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DIRETRIZES CURRICULARES PARA O CURSO DE PEDAGOGIA NO BRASIL: UM TEMA VULNERÁVEL ÀS INVESTIDAS IDEOLÓGICAS Carmem Silvia Bissolli da Silva (UNESP) Introdução Desde a metade da década de 90, sobretudo a partir de dezembro de 1996 com o estabelecimento das diretrizes e bases da educação nacional por meio da Lei 9.394, o curso de pedagogia passou a se configurar dentre os temas mais polêmicos a serem regulamentados pela legislação complementar em andamento no país. Os conteúdos de três artigos da nova lei foram responsáveis pelos impactos iniciais que se transformaram na atual celeuma em relação a ele: o artigo 62 que introduz a figura dos institutos superiores de educação para responder, juntamente com as universidades, pela formação de docentes para atuar na educação básica; o artigo 63 que, em seu inciso I, institui, dentre os cursos a serem mantidos por esses novos institutos, o curso normal superior destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental; por fim, o artigo 64 que fixa duas instâncias alternativas à formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, quais sejam, os cursos de graduação em pedagogia ou o nível de pós-graduação. Do impacto inicial surgiram algumas especulações, e, dentre elas, a que se referia à possibilidade de intenção velada, por parte dos condutores da aprovação da nova lei, da extinção gradativa do curso de pedagogia no Brasil. Com efeito, uma análise, mesmo que rápida, dos dispositivos acima indicados permitiu que se fizesse a previsão de que, com o tempo, o curso perderia suas duas mais antigas funções. Realmente, já se via com os dias contados sua função de preparação pedagógica do magistério em nível médio uma vez que, esse nível de ensino, na modalidade Normal - ainda admitido, pelo artigo 62 da LDB, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental - entraria em processo de desaparecimento. De fato, em suas disposições transitórias, a nova lei estabelece o prazo limite de tal concessão quando, por meio do § 4º do artigo 87 determina que no final da Década da Educação - que teria início, segundo o “caput” do artigo, um ano após a publicação da lei -, apenas serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados

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  • DIRETRIZES CURRICULARES PARA O CURSO DE PEDAGOGIA NO

    BRASIL: UM TEMA VULNERVEL S INVESTIDAS IDEOLGICAS

    Carmem Silvia Bissolli da Silva (UNESP)

    Introduo

    Desde a metade da dcada de 90, sobretudo a partir de dezembro de 1996 com o

    estabelecimento das diretrizes e bases da educao nacional por meio da Lei 9.394, o

    curso de pedagogia passou a se configurar dentre os temas mais polmicos a serem

    regulamentados pela legislao complementar em andamento no pas. Os contedos de

    trs artigos da nova lei foram responsveis pelos impactos iniciais que se transformaram

    na atual celeuma em relao a ele: o artigo 62 que introduz a figura dos institutos

    superiores de educao para responder, juntamente com as universidades, pela formao

    de docentes para atuar na educao bsica; o artigo 63 que, em seu inciso I, institui,

    dentre os cursos a serem mantidos por esses novos institutos, o curso normal superior

    destinado formao de docentes para a educao infantil e para as primeiras sries do

    ensino fundamental; por fim, o artigo 64 que fixa duas instncias alternativas

    formao de profissionais de educao para administrao, planejamento, inspeo,

    superviso e orientao educacional para a educao bsica, quais sejam, os cursos de

    graduao em pedagogia ou o nvel de ps-graduao.

    Do impacto inicial surgiram algumas especulaes, e, dentre elas, a que se

    referia possibilidade de inteno velada, por parte dos condutores da aprovao da

    nova lei, da extino gradativa do curso de pedagogia no Brasil. Com efeito, uma

    anlise, mesmo que rpida, dos dispositivos acima indicados permitiu que se fizesse a

    previso de que, com o tempo, o curso perderia suas duas mais antigas funes.

    Realmente, j se via com os dias contados sua funo de preparao pedaggica do

    magistrio em nvel mdio uma vez que, esse nvel de ensino, na modalidade Normal -

    ainda admitido, pelo artigo 62 da LDB, como formao mnima para o exerccio do

    magistrio na educao infantil e nas quatro primeiras sries do ensino fundamental -

    entraria em processo de desaparecimento.

    De fato, em suas disposies transitrias, a nova lei estabelece o prazo limite de

    tal concesso quando, por meio do 4 do artigo 87 determina que no final da Dcada

    da Educao - que teria incio, segundo o caput do artigo, um ano aps a publicao

    da lei -, apenas sero admitidos professores habilitados em nvel superior ou formados

  • 2

    por treinamento em servio. Sua outra funo, aquela que se refere formao daqueles

    que j foram denominados tcnicos em educao e, posteriormente, especialistas da

    educao pelas legislaes anteriores, era vista, tambm, como candidata ao

    desaparecimento gradativo, com incio nas regies ou, pelos menos, nos locais em que

    se pudesse adotar o nvel de ps-graduao para se efetuar a formao dos profissionais

    de educao para administrao, planejamento, inspeo, superviso e orientao

    educacional.

