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Revista Trimestral de Jurisprudência Volume 199 – Número 1 Janeiro / Março de 2007 Páginas 1 a 424 Supremo Tribunal Federal

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Page 1: Supremo Tribunal Federal · Martins Alves dos Santos, Otávio Antônio dos Santos, Eutímio Santana da Silva, Everaldo Augusto dos Santos, Aída Maciel Pereira, Alípio Santana da

Revista Trimestral de

Jurisprudência

Volume 199 – Número 1Janeiro / Março de 2007

Páginas 1 a 424

Supremo Tribunal Federal

Page 2: Supremo Tribunal Federal · Martins Alves dos Santos, Otávio Antônio dos Santos, Eutímio Santana da Silva, Everaldo Augusto dos Santos, Aída Maciel Pereira, Alípio Santana da

Diretoria-GeralSérgio José Américo Pedreira

Secretaria de DocumentaçãoAltair Maria Damiani Costa

Coordenadoria de Divulgação de JurisprudênciaNayse Hillesheim

Seção de Preparo de PublicaçõesLeide Maria Soares Corrêa Cesar

Seção de Padronização e RevisãoRochelle Quito

Seção de Distribuição de EdiçõesMargarida Caetano de Miranda

Diagramação: Joyce Pereira

Capa: Patrícia Weiss Martins de Lima

Edição: Supremo Tribunal Federal

(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista trimestral de jurisprudência / Supremo Tribunal Federal,Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. – Ano 1,n. 1 (abr./jun. 1957) - . – Brasília: Imprensa Nacional, 1957-

v. 199-1; 22 cm.

Três números a cada trimestre.

Editores: Editora Brasília Jurídica, 2002-2006; SupremoTribunal Federal 2007- .

ISSN 0035-0540

1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Brasil. SupremoTribunal Federal (STF).

CDD-340.6

Solicita-se permuta.Pídese canje.On demande l'échange.Si richiede lo scambio.We ask for exchange.Wir bitten um Austausch.

STF/CDJUAnexo I, 2º andarPraça dos Três Poderes70175-900 – Brasí[email protected]: (0xx61) 3217-3573

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000), PresidenteMinistro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Vice-PresidenteMinistro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE (17-5-1989)Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003)Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (9-3-2006)Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)

COMISSÃO DE REGIMENTO

Ministro SEPÚLVEDA PERTENCEMinistro GILMAR MENDESMinistra CÁRMEN LÚCIAMinistro EROS GRAU – Suplente

COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Ministro MARCO AURÉLIOMinistro CEZAR PELUSOMinistro JOAQUIM BARBOSA

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

Ministro CELSO DE MELLOMinistro CARLOS BRITTOMinistro RICARDO LEWANDOWSKI

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

Ministro GILMAR MENDESMinistro CEZAR PELUSOMinistro EROS GRAU

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

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COMPOSIÇÃO DAS TURMAS

PRIMEIRA TURMA

Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE, PresidenteMinistro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias MelloMinistro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTOMinistro Enrique RICARDO LEWANDOWSKIMinistra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha

SEGUNDA TURMA

Ministro José CELSO DE MELLO Filho, PresidenteMinistro GILMAR Ferreira MENDESMinistro Antonio CEZAR PELUSOMinistro JOAQUIM Benedito BARBOSA GomesMinistro EROS Roberto GRAU

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SUMÁRIO

Pág.

ACÓRDÃOS............................................................................................ 1

ÍNDICE ALFABÉTICO........................................................................... I

ÍNDICE NUMÉRICO.................................................................... XXIII

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ACÓRDÃOS

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QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 312 — BA

Relator: O Sr. Ministro Nelson Jobim

Autora: Fundação Nacional do Índio – FUNAI — Litisconsorte ativa: União —Réus: Ananias Monteiro da Costa e outros, Almir Pinto Correia, Agenor de Souza Barretoe outros, Josino Pinto Correia e Manoel Nascimento Carvalho — Litisdenunciado: Estadoda Bahia

Terras índigenas não demarcadas pela União. Desnecessidade deprévia demarcação administrativa. Prosseguimento do julgamento peloTribunal para emissão de juízo conclusivo sobre a situação jurídico-cons-titucional das áreas abrangidas pelos títulos.Questão de Ordem que assimse resolve: (1) a demarcação prévia da área abrangida pelos títulos não é,em si, indispensável ao ajuizamento da própria ação; (2) o Tribunal podeexaminar se a área é indígena ou não, para decidir pela procedência ouimprocedência da ação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, resolver a Questão de Ordem no sentido do prosseguimento da ação, nos termosdo voto do Relator.

Brasília, 27 de fevereiro de 2002 — Nelson Jobim, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Nelson Jobim:

1. A inicial

Em 1º de julho de 1982, a Funai ingressou, na Justiça Federal da Bahia, com apresente Ação Ordinária Declaratória de Nulidade de Títulos de Propriedade sobreImóveis Rurais (vol. I, fls. 02/34).

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Alega que os títulos dos Réus foram concedidos pelo Governo do Estado daBahia sobre área indígena (vol. I, fl. 12).

A ação foi movida contra 396 (trezentos e noventa e seis) proprietários (vol. I, fls.23/34).

O Estado da Bahia ingressou como litisconsorte necessário (vol. I, fl. 66).

2. O deslocamento

Josino Pinto Correia contestou (vol. I, fls. 110/111).

Suscitou exceção de incompetência absoluta da Justiça Federal (vol. I, fl. 110).

Alegou que as Fundações não estavam contempladas em sua competência (vol. I,fl. 110).

A Constituição/69 arrolava como da competência da Justiça Federal as causas emque houvesse interesse da União, de entidades autárquicas ou de empresas públicasfederais (art. 125, I1; vol. I, fl. 110).

A Funai se opôs (vol. I, fl. 174).

O Juiz declinou da competência para o Supremo Tribunal Federal (vol. I, fls.176/177).

Neste Tribunal, o então Relator — Moreira Alves — entendeu que a competênciaera da Justiça Federal, uma vez que a União não integrava a lide (vol. I, fl. 187).

Na Justiça Federal, a União ingressou no feito (vol. I, fls. 192/193).

Suscitou a incompetência do Juízo (vol. I, fl. 193).

O Juiz voltou a declinar da competência para o Supremo Tribunal Federal (vol. I,fls. 194 e 194 v.).

3. Aditamento da inicial

Neste Tribunal, a Funai aditou a inicial (vol. I, fls. 207/219).

Requereu a citação dos réus e dos respectivos cônjuges, nominando-os com seusendereços (vol. I, fls. 207/215).

Além desses, nominou outros réus, sem declinar os endereços, para serem citadospor edital (vol. I, fls. 215/219).

O réu Josino Pinto Correia insurgiu-se contra esse aditamento (vol. I, fl. 221).

1 CF/69:

Art. 125. Aos juízes federais compete processar e julgar, em primeira instância:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas nacondição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência e as sujeitas à Justiça Eleitoral eà Militar;

II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Municípios ou pessoadomiciliada ou residente no Brasil;

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Para tanto, invocou o CPC, art. 2642 (vol. I, fl. 221).

Caso mantido, que fosse recebida sua manifestação como agravo regimental(RISTF, art. 3173; vol. I, fl. 222).

O Relator manteve o despacho agravado (vol. I, fl. 223).

O Pleno negou provimento ao agravo (vol. I, fls. 224/227).

4. As contestações

Vários Réus contestaram e opuseram Reconvenção:

1. FERPEC – Fernandes Pecuária Ltda., Manuel Fernandes Neto, José HenriqueFernandes, Lourival Resende dos Santos, Marcus Vinícius de Barros Wanderley, AnaniasMonteiro da Costa, Antônio Carlos Wense Pinto, Armando Brandão Pinto, ArmandoBerbet Menezes, Elírio Lima Menezes, Enéas Cruz da Fonseca Dórea, Jair Vicente dePaula, Jofre Macedo de Carvalho, Joaquim Carvalho Neto, Arlindo Fontes de Faria, AídaBrugni Nunes, Maria Carmelita de Andrade Santos, Benigno Bonfim de Azevedo, Rai-mundo Alves dos Santos, José Dias do Nascimento, Cosmiro Henrique Guimarães, LuizAlves dos Santos, João Avillete Sobral, Pedro Francisco Xavier, Alberto GonçalvesPereira, Guy Ferreira de Melo, Théa Benjamim Cunha, Antônio Soares Feitosa, TomazVicente Caldas, Jener Pereira da Rocha, Manoel Rito Cardoso, Fidélio Almeida Pampo-net, Antônio Afonso de Miranda, Haroldo Silveira Fernandes, Dirvan Silveira Fernan-des, Edulindo Ribeiro de Carvalho, Nilton José Ribeiro de Oliveira, José Wense Pinto,José Silveira Motta, Genaro Correia de Queiróz, Edson Menezes dos Santos, AugustoCézar Kruschewsky, Companhia Chaves Agrícola Pastoril, Ney de Matos Dantas, JoaquimPereira da Costa Lima, Paulo Roberto Brugni Nunes, Rui Henrique Brugni Nunes,Alfredo Nunes de Souza, Cláudio Silva Soares, Aristides Franco Couto, Zelito BrandãoFontes, Teodoro Ribeiro Guimarães, Filogônio Seles, David de Oliveira Pinto,AGROMASSA – Agropecuária Dario Mascarenhas S.A, Dourival Freitas Bastos, ErivaldoBastos Gomes, Almir Brandão Pinto, Damião Conrado da Silva, Tito Barreiros Machadoe Elba Luiz Santa Rosa (vol. II, fls. 244/300);

2. O Estado da Bahia (vol. IV, fls. 1114/1126);

3. Manuel Nascimento Carvalho (vol. IV, fls. 1128/1129);

4. Antônio Rodrigues Ferreira, Domingos Pereira da Costa, Durval José de Santanae Dilson Borges dos Santos, Elvino Edwirgens Ferreira, Glicério Corrêa Aguiar, JoséSebastião Filho, Manoel Bispo do Nascimento, Manoel Alves dos Santos, ManoelNicolau da Silva (vol. V, fls. 1691/1700);

2 CPC:

Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem oconsentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.

3 RISTF:

Art. 317. Ressalvadas as exceções previstas neste Regimento, caberá agravo regimental, no prazo decinco dias de decisão do Presidente do Tribunal, de Presidente de Turma ou do Relator, que causarprejuízo ao direito da parte.

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5. Josué Brito de Miranda, Martim Alves dos Santos, Moisés Dias da Silva, JoséDionísio de Oliveira, Rubem Nicolau da Silva e Walter Oliveira da Silva (vol. V, fls.1770/1777);

6. José Carlos Miranda de Oliveira, Moisés Dias da Silva, Marlene Dias da Silva,Maritan Dias da Silva, Sara Sirley Dias da Silva e Miriam Dias da Silva Aguiar oferece-ram contestação (vol. VI, fls. 1821/1828);

7. Abenilson Santos Rocha, Edson Edwirgens Ferreira, Elias Borges de Aquino,Francisco Lins Cardoso, Gilberto Brito Alves, Gildásio Edwirgens Ferreira, Jazon RamosNeto, José Edwirgens Ferreira, José Nilson Pires de Souza, José Ramos Neto, José VidalFilho, Josefa Maria de Jesus, Josué Brito Alves, Marivan Silva de Andrade e Marivaldada Silva Chaves, Pedro Raimundo Dias, Pedro Soares Oliveira, Silvio Roberto MagalhãesRabelo, Valdemir Clementino Santos (vol. VI, fls. 1992/2004);

8. Valdemar Batista de Miranda e sua mulher apresentaram-se voluntariamentecom pedido para integrar a lide como litisconsortes passivos (vol. VII, fl. 2132);

9. José Augusto dos Santos Filho, Eduardo Costa de Oliveiral, Nelson Costa Sousa,Agenor de Souza Barreto, Wilmar Kruschewsky Amorim, João Alves dos Santos, PauloRoberto Peixinho Lima, Maria da Conceição Peixinho Lima Bionde e GuiomarDamasceno Peixinho Lima (vol. VIII, fls. 2650/2660).

10. Domingos Quadros Galvão, Luciano Messias Galvão, Antônio Cabral Machado,Wilmar Amorim Kruschewsky, Edinaldo Cabral Velanes, Raymundo Amorim deFigueiredo, Jacintho Cabral de Souza, Edvaldo Pinto Correia, Geraldo Pinto Correia,José Loureiro Garcia, Theodulo Cerqueira de Almeida, Carlos Moura Latrilha, AlbaRegina dos Santos Moura, Osmário Moura Latrilha, Julio José de Souza, Hermano Men-donça de Souza, Paulo Humberto Mendonça de Souza, Gutemberg Soares Amazonas,Cícero Gomes Neres, Antônio Rodrigues Lima, Geovanina Rocha Correia (viúva deAntônio José Correia), Almir Pinto Correia, Francisca Emenegilda Luz, Ernestino daSilva Cabral, Edênia Barbosa Teles Sobral (viúva de José Francisco Sobral), GeraldoSobral Santos, Evarista Ferreira da Silva, Pedro Alexandre Leite, Florisvaldo da Silva,Martins Alves dos Santos, Otávio Antônio dos Santos, Eutímio Santana da Silva,Everaldo Augusto dos Santos, Aída Maciel Pereira, Alípio Santana da Silva, JuvenalCorreia de Oliveira, Ronaldo Augusto dos Santos, José Marcelino Barbosa, AcelinoDias do Nascimento, Aristides Bispo do Nascimento, Aguinaldo Lima da Silva, AgenorSouza Barreto, Maria Auxiliadora de Carvalho Dantas (viúva de Roberto Dantas), JoséAltamirando Lopes, Cláudio Alberto Mendes, Romilton Rodrigues da Cruz, ErasmoGuimarães e Fernando Terra (vol. IX, fls. 2768/2782);

5. Providências processuais

O Relator determinou a intimação da Funai e da União, para contestarem as recon-venções (vol. X, fl. 3316).

Determinou ainda a citação do Estado da Bahia, para, como litisdenunciado,contestar a ação (vol. X, fl. 3316).

Quanto ao pedido de litisconsórcio passivo, determinou à Funai e à União quefalassem a respeito (vol. X, fl. 3316).

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A União Federal contestou as reconvenções, manifestando-se no sentido de não-admissão dos pedidos, por serem improcedentes (vol. X, fls. 3324/3326, 3328/3330 e3335/3337).

A Funai também contestou (vol. X, fls. 3339/3383, 3406/3449, 3471/3515,

3536/3579).

Manifestou-se pela extinção do processo de reconvenção, sem julgamento domérito, em face da impossibilidade jurídica do pedido (vol. X, fls. 3383, 3449, 3515 e3579).

Ou, em caso contrário, pela improcedência da ação (vol. X, fls. 3383, 3449, 3515 e3579).

Juntou documentos (vol. X, fls. 3384/3404, 3450/3469, 3516/3534 e 3580/3600).

6. Despacho saneador

Em 17 de maio de 1993, o Relator declarou saneado o processo e determinou àspartes que especificassem as provas que pretendiam produzir (vol. XI, fl. 3649).

A Funai requereu perícia histórico-antropológica (vol. XI, fl. 3652).

A FERPEC – Fernandes Pecuária Ltda. e outros requereram perícia, com a formula-ção de quesitos (vol. XI, fls. 3671/3673).

O Ministério Público Federal requereu memorial descritivo da área objeto da de-

manda, não apresentado pela Funai (vol. XI, fls. 3683/3684).

A Funai atendeu (vol. XI, fls. 3691/3694).

7. Instrução

O Relator delegou a instrução do processo a Juiz Federal da Bahia (vol. XI, fl. 3696).

No foro da Justiça Federal de Ilhéus/BA foram formulados os pedidos de produçãode prova.

Foram realizadas perícias:

Antropológica: Perito Marcos Luciano Lopes, em 18-11-1997, aditada em 5 dejaneiro de 1998 (vol. XIII, fls. 4173/4270 e 4295/4296);

Topográfica: Perito Efren de Moura Ferreira Filho, em maio de 1998 (Apenso VII,fls. 02 a 34);

Agronômica: Perito Josimário Santos da Paixão, em 26-8-1998, complementadaem 16-9-1998 (vol. XIV, fls. 4702/4776 e fls. 4782/4850);

Sanitária: Perito Raimundo Camelo Mororó, 2-6-1998 (vol. XIV, fls. 4418/4635).

O Juiz local realizou inspeção para verificação das coordenadas geográficas doslimites da área reivindicada (vol. XI, fls. 3742/3744).

A Funai juntou relatório referente à demarcação da área, realizada pelo engenheiro

Alfredo de Amorim Coelho, em novembro de 1998 (vol. XII, fls. 4098/4112).

Juntou também um mapa da referida área (vol. XII, fls. 4113/4114).

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O Estado da Bahia insurgiu-se contra a ampliação da área a ser periciada de 36 milpara 54 mil hectares, deferida pelo Juízo de Instrução da causa (vol. XII, fl. 4143).

A antropóloga Maria Elizabeth Brêa Monteiro, assistente técnica da Funai, apre-sentou parecer ao laudo da perícia antropológica, com juntada de documentos (vol. XIII,fls. 4317/4361).

Em 2 de abril de 1998, o Diretor da Secretaria certificou a relação dos réus que nãopossuem título de propriedade, em número de 305 (vol. XIII, fls. 4363/4372).

O Governo do Estado da Bahia apresentou relação dos réus que têm títulos deposse na área em questão (vol. XIII, fls. 4402/4411).

O Estado da Bahia impugnou o laudo topográfico, requerendo a sua nulidade e arealização de nova perícia (vol. XV, fls. 4888/4891).

O Estado da Bahia reafirmou a impugnação do laudo e a exceção de suspeiçãoque suscitara contra o perito Efren de Moura Ferreira Filho (vol. XV, fl. 4915).

Reclamou a decisão dessa impugnação (vol. XV, fl. 4915).

A produção de prova testemunhal foi indeferida (Vol. XV, fl. 5161).

A exceção de suspeição foi liminarmente rejeitada, por intempestiva (vol. XV, fl.5168).

Em 19 de novembro de 1999, os autos foram remetidos ao Supremo TribunalFederal (vol. XV, fl. 5209).

O Relator exarou despacho para que as partes se manifestassem sobre as períciasrealizadas (vol. XVI, fl. 5230).

A instrução foi encerrada (vol. XVI, fls. 5332/5333).

8. Razões finais

A Funai apresentou razões finais (vol. XVI, fls. 5343/5477).

Pediu que fosse declarada

“(...)

(...) a nulidade dos títulos de propriedade e registros imobiliários em nome doréu Jener Ferreira Rocha e dos demais réus, advindos de transmissões ilegais einconstitucionais do Estado da Bahia, como também de todos e quaisquer atosanteriores ou posteriores restritivos do domínio da União e da posse indígena, como cancelamento dos registros, matrículas e transcrições imobiliárias, tantosquantos incidam sobre os 54.105,1826 ha. de território tradicional indígena, nosmunicípios do Estado da Bahia, reconhecendo em conseqüência as áreas de terrasobjeto da ação como propriedade da União (CF, art. 20, XI4

) e de posse permanente

4 CF/88:

Art. 20. São bens da União:

XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

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e usufruto exclusivo da comunidade indígena Pataxó Hã Hã Hãe (CF, art. 231,§ 1º5, e Estatuto do índio, art. 23), e, condenado-se, finalmente, os réus no paga-mento das despesas processuais e honorários advocatícios, na base de 20% sobre ovalor da causa” (vol. XVI, fls. 5477).

(...)”

A União adotou:

“(...).

(...) na íntegra as razões da Funai (...) pugnando pela declaração de nulidadedos títulos de propriedade e dos registros imobiliários, incidentes sobre o territó-rio indígena, reconhecendo em conseqüência as áreas de terras objeto da açãocomo propriedade da União e de posse permanente e usufruto exclusivo dacomunidade indígena Pataxó Hã Hã Hãe” (vol. XVI, fl. 5491).

(...)”

FERPEC – Fernandes Pecuária Ltda. e outros apresentaram suas razões (vol. XVI,fls. 5496/5519).

Alegaram que:

“(...).

(...) a perícia topográfica é manifestamente nula, seja pelo impedimento oususpeição evidentes de toda a equipe que auxiliou o trabalho do perito, seja pelaóbvia deficiência dos elementos nela utilizados, já que a planta de que se serviuestava desacompanhada de caderneta de campo e do memorial descritivo e nãoabrangia toda a gleba litigiosa. Além disso, os marcos do levantamento topográfi-co haviam desaparecido e o que se tentou foi uma simples aviventação de rumos,de acordo com coordenadas fornecidas à perícia pela própria Funai, através deseus propostos.

A evidente nulidade da perícia, todavia, não precisa ser declarada, pois, con-soante diretriz do § 2º6 do art. 249 do C. Pr. Civ., ‘quando puder decidir do mérito

5 CF/88:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente,as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientaisnecessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,costumes e tradições.

6 CPC:

Art. 249. O juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são atingidos, ordenando asprovidências necessárias, a fim de que sejam repetidos, ou retificados.

(…)

§ 2º Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, ojuiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta.

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a favor da parte a quem aproveite a declaração de nulidade, o juiz não a pronunciaránem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta’

(...)” (vol. XVI, fl. 5519).

Requereram:

“(...)

(...) a improcedência da ação declaratória de nulidade e a procedência dareconvenção de fls. 652/659, a fim de que se lhes reconheça a validade de seustítulos dominiais que tiveram origem em atos administrativos válidos emanadosdo Estado da Bahia e a legitimidade de sua conseqüente posse, condenado-seainda as autoras a indenizar-lhes perdas e danos, tudo como ficou bem especificadoa fl. 658” (vol. XVI, fl. 5519).

(...)”

A PGR opinou pela procedência da ação e pela improcedência da reconvenção(vol. XVII, fl. 5555).

Leio no parecer:

“(...)

(...) os títulos expedidos pelo Estado da Bahia são nulos de pleno direito porconfigurarem alienação a non domino. Ademais, estes títulos e os concedidos peloSPI são nulos, pois incidem sobre terras inalienáveis e indisponíveis, sendo osdireitos sobre tais terras imprescritíveis, como preceitua o art. 231. § 4º7, da Cons-tituição Federal. Prossegue a nossa Carta Magna no § 6º8 deste mesmo art. 231afirmando serem nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos quetenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas.

(...)” (vol. XVII, fl. 5553).

É o relatório.

7 CF/88:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas,imprescritíveis.

8 CF/88:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto aocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezasnaturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União,segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização oua ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

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VOTO

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Relator): Trouxe ao Plenário este feito para suscitar

questão de ordem.

Antes, situo o caso.

1. Os fatos

1.1. Lei de 1926

No ano de 1926, o Estado da Bahia procedia medições de terras devolutas de seu

território.

Nesse período, o Governo do Estado recebeu informações da sua Diretoria de

Terras e Minas, Colonização e Imigração relativas a ponderações do antigo Serviço

de Proteção ao Índio – SPI.

Tal Serviço havia ponderado àquela Diretoria sobre a:

“(...).

(...) conveniência (...) de serem reservadas desde já para ulterior entendi-

mento entre o Governo do Estado e o Federal, as terras onde se encontram o maior

número de índios em estado silvícola a serem destinados a postos de povoações

indígenas (...)

(...)”

Em face disso, o então Governador do Estado — Francisco Marques Góes

Calmon — editou o Decreto de 9 de março de 1926, pelo qual resolveu suspender as

medições que se realizavam em área que especificava1.

Em 9 de agosto do mesmo ano — 1926 —, a Lei estadual n. 1.916 autorizou o

governo

1 Decreto de 9 de março de 1926.

O Governador do Estado da Bahia, tendo em vista as informações prestadas pela Diretoria de Terrase Minas, Colonização e Imigração relativamente à conveniência lembrada pelo representante nesteestado do Serviço de Proteção aos Índios de serem reservadas desde já para ulterior entendimento entreo Governo do Estado e o Federal, as terras onde se encontram o maior número de índios em estadosilvícola a serem destinados a postos de povoações indígenas resolve suspender as medições de terrasdevolutas situadas na zonas abaixo mencionadas, respeitadas as posses já estabelecidas.

1º A situada entre os rios Pardo, Cachoeira do Itabuna, limitada a Oeste pelo vazadouro ultimamenteaberto pelo referido representante, a partir de Colônia, no rio Cachoeiro de Itabuna, até o logardenominado Abóboras, no rio Pardo, e, a Leste, pelo Ribeirão Água Preta, afluente do rio Cachoeira deItabuna até as suas cabeceiras e d’ali a Angelin, povoado do rio Pardo;

2º A situada nas cabeceiras do Ribeirão do Ouro, afluente da margem direita do Rio Gougugy;

3º A situada nas cabeceiras e contra vertentes do rio Peixe, afluente do Rio de Contas.

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R.T.J. — 19912

“(...)

(...) a reservar 50 léguas quadradas de terras em florestas gerais e acatingadas,compreendidas nos limites fixados pelo Decreto do Poder Executivo, de 9 demarço do corrente ano, destinadas à conservação das essências florestais naturais eao gozo dos índios tupinambás e pataxós, ou outros ali habitantes. (art. 1º, vol. I,fl. 03).

(...)”

Dispôs, mais, a lei que:

“(...)

Art. 2º O Governo mandará demarcá-la discriminando a parte que ficará ser-vindo de Horto Florestal natural e a que for destinada a formar o aldeamento dosíndios e de suas respectivas roças, em lotes com a superfície indispensável a taismisteres.

(...)”

1.2. Os trabalhos de campo

Na década de 30, procederam-se a trabalhos de campo com o objetivo de levar acabo a demarcação da área.

Na mesma época foram instaladas as sedes dos Postos Indígenas Paraguassú eCaramuru2, sem que houvesse regularização da área.

1.3. A situação da área

Na década de 60, a Portaria 178, de 12 de fevereiro, do Ministro da Agricultura,incumbiu o Dr. Benjamin Campos, Consultor Jurídico do Ministério, de promover aregularização da área.

Esse Consultor elucidou no relatório:

“(...)

3. A área onde se localizam os aludidos Postos são consideradas devolutas doEstado da Bahia, que a cede (...) ao Governo da União, com a dupla finalidade deasssegurar a preservação das essências florestais naturais e garantir a posse doíndios tupinambás, patachós e outros existentes na região.

4. Essa área, que media, de início, 50 léguas quadradas, com as delimitaçõesprevistas no Decreto estadual de 10/03/1926, foi posteriormente reduzida, (...),para apenas 15 léguas quadradas, sendo nela instaladas as sedes do aludidosPostos Indígenas.

5. Em 1937, foi aventada a hipótese de vir a ser a mesma doada ao S.P.I.,chegando-se mesmo, com esse objetivo, proceder à sua medição e demarcação,medida essa que não chegou entretanto, a ser concretizada, por motivos que nãoconseguimos apurar.

2 Relatório do Dr. Benjamin Campos, item 04 (fl. 440, vol. 02).

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6. Isto não obstante, continuou a área na posse do referido serviço, que afracionou em pequenos-tratos (tarefas), por ele arrendados a cerca de tres mil(3.000) agricultores e criadores da região que nela se instalaram há muitos anos,construindo casas de residências, (...), e outras benfeitorias que se elevam, no mo-mento, a muitos milhões de cruzeiros.

7. Em 1958, alguns desses arrendatários pleitearam, junto ao S.P.I., que lhefosse vendido, por preços acessíveis e a prazo, as áreas de que são arrendatários, (...)

8. Chamada, (...), a pronunciar-se a respeito, esta Consultoria, (...), manifes-tou-se contrária à pretensão dos interessados, já que se tratava, como de fato setrata, de terras de propriedade do Governo do Estado da Bahia, ao qual deveriamser restituídas, ema vez cessados os motivos que determinaram a sua cessão, atítulo precário, ao S.P.I.

9. Face às conclusões desse Parecer, V. Excia., houve por bem endereçar aoentão Governador aludido Estado, o Aviso G.M. n. 796, de 9/8/58, prontificando-sea restituir 20.000 dos 22.000 há que haviam sido cedidos ao S.P.I desde que oEstado assumisse a obrigação compensação, os 2.000 há remanescentes para alocalização dos índios acordado com sua Secretaria de Agricultura, Indústria eComércio.

10. Essa proposta, ao que tudo indica, não foi aceita pelo atual Governo doEstado, uma vez que por ofício datado de outubro de 1959 (SC 47 192/59), o seuSecretário de Agricultura pede a restituição pura e simples da área ocupada peloS.P.I. (...)

(...)

20. Como vê V. Exa., a área em apreço, conquanto sob a jurisdição do S.P.I.,continuou a pertencer, de pleno Jure, ao Estado da Bahia, que passou a reclamara retirada do S.P.I. daquele próprio do Estado, sob a alegação de não mais existiremíndios na região e de haverem desaparecido as essências florestais naturais quedeterminaram a sua reserva.

21. Nisso não deixa de ter razão o governo daquele Estado, uma vez que, peloque nos foi possível apurar, o único sobrevivente dos índios que habitavam aregião é um ex-cacique patachó, já com os seus dias contados, sendo os restantes,em número de trinta (30) pouco mais ou menos, simples mestiços (caboclos), comconhecimento para orientar-se na vida.

(...)

23. Assim, o que convinha ao S.P.I. fazer, uma vez desaparecidos os motivosque determinaram a reserva de área, era entrar em entendimento com o Governo doEstado, afim de restituir a área ao seu legítimo proprietário, resguardados, natu-ralmente os direitos dos índios sobreviventes e nunca agir pela forma como agiu,arrendando quase toda ela a particulares e permitindo que nela se construíssembenfeitorias que montam em muitos milhões de cruzeiros.

(...)

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25. De qualquer forma, comprovado está que pó S.P.I., certo ou erradamente,arrendou a área a particulares, permitindo que nela se levantasse vultuosas benfei-torias, afigura-se-nos fora de dúvida o seu indeclinável dever de defender os arren-datários, maioria deles constituída de pessoas humildes, (...)

(...)

30. As nossa conclusões são, em síntese, as seguintes:

a) a área em apreço é de propriedade do Estado da Bahia, uma vez que nãochegou a concretizar-se sua doação à União Federal;

b) assim sendo, cabia ao S.P.I., sob cuja jurisdição se encontra, providenciarsua restituição ao seu legítimo proprietário, uma vez desaparecidos os motivos quedeterminaram sua cessão a título precário;

c) tendo sido a área arrendada a particulares que têm nela, se não o seu único,pelo menos o principal meio de subsistência, cabe ao S.P.I., como responsáveldireto pela situação criada, entrar em entendimentos com as autoridades compe-tentes do Estado referido, a fim de ser encontrada uma solução para o impassesurgido, recorrendo-se, se necessário, à expropriação, na forma sugerida no item 28;

(...)” (fls. 440/444, vol. 2)

Há, ainda, a Informação 755, datada de 1981, do Chefe do Setor de Regularizaçãoda Funai — Bel. Ismael Marino Falcão — em que se lê:

“(...).

Não existe, latu sensu, terra indígena na área conhecida nesta Fundaçãocomo ‘Área Indígena Caramuru — Paraguaçu’.

As terras em que foram erigidos os Postos Indígenas Caramuru e Paraguaçupelo S.P.I. haviam sido reservadas para assentamento dos índios Pataxós, não tendose aperfeiçoado, no entanto, a transferência do domínio à União, permanecendo oEstado da Bahia como titular do domínio direto.

Decisão do Governo restituindo a área primitiva ao seu legítimo titular, ine-xistindo assim, domínio indígena ou da União a defender.

Acaso existam remanescentes indígenas na região, identificados antropolo-gicamente como tais, é de se manter entendimentos com o Estado a fim de regula-rizar-lhes a situação ocupacional, com a aplicação do art. 33 da Lei n. 6.001, de 19de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio).

(...).” (Vol. 2, fl. 468).

“(...)

Não há, assim, terra indígena a reclamar como de domínio dos Patachós noEstado da Bahia, sendo válidos e legítimos os títulos de propriedade expedidospelo Estado em favor dos ocupantes que hoje são titulares do domínio pleno dasglebas que possuem, não podendo ser aceita a denominação que se dá de ReservaIndígena Paraguaçu à área localizada no Município de Camacã, Estado da Bahia,em virtude de inexistir ato que assim a denomine.’ (...)

(...).” (Vol. IV, fls. 1118/1120).

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R.T.J. — 199 15

Por outro lado, há nos autos títulos de domínio de Réus, outorgados pelo Estado,que remontam, dentre outros, aos anos de:

1903 (fl. 06);

1938 (fls. 15 e 17; 60 e 62; 88 e 90; 123; 124 etc.);

1939 (fls. 151 e 153);

1940 (fls. 174 e 177/8);

1944 (fls. 234 e 235 a 237);

1947 (fls. 255 e 257);

1949 (fls. 285 a 288, todas do Apenso 1).

2. A questão

2.1. A situação do caso

Temos, neste caso, uma questão.

Ela é condicionante e prejudicial do próprio juízo de mérito.

A Funai e a União afirmam que a área se constitui em terra indígena.

Por isso, sustentam que os títulos de domínios dos Réus, porque abrangentes deterra indígena, são nulos (EC n. 1/69, art. 198, §1º; e CF 1988, art. 231, § 6º).

Os Réus e o Estado da Bahia negam que a gleba seja qualificável de terraindígena.

Consoante já referi, a demarcação autorizada pela Lei estadual de 1926 não chegoua se consubstanciar.

Houve, conforme noticiam os autos, transmissão da posse de uma área ao SPI.

Assim, é certo, nestes autos, que o Estado da Bahia não ultimou os desideratos daLei de 1926, tanto que, em anos posteriores, titulou agricultores em lotes que participa-vam dos limites que a Lei de 1926 havia autorizado a demarcar.

A Lei de 1926 é imprestável como fundamento para a eventual desconstituiçãodos títulos dos Réus.

No entanto, há um segundo fundamento em que a Lei de 1926 aparece como iníciode prova: ser a gleba, objeto do processo, terra indígena, embora não demarcada.

E, por isso, surge a questão.

O reconhecimento e a fixação de limites da afirmada terra indígena são pressupos-tos para o juízo de procedência, total ou parcial, desta ação.

Se for terra indígena, os títulos dos Réus serão nulos nos estritos limites do queabrangerem daquela área.

Na parte que, eventualmente, não incluir terra indígena, os títulos remanescemíntegros.

Assim, para se desconstituir os títulos, impõe-se o prévio reconhecimento, comlimites precisos, da terra indígena.

Ser, ou não, terra indígena é premissa para o juízo nulificante.

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R.T.J. — 19916

2.2. A terra indígena e o direito brasileiro

a) A legislação

Para a solução da questão devo proceder resenha do tratamento, no direito brasileiro,

das denominadas terras indígenas.

Não é o caso, neste momento, para um exame acurado do tema.

Por ora e para efeito da presente Questão de Ordem, é suficiente lembrar que a

Constituição de 1988 atribui à União a competência de “demarcá-las” (CF, art. 231,

caput).

Já em 1850, a Lei de Terras, de D. Pedro II (Lei 601, 18-9) tinha regra expressa:

“(...)

Art. 12. O Governo reservará das terras devolutas as que julgar necessárias:

1º, para a colonização indígena; (...)

(...)”

O Decreto 1.318, de 30-1-1854, que mandou executar a Lei de Terras, dispôs:

“(...)

Art. 72. Serão reservadas terras devolutas para colonização, e aldeamento de

indígenas nos distritos, onde existirem hordas selvagens.

Art. 73. Os Inspetores, e Agrimensores, tendo notícias da existência de tais

hordas nas terras devolutas, que tiverem de medir, procurarão instruir-se de seu

gênio e índole, do número provável de almas, que elas contêm, e da facilidade, ou

dificuldade, que houver para o seu aldeamento; e de tudo informarão o Diretor-

Geral das Terras Públicas, por intermédio dos Delegados, indicando o lugar mais

azado para o estabelecimento do aldeamento, e os meios de o obter; bem como a

extensão de terra para isso necessária.

Art. 74. À vista de tais informações, o Diretor Geral proporá ao Governo

Imperial a reserva de terras necessárias para o aldeamento, e todas as providências

para que este se obtenha.

Art. 75. As terras reservadas para colonização de indígenas, e por eles distri-

buídas, são destinadas ao seu usufruto; e não poderão ser alienadas, enquanto o

Governo Imperial, por ato especial, não lhes conceder o pleno gozo delas, por

assim o permitir o seu estado de civilização.

(...)”

O Federalismo Republicano de 1891 atribuiu aos Estados a titularidade e o con-

trole das terras ocupadas pelos índios.

Essa nova situação deu causa à formula adotada pelo Decreto 8.072, de 20 de

junho de 1910, que criou o Serviço de Proteção aos Índios:

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“(...)

Art. 3º O Governo Federal, por intermédio do Ministério da Agricultura,Indústria e Comércio, e sempre que for necessário, entrará em acordo com osGovernos dos Estados e dos municípios:

a) para que se legalizem convenientemente as posses de terras atualmenteocupadas pelos índios.

(...)

Art. 10. Se os índios, que estiverem atualmente aldeiados, quiserem fixar-senas terras que ocupam, o governo providenciará de modo a lhes ser mantida aefetividade da posse adquirida.

(...)”

A implementação dessa fórmula — acordo com os Estados e municípios — é quedeu origem à lei baiana de 1926, do presente caso.

O Governo Washington Luís definiu a forma de realização desse acordo.

Leio, no Decreto 5.484, de 27 de junho de 1928, que regulou a situação dos índiosnascidos em território nacional:

“(...)

Capítulo II

Terras pertencentes aos Estados

Art. 10. O Governo Federal promoverá a cessão gratuita para o domínio daUnião das terras devolutas pertencentes aos Estados, que se acharem ocupadaspelos índios, bem como a das terras das extintas aldeias, que foram transferidas àsantigas Províncias pela lei de 20 de outubro de 1887.

§ 1º As terras cedidas serão delimitadas em zonas correspondentes à ocupa-ção legal já existente, sendo respeitada a posse dos índios, assim como o uso egozo por eles das riquezas naturais aí encontradas.

§ 2º Respeitada essa posse, poderá o Governo Federal empregar as ditas terraspara a fundação de povoações indígenas, ou qualquer outra forma de localizaçãode índios.

(...)”

Foi em 1934 que a questão das terras indígenas passou a ter tratamento consti-tucional:

Constituição de 16 de julho de 1934:

“(...)

Art. 129. Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas seachem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado alie-ná-las.

(...)”

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R.T.J. — 19918

Observo que a CF de 1934, quando proibiu a alienação, repetiu o tratamento de1854 (Regulamento 1.318, 30-1-1854, art. 75).

A regra de 1934 manteve-se, com outros enunciados, em 19373 e 19464.

Foi a Constituição de 1967 que fez incluir, entre os bens da União:

“(...)

Art. 4º

(...)

IV - as terras ocupadas pelos silvícolas;

(...)”

Além do mais, a CF de 1967, em seu art. 186, retomou a técnica de “usufruto” quese encontrava no art. 75 do Regulamento 1.318, de 30-1-1854:

“(...)

Art. 186. É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras quehabitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais ede todas as utilidades nelas existentes.

(...)”

Só em 1969 o tratamento passou a ser mais abrangente e radical.

Lá apareceram a inalienabilidade, a posse permanente, o usufruto exclusivo e anulidade dos títulos que tivessem por objeto terra indígena:

“(...)

Art. 198. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos quea lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhe-cido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilida-des nelas existentes.

§ 1º Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qual-quer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terrashabitadas pelos silvícolas.

3 Constituição de 10 de novembro de 1937:

“(...)

Art. 154. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráterpermanente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das mesmas.

(...)”

4 Constituição de 18 de setembro de 1946:

“(...)

Art. 216. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentementelocalizados, com a condição que não a transferirem.

(...)”

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R.T.J. — 199 19

§ 2º A nulidade e extinção de que trata o parágrafo anterior não dão aos

ocupantes direito a qualquer ação ou indenização contra a União e a Fundação

Nacional do Índio.

(...)”

Em 1973, o Estatuto do Índio (Lei 6.001, 19-12-1973) dispôs sobre a demarcação

da terra indígena:

“(...)

Art. 19. As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal

de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o

processo estabelecido em decreto do Poder Executivo.

§ 1º A demarcação promovida nos termos deste artigo, homologada pelo

Presidente da República, será registrada em livro próprio do Serviço do Patrimônio

da União (SPU) e do registro imobiliário da comarca da situação das terras.

§ 2º Contra a demarcação processada nos termos deste artigo não caberá a

concessão de interdito possessório, facultado aos interessados contra ela recorrer à

ação petitória ou à demarcatória.

(...)”

A CF de 1988 acabou regrando exaustivamente a questão indígena.

O texto passou a reconhecer:

“(...)

(...) aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e

os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à

União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” (Art. 231, caput)

(...)”

Manteve a linha do direito brasileiro ao dispor que:

“(...)

Art. 231.

(...)

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua

posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos

rios e dos lagos nelas existentes.

(...)

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os

direitos sobre elas, imprescritíveis.

(...)”

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Introduziu regra sobre os recursos dessas terras, dispondo que:

“(...)

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energé-

ticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser

efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afeta-

das, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

(...)”

Vedou:

“(...)

Art. 231.

(...)

§ 5º(...) a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum

do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua

população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso

Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o

risco.

(...)”

Deu legitimação concorrente aos índios para afirmar em juízo:

“(...)

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas

para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Minis-

tério Público em todos os atos do processo.

(...)”

No que interessa para o caso, a CF de 1988 manteve o tratamento anterior aos

títulos que tenham por objeto terra indígena, passando a incluir direitos à exploração:

“(...)

Art. 231.

(...)

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que te-

nham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este

artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas

existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispu-

ser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou

a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da

ocupação de boa-fé.

(...)”

A Constituição avançou para explicitar o conceito de terra indígena.

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Está no

“(...)

Art. 231.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habita-das em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as im-prescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estare as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes etradições.

(...)”

b) Conceito de terra indígena

Essa regra fornece os diversos elementos que compõem o conceito de terras indíge-nas no Brasil.

Quatro elementos consubstanciam, em conjunto e sem exclusão, o conceito cons-titucional de “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”.

São as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios:

“(...)

(a) “(...) as por eles habitadas em caráter permanente (...)

(...)”

Esse é o primeiro elemento do conceito de terra indígena.

O núcleo deste primeiro elemento está na expressão “habitadas”.

São terras indígenas aquelas que forem pelos índios “habitadas”.

Mas a Constituição somente se satisfaz com uma habitação que possua o caráter depermanência — “habitadas em caráter permanente”.

Exige-se uma habitação qualificada.

Não é qualquer habitação.

É habitação em caráter permanente.

Esse primeiro elemento do conceito não se ressente de qualquer subjetividade.

Consiste em um dado da realidade empírica e objetiva: a existência de aldeias, sualocalização, dimensão, critérios de permanência, etc.

Parte-se de um fato — a habitação —, embora uma habitação adjetivada pelaexpressão “permanente”.

O adjetivo não reduz a objetividade que decorre do fato da habitação.

Prossegue a Constituição na conceituação.

“(...)

(b) São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, além daquelas “poreles habitadas em caráter permanente”, também aquelas “utilizadas para suasatividades produtivas”.

(...)”

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Integram o conceito de terra indígena as áreas “utilizadas para suas atividadesprodutivas”.

O dado relevante desse segundo elemento está na expressão “atividades produ-tivas”.

Aqui, também, estamos perante um elemento com grau de objetividade evidente:identificam-se as atividades produtivas do grupo indígena e as áreas utilizadas para essefim.

São situações de fato.

Apura-se, in loco, ou seja, emerge do fato de se destinar uma área para atividadeprodutiva.

Há um terceiro elemento que integra o conceito de terra indígena:

“(...)

(c) (...), as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessáriosao seu bem-estar (...)

(...)”

Nesse elemento do conceito, há um elemento objetivo: os recursos ambientais.

A ele se agregam três juízos de valor: imprescindibilidade, necessariedade e bem-estar.

Embora com um grau de subjetividade, esses três conceitos são explicitáveis pormeio de pesquisa de campo e dados objetivos.

Por fim, o último elemento que integra o conceito de terras tradicionalmenteocupadas:

“(...)

(d) as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costu-mes e tradições.

(...)”

Esse último elemento parte de uma constatação objetiva — a “reprodução física ecultural”.

E prossegue.

Exige o juízo de “necessariedade” e, ainda, um juízo antropológico que diz com“usos, costumes e tradições” do grupo.

O conceito de terra indígena, no Brasil, é integrado por quatro universos que seinterpenetram e se complementam.

Há — a imagem parece boa — quatro círculos concêntricos que se completam.

O primeiro círculo, a “habitação permanente”.

Esse é o círculo menor e com índice de objetividade maior.

Depende de verificação in loco e de análise dos costumes, ou seja, análise de com-portamento para explicitar o caráter de permanência da habitação.

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Isso significa, por exemplo, que, dependendo do tipo de cultura indígena, se teráuma habitação permanente em mais de um lugar.

Basta que aquela comunidade indígena cultive o sistema de transferência, detransposição ou de deslocamento em determinados momentos do tempo, para voltar aum determinado lugar.

Essa situação viabiliza a existência de habitação permanente em dois ou maislocais distintos, exatamente em decorrência de tradições ou por influências de questõesrelativas a clima e a atividades produtivas.

A esse elemento se agrega o segundo “círculo”: as terras “utilizadas para (...)atividades produtivas”.

Esse Círculo 2 depende da verificação e da existência real e efetiva do Círculo 1.

Aliás, há uma relação de dependência entre os diversos círculos, os primeiros sãocondicionantes dos subseqüentes.

A perquirição a respeito do Círculo 2 depende de uma resposta positiva em relaçãoao Círculo 1.

Mas a Constituição brasileira, no conceito de terras tradicionalmente ocupadas,não se satisfez com os dois círculos referidos.

Ela instituiu, também, o Círculo 3, que se constitui nas áreas

“(...)

imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bemestar (...)

(...)”

Observe-se que, como ocorre com o Círculo 2, há, por parte deste Círculo 3, umarelação de dependência com os anteriores.

Só se poderá perquirir sobre o Círculo 3 quando, e somente quando, já se tiver umaresposta positiva em relação aos Círculos 1 e 2.

Neste Círculo 3 parte-se de uma base objetiva e constatável empiricamente — osrecursos ambientais.

A essa base se agregam os elementos valorativos que definem a sua extensão.

Por último, chega-se ao Círculo 4:

“(...)

terras (...) necessárias à (...) reprodução física e cultural segundo (...) usos,costumes e tradições” do grupo indígena.

(...)”

Tal como se passa com os demais, esse último círculo depende dos círculos ante-riores e sua perquirição se fará após os anteriores.

Com isso, pode-se afirmar, com absoluta tranqüilidade interpretativa, que o advér-bio “tradicionalmente”, que está na raiz do conceito de “terras ocupadas pelos índios”,não está relacionado, no texto da Constituição brasileira, com elemento histórico, massim com a forma tradicional de ocupação.

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O advérbio “tradicionalmente” nada tem com o conceito de “posse imemorial”mas sim com o conceito de formas tradicionais de ocupação.

O juízo histórico, entretanto, é fundamental para a elucidação dos quatro círculos,principalmente do Círculo 3 e do Círculo 4.

Esse é o quadro institucional brasileiro no que diz respeito ao tratamento constitu-cional do tema.

Verifica-se que, com força constitucional, a posse indígena distancia-se do conceitode posse do Direito Civil.

4. O processo administrativo pós-1988

a) Decreto 22/1991

Todas essas regras são as premissas para a demarcação da terra indígena.

A obrigação de demarcar as terras e de identificá-las é da União.

Em 1977, conforme vimos, foi editada a Lei n. 6.001 (Estatuto do Índio), quedelegou ao Poder Executivo a fixação do procedimento demarcatório (art. 19).

As terras são administrativamente demarcadas.

Em face disso, foram editados sucessivos decretos regulamentando o procedimentoadministrativo de demarcação de terra indígena.

O primeiro decreto é anterior ao Estatuto do Índio.

O procedimento determinado por esse decreto relacionava a Funai diretamente àPresidência da República.

A Funai fazia um reconhecimento prévio junto com o Instituto Nacional deColonização e Reforma Agrária.

Era um ato conjunto da Funai com o Incra.

Reconhecia-se, previamente, a existência de índios em determinada gleba e, apartir desse momento, iniciava-se a demarcação procedida pela Funai.

Essa demarcação era antecedida, à época, por um edital que dava ciência aosconfrontantes da gleba objeto da identificação.

Depois disso, eram realizados os atos físicos de demarcação.

Ao fim, os trabalhos eram homologados pelo Presidente da República.

A homologação da demarcação tinha e tem o efeito de:

a) declarar o domínio da União sobre a área;

b) declarar o direito ao usufruto vitalício dos índios e das tribos que na gleba seachassem localizados.

Posteriormente, foram editados novos decretos em 1983 e 1987, alterando esseprocesso de demarcação.

O que se observou foi um conflito entre órgãos do Poder Executivo.

De um lado, conflito entre o Incra e a Funai e, de outro, conflitos entre os órgãos daFunai e determinadas funções de outros Ministérios.

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Houve momentos em que a função demarcatória era compartilhada entre váriosMinistérios.

Em 4 de fevereiro de 1991, foi editado o Decreto n. 22, modificado em 1992, peloDecreto n. 608.

Pelo Decreto, com sua modificação, a demarcação começava com uma portaria dopresidente da Funai.

Instituía-se grupo técnico presidido por antropólogo.

Esse grupo técnico realizaria “estudos etno-históricos, sociológicos, cartográficos efundiários” tendentes à identificação da terra indígena.

Durante os seus trabalhos, “o grupo indígena envolvido” participaria (art. 2, § 3º)e “outros órgãos públicos, membros da comunidade científica ou especialistas” pode-riam ser convidados a participar dos trabalhos (art. 2, § 4º).

O decreto estabelecia, também, a obrigação a “órgãos públicos federais, estaduaise municipais” de prestar informações (art. 2º, § 5º), o que era facultado “às entidadescivis”.

O grupo técnico, afinal, encerrava seus trabalhos com a elaboração de

“(...)

(...) relatório circunstanciado (...) caracterizando a terra indígena a ser demar-cada (...)” (art. 2º, § 6º).

(...)”

O presidente da Funai aprovava o trabalho, que era publicado no Diário Oficial eencaminhado ao Ministério da Justiça.

O Ministro da Justiça, então, editava portaria declaratória dos limites da terraindígena e determinava a demarcação da área (art. 2º, § 9º).

Publicada a portaria no Diário Oficial da União, cabia, então, à Funai a realizaçãodos atos físicos da demarcação.

Iniciava-se, assim, a fase de demarcação física da área, nos termos do perímetroconstante da portaria.

Encerrados os trabalhos físicos de demarcação, o tema voltava ao Ministério daJustiça.

O Ministro de Justiça, após o exame dos procedimentos constantes dos autos,elaborava uma Exposição de Motivos ao Senhor Presidente da República, para que esteeditasse o decreto homologatório da demarcação.

Observe-se que o procedimento do Decreto n. 22 previa a existência de portariaque considerasse identificada a área (efeito declaratório) e determinasse (efeito manda-mental) o início da demarcação.

Terminava, assim, o procedimento com um decreto presidencial que homologava ademarcação.

Esse decreto, uma vez publicado no Diário Oficial, era levado a registro nos cartó-rios de imóveis competentes e no Serviço de Patrimônio da União.

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A partir do registro no cartório imobiliário, estava regularizada a situação da glebaquanto ao domínio da União.

O registro do decreto produz dois efeitos jurídicos fundamentais.

O primeiro é meramente declaratório: terra do domínio da União e afetada aousufruto e à posse de grupo ou grupos indígenas específicos.

O segundo efeito, decorrente do efeito declaratório do domínio da União, temnatureza desconstitutiva.

Há desconstituição do eventual domínio do Estado federado ou de terceiros sobrea gleba.

A Constituição Federal de 1988, explicitando o que já vinha do texto de 1969,dispôs sobre o efeito desconstitutivo do domínio com a regra seguinte:

“ (...)

Art. 231.

(...)

6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenhampor objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo oua exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes (...).

(...)”

Assim, todos os atos jurídicos que tenham por objeto a gleba que teve declarada serde ocupação indígena são nulificados, e extintos todos os seus efeitos jurídicos, inde-

pendentemente de qualquer indenização.

A única indenização possível, que os eventuais proprietários da gleba poderiamreclamar, diz com as benfeitorias que tenham sido feitas de boa fé, consistindo este oúnico ônus da União.

Voltando ao tema da demarcação, verifica-se que o Decreto 22 tinha um problema:

“(...)

(...) inexistência de contraditório, exigido pela CF (art. 5º, LV).

(...)”

b) Decreto n. 1.775/96

Em 1996, o Senhor Presidente da República enfrentou a questão.

Editou o Decreto n. 1.775/96.

O Poder Executivo corrigiu o defeito.

Manteve-se, em linhas gerais, o modelo demarcatório do Decreto 22.

No entanto, estabeleceu-se, desde o início da identificação até 90 dias da data dapublicação, no Diário Oficial da União, do relatório da Funai — onde se identifica operímetro —, a possibilidade de os interessados aduzirem, perante a Funai, dois tipos dedefesa:

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“(...)

a) de que a sua área não pode ser considerada como terra indígena, ou seja,argumenta, baseado no conceito dos círculos concêntricos citado anteriormente,de que a gleba não está abrangida, por exemplo, pelo último círculo (reproduçãofísica e cultural);

b) de que a indenização, das suas benfeitorias não está correta.

(...)”

Viabilizou-se um diálogo-confrontação com o próprio grupo técnico.

Como a intervenção dos interessados se dá desde o início do procedimento e aténoventa dias da data da publicação do laudo, é possível a solução de dificuldades pelopróprio grupo técnico, antes, mesmo, da elaboração do laudo antropológico.

Ressalto que o interessado terá que trazer, até noventa dias, todos os elementos deprova das suas alegações: perícia, declarações, títulos de propriedade, mapas.

Passados os noventa dias, a Funai tem o prazo de sessenta dias para emitir parecersobre as alegações que foram apresentadas pelos interessados.

O processo, com o laudo e o parecer sobre as alegações, é encaminhado ao Ministroda Justiça.

Este, no prazo de trinta dias (art. 2º, § 10), decide as questões:

“(...)

1) ou, rejeita todas as alegações dos interessados e declara identificada agleba tal qual foi publicada no relatório;

2) ou, determina novas diligências, que deverão ser realizadas no prazo de90 dias;

3) ou, desaprova a identificação por não terem sido atendidos os requisitosconstitucionais (círculos concêntricos).

(...)”

O contraditório ficou plenamente assegurado.

Além do mais, o Decreto 1.775/96 estabeleceu mecanismo para resolver a questãoda ausência de contraditório nas demarcações em curso na data de sua edição.

Para todas as demarcações cujo decreto não estivesse registrado (Cartório deImóveis e SPU), foi aberto prazo de noventa dias, contados da data de sua publicação(Decreto 1.775/96, art. 9º).

Com isso o vício existente — falta de contraditório — restou sanado.

O Tribunal já reconheceu esse fato nos MS 21.649 (Moreira Alves, Terra IndígenaJaguapiré, Pleno, 1º-6-2000) e MS 21.892 (Néri da Silveira, Terra Indígena Sete Cerros,Pleno, 29-11-2001).

5. A questão de ordem

Volto à questão de ordem.

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Para se examinar a validade, ou não, dos títulos de domínio objeto desta ação, faz-senecessário emitir um juízo sobre ser ou não ser a área terra indígena.

De duas, uma: ou é exigível a prévia demarcação administrativa, ou, nesta ação,pode o Tribunal, com os elementos de prova colhidos, definir a condição da área abran-gida pelos títulos.

Na primeira hipótese — exigência da demarcação prévia —, estar-se-ia perante umcaso de carência de ação.

Na segunda hipótese, o Tribunal teria que, nos termos antes expostos, como ques-tão prévia, verificar se a área abrangida pelos títulos dos Réus se constitui, ou não, totalou parcialmente, em terra indígena.

Tomar-se-iam os títulos dos Réus.

