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tá gravando. e agora? Kéfera Buchmann

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tá gravando.e agora?

Kéfera Buchmann

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Copyright © 2016 by Kéfera Buchmann

A Editora Paralela é uma divisão da Editora Schwarcz S.A.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

capa Tamires Cordeiroprojeto gráfico e ilustrações Cleber Rafael de Camposfotos de capa e miolo Gabriel Wickboldfoto da página 16 ©Renato Paradapreparação Carina Munizrevisão Luciane Gomide Varela, Ana Luiza Couto e Valquíria Della Pozza

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Buchmann, KéferaTá gravando. E agora? / Kéfera Buchmann. — 1ª- ed —

São Paulo: Paralela, 2016.

ISBN 978-85-8439-034-2

1. Buchmann, Kéfera 2. Humor 3. Internet - Vídeos 4. Vlogs (Internet) 5. YouTube (Recurso eletrônico) I. Título.

16-05685 CDD-303.4833

Índice para catálogo sistemático:1. Vídeo: Blogs : Internet: Comunicação digital 303.4833

[2016]Todos os direitos desta edição reservados àeditora schwarcz s.a.Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 3204532-002 — São Paulo — sp Telefone: (11) 3707-3500Fax: (11) 3707-3501www.editoraparalela.com.br [email protected]

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Meu primeiro livro, Muito mais que 5inco minutos, ficou tão legalzinho (modéstia à parte) e vendeu tão bem (amém!) que as pessoas até duvidaram de que ele tivesse sido escrito por mim. Afinal, escrever um livro não é uma tarefa fácil. E se teve gente que achou que o livro ficou tão bem-feito a ponto de não poder ter sido escrito por mim, talvez eu deva consi-derar isso um elogio (ou talvez seja a hora de procurar um cirurgião plástico e pedir para ele colar a cara de uma pessoa inteligente em mim).

Durante e depois do período de lançamento do livro, fiquei feliz com tudo o que ouvi e li sobre ele. A maioria foi só coisa boa. Foram 400 mil cópias vendidas (até a metade de 2016, quando este livro entrou em gráfica). E o número conti-nua crescendo! Com o passar dos anos, a tendência é vender mais e mais (se Deus quiser, mas se não quiser a gente dá um jeito de subornar para que Ele queira. Não é assim que as coisas funcionam no Brasil? Brincadeira. Ou não).

Aos que não gostaram do meu primeiro livro e estão putos por eu ter escrito o segundo, meu sincero

introdução

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sinto muito!

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sinto muito!

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Já comecei o livro sendo maldita, grossa e criando um climão. Desculpem, vou tentar retomar a simpatia. Afinal, se você está lendo meu segundo livro, creio que seja porque gosta de mim. Se não gosta, está lendo para sofrer, então pare agora, porque é burrice.

ai, meu deus, desculpa! fui grossa de novo

Tô na tpm. Me deem um desconto, vai. Queria agradecer a todos que compraram o primeiro livro e que vão comprar o novo. Fica aqui meu muito obrigada por mais este sonho rea-lizado. Toma aqui um coraçãozinho para vocês:

Sobre os haters que criticaram o primeiro livro, nunca duvidei da capacidade das pessoas de ficarem frustradas com o sucesso alheio. É cada vez mais difícil achar gente boa por aí.

“Boa” que eu quero dizer é aquele tipo que torce para o bem dos outros e fica feliz com as conquistas alheias.

Já perceberam como hoje as pessoas lidam cada vez pior com gente que está na mídia tendo seu valor reconhecido? Mas entendo em parte que deve ser estranho uma menininha de 22 anos virar best -seller com seu primeiro livro logo na pré -venda. (Livro que, na época do lançamento deste segundo, segue na lista dos mais vendidos no país todo.)

Ouvi muito “Mas você é tão nova, o que tem de tão impor-tante para falar?”. Bem, relembrando: achei que algumas pes-soas se interessariam em saber o que eu tinha para dizer. Eu mesma me surpreendi com a explosão de vendas do primeiro livro. Sabia que tinha um público grande, mas não tinha ideia de quantas pessoas poderiam querer ler meu livro.

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Antes de começar o livro em si, faço questão de dividir com vocês todas as teorias conspiratórias que ouvi sobre eu não ter escrito o livro. Sim, não são poucas.