    Das outras duas funes do curso de pedagogia que, se no to antigas quanto as

    primeiras, vinham nele se instalando sobretudo a partir do final da dcada de 60,

    tornando-se, em alguns deles, suas funes principais, uma j se fazia, pela nova LDB,

    deslocada para fora do mbito do mesmo. Trata-se, nesse caso, da funo

    correspondente formao de docentes para a educao especial. Com efeito, quando,

    por meio do inciso III do artigo 59, a Lei determina que os sistemas de ensino garantam

    atendimento especializado aos educandos com necessidades especiais, refere-se

    claramente a professores com especializao adequada, obtida em nvel mdio ou

    superior. Se interpretada ao p da letra, tal formao deveria ser contemplada com a

    categoria de especializao, devendo, pois, passar a ocorrer aps o trmino de qualquer

    um dos cursos de formao de professores, em nvel mdio ou superior. Deixaria de

    constar, ento, como uma das funes do curso de pedagogia. A corroborao dessa

    interpretao pode ser encontrada nesse mesmo inciso III quando introduz a exigncia

    de que os professores do ensino regular estejam capacitados para a integrao dos

    educandos com necessidades especiais nas classes comuns. Seria lcito considerar-se,

    ento, que os professores, em geral, encontrar-se-iam neste caso, e a especializao

    tornar-se-ia passvel de ser oferecida, tanto em nvel mdio quanto no superior, a todos

    que conclussem sua formao como professor.

    Essas especulaes deram origem certeza de que, a mdio e a longo prazos, a

    sobrevivncia do curso de pedagogia nas diferentes realidades brasileiras, dependeria,

    de como fosse encaminhada outra de suas funes: a de preparao de docentes para a

    educao infantil e para as primeiras sries do ensino fundamental. Tendo sido

    incorporada ao curso no final da dcada de 60 como extenso de sua antiga funo

    referente formao pedaggica do magistrio de nvel mdio, passou a constar

    posteriormente, sobretudo a partir da dcada de 80, como uma das habilitaes do

    prprio curso, passando a ser, em muitos casos, exigida como pr-requisito para as

    demais ou, em outros, transformada em habilitao nica do curso. A perspectiva era,

  • 3

    portanto, a de que, numa nova legislao sobre o assunto, esta se tornaria sua funo

    basilar.

    A certeza de que a preservao dessa funo no Curso de Pedagogia dependeria

    de como os legisladores quisessem se comportar perante os artigos 62, 63 e 64 da nova

    LDB estava pautada numa desconfiana. Desconfiana fundada na possibilidade de que

    esses artigos, da maneira como se apresentavam, pudessem se constituir em objeto de

    uma interpretao forjada que expropriasse do curso essa funo. Isto porque se o artigo

    63, inciso I, da nova LDB faz um direcionamento explcito dessa funo ao curso

    normal superior, ela a omite, porm no a probe, quando se refere, no artigo 64, ao

    curso de pedagogia. E essa omisso poderia ser suficiente aos interessados em dar

    outros encaminhamentos a ele.

    Essa desconfiana foi se intensificando conforme foi se tornando mais ntida a

    poltica educacional iniciada em 1995 sob os reflexos do alinhamento da nao aos

    ditames da nova ordem mundial (Bissolli da Silva, 1998). Com tais orientaes, a

    reorganizao do sistema de formao de educadores no ficaria inclume s

    consequncias da retrao do Estado tanto em relao rea da produo quanto dos

    servios. Nesse sentido, estaria coerente com a idia de reduo de custos e de

    privatizao entender a formao de professores para a educao infantil e para as sries

    iniciais do ensino fundamental como tarefa exclusiva do curso normal superior. As

    faculdades de educao, j em sua maioria sob domnio da iniciativa privada, se

    transformariam, alm de outros que fossem criados, em institutos superiores de

    educao e, ao cuidarem com exclusividade dessa formao, aliviariam a presso que,

    de outro modo, recairia sobre as universidades pblicas. Alm, claro, de se poder

    produzir profissionais menos crticos e questionadores, alheios dinmica da pesquisa e

    do debate acadmico, evitando portanto, a formao daqueles que podem se tornar,

    utilizando os termos de Perrenoud contestadores em potencial ou, pelo menos,

    interlocutores incmodos (1999, p.8).

    A desconfiana quanto a possibilidade do predomnio dessa vertente em relao

    interpretao dos dispositivos da LDB, reaqueceu a mobilizao das entidades de

    educadores e estudantes mais ligadas ao assunto (Brzezinski, 1999).

    Foi nesse contexto de desconfiana quanto possvel interpretao de, pelo

    menos, parte dos membros dos organismos oficiais encarregados de lidar com o tema,

    que se passou a tratar das diretrizes curriculares para o curso de pedagogia. Sabia-se

    que, em atendimento Lei Fed. n 9.131/95, a proposta deveria partir do Ministrio de

  • 4

    Educao, cabendo Cmara de Educao Superior do Conselho Nacional de Educao

    (CES/CNE) deliberar sobre a matria (artigo 9, 2, alnea c). Sabia-se, tambm, que

    essa no seria uma tarefa de fcil encaminhamento, a qual, em 1997, apresentava sinais

    de que estaria por ser iniciada. Todavia, no se tinha clareza sobre como ficariam as

    funes do curso. Os organismos oficiais ainda no haviam se colocado sobre o tema

    mas a resistncia j estava formada, inclusive porque j se sabia, de antemo, o que se

    poderia encontrar pela frente. As questes ideolgicas envolvidas na poltica

    educacional brasileira j estavam suficientemente claras para que se enfrentasse

    ingenuamente o assunto (Brzezinski, 1997). Alm disso, j se tinha adquirido muita

    experincia em relao ao debate sobre ele. Afinal, no se tratava de um assunto

    inusitado. Pelo contrrio. O debate sobre a questo das funes do curso de pedagogia

    fez-se presente durante toda sua histria (Bissolli da Silva, 1999). Alm do mais, tm-se

    reconhecido que tal questo reflete uma outra mais ampla, que se refere questo de

    identidade da pedagogia enquanto campo de conhecimento (Brzezinski, 1996; Bissolli

    da Silva, 1999). Da a considerao da fragilidade de que se reveste esse campo,

    tornando-se propcio s investidas de outras reas e esferas que no a do pessoal nele

    envolvido.