Verificar-se-ia o perímetro total abrangido pelo conjunto desses títulos.

E, por último, examinar-se-ia se tal perímetro seria terra indígena.

Para tanto, adotar-se-iam os critérios constitucionais.

Entendo que a Questão de Ordem deva ser resolvida pela segunda solução.

Efetivamente, a competência da demarcação é da União.

O Tribunal não promoveria a demarcação da terra.

Verificaria se o perímetro do conjunto dos títulos dos Réus abrangeria, ou não,terra indígena não demarcada.

Nada impede essa identificação judicial para os efeitos de decisão final.

Há precedente.

Na ACO 278-8 (Soarez Muñoz), o Tribunal decidiu caso inverso.

A União, em 1961, criou o Parque Nacional do Xingu (Decreto 50.455).

Tal Parque abrangeu área adquirida por Oswaldo Daunt Salles do Amaral, queajuizou a ação de desapropriação indireta.

Argumentou que, na sua gleba, não havia indígenas e, por isso, fazia jus à indeni-zação.

O Tribunal julgou procedente a ação.

Está na Ementa:

“(...).

Verificado que nas terras em causa não se achavam localizados, permanente-mente, silvícolas (art. 216 da Constituição de 1946), à época em que o Estado deMato Grosso as vendeu ao Autor (1959), pois que foram levados para elas depoisda criação do Parque Nacional do Xingu (1961), válidos são os títulos de proprie-dade do suplicante, e a União não poderia ter-se apropriado do imóvel sem préviadesapropriação. Fazendo como fez, por livre conta, praticou esbulho e deve sercompelida a ressarcir as respectivas perdas e danos. Ação cível julgada procedente.”(RTJ 107/461)

(...)”

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Para chegar a essa conclusão, o Tribunal examinou a condição da área e concluiuque ela não poderia ser qualificada como terra indígena.

Daí julgou procedente a ação.

No presente caso, a situação é inversa.

É a Funai e a União pretendendo anular os títulos, sob o argumento de a gleba serterra indígena, o que é contrariado pelos Réus.

Ora, se entendêssemos necessária a prévia demarcação administrativa, teríamos,após tal demarcação, uma ação dos atuais Réus contra União nos moldes da ACO 278.

E, nessa segunda ação, teríamos que fazer o que na presente ação teríamos afirmadoque não poderíamos fazer: identificar como terra indígena, ou não, a área abrangidapelos títulos dos Réus.

A inconsistência do raciocínio demonstra que é cabível, nesta ação, examinar osfatos para concluir pela ocorrência, ou não, de terra indígena, com todas as conseqüên-cias daí decorrentes.

Concluo pelo prosseguimento do feito para a emissão de juízo conclusivo sobre asituação jurídico-constitucional das áreas abrangidas pelos títulos, objeto do processo.

Examinarei, oportunamente, a necessidade de atos de inspeção judicial e coleta deoutras provas.

A solução da questão de ordem viabiliza que esta ação, que tramita desde 1982,possa ter uma solução final de mérito.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, a proposta que ora nos traz o eminenteMinistro Relator, na verdade, atalha o procedimento para solução de um conflito que,em juízo, se alonga desde 1982.

Na realidade, começou com medição de terras devolutas em 1926. Em 1930, insta-laram-se dois postos indígenas: Caramuru e Paraguassu. Portanto, é um litígio extrema-mente prolongado no tempo, envolvendo comunidades indígenas, que merecem a pro-teção do Estado brasileiro.

Vejo que a solução proposta pelo eminente Ministro Relator não causa agressão adireito de qualquer particular, apenas o define. Dentro da proposta que faz, esquematizadaem círculos concêntricos, levaria à consideração de S. Exa. que, no segundo círculoconcêntrico, lembre-se, também, dos tabus alimentares dos indígenas.

Parece-me que, realmente, adotando a solução proposta pelo eminente MinistroRelator, estaremos buscando uma solução mais pronta para um problema que já se alongademasiadamente.

PEDIDO DE VISTA

O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Ministro Nelson Jobim, V. Exa. poderia resumir,

novamente, a conclusão.

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O Sr. Ministro Nelson Jobim (Relator): Seria legítimo, por parte do Tribunal e do

Ministro Relator, fazer o seguinte: temos inúmeros títulos que têm plantas e mapas.

Reúnem-se esses em um todo, que é o abrangido por eles. Sobre esse todo controverte-se

se é ou não terra indígena. Há laudos, trabalhos existentes — entendo que haveria

necessidade de certas complementaridades, disponho-me a fazê-las — que deveriam ser

feitos por inspeção judicial, pelo próprio Ministro, sem delegação.

Feita a identificação de todo o conjunto, possível de ser realizada pelo serviço

cartográfico do Exército, que tem um levantamento primoroso do Território Nacional

em relação a essa situação, colocam-se os títulos dentro disso e identifica-se o todo

abrangido por eles. Daí será feito um exame, uma análise, sobre se é ou não compreendi-

do no conceito de terra indígena; em sendo positivo, a ação será julgada procedente

total, caso contrário, em parte, para declarar nulos alguns títulos e outros não.

Isso não é a demarcação da terra indígena, mas a declaração de que aquele conjunto

abrangido pelos títulos de domínio dos réus é ou não integrante de uma área de conceito

indígena.

A União fará sua demarcação futura, e essa, também, não deverá ir contra o que já

se estabeleceu como índice mínimo, mas poderá abranger outras situações, porque haverá

outras áreas, que não são objeto desta discussão, consideradas em terra indígena, a qual

será demanda de outra questão.

O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Sr. Presidente, nesse conhecimento empírico de

uma questão profunda, seria de indagar-se por que a União não procedeu à demarcação.

O Sr. Ministro Moreira Alves: Até para poder afirmar que aquela área...

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Relator): Ministro Maurício Corrêa, V. Exa. sabe a

resposta: Bahia.

O Sr. Ministro Moreira Alves: Não é só a Bahia. Há outros Estados; Mato Grosso,

por exemplo, não é Bahia.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Relator): Não há esse conflito. Todos eles foram

promovidos. É outra situação. Conheço essa história porque participei, politicamente,

dessa discussão.

O Sr. Ministro Moreira Alves: Veja V. Exa., tivemos que julgar o caso do Xingu,

que é típico e não era o da Bahia.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Relator): O caso do Xingu é distinto, não era área

indígena, foi demarcação...

O Sr. Ministro Moreira Alves: O grande problema é se o Estado da Bahia tem

tamanha força, dentro da Federação, que impede as discriminações em favor da própria

União, é melhor acabar com a Federação.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Relator): Desde 1926 a briga está assim, imagine.

O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Sr. Presidente, pedirei vista. Não precisarei dos

autos, apenas do voto de V. Exa.

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O Sr. Ministro Nelson Jobim (Relator): Faço um apelo a V. Exa.: examine oprocesso com brevidade, porque, se tivermos que fazer os atos a que refiro em meu voto,esses terão que ser feitos em fevereiro.

O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Estou sem condições de votar agora, Sr. Presidente,

tenho que refletir sobre o tema.

Isso é uma questão de ordem que, na verdade, traduz algo de inédito.

EXTRATO DA ATA

ACO 312-QO/BA — Relator: Ministro Nelson Jobim. Autora: Fundação Nacionaldo Índio – FUNAI (Advogados: Loredano Aleixo e outros). Litisconsorte ativa: União(Advogado: Advogado-Geral da União). Réus: Ananias Monteiro da Costa e outros(Advogados: Josaphat Marinho e outros e José Guilherme Villela), Almir Pinto Correia(Advogado: Altamirando Marques), Agenor de Souza Barreto e outros (Advogada:Whilde Costa Souza), Josino Pinto Correia (Advogado: Humberto de Figueiredo

Machado) e Manoel Nascimento Carvalho (Advogados: Edvaldo Santiago e outros).Litisdenunciado: Estado da Bahia (Advogados: Antônio José Telles de Vasconcellos eoutros).

Decisão: Após os votos do Ministro Nelson Jobim, Relator, e da Ministra EllenGracie, resolvendo a questão de ordem no sentido do caráter dispensável da demarcaçãopara ter-se a seqüência em si do processo, e, portanto, não reconhecendo na ausência dedemarcação pressuposto negativo de desenvolvimento válido do processo, pediu vistao Ministro Maurício Corrêa. Presidiu o julgamento o Ministro Marco Aurélio.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Moreira

Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, CarlosVelloso, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Nelson Jobim e Ellen Gracie. Procurador-Geralda República, Dr. Geraldo Brindeiro.

Brasília, 5 de dezembro de 2001 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Maurício Corrêa: A Fundação Nacional do Índio e a União Federalpretendem a declaração de nulidade de títulos de propriedade sobre imóveis rurais,concedidos pelo Estado da Bahia. Alega-se que tais áreas pertencem aos índios Pataxó

Hã Hã Hãe.

2. O Relator do feito, Ministro Nelson Jobim, após minucioso e aprofundado estu-do histórico acerca das legislações aplicáveis ao caso, concluiu que a questão principal

a ser dirimida consiste em saber se as terras cuja propriedade se discute são, segundo sedeflui do § 1º do artigo 231 da Constituição Federal, tradicionalmente indígenas. Seforem, a solução será a declaração de nulidade desses títulos, por força impositiva dos §§4º e 6º do referido preceito; se não, resultará improcedente a ação, remanescendo, emconseqüência, a possibilidade de sua parcial procedência.

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3. Além da complexidade e da importância do tema, o que chamou minha atenção ecompeliu-me ao pedido de vista, relaciona-se com a competência outorgada ao PoderExecutivo para demarcar a área. Como mencionado pelo Relator, há decreto em vigordispondo sobre os procedimentos para demarcação administrativa das terras indígenas,regulamentando a autorização constitucional outorgada à União (CF, artigo 232, caput).

4. Três indagações, de início, fizeram-me refletir sobre a hipótese: I) por que aUnião não demarca as terras em litígio?; II) não seria a demarcação pré-requisito para oreconhecimento da condição especial das terras e, por conseqüência, do direito de plei-tear o reconhecimento de nulidade objeto da ação?; e III) se o Tribunal não estaria seadiantando, invadindo área de atuação de iniciativa do Poder Executivo?

5. A primeira pergunta resolve-se não apenas pelas questões de ordem política jásuscitadas na assentada anterior, em face das características do local e das circunstânciasque o envolvem, mas também pelo fato de que a questão está subjudice, o que poderiagerar dificuldades de natureza administrativa se de imediato fosse feito o reconhecimentoda região como indígena, ou porque a providência se justificaria por mera prudência ecautela do próprio Poder Executivo. Sem que haja desistência do feito, o que a essaaltura parece-me improvável, não se me afigura razoável que a União proceda à demar-cação sobre coisa litigiosa, pelos reflexos imponderáveis que daí poderiam advir.

6. A esse respeito convém ressaltar que, diversamente da afirmação contida nainicial e posteriormente confirmada em recente memorial distribuído pela Funai — fatoque essencialmente foi a razão desta vista — a área objeto da controvérsia não foiformalmente ainda demarcada. É que, “na década de 30, procedeu-se a trabalhos decampo com o objetivo de levar a cabo a demarcação da área”, conforme asseverado porJobim, o que não chegou a materializar-se.

7. De fato, conforme concluiu o perito designado pelo juízo da instrução do pro-cesso e encarregado do levantamento topográfico da área, Efren de Moura Ferreira Filho,foi realizado trabalho de campo da área em conflito, “segundo planta, memorial descri-tivo, relatórios técnicos em anexo, neste Volume I, e identificação de marcos da medi-ção anterior, como mostra a documentação fotográfica, através do Volume II” (Apenso7, fl. 29), de modo que a referida demarcação verificada em 1937 e 1938 limitou-se, emverdade, a identificação, medição, registro e marcação física do território, não tendohavido nenhum ato oficial declaratório ou mesmo homologatório dos trabalhos entãoefetuados.

8. Os documentos constantes do volume 16 dos autos confirmam essa assertiva.Eles estão às fls. 5247/5290 e referem-se ao relatório dos trabalhos de demarcação reali-zados pelo Capitão Engenheiro Moysés Castello Branco Filho, no período de 1937/38,como representante do então Ministério da Guerra. Dele constam a individualização daárea, o memorial descritivo, os atos destinados à demarcação e as plantas elaboradas. Aseguir, às fls. 5291/5307, está o relatório do Engenheiro Civil Alfredo de Amorim Coe-lho, representante do Estado da Bahia para a demarcação e medição da área indígena“Paraguassú”. Ocorre que, à vista desses estudos — medições e marcações físicas, devi-damente relatadas e registradas —, não se seguiu a indispensável concretização do atoadministrativo ratificando os trabalhos e declarando a situação especial da área, comple-tando e conferindo efeitos legais ao ato de demarcação.

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9. Observo que as atividades de delimitação da área realizadas no passado deverãoservir, por óbvio, como início de prova para os fins visados na presente ação. Entretanto,impossível é considerar a área como sendo território indígena já demarcado, por ausên-cia de ato formal emanado do Poder competente. Feitos esses esclarecimentos, prossigona análise das demais questões que me geraram alguma dúvida.

10. O inciso XI do artigo 20 da Constituição Federal diz que as terras tradicional-mente ocupadas pelos índios são bens da União. Independentemente da demarcação aque alude o artigo 231, o fato é que detém ela o legítimo interesse na busca da verdadeirasituação jurídica do território em litígio para aferir as medidas que pretende adotar,sobretudo aquelas pertinentes a eventuais indenizações com que porventura tenha quearcar no futuro.

11. É certo que o ato de demarcação é da competência exclusiva da União. Suaausência, no entanto, não impede que o Poder Executivo, entendendo ser de sua proprie-dade terras em poder de terceiros, provoque a atuação do Poder Judiciário para invalidaros respectivos títulos.

12. Ora, demonstrada a existência de interesse processual, de possibilidade jurídicado pedido e de legitimidade das partes, não vejo como cogitar-se da hipótese de carênciada ação. Cumpre ao Tribunal, pois, enfrentar a questão de mérito, na linha da proposiçãodo Relator, a quem cabe, tratando-se de ação originária, determinar a realização dediligências, inspeções e colheita de provas suplementares, se ainda julgá-las necessáriasà adequada instrução do processo (RISTF, artigos 21, incisos I e II, 113 e 247; CPC,artigos 130 e 440)1.

13. Quando efetivamente julgada a ação, e uma vez formada a coisa julgada mate-rial, restará à União, nos limites da eventual procedência, garantida a declaração depropriedade, realizar a necessária demarcação das terras, em face da vinculação de seuusufruto pelos índios, ditada pela própria Carta Federal (CF, artigo 231, §§ 2º, 3º e 7º),não mais cabendo, a partir de então, o debate acerca da natureza do território, setradicionalmente indígena ou não. Da mesma forma, é evidente, sucederá com a parte oucom o todo acaso improcedente, visto que aí poderá não mais haver ato demarcatório.

1 Regimento Interno:

Art. 21. São atribuições do Relator:

I - ordenar e dirigir o processo;

II - determinar às autoridades judiciárias e administrativas providências relativas ao andamento e àinstrução do processo, bem como à execução de seus despachos, exceto se forem da competência doPlenário, da Turma ou de seus Presidentes;

Art. 113. A proposição, admissão e produção de provas no Tribunal obedecerão as leis processuais,observados os preceitos especiais deste Título.

Art. 247. A ação cível originária, prevista no art. 119, I, c e d, da Constituição (102, I, e e f da CF/88),será processada nos termos deste Regimento e da lei.

Código de Processo Civil:

Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias àinstrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

Art. 440. O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo,inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa.

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14. Essas são as conseqüências possíveis que vislumbro com o julgamento dacausa, que em nada colidem, no meu entender, com o ordenamento jurídico vigente.

Ante o exposto, acompanho a solução preconizada pelo Relator, para resolver aquestão suscitada.

É o meu voto.

VOTO (Confirmação)

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Relator): Sr. Presidente, como foi posto pelo eminenteMinistro Maurício Corrêa, tem-se que os atos físicos da década de 30, com relação àdemarcação da área indígena que havia sido autorizada por uma lei estadual ao Governodo Estado da Bahia, foram realizados, mas não se consumou a demarcação com o neces-

sário título de definição da área. À época, eram feitas escrituras públicas do Estado àcomunidade indígena ou ao Serviço de Proteção ao Índio.

Em 1967, a Constituição passou o domínio das terras tradicionalmente ocupadaspelos índios para a União, assegurando aos índios o seu usufruto vitalício. A ação ajui-zada pela Funai visa a anular escrituras públicas, outorgadas pelo Estado da Bahia, emrelação àquelas terras, porque, em determinado momento, o governador subseqüenteabandonou a hipótese de transferi-las aos índios e titulou várias pessoas.

Na verdade, com a lei estadual, o antigo Serviço de Proteção ao Índio apropriou-se

da área e passou a arrendá-la para brancos, que a ocuparam. Depois, os governadoressubseqüentes foram titulando esses brancos e acabaram não demarcando a área.

A pergunta, posta por mim, na questão de ordem, acompanhado pelos MinistrosEllen Gracie e Maurício Corrêa, é esta: não tendo havido a demarcação, poderia a açãocontinuar, uma vez que ela visa à anulação da escritura? A minha conclusão é a de queas terras são demarcáveis porque são indígenas, não passam a sê-lo após a demarcação. Épossível, portanto, que, por meio dos atos subseqüentes, o Tribunal possa examinar se se

constituem em área indígena para julgar procedente, ou não, a ação. Esse foi o sentido daquestão de ordem, que tem um aspecto prático.

Não gostaria de tomar providências complicadas no sentido de eventual inspeçãojudicial para, depois, o processo cair na preliminar. Então, gostaria de resolver a prelimi-nar para que o Ministro Relator possa promover inspeções judiciais a fim de definir asituação e trazer a julgamento a questão de mérito.

VOTO (Questão de ordem)

O Sr. Ministro Ilmar Galvão: A própria Lei n. 6.001/73, o Estatuto do Índio, prevêque a demarcação tem efeito meramente declaratório e não constitutivo. Ou seja, foi opróprio legislador que fez essa declaração e não há motivo para condicionar-se o exercí-

cio da ação pela União à prévia demarcação da área.

Por essas razões, estou acompanhando o voto do eminente Ministro Relator.

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VOTO (Questão de ordem)

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Ressalto que a demarcação prevista naCarta da República, no artigo 231, não é condição de procedibilidade, não afasta oacesso ao Judiciário, mormente em situação concreta em que há litígio sobre os limitesdas terras ditas pertencentes à União, ante a ocupação indígena.

Acompanho o voto do Relator, resolvendo a questão de ordem para que haja aseqüência do processo.

EXTRATO DA ATA

ACO 312-QO/BA — Relator: Ministro Nelson Jobim. Autora: Fundação Nacionaldo Índio – FUNAI (Advogado: Advogado-Geral da União). Litisconsorte ativa: União(Advogado: Advogado-Geral da União). Réus: Ananias Monteiro da Costa e outros(Advogados: José Guilherme Villela e outros), Almir Pinto Correia (Advogado:Altamirando Marques), Agenor de Souza Barreto e outros (Advogada: Whilde CostaSouza), Josino Pinto Correia (Advogado: Humberto de Figueiredo Machado) e ManoelNascimento Carvalho (Advogados: Edvaldo Santiago e outros). Litisdenunciado:Estado da Bahia (Advogados: PGE/BA – Antônio José Telles de Vasconcellos e outros).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, resolveu a questão de ordem suscitada peloMinistro Nelson Jobim, Relator, na Ação Cível Originária n. 312-1/BA, no sentido deque a demarcação, pela União, não é, em si, indispensável ao ajuizamento da própriaação. Votou o Presidente, Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Minis-tro Celso de Mello.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros MoreiraAlves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, IlmarGalvão, Maurício Corrêa, Nelson Jobim e Ellen Gracie. Procurador-Geral da República,Dr. Geraldo Brindeiro.

Brasília, 27 de fevereiro de 2002 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 312 — BA

Relator: O Sr. Ministro Nelson Jobim

Agravante: Fundação Nacional do Índio – FUNAI — Agravados: AnaniasMonteiro da Costa e outros, Almir Pinto Correia, Agenor de Souza Barreto e outros,Josino Pinto Correia e Manoel Nascimento Carvalho

Ação cível originária. Agravo regimental. Perícia.

Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou cien-tífico, o Código de Processo Civil estabelece que o Juiz será assistido porPerito (CPC, art. 145).

A realização da plotagem das áreas dos réus na planta da firmadaterra indígena é indispensável.

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Faz-se necessário o conhecimento da localização precisa das áreastituladas aos réus para um juízo futuro sobre a validade do título.

Em face da natureza do trabalho a ser desenvolvido, é desnecessáriaa apresentação de quesitos.

Também, considerando a urgência que o caso requer, tendo em vistaos litígios que ocorrem na área e o tempo de tramitação do processo,prescindível dar vista da proposta do Perito.

O plano de trabalho e a demonstração da composição dos custosestão claros.

O Perito não precisa informar a forma técnica pela qual realizará otrabalho.

A composição dos custos está claramente exposta no seu requeri-mento.

Apresentou-se razoável, considerando a relevância e extensão dotrabalho.

Não procede, também, a alegação quanto à violação dos princípiosdo contraditório e da ampla defesa, no que tange à impugnação do valorda perícia.

Compete ao Relator decidir sobre as medidas necessárias para quea ação tenha uma solução final de mérito.

Despacho de implementação de ato judicial para impulsionar o pro-cesso não se enquadra nos fundamentos constitucionais e legais que lheempresta a agravante.

O ato é decisão do Relator, e da conclusão dos trabalhos do Peritoterão vistas as partes para, então, se manifestarem.

No que diz com a alegada ausência de previsão orçamentária parapagar o Perito, também não tem lugar neste momento a objeção.

Essa matéria não cabe ser discutida neste processo e no Tribunal.

A existência de verba orçamentária, ou não, deve ser discutida eresolvida dentro da administração. Existem procedimentos próprios, ins-tâncias adequadas para tal.

Agravo desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notastaquigráficas, à unanimidade de votos, desprover o agravo.

Brasília, 20 de fevereiro de 2003 — Marco Aurélio, Presidente — Nelson Jobim,Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Nelson Jobim:

1. A ação

Relembro o caso.

A ação visa a anulação de títulos de domínio sob o argumento de que abrangemterra indígena.

Na sessão de 27 de fevereiro de 2002, o Tribunal resolveu questão de ordem pormim suscitada na sessão de 5 de dezembro de 2001.

O problema, então posto, decorria do fato de, no caso, não ter havido formalizaçãojurídica de demarcação autorizada por Lei estadual de 1926.

O Tribunal, na linha de minha posição, entendeu que a inexistência da préviademarcação da área não impedia o prosseguimento da ação.

Na QO sustentei que, para o juízo de mérito da ação — anulação dos títulos —,ter-se-ia que

“(...)

verificar se a área abrangida pelos títulos dos réus se constitui, ou não, totalou parcialmente, em terra indígena”.

Nos limites precisos da decisão de 27 de fevereiro de 2002, entendi necessário queos títulos dos réus fossem identificados e localizados na área para saber se se encontra-vam, ou não, dentro do perímetro da alegada Terra Indígena, mencionada na documen-tação das décadas de 20 e 30 do século passado.

Por isso, em 15 de abril de 2002, requisitei ao Estado da Bahia as plantas e osmemoriais descritivos dos imóveis referidos nos títulos imobiliários em nome dos réus(vol. 17, fl. 5572), localizados nos municípios abrangidos pelo afirmado perímetro daterra indígena (Pau Brasil, Camacan e Itajú do Colônia).

Os documentos foram juntados (vol. 17, fls. 5581 a 5678).

Essa documentação impõe a plotagem dos imóveis em questão, na planta da afir-mada área indígena.

Para efetuar esse trabalho, designei Perito.

Ele informou que era necessário realizar o georeferenciamento das citadas áreas.

Apresentou o valor global de R$ 2.100,00 (dois mil e cem reais), por área, para aefetuar o trabalho.

Estipulou, como condição de pagamento, o valor de 50% (cinqüenta por cento) noinício dos trabalhos e o restante no término.

Previu que essa perícia demandaria o prazo de 60 (sessenta) dias.

Em 8 de outubro de 2002, deferi o pedido.

Em 23 de outubro de 2002, a Advocacia-Geral da União foi intimada.

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2. O agravo regimental

Em 24 de outubro, a Funai interpõe Agravo Regimental, para anular a decisão.

Requer:

“(a) a complementação da proposta de perícia, com apresentação do plano detrabalho pelo perito judicial, inclusive considerando o preço do mercado e o le-vantamento georeferenciado de 10.000 hectares já realizado pela Funai e com aindicação do valor certo do total dos honorários;

(b) a concessão às partes da oportunidade de manifestação ou impugnação daproposta de perícia e do seu valor; e

(c) a inclusão da despesa com perícia judicial no orçamento da Funai, apósmanifestação das partes e homologação do seu valor.

(...)” (fl. 16).

Em outra petição, da mesma data, requereu a suspensão da perícia e do adianta-mento dos honorários periciais (Pet 216.889; fls. 26/28).

Alegou:

“(a) ausência de oportunidade para impugnação pelas partes da proposta dehonorários periciais;

(b) falta de apresentação de plano de trabalho pelo perito judicial, com deta-lhamentos técnicos, composição dos custos e valor certo do total dos serviços;

(c) presunção de ser o preço da perícia superior ao praticado no mercado; e

(d) inexistência de previsão orçamentária para o depósito dos honorários deperícia judicial no prazo determinado de 30 (trinta) dias.

(...)” (fls. 26/27).

Em 4 de novembro de 2002, a União Federal requereu sua inclusão no feito comolitisconsorte ativa (Pet 226.468, fl. 30), embora já estivesse atuando nessa qualidade.

Endossou as razões do Agravo Regimental.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Relator): O CPC é claro: “Art. 145. Quando a provado fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido porperito, (...)”

Na linha da decisão da QO, entendi indispensável a realização da plotagem dasáreas dos Réus na planta da afirmada terra indígena.

Faz-se necessário o conhecimento da localização precisa das áreas tituladas aosRéus para um juízo futuro sobre a validade do título.

Por isso, designei Perito.

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Relembro parte de meu voto na QO, onde resumi a questão:

“(...)

(...) não tendo havido a demarcação, poderia a ação continuar, uma vez que

ela visa a anulação da escritura? A minha conclusão é a de que as terras são demar-cáveis porque são indígenas, não passam a sê-lo após a demarcação. É possível,portanto, que, por meio dos atos subseqüentes, o Tribunal possa examinar se seconstituem em área indígena, para julgar procedente, ou não, a ação. Esse foi osentido da questão de ordem, que tem um aspecto prático.

Não gostaria de tomar providências complicadas no sentido de eventualinspeção judicial para, depois, o processo cair na preliminar. Então, gostaria de

resolver a preliminar para que o Ministro Relator possa promover inspeções judi-ciais a fim de definir a situação e trazer a julgamento a questão de mérito.”

Em face da natureza do trabalho a ser desenvolvido, entendi desnecessária a apre-sentação de quesitos.

Também, considerando a urgência que o caso requer, tendo em vista os litígios queocorrem na área e o tempo de tramitação do processo, prescindi da vista da proposta doPerito, por mim indicado, embora do despacho fossem as partes devidamente intimadas.

A Agravante entende que o Perito não apresentou plano de trabalho, que nãodemonstrou a composição de custos, etc.

Isso não é verdade.

Está absolutamente claro e detalhado qual o método que será utilizado para o

trabalho.

Leio no ofício de fls. 02/03:

“(...).

1 - Para plotagem das áreas na referida planta é necessário o georeferencia-mento das mesmas.

2 - A documentação fornecida pela Coordenação de Desenvolvimento Agrá-rio – CDA referente as áreas tituladas, não estão georeferenciadas.

3 - As demais áreas referente aos processos, não consta como tendo sidogeoreferenciadas.

Em face ao exposto, sugerimos que para a realização dos trabalhos seja feitoo levantamento topográfico das áreas em questão georeferenciando-a, sendo que,as áreas tituladas e cujas as plantas e memoriais descritivos estão anexada aos

processos poderão ser georeferenciadas, aproveitando os dados, se forem encontra-dos os marcos de referência.

Custos

Levantamento planimétrico georeferenciado das áreas R$ 1500,00 p/ área

Georeferenciamento de três pontos das áreas tituladas R$ 600,00 p/ área

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Prazo

60 (sessenta) dias, após a autorização para o início dos trabalhos.

Pagamento

50% no início, e 50% no término dos trabalhos.

Apresentação

Será feita em uma planta única, contendo a poligonal da reserva e todos osimóveis levantados.

(...)”

Prossigo.

O Perito não precisa informar a forma técnica pela qual realizará o trabalho.

A composição dos custos está claramente exposta no seu requerimento e se meapresentou razoável, considerando a relevância e a extensão do trabalho.

Não procede, também, a alegação quanto à violação dos princípios do contraditó-rio e da ampla defesa no que tange à impugnação do valor da perícia.

Compete ao Relator, na linha da decisão da QO, decidir sobre as medidas necessá-rias para que a ação tenha uma solução final de mérito.

Despacho de implementação de ato judicial para impulsionar o processo não seenquadra nos fundamentos constitucionais e legais que lhe empresta a agravante.

O ato é decisão do Relator, e da conclusão dos trabalhos do Perito terão vistas aspartes para então se manifestarem.

As partes que seriamente querem uma decisão final do processo devem cumprir adecisão e dar andamento ao processo.

No que diz com a alegada ausência de previsão orçamentária para pagar o Perito,também não tem lugar neste momento a objeção.

Essa matéria não cabe ser discutida neste processo e no Tribunal.

A existência de verba orçamentária, ou não, deve ser discutida e resolvida dentroda administração. Existem procedimentos próprios, instâncias adequadas para tal.

Esse obstáculo, se existente, há de ser solucionado na área específica, não dentrodeste processo.

Em face do exposto, nego provimento ao agravo e, se interessar às partes a apresen-tação de quesitos e indicação de assistente técnico, abro o prazo de cinco dias para tal, apartir da publicação desta decisão.

EXTRATO DA ATA

ACO 312-AgR/BA — Relator: Ministro Nelson Jobim. Agravante: Fundação Na-cional do Índio – FUNAI (Advogados: Advogado-Geral da União e outros). Agravados:Ananias Monteiro da Costa e outros (Advogados: Josaphat Marinho e outros e JoséGuilherme Villela), Almir Pinto Correia (Advogado: Altamirando Marques), Agenor de

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Souza Barreto e outros (Advogada: Whilde Costa Souza), Josino Pinto Correia (Advoga-do: Humberto de Figueiredo Machado) e Manoel Nascimento Carvalho (Advogados:Edvaldo Santiago e outros).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, desproveu o agravo. Ausentes, justificada-mente, os Ministros Celso de Mello e Maurício Corrêa, e, neste julgamento, os MinistrosMoreira Alves, Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso. Presidiu o julgamento, sem voto, oMinistro Marco Aurélio.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros MoreiraAlves, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Ilmar Galvão, NelsonJobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Procurador-Geral da República, Dr. GeraldoBrindeiro.

Brasília, 20 de fevereiro de 2003 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 559 — MT

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Requerente: Governador do Estado de Mato Grosso — Requeridos: Governadordo Estado de Mato Grosso e Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso

Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 57 da Lei Complemen-tar n. 4 do Estado do Mato Grosso. Servidores públicos. Acordos e conven-ções coletivas de trabalho. Violação do artigo 61, § 1º, II, da Constituiçãodo Brasil. Artigo 69, caput e §§ 1º e 2º, da Lei Complementar n. 4. Fixaçãode data para o pagamento de vencimentos. Correção monetária em caso deatraso. Constitucionalidade.

1. A celebração de convenções e acordos coletivos de trabalho cons-titui direito reservado exclusivamente aos trabalhadores da iniciativaprivada. A negociação coletiva demanda a existência de partes detento-ras de ampla autonomia negocial, o que não se realiza no plano da rela-ção estatutária.

2. A Administração Pública é vinculada pelo princípio da legalidade.A atribuição de vantagens aos servidores somente pode ser concedida apartir de projeto de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, con-soante dispõe o artigo 61, § 1º, inciso II, alíneas a e c, da Constituição doBrasil, desde que supervenientemente aprovado pelo Poder Legislativo.Precedentes.

3. A fixação de data para o pagamento dos vencimentos dos servido-res estaduais e a previsão de correção monetária em caso de atraso nãoconstituem aumento de remuneração ou concessão de vantagem.

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Pedido julgado parcialmente procedente para declarar inconstitu-cional a expressão “em acordos coletivos ou em convenções de trabalhoque venham a ser celebrados”, contida na parte final do artigo 57 da LeiComplementar n. 4, de 15 de outubro de 1990, do Estado de Mato Grosso.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,julgar procedente, em parte, a ação direta de inconstitucionalidade apenas para declarara inconstitucionalidade da expressão “em acordos coletivos ou em convenções de traba-lho que venham a ser celebrados”, constante do artigo 57 da norma impugnada, nostermos do voto do Relator.

Brasília, 15 de fevereiro de 2006 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O Governador do Estado de Mato Grosso, com funda-mento no art. 103, inciso V, da Constituição do Brasil, propõe ação direta objetivando adeclaração de inconstitucionalidade da parte final do artigo 57 e do artigo 69, caput e §§1º e 2º, da Lei Complementar n. 4 do Estado de Mato Grosso.

2. Eis o teor do texto normativo hostilizado:

“Art. 57. Remuneração é o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vanta-gens pecuniárias, permanentes ou temporárias, previstas nas Constituições Federale Estadual, em acordos coletivos ou em convenções de trabalho que venham aser celebrados”.

“Art. 69. O pagamento da remuneração dos servidores públicos dar-se-á até odia 10 (dez) do mês seguinte ao que se refere.

§ 1º O não-pagamento até a data prevista neste artigo importará na correçãodo seu valor, aplicando-se os índices federais de correção diária, a partir do diaseguinte ao do vencimento até a data do efetivo pagamento.

§ 2º O montante da correção será pago juntamente com o vencimento do mêssubseqüente, corrigido o seu total até o último dia do mês, pelos mesmos índicesdo parágrafo anterior.”

3. O requerente afirma que o trecho destacado do artigo 57 viola os artigos 39, § 2º[redação original]; 61, § 1º, inciso II, alíneas a e c; e 114 da Constituição, todos deobservância obrigatória pelos Estados-Membros.

4. Sustenta que as disposições do artigo 39 da Constituição afiguram-se incompa-tíveis com a negociação coletiva de trabalho, uma vez que a atribuição de vantagenspecuniárias aos servidores públicos somente pode ser conferida por lei, não sendo pos-sível à Administração Pública transigir judicialmente sobre matéria reservada à lei. Ale-ga ainda que não se aplicam aos servidores públicos direitos previstos além das disposi-ções do artigo 39 da Constituição do Brasil, eis que esse rol seria taxativo e restritivo,

não podendo ser ampliado pelo legislador estadual.

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5. Ademais, segundo o requerente, o preceito atacado afronta o artigo 114 da CB/88,preceito que alcançaria tão-somente situações oriundas de contrato de trabalho e nãoaquelas que decorram da relação legal estabelecida pelo regime estatutário instituídopelo artigo 39 do texto constitucional.

6. Destaca, outrossim, que o disposto no art. 61, § 1º, inciso II, alínea a, da Cons-tituição do Brasil estabelece reserva legal, com iniciativa privativa do Chefe do PoderExecutivo, em relação a leis que disponham sobre direitos ou remuneração de servidorespúblicos. Acrescenta que a competência atribuída ao Chefe do Poder Executivo parapropor aumento de vencimentos submete-se ainda a disponibilidades orçamentárias.

7. Por fim, cita precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo TribunalFederal, destacando cautelar deferida pelo Ministro Marco Aurélio e referendada peloPlenário na ADI n. 554-5/MT.

8. No que se refere à alegada inconstitucionalidade do artigo 69, caput, e §§ 1º e2º, da Lei Complementar n. 4, o requerente afirma que os preceitos destacados violam osartigos 2º, 25, caput, 84, inciso VI, e 169 da Constituição do Brasil. Sustenta que opreceito impugnado, ao fixar data para o pagamento de servidores estaduais, afrontou osprincípios da harmonia entre Poderes. Afirma, ademais, que a aplicação de correçãomonetária aos salários atrasados atinge “de forma irrecuperável as determinações de préviadotação orçamentária suficiente e autorização específica da lei de diretrizes” (fl. 11).

9. A pretensão cautelar foi deferida, consoante acórdão de fls. 34/43, para suspen-der a eficácia da expressão “em acordos coletivos ou convenções de trabalho quevenham a ser celebrados”, contida na parte final do artigo 57 da lei impugnada.

10. A Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso apresentou informaçõesàs fls. 52/56. No que se refere ao trecho impugnado do art. 57 sustenta que a Constituiçãode 1988 é amplamente progressista e que o liberalismo proclamado pelo constituinte seriafulminado se aos servidores públicos fosse defeso participar do patrocínio dos seuspróprios direitos por meio da negociação coletiva. Quanto ao disposto no artigo 69 eparágrafos, afirma que as flutuações da moeda nacional justificam a adoção de data parapagamento dos servidores, assim como a estipulação de índice para correção monetáriaem caso de atrasos no pagamento.

11. A Advocacia-Geral da União manifestou-se às fls. 67/75, defendendo a consti-tucionalidade dos preceitos impugnados e ratificando os argumentos apresentados pelaAssembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso.

12. O Procurador-Geral da República, em seu parecer de fls. 77/82, opinou pelaprocedência parcial do pedido para declarar tão-somente a inconstitucionalidade daexpressão “em acordos coletivos ou em convenções de trabalho que venham a ser cele-brados”, contida no art. 57 da Lei Complementar n. 4 do Estado de Mato Grosso.

É o relatório, do qual se extrairão cópias para remessa aos Senhores Ministros(RISTF, art. 172).

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O artigo 57 da Lei Complementar n. 4 do Estadode Mato Grosso prevê a possibilidade de servidores públicos estaduais, submetidos aregime jurídico estatutário, celebrarem acordos ou convenções coletivas de trabalho.

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2. Este Tribunal, ao julgar a ADI n. 492-1/DF1, declarou a inconstitucionalidadedas alíneas d e e do artigo 240 da Lei 8.112/902, preceitos análogos aos atacados napresente ação direta. Naquela ocasião o Tribunal firmou o entendimento de que a cele-bração de convenções e acordos coletivos de trabalho constitui direito reservado exclu-sivamente aos trabalhadores da iniciativa privada, submetidos ao regime previsto naCLT, cujos direitos são discriminados no artigo 7º da Constituição.

3. Outrossim, o Tribunal, ao julgar a ADI n. 112-4/BA3, declarou a inconstitucio-nalidade do artigo 41, inciso XVI, da Constituição do Estado da Bahia4, que igualmenteprevia, para os servidores públicos estaduais, o reconhecimento das convenções e dosacordos coletivos de trabalho.

4. A negociação coletiva é incompatível com o regime estatutário. A Administra-ção Pública é vinculada pelo princípio da legalidade, não estando ao seu alcance aconcessão de qualquer tipo de vantagem aos servidores públicos, seja por convenção,seja por acordo coletivo de trabalho. Isso porque a atribuição de vantagens aos servido-res somente pode ser concedida a partir de projeto de lei de iniciativa do Chefe do PoderExecutivo, consoante dispõe o artigo 61, § 1º, inciso II, alíneas a e c, da Constituição,desde que supervenientemente aprovado pelo Poder Legislativo.

5. Considere-se ainda o disposto no art. 169, § 1º, incisos I e II, da Constituição doBrasil.

6. A negociação coletiva, gênero que abrange os procedimentos tendentes à cele-bração de acordos e convenções coletivas de trabalho, demanda, para que seja plena-mente realizada, a existência de partes detentoras de ampla autonomia negocial, o quenão se realiza no plano da relação estatutária.

7. Diversa é a questão no que se refere à alegada inconstitucionalidade do artigo69, caput e parágrafos, da lei sob análise. Este Tribunal, ao julgar a ADI n. 176-1/MT,Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 9-10-92, firmou o entendimento de que afixação de data para o pagamento dos vencimentos dos servidores estaduais e a previsãode correção monetária em caso de atraso não representam afronta à Constituição de1988.

1 ADI 492/DF, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 12-3-93.

2 Art. 240. Ao servidor público civil é assegurado, nos termos da Constituição Federal, o direito à livreassociação sindical e os seguintes direitos, entre outros, dela decorrentes:

(...)

d) de negociação coletiva;

e) de ajuizamento, individual e coletivamente, frente à Justiça do Trabalho, nos termos da ConstituiçãoFederal.

3 ADI n. 112-4/BA, Relator o Ministro Néri da Silveira, DJ de 9-2-96.

4 Art. 41. São direitos dos servidores públicos civis, além dos previstos na Constituição Federal:

(...)

XVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.

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8. Não há que se cogitar de inconstitucionalidade do preceito impugnado, seja sobo ponto de vista formal, seja sob o ponto de vista material. Conforme destacou o Minis-tro Marco Aurélio, a fixação de data para o pagamento dos servidores estaduais e aprevisão de correção monetária em havendo atraso nesse pagamento não constituemaumento de remuneração ou concessão de vantagem, dizendo respeito ao pagamento devalores devidos. Os preceitos impugnados tratam somente de preservar o poder aquisitivoda moeda. Ademais, a orientação adotada pela Corte quando do julgamento da ADI n.176-1/MT foi seguida nos acórdãos exarados na ADI n. 171-2/PR, Relator para oacórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 8-10-93; ADI n. 657-6/RS, Relator oMinistro Néri da Silveira, DJ de 28-9-01; e ADI n. 544-8/SC, Relator o MinistroCarlos Velloso, DJ de 30-4-04.

Julgo parcialmente procedente o pedido, para declarar inconstitucional a expres-são “em acordos coletivos ou em convenções de trabalho que venham a ser celebrados”,contida na parte final do art. 57 da Lei Complementar n. 4, de 15 de outubro de 1990, doEstado de Mato Grosso.

EXTRATO DA ATA

ADI 559/MT — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Governador do Estado deMato Grosso (Advogado: Domingos Monteiro da Silva Neto). Requeridos: Governador doEstado de Mato Grosso e Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso.

Decisão: O Tribunal, à unanimidade, julgou procedente, em parte, a ação direta deinconstitucionalidade apenas para declarar a inconstitucionalidade da expressão “emacordos coletivos ou em convenções de trabalho que venham a ser celebrados”,constante do artigo 57 da norma impugnada, nos termos do voto do Relator. Votou aPresidente. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Britto e, neste julgamento, oMinistro Nelson Jobim (Presidente). Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie(Vice-Presidente).

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio FernandoBarros e Silva de Souza.

Brasília, 15 de fevereiro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

EXTRADIÇÃO 921 — REPÚBLICA PORTUGUESA

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso

Requerente: Governo de Portugal — Extraditanda: Maria Cecília GonçalvesBrandão de Menezes ou Maria Cecília Gonçalves Brandão de Meneses ou Maria CecíliaGonçalves

Extradição. Passiva. Executória. Portuguesa. Tratado entre Brasil ePortugal. Pluralidade de delitos ou concurso de infrações. Concurso mate-rial ou “cúmulo jurídico”. Uso de documento de identificação alheia (falsa

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identidade), falsificação de documento (público) e burla qualificada (este-lionato). Pena privativa de liberdade. Cumprimento. Exigência de que aduração da pena ainda por cumprir seja superior a nove meses. Restriçãoaplicável a cada crime considerado individualmente. Apenação do crimede uso de identificação alheia a quatro meses de prisão. Indeferimento dopedido correspondente. Extradição parcial deferida. Inteligência do art.II, n. 1 e 2, do Tratado. Segundo o Tratado de Extradição entre o Governoda República Federativa do Brasil e o Governo da República Portuguesa,não se concede extradição executória quando a duração de pena privativade liberdade por cumprir, considerada em relação a cada delito, não sejasuperior a nove meses.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,conceder parcialmente o pedido de extradição, no termos do voto do Relator.

Brasília, 1º de dezembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O parecer do Sr. Procurador-Geral da República expõeo caso:

“1. A República Portuguesa, com fundamento em tratado específico, pormeio da Nota Verbal n. 70, de 04.03.2004, formalizou pedido de extradição execu-tória da nacional portuguesa Maria Cecília Gonçalves Brandão de Menezes,contra quem foi expedida ordem de prisão definitiva, em 15.10.2003, pelo juízo da2ª Vara da 2ª Seção de Lisboa, para cumprimento da pena de 7 (sete) anos de prisão,pelos crimes de uso de documento de identificação alheia, falsificação de docu-mento e burla qualificada (fls. 4/138).

2. O Estado requerente solicitou, ainda, a prisão preventiva da extraditanda.

3. Vossa Excelência, no despacho de fls. 141, bem observou que o país reque-rente ‘só apresentou cópia dos textos sobre a prescrição ‘do procedimento crimi-nal’ (fls. 129 a 134), as quais se não aplicam ao caso, pois, como se viu, o proce-dimento criminal tendente à satisfação da pretensão de punir já se extinguiu como trânsito em julgado da sentença condenatória.’

4. O Ministério Público requisitou a realização de diligência (fls. 154/155).

5. O país requerente, através da Nota Verbal n. 220, de 21.07.2004, trouxe adocumentação referente à prescrição penal (fls. 164/176).

6. V. Exa., então, determinou a prisão preventiva da ora extraditanda (fls.178/179), efetivada em 26.10.2004 (fls.204).

7. No interrogatório, a extraditanda afirmou que tomou conhecimento da suacondenação final pela justiça portuguesa quando estava no Brasil, onde reside há

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dois anos. Noticiou, ainda, que responde inquérito policial no Brasil, por ter regis-trado o neto como seu fosse seu filho (fls. 232/234).

8. Em sua defesa, a extraditanda propugna pelo indeferimento do pedido, argu-mentando, em síntese: a) que filho e marido (portador de HIV) vivem sob sua totaldependência econômica; b) que está indiciada em inquérito policial no Brasil; c) odelito principal de sua condenação tem pena inferior a 1 (um) ano (fls. 239/240)”.

E, no mérito, é pelo deferimento parcial da ordem, entendendo que o pedido deveser recusado no que diz respeito à pena imposta pelo crime de uso de documento deidentificação alheia, que foi “definitivamente estipulada em 4 (quatro) meses de prisão.O Tratado de Extradição celebrado entre o Governo da República Federativa do Brasil e oGoverno da República Portuguesa, em 7 de maio de 1991 (Decreto n. 1.325/94), somenteautoriza a extradição ‘para cumprimento de uma pena privativa de liberdade (...) sea duração da pena ainda por cumprir for superior a nove meses´ (art. II, n. 2)”, daíconcluir que o pedido de extradição não deve ser deferido quanto a este delito (fl. 294).

Anoto que o trânsito em julgado da condenação se deu em 23 de agosto de 2002(fl. 05).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): O presente pedido de extradição executóriaencontra-se formalmente em ordem, devidamente acompanhado dos documentos exigi-dos pela lei.

À extraditanda foi imposta a pena de sete anos de prisão, pelos seguintes fatos:

“Por ter ficado provado que, entre os meses de Abril de 1999 e Julho de 1999, afim de obter quantias monetárias avultadas, a arguida e outros arquitectaram um planoque consistia em enviar uma encomenda à cobrança, com um determinado valor, queera recebida pelo destinatário que procedia à entrega, aos correios, desse valor.

Os Correios de Lisboa e do Seixal emitiram um cheque no valor do dinheiroentregue a favor do remetente, o qual era sempre algum dos arguidos, utilizandonomes por si inventados.

Na posse desse cheque, a arguida e outros, através de computador, procediamà alteração dos seus dizeres relativos ao montante, quer em numerário, quer porextenso, à data da emissão e à identificação do tomador.

Com o cheque assim alterado, os arguidos assinavam no verso do mesmo onome de Flávia Nogueira Pinto, como de um endosso se tratasse e assinavamtambém um nome que correspondia ao nome que constava do documento pessoalde identificação apresentado ao funcionário bancário pelo arguido que se apresen-tava na instituição bancária, em Lisboa, onde solicitava ao empregado bancário ouo depósito das quantias tituladas pelo cheque ou o seu levantamento.

De todas as vezes que fizeram estas operações bancárias, a arguida e outrosactuaram de tal modo que criaram no funcionário que os atendeu a convicção deque estavam, de forma legítima, na posse dos cheques que apresentavam e que, porisso, as operações realizadas eram também legítimas.

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Com tal actuação a arguida e co-arguidos apropriaram-se ilicitamente de9.084.651$00 que utilizaram em proveito próprio.

Incorreu, assim, a arguida, na prática de um crime de falsificação de documen-to, p.p. pelo art. 256º n. 1 als. a) e c) e no n. 3 do Código Penal, punido com pena deprisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias e naprática, em co-autoria material, de um crime de burla qualificada, p.p. pelos arts.217º, n. 1 e 218º, n. 2, al. a), do Código Pena, punido com pena de prisão de dois aoito anos.

Face ao exposto decidiram os Juízes, que constituem o Tribunal Colectivo,julgar a cusação (sic) do Ministério Público parcialmente procedente e, em conse-qüência, condenar a arguida Maria Cecilia Gonçalves, pela prática de um crimede uso de documento de identificação alheia, p.p. pelo art. 261º, do Código Penal,na pena de quatro meses de prisão; pela prática de um crime de falsificação dedocumento, p.p. pelo art. 256º, n. 1 als. a) e c) e n. 3, do Código Penal, na pena detrês anos e seis meses de prisão; pela prática de um crime de burla qualificada, p.p.pelos arts. 217 e 218, n. 2, al. a) do Código Penal, na pena de cinco anos e seismeses de prisão; em cúmulo jurídico das referidas penas, na pena única de 7 (sete)anos de prisão”.

Os três crimes encontram correspondência no direito positivo nacional:

a) ao crime de uso de documento de identificação alheia (art. 261º do Código Penalportuguês) corresponde aqui o de “falsa identidade” (art. 308 do CP);

b) ao crime de falsificação de documento (art. 256º, n. 1, letras a e c, e n. 3 doCódigo Penal português), o de “falsificação de documento público” (art. 297 do CP);

c) ao crime de burla qualificada (arts. 217º e 218º, n. 2, a, do Código Penalportuguês), o de “estelionato” (art. 171 do CP).

Dou por satisfeito, então, o requisito da dupla tipicidade.

Resta avaliar se as penas impostas são de magnitude tal a autorizar a extradição.

É que o Tratado entre as duas Repúblicas prevê que a extradição somente seráadmissível diante de fatos puníveis “com pena privativa da liberdade de duração máxi-ma superior a um ano” (artigo II, n. 1), e, ainda, que, “quando a extradição for pedidapara cumprimento de uma pena privativa de liberdade, só será concedida se a duraçãoda pena ainda por cumprir for superior a nove meses” (artigo II, n. 2).

Dúvida não há de que, quanto à condenação pelos crimes de falsificação dedocumentos e de burla qualificada, mais de nove meses de pena estão por cumprir, emrelação a cada um deles, pois as penas aplicadas foram de 3 (três) anos e 6 (seis) meses deprisão, para o primeiro, e de 5 (cinco) anos e 6 (meses) de prisão, para o segundo.

Mas a mesma certeza já não há quanto à condenação pelo crime de uso dedocumento de identificação alheia, cuja pena aplicada foi a de 4 (quatro) meses deprisão.

A questão é, pois, saber se, no caso de extradição executória, esse nível mínimo(acima de nove meses) concerne à pena aplicada para cada crime ou à pena total, que, nocaso, é de 7 (sete) anos de prisão.

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O parecer da douta Procuradoria-Geral é no sentido de que o limite estabelecido noartigo II, n. 2, do Tratado respeita à pena aplicada para cada crime, individualmente (fl.294), e, por isso, opina pelo indeferimento do pedido nesse ponto.

À míngua de disposição expressa do Tratado e, ainda, da Lei n. 6.815/80, valho-medas regras referentes à prescrição da pena in concreto, que seriam de qualquer formaaplicáveis ao caso, para dirimir a questão.

E ao ponto não aproveita o Código Penal português, já que aí, igualmente, nãoconsta disposição expressa a respeito (cf. fls. 167 e ss.).

O artigo III, n. 1, letra d, do Tratado dispõe, todavia, que não caberá extradição alionde estiver “extinto no momento do recebimento do pedido, segundo a lei de qualquerdas Partes Contratantes, o procedimento criminal ou a pena, por prescrição ou porqualquer outra causa”, autorizando, assim, o emprego da legislação brasileira paraestima do prazo prescricional.

Pois bem, conforme disposição do art. 119 de nosso Código Penal, “no concursode crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente”.

A condenação definitiva alude, expressis verbis, ao concurso material de delitos,ali denominado “cúmulo jurídico”, o que, segundo nossa legislação, implicaria tratar,isoladamente, a pena de cada um dos crimes.

É o que tem feito a Corte:

“Pedido extradicional — Concurso de infrações — Mera indicação dapena global, sem referência individualizadora das sanções penais impostas acada um dos delitos em concurso — Necessidade de discriminação das diversaspenas aplicadas ao extraditando, para efeito de cálculo da prescrição penal. —Impõe-se, ao Estado estrangeiro, demonstrar, relativamente aos delitos emconcurso, o quantum penal a eles abstratamente cominado (extradição instrutó-ria) ou efetivamente imposto (extradição executória), em ordem a permitir, naperspectiva da legislação brasileira e/ou do ordenamento positivo do Estadorequerente, o cálculo separado da prescrição penal concernente a cada delitoindividualmente considerado. Precedentes. — Exigência não atendida pelo Estadorequerente, não obstante a reiteração, pelo Brasil, por via diplomática, de tal solici-tação. Conseqüente indeferimento parcial do pedido de extradição, acolhido, unica-mente, quanto aos delitos de tráfico de entorpecentes e de associação criminosapara a prática desse ilícito penal.” (Ext n. 909, Rel. Min. Celso de Mello. Grifei);

“Ementa: Pedido de extradição para execução penal. Governo da Itália.Nacional italiano. 1. Referencial para cálculo da prescrição. Pedido de extradi-ção para fins de execução de penas em diversas condenações proferidas no Estadorequerente. Cálculo de prescrição a partir de cada uma das oito condenações, e nãopor cálculo cumulativo fundado em documento denominado ‘medida cumulativa’de execução, elaborado pela Procuradoria da República italiana, anexo à notaverbal; precedentes. Irrelevância, para fins extradicionais, de ter o extraditandodescendente de nacionalidade brasileira e negócios no território nacional; prece-dentes” (Ext n. 870, Rel. Min. Joaquim Barbosa);

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“Ementa: I - Extradição: lei ou tratado: aplicabilidade imediata. 1. As normasextradicionais, legais ou convencionais, não constituem lei penal, não incidindo,em conseqüência, a vedação constitucional de aplicação a fato anterior da legisla-ção penal menos favorável. II - Extradição executória: condenação à revelia naItália: admissibilidade. 2. Independentemente da aplicabilidade, ao caso, da partefinal do art. V do Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália, segundo o direitoextradicional brasileiro, não impede, por si só, a extradição que o extraditandotenha sido condenado à revelia no Estado requerente. III - Extradição: prescriçãoconforme o direito brasileiro: base de cálculo. 3. Cuidando-se de extradição exe-cutória, o cálculo da prescrição conforme o direito brasileiro toma por base a penaefetivamente aplicada no estrangeiro e não aquela abstratamente cominada noBrasil à infração penal correspondente ao fato. 4. Aplica-se à verificação da pres-crição segundo a lei brasileira, no processo de extradição passiva, a regra, aquiincontroversa, de que, cuidando-se de concurso material de infrações, não seconsidera, no cálculo do prazo prescricional, a soma das penas aplicadas, mas seconsideram isoladamente uma a uma das correspondentes aos diversos crimes.”(Ext n. 864, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Grifei).

Aplicando a noção ao caso, por analogia, tenho que a exigência constante doartigo II, n. 2, do Tratado (“quando a extradição for pedida para cumprimento de umapena privativa de liberdade, só será concedida se a duração da pena ainda por cumprirfor superior a nove meses”) só incide sobre a pena aplicada e correspondente à prática decada delito.