1. A primeira afirma que eu teria contratado um ghost-writer, um “escritor fantasma”. O cara escreve todo o livro, e depois você leva o crédito por algo que não fez. Sincera-mente? Com a quantidade de bloqueios criativos e “bran-cos” que eu tive, surtos do tipo “ai, meu deus, não vou conseguir!!!”, talvez tivesse sido uma boa opção. Mas sou muito orgulhosa para emprestar meu nome para alguém escrever algo e depois dizer que fui eu. a pior mentira é aquela que você conta para si mesmo. Eu não aguen-taria lançar um livro se cada palavrinha que estivesse escrita ali não tivesse saído das minhas entranhas (credo, escrevi com que parte do corpo o primeiro livro? Enfim, deixa pra lá…).

2. A segunda teoria conspiratória diz que minha mãe, dona Zeiva, teria ditado o livro inteiro para mim enquanto eu digitava. O que tenho a dizer é que isso de fato aconteceu. nos meus trabalhos de escola. Infelizmente, uma hora tive que crescer, e ela parou de ditar coisas para que eu levasse o mérito. (Não, gente, hoje eu e ela não temos orgulho disso. não façam isso em casa.)

3. A Vilma Tereza (minha cachorra) teria escrito o livro. Mas ela não é uma cachorra bobona que dorme o dia inteiro? De acordo com essa teoria, não. Muita gente acha que a Vilma, na verdade, é uma garota prodígio de dois anos, bem baixinha, que veste uma fantasia de cachorro para

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fugir dos holofotes. Já que obviamente uma criança inte-ligentíssima seria muito procurada pela mídia e viraria uma “atração”.

4. A quarta teoria conspiratória reza que o livro teria sido escrito pela cia, que está tentando alienar os adolescen-tes brasileiros para que os Estados Unidos possam tomar o Brasil. Bem, foi uma tentativa frustrada, porque o livro vendeu muito, fazendo com que muitos jovens não leito-res adquirissem o hábito da leitura. Ou seja, eles acaba-ram não ficando alienados. Resumindo: fodeu para a cia.

5. O livro se escreveu sozinho. Misteriosamente, Kéfera dei-xou um bloquinho de notas em cima da mesa da cozinha e foi dormir. No dia seguinte, quando foi escrever “repolho” em sua lista de mercado, segundos antes de lembrar que repolho lhe dava muitos gases, ela percebeu que o bloqui-nho estava inteiro rabiscado. Será que um duende tinha escrito o livro durante a madrugada? Kéfera, se achando muito esperta, digitou tudo o que o duende escreveu no WordPad e enviou na mesma hora para todas as editoras do Brasil com uma ameaça anexa: “escrevi um livro, saí correndo, pau no c* de quem tá lendo”.

A sexta teoria conspiratória fica por sua conta, caro leitor:

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Chega de blá-blá-blá e vamos ao que interessa. Este segundo livro fala sobre o meu canal no YouTube. Mas, se você acha que ele contém a fórmula mágica de como conseguir milhões de views, pare de ler imediatamente. Não existe nem nunca exis-tiu receita para mim.

As pessoas me perguntam com frequência o que eu diria para um aprendiz de youtuber, e sempre me atrapalho na hora de responder. Lógico que tenho dicas, sim. Aliás, este livro traz várias dicas que ajudam a entender mais sobre o processo criativo que é começar um canal. Mas também serve para quem quiser dicas sobre como criar de maneira geral.

Uma receita do tipo “poste dois vídeos por semana que vai ser sucesso” infelizmente não existe. Acaba sendo um pouco uma coisa de destino + sorte + empatia de quem te assistir + a vontade dessas pessoas de querer divulgar seu vídeo + mis-térios do universo + forças ocultas + duas xícaras de farinha + três ovos… Brincadeira, só queria ver se você ainda estava lendo mesmo. Relaxa, não tem ovo na história (quer dizer, eu já fiz um vídeo quebrando um ovo na cabeça, mas deixa pra lá, não foi muito inteligente da minha parte).

Tudo o que fiz até hoje foi com esforço e com o meu sexto sentido 100% ativado. Muitas vezes sem nem saber direito o que eu estava fazendo.

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o nascimento do canal Com dezessete anos, eu estava mais perdida que aquele seu amigo que bebe todas na balada e precisa de ajuda para pegar um táxi para voltar pra casa. Eu não sabia o que fazer da vida e estava no meu ano de vestibular. Ou seja, estava oficialmente na merda. Já fazia teatro desde nova, mas não era neta do Tony Ramos, não tinha amigos no Rio de Janeiro, não era esperta o suficiente para ter um plano infalível de invadir o Projac e obrigar o Walcyr Car-rasco a me colocar como protagonista da sua próxima novela. Não tinha nenhum parente nem perto de ser famoso. Isso signi-fica que nem papel de figurante em Malhação eu conseguiria.