    por essa vertente que este trabalho ser encaminhado. Com o objetivo de

    melhor enfocar a vulnerabilidade com que o tema a respeito das diretrizes curriculares

    do curso de pedagogia se apresenta frente aos encaminhamentos da atual poltica

    educacional no Brasil, sero tratadas anteriormente essas duas questes mais gerais que

    o envolvem e que atestam sua fragilidade: a referente identidade da pedagogia e do

    curso de pedagogia.

    A questo da identidade da pedagogia

    Cada vez mais presente na dinmica das prticas sociais, a educao

    caracteriza-se por sua vasta amplitude, compreendendo extensa variedade de processos,

    sejam eles do mbito da educao formal ou informal, intencional ou no intencional.

    Consequentemente, so muitas as categorias profissionais j envolvidas e as que, cada

    vez mais, tendem a se envolver nas vrias tarefas a existentes.

    Por serem muitos os fatores que interferem e se inter-relacionam nas diferentes

    situaes educativas, elas assumem a condio de fenmenos multi-facetados. Em

    decorrncia, so tambm diversificados os campos de estudos que se aplicam

    investigao desse imenso universo educacional. Da o desenvolvimento das

  • 5

    denominadas cincias da educao, que, quanto mais possam se debruar,

    intencionalmente, ao estudo de facetas que compem o fenmeno educativo, mais

    ampliaro seu reconhecimento enquanto suporte indispensvel aos estudos e pesquisas

    educacionais em geral. Porm, o grande impasse sempre foi o de como posicionar a

    pedagogia em relao a elas.

    Foi na segunda metade da dcada de 70 que essas questes comearam a ganhar

    mais clareza no mbito das discusses a respeito da reformulao dos cursos de

    formao de educadores no Brasil. As reflexes de Saviani (1976) a respeito da

    definio de pedagogia podem ser consideradas como um marco para a retomada dos

    estudos sobre as mesmas. Nessa poca, Saviani, a partir da recuperao dos mltiplos

    enfoques com os quais pedagogia vinha sendo conceituada cincia da educao, arte

    de educar, tcnica de educar, filosofia da educao, histria da educao, teologia da

    educao e teoria da educao , concluiu por consider-la como teoria geral da

    educao, isto , como sistematizao a posteriori da educao e, portanto,

    construda a partir e em funo das exigncias da realidade educacional (1976, p.19).

    Para ele, as bases histrica, filosfica, cientfica e tecnolgica deveriam ser

    consideradas apenas e to-somente na medida em que permitissem a compreenso da

    educao, de modo sistematizado, e, portanto, coerente, uma vez que se articulam

    dialeticamente a partir das exigncias da realidade educacional (1976, p.20).

    Contudo, foi apenas na dcada de 90, que alguns estudos, acompanhando as

    tendncias das discusses ocorridas sobretudo em pases como Frana, Espanha e

    Portugal, passaram a fundamentar uma concepo de pedagogia enquanto cincia da

    prtica educativa. Salientam-se, nesse caso, trabalhos como os de Mazzotti (1996), de

    Pimenta (1996, 1997) e tambm de Libneo (1997, 1998). A apresentao de algumas

    das concluses a que chegaram estes dois ltimos pesquisadores poder dar uma idia

    das atuais tendncias sobre o assunto no Brasil.

    Libneo definiu pedagogia como teoria e prtica da educao (1998, p.89) e

    apontou a prtica educativa como o objeto peculiar de estudo da cincia pedaggica,

    que d unidade aos aportes das demais cincias da educao (1998, p.61) e estuda o

    fenmeno educativo na sua globalidade (1998, p.89).

    As concluses, ainda de carter preliminar, apresentadas por Pimenta guardam

    algumas aproximaes com as de Libneo. Pimenta define a Pedagogia como cincia da

    educao que tem a prtica - a qual se constitui em seu objeto de estudo - como ponto

    de partida e de chegada. Compete a ela, diz a autora, articular os diferentes

  • 6

    aportes/discursos das cincias da educao, ... signific-los no confronto com a prtica

    da educao e frente aos problemas colocados pela prtica social da educao (1997,

    p.70). na idia da educao como objeto inconcluso, histrico, que constitui o sujeito

    que o investiga e por ele constitudo (1997, p.70) que a autora encontra os elementos

    para afirmar que o mesmo no pode ser captado na sua integralidade e sim em sua

    dialeticidade, tal como Saviani j havia entendido anteriormente. A partir da, defende a

    idia desse objeto ser estudado por diferentes mediaes que revelem diferentes

    representaes sobre si e aponta para a necessidade da realizao de investigaes e

    anlises integradas, em equipes multidisciplinares, interdisciplinares e

    transdisciplinares (1997, p.71).