Daí assistir razão ao Ministério Público, pois a pena aplicada por conta do crime deuso de documento de identificação alheia (quatro meses de prisão) está em nível inferiorao que exige o Tratado.

No mais, não ocorreu extinção da punibilidade por prescrição da pretensãoexecutiva, já que, entre o trânsito em julgado da sentença condenatória (23-8-2002) e orecebimento do pedido de extradição (1º-4-2004), não transcorreram sequer dois anos.

As demais alegações da defesa não procedem.

O fato de a extraditanda ter filho e marido, que viveriam sob sua total dependênciaeconômica, não lhe impede a extradição. Não incide o disposto no art. 75, II, a, da Lei n.6.815/80, restrito à hipótese de expulsão. E é o que enuncia a Súmula 421.

E tampouco o impede o fato de estar indiciada em inquérito policial no Brasil,como se tira ao art. 89 da mesma lei:

“Art. 89. Quando o extraditando estiver sendo processado, ou tiver sidocondenado, no Brasil, por crime punível com pena privativa de liberdade, a extra-dição será executada somente depois da conclusão do processo ou do cumprimentoda pena, ressalvado, entretanto, o disposto no artigo 67”.

Ou seja, caberá ao Presidente da República avaliar a conveniência de executar aextradição (arts. 90 e 67 da Lei n. 6.815/90), como já se decidiu (cf. Ext n. 811, Rel. Min.Celso de Mello (fl. 295).

Nesses termos, voto pelo deferimento parcial da ordem, tão-somente com relaçãoà condenação pelos crimes de falsificação de documentos e de burla qualificada.

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EXTRATO DA ATA

Ext 921/República Portuguesa — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente:Governo de Portugal. Extraditanda: Maria Cecília Gonçalves Brandão de Menezes ouMaria Cecília Gonçalves Brandão de Meneses ou Maria Cecília Gonçalves (Advogado:Carlos Alberto Corrêa de Matos).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, concedeu parcialmente o pedido de extra-dição, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral daRepública, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 1º de dezembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO CAUTELAR 930 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto

Requerente: Estado do Rio de Janeiro — Requeridos: SIMMEC – Sindicato dasIndústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico dos Municípios de Duque deCaxias, São João de Meriti e Nilópolis

Direito Constitucional e Processual. Tribunal de Justiça. Reserva dePlenário. Art. 97 da Magna Carta. Recurso extraordinário retido. Açãocautelar.

Prequestionada a matéria e interposto o recurso pela alínea a danorma constitucional, cabe a suspensão dos efeitos do acórdão recorrido,prolatado por órgão fracionário do Tribunal. Órgão que declarou inci-dentalmente a inconstitucionalidade de ato normativo estadual.

Medida cautelar deferida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,deferir a cautelar, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 28 de março de 2006 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de ação cautelar, com pedido de limi-nar, ajuizada pelo Estado do Rio de Janeiro, em desfavor do Sindicato das Indústrias

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Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico dos Municípios de Duque de Caxias,São João de Meriti e Nilópolis – SIMMEC.

2. Requer o Estado a suspensão dos “efeitos do acórdão proferido pela 17ª CâmaraCível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nos autos do Mandado deSegurança n. 2003.004.01893, até o julgamento do recurso extraordinário já interpostoe admitido na instância local” (fl. 19).

3. De acordo com a inicial e documentos, a segurança foi impetrada pelo Sindicato,questionando as alíquotas do ICMS incidente sobre as operações com energia elétrica, àluz do princípio da seletividade.

4. A impetração foi parcialmente deferida, ou seja, o Tribunal a quo fixou a alíquotade 18% (dezoito por cento) “para os serviços de energia elétrica e de comunicação,tudo em observância ao princípio da seletividade em função da essencialidade doproduto, bem como acolheu o pleito no que se refere à devolução dos valores de ICMSarrecadados a maior, restritos aos últimos 120 dias” (fls. 146/147).

5. Vê-se, portanto, que o impetrante sucumbiu no tocante ao pedido de restituiçãoda diferença dos valores que foram recolhidos, nos últimos 10 (dez) anos, com base emalíquota superior a 18% (dezoito por cento). Por essa parte, interpôs recurso ordinário,que foi admitido (fl. 203).

6. A seu turno, o Estado — ora requerente — manejou recursos especial e extraor-dinário, pedindo, em ambos, a anulação do acórdão recorrido ou, alternativamente, a suareforma (fls. 219 e 234, respectivamente). Neste caso — reforma do julgado —, para o fimde se denegar integralmente o writ.

7. Já no pedido de anulação do acórdão recorrido, o Estado fluminense alegouviolação ao art. 97 da Carta Magna, visto que a declaração de inconstitucionalidade danorma atacada pelo contribuinte foi feita por órgão fracionário da Corte estadual (17ªCâmara Cível).

8. Deu-se que o Vice-Presidente do Tribunal de origem admitiu somente o apeloextremo (fl. 327), o que motivou a interposição de agravo de instrumento para desobs-truir o recurso especial.

9. Muito bem. Quanto ao periculum in mora, informa o Estado que já foram expe-didos ofícios às empresas de energia elétrica e aos serviços de telecomunicação para quereduzam, imediatamente, as alíquotas do ICMS, na forma determinada pelo acórdãorecorrido. Essa providência, segundo a inicial, importa “graves, gigantes e irreparáveisdanos” à Fazenda estadual.

10. Finalizo este relato para averbar que o Sindicato requerido, ciente do pleitocautelar, contesta a alegação de grave lesão ao Erário. Argumenta, por outro lado, quenão houve descumprimento da cláusula de reserva de plenário. Isso porque, por se tratarde mandado de segurança contra secretário estadual, é de se considerar a primeira instân-cia o próprio Tribunal de Justiça. É dizer: os Desembargadores atuaram, no caso, “comoautêntico juízo monocrático, pois não estavam exercendo sua função de revisão dosjulgados, mas sim inaugurando a demanda com decisão que equivaleria à sentençaproferida em primeira instância” (fl. 438).

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Bem examinados os autos, ficademonstrado que a matéria de fundo se resume à correta fixação da alíquota para efeitode recolhimento do ICMS no Estado fluminense. A Fazenda invoca vários atos norma-tivos, inclusive a Lei n. 4.056/2002 e o Decreto n. 32.646/2003, para exigir alíquotasuperior a 18% (dezoito por cento). Mas as empresas contribuintes, representadas pelosindicato da categoria, defendem esse limite e pedem devolução das parcelas excedentes,recolhidas nos 10 (dez) anos anteriores à propositura da ação mandamental. Elas ganha-ram a pugna no que se refere à alíquota, mas a restituição dos valores arrecadados emexcesso ficou restrita aos últimos 120 (cento e vinte) dias.

13. Estabelecidos esses marcos materiais, assinalo, agora, que pendem de julga-mento três apelos: um dos contribuintes (recurso ordinário) e dois da Fazenda (recursoespecial — em estado de hibernação até o exame do correspondente agravo de instru-mento — e recurso extraordinário). Com a admissão deste último (fl. 327), abriu-se ajurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo da competência doSuperior Tribunal de Justiça. Lá, o eventual provimento do recurso ordinário só teráeficácia retroativa, executável a qualquer tempo. De outro lado, o recurso especial aindanão foi admitido e — se o for — não poderá ser examinado sob o mesmo ângulo constitu-cional já traçado no apelo extremo, que poderá ser considerado prejudicial àquele (§ 2º doart. 543 do CPC).

14. Tenho para mim que essas circunstâncias autorizam o exame da presente cau-telar, sob a ótica da alegada ofensa ao art. 97 da Constituição Federal. E tal ofensa(princípio da reserva de plenário) constitui o fundamento básico do recurso extraordiná-rio e foi devidamente prequestionado na instância a qua (fl. 152).

15. Dito isso, anoto que a jurisprudência desta egrégia Corte fixou a orientação deque, “em se tratando de inconstitucionalidade de norma jurídica a ser declarada emcontrole difuso por Tribunal, só pode declará-la, em face do disposto no art. 97 daConstituição, o Plenário dele ou seu Órgão Especial, onde este houver, pelo voto damaioria absoluta dos membros de um ou de outro” (RE 179.170, Relator MinistroMoreira Alves).

16. Ora bem, no caso, a inconstitucionalidade do ato normativo em discussão foideclarada por órgão fracionário, qual seja, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiçafluminense. Confira-se a ementa do respectivo acórdão:

“Mandado de segurança. ICMS. Majoração da alíquota para 30% em servi-ços de energia elétrica e de comunicação telefônica. Lei estadual n. 4.056/02. Art.82, §1º, ADCT. Declaração incidental de inconstitucionalidade. Observância aoprincípio da seletividade. Concessão parcial da ordem.”

17. Assim, tudo leva a crer que os ilustrados membros da Câmara julgadora atua-ram em total descompasso com o Texto Maior e o entendimento do Supremo TribunalFederal.

18. Essa anotação — devo encarecer — confere plausibilidade jurídica ao apeloextremo, interposto acertadamente pela alínea a do inciso III do art. 102 (RE 254.977-AgR, de minha relatoria).

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19. Por esta linha de raciocínio, entendo presentes os requisitos necessários ao

deferimento da cautela requestada. E é o que faço, para determinar a suspensão dos

efeitos do acórdão recorrido até o julgamento do recurso extraordinário.

20. É como voto.

EXTRATO DA ATA

AC 930/RJ — Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Estado do Rio de

Janeiro (Advogado: PGE/RJ – Francesco Conte). Requerido: SIMMEC – Sindicato das

Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico dos Municípios de Duque

de Caxias, São João de Meriti e Nilópolis (Advogados: Pedro Solia Pamplona e outro).

Decisão: A Turma deferiu a cautelar, nos termos do voto do Relator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco

Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski. Subprocurador-Geral da

República, Dr. Rodrigo Janot.

Brasília, 28 de março de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

EXTRADIÇÃO 961 — REPÚBLICA ITALIANA

Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa

Requerente: Governo da Itália — Extraditando: Luigi Balestra ou Luigi Felice

Balestra

Extradição. Tráfico ilícito de entorpecentes. Dupla tipicidade. Prescri-

ção retroativa. Inocorrência. Direito comparado. Requisitos preenchidos.

É viável o pedido de extradição, uma vez que se funda em tratado de

extradição firmado entre o Brasil e a Itália.

Infere-se dos documentos apresentados junto às Notas Verbais que o

crime praticado pelo extraditando — concurso em tráfico de substâncias

entorpecentes — possui correspondência na legislação brasileira (Lei

6.368/1976, arts. 12 e 14, c/c o art. 18), de sorte que está atendida a exigên-

cia da dupla tipicidade.

Não ocorreu a extinção da punibilidade pela prescrição retroativa,

porquanto verificada a prática de atos processuais interruptivos do prazo

prescricional, tanto à luz do direito penal italiano (art. 160), como nos

termos da legislação pátria (Código Penal, art. 117).

O ato processual consubstanciado na sentença-despacho de remessa

do réu a julgamento (sentenza-ordinanza di rinvio a giudizio), previsto no

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direito italiano, incidente após as fases das investigações preliminares e

da audiência preliminar, equivale à pronúncia do direito brasileiro, e é

apto a causar a interrupção do prazo prescricional.

Preenchidas todas as condições de admissibilidade, defere-se o

pedido de extradição. Ressalva para que seja detraído o tempo de prisão

cumprido no Brasil em razão do pedido de extradição.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo

Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência do Ministro Nelson Jobim, na

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,

deferir o pedido de extradição, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso e

Gilmar Mendes.

Brasília, 5 de outubro de 2005 — Joaquim Barbosa, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O governo da Itália, por meio da Nota Verbal 1, de

4-1-2005, formalizou pedido de extradição do nacional italiano Luigi Felice Balestra,

com base no tratado de extradição celebrado com o Brasil.

O extraditando fora condenado pelo Tribunal de Florença, em 19-9-2001, à pena

de 8 anos de reclusão e à multa de 7.746,85 euros. Em virtude da detração penal pelo

período em que ficou custodiado cautelarmente, o resíduo da pena a ser cumprida ficou

em 6 anos, 8 meses e 15 dias de reclusão, além da multa mencionada. A condenação

deveu-se à prática do crime de concurso em tráfico de substâncias entorpecentes, tendo

a sentença transitado em julgado em 26-3-2002. Em 11-12-2002, foi emitida a Ordem de

Execução da Prisão 1330/2002 RES (fls. 48-50).

Segundo consta da sentença condenatória, são os seguintes os fatos imputados ao

extraditando:

“(...)

B/5) pelo crime previsto e punido no artigo 75 da Lei 685/75 porque — junto

com Lorenzetti Giuliano, Saviotti Paolo (julgados separadamente), Augusto Neto

Abílio, Sizzi Dino e Bardi Danio (o primeiro resultou ser desconhecido, o segundo

e o terceiro faleceram respectivamente em 1988 e em 9-07-91) e outras pessoas não

identificadas — constituíram e organizaram uma associação para delinqüir desti-

nada à importação do Brasil para a Itália e em particular para Florença, de quanti-

dades até consideráveis de cocaína e à sua detenção e sucessiva venda: Lorenzetti

através de uma complexa rede de mercado; Balestra e Saviotti ocupando-se dos

abastecimentos e do transporte da droga para a Itália. Fatos cometidos pelo menos

desde 1984 e até o momento de suas respectivas prisões.

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Além disso:

C/5) pelo crime previsto e punido nos artigos 71, 74 1º parágrafo n. 2 e 2ºparágrafo da lei 685/75, 110, 81 C.P. porque — agindo em co-autoria com LorenzettiGiuliano, Saviotti Paolo (julgados separadamente), Augusto Neto Abílio, SizziDino e Bardi Danio (o primeiro resultou ser desconhecido, o segundo e o terceirofaleceram respectivamente em 1988 e em 9-07-91) e com outras pessoas não iden-tificadas, sendo mais de três pessoas juntas e participando de uma associação paradelinqüir — importaram ilegalmente do Brasil para a Itália, ocupando-se dosabastecimentos e do transporte para Florença, quantidades até consideráveis decocaína que cada vez atingiam cerca de meio quilo/um quilo e tanto; porquedetiveram a droga com a finalidade de vendê-la; porque cederam a terceiros —também por intermediação de outros, em Florença e província — várias doses dasubstância para uso não terapêutico. Fatos cometidos pelo menos a partir do ano de1984, em tempos diferentes e com várias ações executivas de um mesmo desenhocriminoso, ações que perduraram ao longo dos anos sucessivos a 1984 e até a datadas respectivas prisões dos acusados, sempre realizadas pela descoberta de umaconsiderável remessa de cocaína que atingia um total de 1,450 Kg (...)” (Fls. 12-13)

Ressalto que, muito embora o pedido de prisão preventiva tenha sido encaminhadoa esta Corte em 16-2-1996, a segregação do extraditando só veio a ser efetivada em9-11-2004, conforme informação do Ministério da Justiça, de fl. 35, dos autos da PPE267. O extraditando encontra-se recolhido na Superintendência Regional da PolíciaFederal, no Estado de Santa Catarina.

Interrogado (fls. 402-404), o extraditando nega envolvimento com os fatos narra-dos na nota verbal, afirmando que não são verdadeiras as acusações que pesam contra si.Alega que viajava na companhia de Savioti, o qual transportava cocaína sem o seuconhecimento. Relata que sua companheira no Brasil já faleceu e que com ela possuiuma filha brasileira de 20 anos, com quem mora no País.

A defesa (fls. 405-419) aponta para a impossibilidade do deferimento do pedidoextradicional, uma vez que se encontra extinta a punibilidade do extraditando. Argu-menta que “o suposto crime cometido pelo Requerente na Itália possui pena igual e nãosuperior a 10 anos no Brasil, capitulado no artigo 14 da lei 6368/71. Dessa forma,como suposto crime teria sido praticado no ano de 1984, ou seja, 17 anos até a data dasentença que ocorreu em 26-3-2002, pela lei brasileira já estaria prescrito” (fl. 406).Fundamenta, desse modo, suas razões no art. 77, VI, da Lei 6.815/1980 e no art. 3º, I, b,do tratado de extradição.

Com vista dos autos, o Ministério Público Federal requereu a conversão do julga-mento em diligência, a fim de que fosse solicitada ao governo italiano a complementa-ção da documentação referente à data do recebimento da denúncia oferecida contra oextraditando, com o intuito de se verificar o prazo prescricional (fls. 451-452).

Atendido o pedido (fl. 456), juntou-se aos autos nota verbal com a respectivainformação (fls. 477-479).

Abriu-se nova vista ao Parquet.

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O Procurador-Geral da República, em seu novo parecer (fls. 493-495), manifestou-sepela improcedência do pedido de extradição, com a conseqüente expedição do alvará desoltura, em razão da ocorrência da prescrição da pretensão executória.

Em 28-9-2005, abri nova vista ao Procurador-Geral da República, para que semanifestasse acerca da possível ocorrência de causa interruptiva da prescrição em virtudedo envio do extraditando a julgamento em 3-8-1993.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): O pedido reúne todas as condiçõesexigidas pela legislação pertinente.

Consta dos autos a formalização, pela via diplomática, do pedido de extradição,acompanhada da sentença condenatória proferida pelo Tribunal de Florença (fls. 09-44),da ordem de execução da prisão (fls. 48-50) e dos dispositivos legais alienígenas referen-tes ao crime, à pena e à prescrição (fls. 60-73), tudo devidamente autenticado e vertidopara o português, em observância ao disposto no art. 80, e seus parágrafos, da Lei 6.815/1980 e no art. XI do tratado de extradição celebrado entre o Brasil e a Itália.

O crime a que foi condenado o extraditando encontra correspondência nos arts. 12e 14, c/c o art. 18, todos da Lei 6.368/1976, de modo que se mostra satisfeito o requisitoda dupla tipicidade exigido pelo art. II do tratado de extradição.

Ademais, não há nenhuma motivação de caráter político.

No tocante à extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão executória, aqual considero o cerne da questão em debate, assim se manifestou o eminente Procura-dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, no judiciosoparecer de fls. 493-495:

“(...)

10. Da análise dos autos, verifica-se o advento da prescrição retroativa, nosmoldes da legislação brasileira (§ 2º do art. 110 do CP).

11. O extraditando foi condenado à pena de oito anos de reclusão e multa, porhaver praticado o delito de tráfico de entorpecentes em concurso de agentes, noperíodo de 1984 a 1989 (fls. 28). A sentença condenatória foi proferida em 19/9/01,tendo transitado em julgado no dia 26/2/02 (fl. 04).

12. Consoante informações do Estado-requerente às fls. 482/484, a denúnciaem desfavor de Luigi Balestra foi oferecida em 13 de julho de 1989. Em que peseo Governo Italiano não mencionar a data do recebimento da peça acusatória, épossível constatar que o mesmo se deu no próprio dia treze ou próximo a ele, mascertamente no mês de julho de 1989. Isto porque a fl. 07 noticia que o interrogató-rio do extraditando, já ciente do processo, se deu em 15 de julho de 1989.

13. Ora, de 15 de julho de 1989 — dia do interrogatório, após o recebimentoda denúncia — até o dia em que prolatada a sentença, em 19 de setembro de 2001,passaram-se mais de doze anos. Tendo em vista que a pena imposta ao extraditandofoi de 8 anos e, de acordo com o artigo 109, inc. III, do CP, a prescrição equivalente

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ocorre em doze anos, há de se concluir pelo decurso do prazo prescricional e,conseqüentemente, reconhecer a improcedência do pedido formulado pelo Governoestrangeiro, com fulcro no art. III, n. 1, b, do Tratado de extradição firmado entre aItália e o Brasil, bem como art. 77, inc. VI, da Lei 6.815/80.

14. Vale apenas salientar que não há que se falar na redução do prazo prescri-cional, prevista no artigo 115 do Código Penal Brasileiro, pois na data do trânsitoem julgado da sentença penal condenatória o extraditando (26/02/02 — fl. 04) nãopossuía, ainda, 70 anos (nascido aos 15/03/1933 — fl. 04).

15. Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pela improcedênciado pedido de extradição, expedindo-se o alvará de soltura.”

Novamente instado a se manifestar, especificamente acerca da possível ocorrênciade causa interruptiva da prescrição por ocasião do envio do extraditando a julgamentoem 3-8-1993, assim se pronunciou o eminente chefe do Parquet (fls. 504-508):

“(...)

9. Não obstante, conforme salientado no parecer a fls. 493/495, ocorreu oadvento da prescrição retroativa, nos moldes da legislação brasileira (§ 2º do art. 110do CP), o que basta por si só, para inviabilizar a concessão do pedido extradicional.

10. Vislumbra-se a fls. 28/44 que o extraditando foi condenado à pena deoito anos de reclusão e multa, por haver praticado o delito de tráfico de entorpe-centes em concurso de agentes, no período de 1984 a 1989 (fls. 28). Tal condena-ção transitou em julgado em 26/02/02 (fls. 04).

11. Nota-se que, consoante informações do Estado-requerente a fls. 482/484,a denúncia em desfavor de Luigi Balestra foi oferecida em 13 de julho de 1989.Em que pese o Governo Italiano não mencionar a data do recebimento da exordialacusatória é possível constatarmos que o mesmo se deu no próprio dia treze oupróximo a ele, mas certamente no ano de 1989. Isto porque a fls. 07 noticia que ointerrogatório do extraditando, já ciente do processo, se deu em 15 de julho de 1989.

12. Ora, de 1989 — ano do recebimento da denúncia — até o trânsito emjulgado (2002) já se passaram treze anos. Tendo em vista que a pena imposta aoextraditando foi de 8 anos e, nos moldes do artigo 109, inciso III, do CP, a prescri-ção equivalente ocorre em doze anos, há de se concluir pelo decurso do prazoprescricional e, conseqüentemente, reconhecer a improcedência do pedido formu-lado pelo Governo estrangeiro, com fulcro no art. III, n. 1, b, do Tratado de extradi-ção firmado entre a Itália e o Brasil, bem como art. 77, inc. VI, da Lei 6.815/80.

13. Vale apenas salientar que não há que se falar na redução do prazoprescricional, prevista no artigo 115 do Código Penal Brasileiro, já que na datado trânsito em julgado da sentença penal condenatória o extraditando (26/02/02 —fls. 04) não possuía, ainda, 70 anos (nascido aos 15/03/1933 — fls. 04).

14. Importante destacar que não se aplica a causa interruptiva da ‘remessa ajulgamento’, prevista no artigo 160 do Código Penal Italiano, na contagem daprescrição penal brasileira, uma vez que tal causa não encontra correspondêncianormativa no sistema pátrio das causas interruptivas da prescrição, aplicáveis aosdelitos que não são da competência do Tribunal do Júri.

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15. A ‘remessa a julgamento’ corresponde, conforme bem salientou o Exmo.Sr. Ministro Sepúlveda Pertence na Ext. 581 da Itália, publicada em 25/02/1994,a hipótese de pronúncia prevista no artigo 117, inciso II, do Código Penal Brasileiro.Não obstante, somente será aplicada nos casos de crimes da competência do

Tribunal do Júri.

16. Vale frisar: as hipóteses previstas no artigo 117, inciso II e III, do CP(‘pela pronúncia’ e pela ‘decisão confirmatória da pronúncia’) apenas são consi-deradas no cômputo do prazo prescricional dos crimes que são da competênciado Tribunal do Júri, o que não se amolda ao caso, por se tratar de tráfico deentorpecentes. A respeito, cumpre apontar os ensinamentos do saudoso professorMirabete:

‘Nos crimes cuja apuração é da competência do Tribunal do Júri, oprazo prescricional sofre nova interrupção com a sentença de pronúncia’(grifou-se) (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código penal interpretado. 5. ed.São Paulo: Atlas, 2005. pp. 883/884).

17. Caso contrário, estar-se-ia criando um inadmissível terceiro modelo nor-mativo em tema de prescrição penal. Neste sentido, cumpre mencionar, trecho dadecisão monocrática do Exmo. Sr. Min. Celso de Mello, proferida nos autos da Ext.829/EP, em 23/11/2001:

‘(...) Não se sustenta a possibilidade de incidência, na contagemda prescrição penal brasileira, das causas interruptivas ou suspensivas,que, instituídas na legislação espanhola, não encontram correspondên-cia normativa no sistema de direito positivo vigente no Brasil. É que,se assim não fosse, culminar-se-ia por forjar um inadmissível terceiromodelo normativo, em tema de prescrição penal, caracterizado por umaheterodoxa combinação de fatores legais, tanto de origem nacionalquanto de procedência estrangeira. Daí a advertência do magistériodoutrinário (MIRTÔ FRAGA, O Novo Estatuto do Estrangeiro Comen-tado, p. 301/302, item n. 14, 1985, Forense): ‘A ocorrência, ou não, daprescrição deve ser examinada, separadamente, à luz da legislaçãobrasileira e da estrangeira. Se se quer verificar a prescrição segun-do a nossa lei, os princípios que regem o instituto devem ser os da leipátria, assim como suas devem ser as causas de suspensão e inter-rupção da prescrição. Não se misturam preceitos das duas legisla-ções’ (grifei). Esse entendimento — que tem beneplácito autorizadode José Francisco Rezek (Direito Internacional Público, p. 204, itemn. 119, 7ª ed., 1998, Saraiva) — nada mais reflete senão diretriz juris-prudencial prevalente no Supremo Tribunal Federal, tal como se verifi-ca da seguinte e expressiva passagem constante do voto proferido peloMinistro Thompson Flores (RTJ 50/145,150): ‘Viável não se tornaformar um terceiro sistema, conjugando as duas leis, que, em regra,obedecem a princípios diferentes, para adotar um híbrido e com elesolver a tese da prescrição’ (...)’.

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Ante o exposto, tendo em vista que a prescrição retroativa se operou em facedo ordenamento positivo brasileiro, opina o Ministério Público Federal pela im-procedência do pedido extradicional, expedindo-se o alvará de soltura, nos mol-

des do artigo III, 1. b, do Tratado celebrado entre o Itália e o Brasil.” (Grifosoriginais)

Diferentemente da conclusão a que chegou o eminente Procurador-Geral da Repú-blica, data venia, tenho que a prescrição retroativa, à luz do direito brasileiro, não seconcretizou.

No presente caso, a cessação da continuidade delitiva ocorreu no mês de julho de1989, por ocasião da prisão cautelar do extraditando.

As informações de fls. 490-491, prestadas pela Procuradoria-Geral da República deFlorença, são no sentido de que o extraditando adquiriu o estado de denunciado a partir

de 13 de julho de 1989. Muito embora tal declaração esteja desacompanhada da documen-tação pertinente, como bem ressaltado no parecer da Procuradoria-Geral da Repúblicade fls. 493-495, a circunstância de ter sido o extraditando interrogado em 15 de julho de1989, consoante fl. 07, induz à conclusão de que a denúncia, ou o ato a ela equivalentena legislação italiana, foi recebida no mês de julho de 1989.

Posteriormente, o extraditando, aos 27 de outubro de 1990, evadiu-se da custódiacautelar a que era submetido (fl. 49).

Muito embora tenha sido denunciado e interrogado pelo juiz de instrução em

julho de 1989, há um fato de grande relevo para a apreciação do presente pedido deextradição.

Trata-se da sentença-despacho de remessa a julgamento do paciente, ocorrida em3-8-1993, decisão proferida pelo juízo da instrução após a fase das investigações preli-minares, na audiência preliminar, remetendo os réus para julgamento pelo TribunalPenal de Florença.

Em diversos documentos acostados aos autos, está fartamente demonstrada a ocor-rência desse ato processual. Transcrevo a seguir alguns trechos de documentos que

considero elucidativos, como, por exemplo, a seguinte passagem da sentença condena-tória:

“Motivos da decisão

(...)

Este processo tem sua própria origem nas numerosas e amplas investigaçõesrelativas a tráficos de entorpecentes, reunidas por conexão numa única instruçãoque se concluiu com a sentença-despacho de remessa em julgamento, emitida em3.08.1993 pelo Juiz de Instução do Tribunal de Florença contra Bendinelli Gabriellee outros;” (fl. 15).

Igualmente importante é o documento emitido pela Procuradoria-Geral da Repú-

blica, em Florença, no momento da formalização do pedido de prisão preventiva paraextradição, com a exposição dos fatos atribuídos a Luigi Balestra, textualmente:

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“(...)

Contra Balestra, reconhecido culpado dos crimes de associação criminosa,detenção e comércio de substâncias entorpecentes, foi prolatado mandado de cap-tura n. 1/93 M.C. em 15.10.91, e, atualmente, Balestra resulta enviado a juízo comsentença-despacho emitida pelo Juiz Instrutor do Tribunal de Florença em 3.8.93.

Florença, 22 de dezembro de 1995.” (Fl. 07 da PPE 267)

A sentença-despacho de remessa a julgamento constitui, a meu ver, causa interrup-tiva da prescrição, tanto à luz do direito penal italiano, como nos termos do CódigoPenal brasileiro.

No que concerne à legislação italiana, o art. 160 do Código Penal (fls. 63-64)dispõe que interrompe a prescrição “(...) a remessa em julgamento”.

Com relação à legislação pátria, diz o art. 117 do Código Penal:

“Art. 117. O curso da prescrição interrompe-se:

(...)

II - pela pronúncia.

(...)”

Pois bem, considero que o ato de remessa a julgamento praticado mediante senten-ça-despacho, previsto no direito processual penal italiano, equivale à pronúncia dodireito brasileiro, visto que constitui decisão na qual o juiz, após uma fase instrutóriapreliminar, verifica se há ou não elementos para levar o réu a julgamento. É, pois, o atojudicial com que se remete o réu a julgamento, passadas as fases das investigaçõespreliminares e da audiência preliminar, com função idêntica à da sentença de pronúnciado procedimento especial do Tribunal do Júri da legislação brasileira.

A fim de melhor elucidar a questão, é imprescindível verificarmos como se dá otrâmite processual na Itália. Nesse sentido, Paolo Tonini faz síntese precisa das fases dorito processual penal italiano:

“NT: Em linhas gerais, o procedimento penal italiano de primeiro grau édividido em três grandes fases: 1) fase das investigações preliminares, conduzidaspelo Ministério Público, em que são buscados todos os elementos de prova refe-rentes a um determinado fato delituoso; 2) fase da audiência preliminar, instânciana qual o juiz analisa a pertinência da acusação formulada pelo Ministério Públicoe, baseado nos elementos de prova que lhe foram apresentados, decide se é o casode enviar o acusado a juízo ou de arquivar o procedimento; e 3) fase de debates,na qual, por meio da dialética entre acusação e defesa, ocorre o julgamento doacusado em audiência pública e oral, onde são observadas todas as garantias dojusto processo, tais como o direito de defender-se provando e o princípio do con-traditório.”1

1 PAOLO, Tonini. A prova no processo penal italiano. Tradução: Alexandra Martins; Daniela Mróz.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 19.

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Ao discorrer sobre o encerramento da instrução no processo penal italiano, o mestreFrancesco Carnelutti diz:

“272. Declaração de certeza da justiça do processo

(...)

Há processos simples nos quais a provisão apresenta tal facilidade que não hánecessidade desse período preliminar; veremos então que a instrução pode seromitida; a lei fala nestes casos, com uma fórmula do jargão profissional, de juízodiretíssimo (arts. 502 ss.). Fora de tais casos a declaração de certeza do delito ésempre precedida da instrução; e a instrução é sempre separada do debate por umadisposição que se chama, exatamente, encerramento da instrução. Esta disposiçãoconsiste sempre numa decisão, que pode ser no sentido de que o processo deva ounão deva prosseguir. No primeiro caso, apenas quando a instrução é formal, adecisão toma forma de sentença, que se chama sentença de remessa ao juízo(rectius, ao debate) e é pronunciada pelo juiz instrutor (art. 374 CPP); (...)

Desde o ponto de vista da estrutura, diz-se que estas são sentenças no estadodo processo, querendo dizer que estabelecem a certeza quanto ao delito segundoas provas à disposição do juiz, sem excluir que provas ulteriores ou um ulteriorexame das mesmas provas possam induzir a uma decisão diversa. O conteúdológico da sentença no estado do processo é, assim, um juízo de probabilidade e nãoum juízo de certeza; ainda que, como se disse em outro lugar, também o juízo decerteza se resolva num juízo de (máxima) probabilidade, isto que dizer que o juizmesmo não afirma ter alcançado esse máximo e, por conseguinte, não exclui apossibilidade de um juízo diverso. Em correspondência com tal conteúdo, essassentenças não têm o caráter da imutabilidade; sob esse aspecto se observa umadiferença entre a decisão instrutória de remessa ao juízo e a decisão instrutória desobrestamento; a primeira pode ser modificada mesmo sem o concurso de novasprovas, já que no debate pode ocorrer que nenhuma prova se apresente e, apesardisso, o juiz absolva em vez de condenar; a segunda pode ser modificada apenasem face da reabertura da instrução, consentida quando ‘sobrevenham (...) novasprovas’ (arts. 402 ss.)”2

Como se vê, a remessa a julgamento é ato equivalente à pronúncia do processopenal brasileiro e, portanto, é apta a causar a interrupção do prazo prescricional.

É verdade que, com a reforma processual penal que passou a vigorar na Itália apartir de 24 de outubro de 1989, teve início discussão doutrinária acerca do papel dojuiz de instrução no direito italiano, pois naquele país o Ministério Público integra amagistratura.

Em razão disso, modernamente há autores que consideram a remessa a julgamento —ou, como alguns dizem, o reenvio a juízo — ato equivalente à denúncia, e não à pronún-cia, por entenderem que a fase de instrução preliminar teria a natureza de procedimentojudicial pré-processual. Nesse sentido, a lição de Aury Lopes Jr.:

2 CARNELUTTI, Francesco. Lições sobre o Processo Penal. Tradução: Francisco José Galvão Bruno.Campinas: Bookseller, 2004.

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“O CPPi pretendeu extinguir os rasgos inquisitivos da fase preliminar, aban-donando a figura do juiz de instrução para substituí-la por uma investigação preli-minar a cargo do Ministério Público, chamada de indagini preliminari. A defini-ção legal vem dada pelo art. 326 do CPPi, como sendo as investigações e averigua-ções necessárias para o exercício da ação penal, desenvolvidas pelo MinistérioPúblico e a Polícia Judicial, no âmbito de suas respectivas atribuições. É importantedestacar o conteúdo do art. 358, determinado que o Ministério Público efetueinvestigações sobre os fatos e circunstâncias que também possam ser favoráveis àpessoa submetida à indagine preliminare.

Como explicam Ferraioli e Dália, o Ministério Público na Itália está integradoao Poder Judiciário, com as mesmas garantias da magistratura, mas carece de poderjurisdicional. A atividade realizada na indagine preliminare não é própria da juris-dição; ao contrário, consiste em determinar como introduzi-la, mediante o exercí-cio da ação penal. Por isso, entendemos que a instrução preliminar italiana temnatureza procedimental (procedimento per lê indagini preliminari), de caráterinstrumental e preparatório com relação ao processo penal. Frente ao status doMinistério Público italiano, como órgão do Poder Judiciário e com a garantia daindependência, chegamos à conclusão de que a natureza jurídica da indaginepreliminare corresponde ao que definimos anteriormente como procedimento ju-dicial pré-processual.”3

Na doutrina italiana, contudo, não há consenso acerca da matéria. O próprioAury Lopes Jr. acrescenta, em nota de rodapé:

“Contrário ao nosso entendimento, Taormina (Diritto Processuale Penale,

vol. I, pp. 40 e seguintes) argumenta que o MP persegue o interesse público —como os demais órgãos da administração — e que tem as mesmas garantias damagistratura, mas com um regime diferente. A normativa constitucional está abertaà configuração do MP como órgão administrativo, em harmonia com a funçãoatribuída, de ‘órgão parte’, para a tutela do interesse punitivo do Estado, através doexercício da ação penal. Seria um órgão com atribuições administrativas maspertencente ao Poder Judiciário, conjugando a função administrativa com asparticularidades do interesse punitivo. Por fim, afirma o autor (p. 46) que o MP éum órgão titular de uma função administrativa e organizado coerentemente comtal classificação e que pertence ao Poder Judiciário, atendendo ao específicointeresse punitivo, somente perseguível através da jurisdição, e pertencente nãotanto ao Estado-Administração, quanto à coletividade ou ao Estado em suaunidade. Por esses motivos, a atividade do Ministério Publico teria a naturezaadministrativa, ainda que com os matizes apontados.”4

3 LOPES JR., Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: LúmenJúris. p. 242.

4 LOPES JR., Aury, loc. cit.

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Enfim, seja equivalente à denúncia ou à pronúncia, o que importa na análise dopresente pedido de extradição é que a remessa a julgamento — ou reenvio a juízo —interrompeu a prescrição, tanto à luz da legislação italiana quanto nos termos da brasileira.

No ponto, peço vênia para discordar do eminente Procurador-Geral da República,que afirma, no parecer de fls. 504-508:

“15. A ‘remessa a julgamento’ corresponde, conforme bem salientou o Exmo.Sr. Ministro Sepúlveda Pertence na Ext. 581 da Itália, publicada em 25/02/1994,a hipótese de pronúncia prevista no artigo 117, inciso II, do Código Penal Brasileiro.Não obstante, somente será aplicada nos casos de crimes da competência doTribunal do Júri.

16. Vale frisar: as hipóteses previstas no artigo 117, inciso II e III, do CP (“pelapronúncia” e pela “decisão confirmatória da pronúncia”) apenas são consideradasno cômputo do prazo prescricional dos crimes que são da competência do Tribunaldo Júri, o que não se amolda ao caso, por se tratar de tráfico de entorpecentes. (...)

17. Caso contrário, estar-se-ia criando um inadmissível terceiro modelo nor-mativo em tema de prescrição penal. Neste sentido, cumpre mencionar, trecho dadecisão monocrática do Exmo. Sr. Min. Celso de Mello, proferida nos autos da Ext.829/EP, em 23/11/2001:

‘(...) Não se sustenta a possibilidade de incidência, na contagem daprescrição penal brasileira, das causas interruptivas ou suspensivas, que, ins-tituídas na legislação espanhola, não encontram correspondência normativano sistema de direito positivo vigente no Brasil. É que, se assim não fosse,culminar-se-ia por forjar um inadmissível terceiro modelo normativo, emtema de prescrição penal, caracterizado por uma heterodoxa combinação defatores legais, tanto de origem nacional quanto de procedência estrangeira.Daí a advertência do magistério doutrinário (MIRTÔ FRAGA, O Novo Esta-tuto do Estrangeiro Comentado, p. 301/302, item n. 14, 1985, Forense): ‘Aocorrência, ou não, da prescrição deve ser examinada, separadamente, àluz da legislação brasileira e da estrangeira. Se se quer verificar a pres-crição segundo a nossa lei, os princípios que regem o instituto devem seros da lei pátria, assim como suas devem ser as causas de suspensão einterrupção da prescrição. Não se misturam preceitos das duas legisla-ções’ (grifei). Esse entendimento — que tem beneplácito autorizado de JoséFrancisco Rezek (Direito Internacional Público, p. 204, item n. 119, 7ª ed.,1998, Saraiva) — nada mais reflete senão diretriz jurisprudencial prevalenteno Supremo Tribunal Federal, tal como se verifica da seguinte e expressivapassagem constante do voto proferido pelo Ministro Thompson Flores (RTJ50/145,150): ‘Viável não se torna formar um terceiro sistema, conjugando asduas leis, que, em regra, obedecem a princípios diferentes, para adotar umhíbrido e com ele solver a tese da prescrição’ (...)”

Sabe-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem repelido o cálculoda prescrição, em processos de extradição, feito simultaneamente com base no prazoprescricional previsto na legislação de um Estado e na causa interruptiva do outro. Issocertamente resultaria na inadmissível criação de uma terceira norma.

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Recomendável, então, seria a adoção do seguinte procedimento: tomar os prazosda legislação italiana, com as causas interruptivas lá previstas, e fazer o mesmo à luz dodireito brasileiro, como proposto adiante.

O que quero ressaltar é que a pronúncia constitui causa interruptiva tanto no direitobrasileiro como perante a legislação italiana.

Não há nenhuma mescla das duas legislações. Não há a criação de uma terceiralegislação.

O que se faz é a identificação de institutos da mesma natureza, como a remessa ajulgamento do direito italiano e a pronúncia do direito brasileiro.

E pouco importa se, no direito brasileiro, a pronúncia só integra o procedimentodos crimes cujo julgamento compete ao Tribunal do Júri.

Isso porque o procedimento que está sob exame é o do país solicitante. Se a pro-núncia se aplica ao procedimento do crime de tráfico de entorpecentes na Itália, o que sedeve observar é se tal ato constitui, ou não, causa interruptiva da prescrição no CódigoPenal brasileiro. Quanto a isso, o inciso II do art. 117 do Código Penal não deixa dúvida.O fato de, no Brasil, a pronúncia somente se aplicar ao procedimento do Tribunal do Júrié mera opção do legislador ordinário.

Observo que o raciocínio jurídico de que ora me valho encontra suporte na juris-prudência da Corte. O reconhecimento da existência de atos processuais em ordenamentosestrangeiros que equivalham a atos processuais do direito brasileiro, como a denúncia oua pronúncia, já foi adotado pelo Supremo Tribunal Federal em diversos precedentes: (Ext857, Rel. Min. Nelson Jobim; Ext 828, Rel. Min. Nelson Jobim; HC 79.459, Rel. Min.Sepúlveda Pertence, entre outros).

Na mencionada Ext 857, os delitos que ocasionaram o pedido de extradição foramformação de quadrilha e estelionato. Na Ext 828, os crimes eram de fraude bancária,falsificação de documento, fraude em operações monetárias e seqüestro internacional.

Ora, nenhum desses crimes é processado no Brasil perante o Tribunal do Júri. Issonão impediu, contudo, a aceitação, pela Corte, da pronúncia como causa de interrupçãoda prescrição no direito brasileiro.

Cito o que disse o Ministro Nelson Jobim — aliás, citando a Procuradoria-Geral daRepública — no julgamento da já mencionada Ext 857, na qual o extraditando eraacusado da prática dos crimes de formação de quadrilha e estelionato:

“(...)

No caso, o curso da prescrição foi interrompido pela decisão que instaurou oprocesso contra o extraditando.

Ela data de 16 de dezembro de 1996 (fls. 78/132).

Essa decisão equivale ao recebimento da denúncia no Direito brasileiro (CP,art. 117, I).

A PGR entendeu que a decisão de processamento do crime equipara-se àsentença de pronúncia na lei brasileira (fl. 312).

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Essa divergência de interpretação não é significativa, porque tanto o re-cebimento da denúncia como a pronúncia são causas de interrupção da prescri-ção no Direito brasileiro (CP, art. 117, I e II).

Dessa forma, em 16 de dezembro de 1996, ocorreu a interrupção do prazo deprescrição.

(...)” (Grifei)

Examino agora precedentes relativos ao direito norte-americano, nos quais se pro-cedeu à equiparação do Criminal Indictment à nossa Pronúncia, para fins de se reconhe-cer a ocorrência da interrupção da prescrição. Colho, do acórdão da Ext 816 (Rel. Min.Maurício Corrêa), o seguinte trecho:

“4. O ato judicial denominado indictment no processo penal norte-america-no assemelha-se à pronúncia na versão brasileira, constituindo-se em causa inter-ruptiva do prazo prescricional. Precedentes.”

Lembro que, nesse caso, o extraditando era acusado da prática dos crimes de asso-ciação permanente para o cometimento de atos ilícitos (Seção 1962), fraude continuada(Seções 1341 e 1344) e incêndio criminoso cometido com o intuito de obter vantagempecuniária; nenhum deles, portanto, submetido, no Brasil, a julgamento pelo Tribunaldo Júri.

Na Ext 846 (Rel. Min. Ilmar Galvão), em que o governo dos Estados Unidos daAmérica pedia a extradição de um seu nacional que havia cometido precisamente odelito de conspiração para tráfico de entorpecentes, o Supremo Tribunal Federal maisuma vez procedeu à aproximação do Indictment à Pronúncia, com o objetivo de aferir seestava presente ou não uma causa de interrupção da prescrição. Sustentou então o MinistroRelator:

“O regime de prescrição do direito norte-americano, na forma da legislaçãojuntada aos autos, impede, exclusivamente, a punição daqueles crimes cuja pro-núncia (indictment) se deu após cinco anos contados da prática delituosa (Título18, Seção 3282, do USC). No caso sob enfoque, a prática dos crimes se deu entreabril de 1999, aproximadamente, e 19 de maio de 2000, sendo que o indictment foiefetuado em 12 de julho de 2001. Não há falar, portanto, em prescrição perante oordenamento do país requerente.”

No HC 79.459, o eminente Ministro Sepúlveda Pertence reconheceu que o CriminalIndictment do direito processual dos Estados Unidos da América equivale à nossa pro-núncia, nos seguintes termos:

“(...) no processo penal americano, o criminal indictment não é simples peçainicial de acusação, mas juízo positivo sobre a admissibilidade desta, exarada porórgão jurisdicional, o grand jury e, assim, antes assimilável, no direito brasileiro,à pronúncia, que à denúncia.

Demonstra-o, aliás, texto expositivo de autoria não revelada que instrui apetição sobre o Grand Jury Indictment Process (fl. 79), no qual se lê em primeirolugar, ‘the grand jury acts as a screen to review the prosecutor’s case and decide ifthe government has presented sufficient evidence to justity returning an indict-ment. By forcing the government to present its case to a panel of citizens at na early

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stage in the criminal process, and in giving these citizens the ultimate chargingpower, the grand jury was designed to act as a check against ill-conceived ormalicious prosecutions and in this capacity has often been referred to as a ‘shield’.

Patente a similaridade com o juízo da pronúncia, destinado entre nós à veri-ficação da existência de prova da existência do crime e de indícios suficientes deautoria que justifiquem, nos processos de competência do Júri, a submissão docaso ao julgamento definitivo do tribunal popular.”

Em hipótese similar à dos presentes autos, envolvendo o direito italiano, assimdecidiu o Pleno no julgamento da Ext 581, de relatoria do eminente Ministro SepúlvedaPertence:

“Ementa: Extradição de militante de movimento político condenado porincêndio doloso, de que resultaram mortes imputadas ao agente a título de culpa ecrimes de menor gravidade: indeferimento, dada a prescrição retroativa pelaspenas aplicadas, segundo o direito brasileiro, o que prejudica a discussão em tornodo caráter político das infrações.

1. No direito brasileiro, transitada em julgado a sentença condenatória para aacusação, o prazo prescricional passa a reger-se pela pena nela concretizada e aprescrição se verifica retroativamente, se correu o tempo necessário entre duascausas sucessivas de interrupção do seu curso.

2. No processo penal italiano anterior à reforma, para efeitos prescricio-nais, a sentenza di rinvio a giudizio equipara-se à de pronúncia, da lei brasileira,que interrompe a prescrição.

3. Indefere-se, pois, a extradição, se, como ocorreu na espécie, entre asentenza di rinvio e a decisão condenatória — que foi a causa interruptivaimediatamente subseqüente — transcorreram mais que os doze anos necessários àprescrição retroativamente calculada, segundo o direito brasileiro, a base da penade oito anos, que foi a mais grave aplicada ao extraditando.”

Assim, seja pela legislação italiana, seja pela legislação brasileira, o ato de remessaa julgamento, realizado em 3-8-1993, interrompeu o prazo prescricional da pretensãopunitiva, de modo que se pode afirmar, como se verá adiante, a não-ocorrência da extin-ção da punibilidade pela prescrição, não incidindo o óbice constante do inciso VI do art.77 da Lei 6.815/1980.

Os fatos ilícitos foram praticados no período de 1984 a 1989, em continuidadedelitiva.

A denúncia, oferecida em 13-7-1989, foi, de acordo com o exposto neste voto,considerada recebida no mesmo mês de julho de 1989.

Em 3-8-1993, foi interrompido o prazo prescricional pela sentença-despacho deremessa a julgamento.

Por fim, em 19-9-2001, foi prolatada a sentença, condenado o extraditando a 8anos de reclusão e multa de 7.746,85 euros, com a ressalva de que, em razão da detraçãopenal pelo período em que este ficou custodiado cautelarmente, o resíduo da pena a sercumprida ficou em 6 anos, 8 meses e 15 dias de reclusão, além da referida multa, com

trânsito em julgado em 26-3-2002.

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Pela legislação brasileira, nos termos do art. 109, III, do Código Penal, a prescrição

para a pena aplicada em concreto ocorreria em 12 anos, o que não foi verificado em

nenhum dos intervalos de tempo acima mencionados.

Já para a legislação italiana, nos termos do art. 172 do Código Penal, “a pena da

reclusão extingue-se pelo decurso de um prazo igual ao dobro da pena infligida e, em

todo caso, não superior a trinta e não inferior a dez anos” (fls. 64-65). No caso, o prazo

prescricional é de 16 anos, período que também não transcorreu.

Concluo, pois, que não ocorreu a prescrição, nem da pretensão punitiva, nem da

pretensão executória, de sorte que, considerando-se preenchidos todos os requisitos

para a extradição, deve ela ser deferida, mostrando-se viável o pedido em questão.

De todo o exposto, preenchidos todos os requisitos, defiro o pedido de extradição

do nacional italiano Luigi Felice Balestra, ressalvando apenas que deve ser efetuada a

detração do tempo de prisão ao qual ele foi submetido no Brasil por força deste pedido

de extradição.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Na Itália, a submissão a julgamento, a remessa,

como ressaltado por Vossa Excelência, tem o efeito de interromper a prescrição?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Textualmente, previsto na legislação

italiana, no art. 160.

O Sr. Ministro Eros Grau: No caso, era exigida a pronúncia. Não é crime doloso

contra a vida?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Na Itália, não. Hoje tenho dúvida.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas não somos obrigados a acompa-

nhar a evolução da legislação, mesmo porque a prática do crime se deu em 1999.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O problema é realmente este: se, no Brasil, não

seria caso de júri; logo, não haveria a pronúncia, nem a conseqüente interrupção do

lapso prescricional.

Enfrentei o problema na Extradição 457, em que o Ministro Marco Aurélio identi-

ficara no indictment a denúncia, enquanto eu, já em caso anterior, tentara mostrar que o

indictment é pronúncia, no procedimento do júri americano: há uma acusação prelimi-

nar, se for o caso, perante o Grande Júri; admitida a acusação, mediante o indictment, vai-

se então para o Júri, juízo da causa. Então, corresponde, mutatis mutandis, à nossa

pronúncia. Reconhece-se a viabilidade da acusação e remete-se o caso ao Júri.

Acentuei, na ocasião:

“Parece-me que o que interessa é que, no Direito brasileiro, onde haja pro-

núncia, há interrupção de prescrição.

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Não acompanho o parecer” — que é exatamente na linha do parecer de hoje —“quando entende que, não se tratando daqueles crimes que, no Brasil, são submeti-dos ao julgamento do júri, não caberia considerar a pronúncia como interruptivada prescrição. Aí, parece-me realmente sem razão o ilustre Subprocurador-Geral daRepública. O que interessa é que lá se segue, para numerosos crimes, o processo dojúri” — eu me referia aos Estados Unidos — “onde o indicment, conforme nossatranqüila jurisprudência, corresponde exatamente à pronúncia e, pelas mesmasrazões, deve interromper a prescrição, independentemente de qual o crime que láse persiga.”

Isso se repetiu nas Extradições 741, 781 e 581, precisamente com relação aoriinvio a giudizio do Direito italiano anterior à reforma.

Hoje já não me comprometo, porque, parece-me, a velha instrução perante o juízode instrução foi substituída pelas “investigações preliminares” comandadas pelo Mi-nistério Público, no curso das quais o juiz só intervém eventualmente, se há necessidadede coações pessoais ou reais durante as investigações.

Então, tenho dúvida se ainda hoje poderia chamar de pronúncia e não de denúnciaesse reenvio, mas, no caso, a solução seria a mesma.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, continuo com dúvidas sobre amatéria, porque o sistema adotado pelo Brasil quanto à extradição é o unitário, não o queDeveali apontou como o que enseja a mesclagem de legislações, do conglobamento, emque se consideram, não só sob o ângulo da tipicidade como também sob o ângulo daprescrição, as legislações: a do país requerente e a do Brasil.

Imaginemos, por exemplo, que a denúncia no país requerente não implique ainterrupção da prescrição. Vamos perquirir, ocorrida, ou não, a prescrição, segundo alegislação desse país requerente, integrando essa cláusula nacional interruptiva namesma legislação? A resposta é desenganadamente negativa. O que nos vem da Lei n.6.815/80, que disciplina a espécie? Primeiro, que não se concederá a extradição quandoo fato motivador do pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estadorequerente. Não confundimos as legislações. Apreciamos o ato imputado, presente alegislação do país requerente e a do Brasil. Quanto à prescrição, o inciso VI do artigo 77da Lei n. 6.815/80 é categórico:

“Art. 77. Não se concederá a extradição quando:

(...)

VI - estiver extinta a punibilidade pela prescrição” — aí vem a parte queinteressa — “segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente” — segundo a leido Estado nacional ou a lei do Estado requerente.

Senhor Presidente, numa situação concreta, em que vou perquirir a incidência daprescrição, não posso transportar para a legislação nacional uma causa interruptiva quenão está inserida no ordenamento jurídico nacional, a não ser quanto a crime dolosocontra a vida, ou seja, a sentença de pronúncia. Se o fizer, na verdade estarei a analisar aprescrição não segundo a legislação nacional — porque os prazos que considero são osda legislação nacional — ou a do país de origem, mas segundo uma terceira legislação,uma legislação hipotética, resultado da junção, da simbiose das legislações estrangeirae nacional.

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Ante o critério unitário, ante a disjuntiva “ou” contida no inciso VI do artigo 77,não há como caminhar em tal sentido.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): V. Exa. me permite um aparte?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Pois não.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Vossa Excelência não se sensibiliza como fato de que citei pelo menos cinco precedentes desta Corte? O Ministro SepúlvedaPertence citou vários outros.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vou repetir o que já disse no Plenário: não tenhocompromisso com os meus próprios erros, o que dirá com os erros alheios.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Há uma vasta jurisprudência dandosuporte a esse entendimento.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não posso, Ministro Joaquim Barbosa, subscreveróptica contrária à convicção formada sobre a matéria, por mais graduada que seja aautoria dos precedentes.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, vou comungar sobretudo dessa linhade argumentação do Ministro Marco Aurélio. Já havia pensado nisso.

Tanto o art. 77, VI, da Lei n. 6.815 como a letra b, I, do art. 3º do Tratado enunciamque basta a prescrição ser reconhecida perante a lei do país requerente ou perante a leinacional.

Isso significa que é preciso analisar, isoladamente, cada sistema, porque essa juris-prudência respeitável do tribunal se vale de analogia in malam partem, porque à pronún-cia, que tem efeitos específicos num procedimento destinado a veicular julgamentos decrimes dolosos contra a vida, aplica regra que, perante a legislação brasileira, não tem oefeito de interromper a prescrição.

A pronúncia, no Brasil, é específica e gera esse efeito quanto aos crimes dolososcontra a vida, não contra os outros crimes, ainda que se possa teoricamente equiparar apronúncia a institutos análogos da legislação estrangeira, mas aí será preciso estabelecerjuízo de comparação ou analogia.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A analogia se faz sempre em matéria de direitoextradicional, porque V. Exa. está comparando ordenamentos pessoais e processuaisdistintos.

Então, o que V. Exa. chama de denúncia, a rigor, lá não é denúncia.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: A denúncia, no sentido de que é um mero ato derecebimento de qualquer ação penal, tanto vale lá como cá, não, porém, os efeitos dapronúncia.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: No pedido de instrução — no velho processopenal italiano e francês, antes das reformas de tipo acusatório —, sempre consideramosque a abertura de instrução equivalia à nossa denúncia, quando verdadeiramente não é.

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É claro que, no direito extradicional, essa comparação há de ser feita em termosanalógicos.

Agora digo que o procedimento aplicado no Brasil, ao crime considerado, éirrelevante.

