lhe chegaram às mãos. As mensagens reiteram a prisão, as torturas e as péssimas condições do cárcere, como fica explícito em alguns excertos:

Eis aqui mais uma tentativa de te mandar

notícias minhas. Esta é a 5ª carta. Não sei

se as outras chegaram até aí. Fui prêso às

16hs mais ou menos (do dia 11 de março),

em frente ao Auditório Araújo Viana. Eu

fui ‘entregue’ ao DOPS por um patife

chamado EDÚ. (...) Fui conduzido ao Quartel

da P.E e lá, debaixo de um ‘tratamento’ fui

interrogado durante duas horas. A seguir fui

levado para a DOPS na Avenida João Pessoa

‘tratado’ durante uma semana(...) Aqui

estou sem sapatos, sem roupas de frio, sem

cobertas, usando únicamente uma camisa

de Nylon e uma calça de lã preta. Não há

dúvidas que o meu passadio por aqui não é

nada comparável ao de ‘Mar Del Plata’. (Ilha

presídio, Porto Alegre, 2 de maio de 1966).

O ex-sargento Manoel Raymundo Soares foi mantido em regime de incomunicabilidade durante os seis meses que esteve cativo. Alguns documentos anexados aos autos da CPI apontam que, em 13 de agosto, o ex-sargento foi reencaminhado às mãos dos agentes do DOPS. Nesta ocasião, Manoel deveria ser libertado. Segundo palavras do próprio delegado Morsch, ele ordenou que os policiais Antonio Carlos Paiva Hornung, Flávio Caparelli de Andrade e Luiz Delani Pereira libertassem o ex-sargento. Porém, o promotor de Justiça Claudio Tovo questionou:

Interessante o cuidado com o preso que

ia ser posto em liberdade! Trouxeram-no

entre dois policiais, no jeep, como é costume

com os delinquentes em geral, para que

não tentem fugir e, depois, trancafiaram-

no no xadrez seguindo rigorosamente as

ordens recebidas’. Mas Manoel Raymundo

foi posto em liberdade mesmo? Ou sua

assinatura (no documento de libertação) foi

obtida por meios fraudulentos? A resposta

não a primeira indagação e sim a segunda

se impõe antes os indícios apurados até

agora’. Na verdade, porém, ninguém viu

Manoel Raymundo Soares sequer descer

as escadarias do prédio da avenida João

Pessoa, onde funciona a DOPS. Entre 13

(data da suposta libertação) e 24 de agôsto

(data do encontro do cadáver da vítima),

não há a menor notícia de um suspiro, ao

menos, de Manoel, fora das dependências

do DOPS. Nenhum rastro ou vestígio sequer

de um passo de Manoel fora dos umbrais do

DOPS. E não é crível que o DOPS o deixasse

ir assim em paz em se tratando de um

agente subversivo.Não lhe tomaria ao menos

Page 11: TABARÉ #15

agosto/2012 #15 11

O Planeta Plutão, que desde 1 de maio de 1930 está

presente na elite planetária do Sistema Solar, corre sérios riscos de ser rebaixado ainda

nesta temporada. Se a ameaça se concretizar, 134340 Plutão (seu nome por extenso) estará junto com Ceres,

Haumea, Makemake e Éris na categoria de planetas-anões.O destino de um dos mais famosos planetas, nos próximos

dias, pode ganhar contornos trágicos. Os adeptos plutonistas certamente não imaginavam passar por este momento de aperto.

Muitas coisas podem ser ditas como razões para este mau momento vivido pelo grandioso décimo objeto mais massivo observado diretamente

orbitando o Sol. Uma delas é a má gestão, que não permitiu ao planeta ser gravitacionalmente dominante, como exige a União Astronômica Internacional.Entretanto o momento não é de reflexão, e sim de mobilização. É o que defende

Agapios Tombaugh, bisneto de Clyde Tombaugh, descobridor do planeta:� A comunidade plutonista tem que se unir. É neste momento que aparecem

os verdadeiros amantes de um planeta. Vamos dar apoio aos defensores da causa e dia 24 mostrar que somos grandes. Afinal, são 1,665 × 107 km² de área!

Mas o futuro pode ser alentador para os plutonistas, com a comunidade prometendo continuar com seus esforços e carinho

para com o planeta mesmo com o possivel rebaixamento. No dia 24 de agosto teremos uma

decisão se Plutão será rebaixado ou não.

Há 6 anos em Tabaré (20/08/2006)

[Maíra O

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Plutão luta contra o rebaixamento

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CLASSIFICADOS

Eu tE amoassina o Tabaré

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[Martino Piccinini]O ossobó de S.Tomé

TABARÉ