    Pimenta foi bastante cautelosa, e com razo, ao qualificar suas concluses como

    preliminares pois, embora de inestimvel valor para os rumos da pedagogia, elas no se

    encontram ainda suficientemente amadurecidas no meio acadmico para suportar a

    complexidade que caracteriza o tema investigado. At que se possa dispor de uma

    vigorosa resposta s questes envolvidas na definio do estatuto terico da pedagogia,

    esta rea se manter fragilizada quando se tratar de sua traduo para o campo prtico-

    institucional. Como consequncia, permanecer bastante vulnervel s disputas oriundas

    de outras esferas, sobretudo as desencadeadas pelas polticas pblicas referentes

    formao de educadores.

    o que tem acontecido, no Brasil, com o curso de pedagogia e mesmo com a

    formao pedaggica de professores nas licenciaturas em geral. No caso do curso de

    pedagogia, os reflexos dos impasses quanto ao estatuto terico da pedagogia tm se

    feito sentir em sua histria de mais de sessenta anos. As sempre presentes discusses a

    respeito de suas funes e os contnuos conflitos no que se refere sua organizao

    curricular resultaram no que se convencionou denominar como a sua questo de

    identidade. Portanto, a atual celeuma em torno do estabelecimento das diretrizes

    curriculares para o curso de pedagogia no Brasil pode ser considerada simplesmente

    como uma exacerbao do que sempre nele esteve presente. importante, pois, para a

    sua melhor compreenso reconstituir, em linhas gerais, a histria da questo de sua

    identidade.

    A questo da identidade do curso de pedagogia

    O desenvolvimento do curso de pedagogia, no Brasil, foi acompanhado pelo

    questionamento de sua identidade. Tanto que, como demonstrou Bissolli da Silva

  • 7

    (1999), sua histria pode ser considerada como uma histria de busca de afirmao de

    identidade. Nela, essa autora reconheceu trs perodos, nos quais tal questo se fez

    presente de formas distintas. Com base em seu trabalho pode-se, em linhas gerais,

    caracterizar cada um desses perodos conforme exposio a seguir.

    O primeiro perodo da histria do curso de pedagogia ocorreu de 1939 a 1972 e

    pode ser denominado perodo das regulamentaes - por concentrar as etapas em que se

    processaram a organizao e as reorganizaes do curso em conformidade com a

    legislao ento fixada - no qual teve sua identidade questionada. De fato, embora suas

    trs regulamentaes - o Decreto-Lei n 1.190/39, o Parecer CFE n 251/62 e o Parecer

    CFE n 252/69, sendo os dois ltimos de autoria do conselheiro Valnir Chagas -

    representem um esforo no sentido de criar e tentar fortalecer a identidade do curso e,

    consequentemente a do prprio pedagogo, diz Bissolli da Silva (1999, p.93), em

    realidade elas se encontram carregadas de contedos que, contraditoriamente, provocam

    seu contnuo questionamento, completa a autora.

    O segundo perodo da histria do curso de pedagogia ocorreu de 1973 a 1977 e

    pode ser denominado perodo das indicaes - por representar o conjunto de

    encaminhamentos de autoria do ento conselheiro Valnir Chagas ao denominado, na

    poca, Conselho Federal de Educao, visando a reestruturao global dos cursos

    superiores de formao do magistrio no Brasil -, no qual teve sua identidade projetada.

    Algumas dessas Indicaes chegaram a ser aprovadas pelo ento Conselho Federal de

    Educao e homologadas pelo, na poca, Ministro da Educao e Cultura, todavia, aps

    a provocao de uma forte reao de alguns setores envolvidos com o assunto, foram

    sustadas e devolvidas ao Conselho. A partir da idia de formar o especialista no

    professor, o que o conselheiro pretendia fazer era substituir o curso de pedagogia por

    vrios novos cursos e habilitaes, atestando, mais uma vez, a fragilidade do mesmo.

    O terceiro perodo da histria do curso de pedagogia ocorreu de 1978 at 5/12/99

    e pode ser denominado perodo das propostas - por indicar a documentao gerada no

    processo de reviso da formao do educador -, no qual teve sua identidade em

    discusso. O movimento iniciado por professores e estudantes em reao retomada,

    pelo MEC, das Indicaes sustadas no perodo anterior, vinha tendo como interlocutores

    no apenas a comunidade acadmica, mas tambm as instituies universitrias e os

    organismos governamentais interessados no assunto. Da documentao decorrente desse

    perodo, Bissolli da Silva (1999) destacou as seguintes propostas como referncia para

    anlise da questo da identidade do curso de pedagogia: a de 1981, produzida pelo

  • 8

    Comit pr-participao na reformulao dos cursos de pedagogia e licenciatura

    regional de So Paulo; a de 1983, produzida como Documento final do Seminrio

    Nacional de Recursos Humanos para a Educao, promovido pelo MEC, em Belo

    Horizonte; a de 1998, de autoria da ANFOPE (Associao Nacional de Formao dos

    Profissionais da Educao); a de 1998, produzida pelo GT Pedagogia, do V CEPFE

    (Congresso Estadual Paulista sobre Formao de Educadores), promovido pela Unesp,

    em guas de So Pedro; a de 1999, elaborada pela Comisso de Especialistas de Ensino

    de Pedagogia, junto ao MEC. Segundo Bissolli da Silva (1999), o estudo dessas

    propostas evidenciam que, embora haja concordncia com os princpios nucleares

    firmados j no incio do movimento - a docncia como base da formao profissional de

    todo educador, a qual deve supor uma base comum de estudos de forma a conduzir

    compreenso da problemtica educacional brasileira - so variadas as posies quanto

    estruturao dos estudos pedaggicos a serem oferecidos formao dos educadores.