O certo é que, no Brasil, a lei brasileira deu a uma decisão, com tipo e pressupostosda pronúncia, o efeito interruptivo da prescrição. É quanto basta, independentemente deindagar-se se aquele crime, se ocorrido no Brasil, seria processado segundo o rito do Júrie, conseqüentemente, seria objeto de pronúncia.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Eminente Ministro, ressalvado o raciocínio de V.Exa., isso não é efeito da lei brasileira.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: A legislação remete à consideração da lei nacional,não da estrangeira.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Onde se tem afirmado na doutrina e na jurispru-dência, como verdade elementar, que não se misturam, são outras coisas: é, por exemplo,tomar-se a pena cominada ao crime no estrangeiro e apurar a prescrição conforme osistema brasileiro. Coisas assim.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Acho que, com todo o respeito, não é efeito da leibrasileira.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Qual o propósito de legislação em que se estabeleçaa observação da lei brasileira e da lei do país?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Acho que não é efeito da lei brasileira, a qual nãoprevê tal efeito ligado à pronúncia.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Cezar Peluso, Vossa Excelência me permite?

Vamos admitir que, em certo país, o pronunciamento do tribunal, confirmando asentença condenatória, implique a interrupção da prescrição também. Transportaríamospara saber se ocorrida a prescrição pela lei brasileira? Da mesma forma, não podemostransportar a pronúncia prevista lá, em relação a um crime em que, no Brasil, ela nãoexiste.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: V. Exa. não tem, no processo brasileiro, comocausa interruptiva, nada assimilável à confirmação da condenação, como também não setransporta — o que teria relevo, no caso concreto — o efeito interruptivo do decreto deprisão antes da denúncia.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vamos hipoteticamente imaginar que um país tenhaessa figura.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O decreto de prisão antes da denúncia.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: A confirmação da sentença condenatória implicainterrupção. Analisando a prescrição segundo a legislação brasileira, adotaríamos essefator de interrupção? Claro que não. Se a pronúncia no Brasil é setorizada apenas quantoaos crimes dolosos contra a vida, não podemos, para saber se ocorrida, ou não, a prescri-ção segundo a legislação brasileira, adotar pronúncia como fator interruptivo em relação

a um delito que nada tem a ver com o crime doloso contra a vida.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Acho que, nesse caso, se importam noções do direitoitaliano para criar, perante o direito brasileiro, uma eficácia que a pronúncia não tem. E,nesse caso, deixa-se de examinar a prescrição perante os termos da lei brasileira.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A pronúncia tem efeito interruptivo no direito

brasileiro.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas não tem esse efeito contra outros crimes.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Apreciamos a prescrição, segundo a legislação bra-sileira, considerado o tipo envolvido no processo de extradição.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Acho que, na extradição, temos queexaminar a essência dos institutos.

EXTRATO DA ATA

Ext 961/República Italiana — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Requerente:Governo da Itália. Extraditando: Luigi Balestra ou Luigi Felice Balestra (Advogados:Gabriela Bitencourt Martins, Ana Carolina de Menezes e Mauro Marcio Seadi Filho eoutro).

Decisão: O Tribunal, por maioria, deferiu o pedido de extradição, vencidos osMinistros Marco Aurélio, Cezar Peluso e Gilmar Mendes. Votou o Presidente, Ministro

Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Falou pelo extra-ditando o Dr. Mauro Márcio Seadi Filho.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr.Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 5 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO RESCISÓRIA 1.376 — PR

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes

Revisor: O Sr. Ministro Cezar Peluso

Autores: H. Kaminski & Cia. Ltda. e outros — Litisconsortes Ativos: Magnus

Victor Kaminski e outra — Réu: Estado do Paraná

Ação rescisória. 2. Ação de reparação de danos. Assalto cometido

por fugitivo de prisão estadual. Responsabilidade objetiva do Estado. 3.

Recurso extraordinário do Estado provido. Inexistência de nexo de

causalidade entre o assalto e a omissão da autoridade pública que teria

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possibilitado a fuga de presidiário, o qual, mais tarde, veio a integrar a

quadrilha que praticou o delito, cerca de vinte e um meses após a evasão.

4. Inocorrência de erro de fato. Interpretação diversa quanto aos fatos e

às provas da causa. 5. Ação rescisória improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-

nal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência do Ministro Nelson Jobim, na confor-

midade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, rejeitar a

preliminar e julgar improcedente a ação rescisória, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 9 de novembro de 2005 — Gilmar Mendes, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Cuida-se de Ação Rescisória proposta por H.

Kaminski & Cia. Ltda., Magnus Victor Kaminski e sua esposa e Heide Karin Kaminski

contra o Estado do Paraná, com base no art. 485, IX, do Código de Processo Civil.

Dos fatos narrados, tem-se que, sob o argumento de responsabilidade objetiva do

Estado, “os Autores propuseram, em data de 2 de dezembro de 1986, Ação Ordinária de

Reparação de Danos Causados por Ato Ilícito, contra o Estado do Paraná, sob o

argumento de que seu estabelecimento comercial e residência foram alvo de roubo

causado por indivíduos condenados pela justiça e foragidos dos estabelecimentos

penais nos quais cumpriam penas”.

A ação foi julgada procedente, em primeira instância, ao fundamento de que carac-

terizada a “hipótese de falta de serviço”, pela ausência de vigilância dos agentes do réu.

A apelação interposta pelo Estado foi julgada improcedente pelo Tribunal de Justiça do

Estado do Paraná, por maioria de votos. Essa decisão foi mantida, ainda, em sede de

embargos infringentes.

Daí o recurso extraordinário, interposto pelo Estado do Paraná, com fundamento

no art. 102, III, a, da Constituição Federal, ao qual foi dado provimento.

Os autores sustentam que a 1ª Turma desta Corte, ao assim decidir, conheceu de

matéria não prequestionada, em afronta ao art. 5º, LV, da Constituição Federal, retiran-

do-lhes a oportunidade de demonstrar a prova contida nos autos de que “não apenas um,

mas a maioria dos assaltantes era de foragidos do sistema penitenciário do Estado do

Paraná (...)” e apontariam que “desde antes de 1976, todos os assaltantes já faziam

parte de audacioso bando, conforme provado pelo boletim de ocorrências dos Estabe-

lecimentos Penais do Estado do Paraná, de 19.09.76 (...)”.

Pedem a procedência da ação, para que, anulado o julgamento, nova decisão seja

proferida, sem o alegado vício de considerar matéria não prequestionada, negando-se

provimento ao recurso extraordinário do Estado do Paraná.

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Regularmente citado, o Estado do Paraná apresentou contestação de fls. 651-670,em que sustenta, preliminarmente, a decadência do direito de ação, pelo seguinte moti-vo: “não importa aqui o trânsito em julgado da decisão que denegou seguimento aorecurso interposto contra o acórdão, mas sim o trânsito em julgado do acórdão que sepretende rescindir, que, como visto, pela negativa de admissibilidade dos embargos dedivergência, deu-se quinze dias após a publicação do acórdão, ou seja, em 22 deagosto de 1992”.

Entende descabida a argumentação quanto ao erro de fato, porque a matéria relativaà existência ou não de nexo de causalidade foi amplamente discutida no acórdão doTribunal de Justiça. Na verdade, a interpretação dada ao art. 37, § 6º, da ConstituiçãoFederal pela 1ª Turma deste Tribunal foi divergente, tendo tomado “os fatos tal comoconsiderados no acórdão do tribunal a quo, para tão somente refazer a análise daquestão de direito”.

Com base em trabalho doutrinário de Sydney Sanches (“Ação Rescisória por errode fato”. In: Revista de Processo, vol. 44. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1986, p. 56)e de Sálvio de Figueiredo Teixeira (“Ação Rescisória”. Apontamentos. In: RT 646/13),afirma que o erro de interpretação não se encaixa no conceito de erro de fato previsto noart. 485, IX, do CPC.

Mais adiante, após referir-se à lição de Barbosa Moreira (Comentários ao Códigode Processo Civil. Vol. V. Rio de Janeiro, Forense, 1981. pp. 174-5), de Pontes deMiranda (Comentário ao CPC. Tomo VI. Rio de Janeiro, Forense, 1975. p. 330) e de LuísEulálio de Bueno Vidigal (Comentários ao CPC. São Paulo, Editora Revista dosTribunais, 1974. p. 151), quanto aos pressupostos de rescindibilidade da decisão,ressalta “que o erro de fato deve emergir, prima facie, do exame dos autos, não podendoser produzidas novas provas” e conclui pela inadmissibilidade de produção de novasprovas.

Requer, por fim, o julgamento antecipado da lide, com a improcedência da ação.

Em atendimento ao despacho ordinatório, o Estado do Paraná esclareceu que amatéria é exclusivamente de direito, não sendo necessária a produção de provas (fl. 677).Não houve manifestação dos autores, nesse ponto, conforme certificado à fl. 678.

De igual forma, não houve manifestação dos autores quanto às preliminares susci-tadas na contestação, nem sequer quanto à impugnação ao valor da causa apresentadapelo Estado (certidão de fl. 675).

Assim, por decisão de fl. 686, o Relator fixou o valor da causa em R$ 976.224,02(novecentos e setenta e seis mil e duzentos e vinte e quatro reais e dois centavos) edeterminou a intimação dos autores para que efetuassem a complementação do depósito,nos termos do art. 488, II, do CPC.

Em petição de fls. 691-695, acompanhada por termos de declaração de pobreza dosautores, estes alegaram encontrarem-se em estado de “miserabilidade econômica” erequereram a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos daLei n. 1.060/50. Alternativamente, nos termos do art. 13 da Lei n. 1.060/50, pedem alimitação do depósito à importância já disposta. Posteriormente, os autores ofereceram emcaução o imóvel constante da matrícula 16584, situado no bairro de Taboão, na Comarcade Curitiba/PR (fls. 703-706).

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Provocado a se manifestar, o Estado discordou dos pedidos e requereu a extinçãodo feito, com base no art. 490, II, do CPC.

Antes de decidir, o Relator determinou a remessa dos autos à Procuradoria-Geral daRepública, que, em parecer de fls. 718-722, opinou pelo deferimento dos benefícios daassistência judiciária gratuita aos autores pessoas físicas, na proporção estabelecidapelo art. 23 do CPC, para as despesas processuais e os honorários advocatícios.

Dessa forma, foi deferido o pedido de assistência judiciária gratuita aos litiscon-sortes pessoas físicas, que ficaram “dispensados do depósito complementar de 5% (cincopor cento), a que se refere o art. 488, II, do Código de Processo Civil, calculado sobrea diferença entre o valor da causa declarado e o fixado na sua impugnação, naproporção que cabe a cada um (arts. 19 e 23 do mesmo Código)”. Nessa oportunidade,deu-se por saneado o processo e determinou-se a abertura de vistas para razões finais (fls.725-726).

Razões finais dos autores às fls. 729-740 e do Estado, às fls. 742-749.

Em face da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, os autoresrequereram o levantamento do depósito, que se teria tornado indevido. O Estado doParaná manifestou-se pelo indeferimento do pedido, sob pena de nulidade de todo oprocesso.

Em nova manifestação, a Procuradoria-Geral da República opinou pela improce-dência da Ação Rescisória, caso não seja indeferida a petição inicial.

Redistribuídos, os autos vieram-me conclusos em 26-8-03.

É o relatório.

Ao revisor (art. 21, X, do RISTF).

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Preliminarmente, observo que o art. 490do Código de Processo Civil dispõe sobre o indeferimento da petição inicial da açãorescisória quando não houver o depósito de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa.

No entanto, aqui, a intrínseca ligação entre este tema e o da possibilidade dedeferimento do benefício de assistência judiciária gratuita às pessoas jurídicas é capazde levar a conclusão diversa.

Esta Corte, ao apreciar o AgR nos Embargos de Declaração na Rcl n. 1.905/SP, Rel.Marco Aurélio, Pleno, DJ de 20-9-02, decidiu:

“Assistência judiciária gratuita — Pessoa jurídica. Ao contrário do queocorre relativamente às pessoas naturais, não basta a pessoa jurídica asseverar ainsuficiência de recursos, devendo comprovar, isto sim, o fato de encontrar-se emsituação inviabilizadora da assunção dos ônus decorrentes do ingresso em juízo.”

Assim, a pessoa jurídica deve comprovar, e não apenas declarar, a falta de condi-ções para pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo próprio(art. 4º, caput, da Lei n. 1.060/50).

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No presente caso, os autores atribuíram à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem milreais). Depositaram, então, R$ 5.000,00 (cinco mil reais), conforme comprovam osdocumentos de fls. 618-619.

Ao apreciar o incidente de impugnação ao valor da causa, o Relator fixou-lhe ovalor de R$ 976.224,02 (novecentos e setenta e seis mil e duzentos e vinte e quatro reaise dois centavos) e determinou a complementação do depósito inicial pelos autores.

Houve, então, a formulação de pedido de assistência judiciária gratuita pelosautores. E, posteriormente, os autores pessoas físicas ofereceram em caução imóvel desua propriedade.

Deferido o pedido somente em relação aos autores pessoas físicas, resta saber secabia à autora pessoa jurídica a complementação do depósito judicial?

É certo que o próprio art. 6º da referida norma de regência dispõe ser possívelformular o pedido de assistência judiciária gratuita no curso da ação. Não há, porém,limitação do número de pedidos nem momento específico para seu requerimento.

Não tenho dúvida de que, embora tenha sido, anteriormente, indeferido o benefí-cio, nada há que impeça a sua renovação e, possivelmente, o seu deferimento, desde quea pessoa jurídica comprove suas dificuldades financeiras.

Na fase em que se encontra esta ação, não é o caso de, simplesmente, se indeferir ainicial, por insuficiência do depósito, nos termos do art. 490, II, do CPC. Também, incabí-vel a discussão quanto ao levantamento da importância já depositada, quando somente emmomento posterior veio a ser reconhecido o benefício da assistência judiciária.

Passo, assim, ao exame de mérito.

A presente ação foi proposta com base no art. 485, IX, do Código de Processo Civil,ou seja, “fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa”.

Nos parágrafos desse artigo, tem-se:

“§ 1º Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quandoconsiderar inexistente um fato efetivamente ocorrido.

§ 2º É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido contro-vérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.”

O erro de fato alegado pelos autores teria se dado ao considerar, no julgamento dorecurso extraordinário, matéria não prequestionada, especificamente, quanto à formaçãodo “bando” por “foragidos” do sistema penitenciário do Estado do Paraná, descaracteri-zando, por conseguinte, a sua responsabilidade objetiva.

No julgamento da apelação cível e reexame necessário, o Tribunal de Justiça doEstado do Paraná manteve a sentença monocrática que condenou o Estado à reparaçãode danos por ato ilícito praticado por marginais evadidos de prisões estaduais, estandoo acórdão assim ementado (fls. 363-364):

“Ação ordinária de reparação de danos causados por ato ilícito — Assaltocometido por marginais evadidos de prisões estaduais — Responsabilidadecivil do Estado — Teoria do risco integral e do acidente administrativo — Atode saneamento processual — Honorários advocatícios.

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Comprovado nos autos que bando de marginais, integrado por dois evadidosde prisões estaduais, penetrou hostilmente na residência de conhecida famíliacuritibana, dominando-a completamente e conduzindo a esposa até o distanteestabelecimento comercial, de onde se apossou de grande quantidade de jóias,levando o terror àquelas pessoas, agredindo o varão e causando elevado prejuízo,correta e acertada a sentença que reconheceu a responsabilidade civil do Estado eo condenou a compor tais danos materiais.

É que, consagrando a Carta Magna, à exemplo das anteriores, a teoria objetivaou do risco integral (artigo 37, parágrafo 6º), que se desdobra, modernamente, em oconhecido princípio do acidente administrativo, ‘Basta comprovar a existência deuma falha objetiva do serviço público, ou o mau funcionamento deste, ou umairregularidade anônima que importa em desvio da normalidade, para que fiqueestabelecida a responsabilidade do Estado e a conseqüente obrigação de indeni-zar’ (Caio Mario da Silva Pereira, Responsabilidade Civil do Estado, SeleçõesJurídicas ADV, página 17 e seguintes).

De outra parte, nada há que se objetar ao ato de saneamento processual,atacado por recurso incidental, que repeliu a inépcia da peça exordial e excluiu dalide a parcela atinente a tributo estadual, sujeito a reexame administrativo.

No que tange, todavia, a verba honorária, imposta ao vencido, há que serajustada a exegese do artigo 20, parágrafo 4º, do digesto processual, que não arecomenda em percentual sobre a condenação, mas consoante apreciação eqüitativado juiz.

Agravo retido e recurso do segundo apelante desprovido.

Reexame necessário e recurso dos primeiros apelantes providos, em parte.”

Também, nos Embargos Infringentes, manteve-se esse entendimento (fl. 495):

“Responsabilidade civil do Estado. Roubo cometido por bando, cujomentor, era preso condenado e foragido. Procedência do pedido.

Comprovada a participação de preso condenado, na qualidade de mentor dobando de ladrões, tempos depois de sua fuga de hospital onde estava provisoria-mente recolhido, em roubo de joalheria, com a tirada de grande quantidade dejóias, em prejuízo dos respectivos proprietários, e configurando o nexo de causa-lidade entre a falha do sistema penitenciário e o evento danoso, impõe-se ao Esta-do a obrigação de indenizar (cf CF, art. 37, § 6º).”

Contra essa decisão, o Estado do Paraná interpôs o Recurso Extraordinário (fls.505-511), com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, em que alega aviolação do art. 37, § 6º, pois, “em nenhum momento, fundamentou-se o v. aresto em queo Estado se tenha havido com imprudência, negligência ou imperícia no que diz respeitoà fuga dos assaltantes do sistema previdenciário, e perseguição, buscas e efetivação desua prisão, novamente”.

O Ministério Público do Estado do Paraná também interpôs Recurso Extraordinário(fls. 512-525), com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal. Alega que “aresponsabilidade, nos casos de omissão, não pode ser objetiva, mas subjetiva, incum-bindo ao administrado o ônus de provar a falta do serviço. Todavia, no caso sub judice,

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os autores, em momento algum, se dispuseram a comprovar a forma como ocorreu afalta do serviço, ou seu mau funcionamento, e que, segundo eles, consistiu na facilita-ção de fuga de um dos assaltantes (que agiram num total de seis indivíduos). Parapleitear indenização por culpa administrativa, necessário se faz demonstrar tal culpano caso concreto, em qualquer de suas modalidades — imprudência, negligência ouimperícia. Mas isso não fizeram os autores da ação”.

Às fls. 526-528, os autores impugnam o recurso e alegam que os recorrentes nãoapontaram “onde o acórdão colide com dispositivo constitucional”, embora tenhamfundamentado seus recursos na alínea a do permissivo constitucional. Quanto ao mérito,os recursos encontram-se desprovidos de amparo constitucional, pois “discutem a inter-pretação, dada pelo Egrégio Tribunal de Justiça”.

Às fls. 529-533, reiteradas as razões de RE pelo Estado do Paraná. E, pelo Ministé-rio Público do Estado do Paraná, às fls. 534-536.

H. Kaminski & Cia. Ltda., Magnus Victor Kaminski e Heide Karin Kaminski con-tra-arrazoaram o recurso, às fls. 537-558. De forma concisa, estes os argumentos:

“No caso em exame, conforme acordam os próprios Recorrentes, não se vis-lumbra qualquer relevância de questão federal, eis que esta, quando existente,acoberta muito mais o interesse público, social, moral e econômico, estando sem-pre bem mais afeta aos ditames dos interesses sociais e do clamor público ao queaqueles do órgão estatal.

Não sendo, pois, o caso, fincam-se os Recorrentes na letra a do inciso III doartigo 102 da CF, sustentando ter a r. decisão recorrida contrariado dispositivodesta Constituição.

E enveredam pelo campo subjetivo da interpretação.

Irresignam-se com a interpretação dada ao dispositivo constitucional. Nãoapontam um dispositivo constitucional que, efetivamente, tenha sido contrariado.

(...)

E a interpretação não autoriza o conhecimento do RE, ex-vi da Súmula 400da Jurisprudência predominantes deste Egrégio Sodalício. Verbis:

‘Decisão que deu razoável interpretação a lei, ainda que não seja amelhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do art. 101, da CF -1969’”

Em relação ao mérito, afirma:

“Procurar negar a teoria objetiva ou do risco integral, como princípio doacidente administrativo, em que basta comprovar a existência de uma falha obje-tiva do serviço público, ou o mau funcionamento deste, ou uma irregularidadeanônima que importa em desvio da normalidade, para que fique estabelecida aresponsabilidade do Estado e a conseqüente obrigação de indenizar, é querer ten-tar negar o óbvio.”

Após extenso estudo doutrinário sobre a Teoria da Responsabilidade Objetiva,concluem pela negativa de seguimento ao recurso, nestes termos:

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“a) a espécie cuida de responsabilidade objetiva;

b) a responsabilidade objetiva prescinde de culpa ou dolo por parte do cau-sador do dano;

c) a responsabilidade objetiva exige, apenas, a comprovação de que o danoocorreu no exercício de função pública.”

O parecer da PGR no STF foi pelo provimento dos recursos, por entender inexistenteo nexo de causalidade entre a suposta falha do sistema penitenciário estadual e o assalto(fls. 561-576).

A 1ª Turma, ao julgar o RE n. 130.764, decidiu (fl. 613):

“Ementa: Responsabilidade civil do Estado. Dano decorrente de assalto porquadrilha de que fazia parte preso foragido vários meses antes.

— A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto noartigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no § 6º do artigo 37da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, donexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o danocausado a terceiros.

— Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 doCódigo Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do danodireto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Nãoobstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamentedenominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabili-dade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquerconsiderações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teoriasexistentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada.

— No caso, em face dos fatos tidos como certos pelo acórdão recorrido, ecom base nos quais reconheceu ele o nexo de causalidade indispensável para oreconhecimento da responsabilidade objetiva constitucional, é inequívoco que onexo de causalidade inexiste e, portanto, não pode haver a incidência da responsa-bilidade prevista no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69, a que corres-ponde o § 6º do artigo 37 da atual Constituição. Com efeito, o dano decorrente doassalto por uma quadrilha de que participava um dos evadidos da prisão não foi oefeito necessário da omissão da autoridade pública que o acórdão recorrido tevecomo causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como a formação da quadrilha,e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão.

Recurso extraordinário conhecido e provido.”

Conforme a certidão da Diretora do Departamento Judiciário do Supremo TribunalFederal, à fl. 616, “o referido processo foi julgado pela Primeira Turma deste Tribunalem 12-5-92, obtendo decisão e acórdão publicados no Diário da Justiça dos dias 15-5-92 e 7-8-92, respectivamente. Ao acórdão mencionado opuseram-se embargos de diver-

gência, nos quais foi negado seguimento por despacho publicado no ‘Diário da Justi-ça’ de 1º-2-93. Ao referido despacho foi interposto agravo regimental que, julgado

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em sessão plenária realizada em 7-4-95, obteve decisão e acórdão publicados no órgão

oficial dos dias 24-4-95 e 19-5-95, respectivamente, tendo transitado em julgado em26-5-95”.

Daí a Ação Rescisória de que se trata, em que se alega ter o Tribunal violado o

inciso LV do art. 5º da Constituição, porque, se “tivesse havido o prequestionamento

nas instâncias inferiores, teriam os Recorridos, ora Autores, apontado, à saciedade, a

robusta prova contida nos autos, de que não apenas um, mas a maioria dos assaltantesera de foragidos do sistema penitenciário do Estado do Paraná, conforme provam as

certidões contidas no caderno processual”, restando evidente o nexo de causalidadeentre a omissão do Estado e o evento danoso.

Regularmente citado, o Estado do Paraná contestou a ação (fls. 651-670). Argúi,

preliminarmente, a decadência do direito de propor a ação, pelo que pede a extinção doprocesso, com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, IV, do CPC:

“(...) o acórdão rescindendo, que foi publicado em 07 de agosto de 1992 (fls.615), foi objeto de recurso de embargos de divergência, ao qual teve seu seguimentodenegado, sendo que, desta decisão, foi interposto agravo regimental, que foiimprovido (consoante certidão de fls. 616),. Os autores da presente ação rescisóriavalem-se da data do trânsito em julgado do acórdão que negou provimento ao

agravo regimental para a contagem do prazo decadencial da ação rescisória”

Quanto ao prequestionamento da matéria, sustenta:

“(...) A matéria da existência ou não do nexo de causalidade, conforme oartigo 37, § 6º, da C.F., tinha sido amplamente discutida, tendo sido, inclusive,objeto de apreciação pelo egrégio TJ/PR. Não havia, pois, motivos para que a 1a

Turma do S.T.F. não tivesse conhecido do recurso extraordinário. Ademais, não háporque essa matéria ser novamente debatida nessa ação vez que não houve a carac-terização do erro de fato por parte da decisão que se pretende rescindir (...)”

E, quanto ao mérito, propriamente:

“Ora, se a Corte Suprema apenas se reportou aos fatos tidos como verdadeiros

no acórdão do TJ/PR, para interpretar o artigo 37, § 6º, da C.F., ela não poderia terincorrido em erro de fato, pois não poderia, logicamente, deixar de ter admitido umfato ou tê-lo considerado inexistente (artigo 485, inciso IX, do C.P.C.), vez quesimplesmente tomou os fatos tal como considerados no acórdão do tribunal a quo,

para tão somente refazer a análise da questão de direito, a qual culminou em inter-pretação divergente do artigo 37, § 6º da C.F. Logo, o S.T.F. apenas fez uma

interpretação da questão jurídica contida na decisão então recorrida. E dentrodessa análise, meramente jurídica, não considerou nem, tampouco, desconsiderounenhum dos fatos existentes, mas apenas os interpretou sob um prisma, estritamentenormativo (que não envolveu a reapreciação dos fatos), diverso do chegado noacórdão do TJ/PR”.

Mais adiante, transcreve doutrina e jurisprudência sobre o tema e, ainda, trechosdos acórdãos da apelação e dos embargos infringentes e afirma:

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“Com essas ilustrativas transcrições, procuramos demonstrar que houve con-

trovérsia e pronunciamento judicial sobre o fato (participação de preso foragido

em ação delituosa, causadora de dano, vinte e um meses após a fuga). A partir desse

fato, reconhecido como incontroverso pelo eminente Min. Moreira Alves (fls.

602), a 1a Turma do Supremo Tribunal Federal julgou procedente o recurso extra-

ordinário, ajuizado pelo Estado do Paraná, a fim de interpretar a noção jurídica de

nexo de causalidade, requisito para a caracterização da responsabilidade constitu-

cional objetiva do Estado (art.37, § 6º, da C.F.).”

Ainda, alega que os requisitos mencionados nos itens c e d não foram preenchidos,

a ponto de justificar o juízo rescindente, nem o juízo rescisório. Com base em lição de

Barbosa Moreira, Comentário ao Código de Processo Civil. Vol. V. Rio de Janeiro:

Forense, 1981. pp. 174-5:

“a) que a sentença nele [erro de fato] seja fundada, isto é, que sem ele a

conclusão do juiz houvesse de ser diferente;

b) que o erro seja apurável mediante simples exame dos documentos e

mais peças dos autos, não se admitindo de modo algum, a produção de quais-

quer outras provas tendentes a demonstrar que não exista o fato admitido pelo

juiz, ou que ocorrera o fato por ele considerado inexistente;

c) que ‘não tenha havido controvérsia’ sobre o fato (§ 2º);

d) que sobre ele tampouco tenha havido ‘pronunciamento judicial’ (§ 2º)”

Pede não seja conhecida a ação ou, se admitida, seja julgada improcedente.

Alegações finais: às fls. 729-740, dos autores; e, às fls. 742-749, do Estado do Paraná.

A Subprocuradora-Geral da República, Dra. Anadyr de Mendonça Rodrigues, em

parecer aprovado pelo Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro (fls. 770-

785), inicialmente, manifestou-se pelo indeferimento do pedido de devolução propor-

cional do depósito recursal:

“15.Tudo posto, é de se abordar, primeiramente, o pedido de devolução do

depósito judicial.

16. Afigura-se necessário ponderar que tal depósito judicial, quando feito,

não o foi com discriminação das quotas-partes que caberiam a cada qual dos

Autores depositantes: havia uma obrigação legal solidária e nessa qualidade

indiscriminada é que tal depósito se perfez.

17. Ulteriormente, de fato vieram os Autores pessoas físicas a ser eximidos de

fazer tal depósito judicial, enquanto lhes fosse reconhecido o direito aos benefícios

da assistência judiciária. Com isso, esses Autores ficaram dispensados de concorrer

no pagamento da complementação do depósito já efetuado.

18. Essa circunstância de haver sido deferido aos Autores pessoas físicas o

benefício da assistência judiciária, porém, não lhes conferiu o direito a obter a

devolução do depósito efetuado antes de ser reconhecido o seu estado de pobreza.

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19. É que, ao satisfazer parte do depósito que, posteriormente, veio a serreconhecido como deles inexigível, os Autores pessoas físicas na realidade satis-fizeram obrigação alheia, pois cabia, então, apenas à Autora pessoa jurídicafazer o aludido depósito.

(...)

21. Aos Autores pessoas físicas, portanto, cabe apenas buscar, junto à Autorapessoa jurídica, o reembolso do que pagaram, e, não postular a sua devolução.”

E, quanto à insuficiência do depósito:

“23. Como se viu, decidiu o Exmo. Sr. Ministro Relator determinar a comple-mentação do depósito inicialmente efetuado (fls. 686).

24. Ocorre que essa complementação jamais veio a ser efetuada, nos autos. Ébem verdade que os Autores pessoas físicas se viram beneficiados com a conces-são dos benefícios da assistência judiciária. Restou, contudo, obrigada a satisfazera complementação do depósito, a Autora pessoa jurídica.

25. É caso, portanto, de ser aplicado o assim disposto no Código de ProcessoCivil:

‘Art. 490. Será indeferida a petição inicial:

(...)

II - quando não efetuado o depósito, exigido pelo art. 488, II’”

Afasta a configuração de decadência, pelo seguinte motivo:

“26. Quando assim não seja, porém, ver-se-á, a seguir, que não procede aargüição do Réu, de se ter operado a decadência do direito de ajuizar a AçãoRescisória, já que a mesma foi proposta em 5 de maio de 1997 (fls. 2), mas o V.Acórdão recorrido apenas transitou em julgado em 26 de junho de 1995, segundoconsta da certidão de fls.616, e o Código de Processo Civil assim estatui:

‘Art. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue em dois (2)anos’”

Quanto ao mérito, propriamente:

“29. A petição inicial, em sua essência, está arrimada em dois argumentos,para sustentar sua argüição de desrespeito aos artigos 5º, LV, e 102, III, a, daConstituição da República:

a) existência de falta de prequestionamento do tema decidido pelo V.aresto rescindendo; e

b) incursão, pelo V. Acórdão rescindendo, no campo do reexame deprova.

30. Assiste razão, porém, ao Réu, quando assevera o seguinte:

‘Quanto a esse tópico (da falta de prequestionamento), no entanto, nãohá qualquer erro de fato a justificar a propositura da ação rescisória, vez quehouve pronunciamento judicial sobre o fato (art. 485, § 2º, do CPC) no acórdão

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do TJ/PR, impugnado pelo recurso extraordinário, e o prequestionamento daquestão de direito, relativo a esse fato.’

31. De fato, a questão do nexo causal entre o fato danoso e a fuga de presosfoi devidamente abordada e a questão constitucional assaz ventilada no V.Acórdão extraordinariamente recorrido, como demonstra a sua própria ementa:

‘Responsabilidade civil do Estado. Roubo cometido por bando, cujomentor, era preso condenado e foragido. Procedência do pedido.

Comprovada a participação de preso condenado, na qualidade de

mentor do bando de ladrões, tempos depois de sua fuga de hospital onde

estava provisoriamente recolhido, em roubo de joalheria, com a tirada de

grande quantidade de jóias, em prejuízo dos respectivos proprietários, e

configurado o nexo de causalidade entre a falha do sistema penitenciário

e o evento danoso, impõe-se ao Estado a obrigação de indenizar (cf CF,

art. 37, § 6º).’

32. Os fatos da causa, portanto, foram postos pelo V. aresto extraordinaria-mente recorrido, que lhes conferiu aplicação do disposto no art. 37, § 6º, da Cons-

tituição Federal. Esse Excelso Supremo Tribunal Federal, contudo, à vista dosmesmos fatos, divergiu da aplicabilidade da norma constitucional, a tal moldurafática.

33. Afigura-se evidente que não houve reexame da prova coligida perante oE. Tribunal a quo e que se configurou rigoroso prequestionamento do tema deci-dido.

34. O parecer é, por conseguinte, de que a Ação Rescisória deva ser julgadaimprocedente, caso não seja indeferida a petição inicial.”

Sobre a responsabilidade objetiva do Estado, vale destacar a análise do Professor

Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Admitida a responsabilidade do Estado já na segunda metade do séculoXIX, sua tendência foi expandir-se cada vez mais, de tal sorte que evolui de umaresponsabilidade subjetiva, isto é, baseada na culpa, para uma responsabilidadeobjetiva, vale dizer, ancorada na simples relação de causa e efeito entre o compor-tamento administrativo e o evento danoso”.

Em relação à questão de a mera objetividade de uma conduta estatal lesiva aterceiro ser suficiente ou não, para caracterizar a responsabilidade de indenizar o dano

causado, acrescenta o notável professor paulista:

“Parece-nos que a solução correta do problema, à luz dos princípios inerentesao Estado de Direito — prescindindo-se, pois, de disposições particulares porven-tura estabelecidas nos Direitos Positivos Constitucionais — exige o discrímen detrês situações distintas, a saber:

a) Casos em que é o próprio comportamento do Estado que gera o dano.Trata-se, portanto, de conduta positiva, é dizer comissiva do Estado.

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b) Casos em que não é uma atuação do Estado que produz o dano, mas, por

omissão sua, evento alheio ao Estado causa um dano que o Poder Público tinha o

dever de evitar. É a hipótese de ‘falta de serviço’, nas modalidades em que o

‘serviço não funcionou’ ou ‘funcionou tardiamente’ ou, ainda, funcionou de modo

incapaz de obstar à lesão. Excluiu-se apenas o caso de mau funcionamento do

serviço em que o defeito de atuação é o próprio gerador do dano, pois aí estaria

configurada conduta comissiva produtora da lesão. Trata-se, aqui, apenas, de con-

duta omissiva do Estado ensejadora (não causadora) de dano.

c) Casos em que também não é uma atuação do Estado que produz o dano,

contudo é por atividade dele que se cria a situação propiciatória do dano, porque

expôs alguém a risco (em geral — embora nem sempre — em razão da guarda de

coisas ou pessoas perigosas). Nestas hipóteses pode-se dizer que não há causação

direta e imediata do dano por parte do Estado, mas seu comportamento ativo entra,

de modo mediato, porém decisivo, na linha de causação” (MELLO, Celso Antônio

Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, 15. ed., São

Paulo, 2003, pp. 861, 868-869).

De acordo com esse entendimento, diferentemente da responsabilidade subjetiva,

cuja indenização decorre de um procedimento culposo ou doloso, a responsabilidade

objetiva estaria caracterizada pela relação causal entre a atuação estatal e o dano produ-

zido, correlacionada a uma situação de risco. Neste caso, somente a ausência do nexo

causal poderia eximir o Estado de responder pela lesão produzida.

Quanto a esse aspecto, Moreira Alves consignou em seu voto (fl. 601):

“Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de que

participava um dos evadidos da prisão não foi o efeito necessário da omissão da

autoridade pública, que o acórdão recorrido teve como causa da fuga dele, mas

resultou de concausas, como a formação da quadrilha e o assalto ocorrido cerca de

vinte e um meses após a evasão”.

Também Celso de Mello manifestou-se nesse mesmo sentido (fl. 605):

“O vínculo de causalidade objetiva evidencia-se como um dos elementos

essenciais à configuração da teoria do risco administrativo. Causa — acentua o

magistério doutrinário — ‘é toda condição do resultado(...)’ (Damásio de Jesus,

Código Penal Anotado, p. 30, 1990, Saraiva). A projeção dos antecedentes causais

no tempo — specialmente quando o evento lesivo ocorre 21 meses após a evasão

de um dos sentenciados — revela-se como causa obstativa de configuração do

necessário e imediato liame etiológico entre o comportamento dos agentes estatais

e a consumação do dano causado a terceira pessoa.

O eventual reconhecimento do nexo causal, na espécie, exarcebaria de tal

modo o sentido da teoria do risco administrativo que a reduziria, virtualmente, à

dimensão mais radical da teoria do risco integral, que não foi consagrada pelo

nosso sistema de direito constitucional positivo, consoante acentua a jurisprudên-

cia desta própria Corte (RDA 97/177 — RT 330/270 — 382/138 — 449/104).

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As circunstâncias do presente caso evidenciam que o nexo de causalidade

material não restou configurado, quer em face da ausência de imediatidade entre o

comportamento referido imputado ao Poder Público e o evento lesivo consumado,

quer em face da superveniência de fatos remotos descaracterizadores, por sua dis-

tante projeção no tempo, da própria relação causal”.

No caso, pelas razões amplamente desenvolvidas, também não vislumbro nexo de

causalidade entre o fato danoso e o ato omissivo atribuído ao Poder Público.

Nesses termos, julgo improcedente a presente ação rescisória.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Revisor): Acompanho o voto do Ministro Relator.

PRELIMINAR

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, a controvérsia surge quando se

questiona se o depósito necessário à propositura da rescisória está alcançado, ou não,

pela denominada Justiça gratuita.

Há de compreender-se, a meu ver, o sentido da isenção decorrente da assistência

judiciária, da própria Justiça gratuita. A isenção está ligada a tributos; está ligada, de

início, ao que devido relativamente ao preparo, entendendo-se o instituto como algo

voltado à satisfação de valores junto ao próprio erário.

Daí ter-se, por exemplo, não alcançar a Justiça gratuita aquelas multas previstas no

Código de Processo Civil em benefício da parte contrária, porque não estão abrangidas

pela isenção fixada em lei.

A meu ver, esse enfoque deve prevalecer, também, quanto ao depósito exigido por

esse mesmo Diploma para a propositura da ação rescisória, depósito que — como está no

próprio Código — , julgado improcedente o pedido formulado pelo autor da rescisória,

reverte em benefício da parte contrária.

Senhor Presidente, tenho dúvidas em, a um só tempo, placitar a inexigibilidade do

depósito e não caminhar, se pudesse concluir assim, para a devolução do que depositado

à parte, entendendo, portanto, a feitura desse depósito de forma parcial.

Peço um esclarecimento ao Relator. No caso, não houve o depósito na integralidade?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Não houve.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, a ação de impugnação autônoma,

que é a rescisória, percorre uma via — eu diria — afunilada, tendo em conta a própria

segurança jurídica. Ela é de admissibilidade excepcional, considerados os parâmetros do

artigo 485 do Código de Processo Civil.

O artigo 488 do Código é categórico ao revelar que a petição inicial será elaborada

com observância dos requisitos essenciais do artigo 282 nele contido, devendo o autor

cumular os dois juízos: o rescindendo e o rescisório.

O inciso II do artigo 488 revela:

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Art. 488. (...)

(...)

II - depositar a importância de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, atítulo de multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível,ou improcedente.

(...)

E a única exceção que há no parágrafo único desse artigo, quanto à obrigatoriedadede recolhimento da percentagem de 5% sobre o valor da causa, diz respeito à União, aoEstado, ao Município e ao Ministério Público.

Peço vênia ao Relator para entender que não houve o atendimento à exigêncialegal e, por isso, não admitir a valia da petição inicial.

VOTO (Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Senhor Presidente, na linha até do que jádiviso na jurisprudência, entendo que a ação rescisória compõe esse conceito com aidéia de proteção judicial efetiva.

Assim, não faria esse distinguishing proposto pelo Ministro Marco Aurélio entreas eventuais isenções de custas e emolumentos e aquelas questões ligadas à multa, senãopodemos chegar a um resultado de desvalia, de desproteção efetiva daquele que sesocorre da proteção judicial.

VOTO (Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Revisor): Senhor Presidente, só para acrescentar aosfundamentos do eminente Relator o fato de que, além de a interpretação dever ser amplaem favor do princípio do acesso, a isenção é regida por Lei especial, a n. 1.050/50, que,no art. 3º, compreende, não apenas o que seja estritamente fiscal, mas até indenização atestemunha, honorários de advogados, honorários de perito, despesa e acumulação deexames, etc.

É, pois, muito ampla e tem todo o sentido, de modo que, se se abrir exceção queimporte inviabilidade de acesso à jurisdição, o benefício em si será inútil.

Com o devido respeito, mantenho o meu voto.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Confesso que fiquei na dúvida quanto aodeferimento da assistência judiciária parcial, porque já havia sido feito o depósito parcial,daí não ter deferido esse pedido de levantamento. Entendi que, pelo menos na medidadas suas forças, a entidade havia feito o esforço necessário.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, apenas gostaria de ressaltar que oartigo 3º da Lei n. 1.060/50 é exaustivo. E, se formos aos incisos desse artigo, veremos quenão está contemplada a multa. Tem-se alusão a taxas judiciárias e selos; emolumentos ecustas devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da Justiça;

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despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dosatos oficiais; indenizações devidas às testemunhas; honorários advocatícios e de peri-tos; despesas com a realização de exame de código genético, DNA — algo introduzidohá pouco —; e publicação de edital, no parágrafo único.

Repito, da mesma forma está compelido, por exemplo, o jurisdicionado a depositara multa do artigo 557, § 2º, do Código de Processo Civil, para recorrer, mesmo emsituação reveladora da assistência judiciária, da Justiça gratuita, e a multa do artigo 18do Código de Processo Civil reverte em benefício do erário, o que não ocorre quanto àindenização. Está também o detentor da justiça gratuita obrigado a efetuar o depósitopara a propositura da ação rescisória, no que poderá reverter em benefício do réu.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro Marco Aurélio, impressiona-me o fato dea lei processual instituir a ação rescisória. Portanto, é uma ação instituída pela ordemjurídico-processual.

Se se caminhar no sentido de que jamais poderia ser concedida justiça gratuita notocante a esse depósito, teríamos, quanto ao ingresso da ação rescisória por parte doscarentes, por parte de quem não tem condição financeira para fazer esse tipo de depósito,um flagrante atentado ao disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição:

“XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ouameaça a direito;”

O Sr. Ministro Carlos Britto: É a garantia do acesso à Justiça.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas já houve. É porque estamos diante de umaexcepcionalidade maior, considerada a ação de impugnação autônoma, passados doisanos do trânsito em julgado da decisão proferida.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim, mas a ação rescisória existe.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Se prevalecer essa óptica, teremos de dispensartambém o depósito do artigo 557, § 2º, para interposição de outros recursos.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Esse artigo tem uma natureza punitiva.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas, pelo preceito — não me recordo exatamentedo artigo — , é multa.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: É a que deseja o Código de Processo, no ponto,impedir o ajuizamento de ações temerárias. Agora, impedir porque a pessoa, física oujurídica, não tem condições financeiras representa uma violência, uma ofensa ao direitode ação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Quanto ao preparo em si, comungo com VossaExcelência, porque, sendo a jurisdição monopólio do Estado, o que é recolhido pormeio de impostos já se mostra suficiente para a máquina judiciária funcionar. Aqui, não.Estamos no campo de multa prevista para ter-se como válida a inicial, e o depósito podereverter em benefício da parte contrária.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: É um depósito que será considerado a título demulta, diz o Código.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Há, inclusive, um precedente do Superior Tribunalde Justiça. Existem outras decisões em sentido contrário — não daquela Corte —, admi-tindo que a gratuidade exime o autor da rescisória dessa mesma multa.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Revisor): A rigor, nem multa é. É um depósito decaráter preventivo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Perdoe-me Vossa Excelência, a menos que se queiradar outra qualificação, porque está na lei que é multa.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Revisor): A lei quer dizer que, em caso de procedên-cia, esse depósito será convertido em multa. Mas, no momento do depósito, é meragarantia de acesso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: É multa mesmo. A previsão pela letra expressa doCódigo de Processo Civil é de multa.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Revisor): Vossa Excelência está querendo conven-cer-me de que o autor já está sendo, desde o início da ação, multado?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não sei. Não sou legislador, não posso substituir-meao legislador.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Revisor): Vossa Excelência está dizendo que o autorjá está sendo multado na petição inicial!

O Sr. Ministro Marco Aurélio: É o direito posto. De qualquer forma, é um conven-cimento, tendo em conta apenas o apego ao que sempre sustentei quanto ao fato de asmultas — aquelas que não são recolhidas aos cofres públicos — não estarem alcançadaspelas benesses, pelos benefícios da gratuidade.

Peço vênia para divergir.

VOTO (Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, retiro da Constituição diretamentea cláusula da gratuidade para os assistidos, para os necessitados, porque a própria Cons-tituição diz, no art. 5º, inciso LXXIV, que o Estado prestará assistência jurídica integrale gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Ou seja, integral e gratuita.

Já, no art. 134, a propósito da estruturação da Defensoria Pública, a Constituiçãoacrescenta que essa assistência jurídica integral e gratuita far-se-á em todos os graus dejurisdição.

Então, parece-me que a própria Constituição autoriza o juízo afinal externadopelo Ministro Gilmar Mendes. Por isso, peço vênia ao Ministro Marco Aurélio paraacompanhar o Relator.

VOTO (Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, na questão do depósitoprévio, que condiciona o próprio ingresso da ação, acompanho o eminente Relator, comas vênias do Ministro Marco Aurélio.

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VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, pudesse cogitar de um placar,

diria que os autores da rescisória estão ganhando por três a um. Explico: lograram êxito

na primeira instância, no julgamento da apelação e no julgamento dos embargos previs-

tos no artigo 530 do Código de Processo Civil.

Surge a questão que, a meu ver, foi a base maior do acórdão rescindendo: haveria

a passagem de vinte e um meses da fuga da penitenciária até o roubo. Ora, esse espaço

de tempo é suficiente a descaracterizar o ato omissivo — não cogito, aqui, de ato

comissivo — do Estado? A meu ver, não. A passagem do tempo só o exacerba.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Também considero assim, a simples passagem do

tempo; porém houve outros elementos aí.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas foi o fundamento do acórdão da Turma para

afastar — e não cogito também do risco integral — a responsabilidade objetiva do

Estado. E, se realmente houve a participação de pessoas, agentes que deveriam estar sob

a custódia do Estado e que deixaram essa custódia em razão de ato de serviço, mediante

fuga — da tribuna ouvi que um dos agentes foi retirado, inclusive, de uma penitenciária

por outros delinqüentes —, a meu ver, tem-se a responsabilidade objetiva. Algum dia o

Estado terá de responder pela omissão em termos de segurança pública, e aqui não se

trata de assalto por cidadão que não estaria sob persecução criminal, ou não estaria

recolhido. Versa-se sobre crime com características todas próprias, praticado por agentes

que deviam estar sob a custódia do Estado.

Senhor Presidente, votei indeferindo a liminar e, veja a curiosidade, agora me

pronuncio no sentido de, por simples conseqüência, decorrente do convencimento for-

mado sobre o tema de fundo, eximir os autores quanto à perda do depósito.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Quer dizer, não haveria a multa, no caso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não. Parte está depositada, e o Relator entendeu

que, no caso, essa parte não poderia nem ser devolvida aos autores.

Senhor Presidente, peço vênia. O nexo de causalidade existe. Se estivessem os

agentes guardados, como deveriam estar, pelo Estado, não teria ocorrido o assalto.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Um agente?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não sei. Não vou, agora, contar quantos foram

porque, a meu ver, a matéria sequer foi elucidada pelo Tribunal de Justiça. A premissa

daquela Corte para desprover os embargos infringentes foi esta: ter-se o envolvimento

de presos, de pessoas que deveriam estar recolhidas, cumprindo pena, quem sabe, e não

o estavam por um ato omissivo de serviço do próprio Estado.

Julgo procedente o pedido formulado para rescindir o acórdão proferido, conside-

rando infringido o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal e, com isso, restabeleço o

entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça do Paraná.

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VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, permita-me, rapidamente, fazer duas

observações. Há um texto de doutrina que parece ter sido escrito exatamente para o caso.

A fuga de internos em manicômios ou presídios que tenham sede nas vizinhanças e

realizem violências sobre bens ou pessoas situadas nas imediações acarretará responsabi-

lidade objetiva do Estado. Então, se os evadidos de uma prisão vierem a causar danos em

locais afastados do prédio onde se situa a fonte de risco, é óbvio que a lesão sofrida não

estará relacionada à fuga. Recorro aqui a exemplo de Celso Antônio Bandeira de Melo.

Quero dizer, com a vênia do Ministro Marco Aurélio, que, se adotada a sua tese, o

Estado terá de abrir um orçamento só para cobrir esse tipo de despesa, pois há uma

porção de gente que deveria estar presa e não está.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não sei, Ministro, mas se, para tornar prevalecente a

Constituição Federal, isso tiver de ocorrer, assim será. O Estado que se cuide e cumpra os

seus deveres.

O Sr. Ministro Eros Grau: Vossa Excelência diz que, toda vez que houver reinci-

dência no crime de furto, o Estado terá de responsabilizar-se?

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, a exemplo do que sustentado

pelo Ministro Marco Aurélio, também não me impressiona muito ter decorrido um gran-

de lapso entre a evasão e a ocorrência do fato. Isso não me impressiona. Talvez, até, leve-

me a acreditar que reforça o argumento contrário. Mas, no caso, parece-me decisivo o

fato de que não foram apenas evadidos que cometeram o crime.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Revisor): Foram oito assaltantes.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Isso, para mim, é determinante.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Isso teria ficado elucidado no acórdão? Quando a

Turma apontou como motivo da reforma o espaço de tempo, evidentemente não encon-

trou outra base.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Isso, a meu ver, enfraquece o elo, a causalidade.

Acompanho o voto do Relator.

EXTRATO DA ATA

AR 1.376/PR — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Revisor: Ministro Cezar Peluso.

Autores: H. Kaminski & Cia. Ltda. e outros (Advogados: Júlio Goes Militão da Silva e

Carlos Henrique Kaminski). Litisconsortes Ativos: Magnus Victor Kaminski e outra

(Advogados: Carlos Henrique Kaminski e outro). Réu: Estado do Paraná (Advogados:

PGE/PR – Marcia Dieguez Leuzinger e outros e Manoel Caetano Ferreira Filho e outros).

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Decisão: O Tribunal, por maioria, rejeitou a preliminar, vencido o Ministro MarcoAurélio e, também por maioria, julgou improcedente a ação rescisória, nos termos dovoto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio, que a julgava procedente. Faloupelos autores o Dr. Júlio Góes Militão da Silva. Ausente, justificadamente, a MinistraEllen Gracie. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Anto-nio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 9 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

INQUÉRITO 2.054 — DF

Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie

Autor: Ministério Público Federal — Indiciados: Inocêncio Gomes de Oliveira eSebastião César Marques

Arquivamento de procedimento administrativo pelo Procurador-Geral da República. Decisão administrativa. Abertura de novas investiga-ções e oferecimento de denúncia por novo Procurador-Geral. Irretratabili-dade do ato de arquivamento, sem provas novas.

1. Se o procedimento administrativo encaminhado à Procuradoriavem a ser arquivado, essa decisão administrativa não pode ser substi-tuída por nova denúncia, apresentada pelo novo Procurador-Geral,sem a existência de provas novas. Precedente (Inq 2.028 — Informativo645, Plenário).

2. Denúncia rejeitada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,rejeitar a denúncia, nos termos do voto da Relatora.

Brasília, 29 de março de 2006 — Ellen Gracie, Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: O atual Procurador-Geral da República, CláudioFonteles, denunciou o Deputado Federal Inocêncio Gomes de Oliveira e Sebastião César

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Marques de Andrade, por suposta prática de crimes de redução à condição análoga à deescravo (CP, art. 149), frustração de direito assegurado por lei trabalhista (CP, art. 203, §1º) e aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional (CP, art.207, § 1º), em concurso formal.

Segundo a peça acusatória de fls. 02/12, desde fins de dezembro de 2001 até marçode 2002, o primeiro denunciado, como proprietário, e o segundo, como gerente daFazenda Caraíbas, teriam aliciado e frustrado direitos trabalhistas de seus empregadosrurais. Afirma, ainda, a denúncia que esses empregados teriam sido reduzidos a condiçãoanáloga à de escravo, porque mantidos em condições sub-humanas de vida. Tais fatosteriam sido constatados pelo Grupo Móvel de Fiscalização da Região 04 do Ministériodo Trabalho e Emprego, conforme Procedimento Administrativo n. 9.077/02, encami-nhado à Procuradoria-Geral da República e constante dos apensos que instruem esteinquérito.

A denúncia foi produzida mediante transcrição de tópicos de depoimentos coligidosno referido procedimento administrativo, bem como de declarações, tomadas pelo próprioMinistério Público Federal, de auditores fiscais que participaram da fiscalização.

Regularmente notificados, os denunciados apresentaram as respostas de fls. 95/108e 136/146. A defesa do deputado federal, em síntese, salientou que os fatos descritos nadenúncia e objeto do procedimento administrativo referido, já haviam passado pelocrivo do, à época, Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, que determinou,por despacho fundamentado, o arquivamento, por falta de base para o oferecimento dadenúncia (fls. 15/18). Teceu críticas a defesa do deputado federal ao desarquivamentodeterminado pelo atual Procurador-Geral, e à denúncia formalizada, diante da inexistênciade qualquer fato novo. Ponderou, também, não caber ao Ministério Público competênciapara produzir inquérito penal e muito menos para ouvir, diretamente, testemunhas.

No pertinente ao mérito, negou a ocorrência de quaisquer dos crimes noticiados,aduzindo que jamais o deputado federal contratou, por si ou por preposto ou gerente,qualquer empregado. É que os trabalhadores da propriedade sempre foram contratadospor terceiros, e mediante empreitada. E mais: tão logo soube da constatação de irregula-ridades praticadas pelos empreiteiros, determinou a imediata quitação de todos os direi-tos e encargos trabalhistas, conforme consta do procedimento administrativo (fl. 102). Odenunciado Sebastião César Marques endossou os argumentos apresentados pela defesado deputado federal.

O atual Procurador-Geral da República, instado a manifestar-se sobre os documentosque instruíram as respostas dos denunciados, reservou-se o direito de, em sustentaçãooral, pugnar pelo recebimento da peça acusatória (fl. 150).

É o relatório.

VOTO (Preliminar)

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Uma questão preliminar precede o examedo recebimento ou não da peça acusatória. O então Procurador-Geral da República,Geraldo Brindeiro, pelo ofício de fl. 13, recebeu do Procurador-Geral do Trabalho o

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Procedimento Administrativo n. 9.077/02, produzido pelo Grupo Móvel de Fiscaliza-ção da Região 04 do Ministério do Trabalho e Emprego, que contém o resultado dasinvestigações realizadas na Fazenda Caraíbas. Esse procedimento investigatório estáapensado a este inquérito. Após examiná-lo, o então Procurador-Geral da Repúblicaproduziu a manifestação de fls. 15/18, do seguinte teor:

“6. Entretanto, cabe ressaltar que o Deputado Inocêncio, através de procura-ção lavrada em cartório, constituiu como seu procurador o Sr. Sebastião CésarMarques de Andrada com poderes especiais junto ao Instituto Nacional doSeguro Social – INSS e Ministério do Trabalho, para tratar de todos os assuntosrelacionados aos empregados das Fazendas do grupo Inocêncio Oliveira, tanto noEstado de Pernambuco como no Estado do Maranhão, podendo para tanto assinardocumentos exigidos, apresentar os necessários, fazer requerimentos, receber, passarrecibos e dar quitação, pagar taxas ou contribuições aos órgãos acima, concordar ediscordar, representar o Outorgante como se presente fosse.” (Fl. 93 v., grifo nosso)

7. Percebe-se, portanto, que quem administra as fazendas de propriedade do oraparlamentar é o Sr Sebastião, a quem incumbe contratar e dispensar empregados,zelar pelo funcionamento das fazendas, enfim, praticar atos de gestão das proprieda-des rurais do mencionado Deputado Federal. Logo, se foram constatadas irregulari-dades na contratação de empregados, bem como nas relações laborais, não há comoimputá-las diretamente ao parlamentar. Torna-se difícil até mesmo imaginar que oora representado, em razão do mandato que exerce em Brasília-DF, possa estardiariamente acompanhando contratações de empregados nas suas fazendas.