Eu sabia o que sentia vontade de fazer pelo resto da minha vida: atuar. Mas infelizmente não via como ter um futuro nesse ramo se continuasse morando em Curitiba e tendo a vidinha normal que eu levava. Só que também não tinha grana para me mudar para o Rio de Janeiro e passar o resto da vida fazendo testes para conseguir uma ponta num comercial ou outro.

Sempre fui muito ansiosa. Com oito anos me sentia cul-pada por ainda não ser bem-sucedida. Sério. Sempre fui muito paranoica com isso de achar que eu estava muito longe de

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onde deveria estar. Desde aquela época já sonhava alto. Afinal, sonhar não tem contraindicação (tem???).

A cada fim de ano que chegava, meu desespero aumen-tava, e eu ficava perguntando para os céus o motivo da minha existência, se eu era apenas mais uma criança normal. nunca quis ser normal. Lembro que, desde muito nova, todo Réveillon eu olhava para o céu depois da meia-noite, sozinha em algum canto da casa, e repetia milhares de vezes até cair no sono: “Este será o meu ano”.

Mas esse ano nunca chegava. E, apesar de eu executar muito bem desde sempre a tal lei da atração, mesmo sem saber o que isso era direito, as coisas não estavam indo bem. Não da maneira como eu queria que estivessem acontecendo. Observação: se você não conhece a lei da atração, dá um Google aí e se informa, porque é algo muito bacana e que pode te ajudar na vida. :)

Em 2010, a febre dos vlogs chegou ao Brasil. Uma febre que já tinha tomado conta dos Estados Unidos. Quando os pri-meiros canais brasileiros surgiram, já existiam youtubers que eram endeusados na gringa há pelo menos uns seis anos. E, no desespero, depois de assistir a vídeos bons e ruins, pensei: “Por que não?”. O máximo que podia acontecer era sair um vídeo péssimo, sem qualidade, de alguém que pareceria uma esqui-zofrênica falando sozinha com uma câmera no próprio quarto. E assim foi.

Em um sábado, no dia 24 de julho de 2010, estava eu de madrugada assistindo a esses tais vlogs, de tudo quanto era tipo de gente. Estava focada em tentar achar um tema incrível para fazer um primeiro vídeo meu. Já tinha criado a coragem de gravar, só não sabia sobre o que falar.

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Nunca fui uma garota que faz a linha fofa, tipo a Sandy, que não faz cocô, sabe? Eu era toda moleca. Então pensei que fazer um canal sobre tutoriais de maquiagem ou ensinando a fazer um penteado “bafônico” para a formatura não seria nada a minha cara. Muitas gringas faziam isso, e, por mais que quisesse tentar fazer a linha blogueira- princesa, nem amarrar o cabelo direito eu sei. Imagina tentar fazer vídeos ensinando penteados? Minhas dúvidas só aumentavam. Eu não sabia como iria desenvolver um conteúdo que ficasse legal para o público. Aliás, nem sabia se teria público.

E, pior, não tinha a menor noção de qual público eu que-ria atingir. Pensei que um personagem facilitaria as coisas. Mas, depois de tanto quebrar a cabeça, resolvi interpretar a personagem que sei viver melhor: eu mesma.

Optei por não vestir nenhuma máscara e/ ou criar uma personalidade que não fosse a minha. Me arrisquei a mostrar quem eu era de verdade. A menina desbocada que soltava a língua e deixava o espírito falar sem pensar nas consequências.

Meu primeiro vídeo foi sobre vuvuzela. Tudo isso por culpa do meu vizinho, aquele pentelho. Às cinco da manhã, sábado, dia 24 de julho, meu vizinho querido abriu a janela para soprar uma vuvuzela. Aquele barulho logo de madrugada me deixou nervosíssima, sem contar o quase ataque cardíaco que eu tive.

Saí da frente do computador no maior ódio, abri a janela para gritar um “Vai tomar no cu” com toda a minha força e… clic! A ficha caiu. meu primeiro vídeo seria sobre uma vuvuzela. Sobre o barulho irritante que aquele berrante de plástico criado pelo capiroto era capaz de fazer. Afinal de

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contas, eu (assim como o resto do mundo) estava de saco cheio daquela coisa.