    Visando os objetivos do presente trabalho, uma vez apresentados esses trs

    perodos em suas linhas gerais, torna-se oportuno fazer algumas inferncias a partir do

    trabalho de Bissolli da Silva (1999), conforme apresentao a seguir.

    Em termos gerais, pode-se considerar que a questo da identidade do curso de

    pedagogia fica corroborada por sua retomada histrica. Se no incio do primeiro perodo

    ela esteve apoiada na controvrsia a respeito do contedo prprio da pedagogia e, em

    consequncia, nas posies a respeito da manuteno ou extino do curso, no final

    desse perodo foram sendo estabelecidas as primeiras indicaes de uma resposta

    favorvel ao reconhecimento do campo prprio do conhecimento pedaggico. A crise

    representada pelo segundo perodo pode ser considerada como um desses indicadores e

    as discusses a respeito do estatuto terico da pedagogia a retomadas contriburam para

    que, no perodo seguinte, fosse se consolidando a idia da especificidade do

    conhecimento pedaggico. Contudo, os debates acerca da concepo de pedagogia

    enquanto cincia da prtica parecem no ter sido suficientes para orientar as decises a

    respeito da estruturao de cursos visando a formao de educadores. Os impasses

    atualmente enfrentados quanto s funes e a estruturao do curso de pedagogia, mais

    parecem reproduzir as experincias do passado do que representar os reflexos dos

    estudos a respeito do estatuto terico desse campo.

    A propsito, nesses mais de 60 anos de existncia, o questionamento a respeito

    das funes do pedagogo encontrou sua correspondncia na dificuldade em se indicar a

    categorizao do curso enquanto bacharelado e/ou licenciatura bem como em se

  • 9

    estabelecer a relao entre eles. Instalados como cursos distintos - licenciatura e

    bacharelado - em 1939, tenta-se, em 1962, a concomitncia entre esses dois tipos de

    curso. Em 1969, opta-se por um s diploma o de licenciado, contrariando o

    encaminhamento favorvel ao bacharelado feito pelo conselheiro Valnir Chagas. Sua

    justificativa era a de que o pedagogo no precisa obter um licena atravs da formao

    pedaggica, para efeito de ensino, pois na verdade o pedaggico j constitui o prprio

    contedo do curso de pedagogia. Durante todo o primeiro perodo ficaram mantidas,

    contudo, mesmo neste ltimo caso, as duas funes que haviam sido reunidas num

    nico curso em 1962: a de formao pedaggica do magistrio em nvel mdio e a

    correspondente aos ento denominados especialistas em educao. No que se refere ao

    segundo perodo, em virtude da projeo da formao do pedagogo para o nvel de

    especializao, tal questo a do bacharelado e/ou licenciatura - no se coloca. A partir

    de 1983 e at quase o final do terceiro perodo, ela apenas indireta e difusamente

    ativada na medida em que as tenses giraram, predominantemente, em torno das

    funes e estruturao geral do curso, sem que se focalizasse diretamente a questo dele

    assumir a categoria de bacharelado e/ou de licenciatura. Contudo, em sua fase final,

    mais precisamente aps a aprovao da nova LDB, com o risco do curso de pedagogia

    perder sua condio de licenciatura, o foco das atenes passou a se dirigir para essa

    antiga questo.

    O comentrio feito pelo conselheiro Valnir Chagas, em seu Parecer de 1962,

    quanto ao futuro das ento funes do curso de pedagogia constitui-se numa importante

    evidncia da provisoriedade com se percebia as mesmas nessa poca. Prevendo o

    deslocamento da formao do professor primrio para o nvel superior e a de tcnicos

    em educao para estudos posteriores ao da graduao, o conselheiro considerava a

    possibilidade de que o curso de pedagogia viesse a se ocupar da formao superior de

    professores para os anos iniciais da escolarizao. Tal era a dubiedade sobre as funes

    do curso que esse mesmo conselheiro indicou rumos bem diferentes a ele na dcada de

    70, fato que acabou por se consubstanciar no segundo perodo de sua histria. E o

    impasse acompanhou o terceiro perodo, sobretudo a partir de 1983, com a recuperao

    da proposta de manuteno do curso de pedagogia, reavendo-se, com ela, a discusso a

    respeito da identidade do pedagogo - que se tornou mais visvel por ter sido enfrentada

    de maneira mais explcita. No final desse perodo chegou-se a alguma convergncia

    quanto s funes do curso, por motivos que sero comentados na prxima parte deste

    trabalho.

  • 10

    No que se refere ao aspecto curricular, o primeiro perodo do curso foi iniciado

    por meio de um currculo padronizado e rigorosamente seriado, tendo sido substitudo, a

    partir de 1962, pela fixao de um currculo mnimo, forma essa que orientou, tambm,

    a proposta que caracterizou o segundo perodo. Visando superar tal prtica, introduziu-

    se, no terceiro perodo, a idia de uma base comum de estudos para a formao dos

    educadores, a qual evoluiu, em seu final, para a de eixos norteadores da base comum

    nacional. Essa assuno de totalidade da formao de educadores foi interrompida pela

    maneira como o MEC entendeu sua tarefa em relao idia de diretrizes curriculares

    trazida pela nova LDB, assunto a ser tratado na prxima parte deste trabalho.