8. Como se sabe, no âmbito do direito penal, a responsabilidade do autor docrime é subjetiva, ou seja, exige que o sujeito ao menos concorra para a prática dodelito (art. 29 do CP). Assim, não se pode punir a pessoa pelo simples fato dela sera proprietária da fazenda em que se verificou a possível ocorrência de irregularida-des na esfera trabalhista.

9. A conduta descrita no art. 149 do CP consiste em submeter alguém àsujeição absoluta, reduzindo-o à condição análoga à de escravo. Este delito não épunível a título de culpa, devendo estar presente o dolo, isto é, a vontade livre econsciente de submeter a vítima à sujeição de escravo. E neste contexto não hácomo vislumbrar conduta típica, mesmo que em tese, por parte do Deputado FederalInocêncio de Oliveira. Não subsiste nos autos qualquer elemento indicativo deque tenha ocorrido o mencionado tipo penal, e muito menos de que tenha o repre-sentado praticado-o de forma dolosa.

10. Ademais, conforme a doutrina e jurisprudência pátrias, para a caracterizaçãodo referido tipo penal, devem estar presentes outros elementos, tais como: a exis-tência de guarda armada que impeça os trabalhadores rurais de deixarem a fazenda;não pagamento em espécie alguma; espancamentos e ameaças. Estas característicasnão se apresentam pelos elementos ora colhidos. Neste sentido:

‘O procedimento de fazendeiro que impede a mudança de colonos, desua propriedade, por estarem em débito com a mesma, é censurável, mas nãoconstitui o delito do art. 149; este crime importa na completa sujeição dapessoa ao poder de outrem, não se configurando quando a vítima tinha liber-dade na sua locomoção’ (TJSP, RT 282/150);

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‘Para que se configure o delito, necessário se faz a segura verificação detotal sujeição, de supressão do estado de liberdade sujeitando a vítima, morale fisicamente, ao poder do dominador; não é qualquer constrangimento geradopor irregularidades nas relações laborativas suficiente para determinar a in-cidência do art. 149.’ (TJRS, RT 722/515);

‘Inocorre o crime do art.149 se as supostas vítimas vivem na fazendado réu, sem receber salário, mas recebem tratamento razoável.’ (TJPR, PJ47/294).”

O Plenário deste Supremo Tribunal Federal, em julgamento recente, proferido noInq 2.028 (Informativo 345), decidiu que o ato administrativo do Procurador-Geral daRepública, consubstanciado no pedido de arquivamento de inquérito policial, possuicaráter irretratável, não sendo, portanto, passível de reconsideração ou revisão, ressalvada,no entanto, a hipótese de surgimento de novas provas.

Na hipótese dos autos, o então Procurador-Geral da República, após examinar oProcedimento Administrativo 9.077/02, encaminhado pela Procuradoria-Geral doTrabalho, determinou o arquivamento do expediente.

Seu sucessor, entretanto, instado por um membro do Parquet, e depois de manifestarsua discordância com as considerações feitas pelo antecessor, quer no tocante à validadeda procuração outorgada pelo proprietário do imóvel ao seu administrador, com poderesespeciais para tratar dos assuntos relacionados aos empregados (fl. 93 do Apenso n. l),quer no tocante à valoração dos depoimentos coligidos no procedimento administrativo,resolveu reabrir as investigações. E, depois de delegar a um dos membros do MinistérioPúblico Federal a tomada de depoimentos dos auditores fiscais que produziram o proce-dimento administrativo, formalizou a denúncia ora objeto de julgamento.

Estimo, todavia, nos termos do precedente do Plenário, que a denúncia não sesustenta. É que não seria possível considerar, como prova nova, a tomada dos depoi-mentos dos auditores fiscais. Esses auditores foram os coordenadores e os responsáveispela investigação administrativa. Foram eles que fotografaram, sintetizaram os depoi-mentos dos trabalhadores e formalizaram o procedimento administrativo, como se veri-fica do Apenso n. 2. Isso tudo, como parece lógico, passou pelo crivo do antecessor doatual Procurador-Geral da República. Os depoimentos, colhidos pelo próprio MinistérioPúblico Federal, em nada inovaram. Não constituem, por isso, prova nova, nem apontamnovos fatos.

Aplica-se, portanto, na espécie, o precedente do Plenário (Inq 2.028). O arquiva-mento determinado pelo Procurador-Geral da República é irretratável, insuscetível dereconsideração ou revisão, sem provas novas. No caso não surgiram provas novas quejustificassem o desarquivamento. Irrelevante, também, que, no precedente, se tratasse deinquérito policial arquivado. O rótulo dado ao expediente encaminhado à Procuradoria-Geral da República não tem qualquer relevância. Inquérito policial, procedimentoadministrativo, peças informativas, nada mais são do que expedientes encaminhados aoChefe do Parquet Federal com uma única destinação: aparelhá-lo para que possa, seassim entender, formalizar uma denúncia.

Diante do exposto, rejeito a peça acusatória.

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VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, eu gostaria imensamente de enfatizarum aspecto mencionado pelo Procurador-Geral quanto a estarmos examinando mera-mente a plausibilidade dos fatos relatados. Isso me impressiona muito, talvez eu atégostasse que não fosse assim. Mas, diante do voto da eminente Ministra Ellen Gracie eda circunstância de, efetivamente, não ter havido novas provas — se houvesse qualquerprincípio de prova nova eu não titubearia em instalar uma divergência —, não vejo,efetivamente, nessa tomada de depoimento, algo que possa ser caracterizado como provanova.

Acompanho o voto da Ministra Ellen Gracie.

EXTRATO DA ATA

Inq 2.054/DF — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Autor: Ministério Público Federal.Indiciados: Inocêncio Gomes de Oliveira (Advogados: João Agripino de VasconcelosMaia e outros) e Sebastião César Marques (Advogados: João Agripino de VasconcelosMaia e outros).

Decisão: Após os votos da Ministra Ellen Gracie, Relatora, e do Ministro ErosGrau, não admitindo a denúncia, pediu vista dos autos o Ministro Joaquim Barbosa.Falaram, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da República, e, pelo indiciado, o Dr. João Agripino de Vasconcelos Maia. Presidên-cia do Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio LemosFonteles.

Brasília, 16 de fevereiro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, discute-se nos presentes autos,em questão preliminar, a possibilidade de recebimento de denúncia ofertada após adeterminação de arquivamento do processo administrativo pelo então Procurador-Geralda República, Dr. Geraldo Brindeiro.

Pedi vista dos autos para proceder a exame mais acurado da controvérsia.

A eminente Relatora, Ministra Ellen Gracie, aplicou, em seu voto, o precedentefirmado pela Corte no julgamento do Inq 2.028, no sentido de que a manifestação doProcurador-Geral da República pelo arquivamento de inquérito possui caráter irretratável,ressalvada somente a hipótese de surgimento de prova nova.

Creio seja necessário cotejo do precedente invocado no voto da eminente Relatoracom a hipótese dos presentes autos.

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O Inq 2.028 teve origem em procedimento instaurado no Senado Federal, onde seapurou a suposta prática de delito por Senador da República. O presidente daquela Casado Congresso Nacional encaminhou a esta Corte notitia criminis, mediante ofício aquiprotocolado — porém não autuado —, o qual foi remetido à Procuradoria-Geral daRepública.

O então Procurador-Geral, Dr. Geraldo Brindeiro, ao receber a documentação pro-veniente do Supremo Tribunal Federal, e após terem sido prestados esclarecimentospelo parlamentar e realizadas algumas diligências, encaminhou os autos a Subprocura-dor-Geral, para que proferisse parecer conclusivo a respeito da matéria.

O Subprocurador-Geral da República designado, em sua manifestação, opinou peloarquivamento das peças investigatórias remetidas ao chefe do Ministério Público Federal,por entender que não havia justa causa para a abertura de procedimento criminal contra osenador. Tal manifestação foi ratificada pelo Dr. Geraldo Brindeiro, que, por sua vez,encaminhou os autos de todo o procedimento ao presidente do Supremo Tribunal Federal.

Concomitantemente, foi também remetido à Corte o inquérito policial instauradopelo Departamento de Polícia Federal do Estado da Bahia, autuado como o já mencionadoInq 2.028. O presidente do Tribunal determinou o apensamento da investigação oriundada Procuradoria-Geral da República a estes autos, pelo fato de ambos os procedimentostratarem dos mesmos fatos.

Antes, porém, da manifestação desta Suprema Corte sobre o pedido expresso dearquivamento formulado pelo então Procurador-Geral da República, promoveu-se a dis-tribuição do feito a um Relator e abriu-se vista à Procuradoria-Geral da República, jáentão sob o comando do Dr. Cláudio Fonteles. Este, discordando do pedido de arquiva-mento formulado pelo antecessor, ofereceu a denúncia.

Na seqüência, entendeu o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria, quedeveria primeiramente deliberar sobre o pedido de arquivamento das peças investigató-rias por ausência de justa causa para a abertura de procedimento criminal, por tratar-se depedido irrecusável pelo Supremo Tribunal Federal e irretratável pelo Ministério Pú-blico. O respectivo acórdão recebeu a seguinte ementa:

“Denúncia contra Senador da República e outros agentes. Pedido dearquivamento do inquérito pelo então Procurador-Geral da República. Poste-rior oferecimento da denúncia por seu sucessor. Retratação tácita. Ausênciade novas provas. Impossibilidade.

À luz de copiosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no caso deinquérito para apuração de conduta típica em que a competência originária seja daCorte, o pedido de arquivamento pelo Procurador-Geral da República não pode serrecusado.

Na hipótese dos autos, o Procurador-Geral da República requerera, inicial-mente, o arquivamento dos autos, tendo seu sucessor oferecido a respectiva denún-cia sem que houvessem surgido novas provas.

Na organização do Ministério Público, vicissitudes e desavenças internas,manifestadas por divergências entre os sucessivos ocupantes de sua chefia, nãopodem afetar a unicidade da instituição.

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A promoção primeira de arquivamento pelo Parquet deve ser acolhida, porforça do entendimento jurisprudencial pacificado pelo Supremo Tribunal Federal,e não há possibilidade de retratação, seja tácita ou expressa, com o oferecimento dadenúncia, em especial por ausência de provas novas.

Inquérito arquivado em relação ao Senador da República, e determinada aremessa dos autos ao Juízo de origem quanto aos demais denunciados.” (Inq 2.028,Rel. para o acórdão Min. Joaquim Barbosa, DJ de 16-12-2005.)

Senhor Presidente, a diferença fundamental entre o precedente do Inq 2.028 e opresente inquérito reside no seguinte: no Inq 2.028, o Ministério Público Federal sub-meteu formalmente o pedido de arquivamento ao Supremo Tribunal Federal, ao passoque, no presente feito, a questão resolveu-se interna corporis, não tendo sido encami-nhado, a esta Corte, nenhum pedido de arquivamento de peças de inquérito.

Prossigo na diferenciação dos dois feitos.

O inquérito ora em exame é resultado da fiscalização realizada entre 19 e 27 demarço de 2002 pelo Grupo Móvel de Fiscalização da Região 04 do Ministério doTrabalho e Emprego.

Os fatos descritos na denúncia ocorreram na Fazenda Caraíbas, situada no Municí-pio de Dom Pedro, no Maranhão, de propriedade do Deputado Federal Inocêncio deOliveira.

Inicialmente, constatadas irregularidades, o Ministério do Trabalho e Empregoremeteu cópia dos documentos da fiscalização ao Ministério Público do Trabalho, que,por sua vez, ajuizou na justiça trabalhista ação civil pública e ação civil coletiva contraa fazenda e seu proprietário.

Também foi enviada ao Ministério Público Federal a documentação referente àfiscalização, em face da suspeita de ocorrência de conduta típica. Constatado o fato deque o proprietário da fazenda era deputado federal, os autos do processo administrativoforam remetidos ao Procurador-Geral da República, sem o laudo conclusivo do Ministé-rio Público do Trabalho e Emprego.

Tais documentos foram autuados na Procuradoria-Geral da República, registran-do-se o processo administrativo com o número 1.00.000.009077/2002-60.

Após análise da documentação, o então Procurador-Geral da República, Dr. GeraldoBrindeiro, determinou o arquivamento do processo administrativo, em despacholavrado nos seguintes termos:

“11. Ante o exposto, não se vislumbrando a possibilidade de se imputar aprática do crime ao Deputado Federal Inocêncio de Oliveira e, portanto, não sendoo caso de se requerer a abertura de inquérito policial junto ao Excelso SupremoTribunal Federal, arquive-se o presente procedimento administrativo.” (Fl. 18)

Em 1º-7-2003, a Procuradora Regional da República da Procuradoria Federal dosDireitos do Cidadão encaminhou ao então recém-empossado no cargo de Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, o Processo Administrativo 1.00.000.001532/2003-60, que tratava da mesma inspeção fiscal do trabalho e do mesmo imóvel rural.

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O Procurador-Geral da República reabriu as investigações e determinou a oitiva deauditores fiscais do trabalho que participaram da operação (fls. 31-38), o que foi provi-denciado, conforme se observa às fls. 41-51 e 57-61.

Peço vênia para transcrever trechos do depoimento de auditora fiscal do trabalhocolhido pela procuradora federal dos direitos do cidadão adjunta, por delegação doProcurador-Geral da República, que demonstram as condições a que os trabalhadoreseram submetidos:

“ao proceder a fiscalização do trabalho no dia 19/03/2002, a equipe móvelverificou uma situação de extrema gravidade quanto ao descumprimento da legis-lação trabalhista; os trabalhadores estavam alojados de forma precaríssima, embarracos coletivos para até 30 trabalhadores, deteriorados, com paredes esburaca-das, com cobertura de palha, com piso de chão batido, sem instalações sanitárias eelétricas; alguns barracos não tinham paredes nem qualquer proteção lateral, masapenas um teto de palha; eram um total de 56 trabalhadores na fazenda dos quais53 estavam nestas condições; a pessoa que se apresentou como encarregado dafazenda na ausência do proprietário, de nome Jeremias, não tinha CTPS assinada,e morava com três filhos na fazenda, todos menores de idade, dentre os quaisapenas o mais velho estudava, tendo de percorrer 24 Km até a escola; os doismenores de 07 e 08 anos de idade estavam fora da escola; foi a fiscalização dotrabalho quem determinou a assinatura da CTPS do seu Jeremias; que quanto adois vaqueiros que trabalhavam na fazenda um desde 1997 e outro de 1999, afiscalização determinou correção da assinatura da CTPS cujo registro era a partirde janeiro de 2002; os demais 53 trabalhadores retirados da fazenda bebiam águade açudes, ou de cacimba, que são buracos de cerca de, aproximadamente, 1 metrode diâmetro cavados no chão, onde aflora água; que na superfície da água haviauma ‘capa rosa’; que a alimentação fornecida a estes trabalhadores consistia ape-nas em café puro com farinha, pela manhã e em arroz e feijão no almoço e no jantar,que pouquíssimas vezes comiam carne, e que mesmo estes alimentos eram descon-tados da remuneração dos trabalhadores; que cada gato tinha uma cozinheira con-tratada para fazer esta comida; que os trabalhadores não tinham conhecimento dosvalores que seriam descontados de sua remuneração, os quais eram anotados emcaderno; que segundo o relato dos trabalhadores o deputado federal Inocêncio deOliveira ia mensalmente à Fazenda Caraíbas, onde passava cerca de 3 dias residin-do na sede principal da fazenda; conversava pessoalmente com os trabalhadores,verificava se o serviço havia sido executado e então procedia ao pagamento dosserviços executados aos gatos por ele diretamente contratados ou contratados peloCésar; que ficou clara para a equipe de fiscalização que todos os trabalhadoresconheciam e mantinham contato com o deputado federal Inocêncio de Oliveira emanifestavam um orgulho ingênuo de estarem trabalhando para uma pessoa tãoimportante e poderosa;” (Fls. 42-43)

Aqui, abro parênteses para ressaltar um ponto de elevada importância. O entãoProcurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro, para fundamentar o despacho(fls. 16-18) de arquivamento do procedimento administrativo, expôs o seguinte:

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“7. Percebe-se, portanto, que quem administra as fazendas de propriedade doora parlamentar é o Sr. Sebastião, a quem incumbe contratar e dispensar empregados,zelar pelo funcionamento das fazendas, enfim, praticar atos de gestão daspropriedades rurais do mencionado Deputado Federal. Logo, se foram constatadasirregularidades na contratação de empregados, bem como nas relações laborais,não há como imputá-las diretamente ao parlamentar. Torna-se difícil até mesmoimaginar que o ora representado, em razão do mandato que exerce em Brasília-DF,possa estar diariamente acompanhando contratações de empregados nas suafazendas.” (Fl. 17)

Do confronto entre o já transcrito depoimento em que a auditora fiscal do trabalhorelata o contato direto e rotineiro do parlamentar com aqueles mesmos empregados e odespacho do antigo chefe do Ministério Público Federal, infere-se que este não verificoua informação da auditora fiscal do trabalho ao afirmar que as atribuições parlamentaresdo ora denunciado o impediam de presenciar as condições de penúria em que viviam ostrabalhadores de sua fazenda.

Prossigo na transcrição de importante trecho do depoimento da auditora:

“que afirmaram que o deputado federal conhecia os locais onde moravam ecostumava ir nos barracos, nos locais onde eles estavam trabalhando; que mesmonos barracos situados no outro lado do rio o deputado federal costumava ir, atra-vessando o rio a cavalo, enquanto os trabalhadores atravessavam a nado; (...) ficouclaro nos depoimentos prestados pelos trabalhadores à equipe móvel e à própriadepoente que o deputado federal Inocêncio de Oliveira dava as ordens do quedeveria ser feito na fazenda; que era ele o responsável pela definição do serviço aser feito em cada mês; que dava ordens para contratação dos gatos e de outrostrabalhadores, que fiscalizava pessoalmente se o serviço determinado fora exe-cutado e que efetuava o pagamento pelo serviço diretamente; que ficou claro queInocêncio e seu preposto César não providenciaram os registros trabalhistasobrigatórios dos empregados; nem assinaram suas carteiras de trabalho, o que sóocorreu após a exigência da fiscalização; que o gato Vicente da Silva Sousadeclarou que ‘mensalmente o proprietário da fazenda sr. Inocêncio de Oliveiracomparece à fazenda e nesta ocasião acerta com o declarante o serviço que foiexecutado e o gato paga os trabalhadores conforme a produção’; que ficou claroque nenhum dos trabalhadores recebia o salário mínimo, nem quando consideradoo valor bruto; (...) que o gato José Luiz, conhecido como ‘Magro Velho’, foi contra-tar trabalhadores na cidade de União/PI, a mando do proprietário, sob a promessade pagamento de R$ 15,00 por dia; que o trabalhador Vicente de Pinho Borges aochegar à fazenda ficou sabendo que seriam descontadas despesas com transporte,alimentação, equipamentos de trabalho e de proteção individual e que trabalhariacom o gato Vicente sob pagamento por linha [roçada] executada; que os 53 tra-balhadores alcançados pela equipe de fiscalização também tiveram desconto deferramentas de trabalho, de equipamento de proteção individual e de alimentação,conforme consta das anotações dos cadernos em poder dos gatos [essas anotaçõesconstam dos autos], cada qual responsável por uma equipe de trabalhadores; querecorda-se do depoimento do trabalhador José Alves de Sousa, que afirmou ter

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recebido apenas R$ 230,00 por seis meses de trabalho na Fazenda Caraíbas (...);que também recorda-se do depoimento do gato Edílson que afirmou ter recebidoR$ 2.000,00 de adiantamento, diretamente do deputado federal Inocêncio de Oli-veira que também lhe ordenou que contratasse de 30 a 40 homens para trabalhar naFazenda Caraíbas, mediante pagamento por produção, com desconto de despesasde alimentação, ferramentas ou botas, que os trabalhadores que deveriam trabalharna fazenda, sem dela poder se ausentar, enquanto a diferença entre o valor de seusalário e o de sua dívida não fosse quitado” (Fls. 43-44)

Outras diligências foram realizadas, por delegação emanada do Procurador-Geralda República, Dr. Cláudio Fonteles, para colher depoimentos de mais pessoas envolvi-das nas irregularidades apontadas na fiscalização (fls. 31-38).

Portanto, somente após a reunião dessas informações adicionais, o novo Procurador-Geral, Dr. Cláudio Fonteles, ofereceu denúncia contra o parlamentar e o administrador dafazenda.

Diante do que foi exposto até aqui, parece-me evidente que não estamos diante dasituação de irrecusabilidade do pedido de arquivamento que, à luz da jurisprudência, seimpõe a esta Suprema Corte nos inquéritos de sua competência originária.

Isso porque, em rigor, não há que se falar em pedido de arquivamento, pois, como jáfoi dito, o Dr. Geraldo Brindeiro, então Procurador-Geral da República, promoveu meroarquivamento administrativo das peças, sem nada submeter ao Supremo Tribunal Federal.

Ora, a Súmula 524 tem redação de inequívoca clareza:

“Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento doPromotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.”(Grifei)

Entendo que a Súmula 524 não se aplica ao caso, porque, até o oferecimento dadenúncia pelo novo Procurador-Geral, a matéria jamais fora submetida ao Judiciário,tendo recebido tratamento interna corporis no âmbito da Procuradoria-Geral da Repú-blica. Aí reside o ponto que entendo divergente em relação ao precedente citado pelaeminente Relatora.

A questão, pois, a ser decidida nesta preliminar consiste em saber se o arquivamentointerna corporis de peças de inquérito tem o mesmo valor, o mesmo alcance, os mesmosefeitos jurídicos do arquivamento homologado por decisão judicial.

Creio que não.

Sirvo-me, inicialmente, sobre esse tema, do magistério de Afrânio Silva Jardim. Emconhecido trabalho doutrinário intitulado “Arquivamento e Desarquivamento doInquérito Policial” (Justitia, São Paulo, a. 46, v. 124, p. 21-37, jan./mar. 1984), assim semanifesta o autor:

“Assinale-se, ainda, que a exigência de o arquivamento do inquérito ou daspeças de informação vir a ser submetido à apreciação judicial nada mais é do quea consagração de um mecanismo de controle externo do princípio da obrigatorie-dade da ação penal pública. Caso vigorasse o princípio da oportunidade, não

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haveria lugar para a fiscalização do que não existe a obrigatoriedade. Poderíamoster sim um duplo juízo de conveniência ou oportunidade sobre a propositura dademanda penal.”

(...)

Diante do código em vigor, o arquivamento, no primeiro grau de jurisdição,é uma decisão judicial que, acolhendo as razões do Ministério Público, encerra asinvestigações do fato delituoso. Dissemos decisão judicial, no sentido próprio daexpressão. Vale dizer, não é um mero despacho como pode fazer crer uma leituraapressada do código. Não é sentença por inexistir processo ou jurisdição, massimples decisão administrativa (sentido lato). Por ser oriunda do Poder Judiciário,torna-se judicial.

(...)

Desta forma, em face do que dispõe o artigo 28 do Código de Processo Penal,a atribuição para decidir pelo arquivamento é do Juiz.

(...)

É vedado ao Juiz arquivar inquérito ou peças de informação de ofício, bemcomo parece-nos que o Procurador-Geral não pode subtrair a formulação da opiniodelicti do Promotor, a não ser que tenha avocado as suas atribuições ou que se tratede crime da competência originária dos Tribunais. Mesmo nestes casos, tal arquiva-mento deverá ser manifestado (decidido) perante o Juiz ou Tribunal.” (Grifei)

José Frederico Marques adota o mesmo entendimento sobre o tema em discussão,trazendo inclusive exemplos tirados da legislação penal extravagante, que reforçam a teseda necessidade da intervenção judicial como mecanismo de controle da obrigatoriedadeda ação penal. Diz o autor:

“Controle jurisdicional prévio da ação penal.

O controle da obrigatoriedade da ação penal vem perfeitamente previsto edisciplinado pelo art. 28 do Código de Processo Penal. Tendo em vista o que otexto dispõe, o que se verifica é que as razões invocadas para o pedido de arquiva-mento passa por uma dupla triagem: a do juiz, a quem o pedido é endereçado, e ado chefe do Ministério Público.

Casos há, no entanto, em que a lei prevê um verdadeiro controle jurisdicionalda obrigatoriedade da ação penal. É o que se dá, em primeiro lugar, na hipóteseprevista pelo art. 6º, parágrafo único, da Lei n. 1.508, de 19 de dezembro de 1951,que regula o processo das contravenções relativas a loterias e jogos de azar; e, emsegundo lugar, nos processos relativos a crimes contra a economia popular, em quedo arquivamento do inquérito policial há sempre recurso ex officio (art. 7º da Lei n.1.521, de 26 de dezembro de 1951).

Os dois preceitos legais mencionados submetem ao controle final da superiorinstância a obrigatoriedade de propor a ação penal.

Assim sendo, provido ao recurso voluntário da Lei n. 1.508, de 1951, ou aorecurso oficial, da Lei n. 1.521, — obrigado está o Ministério Público a oferecerdenúncia.

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Os tribunais superiores, quando decidem sobre o arquivamento, dando pro-vimento ao recurso de ofício, declaram, sem sombra de dúvida, que existe suspeitade crime. Não se compreende que um órgão judiciário de segundo grau revogueum despacho de arquivamento sem que, implícita ou explicitamente, proclame aexistência de motivo suficiente para a propositura da ação penal. Ora, nenhumpoder dispositivo sobrará ao Ministério Público para dar ou deixar de dar a denún-cia, uma vez que o Tribunal decidiu que existem elementos suficientes para apropositura da ação penal.” (Elementos de direito processual penal. São Paulo:Millennium, 2000. pp. 379-380)

Por fim, cito Joaquim Canuto Mendes de Almeida, que, em conhecida obra, assimdiscorre sobre o tema:

“b) A ação penal, sendo de interesse público, é, não um direito, mas um deverda administração: eis o princípio da obrigatoriedade.

c) O exercício do direito e dever de ação, direito e dever de ordem pública,cabe sempre a funcionário público, mesmo quando nisso se tenha, pelo fato deagir, transmudado qualquer pessoa do povo ou um promotor ad hoc: é o princípioda autoridade ou da oficialidade.

d) A administração tem como característico próprio a discricionalidade; masa ação penal não se subordina a essa regra, é uma necessidade sempre que ocorram,em concreto, certas condições de fato previstas pela lei; os funcionários do minis-tério penal agem, não porque, em cada caso, calculem qual seja o interesse públicosingular de imposição da pena, mas porque a lei os manda agir. É o princípio dalegalidade no promoverem (necessidade) e no moverem (irretratabilidade) o pro-cedimento penal.

e) A espontaneidade deve ser observada pelo agente do procedimento penalporque, desde que por lei e não por determinação superior ou cálculo de oportuni-dade lhe compete a ação penal, esta deve ser conseqüência da simples notícia docrime: é o princípio do procedimento ex officio.” (Princípios fundamentais doprocesso penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. pp. 85-92)

Passo ao exame de precedentes nos quais a Corte teve a oportunidade de se debruçarsobre a matéria. São dois: o HC 63.802 (Rel. Min. Sydney Sanches) e o HC 59.996 (Rel.Min. Cordeiro Guerra). A matéria está bem sintetizada no primeiro deles, que, por suavez, remete ao segundo.

Com acórdão publicado em 6-6-1986, o HC 63.802 tem como tema principal oarquivamento, pelo Ministério Público, de representação do ofendido, em crime de açãoprivada. No que interessa ao caso em exame traz, logo na ementa, o seguinte:

“Arquivamento, pelo Ministério Público, de representação de ofendido(Juiz de Direito) contra Procurador-Geral da Justiça, por crime de injúria e difama-ção praticado pela imprensa (artigos 21, 22, 23, II e III, e 40, I, b, da Lei n. 5.250, de9-2-1967), sem decisão do Tribunal originariamente competente.

Queixa-crime (ação penal privada subsidiária) apresentada, em seguida, peloofendido ao Tribunal. Recebimento.

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Habeas corpus impetrado, perante o Supremo Tribunal Federal, em favor doquerelado, para o trancamento da ação penal, com as seguintes alegações:

a) vício de representação não sanado dentro do lapso decadencial;

b) ilegitimidade de parte (porque, arquivada, dentro do prazo legal, peloMinistério Público a representação, o ofendido já não poderia promover açãopenal privada subsidiária);

c) falta de justa causa;

d) extinção da punibilidade pela retificação espontânea.

1. O arquivamento de representação de ofendido, dirigida ao MinistérioPúblico, depende de decisão judicial a seu requerimento (do Ministério Público).

Sem essa decisão judicial, o arquivamento (não judiciário) caracterizafalta de denúncia no prazo legal e legitima o ofendido ao oferecimento dequeixa-crime (ação penal privada subsidiária).

2. A petição de queixa-crime pode ser assinada pelo próprio querelante, comindicação de Advogado (que a subscreva), sem necessidade de mandato. A indica-ção equivale a outorga de poderes ad judicia.

3. Há justa causa para ação penal privada subsidiária (queixa-crime) quandoos fatos nela descritos (e com ela documentados, no caso) configurem, em tese, odelito imputado (injúria ou difamação).

4. Nota divulgada pela imprensa, subscrita pelo indigitado ofensor (depoisquerelado), que não configure retificação espontânea não acarreta a extinção dapunibilidade.

(Interpretação dos artigos 1.324 do Código Civil, 30, 44, 29, 18, 28 e 38 doCPP; 231, § 4º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal; e 26 da Lei deImprensa (5.250/67).” (Grifei)

Mais adiante, já no corpo de seu voto, o Ministro Sydney Sanches penetra no cerneda questão que ora nos ocupa, e cita parecer do ilustre Subprocurador-Geral da República,que teve destacadíssima atuação na Corte, no já mencionado HC 59.996. Disse então oMinistro Sydney Sanches:

“8.3. Importa saber, então, se o arquivamento podia, ou não, ser determinadopelo ilustre Membro do Ministério Público ou se dependia de apreciação do Tribu-nal competente.

A questão já foi abordada nesta Corte, em parecer do ilustre Subprocurador-Geral da República, Professor Francisco de Assis Toledo, no Habeas Corpus n.59.996-6/RJ, que teve por Relator o eminente Ministro Cordeiro Guerra.

Disse, naquela oportunidade, o ilustre membro do Ministério Público Federal:

‘O caso em exame oferece, não obstante, uma peculiaridade de raraocorrência. É que o Chefe do Ministério Público, ao invés de pedir e obter oarquivamento, por meio de um ato judicial, promoveu-o através de ato admi-nistrativo próprio, sem submetê-lo ao crivo do Tribunal. Isso nos leva ao

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exame da segunda questão, exposta no item 4, qual seja, a de saber se esseprocedimento seria admissível e, em qualquer hipótese, quais as suas conse-qüências de ordem processual.

8. O Código de Processo Penal regula o arquivamento, em primeira

instância, no art. 18, in verbis:

‘Art. 18 - Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pelaautoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridadepolicial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tivernotícia’.

Para interpretar esse preceito, editou o Supremo Tribunal Federal aSúmula 524 nestes termos:

‘Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requeri-mento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem

novas provas’.

Completa o dispositivo do art. 18 o preceito do art. 28, assim redigido:

‘Art. 28 - Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentara denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quais-quer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentesas razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informaçãoao Procurador-Geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgãodo Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arqui-

vamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender’.

9. Nota-se que o legislador processual brasileiro, no citado art. 18,submete o pedido de arquivamento à fiscalização do juiz e, no art. 28, embo-ra torne obrigatória a sua aceitação quando formulado pelo Procurador Geral,deixa claro que o arquivamento só se faz por ato do juiz e não por ato doórgão do Ministério Público. É que esse mesmo legislador, que poderia terpermitido, no art. 28, ao Procurador Geral ‘determinar o arquivamento’, pre-

feriu outra fórmula procedimental ao estabelecer que o Chefe do MinistérioPúblico, se entender cabível,

‘(...) insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só entãoestará o juiz obrigado a atender’ (Grifamos).

O arquivamento — ensina Tornaghi — ‘somente poderá ser de-terminado pelo juiz e na forma do art. 28 (...)’ (Instituições, Saraiva, 2ªed., vol. 2, p. 251).

10. Quid juris em relação à ação penal de competência originária dostribunais?

Feita abstração da fase inicial (recusa do pedido e remessa ao Chefe do

Ministério Público), por evidentemente incabível, a solução é absolutamenteidêntica, conforme sustenta Frederico Marques:

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‘811 - O procurador da Justiça a quem esteja afeta a atribuição dedar a denúncia pode requerer o arquivamento, em lugar de ofereceracusação contra o indiciado.

‘A quem cabe decidir sobre esse pedido? Será o relator ou será o

Tribunal?

‘Sem dúvida que o Tribunal, uma vez que o relator pode apenaspropor que se arquive o processo, e nunca, determinar, ele próprio, oarquivamento, conforme se deduz do art. 559 do Código de ProcessoPenal’

(Elementos do Direito Processual Penal, Forense, 2ª ed., vol. III,p. 272).

Nem poderia ser de outra forma, pois, se na hipótese do art. 28, oProcurador Geral deve dirigir-se anomalamente ao Juiz de 1ª instância, com

maior razão deverá dirigir-se ao Tribunal quando deste for a competência.

Outra não é, aliás, a orientação que predominou na redação do Regi-mento Interno do Supremo Tribunal Federal, cujo art. 231 dispõe com todasas letras o seguinte:

‘Art. 231 - Distribuído o inquérito sobre crime de ação pública, dacompetência originária do Tribunal, o Relator encaminhará os autos aoProcurador-Geral, que terá 15 dias para oferecer a denúncia ou requerero arquivamento (...)’.”

O Ministro Sydney Sanches prossegue, citando Assis Toledo:

“11. Argumenta-se, na inicial, com a superfluidade do pedido de arquiva-

mento, no caso de ação penal de competência originária, diante da impossibi-lidade de recusa por parte do Tribunal. E, em apoio indireto dessa afirmação,colacionam-se julgados do Excelso Pretório que proclamam a titularidade da açãopenal pública ao Ministério Público, fato incontestável.

Divergimos, porém, da inicial, nesse particular. No sistema processual penalbrasileiro, a necessidade do arquivamento por ato judicial, mesmo quando impos-sível a recusa do pedido, não é supérflua, porque somente o arquivamento ordena-

do pela autoridade judiciária atribui à lei o efeito de obstaculizar a ação penal semnovas provas. Por isso é que à lei fala, no art. 18, em ‘arquivamento (...) pelaautoridade judiciária’. Pelo mesmo motivo é que a Súmula 524 consigna a expres-são ‘arquivado (...) por despacho do juiz’.

Ou se pretenderá atribuir a um ato administrativo do Procurador-Geral efeitosde imutabilidade que a lei expressamente só atribui ao ato judicial?

De resto, como fazer repercutir sobre registros policiais ou cartorários um atoadministrativo que só opera no âmbito das atribuições da autoridade de que pro-

mana e que, por ser dessa índole, poderá, a qualquer tempo, sofrer revisão, reconsi-deração ou revogação?

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Que segurança jurídica resultaria, na área da Justiça Criminal, com as cons-tantes mutações na Chefia do Ministério Público, se vingar, contra lege, a nossover, no Excelso Pretório a tese da ‘superfluidade’ do ato judicial de arquivamento

do inquérito ou de peças informativas?

Uma simples mudança de governo ou a troca do Chefe da instituição poderá,de repente, fazer ressuscitar inquéritos e mais inquéritos arquivados. Será issodesejável?”

Interessante, ainda, extrair, do HC 59.996, passagens do voto-vista de meu ilustreantecessor, Ministro Moreira Alves, absolutamente incisivas sobre o tema em discussão,na linha do entendimento por mim sustentado neste caso. Nas palavras de Sua Excelência:

“A questão que se debate neste habeas corpus é outra: a de saber se o Procura-dor-Geral da Justiça, a quem compete o oferecimento da denúncia em virtude do

foro por prerrogativa de função do representado, por não haver promovido a açãopenal pública nem requerido à Corte o arquivamento da representação, mas sim-plesmente arquivado na Procuradoria-Geral essa mesma representação, não deuensejo a que, com esse comportamento, surgisse para o representante o direito depropor a ação privada subsidiária.

(...)

No caso, alega-se que o Ministério Público, por seu chefe, determinou, ex

autoritate sua, o arquivamento, de modo que não foi inerte, mas exerceu a opção

que lhe cabia exercer. Apenas não o fez pela via do requerimento ao Tribunal, eisso porque, em se tratando de arquivamento determinado pelo próprio chefe doMinistério Público, é inócuo tal requerimento, que, por força do disposto na partefinal do art. 28 do CPP, não pode ser indeferido pelo juiz.

Essa alegação não me parece procedente; não há dúvida de que, tão-somentepor causa do disposto na parte final do art. 28 do CPP, a manifestação do Procura-dor-Geral não pode ser indeferida pelo Poder Judiciário, mas isso não quer dizer que

ela não produza qualquer efeito. O parecer da Procuradoria-Geral da República, deautoria do Dr. Francisco de Assis Toledo, demonstra, com acerto, o contrário, nositens 7 a 11 (...)”

Como se vê, Senhor Presidente, tanto a doutrina como a jurisprudência da Cortenegam amparo à tese da defesa neste caso.

À guisa de recapitulação, e para mais uma vez fazer as necessárias distinções,lembro que, no julgamento do Inq 2.028, abri divergência para tornar explícito o enten-dimento de que, uma vez submetido ao Poder Judiciário o pedido de arquivamento

formulado pelo Procurador-Geral, as discordâncias intestinas entre as diversas cor-rentes do Ministério Público não deveriam interferir no exercício da respectiva funçãoconstitucional, a ponto de tornar sem efeito juízo pretérito formalmente externado pelainstituição perante o Poder Judiciário. Não é essa a hipótese dos autos, pois o arquiva-mento promovido pelo Procurador-Geral anterior não foi submetido ao Supremo TribunalFederal, tampouco foi publicado no Diário Oficial.

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Assim, em conclusão, são dois os fundamentos que me levam a discordar, com adevida vênia, da ilustre Relatora.

Primeiro, entendo que não se pode equiparar a hipótese dos autos ao que preconi-zado na Súmula 524 do Supremo Tribunal Federal, pois o arquivamento de que nela se

cuida é aquele chancelado por decisão judicial. No caso presente, isso não ocorreu.

Segundo, ainda que se entenda que os ensinamentos tirados da súmula devamaplicar-se ao caso, ainda assim entendo que devemos prosseguir no exame da denúncia,pois, como já demonstrei, ela se lastreia em fatos novos, apurados posteriormente aoarquivamento administrativo, fatos de extrema gravidade, os quais, aliás, segundo noti-ciado pela imprensa, já teriam dado lugar à condenação do parlamentar ora investigado,por dano moral, em ação civil pública cuja sentença já teria sido confirmada em segundo

grau de jurisdição.

Voto, pois, pelo prosseguimento do exame da admissibilidade da denúncia.

VOTO (Confirmação)

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Senhor Presidente, apenas por já haver

decorrido bastante tempo do meu voto, reafirmando a posição que adotei inicialmente,gostaria de relembrar ao Tribunal o teor da manifestação do então Procurador-Geral daRepública, Professor Geraldo Brindeiro, quando Sua Excelência, tendo recebido umexpediente do Procurador-Geral do Trabalho, no caso o Procedimento Administrativo n.9.077, examinou todo esse procedimento e lançou uma manifestação conclusiva, bas-tante extensa, da qual extraí apenas parte, que peço licença aos Colegas para relembrar.

Disse Sua Excelência no item VI dessa manifestação:

“Entretanto, cabe ressaltar que o Deputado Inocêncio, através de Procuração

lavrada em cartório, constituiu como seu procurador o Sr. Sebastião Cesar Marques

de Andrada, ‘com poderes especiais, junto ao Instituto Nacional do Seguro

Social – INSS e Ministério do Trabalho, para tratar de todos os assuntos rela-

cionados aos empregados das Fazendas do Grupo Inocêncio Oliveira, tanto no

Estado de Pernambuco como no Estado do Maranhão, podendo para tanto assi-nar documentos exigidos, apresentar os necessários, fazer requerimentos, receber,

passar recibos e dar quitação, pagar taxas ou contribuições aos órgãos acima, con-cordar e discordar, representar o Outorgante como se presente fosse.’

Percebe-se, portanto,” — diz o Procurador-Geral — “que quem administra asfazendas de propriedade do ora parlamentar é o Sr. Sebastião, a quem incumbecontratar e dispensar empregados, zelar pelo funcionamento das fazendas, enfim,praticar atos de gestão das propriedades rurais do mencionado Deputado Federal.Logo, se foram constatadas irregularidades na contratação de empregados, bem

como nas relações laborais, não há como imputá-las diretamente ao parlamentar.Torna-se difícil até mesmo imaginar que o ora representado, em razão do mandatoque exerce na Brasília-DF, possa estar diariamente acompanhando contratações deempregados nas suas fazendas.

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Como se sabe, no âmbito do direito penal, a responsabilidade do autor do crime ésubjetiva, ou seja, exige que o sujeito ao menos concorra para a prática do delito (art. 29 doCP). Assim, não se pode punir a pessoa pelo simples fato dela ser a proprietária da fazendaem que se verificou a possível ocorrência de irregularidades na esfera trabalhista.”

Diz ainda o Procurador-Geral:

“A conduta descrita no art. 149 do CP consiste em submeter alguém àsujeição absoluta, reduzindo-o à condição análoga à de escravo. Este delito não épunível a título de culpa, devendo estar presente o dolo, isto é, a vontade livre econsciente de submeter a vítima à sujeição de escravo. E neste contexto não hácomo vislumbrar conduta típica, mesmo que em tese, por parte do DeputadoFederal Inocênciao de Oliveira. Não subsiste nos autos qualquer elementoindicativo de que tenha ocorrido o mencionado tipo penal, e muito menos de quetenha o representado praticado-o de forma dolosa.”

E prossegue mais adiante a análise. Fiz questão de reler esse trecho justamentepara levar ao conhecimento dos Colegas que o despacho do Procurador-Geral, no qualele determinou o arquivamento desse procedimento, não foi um despacho simples de“arquive-se”. Foi um despacho fundamentado em que Sua Excelência realmente exami-nou o conteúdo de todo o expediente.

Por isso, dizia eu naquele voto proferido anteriormente, entendia sim que, no caso,o pedido de arquivamento manifestado pelo Procurador-Geral possui caráter irretratá-vel, não sendo, portanto, passível de reconsideração ou revisão, ressalvada a hipótese desurgimento de fatos novos.

No caso dos autos, o seguinte Procurador-Geral da República — que não é o atual,no caso era o Professor Cláudio Fonteles —, ao reexaminar, a instâncias de um membrodo Parquet, essa manifestação de seu antecessor, determinou a realização de novasdiligências.

Isso foi feito. Sua Excelência delegou, então, a um dos membros do MinistérioPúblico Federal a tomada de depoimentos. Mas quais depoimentos? Dos auditoresfiscais que haviam produzido o mesmo procedimento administrativo.

Ou seja, na realidade, temos uma duplicidade.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: O relatório é desses auditores?

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Exato.

Primeiro, há um expediente no qual consta uma série de averiguações levadas aefeito no campo e, depois disso, então, reabriu-se “investigação” apenas para retomardepoimentos das mesmas pessoas que haviam procedido às investigações anteriores.

Por essas razões, com vênia do eminente Ministro Joaquim Barbosa, que produziuum voto brilhante sob todos os prismas, mantenho a posição anterior.

VOTO (Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, ouvi atentamente o votodo eminente Ministro Joaquim Barbosa e, agora, o complemento do voto da ilustreMinistra Ellen Gracie.

Ouso divergir, em parte, de ambos.

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À vista do material que recebi e que li também, de forma muito atenta e cuidadosa,sinto-me bastante seguro, convicto e sereno para decidir relativamente ao mérito dadenúncia apresentada contra o Deputado Inocêncio de Oliveira.

Inicialmente, ouso — sublinho a palavra “ouso” — divergir da Ministra EllenGracie, por entender que, realmente, neste caso, houve um arquivamento administrativoque não foi submetido a esta Corte. E, portanto, o douto Ministério Público poderiareapresentar a denúncia — se é que é o caso — ou trazer a denúncia originalmente a estePlenário.

De maneira que, preliminarmente, manifesto-me no sentido de considerar a denúnciahígida.

DEBATE

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Ricardo Lewandowski, a premissa do votode Vossa Excelência é o afastamento do artigo 28 do Código de Processo Penal, tendoem vista a espécie de procedimento, o processo administrativo no Ministério Público?

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Sim.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência não observa o artigo 28? Uma vezarquivado o processo administrativo pelo Procurador-Geral da República, entende quepode ser reaberto a qualquer momento?

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Veja, surgiram fatos novos e, aparentemente,não posso entrar, desde logo, no exame do mérito.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência leva em conta o artigo 28, porquea relatora, inclusive, esclareceu que houve sobreposição, além de os fiscais terem sidoouvidos no próprio Ministério Público, surgindo algo muito próximo de um inquérito,feito por esse Órgão. Mas eles reafirmaram o relatório anterior já constante do próprioprocedimento.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, Vossa Excelência me permite?Foram colhidos após o arquivamento, o Chefe do Ministério Público reabriu e colheunovos depoimentos de outras pessoas que não haviam deposto ainda.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Surge a problemática da investigação pelo próprioMinistério Público.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Não foi colocada essa questão, aqui, mas é umaoutra questão que virá mais adiante.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, peço vênia, também,para não me pronunciar, desde logo, sobre esta questão importantíssima: os poderes deinvestigação do Ministério Público. A meu ver, não é o caso, neste momento.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Eu, por exemplo, aplico analogicamente, em bene-fício, portanto, do envolvido, o disposto no artigo 28 quanto ao arquivamento. E admitoque seja procedido pelo próprio Procurador-Geral da República. Aceito também a possi-bilidade de ele só voltar à carga se surgirem dados novos, mas não mediante uma inves-tigação por ele promovida, ou seja, mediante audiências realizadas dentro do MinistérioPúblico para ouvir testemunhas.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O cidadão fica muito vulnerável.

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O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, deparei-me com essa questão efui hoje rever todos os dados, e, de fato, fiquei um pouco perplexo, porque, de um lado,há essa clara manifestação do Procurador-Geral quanto ao arquivamento, a se manifestarnão só quanto à inexistência de provas, portanto, na linha do artigo 28, mas, também, atéem relação a um quadro de atipicidade. Se isso vem sendo aceito, com as vênias de estiloem relação à própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, parece-me que há dese aplicar rigorosamente — e a Relatora fez bem — a jurisprudência desenvolvida,inclusive, no caso Antônio Carlos Magalhães.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: É completamente diferente, Ministro GilmarMendes. Eu fiz as distinções aqui.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não é diferente. E por que não? Na jurisprudênciado Supremo Tribunal Federal, em relação à questão probatória, não pode o juiz deixar dearquivar. Tanto é que, aqui, só por ficção se pode falar em controle judicial. Controlejudicial de quê, se o Tribunal diz que não pode deixar de arquivar? Essa é a questãocentral; essa é a jurisprudência pacífica do Tribunal no tempo.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Não é, Ministro Gilmar Mendes, acabei de citar oprecedente, aqui, em sentido contrário.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Agora, outra é a hipótese do trânsito em julgado,quando se discute a atipicidade.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Aí, sim, poderemos discutir, mas não é essa a hipó-tese. Portanto, se se tratar de novas provas, o fundamento será outro. Agora, se estamosdiante do quadro típico do artigo 28, e como estamos num tribunal superior, não há,portanto, que falar naquela possibilidade do juiz de devolver ao Procurador-Geral. Osímile é perfeito, não há outra alternativa. Parece-me que, neste caso, há de se determinar,sim, o arquivamento.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Não foi pedido, Ministro.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ninguém pediu o arquivamento.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ele pediu o arquivamento; ele determinou o arqui-vamento.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ele determinou o arquivamento, isso é outra coisa.Não pediu ao juízo competente, que é o Supremo, o arquivamento.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Ele determinou administrativamente.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não era isso.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Está aqui: “Ante o exposto, não se vislumbrando apossibilidade de se imputar a prática de crime ao deputado tal, não sendo o caso derequerer abertura de inquérito policial junto ao Supremo Tribunal Federal, arquive-se opresente procedimento administrativo.”

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Quem está pedindo arquivamento de quê, Ministro?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas houve um ato formalizado pelo titular da açãopenal.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não pediu arquivamento de nada a ninguém; apenasdeterminou arquivamento de um procedimento administrativo, em ato puramente admi-nistrativo, que se passa na esfera administrativa e não tem nenhuma vinculação com oPoder Judiciário, ao qual não submeteu nenhum requerimento de arquivamento.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: É um ato interna corporis.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas houve um ato formalizado pelo titular da açãopenal.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A questão é saber o seguinte: pode oSupremo Tribunal Federal determinar ou rejeitar uma manifestação de arquivamentoperante o Supremo Tribunal Federal formulada por Procurador-Geral da República?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Mas não pode, não havendo pedido. Não houvepedido.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A jurisprudência é pacífica.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Estamos examinando em tese. Pode ounão pode?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não pode.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Isso é diferente.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas é preciso que o pedido seja submetido a ele.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Claro, praticou um ato interna corporis dele, Minis-tério Público, ato puramente administrativo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, já adianto o ponto de vista arespeito.

A primeira premissa: aplica-se analogicamente, em benefício do envolvido, o artigo28 do Código de Processo Penal ao processo administrativo arquivado pelo Procurador-Geral da República. Então, se assento essa premissa, somente é dado voltar ao inquéritoou à oferta de denúncia, se surgirem fatos novos. Agora, no caso concreto, ainda que setenham ouvido outras pessoas — e isso parece haver ocorrido —, cabe discutir se oMinistério Público pode implementar um verdadeiro inquérito no respectivo âmbito.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Essa é outra discussão.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Agora, Ministro Marco Aurélio, só umaquestão. Gostaria de lembrar que a Lei Orgânica do Ministério Público, a Lei Comple-mentar n. 75, no artigo 62, dispõe expressamente:

“Art. 62. Compete às Câmaras de Coordenação e Revisão:

(...)

IV - manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito par-lamentar ou peças de informações, exceto nos casos de competência originária doProcurador-Geral;”

Significa que há uma autorização legal para o Procurador-Geral determinar o ar-quivamento, independente de manifestação. Ninguém tem de se manifestar, ele temcompetência para isso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aí, configura-se a exceção.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, Senhor Presidente, trata-se, nesse caso, de peçasadministrativas que o Ministério Público ainda está examinando para verificar se darão,ou não, suporte à requisição de abertura de inquérito policial. O caso, aqui, é de meroprocedimento administrativo arquivado pelo Procurador-Geral, no âmbito administrativo,sem submeter nada ao Poder Judiciário.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas o peso das manifestações é o mesmo.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): É a mesma coisa.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não é a mesma coisa, Ministro. Claro que não! Não hánenhum requerimento dirigido ao Supremo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Qual a distinção, considerados o inquérito e oprocesso administrativo que esteja no âmbito da própria Procuradoria? Eu não vejodistinção.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O que é irrevogável e irretratável é o requerimentoque o Ministério Público faça a juízo competente. Se o Ministério Público nada requerao juízo competente, e, portanto, se não há pronunciamento do juízo competente, não háarquivamento de coisa nenhuma em termos vinculativos.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Cezar Peluso, vamos colocar asituação da seguinte forma: reconhecemos, na leitura do artigo 62, a possibilidade doarquivamento administrativo. Se temos essa possibilidade, qual a situação que se põeàqueles que estão sendo virtualmente investigados? Passarão, digamos, dez anos em queo Procurador-Geral de um ano tal determinou o arquivamento, e submetido a mudançasde juízo do próprio Procurador para reiniciar o processo, sem possibilidade nenhuma deisso parar.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Mas o que leva a isso é a falta do despachojudicial, Ministro.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas veja o seguinte, ele não tem obriga-ção de fazê-lo, a lei autoriza.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, a eficácia do ato do próprio Procurador,ato inescusável, no âmbito do Judiciário, é outra coisa.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: A chancela judicial coíbe esse tipo de coisa.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aí transforma e todos os inquéritos terãode vir ao Supremo.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não há óbice a que esse procedimento seja reabertono âmbito administrativo.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Engraçado que toda a reforma processual penalpassa pela retirada do juiz desse processo de controle, exatamente por não se querer quese faça essa passagem pelo juiz. Agora, vem-se com essa argumentação, que dizemos sermeramente cartorial. Temos uma série de procedimentos, no âmbito do Supremo Tribu-nal Federal, uma série de inquéritos dizendo que não pode haver pronunciamento. Entãoele é irrecusável. Logo, ipso iure também se aplica no âmbito do Ministério Público.Agora, surgiram novas provas? Essa é outra questão, porque, também, se aplica a mesma

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hipótese do artigo 28. Então, será essa a hipótese. Mas, se aceitarmos o arquivamentoadministrativo, temos de aplicar analogicamente o artigo 28, não há outra alternativa.Do contrário isso gera um arbítrio sem medida.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Por quê? É sempre submetido ao Judiciário, Ministro.Que arbítrio? Pois o Ministério Público está-se dirigindo agora ao Supremo, que exami-nará se é caso de receber, ou não, a denúncia. Que arbítrio há nisso? O Ministério Públicoestá exercendo poder que lhe confere a Constituição!

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ministro Cezar Peluso, nós sabemos o que é o ônusde uma denúncia. Quer dizer, depois de anos reabre-se uma denúncia. E tenho dadosaqui — depois, se formos discutir o mérito, falaremos sobre isso.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Isso é outra questão.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Oitenta por cento das denúncias apreciadas peloTribunal, de 2001 até agora, foram rejeitadas por inépcia. É esse o ônus que se impõe.Nós sabemos o sofrimento que representa para quem está na vida pública e sofre umadenúncia. E dizer: deixa o Judiciário controlar!

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, mas é para isso que serve o Judiciário.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência supera, então, a preli-minar, Ministro Lewandowski?

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Supero a preliminar apenas no sentido decontinuar, para examinar o mérito.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Ministro Lewandowski, só uma pergunta.Vossa Excelência está superando a preliminar por entender que houve prova nova?

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Não, Ministra Ellen Gracie, estou entendendoo seguinte — aliás, peço vênia para trazer à colação o art. 28 do Código de ProcessoPenal:

“Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia,requerer o arquivamento (...)”

Portanto, requerer significa requerer a alguém.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas, Ministro, aplico analogicamente. Por issoreferi à analogia.

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: O que se tratou aqui, data venia, é de um atointerna corporis de caráter administrativo, e o Ministério Público é o dominus litis.Dentro do prazo prescricional, ele pode apresentar a denúncia, se quiser. Esse é o ônus quea cidadania tem de assumir, infelizmente. É por isso que existem os prazos prescricionaisprevistos no Código.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Dou valia à manifestação do Ministério Público noprocesso que correu no respectivo âmbito e não se transformou em inquérito. Aplicoanalogicamente o aludido artigo 28. Senão a segurança jurídica vai por terra.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Ministro Marco Aurélio, a prevalecer a tese deque o Ministério Público pode, ele próprio, arquivar, estaremos revogando o princípio

da obrigatoriedade, estaremos instaurando entre nós a discricionariedade da denúncia.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Os artigos 18 e 28 estão revogados.

O Sr. Ministro Carlos Britto: E o 231 do Regimento Interno.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Já não há necessidade de nenhum dos dois artigos doCódigo de Processo Penal.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, reconheço duas situações jurídicas: aprimeira ficou restrita ao Ministério Público. Aquela em que, em processo administrativo,

o Chefe do Ministério Público pronunciou-se pelo arquivamento, considerados os ele-mentos coligidos até então. Essa é uma situação.

A outra é a que, inclusive, denomino como do pingue-pongue, aquela na qual há oinquérito que passa costumeiramente, quanto a diligências, pelo Judiciário. Nesse caso,tem-se a aplicação do artigo 28, pura e simplesmente, sem que se precise lançar mão daanalogia.