Você pode achar que eu tinha fumado alguma substân-cia suspeita, mas interpretei o barulho da vuvuzela como um sinal mágico do universo. Como se tivessem gritado “Taí seu tema, sua pentelha! Vai logo gravar essa porra”. Mas, como tenho mania de problematizar tudo, fiquei com medo de que as pessoas, ao verem meu vídeo, pensassem que se tratava de um canal sobre futebol ou esportes em geral. Na minha cabeça essa associação era possível, uma vez que as vuvuzelas foram feitas para ser usadas durante os jogos da Copa.

No dia seguinte, domingo, 25 de julho, era para eu ter ido almoçar com a minha avó, como de costume. Todo domingo, almoço em família. Mas falei para a minha mãe que não iria porque queria gravar “um negócio aí”. Ela já sabia que há anos eu tinha vontade de fazer vídeos. Anos mesmo.

Desde os meus nove anos, a gente brincava de me gravar. Eu era apresentadora de um jornal que só noticiava tragédias. Ela ficava sentada no sofá me filmando junto com uma ami-guinha. Confesso que éramos um pouco dramáticas. Dávamos notícias de pessoas que tinham perdido “cinquenta xícaras de sangue”. É, a gente passava uma média de quantas xícaras as pessoas perdiam por acidente. Um tanto quanto doentio para ser uma brincadeira de crianças de nove anos, né?

Mas já ficava evidente ali a minha vontade de ser psicopata trabalhar perto das câmeras. Fora um outro vídeo superfofo de quando eu tinha menos de dois anos e minha mãe falava: “Filha, imita a velhinha!”. Eu amarrava uma fralda na cabeça, ficava cor-cunda, mãozinhas para trás, e andava mancando. Com menos de

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dois anos, já tinha meu primeiro personagem. E nem sei como ele surgiu direito. Só que minha família vivia me pedindo para imitar pessoas e eu atendia, até chegar à idade em que comecei a ficar envergonhada de tudo. E virei uma criança tímida.

É, eu sei que é um choque imaginar que já fui tímida. Mas, sim, isso aconteceu. Minha mãe, quando eu tinha uns doze anos, sugeriu novamente de gravarmos vídeos para postar “na rede” (sim, ela usou essas palavras). Mas minha vergonha não me deixou ir em frente: eu chegava ao ponto extremo de ter vergonha da minha própria mãe. Ela achava algo que eu fazia bonitinho, pedia para que repetisse e eu olhava para ela com aquela carinha de gatinho do Shrek, como quem diz “pelo amor de Deus, não me obrigue a fazer isso de novo”.

Com o tempo fui me soltando, mas, cá entre nós, às vezes tenho mais vergonha de fazer um trabalho na frente dela do que de um grande diretor. É como se eu quisesse impressionar e orgulhar minha mãe mais que tudo, seja no teatro ou no cinema (“cinema? você disse cinema???” Sim!!! Os vídeos no YouTube me levaram para o meu sonhado rumo e, meu deus, eu fiz um filme e fui protagonista!!! *surto*).

Recapitulando, quando eu disse que finalmente gravaria meu primeiro vídeo para postar na internet, dona Zeiva (que odeia ser chamada de “dona”, mas eu chamo para irritá-la mais ainda) adorou a ideia e me incentivou bastante. Ela só esperava que eu mostrasse para ela antes de fazer o mesmo com o mundo.

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Um profissionalismo impecável: uma câmera de 7.2 megapixels apoiada em uma pilha de apostilas (que eu deveria estar usando para estudar, e não como tripé para câmera. Tá explicado por que eu não me formei em medicina, por exemplo, né?). Era um abajur para a direita, outro para a esquerda e um espelho atrás da câmera, já que o visor da minha Cyber-shot não virava para mim e eu precisava ter noção se estava aparecendo no quadro.

Se eu gravasse um vídeo inteiro em que tivesse cortado metade do meu rosto, ficaria bem puta. Meu primeiro “cená-rio” foi um armário marrom, e havia várias fórmulas de quí-mica coladas nele. Tudo planejado pela melhor designer do momento: a vestibulanda Kéfera. As fórmulas foram úteis para a minha mãe achar que eu realmente estava estudando. não que eu não estivesse, mas, cá entre nós, aquelas fór-mulas grudadas na parede acabaram virando mais um papel de parede, parte da decoração do meu quarto. Nem lembrava mais que elas estavam lá, muito menos lia o que estava escrito nos papéis.