    As trs estruturas curriculares desenvolvidas durante o primeiro perodo no se

    fizerem esclarecedoras da questo dos estudos prprios do curso de pedagogia, pois,

    ainda que calcados nas cincias da educao, apresentavam-se, no todo, difusos e sem

    indicaes a respeito da posio da pedagogia frente a elencos diversificados de

    disciplinas. Tal observao pertinente tambm no que se refere ao segundo perodo,

    no se aplicando, porm, em relao ao terceiro, uma vez que, nesse caso, a estrutura

    proposta no se organizava sob a forma de disciplinas. No caso dos dois primeiro

    perodos, pode-se interrogar a respeito da definio de Pedagogia subjacente s suas

    etapas curriculares.

    Foram essas as circunstncias existentes por ocasio do inicio dos trabalhos para

    definio das diretrizes curriculares do curso de pedagogia no Brasil.

    A celeuma em torno das Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia

    Foi no ano seguinte aprovao da nova LDB que as Instituies de Ensino

    Superior (IES) passaram a se preocupar com a questo da elaborao das diretrizes

    curriculares referentes aos diferentes cursos, em atendimento convocao feita pela

    Secretaria de Educao Superior do MEC (SESu/MEC), atravs de seu Edital 04/97, no

    sentido de que as mesmas apresentassem suas sugestes sobre o assunto (Severino,

    2000). Espantosamente, tal convocao no se fez acompanhar e nem foi precedida de

    alguma orientao atravs da qual os rgos competentes pudessem conduzir as IES

    reviso de suas estruturas organizacionais, sobretudo a referente aos seus cursos, de

    forma a adequ-las s necessidades criadas pela nova LDB. Passaram a pensar, ento,

    suas sugestes de diretrizes curriculares para seus diferentes cursos inseridos num

    contexto ainda estruturado sob as orientaes da reforma universitria de 1968. E

    mesmo as estruturas do MEC no haviam sido remodeladas para a nova tarefa,

  • 11

    sobretudo no que se refere formao de professores para a educao bsica. Assim, ele

    passou a conduzir as propostas provenientes de cada um dos cursos das IES para cada

    uma das correspondentes Comisses de Especialistas do Ensino que j vinham

    assessorando a Secretaria de Educao Superior do MEC em suas tarefas referentes a

    eles. Tal prtica iria resultar, necessariamente, numa inadequao em relao s

    licenciaturas e ao Curso de Pedagogia, pelo fato de ambos carecerem de uma profunda e

    integrada reviso, em funo da formao de educadores que a nova idia de educao

    bsica passou a exigir (Arroyo, 1991). No havia, pois, como Comisses de

    Especialistas de Ensino referentes a cada um dos cursos darem conta de tal tarefa,

    mesmo porque apenas alguns cursos de algumas IES contemplaram a parte pedaggica

    em suas propostas. Na realidade, no se tinha clareza de quem estaria responsvel pelas

    diretrizes referentes s licenciaturas.

    No que diz respeito ao Curso de Pedagogia, diante da expectativa em relao ao

    seu futuro, a solicitao do MEC representou a possibilidade das universidades

    comearem a indicar suas propostas segundo suas prprias interpretaes dos artigos 62

    e 64 da LDB, uma vez que ainda nada constava do CNE sobre o assunto. Para as demais

    IES que mantinham o curso de pedagogia, a falta de regulamentao sobre os institutos

    superiores de educao tornava a tarefa ainda mais nebulosa. Difcil tambm parece ter

    sido a situao da Comisso de Especialistas do Ensino de Pedagogia - renovada

    quanto aos seus componentes no incio de 1998 que, alm de no contar, como ponto

    de partida, com a possibilidade de integrar sua tarefa no panorama mais abrangente da

    formao de educadores para a educao bsica, ainda teria que intermediar os conflitos

    histricos decorrentes das diferentes posies a respeito das funes do Curso de

    Pedagogia. Relacionado a isso, como pano de fundo, cresciam as manifestaes

    contrrias criao dos institutos superiores de educao, coordenadas pelas

    associaes, sindicatos e demais entidades envolvidas com o tema da formao e

    qualificao profissional dos educadores.

    Apesar das dificuldades, a referida Comisso foi bastante habilidosa na

    conduo dos trabalhos. Alm de examinar as propostas provenientes das IES dos

    vrios pontos do pas - que no final somaram mais de quinhentas -, estendeu o convite

    para apresentao de propostas s demais entidades nacionais ligadas ao assunto

    (Scheibe, Aguiar, 1999). Uma vez elaborada a proposta da prpria Comisso e

    incorporadas as sugestes provenientes de discusso em reunio aberta efetuada em

    conjunto com as entidades nacionais do campo educacional envolvidas com o curso de

  • 12

    pedagogia, fez-se a divulgao, em 6 de maio de 1999, do documento denominado

    Proposta de Diretrizes curriculares de autoria da Comisso de Especialistas de Ensino

    de pedagogia. Sabe-se que, uma vez na SESu/MEC, l ficou um tempo antes de ser

    encaminhado ao CNE. Tal documento foi bem acolhido pela comunidade acadmica,

    em parte, por ter adotado, no que se refere ao curso de pedagogia, os princpios

    consubstanciados ao longo do movimento representado pela ANFOPE. Em parte,

    tambm, por contemplar, no que diz respeito s funes do curso, diversas tendncias

    em conflito durante o referido processo. Numa proposta suficientemente abrangente, a

    Comisso, seguindo a linha de encaminhamentos feitos por algumas grandes

    universidades e tambm pelo Grupo de Trabalho Pedagogia do V Congresso Estadual

    Paulista sobre Formao de Educadores - ocorrido em guas de So Pedro, em

    novembro de 1998 -, congregou as atuais funes do curso, abrindo tambm a

    possibilidade de atuao do pedagogo em reas emergentes do campo educacional.