Ora, se entendo que, analogicamente, cabe a previsão do citado artigo 28, confe-rindo-se validade à manifestação do Ministério Público no respectivo âmbito, ou seja,

no processo administrativo, e que ele pode arquivar algo que não chegou ao Judiciário,concluo que a reabertura desse mesmo processo, para desaguar num inquérito ou naoferta da denúncia, pressupõe dados novos — e dados novos coligidos segundo a ordemjurídica, não mediante investigação promovida pelo Ministério Público.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Entendo o seguinte: o antigo Procurador-Geral daRepública, Doutor Geraldo Brindeiro, ao decidir de motu proprio, unilateralmente, peloarquivamento do procedimento administrativo, conferiu a esse procedimento um caráterde procedimento administrativo mesmo e não de inquérito policial, porque, se inquérito

fosse, ele teria de pedir o arquivamento ao Supremo Tribunal Federal, devido à especia-lidade do foro do investigado. Na medida em que ele, então Procurador-Geral, de motu

proprio, unilateralmente, decidiu pelo arquivamento do procedimento administrativo,expôs-se “ao risco de”, a qualquer momento, ele ou outro Procurador-Geral reabrir adiscussão.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Procurador-Geral da República poderia ter ofere-cido a denúncia a partir daqueles dados?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Claro, a simetria. Arquivado administrativamente,

pode ser reaberto.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Nova prova só no caso da Súmula.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Sem qualquer dado novo?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Desde que houvesse novas provas.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Mas, no caso, há novas provas. Eu sustento.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Ministro Joaquim Barbosa, quais são asnovas provas? Não vi novas provas. Onde estão? Quais foram?

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, também me pronuncio pelo pros-seguimento da admissibilidade da denúncia.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então Vossa Excelência afasta apreliminar? Pois não decidimos a admissibilidade da denúncia ainda.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Tecnicamente, afasto a preliminar.

VOTO (Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, peço vênia aos que já se manifes-taram e à ilustre Relatora, pois alguns votos já estão esboçando a conclusão do julga-mento. A meu ver, primeiro é preciso distinguir entre inquérito policial e procedimentosou diligências de caráter administrativo realizados pelo Ministério Público.

Não quero, evidentemente, antecipar o voto que devo proferir no processo em quese discute se o Ministério Público tem, ou não, poder de realizar diligência de carátercriminal para servir de base para denúncia. Estamos aqui num estágio prévio, onde seriacaso de inquérito policial, que é o instrumento de documentação das atividades depolícia judiciária. E o Ministério Público, pela Constituição, não tem competência paraexercer atos de polícia judiciária e documentar o resultado dessas atividades; tem-na sóa autoridade policial. O Ministério Público, não. Neste caso, não se trata de inquéritopolicial, mas de procedimento — seja lá o nome que se queira dar: trâmite administrativoou burocrático — que circulou no âmbito do Ministério Público, de modo que não podeser regulado pelos arts. 18 e 28 do Código de Processo Penal. O que o Ministério Públicofez aqui? Colheu algumas peças, examinou-as, e o ilustre Procurador-Geral, no seu altoescrutínio, entendeu não ser caso de requerer abertura de inquérito perante o Supremo.Portanto, não se dirigiu ao Supremo Tribunal Federal, entendendo não haver necessidadede abertura de inquérito, pois os documentos apurados não teriam nenhuma valia paraefeito de aferição da existência, ou não, de crime. Daí ter determinado o seu arquivamento.A meu ver, esse ato não pode ser equiparado ao ato formal — este, sim, irretratável,irrevogável e vinculante — de requerer ao Poder Judiciário o arquivamento. Daí ainaplicabilidade da Súmula n. 524, pois ela pressupõe tenha havido requerimento edeterminação judicial de arquivamento.

De outro modo, estabeleceríamos o seguinte princípio: o Ministério Público pode,com inquérito policial ou com diligência administrativa, arquivar uma e outra coisa semdar satisfação ao Poder Judiciário.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Por se tratar de procedimento meramente adminis-trativo.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): O Ministério Público é o dominus litis.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas é dominus litis no sentido de ter a iniciativa derequerer ao Judiciário o arquivamento, não no sentido de que possa determinar o arqui-vamento; isso nada tem com a interpretação da lei ordinária. A interpretação da leiordinária é outra coisa.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Ele não podia requerer arquivamento,Ministro Cezar Peluso, porque sequer inquérito havia sido instaurado.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Pois é isto que estamos dizendo: não havia inquéritopolicial.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Por isso é que não há impossibilidade nenhuma de seoferecer a denúncia: não havia inquérito, não havia nada. Agora, se as peças que vieramdepois ou as que ele corrigiu são, ou não, suficientes para suportar a denúncia, issoparece-me outra questão.

Vou examiná-la em seguida, mas, com o devido respeito, com o princípio segundoo qual o Ministério Público pode arquivar sem prestar contas ao Judiciário, não estou deacordo.

VOTO (Sobre preliminar)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, conforme já me manifestei — eé pacífica a jurisprudência deste Tribunal — no Inquérito n. 2.028/BA, quando se tratado pedido de arquivamento, a única atuação deste Tribunal está adstrita ao seu deferi-mento. Não há outra atuação.

Leio algumas manifestações. O monopólio da ação penal pública incondicionadaou condicionada pertence ao Ministério Público — diz Sydney Sanches.

Diz Celso de Mello, no Inquérito n. 510:

“Trata-se de função institucional que lhe foi deferida, com exclusividade,pela Constituição Federal de 1988. É incontrastável o poder jurídico-processualdo Chefe do Ministério Público que requer, na condição de dominus litis, o arqui-vamento judicial de qualquer inquérito ou peça de informação. Inexistindo, acritério do Procurador-Geral elementos que justifiquem o oferecimento de denún-cia, não pode o Tribunal, ante a declarada ausência de formação de opinio delicti,contrariar o pedido de arquivamento deduzido pelo Chefe do Ministério Público.”

Outros precedentes igualmente expressivos.

“É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que,em se tratando de inquérito para apuração de crime de ação pública de sua compe-tência originária o pedido de arquivamento dos autos, formulado pelo órgão legi-timado ao oferecimento da denúncia, ou seja, o Ministério Público Federal, repre-sentado pelo Procurador-Geral da República, independe de apreciação do Tribu-nal, que se limita a determiná-lo (o arquivamento) nos termos do parágrafo 4º doart. 231 do RISTF (...)” — Inquérito n. 719, Ministro Sydney Sanches.

Inquérito. Pedido de arquivamento. Inquérito no que concerne a ex-Presidente daRepública. Competência.

Se o Procurador-geral pede o arquivamento de inquérito com relação a ex-Presidenteda República ao Supremo Tribunal Federal, não compete discutir a procedência, ou não,da conclusão do Chefe do Ministério Público quanto à inexistência de elementos nosautos para a propositura da ação penal contra a autoridade sujeita à jurisdição da Corte.

É o que decorre da parte final do art. 28 do Código de Processo Penal, bem assim oart. 3º da Lei n. 8.038, de 28-5-90, e do art. 231, § 4º, do Regimento Interno do STF —este da Relatoria de Néri da Silveira.

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“(...) 2. Representação de autoridade contra Ministro de Estado, imputando-lhe prática de crime de injúria. 3. Procedimento que teve curso, inicialmente, noâmbito da Justiça local, sendo os autos, posteriormente, remetidos ao STF. 4.Requerimento do Procurador-Geral da República de arquivamento do inquérito.5. Havendo o Chefe do Ministério Público Federal, titular da ação penal na espé-cie, requerido o arquivamento do inquérito, defere-se a súplica, em face dos termosdo art. 231, § 4º, do RISTF e do art. 28, in fine, do Código de Processo Penal.” —Inquérito n. 851, Relator Néri da Silveira.

Fica evidente, Senhor Presidente, que a atuação, no caso do Supremo TribunalFederal, é apenas de emprestar publicidade a essa decisão, a esse ato do titular da açãopenal. Diversamente seria a situação se estivéssemos diante de caso em que o arquiva-mento é requerido pelo Ministério Público com fundamento na extinção de punibi-lidade ou atipicidade do fato, deferida pelo Juiz, porque aqui produzir-se-ia coisa julgada.

Ora, o que temos na situação em discussão? Exatamente uma representação quetinha, de fato, o caráter criminal ao Procurador-Geral e ele poderia até ter instaurado oinquérito e, em seguida, pedido o arquivamento, remetendo-nos ortodoxamente para oart. 28. Não o fez. Optou pelo arquivamento. Ora, qual a diferença substancial?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: É que, no caso, há requerimento ao Judiciário emoutro nome.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não. Exatamente na linha da jurisprudência,estamos a dizer.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Estamos arquivando agora atendendo a pedido dequem? Quem requer o arquivamento disso?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Estamos simplesmente reconhecendo que o pró-prio Procurador-Geral determinou o arquivamento.

De fato, esse argumento do requerimento é uma ficção. Estamos a dizer. A jurispru-dência do Tribunal diz claramente. Tanto é que, no caso anterior, o Inquérito n. 2.028, doque se tratava? De um caso em que o Procurador-Geral anterior — a hipótese é similartambém nesse aspecto — pediu o arquivamento.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, pediu formalmente.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Formalmente pediu.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: O procurador sucessor pede a retomada e oferece adenúncia.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Aí sim, já havia um requerimento submetido aoTribunal.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Naquele caso era irrecusável.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Do ponto de vista substancial a situação é a mesma,porque neste caso houve, sim, uma manifestação de quem tinha competência para tantodizendo que não havia por que oferecer ou mesmo instaurar sequer o inquérito. Estouabsolutamente convencido disso.

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Então, Senhor Presidente, entendo absolutamente correta a aplicação feita pelaMinistra Ellen Gracie do precedente aqui referido, em homenagem até mesmo à segurançajurídica.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Mencionado pelo Ministro JoaquimBarbosa.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Estamos a ver em dois episódios — sabemos queessas questões não são neutras — de dois parlamentares importantes, de uma determinadacompreensão ideológica, duas posturas idênticas. Isso tem o seu significado, é precisotambém sabermos.

Acompanho a eminente Relatora e entendo aqui aplicável analogicamente o art. 21.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, devemos ressaltar, mais uma vez:correu, no Ministério Público, certo procedimento originário resultante de manifestaçãodo Procurador-Geral do Trabalho. Esse procedimento não chegou a passar — vou-mereferir a simples passagem, não a crivo — pelo Judiciário. Diante dos elementos existen-tes, o que fez o titular da ação penal junto ao Supremo, ou seja, o Chefe do MinistérioPúblico? Decidiu pelo arquivamento. Poderia fazê-lo? Não há a menor dúvida, não sediscute essa possibilidade. Qual a envergadura jurídica desse pronunciamento do Mi-nistério Público? É simplesmente algo lírico, sem conteúdo, sem repercussão no mundojurídico? A resposta, para mim, é desenganadamente negativa. Deu-se manifestação doMinistério Público equivalente àquela passível de se verificar em autos de inquérito.Concluiu Sua Excelência que não havia elementos para ocorrer quer a abertura de uminquérito policial propriamente dito, quer, muito menos, a oferta de denúncia.

Ora, é possível, sem outros dados, sem elementos novos — vamos imaginar, emprimeiro lugar, essa situação —, chegar-se não a um requerimento para se ter inquéritopolicial, mas, de imediato, à apresentação de denúncia? Para mim, a resposta é negativa.Aplico ao caso, analogicamente, o artigo 28 do Código de Processo Penal — assim ofaço porque a alusão, contida no dispositivo, a peças de informação é relativa àquelasque vieram ao juízo — e também o artigo 18 do mesmo Código — não fecho a porta aoMinistério Público quanto a requerimento de instauração de inquérito e a oferecimentode denúncia, uma vez levantados novos dados:

Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridadejudiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá procedera novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.

Agora, surge o problema: há referência a novos depoimentos, de pessoas que nãoteriam ainda sido ouvidas? Cabe, então, questionar: essas informações têm legitimidadecapaz de respaldar a denúncia apresentada? Também respondo de forma negativa, por-que não admito que o próprio titular da ação penal possa, no respectivo âmbito deatuação, no Ministério Público, proceder à investigação, ouvindo testemunhas.

A tendência sabemos qual será, em termos de interesse em coligir elementos parasustentar e não para esvaziar a própria denúncia.

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Por isso, peço vênia àqueles que divergem da Ministra Ellen Gracie, Relatora, para,já adentrando o problema da irrelevância dos novos depoimentos, concluir pelo arqui-vamento da denúncia.

DEBATE

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, Vossa Excelência me permite?Não quero ser polêmico, mas penso que estamos tomando uma decisão importante emtermos de precedente.

Encontro, aqui, dificuldade que considero extremamente grave: a de levar esseprincípio, se eventualmente venha a ser adotado, às suas últimas conseqüências. Comoaplicar-se esse ponto de vista da eminente Relatora, se a hipótese é perante o juiz deprimeiro grau? Como imaginar-se que o juiz de primeiro grau, com base no art. 28,poderia não se conformar com o pedido de arquivamento, se ele não existe? Comoaplicar-se o art. 28? O juiz vai discordar do quê? Nada lhe foi requerido. O art. 28 permiteque o juiz controle o pedido de arquivamento. Ora, se o pedido de arquivamento não édeduzido perante o juiz, esse poder judicial, que é grave e dá estabilidade e segurança aocidadão (...)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas parece que, aqui, discute-se o caso especí-fico do arquivamento pelo Procurador-Geral da República.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, esse é o caso específico do Procurador-Geral.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Parece que, em primeira instância, não se podecogitar, evidentemente, de que o Promotor arquive o inquérito, pois a competência é doJuiz de primeira instância, que, discordando, pode levar o caso ao Procurador-Geral.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ministro Cezar Peluso, até esse exercício de lege

ferenda podemos fazer. Se essa for a opção e, no futuro, a orientação quanto à aceitaçãodesse tipo de prática, normas de organização e procedimento deverão ser adotadas — eo Ministro Nelson Jobim já leu, há pouco, normas do próprio Ministério Público, permi-tindo que as câmaras especializadas tenham a intervenção nesse contexto —, mas estaserá uma outra discussão.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Estou alertando para a gravidade de se estabelecerprincípio que tem sérias conseqüências.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Por isso chamei a atenção para a aplicação dessaorientação na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que, aqui,não há art. 28 naquele sentido de quase que um recurso de ofício ao Procurador-Geral.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Nós estaremos conferindo poderes incontrastá-veis ao Procurador-Geral, nenhum controle.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O Ministro Marco Aurélio está aplicando, analogica-mente, o art. 28. Ou me enganei, ouvi mal?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência ouviu muito bem, só não enten-deu o que veiculei.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Peço perdão, mas eu raciocinava como se VossaExcelência estivesse aplicando, analogicamente, o art. 28.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Observo o artigo 28 do Código de Processo Penalporque o pronunciamento no sentido de arquivar o processo administrativo que trami-tou no Ministério Público já foi da autoridade maior daquele Órgão: o Procurador-Geralda República.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É isso que estamos dizendo. Neste caso, em setratando de procedimento administrativo, a sua reabertura dá-se no âmbito da própriaAdministração.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, o eminente MinistroJoaquim Barbosa recordou o HC n. 63.802, caso absolutamente assimilável.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): É do Presidente Moreira Alves?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não. É do Ministro Sydney Sanches, que apli-cou um precedente do Ministro Moreira Alves. Tratava-se de um Procurador de Justiçado Estado do Rio de Janeiro contra o qual se oferecera uma notitia criminis, arquivada,internamente, pelo Procurador-Geral. Na condição de Procurador-Geral da República,opinei pelo deferimento da ordem, o que não foi aceito pelo Tribunal.

Reaberto que está o problema, reafirmo a convicção então formada para, nesteponto, acompanhar a eminente Relatora. Não vou ao ponto do Ministro Marco Aurélio,até porque está pendente de discussão no Plenário — e aí teríamos de interromper ojulgamento — o problema do poder investigatório do Ministério Público.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas aqui é indispensável por se afirmar que surgi-ram elementos novos.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas, aí, reabriremos toda a discussão, e sóVossa Excelência se pronunciou sobre isso.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Deixemos para o momento oportuno.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Por isso, no ponto, na linha do voto da eminenteRelatora, aplico a Súmula 524, reservando-me à discussão sobre a existência, ou não, denovas provas.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência, então, não admite adenúncia?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Admito se houver novas provas.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas Vossa Excelência não acompanhaa Relatora?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não. Acompanho no ponto em que aplica aSúmula 524.

Equiparo esse arquivamento e quero deixar claro — ante a preocupação demons-trada pelo eminente Ministro Cezar Peluso — que estou tratando do caso específico em

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que o Procurador-Geral, único legitimado ao oferecimento da denúncia, dado o foro deprerrogativa de função do sujeito passivo da notitia criminis, é quem, ao invés “derequerer esse arquivamento” — o qual, quando fundado na inexistência de elementos defato, é irrecusável —, arquivou ele próprio o inquérito, no âmbito da Procuradoria.

Portanto, o meu voto é neste sentido: aplico a Súmula 524, mas penso que oTribunal deve examinar a existência, ou não, de novas provas.

DEBATE

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Vossa Excelência está suscitando nova questão.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Se há, ou não, novas provas.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro Joaquim Barbosa, Vossa Excelência,por exemplo, adotou dois fundamentos: primeiro, não considerou que, no caso, tivessehavido arquivamento, para os fins da Súmula n. 524, e, por outro lado, entende que hánovas provas.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Entendo que há novas provas.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E a eminente Relatora diz que não há novas provas.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A eminente Relatora diz que não hánovas provas.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Senhor Presidente, examinei os autos — jáfaz algum tempo, evidentemente — e, tanto quanto me recordo, foi produzida essainvestigação no âmbito da fiscalização do Trabalho, foram colhidos depoimentos depessoas que estavam no local, gatos contratadores, aliciadores de mão-de-obra, os pró-prios trabalhadores, enfim, foram colhidos elementos que, carreados ao Procurador-Ge-ral, acabaram merecendo de Sua Excelência aquele despacho de arquivamento. Depoisdisso, foi reaberta pelo novo Procurador-Geral a investigação.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministra Ellen Gracie, efetivamente foio que ocorreu, porque o item n. 3 da denúncia diz:

“Reabertas as investigações, depuseram as Auditoras Fiscais que não tinhamsido ouvidas”.

Quer dizer, só foram ouvidas aquelas que produziram a investigação fiscal. Asnovas pessoas ouvidas foram as que presidiram e elaboraram os documentos, ou seja,vieram a confirmar aquilo que certificaram. É isso?

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Foram as próprias que presidiram e elabo-raram os documentos levados ao Procurador-Geral.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Isso na denúncia, quer dizer, as autoras do relatórioagora foram ouvidas.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Como supostas testemunhas.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A primeira parte da denúncia diz:

“Com efeito (...)” — aí vêm os depoimentos colhidos pelo processo admi-nistrativo trabalhista. Depois disso: “Reabertas as investigações, depuseram asAuditoras Fiscais que não tinham sido ouvidas e que positivaram in verbis”.

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Evidentemente, não são testemunhas presenciais, meramente narraram sobre o queteria sido pesquisado. E vem, aqui, somente o depoimento dessas Auditoras.

O Sr. João Agripino de Vasconcelos Maia (Advogado): Pela ordem, Senhor Presi-dente.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): É matéria de fato?

O Sr. João Agripino de Vasconcelos Maia (Advogado): De fato.

Ouvi, atentamente, todos os votos e tenho o maior respeito pelas posições aquiassumidas de ambos os lados, mas não poderia ficar calado diante da afirmativa concretade que existem novas provas. Do que determinou o arquivamento pelo Procurador-Geral, Geraldo Brindeiro, para a denúncia oferecida pelo Procurador Cláudio Fonteles,não existe uma única prova nova, porque foram colhidas, como disse Vossa Excelência,Senhora Relatora, aqui está, na denúncia do Procurador-Geral da República CláudioFonteles:

“Diante deste quadro, reabro as investigações para que sejam ouvidas, noâmbito desta Procuradoria-Geral da República, delegando tal tarefa à il. ProcuradoraFederal dos Direitos do Cidadão Adjunta, Dra. Raquel Elias Ferreira Dodge osauditores fiscais do trabalho que participaram da operação, a saber:

I. Débora M. B. Indig - CIF n. 02293-4;

II. Celso Roberto C. Dantas - CIF n. 30.365-8;

III. Cláudia Márcia R. Britto - CIF n. 01366-8;

IV. Virna Soraya Damasco - CIF n. 01758.

Os autores do relatório que determinaram o arquivamento pelo ProcuradorBrindeiro foram exatamente os mesmos: Cláudia Márcia Ribeiro Britto, Virna SorayaDamasceno, Débora Indig e Celso Roberto Dantas.

Obrigado.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Obrigado a Vossa Excelência.

VOTO (Confirmação)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, quero deixar claro quenão há contradição entre o meu primeiro ponto de vista, meu primeiro entendimento, eo segundo. Nesse caso, acompanho a observação do eminente Ministro Sepúlveda Per-tence no sentido de entender que não há novas provas a admitirem a reabertura dadenúncia.

Mas quero deixar reafirmado que o Ministério Público é o dominus litis, e,enquanto não submetido à Corte, pode o dominus litis, o Ministério Público, reabrir ainvestigação se houver fatos novos. Neste caso, entendo que não há.

Acompanho a Relatora nesse ponto.

DEBATE

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, o problema não é se a prova énova, o fato pode até ser antigo, desde que desconhecido do Procurador-Geral que

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determinou o arquivamento. Pergunto: existe fato absolutamente novo depois do arqui-vamento ou fato que, embora velho, fosse desconhecido do Procurador quando do ato dearquivamento do procedimento?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, Ministro, mas a testemunha pode, emsegunda declaração, contar coisas que não contara no relatório. Por isso, estou indagandodos dois que tiveram os autos em mãos.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Ministro Sepúlveda Pertence, disse no meu votoque o Procurador-Geral, ao determinar o arquivamento, usou o seguinte argumento: éimpossível a um parlamentar que tenha as suas atividades em Brasília cuidar, no dia-a-dia, das suas relações com seus empregados numa fazenda situada a dois, três milquilômetros.

No novo depoimento a pessoa contradisse cabalmente essa afirmação.

Transcrevi no meu voto que ele tomava todas as decisões com relação à contrata-ção, com tudo que dizia respeito aos empregados. Dado absolutamente novo que nãoconstava do relatório.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Ouvi do voto de Vossa Excelência — espero não estarenganado — que houve depoimentos novos, houve coleta.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Isso é juízo sobre fato que ocorreu. Nãohouve depoimentos novos, houve depoimentos só das auditoras.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, eu ouvi dele.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Foram os auditores que fizeram o relatório.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): São os que fizeram o inquérito. É amesma coisa que ouvir a autoridade policial.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Os mesmos auditores que atuaram na pri-meira investigação foram ouvidos na seqüência pelo Ministério Público.

As mesmas pessoas que haviam comparecido à fazenda foram ouvidas posterior-mente como testemunhas.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas isso não é suficiente, porque — conforme oMinistro Sepúlveda Pertence disse — é possível que, no relatório, não tenham constadoas informações que foram dadas nos depoimentos.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): É possível.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Estou tentando achar onde está o relatório.

VOTO (Confirmação)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, vou pedir vênia à Relatora.Continuo com a divergência iniciada pelo Ministro Joaquim Barbosa.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, rejeitada a preliminar da necessi-dade do pedido de arquivamento em resposta à questão da inexistência ou não de prova

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nova, da reabertura das investigações, leio o relatório que encerrou o procedimentoadministrativo arquivado. Ele começa discriminando a composição da equipe: CláudiaMárcia Ribeiro Brito, Virna Soraya Damasceno, Débora Indig, Celso Roberto Dantas,Marco Aurélio Castelo Branco Ferreira — todos auditores, e a primeira, coordenadora daregião. Este relatório, após descrever os fatos típicos, faz referência à declaração devários empregados e conclui, Sr. Presidente, nos seguintes termos:

Autos de infração, lavrados os tipos: 1) por não realizar exame médico admissionalantes que o empregado assuma suas atividades; 2) não fornecer água potável em condi-ções higiênicas; 3) não fornecer gratuitamente equipamento de proteção individual;4) por permitir uso de alojamentos sem condições sanitárias adequadas; 5) deixar dedotar o estabelecimento com material de primeiros socorros; 6) não oferecer aos emprega-dos condições de conforto e higiene; 7) permitir morada coletiva; 8) não dotar de abrigo,ainda que rústico, capaz de proteger os trabalhadores contra intempéries; 9) não manterinstalações sanitárias como parte integrante do alojamento, nem estar localizada a umadistância máxima de 50 metros de habitação; 10) manter em serviço empregado comidade inferior a 16 anos; e 11) manter empregado trabalhando sob condições contráriasàs disposições de proteção ao trabalho, convenções coletivas e decisões das autoridadescompetentes.

A denúncia, cujas cópias Vossa Excelências têm, na primeira parte, reproduz depoi-mentos constantes do relatório. Nenhuma novidade.

Em seguida, no item 3º, a denúncia diz:

“Reabertas as investigações, depuseram as Auditoras Fiscais, que não tinhamsido ouvidas, (...)”

E aí vêm os depoimentos das auditoras, os quais não acrescentam nenhum fato típiconovo. Fazem referência a algumas condições que considero, simplesmente, marginais.Quem são esses auditores? Exatamente os mesmos que compuseram a equipe da primeirainvestigação. Depoimento de Cláudia Brito, coordenadora, em seguida, depoimento deVirna Damasceno, também auditora, de Celso Roberto Dantas e Débora Barbosa.

E aí conclui, depois de transcrever parte desses depoimentos:

“II - Do enquadramento legal

Porque desde fins — dezembro — de 2001 até março de 2002, InocêncioGomes de Oliveira, proprietário, e Sebastião César Manuel de Andrade, gerente,etc, etc.” Que os denunciados, “primeiramente aliciaram; depois frustraram osdireitos de trabalhadores rurais, que ainda reduziram à condição análoga à deescravo, mantendo-os em condições sub-humanas, etc, etc.”

Não há nenhum outro fato.

Ou seja, abstraída a questão da generalidade da denúncia, que seria questão poste-rior, tem-se que os depoimentos dos auditores não acrescentaram fato típico que nãofosse capaz de subsumir-se nas descrições genéricas da denúncia. Razão por que, comressalva do meu ponto de vista em relação ao primeiro tema, acompanho a eminenteRelatora, dando pela inexistência de fato novo.

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VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhor Presidente, mantenho o meu ponto devista nesse mesmo sentido, anteriormente expresso, acompanhando a Ministra Relatora.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, diante dessa inserção nova doMinistro Cezar Peluso, em boa parte o acompanhei, notadamente porque nenhuma dasauditoras, agora arroladas, deixou de figurar, não vamos chamar de inquérito, no primeiroprocedimento administrativo; e com o fato, ainda acrescido por ele, de que as notíciassupostamente ilícitas pecam pela sua extrema generalidade, de sorte a não atender orequisito da tipicidade, minimamente que seja. Reajusto o meu voto para rejeitar adenúncia.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, li o relatório, reli a denún-cia e vejo não haver aquilo que a nossa jurisprudência tem entendido como prova novapara efeito de aplicação da Súmula n. 524. É o que dizia o saudoso Ministro DécioMiranda, no RHC n. 57.191: a nova prova há de ser substancialmente inovadora, nãoapenas formalmente nova.

Do cotejo entre o relatório e trechos transcritos na denúncia das declarações toma-das na Procuradoria-Geral da Auditora Cláudia Brito, impressionou-me, de início, aalusão contida nessas declarações — que, de certo modo, contrariam as conclusões doProcurador-Geral, que determinou o arquivamento, mas isso não está em causa —, sobrea presença mais ou menos freqüente do primeiro denunciado na fazenda, na qual perma-necia por dias.

Isso está dito — assim como ouvido dos trabalhadores — pela Auditora. Masverifico que esse mesmo dado já constava de outras declarações do processo administra-tivo inicial, na área do Ministério do Trabalho, pelo gerente, ao dizer que, realmente, oDeputado comparecia com certa freqüência e permanecia de três a quatro dias, de cadavez, na propriedade rural. No entanto, isso pode pôr em xeque a fundamentação dodespacho de arquivamento do ex-Procurador-Geral — que não está em causa —, porquea maioria, com o meu voto, considerou que ele equivale ao arquivamento por falta debase empírica para a denúncia, irrecusável, se solicitado ao próprio Tribunal.

Por isso, também acompanho o voto da eminente Relatora para rejeitar a denúncianesses termos.

EXTRATO DA ATA

Inq 2.054/DF — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Autor: Ministério PúblicoFederal. Indiciados: Inocêncio Gomes de Oliveira (Advogados: João Agripino deVasconcelos Maia e outros) e Sebastião César Marques (Advogados: João Agripino deVasconcelos Maia e outros).

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Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Joaquim Barbosa, justificada-mente, nos termos do § 1º do artigo 1º da Resolução n. 278, de 15 de dezembro de 2003.Presidência do Ministro Nelson Jobim. Plenário, 16-3-2005.

Decisão: O Tribunal, por maioria, rejeitou a denúncia, nos termos do voto daRelatora, vencido o Ministro Joaquim Barbosa, que a recebia. Votou o Presidente,Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Procurador-Geral da República,Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 29 de março de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.059 — PR

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Requerentes: Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB e Confedera-ção Nacional do Comércio – CNC — Requeridos: Governador do Estado do Paraná eAssembléia Legislativa do Estado do Paraná

Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 3º, inciso VII, da Lei n.12.216, de 15 de julho de 1998, com a redação que lhe foi atribuída pela Lein. 12.604, de 2 de julho de 1999, ambas do Estado do Paraná. Emolumentos.Serventias extrajudiciais. Destinação de recursos a fundo especial criadopara promover reequipamento do Poder Judiciário. Violação do disposto noart. 167, inciso V, da Constituição do Brasil. Não-ocorrência.

1. Preceito contido em lei paranaense, que destina 0,2% [zero vírguladois por cento] sobre o valor do título do imóvel ou da obrigação, nos atospraticados pelos cartórios de protestos e títulos, registros de imóveis, títu-los e documentos e tabelionatos, ao Fundo de Reequipamento do PoderJudiciário – FUNREJUS não ofende o art. 167, inciso V, da Constituiçãodo Brasil. Precedentes.

2. A norma constitucional veda a vinculação da receita dos impostos,inexistindo, na Constituição, preceito análogo pertinente às taxas.

Pedido julgado improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,julgar improcedente a ação direta, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 26 de abril de 2006 — Eros Grau, Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O Partido do Movimento Democrático Brasileiro –PMDB e a Confederação Nacional do Comércio – CNC propõem ação direita, compedido de medida cautelar, na qual questionam a constitucionalidade do inciso VII doartigo 3º da Lei n. 12.216, de 15 de julho de 1998, com a redação a ela conferida pela Lein. 12.604, de 2 de julho de 1999, ambas do Estado do Paraná.

2. O preceito atacado tem o seguinte teor:

“(...)

Art. 3º Constituem-se receitas do Fundo de Reequipamento do PoderJudiciário:

(...)

VII - 0,2% (zero vírgula dois por cento) sobre o valor do título do imóvelou da obrigação nos atos praticados pelos cartórios de protestos de títulos,registros de imóveis, títulos e, documentos e tabelionatos, observando-se que:

a) os atos que venham a ser praticados pelos ofícios anteriormente referidosnão estão sujeitos ao recolhimento cumulativo;

b) não estão sujeitos ao pagamento:

1. os atos relativos aos registros das cédulas de crédito rural, os contratos depenhor rural e demais títulos representativos de produtos rurais;

2. os atos relativos às cédulas de crédito comercial, industrial e de exportação;

3. os loteamentos urbanos e rurais;

4. os atos de cancelamento ou baixa de pacto comissório, hipoteca, penhorase outras garantias;

5. os atos que dividirem imóveis ou os demarcarem, inclusive nos casos deincorporação que resultarem em constituição de condomínio e atribuírem uma oumais unidades aos incorporadores;

6. as convenções antenupciais;

7. os atos referentes ao usufruto e ao uso sobre imóveis e sobre habitação,quando não resultarem de direito de família, desde que os bens não ultrapassem ovalor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais);

8. os registros dos formais de partilha;

9. os atos sem valores declarados;

10. os atos lavrados com os benefícios da Assistência Judiciária Gratuita enos termos da Lei n. 1.060/50;

11. os atos acessórios quando da prática de dois ou mais atos concomitantes,no mesmo procedimento;

12. as entidades civis sem fins lucrativos, reconhecidas de utilidade públicae inscritas no cadastro de entidades sociais do Paraná;

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13. as novações e as renovações das hipotecas legais, judiciais e convencio-nais, se realizadas no mesmo exercício financeiro;

14. os atos cartoriais relativos a imóveis urbanos, com área construída de até70 m2 (setenta metros quadrados), destinados à moradia própria ou à constituiçãode bens de família;

15. o imóvel comprovadamente destinado à residência do funcionáriopúblico;

16. a renovação dos contratos de locação de imóveis, nos quais tenha sidoconsignada cláusula de vigência no caso de alienação;

17. os atos comprovadamente isentos do ITBI (Imposto sobre Transmissãointer vivos) de bens imóveis, por ato oneroso ou do ITCMD (Imposto sobre Trans-missão de “ausa mortis e doação de qualquer bens ou direitos);

18. os registros, ainda não formalizados, das escrituras públicas e dos com-promissos de compra e venda, lavrados anteriormente à regulamentação da Lei n.12.216/98, pelo Decreto Judiciário n. 153/99.

VIII - 80% (oitenta por cento) das custas decorrentes dos atos dos Tribunaisde Justiça e Alçada, fixadas no Regimento de Custas;

(...)”.

3. Os requerentes sustentam que o percentual destinado ao Funrejus é inconstitu-cional, por colidir com o disposto nos artigos 145, inciso II e § 2º1, e 167, inciso IV2, daConstituição do Brasil. Alegam que “em se tratando de taxa, sua hipótese de incidênciasó pode ser uma atuação do Poder Público diretamente referida ao contribuinte, emconformidade com o disposto no art. 145, II, da CF”.

4. O Governador do Estado do Paraná repudia a alegação de ofensa ao artigo 145,inciso II, ao argumento de que essa taxa não tem por objeto a utilização efetiva e poten-cial de serviços públicos, “mas sim o exercício do poder de polícia pelo Poder Judiciárionos Cartórios e serventias, que dão ao particular a segurança de que necessita na escritu-ração de seus bens e obrigações” [fl. 55].

1 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintestributos:

(...)

II - taxas, em razão do exercício de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviçospúblicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

(...)

§ 2º As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.

2 Art. 167. São vedados:

(...)

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição doproduto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos paraas ações e serviços públicos de saúde e para manutenção e desenvolvimento do ensino, comodeterminado pelos arts. 198, § 2º, e 212, e a prestação de garantias às operações de crédito porantecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem assim o disposto no § 4º deste artigo;

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5. A Assembléia Legislativa afirma que a incidência da taxa decorre da atividade

fiscalizadora efetiva do Poder Judiciário disponibilizada aos usuários dos serviços nota-

riais. Acrescenta ainda que se faz necessária a modernização dos serviços prestados pela

Justiça estadual, o que justificaria a cobrança da referida taxa destinada ao Funrejus,

prevista no inciso VII do artigo 3º da Lei n. 12.604/99; o preceito impugnado, por tratar

de taxa decorrente do poder de polícia, não afronta o disposto no artigo 167, inciso IV,

da Constituição do Brasil [fls. 69/93].

6. A medida cautelar foi indeferida, em 1º de março de 2000, estando o acórdão

assim ementado [fls. 140/164]:

“Ementa: Constitucional. Fundo de Reequipamento do Poder Judiciário –

FUNREJUS. Destinação de receita sobre o valor do título do imóvel ou sobre as

obrigações na prática de atos notariais. A controvérsia situa-se na ausência da

natureza jurídica e do nome de referido percentual. Alegação de que não se trata de

taxa, em face do art. 145, § 2º da CF. Argüiu ofensa ao inciso IV do art. 167 da CF —

vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa. Natureza de taxa.

Exercício do poder de polícia pelo Poder Judiciário. Percentual que se destina a

entidades fiscalizadoras. Precedente.

Liminar indeferida.”

7. Consoante determinado à fl. 134, à presente ação foi apensada a ADI 2.143. Por

essa razão a pretensão cautelar nesta também restou prejudicada.

8. O Advogado-Geral da União destaca que o percentual designado ao Funrejus

consubstancia taxa decorrente do exercício do poder de polícia praticado pelo Judiciá-

rio sobre as atividades notariais. Invoca precedente que entende pertinente e manifesta-

se pela improcedência do pedido [fls. 169/174].

9. O Procurador-Geral da República opina pela improcedência do pleito, ressaltando

que esta Corte já definiu que a destinação do produto da arrecadação de taxa é contrária

ao texto constitucional quando o destinatário é pessoa jurídica de direito privado —

ADI n. 1.1453.

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores

Ministros (RISTF, artigo 172).

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Esta ação direta objetiva a declaração de in-

constitucionalidade de preceito inserido em lei paranaense, que destina 0,2% (zero

vírgula dois por cento) sobre o valor do título do imóvel ou da obrigação, nos atos

praticados pelos cartórios de protestos e títulos, registros de imóveis, títulos e documen-

tos e tabelionatos, ao Fundo de Reequipamento do Poder Judiciário – FUNREJUS.

3 ADI n. 1.145/PB, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 8-11-2002.

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2. Como afirmado no julgamento da medida cautelar, improcede a alegação da

requerente de que o preceito atacado colide com o disposto no artigo 167, inciso V, da

Constituição do Brasil. A norma constitucional veda a vinculação da receita dos impos-

tos, não havendo na Constituição regra similar pertinente às taxas. Esta Corte conferiu

ampla abrangência ao conceito de poder de polícia na ADI n. 3.151, Relator o Ministro

Carlos Ayres, julgada na sessão de 8 de junho passado. Vencido, porque me parece

inadmissível a superposição entre o poder de polícia, de um lado, e, de outro, o poder de

controle e/ou tutela, poder de fiscalização exercido no interior da organização estatal,

submeto-me a esse entendimento. Apenas me permito insistir na afirmação de que o

poder de polícia limita ou disciplina “direito, interesse ou liberdade”, incidindo sobre a

atividade de particulares. Nas atividades notariais há serviços exercidos por delegação

do Poder Público, serviços fiscalizados nos termos do § 1º do artigo 236 da Constituição.

Não há “direito, interesse, ou liberdade”, porém atividade pública, função pública,

dever. O chamado poder de polícia não se presta a instrumentar a apuração do regular

cumprimento de dever inerente ao desempenho de função pública. Cedo ao entendimento

equivocado, pedindo contudo vênia para essa ressalva. Busco apenas ser coerente.

3. São inaplicáveis ao caso os precedentes invocados na inicial, que se referem à

vinculação de imposto e à destinação de percentual de taxas a pessoas jurídicas de

direito privado. Não é essa a hipótese destes autos.

4. Ao apreciar o pedido de medida cautelar, o Ministro Nelson Jobim, Relator à

época, destacou:

“(...)

A CF dispõe, art. 236, parágrafo único, que a Lei definirá a fiscalização pelo

Poder Judiciário da atividade notarial e de registro.

Há normas estaduais no Paraná que regulamentam tal atividade.

O Tribunal indeferiu liminar em que se pleiteava a suspensão da cobrança de

custas processuais que revertiam em favor da OAB/MT, em face das atribuições

especiais da autarquia, por entender ‘(...) intimamente ligadas à prestação juris-

dicional por parte do Estado’. (ADI 1.707, Min. Moreira Alves)

É a mesma situação.

A destinação dos recursos ao fundo de fiscalização está bem definida nas

atribuições próprias para a qual a taxa foi criada.

Por outro lado, também não está caracterizado, o fumus boni iuris.

(...)”

5. E, por ocasião dos debates, o Ministro Moreira Alves, observando que a taxa

destina-se ao fundo de reequipamento do próprio Poder Judiciário, afirmou [fl. 158]:

“Se é para o próprio Poder Judiciário, não há dúvida de que é possível, pois

não se trata, como ocorre, por exemplo, com a Caixa de Assistência da OAB, de

pessoa jurídica de direito privado”.

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6. A impossibilidade de destinação do produto de arrecadação a pessoas jurídicasde direito privado já havia sido apreciada pela Corte no julgamento da ADI n. 2.129/MCe da ADI n. 1.145:

Ementa: Constitucional. Tributário. Custas e emolumentos: natureza jurí-dica: taxa. Destinação de parte do produto de sua arrecadação a entidade declasse: Caixa de Assistência dos Advogados: inconstitucionalidade. Lei 5.672,de 1992, do Estado da Paraíba.

I - As custas, a taxa judiciária e os emolumentos constituem espécie tributária,são taxas, segundo a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal. Prece-dentes do STF.

II - A Constituição, art. 167, IV, não se refere a tributos, mas a impostos. Suainaplicabilidade às taxas.

III - Impossibilidade da destinação do produto da arrecadação, ou de partedeste, a instituições privadas, entidades de classe e Caixa de Assistência dos Advo-gados. Permiti-lo importaria ofensa ao princípio da igualdade. Precedentes doSupremo Tribunal Federal.

IV - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

[ADI n. 1.145, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 8-11-2002].

Ementa: Constitucional. Lei estadual que destina 3% dos emolumentos per-cebidos pelos serviços notariais e registrais ao fundo para instalação, desenvolvi-mento e aperfeiçoamento das atividades dos juizados cíveis e criminais.

Os emolumentos têm natureza tributária e caracterizam-se como taxas remu-neratórias de serviços públicos (não-incidência do art. 167, inc. IV, da CF).

A cobrança de parcela do valor total desses emolumentos para a formação defundo de desenvolvimento da Justiça local é cabível, uma vez que o PoderJudiciário tem competência constitucional de fiscalizar os atos praticados pelosnotários, oficiais de registro e prepostos.

Pedido de liminar indeferido.

[ADI/MC n. 2.129, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 11-3-2005]

7. Há ainda a mencionar o julgamento da pretensão cautelar na ADI n. 1.889,quando se analisou a possibilidade de destinação de parcela das custas judiciais aoFundo de Reaparelhamento do Poder Judiciário – FUNREJ, no Estado do Amazonas,acórdão que tem a seguinte ementa:

Ementa: Constitucional. Inconstitucionalidade da Lei 2.429/96 com as alte-rações introduzidas pela Lei 2.477/97 do Estado do Amazonas. Custas judiciais.Criação do Fundo de Reaparelhamento do Poder Judiciário – FUNREJ. É assente ajurisprudência deste Tribunal quanto à inconstitucionalidade da vinculação deemolumentos a entidade com personalidade jurídica de direito privado ou a deter-minado órgão ou fundo; do cálculo das custas com base no valor dos bens imóveisenvolvidos no litígio; e, quanto à inexistência de teto para cobrança de taxas cujovalor tem por base o proveito auferido pelo contribuinte, sobre as quais incidealíquota variável. Precedentes.

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A competência para definir o valor das custas de interposição de Recurso

Extraordinário é deste Tribunal. Entrada em vigor da lei não pode ser confundida

com sua eficácia.

Liminar parcialmente deferida.

[ADI n. 1.889, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 14-11-2002].

8. É plenamente constitucional a destinação do produto das taxas a um fundo

especial.

9. As situações são similares. Tanto na lei paranaense hostilizada, quanto no caso

amazonense, o valor da arrecadação da taxa foi destinado ao Poder Judiciário, mais

precisamente, ao Fundo de Reequipamento do Poder Judiciário – FUNREJUS e ao Fundo

de Reaparelhamento do Poder Judiciário – FUNREJ.

10. Indicou-se, com precisão, no preceito impugnado, onde os recursos arrecadados

serão aproveitados. Não há, na hipótese, qualquer inconstitucionalidade, dado que o

beneficiário do produto da arrecadação da taxa é órgão público não estranho aos

serviços notariais.

Julgo improcedente o pedido formulado nesta ação direta, bem como a pretensão

contida na ADI n. 2.143, a esta apensada.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, mantenho o voto.

Temos, aqui, a criação de receita para suprir, talvez, as deficiências orçamentárias

do Judiciário.

Continuo entendendo que não cabe a criação de um fundo, seja qual for a persona-

lidade jurídica que se empreste a ele, para haver os recursos indispensáveis a algo que

deve funcionar a partir, estritamente, dos impostos arrecadados pelo Estado.

Por isso, peço vênia para concluir pela inconstitucionalidade do dispositivo

atacado.

EXTRATO DA ATA

ADI 2.059/PR — Relator: Ministro Eros Grau. Requerentes: Partido do MovimentoDemocrático Brasileiro – PMDB (Advogados: Heron Arzua e outros) e ConfederaçãoNacional do Comércio – CNC (Advogados: Maristela Denise Marques de Souza e outro).Requeridos: Governador do Estado do Paraná (Advogados: César Augusto Binder e outra)e Assembléia Legislativa do Estado do Paraná.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta, nos termos

do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro

Sepúlveda Pertence (art. 37, I, do RISTF). Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen

Gracie (Vice-Presidente) e o Ministro Celso de Mello.

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Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence (artigo 37, I, do RISTF). Presentes à

sessão os Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,

Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Procurador-Geral da República,

Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 26 de abril de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

RECLAMAÇÃO 2.549 — PE

Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa

Reclamante: Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ — Recla-

mado: Relator do AI n. 52.047 do Tribunal Regional Federal da 5ª Região — Interessados:

Estado de Pernambuco e outros

Reclamação. Usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal.

Conflito federativo. Ação movida por empresa pública estadual contra

autarquia federal. Porto de Suape, Pernambuco.

Ação movida por empresa pública estadual (SUAPE – Complexo

Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros) contra autarquia

federal (Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ).

Pretensão da empresa pública estadual à imediata revisão de outorga

para exploração de serviço portuário concedido pela União.

Caracterizado o potencial conflito federativo, tendo em vista: (i) o

significativo impacto patrimonial a ser suportado pela União ou pelo

Estado de Pernambuco, conforme o desfecho da controvérsia; (ii) a rele-

vância federativa da controvérsia, por opor-se à pretensão do Estado-

Membro a atuação administrativa de autarquia federal em matéria com-

preendida em competência privativa da União — Constituição Federal,

art. 21, XII, f. Precedentes.

Reclamação julgada procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo

Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência da Ministra Ellen Gracie, na

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,

julgar procedente a reclamação, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros

Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que a julgavam improcedente.

Brasília, 30 de março de 2006 — Joaquim Barbosa, Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Adoto como relatório a parte inicial do parecer doProcurador-Geral da República, acerca dos principais dados da presente reclamação:

“Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, proposta pela Agên-cia Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, em face de decisão proferidapelo i. Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria que, nos autos doAgravo de Instrumento n. 2003.05.00.028602-6/PE, deferiu o pedido de tutelaantecipada para determinar o processamento do feito no juízo federal de primeirainstância, nos termos da ementa abaixo transcrita:

‘Ementa: Constitucional e Processual Civil. Conflito federativo.Inexistência. Competência da Justiça Federal.

1. Não tendo sido objeto de exame da decisão atacada, a preliminar quesuscita a ilegitimidade passiva da União não merece ser conhecida, sob penade supressão de instância.

2. Tratando-se de ação que não envolve questão potencialmente gera-dora de conflito no equilíbrio do pacto federativo, a competência não éatraída pelo colendo Supremo Tribunal Federal, impondo-se a jurisdição daJustiça Federal para processar e julgar o feito.

3. Agravo de instrumento provido.’ (Fl. 119)

2. Narra a requerente que ‘o Estado de Pernambuco e a empresa públicaestadual SUAPE – Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros ins-tauraram a ação (...), com o intuito de obter o ‘enquadramento’ das instalaçõesportuárias de Suape como Terminal Privativo de Uso Misto, afastando, assim, aincidência de todo o normativo pertinente à estrutura de Porto Organizado, atu-almente plenamente aplicável àquele Porto.’ Dessa maneira, aduz a autora que ‘afixação, pelo E. TRF 5ª Região, da competência do Juízo Federal de 1º Grau paraprocessar e julgar o feito destoa a não mais poder dos dispositivos constitucionaisque atribuem a competência originária ao C. STF para julgas as causas que impor-tem em potencial conflito federativo, importando em verdadeira usurpação dacompetência desta Corte Suprema’.

3. Nessa toada, sustenta que ‘dispõe a Constituição Federal, em seu art.102,alínea f, ser competência originária do Supremo Tribunal Federal processar e jul-gar as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal,ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta.’

4. Vossa Excelência, em decisão exarada às fls. 121/123 e após prestadas asinformações pela autoridade judiciária (fls. 101/119), deferiu o pedido de medidaliminar nos seguintes termos:

‘No presente momento, de exame liminar do pedido, entendo que estãopreenchidos os requisitos de verossimilhança da alegação e de urgência doprovimento jurisdicional. Considero como relevante a argumentação daautarquia federal sobre a exigibilidade de licitação para concessão da

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exploração do porto em questão. A continuação do processamento da açãomovida conta a União e a Antaq, sobretudo levando-se em conta o fato deque há notícia de pedido de tutela antecipada, indica a iminência de decisãopelo juízo de origem.

Com essas considerações e com base no art. 158 RISTF, determino asuspensão do curso do processo (ação de rito ordinário com pedido detutela antecipada — protocolo sob n. 2003.83.00.018529-3) até a decisãofinal deste Tribunal sobre a presente reclamação.’

5. Irresignados com a liminar ora deferida, interpuseram agravo regimental oEstado de Pernambuco (fls. 145/157) e o SUAPE – Complexo Industrial PortuárioGovernador Eraldo Gueiros (fls. 161/198).

6. Nas suas razões, o Estado de Pernambuco sustenta, em síntese, que ‘a lideé basicamente de um Estado-membro (Pernambuco) contra uma Agência (Autar-quia especial). Não há nada que possa comprometer as relações políticas dosentes da federação. Discute-se direitos subjetivos e não a harmonia política dasunidades federadas. Discute-se a aplicação da Lei n. 10.233, de 5 de junho de2001, que criou a Agência Nacional dos Transportes Aquaviários – ANTAQ, e quecontém a mesma determinação da Lei dos Portos, no sentido de que as antigasoutorgas deveriam ser ratificadas mediante a adaptação de suas disposições aonovo ordenamento jurídico. A adaptação em foco foi, então, requerido pelo Estadode Pernambuco e pela empresa Suape (...), o que restou indeferido, injustificada-mente.’

7. Já a empresa Suape, no que concerne à alegação de existência de conflitofederativo, argumenta que (i) não há a menor pretensão ajuizada, no sentido derestringir a competência da União para explorar o serviço público federal portuá-rio, conforme contido no art. 21, XI, f, da Constituição Federal; (ii) que a causapetendi da ação é a ausência de aplicação da regulamentação legal desse disposi-tivo. Seu objeto, mais especificamente, é a parte do inciso XII, que explicita aexploração indireta de serviços portuários, mediante autorização; (iii) que osatos praticados pela União relativamente à outorga da exploração de Suape, sãoexatamente aqueles que se excluem da afirmação da Reclamante: ‘somente permi-tindo o seu trespasse (exploração mediante outrem) através de concessão, pre-cedida de licitação’; e (iv) que foi consciente o ato praticado pela União paraatribuir ao Estado de Pernambuco a exploração indireta, mediante autorização,o que só é compatível com o Terminal Portuário Privativo de Uso Misto, mor-mente em face do atendimento dos requisitos legais, como é o caso presente, emque o interessado é titular do domínio útil do terreno.

8. Após, vieram os autos, com vista a esta Procuradoria-Geral da República,para manifestação.

9. Sobre o tema em comento, vale trazer à colação fragmento da manifestaçãoexarada por esta colenda Corte Suprema nos autos da ACO n. 663/DF, da relatoriado e. Ministro Celso de Mello, publicada na página 32 do Diário de Justiça daUnião de 15.04.2003:

‘Decisão: Cabe verificar, preliminarmente, se a presente causa inclui-se, ou não, na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal,especialmente em face da decisão, proferida pelo magistrado de primeira

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instância, de que se subsume, a espécie ora em exame, à regra consubstanciada

no art. 102, I, f da Constituição da República (fls. 140/141). Impõe-se ter

presente. neste ponto, considerada a norma inscrita no art. 102, I, f da

Constituição, que essa regra de competência confere, ao Supremo Tribunal

Federal, a posição eminente de Tribunal da Federação, atribuindo, a esta

Corte, em tal condição institucional, o poder de dirimir as controvérsias,

que, ao irromperem no seio do Estado Federal, culminam, perigosamente,

por antagonizar as unidades federadas. Essa magna função jurídico-institu-

cional da Suprema Corte impõe-lhe o gravíssimo dever de velar pela intangibi-

lidade do vínculo federativo e de zelar pelo equilíbrio harmonioso das rela-

ções políticas entre as pessoas estatais que integram a Federação brasileira.

Daí a observação constante do magistério doutrinário (Manoel Gonçalves

Ferreira Filho, Comentários à Constituição Brasileira de 1988 vol. 2/219-

220, 1992, Saraiva), que, ao ressaltar essa qualificada competência constitu-

cional do Supremo Tribunal Federal, acentua: ‘Reponta aqui o papel do

Supremo Tribunal Federal como órgão de equilíbrio do sistema federati-

vo. Pertencente embora à estrutura da União, o Supremo tem um caráter

nacional que o habilita a decidir, com independência e imparcialidade, as

causas e conflitos de que sejam partes, em campos opostos, a União e

qualquer dos Estados federados.’ Por isso mesmo, o Supremo Tribunal Fe-

deral, ao interpretar a norma de competência inscrita no art. 102, I, f da Carta

Política, veio a proclamar que ‘o dispositivo constitucional invocado visa a

resguardar o equilíbrio federativo’ (RTJ 81/330-331, Rel. Min. Xavier de

Albuquerque). É por tal razão que esse preceito constitucional somente inci-

de naquelas controvérsias que possam provocar situações caracterizadoras

de conflito federativo (RTJ 132/109 — RTJ 132/120). (...) . Esse entendimen-

to jurisprudencial evidencia que a aplicabilidade da norma inscrita no art.

102, I, f, da Carta Política restringe-se, tão-somente, àqueles litígios cuja

potencialidade ofensiva revela-se apta a vulnerar os valores que infor-

mam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o

pacto da Federação.’

10. Na presente hipótese, segundo elucida a Advocacia-Geral da União à fl.

5, ‘a questão de fundo do feito transcende a mera discussão sobre interesses empre-

sariais do Estado de Pernambuco e de sua empresa pública. Em verdade, a lide

posta em juízo apresente um grave potencial ofensivo ao pacto federativo, uma

vez que versa sobre a titularidade da prestação de serviços públicos de compe-

tência privativa da União e sobre a destinação de bens e recursos federais

aplicados na estruturação do Porte de Suape, senão vejamos: A Constituição

Federal, em seu artigo 21, caput e inciso XI, alíneas d e f determina expressa-

mente que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, con-

cessão ou permissão, os serviços de transporte aquaviário entre portos brasileiros e

fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território, bem

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como os portos marítimos, fluviais e lacustres. Vê-se, portanto, que os serviçosprestados no âmbito das instalações portuárias possuem, claramente, índole deserviço público federal, de sua competência privativa, que pode ser prestadodireta ou indiretamente.’

11. Informa que ‘o regime jurídico dos portos fora disciplinado, seguindo osprincípios das legislações anteriores, pela Lei n. 8.630/93, que estabeleceu, taxati-vamente, três modalidades de exploração de atividades portuárias: de uso públicoe de uso privativo, podendo ter essa o caráter de uso exclusivo de uso misto. Dessaforma, a União resguardou para si a exploração de instalações portuárias deuso público, que se dá através de portos organizados, somente permitindo o seutrespasse (exploração mediante outrem) através concessão, precedida de licita-ção. Facultou, porém, às demais pessoas jurídicas de direito público ou privado aexploração de terminais de uso privativo, exclusivo ou misto.’