Abri meu guarda-roupa e fiquei desesperada revirando blusas, vestidos, calças e até botas (até eu lembrar que só apa-receria do busto para cima, ou seja, por que diabos estava me

1,2,3. começou a produção!

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preocupando em criar um look digno de ir para a São Paulo Fashion Week???). Depois de muito procurar, optei pelo que eu usava desde sempre, há anos: camisa xadrez e meu brinco de pérola (excelente combinação, tá explicado por que não sou blogueira de moda).

Aí chegou a hora da maquiagem, que foi um Deus nos acuda! Lá fui eu esquentar o curvex com secador. Você que é menina deve estar lendo isto agora e gritando: “ai, meu deus, eu também faço isso!!!”. Pois é, amiga leitora, bem-vinda ao mundo de quem nasceu com cílios curtos e retos, iguais aos de um cavalo.

Passa rímel, passa blush e percebe que exagerou no blush. Aí taca pó compacto em cima para amenizar o efeito “chinelada na cara”. Vê que ficou parecendo um boneco de cera que mer-gulhou dentro de uma bacia de pó de arroz. Passa lenço dema-quilante e esbarra a mão no rímel. Tira o rímel de um olho, passa de novo. Depois passa batom. Tira o batom, afinal aquele vermelho borrado te deixou com cara de bêbada.

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denise.ono
Retângulo
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Então lembra que esqueceu de passar delineador. Tira o rímel de novo e passa delineador. Quando consegue fazer o gatinho perfeito em um olho, passa para o outro e faz uma cagada enorme. E lá vamos nós novamente! Tenta arrumar o outro lado, vai engrossando o delineador dos dois até que percebe que ficou parecendo um panda. Nisso, já foi parar pó compacto dentro do olho, que a essa altura já ficou vermelho. Aí taca colírio e tira toda a meleca que você fez. Passa tudo de novo, e depois de três vezes passando e tirando todo o reboco… ufa! Você consegue terminar a maquiagem.

Várias coisas passando pela minha cabeça. Será que vou con-seguir? Será que não vou ter crise de riso falando sozinha com uma câmera? Será que vai ficar bom? Será que alguém além da minha mãe vai assistir ao meu vídeo? Será que vão dar muitos dislikes? Parêntese: depois de anos no YouTube, descobri que dislike em vídeo é o que menos importa. É só uma maneira de os haters que não fazem crítica construtiva se expressarem. Como eu não sabia de coisas como essa, segui me preocupando: será que vão me xingar? e por aí vai.

Altas paranoias, vários desesperos, muita pizza no sovaco e suadeira nas costas. Não aguentava mais passar desodorante para ver se acalmava a coitada da minha axila. Hoje vejo que era só um vídeo. Eu estava sozinha, então se ficasse com vergo-nha de mim mesma era só parar com tudo, apagar o vídeo da câmera, jogá-la pela janela e fim da história.

O.k. Respira…1, 2, 3 e…

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Meu primeiro vídeo mostra uma menina insegura de dezessete anos que não sabia o que estava prestes a acontecer na sua vida. E, por mais que me faltassem desenvoltura e intimidade com a câmera, não foi tão desconfortável conversar sozinha. Só me perdi um pouco no tempo. Talvez eu tenha ficado uma hora falando sem parar com a câmera para conseguir transformar aquele monólogo todo em cinco minutos de vídeo.

Como não tinha feito um roteiro (e até hoje não faço) e aquele era o primeiro vídeo, eu não tinha ideia do quanto tinha que falar para conseguir aproveitar cinco minutos de material depois. Eu tinha noção de que iria editar o vídeo, óbvio. Mas não sabia quanto precisaria improvisar até chegar ao compi-lado ideal de cortes.

Depois de tanto falar, indo da vuvuzela às crianças que estavam gritando no playground do prédio enquanto eu gra-vava, fui enfim concluindo o vídeo. Só que, perto do fim, minha cabeça me trouxe um novo desespero: que nome dar para o canal? Todo canal tinha um nome superlegal na época. Nomes criativos. Eu queria que o meu tivesse um bom nome também.

E finalmente chegamos à parte em que posso dar alguns toques para você que quer criar um canal no YouTube. Já disse que não existe uma receita para o sucesso garantido na inter-net, mas essas dicas podem te ajudar um pouquinho, pelo menos.

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