    Assim definiu o perfil comum do pedagogo:

    Profissional habilitado a atuar no ensino, na organizao e

    gesto de sistemas, unidades e projetos educacionais e na produo

    e difuso do conhecimento, em diversas reas da educao, tendo a

    docncia como base obrigatria de sua formao e identidade

    profissionais (Comisso de Especialistas de Ensino de Pedagogia,

    p.1).

    A proposta se caracteriza pela flexibilidade tambm em relao aos tpicos de

    estudo, na medida em que so indicados os de contedos bsicos, os de aprofundamento

    e/ou diversificao da formao, alm dos estudos independentes. Alm disso, a

    flexibilizao bem como a diversificao de formas didticas para organizao de

    contedos constituram-se nos princpios para estruturao geral dos cursos, desde que a

    docncia seja considerada como base comum da formao.

    Se tais caractersticas da proposta bem como a sistemtica de trabalho utilizada

    pela Comisso puderam responder pela sua aceitao por parte da comunidade

    acadmica, talvez se possa dizer que algumas contingncias contriburam para que tal

    aceitao ocorresse de maneira quase absoluta. Vale lembrar que a matria a respeito

    dos institutos superiores de educao encontrava-se em discusso no CNE desde o

    incio de 1998 e que, as entidades acadmicas, em suas gestes junto a esse colegiado,

  • 13

    puderam acompanhar de perto as vrias verses do projeto que resultou na

    regulamentao dos ISEs, atravs da Resoluo CP n 1, de 30 de setembro de 1999.

    Com tal experincia, no parecia restar dvida de que, com os ISEs, pelo menos parte

    da CES/CNE tenderia a separar o ensino da pedagogia. E, nesse caso, a convergncia

    das entidades acadmicas no apoio proposta da Comisso de Especialistas poderia

    resultar numa resistncia mais forte a se contrapor tal iniciativa.

    No foi outra a situao criada pelo Parecer CES 970, aprovado em 09/11/99,

    que atingiu exatamente o principal foco de tenso ao tratar do curso normal superior e

    da habilitao para magistrio em educao infantil e sries iniciais do ensino

    fundamental nos cursos de pedagogia. Teve como relatores, os conselheiros Eunice

    Ribeiro Durham, Yugo Okida e Ablio Afonso Baeta Neves, habitualmente consonantes

    com as posies do MEC. Atravs desse Parecer, a CES/CNE, antagonizando com a

    posio da Comisso de Especialistas, retirou a possibilidade do curso de pedagogia

    voltar-se, tambm, formao de docentes para as sries iniciais do ensino fundamental

    e para a educao infantil. Confirmando a desconfiana gerada quanto a uma possvel

    interpretao forjada dos artigos da LDB relacionados formao dos profissionais da

    educao, os relatores utilizaram um mesmo critrio, de forma contraditria, para

    anlise dos artigos 62, 63 e 64. Parece que, no af de expropriar a funo de magistrio

    do curso de pedagogia, incorreram num erro de lgica, considerando o critrio de

    omisso, ora com o sentido de incluso, ora com o de excluso. Assim, embora

    considerando que os cursos normais superiores fazem parte do artigo referente aos

    institutos superiores de educao, os relatores facultam sua incluso nas universidades,

    mesmo reconhecendo que o artigo que se refere a elas seja omisso em relao a esses

    novos cursos. Por outro lado, o fato da formao de profissionais de educao para

    administrao, planejamento, superviso e orientao educacional para educao bsica

    ser atribuda ao curso de pedagogia motivo para os relatores exclurem a possibilidade

    do curso destinar-se tambm formao de professores, embora o artigo 64 seja omisso

    quanto a isso.

    Pode-se destacar algumas dentre as inmeras manifestaes contrrias ao

    Parecer CES 970/99. Na declarao de voto, formulada pelo conselheiro Jacques

    Velloso para justificar sua discordncia dos votos dos Relatores, fica restabelecida a

    iseno quanto interpretao dos artigos da LDB referentes formao dos

    profissionais da educao. A prpria Comisso de Especialistas de Ensino do Curso de

    Pedagogia encaminhou carta CES atravs da qual comunica sua indignao, recrimina

  • 14

    o desconhecimento da matria em discusso por parte de tal colegiado e reivindica a

    reviso da mesma pelo Conselho Pleno. Tambm foram intensas as manifestaes das

    universidades bem como das demais entidades acadmicas ligadas ao assunto,

    destacando-se a atuao da ANFOPE (Freitas, 1999), do Frum de Pedagogia e tambm

    do Frum de Diretores das Faculdades/Centros de Educao das universidades pblicas.