12. Salienta que ‘saltam aos olhos as diferenças entre a exploração de insta-lações de portos organizados e de terminais privativos. Os primeiros têm por fina-lidade a prestação de serviços ao público, conforme as normas regulamentares,sendo as instalações de propriedade da União, cujos bens reverterão ao término daconcessão para o Poder concedente. Os segundos, por outro lado, têm por finalida-de exploração das instalações — que são próprias — para movimentar carga pró-pria (uso privativo exclusivo) ou de terceiros, essa em caráter subsidiário e comple-mentar àquela (uso privativo misto). Ou seja, somente se justifica o deferimento deautorização para esse tipo de categoria para aquelas pessoas jurídicas que, pela suaatividade empresarial, necessitem ter um porto próprio para transporte de suasmercadorias (ex. Petrobrás, Vale do Rio Doce, etc), podendo atuar, supletivamente,em caso de sobra de capacidade, no transporte de bens de terceiros. Exsurge, aqui,as razões que emprestam à lide um caráter de potencialidade ofensiva ao pactofederativo. O Porto de Suape foi idealizado e construído para ser um PortoOrganizado, prestando serviços ao público em geral, a ser explorado, comouma concessão de serviço público, pelo Estado de Pernambuco, através de suaempresa pública (2ª autora). Para tanto a União aportou recursos e bens para a suaconstrução, bens estes que, como em qualquer concessão, seriam revertidos para odomínio do Ente Federal, quando da ocorrência do termo final.’

13. Dessa maneira, ressalta ao final que ‘os autores buscam com o seu pleitoexplorar o Porto de Suape — um Porto Organizado em sua essência — traves-tido de Terminal de Uso Privativo Misto, locupletando-se dos bens e recursosaportados pela União, uma vez que nesta última modalidade não haveria re-versão de bens para o Ente Federal. Acaso isso aconteça, estaria o Estado dePernambuco explorando serviço público de competência privativa da União,de forma completamente ilegítima, invadindo a competência material do EnteFederal, além de tomar par si, sem a devida autorização legal, bens e recursosfederais. Destarte, mostra-se, clara e inequivocamente, a potencialidade da lideem ofender o pacto federativo, notadamente, quanto à invasão de competênciamaterial da União por Estado-membro e a tentativa por parte deste de se locu-pletar, sem a devida autorização legal, de bens e recursos federais.’

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14. Com efeito, nessa toada, é forçoso reconhecer que o conflito travado nos

autos da Ação de Rito Ordinário n. 2003.83.00.018529-3 reveste-se de grande capa-

cidade ofensiva ao pacto federativo, haja vista a usurpação, pelo Estado de Pernam-

buco, de competência privativa da União para explorar as instalações portuárias de

uso público, e a tomada, sem autorização legal, de bens e recursos federais.

15. Ante o exposto, e pelas razões aduzidas, opina o Ministério Público

Federal pelo desprovimento dos presentes agravos regimentais, com a conseqüente

manutenção dos efeitos da decisão exaradas às fls. 121/123.” (Fls. 339-345 —

Grifos originais)

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhor Presidente, a reclamação está

suficientemente instruída. Submeto-a ao julgamento do Pleno, para não retardar a solu-

ção da questão, que suscita profunda controvérsia entre o Estado de Pernambuco e a

Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ.

Registro que está pendente de julgamento o agravo regimental interposto da deci-

são em que deferi pedido de liminar para suspender o curso da ação ajuizada contra a

Antaq pelo Estado de Pernambuco e pela empresa estatal estadual Suape.

A origem do problema foi o ajuizamento, pelo estado de Pernambuco e sua empresa

pública Suape (criada pela Lei estadual 7.763/1978), de ação ordinária contra a Antaq.

Assim está delimitada na inicial a pretensão:

“123. O Estado de Pernambuco é detentor de um ato de autorização da União

para explorar a instalação portuária de SUAPE – Complexo industrial Portuário

Governador Eraldo Gueiros, ato esse que se encontra defasado no tempo, estando

a exigir a sua atualização, para atender aos ditames legais.

124. O indeferimento da Antaq viola direito do Estado e de Suape, relativa-

mente ao seu patrimônio existente nas instalações portuárias de Suape, e no que

concerne à condução do empreendimento, no que tange à sua vinculação ao Com-

plexo Industrial.

125. A pretensão consiste em que o órgão atualmente competente, a Agência

Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, cumpra a Lei n. 10.233, de 5 de

junho de 2001, e confira sua ratificação à outorga que outrora competia ao Mi-

nistério dos Transportes – MT, de acordo com a modalidade instituída para o caso,

pela Lei n. 8.630, de 25 de fevereiro de 1993.” (Fl. 39)

Segundo consta do pedido, a ratificação em questão se traduz na alteração do

regime de exploração das instalações portuárias, as quais não mais seriam regidas pela

legislação aplicável a “portos organizados”, “denominação que a Lei atribui aos portos

da União, que os administra diretamente ou descentraliza mediante concessão, com

base nos artigos 1º e 2º, da Lei dos Portos” (fl. 43).

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Quanto ao regime de “terminal de uso privativo misto” (nos termos da Lei 8.630/

1993), modalidade pleiteada na ação para o Porto de Suape, o estado de Pernambuco

argumenta que “a partir de 1993, entretanto, a política de abertura do setor portuário

consistente na Lei dos Portos estabeleceu a possibilidade de terceiros, que não a

União, passarem a prestar diretamente ou a vender serviços portuários” (fl. 44).

O pressuposto para a procedência do pedido na ação ordinária ajuizada na Justiça

Federal seria o acatamento dos argumentos do Estado, segundo os quais a Antaq estaria

obrigada (nos termos do art. 50 da Lei 10.233/2001) a proceder automaticamente à

revisão da modalidade da outorga do serviço em Suape à empresa pública estadual, que

passaria do regime de concessão ao de autorização. Destaco as seguintes passagens dos

fundamentos do pedido do Estado e da empresa pública:

“149. A União, quando deu a primeira outorga ao Estado de Pernambuco

poderia, em tese, ter feito uma concessão, porque estava em pleno vigor a Lei de

Concessões Portuárias, o Decreto n. 24.599, de 6 de julho de 1934. Seria adequado

o regime de concessão, se da União fossem as instalações portuárias.

(...)

154. A concessão é imprópria porque o objeto do contrato, na concessão,

deve pertencer ao Poder Concedente, que entrega seu patrimônio para ser adminis-

trado e explorado por terceiros. Entretanto, as instalações de Suape pertencem ao

Estado de Pernambuco, que explora seu próprio negócio, autorizado pela União.

(...)

156. A concessão é imprópria porque este regime estabelece a reversão de bens

para o Outorgante, sem pagamento de indenização, enquanto que no Convênio de

Suape não há previsão de reversão, negando a presunção de transferência do

patrimônio para a União. Subtração patrimonial não se presume, teria que ser

expressamente estabelecida.” (Fls. 50-51 — Grifos originais)

A autarquia federal (Lei 10.233/2001) ora reclamante sustenta que “a lide posta

em juízo apresenta um grave potencial ofensivo ao pacto federativo, uma vez que versa

sobre a titularidade da prestação de serviços públicos de competência privativa da

União e sobre a destinação de bens e recursos federais aplicados na estruturação do

Porto de Suape” (fl. 05). Cita o art. 21, XI, d e f, da Constituição Federal e a legislação

federal que rege as atividades portuárias (Lei 8.630/1993).

Afirma, ainda:

“O Porto de Suape foi idealizado e construído para ser um Porto Organizado,

prestando serviços ao público em geral, a ser explorado, como uma concessão de

serviço público, pelo Estado de Pernambuco, através de sua empresa pública (2ª

Autora).

Para tanto a União aportou recursos e bens para a sua construção, bens estes

que, como em qualquer concessão, seriam revertidos para o domínio do Ente Federal,

quando da ocorrência do termo final.

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Os Autores buscam com o seu pleito explorar o Porto de Suape — um PortoOrganizado em sua essência — travestido de Terminal de Uso Privativo Misto,locupletando-se dos bens e recursos aportados pela União, uma vez que nestaúltima modalidade não haveria reversão de bens para o Ente Federal.” (Fls. 07-08)

Instada a se manifestar, a União expressamente registra interesse na questão, sinte-tizado na petição assinada pelo Advogado-Geral da União:

“A decisão judicial que poderá repercutir sobre o patrimônio da União, assimcomo sobre suas competências constitucionais, traz inerente consigo o risco degrave ofensa ao pacto federativo, atraindo, assim, a competência da CorteSuprema, conforme art. 102, I, f, CF/88.

Contudo, há de se salientar que mesmo se a União não apresentasse legítimointeresse em participar da causa, o que apenas se admite ad argumentandum, osimples fato de a demanda envolver entidade da administração indireta federalcontra ente federado, em discussão que coloca em debate o próprio pacto federativo,já remete ao Supremo Tribunal Federal a competência para processamento ejulgamento, conforme se extrai da parte final do citado dispositivo constitucio-nal.” (Fl. 331)

Essa, a delimitação da controvérsia que ora se examina.

Deferi o pedido de liminar. Posteriormente, a reclamante noticiou que já havia sidodeferida antecipação de tutela nos autos da Ação Ordinária 2003.83.00.018529-3 (fl. 05da AC 216).

A reclamação submete à Corte problema de duplo viés: um referente à competên-cia do Supremo Tribunal Federal para julgar causa entre a União e os estados, inclusiveas respectivas entidades da Administração Indireta; outro relacionado à noção, naespécie, de potencial conflito federativo.

I - Acerca da competência para julgar causa entre a União e os Estados.

A mera existência de causa entre Estado-Membro e autarquia federal não atraiautomaticamente a competência do Supremo Tribunal Federal, segundo concluiu aCorte em julgamentos antigos e recentes.

O entendimento do Tribunal resulta, nas palavras do eminente Ministro SepúlvedaPertence, de “uma audaciosa redução do alcance literal (...) da sua competência origi-nal”, ainda que “redução teleológica e sistematicamente bem fundamentada” em causasem que “se mostra a ausência dos fatores determinantes da excepcional competênciaoriginária do STF para o deslinde jurisdicional dos conflitos federativos” (trechos dovoto proferido na ACO 417-QO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, j. 8-11-1990).

Nesse sentido consolidou-se a hoje velha jurisprudência, segundo a qual causaentre entidade da Administração Indireta federal e Estado-Membro (ou entidade darespectiva Administração Indireta) se resolve na Justiça Federal do local, desde de quenele exista representação ou repartição da autarquia federal (cf. ACO 294, Rel. Min.Xavier de Albuquerque, Pleno, j. 29-12-1980, v.g.). Essa observação é relevante, namedida em que a Antaq alega que não possui representação em Pernambuco (fl. 08).

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Entendo, contudo, que hoje há motivos para revisão da jurisprudência, visto que adefesa judicial das autarquias federais é executada pela Procuradoria-Geral federal, órgãoda Advocacia-Geral da União, por meio das procuradorias especializadas ou regionais,conforme o caso.

Além disso, observo que nem todos os julgados sobre a matéria atestam ainfalibilidade desse critério, o que sugere a existência de “zona cinzenta” na precisão doalcance da jurisprudência.

Reporto-me à Pet 1.286-AgR (Rel. Min. Ilmar Galvão, Pleno, j. em 28-5-1997), emcujo julgamento se entendeu não atrair a competência do Supremo Tribunal Federal ojulgamento de ação na qual se impugna o exercício de poder de polícia por autarquiafederal (no caso, o Ibama) na fiscalização ambiental de obra empreendida por governode estado (tratava-se, no caso, da construção de presídio). Na ocasião, ficaram vencidosos Ministros Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira e Marco Aurélio, que consideravam arelevância das atividades da autarquia federal e do Estado-Membro, para entenderempresente a noção de desequilíbrio federativo.

Desse julgado, pode-se extrair a noção de que a velha jurisprudência acerca dacompetência da Justiça Federal para julgar causas entre autarquias federais e Estados-Membros (desde que existente, no Estado-Membro, representação ou repartição daautarquia) passa a só fazer sentido se ausente a noção de conflito federativo.

Considero, assim, que a alegação central a ser examinada é a de existência deconflito federativo, que passo a examinar.

II - Acerca da competência para julgar causas em que haja potencial conflitofederativo.

Adianto que não vejo dificuldade em concluir que, na causa em questão, há poten-cial conflito federativo.

Para chegar a essa conclusão, faço breve resumo da jurisprudência da Corte acercada noção de conflito federativo para os efeitos do art. 102, I, f, e suas exceções, resumoesse já lido no voto que proferi no julgamento da ACO 730-QO:

“Quanto à definição da noção de conflito federativo para os efeitos do art.102, I, f, da Constituição Federal, noto que esta Corte tende a verificar a potencia-lidade do conflito caso a caso. Nesse sentido, fixa-se a competência do STF a partirda regra geral de figurarem em pólos opostos a União e Estado-Membro (cf. ACO447-QO e ACO 449) e, especificamente, quando estiver em disputa a definiçãolegal de propriedade de áreas rurais (cf. ACO 477), imunidade tributária recíprocaentre autarquia federal e o Distrito Federal (cf. ACO 503 e ACO 515-QO) ou acompetência a ser definida entre autarquia federal e Estado-Membro para a disci-plina sobre exploração de potencial eletro-hidráulico (cf. ACO 593-QO).

Não obstante, construiu-se um conjunto de exceções segundo o qual estaCorte é incompetente quando o litígio for de natureza eminentemente patrimonial(cf. ACO 379-QO), entendimento esse estendido também a hipóteses em que fun-dação estadual proponha ação de cobrança contra fundação federal (cf. ainda ACO509) ou quando Estado-Membro contender com autarquia federal (cf. MS23.482-QO e ACO 417-QO).

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Como se vê, esta Corte tem procurado aplicar com parcimônia a fixaçãodessa sua competência, como bem sintetiza o eminente Ministro Celso de Mello(despachos na ACO 597 e na ACO 663):

‘Ausente qualquer situação que introduza instabilidade no equilíbriofederativo ou que possa ocasionar a ruptura da harmonia que deve prevalecernas relações institucionais entre as pessoas estatais que integram o EstadoFederal, deixa de incidir a norma constitucional que atribui, ao SupremoTribunal Federal, a posição eminente de Tribunal da Federação.’”

A hipótese em exame obviamente não trata meramente de questões patrimoniais.Entendo que ela seria comparável ao que foi discutido na ACO 593-QO (quando seafirmou a competência do Supremo Tribunal Federal), por também se discutir aqui aextensão da competência da União para decidir sobre a exploração do serviço público,nos termos da Constituição federal.

Dos dados da causa, observo que a própria inicial da ação movida pelos interessa-dos revela a profundidade da divergência. Dizem os autores à fl. 24:

“jamais concordaria o Estado de Pernambuco em renunciar ao ComplexoIndustrial Portuário de Suape, que significa uma das mais importantes realizaçõesdo Estado de Pernambuco, mediante uma absurda transferência de sua titularidadepara a União, a fim de que possível fosse cogitar-se de sua ‘concessão’ ao Estado.”

De fato, noto que há de ser examinada com cautela a grave afirmativa da Antaq deque o Estado de Pernambuco pretende locupletar-se de recursos federais. Não obstante,a reclamante demonstrou a relevância da questão, que, na realidade, é simples, por dizerrespeito ao exercício, pela União, de uma de suas competências constitucionais.

Se o Estado-Membro questiona os limites dessa competência, entendo que a capa-cidade de atuar da União é ilegitimamente restringida. Por outro lado, se a União, pormeio de uma de suas autarquias, obsta determinada conduta mediante atos administrati-vos a ponto de a questão ser levada ao Judiciário, não há como negar a relevância da lide.

Não fossem suficientes os argumentos da União e da Antaq, salta aos olhos, nosautos, a polêmica acerca da matéria, traduzida na seqüência de incidentes processuais,com interposição de agravos, impugnações, medida cautelar e reiterações.

Observo, neste ponto, que até sobre a extensão do deferimento da liminar parecemdivergir as partes, pois a Antaq, em duas oportunidades, apontou o descumprimento dasuspensão do processo — sem ter demonstrado essa circunstância. O Estado de Pernam-buco, por sua vez, informa não ter dado cumprimento à antecipação de tutela deferidaem primeira instância, enquanto a empresa pública, ao que parece, confessa ter posto emprática a decisão na antecipação de tutela (fl. 365).

A Antaq não conseguiu demonstrar que a empresa pública estadual tenha efetiva-mente dado aplicação à antecipação de tutela, mas isso não impede que, no curso daação nesta Corte (caso o Pleno julgue procedente a reclamação), essas circunstânciassejam esclarecidas.

Assim, vejo que há, não apenas juridicamente, mas de fato, conflito federativo emcurso.

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Determinante, nesse sentido, é a facilidade de se verificar a clara e significativa

divergência entre as partes sobre a própria noção, de inegável substrato constitucional,

de competência material para exploração de serviço público relevante, que é a atividade

de serviços portuários.

Para se chegar a essa conclusão, não há como examinar a fundo, na via da reclama-

ção, os argumentos apresentados pelos interessados a respeito da situação jurídica do

porto em questão. Ocorre que o juízo sobre a existência ou não de conflito federativo

deve decorrer de considerações prévias sobre a natureza da controvérsia, e não sobre o

acerto do pedido na ação movida contra a Antaq. Obviamente, não pode o Supremo

Tribunal Federal, ao julgar a reclamação, firmar entendimento acerca da interpretação da

legislação aplicável ao Porto de Suape (com o risco de prejulgar ação em curso noutra

instância ou aquela que viria a ser julgada aqui), para depois determinar a ocorrência de

conflito federativo para efeito de fixação de sua competência nos termos do art. 102, I, f.

Por essa razão, acredito serem irrelevantes os argumentos de fls. 132-135 (itens 17

a 25), da petição do Estado de Pernambuco; de fls. 154-157 (itens 19 a 29), do agravo

regimental do Estado; e de fls. 163-165 e 173-187 (itens 9 a 22 e 57 a 112), do agravo

regimental da empresa pública estadual Suape, pelo fato de todos dizerem respeito ao

cerne da controvérsia (interpretação da legislação aplicável para definição do status

jurídico do Porto de Suape). Também são irrelevantes partes das peças apresentadas pela

Antaq, que também fogem ao campo de discussão próprio da reclamação.

De qualquer sorte, com essas considerações, voto pela procedência da reclamação,

para afirmar a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar a ação (nos termos

do art. 102, I, f, da Constituição). Determino a remessa, a esta Corte, dos autos da Ação

Ordinária 2003.83.00.018529-3, que se encontram na 3ª Vara da Justiça Federal, no

estado de Pernambuco, tornando sem efeito os atos decisórios proferidos naquele

Juízo, sem prejuízo de posterior análise, por este Tribunal, dos pedidos deduzidos na

ação. Em conseqüência, fica prejudicado o agravo regimental interposto pelo Estado de

Pernambuco e pela empresa pública Suape.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, acompanho o voto do eminente

Ministro Relator. Trata-se de serviço público de competência da União e vejo interesse

suficiente para que o caso seja trazido a esta Corte.

Dou provimento à reclamação.

EXTRATO DA ATA

Rcl 2.549/PE — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Reclamante: Agência

Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ (Advogados: José Maria de Santa Cruz

Oliveira e outros). Reclamado: Relator do AI n. 52.047 do Tribunal Regional Federal da

5ª Região. Interessados: Estado de Pernambuco e outros (Advogados: PGE/PE –

Francisco dos Anjos Bandeira de Mello e Benjamin Galloti Beserra).

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Decisão: Após os votos dos Ministros Joaquim Barbosa (Relator) e Eros Grau,julgando procedente a reclamação, pediu vista dos autos o Ministro Carlos Britto.Falaram, pela reclamante, o Dr. Vilmar Rego Oliveira, Procurador Federal, e, pelo Estado

de Pernambuco, o Dr. Sérgio Augusto Santana Silva. Ausentes, justificadamente, osMinistros Nelson Jobim (Presidente), Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidência daMinistra Ellen Gracie (Vice-Presidente).

Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão osMinistros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Cezar Peluso, CarlosBritto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. AntonioFernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 19 de maio de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Por haver pedido vista do processo, trago àlúcida apreciação dos meus dignos Pares o voto que adiante verbalizo.

2. Trata-se de reclamação, manejada pela Agência Nacional de Transportes Aqua-viários – ANTAQ, contra decisão proferida pelo Relator do AI 2003.05.00.028602-6/PE,que determinou o processamento da Ação Ordinária n. 2003.83.00.018529-3 perante a 3ªVara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco.

3. A reclamante sustenta que o Estado de Pernambuco e a empresa pública SUAPE –Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros ajuizaram ação ordinária emface da União e da Antaq, ação por meio da qual buscaram o enquadramento das instala-

ções do Porto de Suape como Terminal Portuário de Uso Misto, pugnando pelo afasta-mento da legislação aplicável àquele entreposto marítimo, aduzindo (fl. 03):

“(...) os investimentos realizados no Porto de Suape teriam sido viabilizadosexclusivamente através de recursos estaduais e que, por conseguinte, aquele termi-nal pertenceria ao Estado de Pernambuco e não à União, de tal sorte que suposta-mente não se enquadraria no conceito de Porto Organizado.

(...)”

4. Muito bem. Na Sessão Plenária do dia 19-5-2005, o Ministro Joaquim Barbosa

julgou procedente a reclamatória. E o fez porque divisou um litígio em gravidade sufi-

ciente para atrair a competência desta nossa Corte de Justiça, a teor da letra f do inciso Ido art. 102 da Constituição Federal de 1988, no que foi integralmente acompanhadopelo Ministro Eros Grau.

5. Esta é a sinopse da questão.

6. Passo ao voto. Fazendo-o, relembro que o debate jurídico a ser travado nestecaso deve limitar-se ao exame do acerto, ou não, da tese de que a competência destaSuprema Corte vem sendo usurpada pelo reclamado. Para tanto, importa saber se há, naespécie, um conflito capaz de fragilizar os laços que prendem entre si as pessoas políticas

que se integram na Federação brasileira.

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7. Assim delimitado o objeto da presente reclamação, também relembro que a açãoordinária proposta na 3ª Vara da Seção Judiciária Federal de Pernambuco questiona aclassificação dada ao Porto de Suape pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários –ANTAQ, classificação que, no entender dos autores do pré-falado processo, desrespeita asdeterminações das Leis federais n. 8.630/93 e 10.233/01 (Lei dos Portos e Lei daAntaq, respectivamente). Donde pleitearem os requerentes “a caracterização das Insta-lações Portuárias de Suape como Terminal Privativo de Uso Misto (...)” (fl. 63).

8. Por esse retrospecto do feito, vê-se que o litígio se dá quanto ao modo de enqua-drar as coisas no exclusivo âmbito de leis ordinárias: as Leis federais n. 8.630/93 e10.233/01. É dizer: não se dissente quanto à interpretação e à aplicabilidade de nenhumdispositivo de índole constitucional, nem mesmo quanto à competência da União paraexplorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os portosmarítimos; b) os serviços de transporte aquaviário entre portos brasileiros e fronteirasnacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território (alíneas d e f do incisoXII do art. 21 da CF). Além disso, o caso está entregue à jurisdição federal, que é ainstância natural — falemos assim — de resolução dos conflitos em que há interesse daUnião e dos seus personalizados desdobramentos administrativos (inciso I do art. 109 daCarta Republicana) — aquela instância judicante em que a própria Antaq por certo sesente mais à vontade do que se estivesse a litigar perante a justiça pernambucana.

9. Acresce que não é qualquer dissenso endo-federativo que atrai para si a compe-tência judicante desta Suprema Corte de Justiça. Para que essa atração de competênciaocorra, é preciso que o litígio comprometa a firmeza dos laços que vinculam uma pessoafederada a outra. Logo, um tipo especialmente grave de dissenso, porque fragilizador daidéia central de que hão de conviver em harmonia a inteireza do todo federal e a indivi-dualizada autonomia das partes componenciais desse todo. É o que se tem chamado deunidade na pluralidade, trava-mestra de toda a arquitetura jurídica em que a Federaçãoconsiste. Este, aliás, o claro sentido da jurisprudência desta nossa Corte de Justiça,segundo a qual a competência estabelecida no art. 102, I, f, da Lei das Leis se restringe“às hipóteses de litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar os valoresque informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pactoda Federação” (ACO 359, Rel. Min. Celso de Mello).

10. Esse estado de temerária ofensa à integridade dos liames federativos se dá,assim penso, naquelas situações em que o objeto do conflito transpõe a simplesdimensão de um localizado interesse para alcançar o patamar de uma predisposiçãomaior: a predisposição para litigar a propósito de tudo o mais. Uma espécie degeneralizada animosidade ou clima de permanente confronto entre unidades políticas(ou simplesmente administrativas), a ganhar contornos de briga pessoal; quer dizer, atransformar saudáveis e episódicas divergências de interesses em radicais e contumazesdivergências de posições axiológicas. Logo, o que se alça à perigosa dimensão deconflito federativo é aquele que já não se dá pela concreção desse ou daqueleparticularizado interesse (juridicamente protegido, é certo), mas pela realização de“valores sensíveis” que a própria Constituição Federal consagra. Verbi gratia, osprefigurados no inciso VII do art. 34, a saber: forma republicana, sistema representativoe regime democrático; direitos da pessoa humana; autonomia municipal; prestação decontas da administração pública, direta e indireta; e aplicação do mínimo exigido da

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receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, namanutenção e no desenvolvimento do ensino e dos serviços públicos de saúde. Aí, sim,cuidando-se de velar pela efetivação de normas que veiculam princípios constitucionaisde entranhado relacionamento endo-federativo, a sua eventual lesividade abala osalicerces de todo o complexo edifício da forma federativa de Estado, essa altissonantecláusula pétrea (inciso I do § 4º do art. 60). E o que já se tem, noutros termos, é um dissensofederativamente irradiante, pois a decisão judicial que se proferir na causa repercute paraalém da subjetividade das pessoas políticas ou administrativas em concreto litígio.

11. No caso dos autos, conforme visto, nem sequer é discutida a competência daUnião para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a)os portos marítimos; b) os serviços de transporte aquaviário entre portos brasileiros efronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território (alíneas d ef do inciso XII do art. 21 da CF). O que se tem é algo bem mais simples, que, por um lado,não se dota de conflituosidade estatalmente irradiante; por outro, em nada tem afetado obom nível das relações cotidianamente travadas entre a União e o Estado de Pernambuco.Não tem, aliás, sequer afetado o corriqueiro funcionamento do Porto de Suape, pois nãohá a menor notícia de embaraços causados aos usuários dessa unidade prestadora deserviço público, por efeito, justamente, da atual controvérsia.

12. A reforçar este meu ponto de vista, Senhor Presidente, remarco alguns trechosdo memorial que me foi encaminhado pela Procuradoria Federal junto a Antaq, dosquais se extrai que a natureza da contenda sub judice é meramente técnico-operacionale patrimonial. Confira-se:

“19. Há uma nítida distinção entre Porto organizado (público) e TerminalPrivativos Misto. O primeiro tem sua atividade voltada para o público em geral.Submete-se a regras mais rígidas, como ter Conselho de Autoridade Portuária eÓrgão Gestor de Mão-de-obra, além de os bens aplicados nos serviços reverterem àUnião após o período da concessão. Já os investimentos nos terminais privativoscorrem por conta e risco do autorizado e os bens são de sua exclusiva propriedade,não revertendo para o poder concedente após o término da autorização (art. 6º; Lei8.630/93).

20. Nesse diapasão, considerando que o Porto de Suape foi idealizado paraser Porto Público, portanto de grande relevância para o desenvolvimento econô-mico do país, a União destinou grande soma de dinheiro e bens para viabilizar oempreendimento, sendo certo de que, ao término da concessão, conforme previstoem lei, esses recursos deveriam voltar ao patrimônio público federal (art. 4º, § 2º,VII; Lei 8.630-93).

(...)”

13. Longe de mim a pretensão de esgotar o tema, querendo avançar todas as hipó-teses de atração da competência desta Suprema Corte, a teor da alínea f do inciso I do art.102 da Carta Federal. Entretanto, a fundamentação até aqui desenvolvida é suficientepara me fazer votar pela improcedência da reclamação. Isso, óbvio, debaixo das vêniasde estilo e sobre-estilo aos Ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau, que votaram pelaprocedência do pedido.

14. É como voto.

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VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, Srs. Ministros, o emi-nente Ministro Joaquim Barbosa generosamente emprestou-me o seu voto para que eupudesse inteirar-me do entendimento de S. Exa., e, também, ouvi, com muita atenção, ovoto do eminente Ministro Carlos Britto, de maneira que estou preparado para votar.Não vou pedir vista.

Peço vênia, no entanto, para discordar do voto do Ministro Relator, porque en-tendo — com todo o respeito — que o art. 102, inciso I, alínea f, só pode atrair ajurisdição do colendo Supremo Tribunal Federal quando estiver, realmente, em causa, opacto federativo, quando se encontra em causa aquele delicado equilíbrio entre as forçascentrífugas e centrípetas sobre o qual se assenta a Federação, forças desagregadoras deum lado, forças centralizadoras de outro, e, data venia, não me parece que seja este ocaso sob análise. É uma questão relativamente menor, que não coloca em xeque esteequilíbrio federativo, porque o Estado de Pernambuco, a empresa estadual Suape,apenas pede uma tutela jurisdicional para que seja esclarecida a natureza jurídica, oenquadramento jurídico a que o porto — um terminal privativo de uso misto — entendefazer jus.

Portanto, na esteira do voto do eminente Ministro Carlos Britto, julgo improce-dente a reclamação.

DEBATE

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas não está em causa, pareceu-me, no voto deVossa Excelência, que o próprio acervo patrimonial desse Porto, conforme o regimejurídico, reverte à União ou não?

O Sr. Ministro Carlos Britto: No fundo, acho que é isso mesmo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aí vejo que, na verdade, embora personalizadaa sua atividade por essa agência, Antaq, está em disputa um problema sério entre a Uniãoe o Estado. A União pretende que o Porto seja federal; extinta a concessão, reverterá aopatrimônio federal toda a sua instalação; e o Estado de Pernambuco, ao contrário. Então,é difícil deixar de ver que, substancialmente, há um conflito entre a União e o Estado.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Excelência, a questão de direito se trava à luz dalegislação federal.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, Ministro, mas, quando a União comparecediretamente, aí não discutimos qual o assunto. União versus Estado é sempre da nossacompetência. Pergunto: o conflito substancial subjacente a este processo entre umaautarquia federal e o Estado de Pernambuco diz respeito à própria dominialidade destePorto?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Diz respeito à classificação jurídica do Porto.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, envolve isso. Colhi do voto de VossaExcelência, e o Ministro Relator confirma.

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Controvérsia aparente sobre o regime jurídico do Porto passa por uma questãoprejudicial: o domínio do Porto.

E aí é entre a União e o Estado. A Antaq é mero agente da União.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas o litígio está sob a jurisdição federal; não éestadual.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas, se a União e o Estado discutem o domíniode uma gleba perdida no interior do país, abertamente, a nossa competência é absoluta.

Este problema do chamado pacto federativo, data venia, conforme a eloqüência decerta jurisprudência defensiva, parece que reserva a competência originária do SupremoTribunal a casos de guerra civil.

Como se iniciou esta jurisprudência do Supremo Tribunal? Era uma empresa pú-blica, Eletrobrás, cobrando tarifas do Estado de São Paulo; ou o Banco do Estado de SãoPaulo cobrando empréstimos que tinha feito ao Estado do Maranhão. Em casos tais é quese firmou que isso não tem nada a ver com o papel de árbitro da Federação do SupremoTribunal.

Eu não tenho nenhum entusiasmo por essa competência originária do SupremoTribunal. Cheguei, nas discussões de que participei junto a Comissões da Constituinte,a sustentar que isso ficaria muito bem aos nossos ilustríssimos Colegas do SuperiorTribunal de Justiça, salvo se houvesse realmente — aí, sim — um conflito constitucional.Mas o Supremo se opôs.

Agora, não nos podemos demitir da competência constitucional pela simplescircunstância de, no caso, ser uma autarquia, e não a União, que está discutindo sobre seum imenso empreendimento — que é o Porto de Suape, o Complexo Portuário de Suape —é de domínio federal ou de domínio estadual.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Entendo que a causa está entregue à Justiça Federal.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, então vamos dizer que conflitos entrea União e os Estados não são da competência do Supremo, salvo que nós entendemos queé muito importante.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não, e sem a dimensão suficiente para esgarçar oslaços federativos, mas respeito o ponto de vista contrário.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, com o devido respeito à diver-gência, acompanho o eminente Relator.

Julgo procedente.

VOTO (Aditamento)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, peço a palavra apenaspara justificar e complementar o meu ponto de vista, inclusive como noviço neste colendoPlenário.

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Venho observando o Supremo Tribunal das instâncias inferiores e sempre mepreocupou essa ampliação de competência do Supremo.

Realmente, a minha intervenção foi no sentido de restringir um pouco essa compe-tência neste caso concreto, que me pareceu poder ser relegado à Justiça Federal comum,de modo a que este processo pudesse vir a esta Corte dentro da sua via normal, para serapreciado até em sede de recurso extraordinário.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, há uma peculiaridade: quemreclama a competência do Supremo é a autarquia federal e não o Estado-Membro —autarquia federal que tem como foro a Justiça Federal de primeira instância. E é umaautarquia-agência.

A lide não envolve a União e o Estado-Membro. Este, acreditando, até mesmo, naatuação da Justiça Federal, aponta que não ocorre conflito capaz de atrair a competênciado Supremo, de colocar em risco as relações políticas dos entes da Federação, da Uniãoe dos Estados.

Peço vênia ao Relator para acompanhar a dissidência, a partir das premissas fáticasdo parecer da Procuradoria-Geral da República. Há autorização sendo observada paraque o Estado explore o porto presente na respectiva área geográfica.

Surgiu um questionamento — se o Estado deve explorar o porto diretamente, osterminais. Quanto a estes, existem neles construções, inclusive, implementadas por par-ticulares.

Entendo que o Pacto Federativo não corre risco algum e que se deve aguardar atramitação do processo que está na Justiça Federal, e não na estadual, chegando-se, se foro caso, via recurso extraordinário, ao Supremo.

Por isso, acompanho o Ministro Carlos Ayres Britto, julgando improcedente opedido formulado.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhora Presidente, só um esclareci-mento.

O Ministro Marco Aurélio fez referência ao fato de que o litígio se trava entre umaautarquia e o Estado de Pernambuco.

Lembrei-me de um detalhe. Quando o processo se iniciou, em Pernambuco, orepresentante da União no Estado manifestou-se no sentido de que a União não tinhanenhum interesse nele. Contudo, quando o processo chegou aqui, o Advogado-Geral daUnião manifestou-se expressamente, dizendo que a União evidentemente tem interessena ação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mais uma razão. O que existe é a tentativa daagência de impor certa disciplina ao Estado de Pernambuco, que explora o porto a partirde autorização.

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O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas ela tem competência para isso. Elaé o braço da União para isso. Ela foi criada com essa finalidade.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Se, sempre que houver conflito envolvendo umaagência e um Estado — e as agências estão em moda, inclusive aquelas criadas por leiordinária, não apenas pela Constituição — ocorrer esse deslocamento para o Supremo,ficaremos, mais ainda, sobrecarregados.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Senhora Presidente, entendo que este litígio traduz,claramente, a existência de um conflito de interesses cuja substância, em última análise,reflete a discussão em torno do regime de dominialidade pública da União sobre bens erecursos federais que, alegadamente, teriam sido objeto de apropriação, ora contestada,pelo Estado de Pernambuco.

A situação de antagonismo em referência põe em confronto interesses contrastantes,titularizados, de um lado, pela União Federal, e, de outro, por uma unidade da Federação,o Estado de Pernambuco. Este caso faz instaurar, a meu juízo, um conflito que, em tese,mostra-se apto a romper a harmonia que deve prevalecer, no plano da Federação, entre aspessoas políticas que a compõem. Daí a necessidade de atuação do Supremo TribunalFederal, em sua posição eminente de Tribunal da Federação.

Essa relação de antagonismo, em conseqüência, deve merecer apreciação originá-ria por parte desta Suprema Corte, e não por órgãos do Poder Judiciário vinculados, querao Estado-Membro, quer à própria União Federal.

Por isso, e pedindo vênia, acompanho o voto do eminente Ministro Relator.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, o Ministro Celso de Mello faloubem: há um conflito de interesses — palavras de S. Exa. —, mas estou fazendo a distin-ção entre conflito de interesses e conflito de valores, pois que em valores é que assentaa idéia de Federação.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Abstraída toda a riqueza de discussão, na espé-cie, sobre o regime de porto, se houvesse um armazém lá, e a União dissesse: ele é meu,e o Estado dissesse: não, ele é pernambucano, a competência do Supremo seria indiscu-tível. A redução teleológica que a jurisprudência estabeleceu não abrange a relaçãoprocessual constituída entre a União e o Estado, mas apenas a que oponha a União eentidade personalizada, descentralizada do Estado, ou vice-versa, o Estado versus autar-quia ou entidade da administração indireta federal.

Construiu-se essa redução em casos paradigmáticos da desimportância: Furnasversus Cesp — Ação Cível Originária n. 396 —, cobrança de tarifas; execução patrimo-nial: Banco do Estado de São Paulo versus Estado do Maranhão, é fiador; cobrança deuma fundação estadual contra uma fundação federal etc.

Agora, sobre domínio de terras públicas, afirmou-se a competência do Supremo.

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Reconhecemos também a competência do Supremo Tribunal Federal no dissensosobre o poder da União ou do Estado para autorizar um curso superior privado, emboraa União não fosse parte.

Realmente, por detrás dessa discussão sobre a classificação desse porto, há um con-flito dominial sobre o próprio porto. Negar que há um conflito entre a União e o Estadoaqui! E o Ministro Joaquim Barbosa foi interrompido no seu esclarecimento, mas nãohouve manifestação anterior do Advogado da União, em Pernambuco, dizendo que aUnião não tinha nenhum interesse. O Advogado-Geral da União veio aqui para manifestar,solenemente, o interesse da União nisso. Não faço a menor idéia de quem tenha razão. Masnegar que isso seja um conflito entre a União e o Estado, não posso.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Que há o conflito, há; agora, valores federativos nãoestão em jogo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Onde está na Constituição isso, Ministro?

Se fosse a disputa sobre um prédio qualquer, nossa competência seria indiscutível,bastava que a União fosse parte. Aqui, em matéria portuária, criou-se uma agênciafederal...

O Sr. Ministro Celso de Mello: Esse conflito, na verdade, ofende, sim, um valoressencial ao pacto da Federação e que consiste na preservação da harmonia entre asentidades políticas que a integram.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Até porque, se formos reduzir o problema de ordempatrimonial a uma extensão física, então teremos dificuldades graves. Se um Estadoresolver vindicar imenso território de outro, vamos dizer que é mera questão patrimonial?

O Sr. Ministro Carlos Britto: A própria Constituição se encarrega de dizer, noinciso VII do art. 34, o que se pode compreender como valores sensíveis, em termosfederativos. E ela diz os valores: forma republicana, sistema representativo, autonomiamunicipal...

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas isso é para intervenção, não queremosintervir no Estado...

O Sr. Ministro Carlos Britto: É o paradigma temático, conceitual. Estou dizendoque há um paradigma conceitual a partir da Constituição. Direitos da pessoa humana,autonomia municipal..., e nada disso está em jogo.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O instituto é diferente. É outro instituto, mais grave:o da intervenção.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Julgo procedente a reclamação.

VOTO (Confirmação)

O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Senhora Presidente, peço vênia mais umavez, pois sei que, talvez, do ponto de vista regimental, não me poderia manifestar nova-mente, mas, como foi reaberta a discussão, acho importante aqui a minha participação.

O eminente Ministro Carlos Britto está ressaltando no seu aparte; e a mim meparece que se trata de circunscrever o alcance desse dispositivo constitucional, porque a

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competência originária do Supremo Tribunal Federal é nobilíssima, é excepcional, nomeu ponto de vista. Realmente, o que aconteceu hoje no Plenário foi o seguinte: amaioria dos Ministros entende que, neste caso concreto, estabeleceu-se um conflito detal ordem que há uma relevância federativa, e outros Ministros discordaram.

Neste ponto, peço vênia para posicionar-me ao lado do eminente Ministro CarlosBritto, em que pesem todas as outras manifestações. Penso que a incidência deste dispo-sitivo deve circunscrever-se, limitar-se, a situações excepcionalíssimas, que não vi, datavenia, concretizadas neste caso específico.

Apenas isso!

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Tenho voto na matéria.

Também, com vênia dos que pensam diversamente, dou pela procedência dareclamação. Entendo que, no caso, esta Agência, a Antaq, é apenas uma pessoa interpostaaos significativos interesses patrimoniais da União Federal, representados por essa obrade infra-estrutura gigantesca, que é o Porto de Suape.

De modo que, também, me alinho ao voto do eminente Ministro Relator para darprocedência à reclamação.

EXTRATO DA ATA

Rcl 2.549/PE — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Reclamante: AgênciaNacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ (Advogados: José Maria de Santa CruzOliveira e outros). Reclamado: Relator do AI n. 52.047 do Tribunal Regional Federal da5ª Região. Interessados: Estado de Pernambuco e outros (Advogados: PGE/PE –Francisco dos Anjos Bandeira de Mello e Benjamin Galloti Beserra).

Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Carlos Britto, justificadamente,nos termos do § 1º do artigo 1º da Resolução n. 278, de 15 de dezembro de 2003.Presidência do Ministro Nelson Jobim. Plenário, 15-6-2005.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente a reclamação, nos termos dovoto do Relator, vencidos os Ministros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e MarcoAurélio, que a julgavam improcedente. Votou a Presidente. Ausentes, justificadamente,neste julgamento, os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, sendo que este últimoproferira voto anteriormente. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente no exercício da Presidência).

Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão osMinistros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, CezarPeluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 30 de março de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADE 2.645 — TO

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence

Requerente: Partido Popular Socialista — Requeridos: Governador do Estado doTocantins e Assembléia Legislativa do Estado do Tocantins

I - Ação direta de inconstitucionalidade da parte final do art. 170 daLei estadual 1.284/TO, de 17-12-01 — Lei Orgânica do Tribunal de Contasdo Estado: inadmissibilidade, dado que, em tese, a inconstitucionalidadeparcial argüida imporia a declaração de invalidade da lei em extensãomaior do que a pedida.

II - Ação direta de inconstitucionalidade parcial: incindibilidade docontexto do diploma legal: impossibilidade jurídica.

1. Da declaração de inconstitucionalidade adstrita à regra deaproveitamento automático decorreria, com a subsistência da parteinicial do art. 170, a inversão do sentido inequívoco do pertinenteconjunto normativo da Lei 1.284/01: a disponibilidade dos ocupantes doscargos extintos — que a lei quis beneficiar com o aproveitamentoautomático — e, com essa disponibilidade, a drástica conseqüência — nãopretendida pela lei benéfica — de reduzir-lhes a remuneração na razãodo tempo de serviço público, imposta por força do novo teor ditado pelaEC 19/98 ao art. 41, § 3º, da Constituição da República.

2. Essa inversão do sentido inequívoco da lei — de modo a fazê-laprejudicial àqueles que só pretendeu beneficiar — subverte a função que opoder concentrado de controle abstrato de constitucionalidade de normasoutorga ao Supremo Tribunal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, nãoconhecer da ação intentada, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 11 de novembro de 2004 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O PPS – Partido Popular Socialista propõe açãodireta de inconstitucionalidade, com pedido de suspensão cautelar, da parte final do art.170 da Lei estadual 1.284/TO, de 17-12-01 — Lei Orgânica do Tribunal de Contas doEstado, cujo teor é o seguinte:

“Artigo 170: Ficam extintos os cargos de Auditor Adjunto e de ProcuradorAdjunto, seus atuais ocupantes colocados em disponibilidade remunerada e,automaticamente, aproveitados nos correspondentes cargos de Auditor e Pro-curador de Contas, respectivamente, quando houver vaga.”

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Aduz a petição inicial:

“Aos cargos de Auditor e membros do Ministério Público dos Tribunais deContas, a Constituição Federal assegura regime jurídico diferenciado dos demaisservidores, máxime garantias, impedimentos, direitos, vedações e forma de inves-tidura, nestes termos:

Artigo 73, § 4º: ‘O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as

mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das

demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.’

Artigo 130: ‘Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais

de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, veda-

ções e forma de investidura.’

Destarte, a investidura nas carreiras da Auditoria e Procuradoria dos Tribunaisde Contas somente pode ocorrer pela via estreita do concurso público de provas etítulos com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil — artigos 73, § 4ºc/c 93, I e 130 c/c 129, § 3º, além da própria Lei Estadual n. 1.284, ora atacada, que

estabelece:

Artigo 140: ‘Os Auditores do Tribunal de Contas, em número de qua-torze, são nomeados pelo Presidente do Tribunal, dentre cidadãos de condu-tas ilibada, portadores de diplomas de bacharel em direito, engenharia, ciên-cias contábeis, ciências econômicas ou de administração.’

Parágrafo 1º: ‘O ingresso no cargo far-se-á mediante concurso público deprovas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do

Brasil — Seccional do Tocantins — em sua realização e, observada, nas

nomeações, a ordem de classificação.’

Artigo 144: ‘O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, ao

qual se aplicam os princípios institucionais da unidade, da indivisibilida-

de e da independência funcional, compõem-se de 14 (quatorze) Procura-

dores de Contas, nomeados pelo Presidente do Tribunal, dentre brasilei-

ros bacharéis em direito, mediante concurso público de provas e títulos,

assegurada em sua realização a participação da Ordem dos Advogados

do Brasil — Seccional do Tocantins — e, nas nomeações, observada a

ordem de classificação.’

Esta nova Lei Orgânica vergastada destoou da citada norma constitucional eelementar do Concurso Público, por abrir, ao final, a porta da carreira de car-

gos vitalícios aos servidores ‘Auditores-Adjuntos’ e ‘Procuradores-Adjuntos’,

pela via oblíqua do aproveitamento (artigo 170 acima citado), em carreira

diversa da que originalmente se investiram, contrariando assim o princípio do

concurso público de provas e títulos, constante do artigo 37, II, da ConstituiçãoFederal, além das específicas normas da magistratura, artigos 73 § 4º e 93 e doMinistério Público, artigos 130 e 128, a eles respectivamente aplicáveis e o artigo41, § 3º, direcionado a servidores estáveis e a não vitalícios.”

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Nesse sentido — da inaplicabilidade do art. 41, § 3º, da Constituição para aprovei-tamento de servidores estáveis em disponibilidade em cargos vitalícios —, invoca-se adecisão do Supremo no RE 164.817, além dos acórdãos que lastrearam a jurisprudênciaassente do Tribunal no sentido da inadmissibilidade, sob a Constituição vigente, dainvestidura do servidor em carreira diversa do cargo em que tenha sido admitido, sejapor ascensão, acesso, transferência ou aproveitamento.

Noticia-se mais, que os cargos de Auditor Adjunto e Procurador Adjunto do Tribunalde Contas, por lei anterior, já haviam sido declarados “extintos, quando vagassem” (Leiestadual 846/96, art. 91).

“Agora” — acentua o argüente —, “tais servidores foram guindados a cargos deregimes jurídicos diversos, após manobra de elevação desproporcional do número devagas destes cargos de 7 para 14, o que é incomum nos Tribunais de Contas da nação,que quando muito igualam o número de vagas dos cargos de Procuradores e Auditoresàs sete vagas de Conselheiros, estipuladas pelo artigo 75 da Constituição Federal, oque não é mera coincidência nem fundamento desta ação, mas revela flagrante incons-titucionalidade de privilégios a ocupantes de cargos há muito extintos.”

Para fundar o pedido de medida cautelar, argumenta-se:

“O inconstitucional dispositivo está na iminência de causar irreparáveisdanos às finanças públicas. O fundado receio se justifica no fato de que osbeneficiados foram transversal e velozmente guindados para cargos de Auditor eProcurador, conforme Portaria n. 11, de 10.01.2002, publicada no Diário Oficial n.1.127 (cópias autênticas em anexo), e com fundamento no artigo 41, § 3º da CF,com grande possibilidade de ocasionar irremediáveis danos ao erário acaso oprovimento vier somente ao final, sobretudo porque foram estendidos direitos evantagens, retroativos” (...) a 17-12-01, data da lei.

Tanto as informações da Assembléia Legislativa (fl. 67), quanto as do Sr. Governadordo Estado (fl. 157) suscitam preliminarmente a inadmissibilidade, no caso, do pedido deinconstitucionalidade parcial, restrita à parte final do art. 170 da Lei estadual 1.284/01,porque incindível da primeira — a que extingue os cargos de Auditor Adjunto e Procura-dor Adjunto, que não seria prescrita, não fora o aproveitamento dos seus titulares.

Quanto ao mérito, sustentam ambas as informações a inexistência da inconsti-tucionalidade, na medida em que os cargos de Adjunto compunham carreiras com aquelesem que aproveitados.

Extrato das informações da Assembléia Legislativa — fl. 69:

“Os cargos de Auditor e de Auditor Adjunto do Tribunal de Contas do Estadodo Tocantins foram criados pela Lei Estadual n. 152, de 19-6-90, que os escalonouna carreira de Auditoria, com atribuições idênticas ou assemelhadas, distintas noAnexo I desse diploma. Ao Auditor Adjunto assegurou-se a promoção ao cargo deAuditor (Subanexos 22, 23, 24 e 25 do citado diploma legal).

A Lei Estadual n. 230, de 18.12.90 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas doTocantins), passou a designar os Auditores Adjuntos de Auditores Substitutos,estabelecendo suas atribuições (art. 78, parágrafo 2º). A promoção do AuditorSubstituto ao cargo de Auditor foi também prevista no art. 8º, VII, do RegimentoInterno do Tribunal (Resolução n. 8, de 15.12.93).

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Os cargos de Procurador de Contas e de Procurador Adjunto, por igual, foram

criados através da Lei n. 152, de 1990, como integrantes da Procuradoria de Con-

tas, à semelhança do que ocorria no sistema federal, que inseriu na Procuradoria do

Tribunal de Contas da União as categorias de Procurador de Contas e de Subpro-

curador-Geral de Contas.

O art. 85 da Lei Estadual n. 230, de 1990, dispôs que o Ministério Público

junto ao Tribunal de Contas é composto de 07 (sete) Procuradores de Contas e de

igual número de Procuradores Adjuntos. E o parágrafo quarto desse artigo dispôs:

‘Os procuradores de Contas terão as mesmas garantias, vencimentos e

impedimentos dos Procuradores de Justiça e os Procuradores Adjuntos terão

equivalência aos Promotores de 3ª Entrância’.

Por outro lado, as duas categorias exerciam as atribuições estabelecidas para

o Procurador-Geral de Contas, dentre outras, a defesa da ordem jurídica, a atuação

nas sessões do Tribunal e a interposição de recursos (Lei n. 230/90, art. 86), por

delegação do Chefe do Ministério Público, como estabelecido no art. 87 do

mesmo diploma legal, verbis:

‘Art. 87. Aos Procuradores de Contas e Procuradores Adjuntos compete,

por delegação do Procurador-Geral, exercer as funções previstas no artigo

anterior’.

O Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado do Tocantins (Resolu-

ção n. 8/93), no art. 106, parágrafo segundo, dispunha que os cargos de Procurador de

Contas deveriam ser preenchidos mediante promoção dos Procuradores Adjuntos.

A Lei Estadual n. 816, de 11.1.96, declarou a extinção desses cargos e deter-

minou fossem colocados em disponibilidade, mas a Lei n. 842, de 13.6.96, restabe-

leceu os cargos extintos.

Por último, foi editada a Lei n. 1284, de 17.12.2001, cujo art. 170, impugna-

do nesta ação direta, declarou extintos os cargos de Auditor Adjunto e de Procura-

dor Adjunto e o aproveitamento de seus acupantes nos cargos de Auditor e de

Procurador de Contas, respectivamente, quando houver vaga.

Vê-se, portanto, que os Auditores Adjuntos e Procuradores Adjuntos foram

nomeados para os cargos correspondentes após aprovação em concurso público de

provas e títulos, passando a exercer atividades idênticas ou assemelhadas às de

Auditor e de Procurador de Contas, respectivamente. Os primeiros foram escalona-

dos na carreira de Auditoria juntamente com os Auditores e os últimos integravam

o Ministério Público junto ao Tribunal, ao lado dos Procuradores de Contas.

Inexiste, portanto, incompatibilidade com o art. 37, II, da Constituição.”

Submeto ao Plenário a questão da admissibilidade da ação direta e o pedido de

medida cautelar.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não se pode negar o peso das obje-ções suscitadas pela argüição à admissibilidade do aproveitamento em cargo vitalíciodo servidor simplesmente estável posto em disponibilidade.

Parece intransponível, contudo, o obstáculo erigido por ambas as informações àviabilidade, no caso, da pleiteada declaração parcial de inconstitucionalidade do dis-positivo atacado.

É dogma tão vetusto quanto incontroverso que o órgão do controle judicial sódeclara a inconstitucionalidade parcial, se se pode presumir que o restante do contextonormativo — não inquinado do mesmo vício — teria sido editado sem a prescriçãoreputada incompatível com a Constituição.

“Essa doutrina da divisibilidade das leis” — mostrou o clássico Lúcio Bittencourt1,à luz das fontes pretorianas da construção do judicial review —, nos Estados Unidos, “éamplamente usada pelos tribunais, que, no particular, têm que proceder com certodiscricionarismo, principalmente no que toca à apreciação da vontade da legislaturaem manter, apenas, uma das partes do diploma. No caso de dúvida, porém, tem seentendido ser mais conveniente considerar ineficaz a lei inteira. Assim, por exemplo, odecidiu a Corte Suprema dos Estados Unidos, no caso Howard v. Illinois Central R.Co.2, em que um ato do Congresso, julgado inconstitucional quanto aos preceitosregulatórios das atividades comerciais restritas ao território dos Estados, foi tambémdeclarado inválido quanto ao comércio interestadual, apesar de ser, nesta parte, per-feitamente compatível com a Constituição. Houve, porém, dúvida sobre se o Congressodesejaria fazer essa distinção, que, prima facie, parecia injustificável.”

Também a “Corte de Wisconsin” — recordou — “ao apreciar a Constitucionali-dade de uma lei que anexou certo território à cidade de Racine, mas estabeleceu que oimposto sobre essas terras seria diferente e menor do que o fixado para as outras partesda cidade, entendeu que, sendo esta última disposição inconstitucional, toda a leideveria ser fulminada pela ineficácia, uma vez que a redução prevista constituía com-pensação pelo território anexado. Seria mesmo de presumir que a anexação não terialugar, sem a vantagem garantida.”

Assim pode proceder, de regra, o órgão judicial no controle concreto: porque neleo juiz pode atuar de ofício, fica à sua discrição demarcar a extensão material adequada àdeclaração incidental de inconstitucionalidade.

No controle abstrato, contudo, rege o princípio da inércia da jurisdição: por isso,nele, da impossibilidade, no contexto normativo considerado, da inconstitucionalidadeparcial objeto do pedido resulta a inadmissibilidade da ação direta, salvo as hipótesesda chamada “inconstitucionalidade por arrastamento”.

1 BITTENCOURT, C. A. Lúcio. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis. Forense,1949. p. 127.

2 207 US 463.

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Assim tem decidido o Tribunal iterativamente, sempre que verificada que, em tese,a inconstitucionalidade parcial argüida imporia declaração de invalidade da lei emextensão maior do que a pedida (v.g., ADIn 1.097, 14-3-96, Galvão, RTJ 160/131; ADIn1.502, 12-6-96, Galvão, Inf. STF 45; ADIn 1.443, 6-11-96, Pertence, Inf. STF 52; ADIn1.754, 12-3-98, Sanches (esp. Jobim e Pertence, RTJ 170/80).

A espécie reclama a mesma solução.

Que a extinção dos cargos de Auditor-Adjunto e Procurador-Adjunto do Tribunalde Contas só se prescreveu no art. 170 da Lei estadual 1.284/01 porque, no mesmodispositivo, se viabilizava o aproveitamento dos seus ocupantes nos cargos de Auditore Procurador, resulta patente, a meu ver, da sucessão de leis a respeito.