    As mobilizaes resultaram no agendamento da matria para discusso na

    reunio do Conselho Pleno do CNE marcada para o dia 7 de dezembro do mesmo ano.

    Porm, antes que ela ocorresse, a posio da CES/CNE - ento passvel de ser revertida

    - foi socorrida pelo Decreto Presidencial n 3.276, de 6 de dezembro de 1999. Ao tratar

    da formao em nvel superior de professores para atuar na educao bsica, determina,

    no 2 do artigo 3, que a formao destinada ao magistrio na educao infantil e nos

    anos iniciais do ensino fundamental, far-se- exclusivamente em cursos normais

    superiores.

    No dia seguinte, uma carta aberta de oito conselheiros da Cmara de Educao

    Bsica do CNE dirigida s universidades, sociedades cientficas e entidades

    profissionais relacionadas educao recrimina o Ato do Executivo. Tais entidades, por

    sua vez, se mobilizaram atravs da criao do Frum em Defesa da Formao de

    Professores, o qual foi composto, inicialmente, por 11 delas: ANDES/SN, ANFOPE,

    ANPEd, ANPAE, ABT, CEDES, Comisso de Especialistas de Ensino de Pedagogia,

    Frum de Diretores das Faculdades/Centros de Educao das Universidades Pblicas

    Brasileiras, Frum Paulista de Educao Infantil, Frum Paulista de Pedagogia e Frum

    Nacional em Defesa da Escola Pblica.

    Diante da fora e abrangncia das aes do Frum e da relutncia da

    comunidade acadmica quanto ao cumprimento da determinao do Ato do Executivo,

    um outro Decreto, o n 3.554, de 7 de agosto de 2000, vem relativiz-la, substituindo o

    termo exclusivamente do Decreto anterior por preferencialmente. Facultou-se, com isso,

    ao Curso de Pedagogia, a recuperao de sua funo enquanto licenciatura. Tal medida

    no foi, porm, suficiente para sustar a indignao de educadores e estudantes os quais,

    atravs de suas entidades, pressionam no sentido de revogao do Decreto n 3.276/99.

    Nesse sentido, tm prestado seu apoio ao Projeto de Lei n 385, de autoria do deputado

    Gilmar Machado, cujo objetivo a sustao de tal Decreto Presidencial.

    Com tais fatos, pode-se dizer que em 6 de dezembro de 1999 inaugurou-se um

    quarto perodo na histria do Curso de pedagogia e que, no meu entender, poderia ser

    denominado perodo dos Decretos por representar os documentos firmados no mbito

  • 15

    do poder executivo, no qual teve sua identidade outorgada. At o momento, so dois os

    documentos que respondem por esse perodo: o Decreto Presidencial n 3.276, de 6 de

    dezembro de 1999 e o Decreto Presidencial n 3.554, de 7 de agosto de 2000.

    Espera-se que tal perodo possa ser encerrado o mais brevemente possvel por

    meio de um Decreto do Legislativo, pondo fim a uma fase de absolutismo na histria do

    curso de pedagogia no Brasil. No h como conceber que casos de impasse em assuntos

    pedaggicos sejam resolvidos por Decretos (Tanuri, 2000), sejam do Executivo, sejam

    do Legislativo. Tais procedimentos no apenas violentam a prpria natureza da matria

    que se propem disciplinar, mas tambm ferem os princpios fundamentais que regem

    as relaes entre as instituies de uma sociedade que se pretende democrtica. Por isso,

    ferem tambm o Conselho Nacional de Educao em sua integridade, de trs formas:

    intervindo em matria de sua competncia; impedindo que o prprio Conselho

    administre, como colegiado, seus prprios conflitos; privilegiando a posio de alguns

    conselheiros em detrimento da dos demais.

    Conforme j foi exposto, no h como negar a fragilidade que reveste o curso de

    pedagogia e, tambm, a pedagogia enquanto campo de conhecimento. No se pode

    negar, tambm, que esse campo vem se afirmando no que se refere ao reconhecimento

    de sua especificidade e que avanos significativos vm sendo empreendidos quanto

    definio de seu estatuto terico. Enquanto isso, previsvel que as decises a respeito

    do curso de pedagogia sejam acompanhadas de muito conflito. Da a importncia em se

    permitir que o CNE possa exercer o seu papel democraticamente, administrando as

    idiossincrasias por ventura existentes entre seus membros, bem como as diferentes

    posies que os mesmos possam representar, fazendo valer o intercmbio com as

    instituies educativas e demais entidades ligadas ao assunto. S assim poder-se-

    impedir que a matria, por sua vulnerabilidade, continue sujeita s investidas

    ideolgicas que conduzem ao processo de liquidao do curso de pedagogia e da prpria

    pedagogia no Brasil.

    A propsito, tanto o Parecer CES 970/99 quanto o Decreto Presidencial n

    3.276/99, ao expropriarem a funo de magistrio do curso de pedagogia, criam uma

    dicotomia entre ensino e pedagogia, caminhando, ento, na contramo dos mais recentes

    avanos a respeito da pedagogia enquanto cincia da prtica. Tal retrocesso se torna

    lamentvel, sobretudo numa fase em que, com o fortalecimento dos intercmbios

    internacionais, tm-se favorecidas as condies acadmicas para o desenvolvimento das

  • 16

    pesquisas a respeito do estatuto terico da Pedagogia, luz do qual poder-se- resolver,

    com mais facilidade, as questes prtico-institucionais.

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