A Lei estadual 230/90 (fl. 80) previu a existência, na organização do Tribunal deContas do Estado, então instituído, de sete Auditores Substitutos (art. 80) e sete Procu-radores-Adjuntos (art. 84), providos os cargos mediante concurso público.

A segunda lei orgânica do Tribunal — Lei estadual 816, de 11-1-96 (fl. 141) —extinguiu, no art. 96, os cargos de Auditor-Adjunto e de Procurador-Adjunto, “ficandoos seus ocupantes em disponibilidade remunerada, até seu adequado aproveitamentoem outro cargo, nos termos do § 3º do art. 41, da Constituição Federal” (fl. 147).

Meses depois, entretanto, a terceira lei orgânica da instituição — Lei estadual 842,de 13-6-96 — recua da solução anterior para dispor, no art. 91, que os cargos referidosseriam extintos, quando vagassem, passando a integrar um quadro em extinção, “asse-gurados aos atuais ocupantes os direitos e vantagens previstos em lei” (fl. 155).

Chega-se, então, à quarta lei orgânica — a Lei 1.284/01 —, em se insere o art. 170,cuja primeira parte volta a extinguir os cargos de Auditor-Adjunto e Procurador-Adjunto,que diz em disponibilidade remunerada, mas cuja parte final — objeto exclusivo dapresente ação direta — declara-os “automaticamente aproveitados nos corresponden-tes cargos de Auditor e Procurador de Contas, respectivamente, quando houver vaga”.

Sucede que essa mesma Lei estadual 1.284/01 aumenta de sete para quatorze onúmero dos cargos de Auditor (art. 140, fl. 26) e de Procurador de Contas (art. 144, fl.27), de tal modo a assegurar imediatamente as vagas necessárias ao aproveitamentoautomático — prescrito no art. 170 — de todos os ocupantes dos cargos extintos.

É patente a incindibilidade do conjunto normativo: os cargos de adjunto só foramextintos — art. 170, primeira parte — porque a Lei estadual 1.284/01, que os extinguia —assegurava aos seus ocupantes o aproveitamento automático (art. 170, in fine) nas vagasnovas de Auditor e Procurador de Contas, que o mesmo diploma criou (arts. 140 e 144).

A conclusão é iniludível: no art. 170, a colocação em disponibilidade dos ocupantesdos cargos extintos de “adjuntos” é, no conjunto da lei considerada, uma prescriçãonatimorta, pois dela mesma já resultava o seu aproveitamento automático nas vagascriadas de Auditor e Procurador de Contas.

Não obstante, da pleiteada declaração de inconstitucionalidade adstrita à regra deaproveitamento automático decorreria, com a subsistência da parte inicial do art. 170, ainversão do sentido inequívoco do pertinente conjunto normativo da Lei 1.284/01: adisponibilidade dos ocupantes dos cargos extintos — que a lei quis beneficiar com o

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aproveitamento automático — e, com essa disponibilidade, a drástica conseqüência —obviamente não pretendida pela lei benéfica — de reduzir-lhes a remuneração na razãodo tempo de serviço público, imposta por força do novo teor, ditado pela EC 19/98, doart. 41, § 3º, da Constituição da República.

Essa inversão de fond en comble do sentido inequívoco da lei — de modo a fazê-laprejudicial àqueles que só pretendeu beneficiar — subverte a função de legislação ex-clusivamente negativa que o poder concentrado de controle abstrato de constituciona-lidade de normas outorga ao Tribunal.

Esse o quadro — sem adiantar qualquer juízo de legitimidade ética ou constitu-cional sobre o diploma legal em seu incindível contexto —, não conheço da ação direta,prejudicado o pedido cautelar: é o meu voto.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie Sr. Presidente, apenas para rememorar, a conclusão doeminente Ministro Relator é no sentido de não conhecer?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não conhecer a partir do dogma deque não se pode declarar inconstitucionalidade parcial, quando se altera o sentido docontexto normativo, total.

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Fica mantida, portanto, a redação do art. 170, quecontém duas normas: a distinção dos cargos e a de aproveitamento automático, que criaos outros cargos.

Sr. Presidente, para melhor reflexão, indagaria ao eminente Ministro Relator se S.Exa., efetivamente, considera impossível que se elimine da norma, pelo menos a parteque me parece flagrantemente inconstitucional, que é o aproveitamento automático,sem concurso público, em outro cargo, uma vez que, se mantida a primeira parte, ficamextintos os cargos e colocados em disponibilidade remunerada os seus atuais ocupantese, mantida, também, a outra norma constante da lei que criou novos cargos, poderásempre a administração, verificada a compatibilidade entre as funções de um e outrocargo, aproveitar esses funcionários colocados em disponibilidade.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Há uma única objeção constitucionalque considero séria: a constitucionalidade do aproveitamento automático é a conversãodo servidor estável numa função que tem regime de cargo vitalício.

O Sr. Ministro Moreira Alves: Pergunto o seguinte: também não se pode interpretarque o legislador partiu do princípio de que, colocados em disponibilidade, e tendo essescargos alguma vinculação ou estando dentro do âmbito que permita o aproveitamentodos disponíveis, ele não usou esse “automaticamente” justamente porque achou quenem havia necessidade dessa verificação? Daí a razão pela qual não vejo por que nãodevamos declarar inconstitucional o que é absolutamente inconstitucional, e se dermosoutra interpretação poderemos permitir a fraude.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): A conseqüência natural da extinção docargo é a disponibilidade.

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O Sr. Ministro Moreira Alves: Na disponibilidade, o servidor não perde, mas, pelocontrário, ganha, porque fica sem trabalhar.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): “Seu adequado aproveitamento emoutro cargo” seria o texto da Constituição Federal.

O Sr. Ministro Moreira Alves: Não é melhor partir da interpretação, que não leva àfraude, de que eles puseram esse “automático” no pressuposto de que havia o “adequadoaproveitamento”?

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): No caso, operaria a Constituição Federal.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Ela não teria efeito imediato algum,porque já existe o ato concreto de aproveitamento.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Operaria, de qualquer forma, a Consti-tuição Federal quanto à adequação no aproveitamento.

A Lei Maior preceitua:

“Art. 41.

§ 3º Extinto o cargo ou declarada sua desnecessidade, o servidor estávelficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, atéseu adequado aproveitamento em outro cargo.

Não seria automático.”

O Sr. Ministro Moreira Alves: Aí se transferiria isso para o terreno concreto, porqueassumiriam automaticamente a outra função. Conseqüentemente, não deve ter havidoprocesso algum; não foram colocados em disponibilidade, ou seja, saíram de um cargo eentraram em outro.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Considerou-se que estavam em dis-ponibilidade, conforme estabelece a lei.

O Sr. Ministro Moreira Alves: Tanto que não deve ter havido qualquer ato concreto,qualquer processo para se verificar se realmente havia.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Essa lei é sinal da modernidade, tudo éautomático.

O Sr. Ministro Moreira Alves: Há esta circunstância: podemos dar uma interpreta-ção, que me parece perfeitamente admissível, desde que haja adequação, sem versãofraudulenta. Agora, se a admitirmos partindo do princípio de que a presunção foi defraude, então...

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não é presunção de fraude, Excelência.

O Sr. Ministro Moreira Alves: Mais isso é fraude.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não quero falar em fraude, até porquea situação é muito peculiar.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Não houvesse a previsão final do artigo170, incidiria o texto constitucional no caso concreto.

O Sr. Ministro Moreira Alves: Perfeito. Caso a caso.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Não deixaria de existir o direito aoaproveitamento, desde que ocorrida a compatibilidade.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Se V. Exas. me permitirem, lerei à fl. 69:

“Os cargos de Auditor e de Auditor Adjunto do Tribunal de Contas do Estadode Tocantins foram criados pela Lei Estadual n. 152, em 19/06/90, que os escalo-nou na carreira de Auditoria, com atribuições idênticas ou assemelhadas, distintasno Anexo I desse diploma. (...) (lê fls. 69 a 71) (...) Os primeiros foram escalonadosna carreira de Auditores e os últimos integravam o Ministério Público junto aoTribunal de Contas, ao lado dos Procuradores de Contas.”

O Sr. Ministro Moreira Alves: Confere com a interpretação que já assentei. Ainterpretação é esta: que os cargos eram adequados e, conseqüentemente...

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Então, não há inconstitucionalidade.

O Sr. Ministro Moreira Alves: Há inconstitucionalidade, porque não pode ser auto-mático. Não pode a lei estabelecer que é adequado. Isso tem de ser feito em processoadministrativo próprio. Foi por isso que disse, nesse caso, que a interpretação dada e aque estou dando afastam o problema da fraude. Neste caso, declara-se inconstitucionalesse automatismo. A verificação tem de ser feita em processo, caso a caso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Não fosse essa junção, Vossa Excelênciasuspenderia?

O Sr. Ministro Moreira Alves: Sim.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Aí, pondo em dúvida todo esse con-junto de leis.

O Sr. Ministro Moreira Alves: Mas a interpretação que eles dão é essa.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): É uma carreira.

O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Auditor e Auditor-Adjunto. A Constituição Federalnão veda, em forma de carreira.

O Sr. Ministro Moreira Alves: Isso não é promoção.

O Sr. Ministro Ilmar Galvão: No lugar da promoção, foi feito o aproveitamento,quer dizer, uma promoção por via indireta.

O Sr. Ministro Moreira Alves: Não há promoção por aproveitamento. Isso é óbvio.

O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Sim, podia ser promoção, e por aproveitamento.

O Sr. Ministro Moreira Alves: Na realidade o que quiseram foi isso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Aqui é conseqüência da disponibilidade.

O Sr. Ministro Moreira Alves: É claro! Senão não colocaria em disponibilidade.

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, tenho um caso que apresenta seme-lhanças com o presente, que diz respeito a outro Estado da Federação, e, realmente,ficaram-me dúvidas da discussão surgida aqui no Plenário.

Por isso, peço vista dos autos.

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EXTRATO DA ATA

ADI 2.645-MC/TO — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Requerente: PartidoPopular Socialista (Advogado: Antonio Edimar Serpa Benício). Requeridos: Governa-dor do Estado do Tocantins e Assembléia Legislativa do Estado do Tocantins.

Decisão: Após o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, Relator, não conhecendoda ação intentada, pediu vista a Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, oMinistro Nelson Jobim. Presidência do Ministro Marco Aurélio.

Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros MoreiraAlves, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, IlmarGalvão, Maurício Corrêa e Ellen Gracie. Procurador-Geral da República, Dr. GeraldoBrindeiro.

Brasília, 19 de junho de 2002 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

VOTO (Vista)

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente,

1. Pedi vista dos autos desta ação direta para melhor exame da preliminar de conhe-cimento levantada pelo eminente Relator, Ministro Sepúlveda Pertence.

O Partido requerente pede a declaração de inconstitucionalidade da parte final doartigo 170 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Tocantins (Lei n. 1.284,de 17-12-2001). Reproduzo a íntegra do dispositivo citado, deixando em destaque otrecho impugnado (fl. 29):

“Art. 170. Ficam extintos os cargos de Auditor Adjunto e de ProcuradorAdjunto, seus atuais ocupantes colocados em disponibilidade remunerada e,automaticamente, aproveitados nos correspondentes cargos de Auditor e deProcurador de Contas, respectivamente, quando houver vaga.”

Em seu voto, o eminente Relator analisa, de forma conjugada, a parte atacada dopreceito em foco com o seu comando anterior, que determina a extinção dos cargos deAuditores e Procuradores Adjuntos e, ainda, com os artigos 140 e 144 do mesmo Diploma,que aumentam, com relação à legislação anterior, de sete para quatorze o número de cargosde Auditores e de Procuradores de Contas do referido Tribunal tocantinense.

Paralelamente, traça Sua Excelência um histórico da sucessão de leis editadasnaquele Estado a demonstrar uma forte ligação, pela vontade do legislador, entre o temada extinção dos referidos cargos com a sorte de seus atuais ocupantes.

Dessa forma, conclui:

“É patente a incindibilidade do conjunto normativo: os cargos de adjunto sóforam extintos — art. 170, primeira parte — porque a Lei estadual 1.284/01, que osextinguia — assegurava a seus ocupantes o aproveitamento automático (art. 170,in fine) nas vagas novas de Auditor e Procurador de Contas, que o mesmo diplomacriou (arts. 140 e 144).

(...)

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Não obstante, da pleiteada declaração de inconstitucionalidade adstrita àregra de aproveitamento automático decorreria, com a subsistência da parte inicialdo art. 170 a inversão do sentido inequívoco do pertinente conjunto normativo daLei 1.284/01: a disponibilidade dos ocupantes dos cargos extintos — que a leiquis beneficiar com o aproveitamento automático — e, com essa disponibilidade,a drástica conseqüência — obviamente não pretendida pela lei benéfica — dereduzir-lhes a remuneração na razão do tempo de serviço público, imposta porforça do novo teor, ditado pela EC 19/98, do art. 41, § 3º, da Constituição daRepública.

Essa inversão de fond en comble do sentido inequívoco da lei — de modo afazê-la prejudicial àqueles que só pretendeu beneficiar —, subverte a função delegislação exclusivamente negativa que o poder concentrado de controle abstratode constitucionalidade de normas outorga ao Tribunal.”

2. Conforme bem analisou o eminente Relator, a Lei n. 1.284/2001, do Estado doTocantins, ao contrário das leis orgânicas que a antecederam, não buscou a mera extin-ção dos cargos de Auditores e Procuradores-Adjuntos. Evidencia-se, no exame sistemá-tico das normas deste Diploma, um feixe indissociável de intenções do legislador, con-substanciadas (1) na extinção dos cargos de Adjuntos, (2) na criação de novas vagas deAuditores e de Procuradores e, por último, (3) na condução dos sete ocupantes doscargos extintos às exatas sete novas vagas criadas.

Diante desta vinculação finalística inarredável, mostra-se inadequada, para o fimde controle normativo abstrato, a impugnação isolada da parte final do art. 170 da Lei emexame, tendo-se em vista que a eventual procedência do pedido formulado modificaria,por completo, o sentido e o alcance do conjunto normativo estudado. Tal desvirtuamentofoi ressaltado no voto do eminente Relator, tendo advertido Sua Excelência que amanutenção da pura extinção de cargos transmudaria a presente Lei — no que concerneaos titulares dos cargos em debate — de benéfica, com o aproveitamento automático, emprejudicial, diante do que impõe o art. 41, § 3º, da CF.

Em situações como a presente, esta Casa, em homenagem ao princípio basilar daseparação de Poderes, não tem vacilado em considerar juridicamente impossível opedido incompleto de declaração de inconstitucionalidade. Dentre os vários preceden-tes, cito a ADI 896, DJ de 16-2-96, cuja ementa, da lavra do eminente Ministro MoreiraAlves, está assim redigida:

“(...)

Não só a Corte está restrita a examinar os dispositivos ou expressões delescuja inconstitucionalidade for argüida, mas também não pode ela declarar incons-titucionalidade parcial que mude o sentido e o alcance da norma impugnada(quando isso ocorre, a declaração de inconstitucionalidade tem de alcançar todo odispositivo), porquanto, se assim não fosse, a Corte se transformaria em legisladorpositivo, uma vez que, com a supressão da expressão atacada, estaria modificandoo sentido e o alcance da norma impugnada. E o controle de constitucionalidadedos atos normativos pelo Poder Judiciário só lhe permite agir como legisladornegativo.

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Em conseqüência, se uma das alternativas necessárias ao julgamento da pre-sente ação direta de inconstitucionalidade (a procedência dessa ação) não pode seracolhida por esta Corte, por não poder ela atuar como legislador positivo, o pedidode declaração de inconstitucionalidade como posto não atende a uma das condi-ções da ação direta, que é a da sua possibilidade jurídica.

(...)”

No mesmo sentido, destaco, ainda, trecho de voto proferido pelo eminente MinistroCelso de Mello, Relator da ADI 1.063-MC, DJ de 27-4-2001 (verbis):

“Não me parece lícito que o Supremo Tribunal Federal, no exercício de suajurisdição constitucional in abstracto, venha, a partir do eventual reconhecimento,em determinado preceito normativo, da inconstitucionalidade de certas expres-sões que lhe compõem a estrutura jurídica, a alterar, substancialmente, o conteúdomaterial da regra impugnada, modificando-lhe o sentido e elastecendo o âmbito desua incidência.”

Diante de todo o exposto, acompanho o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, enão conheço da presente ação direta de inconstitucionalidade.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vejo, Senhor Presidente, de início, o artigo 170 daLei n. 1.284 como a contemplar dois fatos distintos: o primeiro, a extinção, em si, doscargos de Auditor-Adjunto e de Procurador-Adjunto; o segundo, que é justamente oimpugnado na ação direta de inconstitucionalidade, o aproveitamento nos cargos deAuditor e Procurador de Contas, quando houver vaga.

Creio que não podemos, e é o meu convencimento, com a devida vênia, levar àsúltimas conseqüências — se há regência de matérias de temas diversos, pressupondo aíum elo entre as disposições — a necessidade de ataque conjunto dos dispositivos.

Por isso, e por estarmos também ainda apreciando a medida acauteladora pleiteada,peço vênia ao Relator para admitir a ação direta de inconstitucionalidade.

DEBATE

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aqui, Ministro, V. Exa. havia trazido sópara a cautelar?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): As informações já foram solicitadas.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Por que não julgamos logo?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Na verdade é questão de ordem;faltaria apenas ouvir o Advogado-Geral e o Procurador-Geral, mas, como a minha orien-tação seria a de não conhecer da ação direta, eu a trouxe logo, em questão de ordem.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O art. 170 tem dois enunciados: um é aextinção e o outro é a necessidade do aproveitamento. Nós estaríamos transformandouma norma condicional em uma norma única.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): E uma norma benéfica aos Auditorese Procuradores-Adjuntos, que o legislador não cogitou de subtrair do quadro do Tribunal,com a extinção de cargos e a disponibilidade, com vencimentos proporcionais.

Isso — cito os clássicos da jurisprudência americana — é usar a inconstitucionali-dade parcial para fazer uma lei que o legislador não quis fazer.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Claro, era só extinção, mesmo porqueuma legislação dessa natureza, extinta a última parte, estamos envolvendo uma criaçãoenorme de despesas que não seria compatível sistema orçamentário.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mais do que desnaturar a lei, nós estamos invertendoo sentido.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Uma norma benéfica que se podeconverter numa norma punitiva, sobretudo hoje, em que a disponibilidade é com venci-mentos proporcionais.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: É expressa essa proporcionalidade?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Disponibilidade remunerada. Seusatuais ocupantes colocaram em disponibilidade remunerada, e agora é proporcional.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Devemos reconhecer que esse dispositivo está apro-veitando, em carreiras diferentes, em cargos diferentes, sem concurso público.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Pelo que li, todos eles foram admitidos por concursopúblico.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Estou dizendo para os novos cargos de Auditor eProcurador de Contas.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Velloso, a decisão da Assem-bléia, conforme o próprio Relator referiu, é no sentido da extinção e do aproveitamento.Se não é possível aproveitar, eles poderiam não ter extinto, estabelecendo cargo emextinção: na medida em que fossem aposentando, iam-se extinguindo. Agora, aqui nósextinguimos os cargos, portanto inviabilizamos todo o quadro existente e deixamostodos em disponibilidade sem trabalhar.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim. Esta segunda parte é que me parece incons-titucional.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Mas, Ministro, data venia, a extinçãodos cargos foi apenas um mecanismo para implementar a segunda parte. Não se quisextinguir cargos na Procuradoria ou na Auditoria do Tribunal, mas, sim, que elespassassem automaticamente de Procurador-Adjunto a Procurador e de Auditor-Adjuntoa Auditor.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Esta é a questão que considero que afronta a Cons-tituição.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Os dois comandos do mesmo dispositivo, há duasnormas num só dispositivo. Os dois comandos estão logicamente imbricados.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Penso que o legislador estadual poderia extinguir.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Mas não quis extinguir. São cargosda mesma natureza com atribuições absolutamente assemelhadas. Ele não quis extin-gui-los, mas promover seus ocupantes ao padrão mais elevado.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Nós chegamos a declarar a inconstitucionalidadeaqui, tratando-se de cargos menores, por exemplo, Auxiliar Judiciário para TécnicoJudiciário. Então, pergunto: Auditor-Adjunto é o mesmo que Auditor? Auditor-Adjuntoé um auxiliar do Auditor. Outra coisa: Procurador-Adjunto é igual a Procurador deContas? Data venia, esses cargos são diferentes.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Ministro, eu não estou discutindo ainconstitucionalidade; não posso é criar uma lei, de acordo com o que V. Exa. deseja.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não estou criando lei, estou dizendo que o segundodispositivo é inconstitucional, o primeiro não.

O Sr. Ministro Carlos Britto: A interpretação lógica do dispositivo me parece aseguinte: ficam extintos os cargos de Auditor-Adjunto e de Procurador para o efeito de...

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Para que os seus ocupantes passem aProcurador e Auditor.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Pergunto: isso é possível?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Aí é outra coisa.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Só se pode impugnar a inconsti-tucionalidade da norma completa, porque ela é incindível.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: A inicial parece-me conter elementos no sentidode que esta segunda parte é inconstitucional. A primeira parte não considero inconsti-tucional. Estou, em princípio, considerando inconstitucional a segunda parte, por issoque se está conferindo cargos novos que parecem cargos de categoria superior àquelesque foram extintos. Vou ler o dispositivo:

“Ficam extintos os cargos de auditor adjunto e de procurador adjunto, seusatuais ocupantes colocados em disponibilidade remunerada”.

Agora vem a segunda parte:

“E automaticamente aproveitados nos correspondentes cargos de Auditor eProcurador de Contas, respectivamente, quando houver vaga”.

Esse o sentido lógico da lei.

Com esse ou com outro sentido, que só Deus sabe, o legislador deixou de informar.É inconstitucional, porque são carreiras diferentes.

O Sr. Ministro Carlos Britto: A carreira é a mesma, os cargos é que são diferentes;eles são escalonados na mesma carreira.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O problema não é esse. É que V. Exa. está tirando deuma norma que tem sentido unitário, pois não é possível dissociar a segunda cláusula danorma da primeira, porque eles estão colocando em disponibilidade e automaticamente.Se V. Exa. declarar parcialmente aqui, tal como foi pedido, cria-se outro tipo de norma:a que está extinguindo cargo e colocando todos em disponibilidade remunerada.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Eu acompanho o Ministro Pertence.

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O Sr. Ministro Carlos Velloso: Este Tribunal por mais de uma vez declarou incons-titucional. Fui Relator, relativamente ao cargo de Auditor nomeado sem concurso, parao Tribunal de Contas de Minas.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Ministro, isso não está em cogitação,mas sim que um é estável e o outro vitalício.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: O que vejo aqui é uma lei estadual extinguindo oscargos de Auditor-Adjunto e Procurador-Adjunto, aproveitando os seus ocupantes noscargos de Auditor e Procurador de Contas.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): V. Exa. acompanha a divergência?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: V. Exa. declararia a inconstitucionalidade dasegunda parte?

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Da segunda parte apenas. Da parte impugnada.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Esse é o argumento do Ministro Pertence, que dizque nesse caso cuida-se de fato de refazer um texto.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não. Aqui é retirar do texto o que parece inconstitu-cional.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Se não fosse a segunda parte, não teria optado pelaextinção.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Há uma extinção.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Mas é claro.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Quando a questão foi encetada, imaginei que setratasse de disposições autônomas que não foram impugnadas.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não vejo necessidade de extinguir os créditos, porquequerem transferir.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Acredito que ficam transformados nisso.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Cargo de Auditor que fica transformado em cargo deProcurador de Contas necessita de concurso público.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aqui estamos tratando de um status quese instalou em 1988, todos esses em forma de transição, ou seja, na época em que se criouo Tribunal de Contas, não havia hipótese alguma de fazer concurso público.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim, mas agora há.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Sim, mas o que vamos fazer agora?Vamos extinguir todo mundo, esse fica em disponibilidade, fica sem Auditor até que sefaça concurso? Foi isso que a Assembléia não quis.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Paciência. Não se pode legislar ao arrepio da Cons-tituição.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Marco Aurélio?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ministro Marco Aurélio admitia.

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O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Conhecia da ação? Sobre o mérito nãoemitiu juízo; só de iniciação, mesmo porque não teve o voto. V. Exa. conhece da ação?

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Também conheço, Presidente.

EXTRATO DA ATA

ADI 2.645-MC/TO — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Requerente: PartidoPopular Socialista (Advogado: Antonio Edimar Serpa Benício). Requeridos: Governadordo Estado do Tocantins e Assembléia Legislativa do Estado do Tocantins.

Decisão: O Tribunal, por maioria, não conheceu da ação intentada, nos termos dovoto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Velloso. Votou o Presi-dente, Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral daRepública, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 11 de novembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.931 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto

Requerente: Procurador-Geral da República — Requerida: Assembléia Legislativado Estado do Rio de Janeiro

Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 77, inciso VII, da Cons-tituição do Estado do Rio de Janeiro. Texto normativo que assegura odireito de nomeação, dentro do prazo de cento e oitenta dias, para todocandidato que lograr aprovação em concurso público de provas, ou deprovas e títulos, dentro do número de vagas ofertadas pela administraçãopública estadual e municipal.

O direito do candidato aprovado em concurso público de provas, oude provas e títulos, ostenta duas dimensões: 1) o implícito direito de serrecrutado segundo a ordem descendente de classificação de todos os apro-vados (concurso é sistema de mérito pessoal) e durante o prazo de valida-de do respectivo edital de convocação (que é de 2 anos, prorrogável, ape-nas uma vez, por igual período); 2) o explícito direito de precedência que oscandidatos aprovados em concurso anterior têm sobre os candidatos apro-vados em concurso imediatamente posterior, contanto que não escoado oprazo daquele primeiro certame, ou seja, desde que ainda vigente o prazoinicial ou o prazo de prorrogação da primeira competição pública deprovas, ou de provas e títulos. Mas ambos os direitos, acrescente-se, de

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existência condicionada ao querer discricionário da administração esta-tal quanto à conveniência e oportunidade do chamamento daqueles can-didatos tidos por aprovados.

O dispositivo estadual adversado, embora resultante de indiscutívelatributo moralizador dos concursos públicos, vulnera os artigos 2º, 37,inciso IV, e 61, § 1º, inciso II, c, da Constituição Federal de 1988. Prece-dente: RE 229.450, Rel. Min. Maurício Corrêa.

Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionali-dade do inciso VII do artigo 77 da Constituição do Estado do Rio deJaneiro.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por maioria de votos, julgar procedente a ação para declarar a in-constitucionalidade do inciso VII do artigo 77 da Constituição do Estado do Rio deJaneiro, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso deMello e Sepúlveda Pertence. Votou o Presidente.

Brasília, 24 de fevereiro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator — Nelson Jobim,Presidente.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: De ação direta de inconstitucionalidade é quese cuida. Ação ajuizada pelo ínclito Procurador-Geral da República e por meio da qualé contestada a validade do inciso VII do artigo 77 da Constituição do Estado do Rio deJaneiro.

2. O dispositivo em xeque tem a seguinte legenda:

“Art. 77 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qual-quer dos Poderes do Estado e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legali-dade, impessoalidade, moralidade, publicidade, interesse coletivo e, também, aoseguinte:

(...)

VII - a classificação em concurso público, dentro do número de vagasobrigatoriamente fixado no respectivo edital, assegura o provimento no cargono prazo máximo de cento e oitenta dias, contado da homologação do resultado;

(...)”

(Original sem destaques)

3. Pois bem sustenta o requerente que esse texto normativo colide com o dispostonos artigos 2º, 37, incisos I, II, III e IV, 61, § 1º, inciso II, c, e 84, inciso XXV, todos daConstituição Republicana de 1988. Isto por ofender o Princípio da Separação dosPoderes, como se depreende das seguintes passagens extraídas da inaugural:

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“(...)

8. Certamente, a regra se mostra, em uma de suas facetas, moralizadora. Impe-diria o desarrazoado comportamento da Administração Pública em certos casos,nos quais deixa de nomear candidatos aprovados no lapso de validade de concursorealizado, vindo em seguida a reiniciar outro certame. Contudo, situações outraspodem ser imaginadas, muitas recomendando que a nomeação mantenha-se comouma atividade discricionária do Poder Público. Tome-se, por exemplo, a circuns-tância de substancial modificação fática durante a realização do concurso. A alte-ração pode ser tão contundente que inviabilize qualquer nomeação. Foi o caso,diga-se, tratado na SS n. 1.051, quando então o Município de Niterói argumentou,perante essa Corte Suprema, que a perda significativa de sua arrecadação impediaqualquer oneração excedente com pessoal, impossibilitando o cumprimento dessemesmo art. 77, VII, da Constituição do Rio de Janeiro — despacho do EminenteMinistro Sepúlveda Pertence, deferindo a suspensão pleiteada, publicado no DJde 13.08.96.

9. Considere-se também que o concurso público tem como escopo a preser-vação do princípio da impessoalidade na atividade administrativa, além da con-fecção de tratamento igualitário a todos que à Administração Pública queiramvincular-se. É uma condição de validade do correto preenchimento dos cargospúblicos. Obviamente, o ato de arregimentar pessoal consubstancia-se em umaopção de ordem política. A admissão de agentes públicos, portanto, é liberalidadeque não se confunde com a imposição cogente do certame. A relação de causalida-de se estabelece da opção por admitir para a obrigação da realização da seleçãoisonômica. A regra do concurso público serve à nomeação de cargos, não o inverso.

(...)”

4. Prossigo no relatório para consignar que, por efeito de decisão do em. Min.Maurício Corrêa, o processo tramitou segundo a ritualística admitida pelo artigo 12 daLei n. 9.868/99. Razão por que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro,órgão requerido, prestou as informações de estilo e disse que o versículo questionadodecorreu da necessidade de o constituinte estadual adequar à realidade local a relaçãomantida entre o particular e a instância pública interessada na arregimentação dele.Acrescentando ela, Assembléia Legislativa, não haver nesse procedimento oficialnenhuma espécie de violação à Lei Maior do País.

5. Instado a manifestar-se, o nobre Advogado-Geral da União informou que estacolenda Corte, ao apreciar o RE 229.450, já decidiu pela inconstitucionalidade doinciso VII do artigo 77 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Ajuizou que oreferido dispositivo trata de regime jurídico do servidor público e, pour cause, atrai parao Chefe do Poder Executivo a exclusividade da iniciativa do respectivo processolegislativo.

6. Tal como o douto Ministério Público Federal, o ilustrado Advogado-Geral daUnião concluiu pela procedência integral da ação direta.

Este o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao meu voto.

8. Começo por remarcar aquilo que se constitui no próprio núcleo significante danorma impugnada: a proclamação do direito de nomeação para todo candidato quelograr aprovação em concurso público de provas, ou de provas e títulos, dentro donúmero de vagas ofertadas pela Administração Pública do Estado e dos Municípios doRio de Janeiro. Tudo no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, ajunte-se, contado dahomologação do certame.

9. Dois caracterizados direitos subjetivos, então, a norma em foco intenta conferir.O primeiro direito está em que a aprovação em si do candidato já é garantia de recruta-mento, observado o número de vagas editaliciamente abertas. O segundo direito, a seuturno, se refere ao tempo máximo em que tal chamamento deve ocorrer, que é de 180 diasdo ato de homologação do resultado do concurso.

10. Pois bem, começo esta minha análise propriamente jurídica pelo juízo de queambos os direitos subjetivos foram inconstitucionalmente outorgados. É que a maté-ria tem imediata disciplina na própria Constituição de 1988 e, nesta, o direito do candi-dato aprovado em concurso público de provas, ou de provas e títulos, é de duas ordens:a) o implícito direito de ser recrutado segundo a ordem descendente de classificação detodos os aprovados (concurso é sistema de mérito pessoal) e durante o prazo de validadedo respectivo edital de convocação (que é de até 2 anos, prorrogável, apenas uma vez,por igual período); e b) o explícito direito de precedência que os candidatos aprovadosem concurso anterior têm sobre os candidatos aprovados em concurso imediatamenteposterior, contanto que não escoado o prazo daquele primeiro certame, ou seja, desdeque ainda vigente o prazo inicial ou o prazo de prorrogação da primeira competiçãopública de provas, ou de provas e títulos. Mas ambos os direitos, acrescente-se, deexistência condicionada ao querer discricionário da Administração estatal quantoà conveniência e oportunidade do chamamento daqueles candidatos tidos poraprovados.

11. Noutro modo de dizer as coisas, concurso público e edital de convocação decandidatos são dois institutos de trato diretamente constitucional. É a Lei Maior Repu-blicana que dispõe sobre ambos os temas e o faz de modo vinculante para o PoderLegislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme se vêda seguinte transcrição:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderesda União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princí-pios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, tam-bém, ao seguinte:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros quepreencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, naforma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação préviaem concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e acomplexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nome-ações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

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III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogáveluma vez, por igual período;

IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aqueleaprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocadocom prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, nacarreira;

(...)”

12. Com efeito, é a Constituição que desmente aquele primeiro suposto direito deo candidato aprovado em concurso público ser necessariamente recrutado, pois ela pró-pria, Constituição, é que dispõe sobre o prazo máximo inicial de dois anos de validadedo certame, a contar da publicação do respectivo edital, prorrogável por igual período euma única vez. Logo, a patentear que é dentro desses prazos que se dará, ou não, o atode nomeação ou de contratação dos aprovados.

13. Muito bem! E por que essa alternativa do recrutamento ou do não-recrutamento,enquanto vigentes os prazos editalícios? Porque em seqüência a Lei Maior estatui que,“durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado emconcurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobrenovos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira” (inciso IV do art. 37). Édizer: apenas nessa hipótese de sucessividade de concursos — ainda no prazo de validadeinicial ou de validade prorrogada do primeiro — é que o direito subjetivo de ser chamadose configura para todo candidato precedentemente aprovado e ainda não efetivamenterecrutado. Restando claro, então, que, fora dessa hipótese de concursos que se sucedemno tempo, com imediatidade, o primeiro concurso público bem pode se exaurir sem quenenhuma nomeação ou contratação ocorra.

14. Entenda-se bem: a Administração Pública não está proibida de abrir um novoconcurso para a obtenção de mão-de-obra permanente, enquanto vigente ou sobrevigenteo prazo de validade de um anterior e imediato certame. O que ela está proibida é denomear ou contratar alguém eventualmente aprovado nesse novo concurso, enquantonão exaurir o chamamento das pessoas precedentemente aprovadas.

15. Em rigor de Ciência Jurídica, portanto, pode-se afirmar que é por direto desíg-nio constitucional que o tema dos concursos públicos vem imbricado com o tema dadiscricionariedade administrativa. Daí que, abrir ou deixar de abrir um concurso público;ofertar o número de vagas a preencher, dentro daquelas criadas por lei1; fixar o prazo deaté dois anos para o respectivo edital; prorrogar ou não esse prazo, também por até doisanos e uma única vez; arregimentar ou não os candidatos aprovados, enfim, tudo jaz sobtal discricionariedade de cada qual dos entes estatais federais. O que a ela escapa já é o

1 “Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida estapara o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias da competência da União,especialmente sobre:

I - (...)

X - criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o queestabelece o art. 84, VI, b)”.

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dever de observar o citado direito de precedência que assiste aos candidatos aprovadosem concurso imediatamente anterior, com prazo de validade ainda em aberto, caso aAdministração resolva nomear ou contratar qualquer dos aprovados no certame subse-qüente.

16. Bem vistas as coisas, esse regime especificamente constitucional é ditado pelanatureza das atividades administrativas, que, bem mais próximas do cotidiano da popu-lação, primam pela sua cambiância ou mutabilidade. Implica dizer: as circunstânciasque presidem a abertura de um concurso público ficam sempre sujeitas a variação, nãoraras vezes de forma intensa e a curto prazo, inclusive no plano da disponibilidade dosrecursos orçamentários. Donde aquilo que se revelava oportuno e conveniente numprimeiro instante poder mudar de configuração num segundo e imediato momento.

17. Mas não é só. É preciso acrescentar que a discricionariedade aqui versadatambém é de berço diretamente constitucional por dizer respeito à própria independên-cia de um Poder perante o outro. Ela se inscreve no âmbito da competência exclusiva deque dispõe cada Poder Orgânico do Estado para organizar os seus próprios serviçosauxiliares, a partir da exclusividade da iniciativa de lei sobre a matéria e culminandocom o provimento dos respectivos cargos ou empregos, tudo conforme os seguintes econcatenados dispositivos da Carta Maior de 1988:

a) “Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:

(...)

IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transfor-mação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativade lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabele-cidos na lei de diretrizes orçamentárias;

(...)”

b) “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

(...)

XIII - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, trans-formação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a inicia-tiva de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros esta-belecidos na lei de diretrizes orçamentárias;

(...)”

c) “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(...)

XXV - prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei2”;

2 Dispositivo que é complementado, no ponto, pelo § 1º, inciso II, alínea a, do artigo constitucional denúmero 61, in verbis: “São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: II - disponhamsobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ouaumento de sua remuneração”.

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d) “Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais:

(...)

b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhesforem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva;

(...)

e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecidoo disposto no art. 169, parágrafo único, os cargos necessários à administração dajustiça, exceto os de confiança assim definidos em lei;

(...)”

II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais deJustiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:

(...)

b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviçosauxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídiode seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver;

(...)”

18. Assente, pois, que a auto-administração de cada Poder Elementar do Estado éalgo ínsito ao princípio mesmo da Separação dos Poderes, e como esse princípio éclausulado de pétreo pelo inciso III do § 4º do art. 60 da Lei Republicana, resulta claroque o modo pelo qual a Magna Carta Federal cuidou da matéria é de obrigatória efidedigna permanência.

19. Ora bem, inovando na matéria para se imiscuir numa tomada de decisão que épenhor da independência do Poder Executivo e até do Poder Judiciário do Estado doRio de Janeiro, e, mais que isso, garantia de independência até do Poder Executivo decada Município fluminense (como de fato é a competência para arregimentar pessoaltécnico e administrativo em caráter profissional/permanente), o dispositivo objeto destaação direta de inconstitucionalidade se revela ofensivo do modelo constitucionalfederal. A uma, por conspurcar a pureza do pétreo princípio da Separação dos Poderes,figurante dos artigos 22 e 60, inciso III, § 4º, da Lex Máxima; a duas, por também tisnara higidez do princípio igualmente pétreo da “forma federativa de Estado”, esculpido nocaput dos arts. 1º e 18, assim como no inciso I do § 4º do art. 60 da mesma Lei Republicana.

20. Enfim, devo dizer que a tessitura deste raciocínio segue no compasso dadoutrina dos administrativistas brasileiros e da jurisprudência deste Supremo TribunalFederal, conforme se depreende do voto proferido pelo em. Min. Maurício Corrêa, porocasião do julgamento do RE 229.450/RJ, in verbis:

“(...)

6. Fora de dúvida que a Constituição Federal assegura ao candidato aprovadoo direito subjetivo à nomeação, de acordo com a respectiva ordem de classificaçãoe no prazo de validade do concurso (CF/88, artigo 37, IV). Todavia, é de ver-se que

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o ato do provimento não está adstrito ao êxito do candidato, mas sim ao poderdiscricionário do administrador, que avaliará o momento de sua concretização. Édo escólio de Celso Ribeiro Bastos, ao comentar o dispositivo constitucionaltranscrito que:

‘(...) O aprovado não tem direito a exigir a sua contratação ou nomea-ção. O direito que o ampara é o de, em a Administração desejando prover ocargo ou emprego, ter de necessariamente sobre ele fazer incidir a investidu-ra. Portanto, o que no fundo se reserva à Administração é o juízo de oportuni-dade conveniência quanto expedição ou celebração do ato admissivo doservidor. Se de alguma forma manifesta a sua intenção de prover o cargo ouemprego emerge automaticamente o direito do aprovado.’ (Comentários àConstituição do Brasil, 3º Vol., Tomo III, Saraiva, 1992, p. 78).’

7. Também esse escólio de Hely Lopes, para quem ‘ainda mesmo a aprovaçãono concurso não gera direito absoluto à nomeação, pois que continua o aprovadocom simples expectativa de direito à investidura no cargo ou emprego disputado’(Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores Ltda., 21ª ed., p. 363) ; deigual forma é a opinião de José dos Santos Carvalho Filho (Manual de DireitoAdministrativo, Lumen Juris, 2ª ed., páginas 418/419); J. Cretella Júnior (DiferentesAtos Administrativos, Forense, 13ª ed., páginas 219/225), dentre outros.

8. Nesse sentido é a jurisprudência desta Corte:

‘Ementa: Recurso em mandado de segurança. Advogado-de-ofíciosubstituto da Justiça Militar: não-provimento dos cargos por ato da ad-ministração; desnecessidade de provimento dos cargos vagos para osquais foi realizado concurso público de provas e títulos. Entendimento daSúmula n. 15 do STF. Indenização por falta de nomeação.

1. A doutrina e a jurisprudência têm-se orientado no sentido da discri-cionariedade quanto à oportunidade e conveniência de prover os cargospúblicos.

I - Não vicia a legalidade e a legitimidade o ato administrativo que,fundamentado na inexistência de necessidade, decide não prover os cargosvagos.

II - (...)

2. Na interpretação da Súmula n. 15, desta Corte, o que se assegura aoconcursado habilitado é o direito à nomeação, no prazo de validade do con-curso, quando ele é preterido por candidato em situação inferior na ordem declassificação dos aprovados.

(...)’.

(RMS n. 22.063/RJ, Segunda Turma, de que fui Relator para oacórdão, DJ de 7-12-95).

Idêntico fundamento foi adotado pela Primeira Turma no julgamento doRMS n. 22.926-3/DF, Relator Ministro Ilmar Galvão, acórdão publicado no DJde 27-2-1998.

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9. Por outro lado, este Tribunal tem entendido que ‘as regras básicas doprocesso legislativo federal — incluídas as de reserva de iniciativa — são deabsorção compulsória pelos Estados, na medida em que substantivam prisma rele-vante do princípio sensível da separação e independência dos poderes’ (ADI n.822, Lex 175/105; ADI n. 430/DF, DJ de 1º-7-94). Ademais, firmou exegese segundoa qual ‘o princípio — que diz com as relações entre os poderes constituídos —, nãoobstante, é oponível à validade de normas constitucionais locais que, ao invés dedisciplinar questões atinentes às bases do regime jurídico do pessoal do Estado,ocupa-se de temas pontuais de interesse de setores específicos do funcionalismo ecuja inserção, na Constituição local, representa fraude inequívoca à reserva deiniciativa do Governador para a legislação ordinária sobre a matéria’ (ADI n. 231,Lex 147/7; ADI n. 89, Lex 180/5-22).

10. Destaco, ainda, que o Pleno desta Corte, ao julgar a ADI n. 248/RJ, RelatorMinistro Celso de Mello, acórdão publicado no DJ de 8-4-94, assentou que àiniciativa reservada das leis que versem o regime jurídico dos servidores públicosrevela-se, enquanto prerrogativa conferida pela Carta Política ao Chefe do PoderExecutivo, projeção específica do princípio da separação de Poderes. Incide eminconstitucionalidade formal a norma inscrita em Constituição do Estado que,subtraindo a disciplina da matéria ao domínio normativo da lei, dispõe sobreprovimento de cargos que integram a estrutura jurídico-administrativa do PoderExecutivo local’.

11. Fixadas essas premissas, estou admitindo que a norma inscrita no incisoVII do artigo 77 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, embora resultante deindiscutível atributo moralizador dos concursos públicos, que exigem dos candi-datos tempo e dinheiro, vulnera os artigos 2º, 37, IV, e 61, § 10, II, c, da Constitui-ção Federal.

Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para cassar a segu-rança. Declaro incidentur tantum a inconstitucionalidade do inciso VII do artigo77 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro”.

21. Em face desses fundamentos, Senhor Presidente, o meu voto é pela procedênciada ação direta de inconstitucionalidade.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, em jogo faz-se texto da Constituição doEstado do Rio de Janeiro, que, a meu ver, homenageia um fundamento básico da Repú-blica: a preservação da dignidade do homem.

O edital é a lei do certame, obriga o candidato, como obriga também a Administra-ção Pública. O dispositivo em questão estabelece que, se o edital anuncia determinadonúmero de vagas, elas devem ser preenchidas, gerando o direito público subjetivo doaprovado a ser nomeado — e é isso que se presume pelo critério, inclusive, da finalidadedos atos públicos.

Não vejo como, diante dessa previsão — e a Administração Pública não podebrincar com o cidadão, convocando-o para um certame e depois, simplesmente, deixandoesgotar o prazo de validade do concurso sem proceder às nomeações —, apontar incons-titucional o preceito.

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Peço vênia ao ilustre Relator para abandonar a jurisprudência, para mim vetusta,ultrapassada em termos de avanço cultural, que revelou, durante muitos anos, a existên-cia do direito à nomeação apenas no caso de preterição.

A situação concreta é esta: o edital anunciou que o concurso seria realizado parapreenchimento de “x” vagas. Ora, é possível ter-se um ato omissivo da AdministraçãoPública, deixando de nomear, no prazo de validade do concurso, os aprovados?

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): A Constituição assegura à AdministraçãoPública essa discricionariedade para o chamamento do candidato aprovado.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aí está a nossa divergência, Ministro, não vejo ondeela assegura isso. Então tenho o enfoque como próprio ao campo do arbítrio, do desres-peito ao candidato.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: É que pode haver um motivo superveniente que torneinconveniente o aproveitamento. Ora, não se pode manietar a Administração Pública.

VOTO (Confirmação)

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Sr. Presidente, sou pela inconstitucionalidade,tendo em vista que a Constituição assegura à Administração o direito de recrutar osservidores aprovados em concurso durante o prazo de validade do edital.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ela proíbe que, durante o prazo, se nomeie compreterição da classificação.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): A primeira parte do comando constitucio-nal: o concurso terá o prazo de validade de dois anos, prorrogável por mais dois. Issosignifica que a Administração, na fluência da validade do edital, poderá recrutar.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso significa que a Administração não pode,por lei do próprio Estado, antecipar esse juízo de conveniência?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E se amanhã surgir, por exemplo, a impossibilidade,até econômico-financeira, de se fazer a nomeação? Isso pode ocorrer.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ressarcindo o Estado as conseqüências da brinca-deira que terá feito.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas não terá brincado.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Brincar com o homem. Quantos e quantos se desli-gam de emprego para se dedicarem aos estudos, passam em um concurso e, aí, não sãochamados.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não, até porque a tese consagrada é de queo servidor aprovado em concurso tem uma expectativa de direito.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Reconheço a seriedade dos argumentos pelainconstitucionalidade. Agora, data venia, isso não está expresso na Constituição.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Entendo que é dessumível da Constituiçãoo entendimento que assegura o provimento.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Eu quero saber o parâmetro. Está-se repetindo,como se fosse uma norma constitucional, a súmula da nossa jurisprudência, quando, naverdade, a Constituição Federal dá uma garantia: a de não ser preterido no prazo doedital. Não quer dizer que proíba os Estados de assegurar o provimento dos cargosobjeto do concurso.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Penso que isso é tão inerente ao poder discri-cionário da Administração, escolher a oportunidade do recrutamento, a conveniência.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Tão inerente e estamos discutindo há tanto tempo!

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, peço vênia para acompanhar oMinistro Marco Aurélio, conforme o voto vencido que proferi no RE 229.450.

EXTRATO DA ATA

ADI 2.931/RJ — Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Procurador-Geral daRepública. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação para declarar a incons-titucionalidade do inciso VII do artigo 77 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro,nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello eSepúlveda Pertence. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificada-mente, o Ministro Eros Grau.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 24 de fevereiro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.103 — PI

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso

Requerente: Governador do Estado do Piauí — Requeridos: Estado do Amazonas,Estado do Ceará, Estado de Sergipe, Estado do Maranhão, Estado do Pará, Estado dePernambuco, Estado de Alagoas, Estado do Rio Grande do Norte, Estado do Rio deJaneiro e Estado da Bahia

1. Inconstitucionalidade. Ação direta. Petição inicial. Ilegitimidadeativa para a causa. Correção. Aditamento anterior à requisição dasinformações. Admissibilidade. Precedentes. É lícito, em ação direta deinconstitucionalidade, aditamento à petição inicial anterior à requisiçãodas informações.

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2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Tributo. ICMS. Operações in-terestaduais com Gás Liquefeito de Petróleo – GLP, derivado de Gás Natu-ral tributado na forma do Convênio ICMS 03/99. Ato normativo. Protocolon. 33/2003. Cláusulas primeira e segunda. Prescrição de deveres instru-mentais, ou obrigações acessórias. Subsistência do regime de substituiçãotributária. Inexistência de ofensa à Constituição. Ação julgada improce-dente. São constitucionais as cláusulas primeira e segunda do Protocolo n.

33/2003, que prescrevem deveres instrumentais, ou obrigações acessórias,nas operações com Gás Liquefeito de Petróleo sujeitas à substituiçãotributária prevista no Convênio ICMS 3/99.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, julgarimprocedente a ação direta, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente, MinistraEllen Gracie, em sessão anterior. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau, queproferiu voto na assentada anterior.

Brasília, 1º de junho de 2006 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. O Estado do Piauí pede a declaração da inconstitu-cionalidade do Protocolo n. 33/2003, celebrado, no âmbito do CONFAZ – ConselhoNacional de Política Fazendária, pelos Estados de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará,Maranhão, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Sergipe, sobre“procedimentos nas operações interestaduais com Gás Liquefeito de Petróleo – GLP,derivado de Gás Natural tributado na forma estabelecida pelo Convênio ICMS 03/99”.(fls. 20 a 24). É o seguinte o teor desse ato normativo:

“Protocolo ICMS 33/03

Publicado no DOU de 17.12.03

Republicado no DOU de 22.12.03

Estabelece procedimentos nas operações interestaduais com Gás Liquefeitode Petróleo – GLP, derivado de Gás Natural.

Os Estados de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Per-nambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Sergipe, neste ato representa-dos pelos seus respectivos Secretários de Fazenda, tendo em vista o disposto noart. 199 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, Código Tributário Nacional:

Considerando que o Gás Liquefeito de Petróleo derivado de Gás Naturalpode ser comercializado em conjunto com o Gás Liquefeito de Petróleo derivadodo próprio Petróleo, não havendo distinção entre um e o outro produto.

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Considerando a necessidade de se estabelecer procedimentos para identi-

ficar o valor do ICMS devido à unidade federada de origem, resolvem celebrar o

seguinte:

Protocolo

Cláusula primeira Nas operações interestaduais com Gás Liquefeito de

Petróleo – GLP, derivado de Gás Natural tributado na forma estabelecida pelo

Convênio ICMS 03/99, deverão ser observados os procedimentos previstos neste

Protocolo para a apuração do valor do ICMS devido à unidade federada de

origem.

Cláusula segunda Os estabelecimentos industriais e importadores deve-

rão identificar a quantidade de saída de Gás Liquefeito de Petróleo – GLP

derivado de Gás Natural e de Gás Liquefeito de Petróleo – GLP derivado do

próprio petróleo, por operação.

§ 1º Para efeito do disposto no caput desta cláusula a quantidade deverá ser

identificada proporcionalmente à participação de cada produto no somatório do

estoque inicial e nas quantidades produzidas ou importadas tendo como referência

o mês imediatamente anterior.

§ 2º No corpo da nota fiscal de saída deverá constar o percentual de GLP

derivado de gás natural na quantidade total de saída, obtido de acordo com o

disposto no parágrafo anterior.

§ 3º Na operação de importação, o estabelecimento importador, por ocasião

do desembaraço aduaneiro, deverá quando da emissão da nota fiscal de entrada,

discriminar o produto, identificando se é derivado de gás natural ou do petróleo;

§ 4º Relativamente à quantidade proporcional de GLP derivado de Gás

Natural, deverá ser destacado o valor do ICMS próprio incidente na operação.

Cláusula terceira O contribuinte substituído que realizar operações interes-

taduais com os produtos a que se refere este Protocolo, deverá adotar os seguintes

procedimentos:

I - identificar proporcionalmente a participação de cada produto no somató-

rio do estoque inicial e nas quantidades adquiridas tendo como referência o mês

imediatamente anterior, preenchendo o Anexo único, conforme modelo anexo a

este Protocolo;

II - emitir nota fiscal mencionando no seu corpo o percentual de GLP derivado

de Gás Natural, na quantidade total de saída, obtido na forma do inciso anterior;

III - destacar nos campos próprios os valores da base de cálculo, do ICMS

normal e do devido por substituição tributária, incidentes na operação, relativa-

mente à quantidade proporcional de GLP derivado de Gás Natural.

Parágrafo único Para efeito do disposto no inciso I, nos três primeiros dias de

cada mês, será considerada a proporcionalidade utilizada no mês anterior.

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Cláusula quarta Para fins de ressarcimento do imposto o contribuinte subs-tituído que adquirir o produto diretamente do sujeito passivo por substituição,deverá emitir nota fiscal, exclusiva para esse fim, em nome do estabelecimento

fornecedor que tenha retido originalmente o imposto.

§ 1º A nota fiscal prevista no caput deverá ser visada pelo órgão fazendárioindicado pela unidade federada de origem do contribuinte, acompanhada de rela-ção discriminando as operações interestaduais, o Anexo único previsto no inciso Ida cláusula terceira e cópia da GNRE relativa às operações interestaduais.

§ 2º A relação das operações interestaduais previstas no parágrafo anteriorpoderá ser entregue no layout do Anexo II do Convênio ICMS 54/02.

§ 3º O valor do ICMS retido por substituição tributária a ser ressarcido, nãopoderá ser superior ao valor retido quando da aquisição do respectivo produto

pelo estabelecimento.

§ 4º Quando for impossível determinar a correspondência do ICMS retido àaquisição do respectivo produto, tomar-se-á o valor do imposto retido quando daúltima aquisição do produto pelo estabelecimento proporcional à quantidadesaída.

§ 5º O estabelecimento fornecedor, de posse da nota fiscal de que trata ocaput desta cláusula, visada na forma do § 1º poderá deduzir o valor do impostoretido, do próximo recolhimento à unidade federada do contribuinte que tiver

direito ao ressarcimento.

Cláusula quinta O contribuinte substituído, que adquirir o produto de outrocontribuinte substituído, domiciliado na mesma unidade da federação, para fins deressarcimento do imposto, deverá emitir nota fiscal em nome do estabelecimentofornecedor, observando o disposto no § 1º da cláusula anterior.

§ 1º Na hipótese do caput, o estabelecimento fornecedor deverá emitir notafiscal, exclusiva para fins de ressarcimento, em nome do contribuinte que tenharetido originalmente o imposto.

§ 2º A nota fiscal emitida na forma do parágrafo anterior deverá ser visada

pelo órgão fazendário indicado pela unidade federada de origem do contribuinte.

Cláusula sexta O estabelecimento fornecedor fará o ressarcimento do impostoprevisto nas cláusulas quarta e quinta, caso o órgão fazendário não se pronunciesobre o pedido de ressarcimento no prazo de sessenta dias, contados a partir da datada protocolização do requerimento, anexada a documentação prevista no § 1º dacláusula quarta.

Cláusula sétima O procedimento a que se refere o § 1º da cláusula quarta nãoimplica homologação dos valores ressarcidos.

Cláusula oitava A unidade federada de origem poderá exigir, para fins de

ressarcimento, outros documentos que comprovem efetivamente a operação inte-restadual.

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Cláusula nona A base de cálculo e respectiva alíquota do GLP derivado de

Gás Natural e de GLP derivado do próprio petróleo, serão idênticas na mesma

operação.

Cláusula décima Os índices de proporcionalidade previstos no § 1º da

cláusula segunda e no inciso I da cláusula terceira, serão apurados nos seguintes

períodos:

I - pelo estabelecimento industrial ou importador a partir de 1º janeiro de

2004 relativamente à produção ou importação, sem levar em consideração o

estoque inicial deste mês, para utilização a partir do dia 1º do mês subseqüente.

II - pelos contribuintes substituídos a partir do dia 1º de fevereiro de 2004

relativamente as aquisições efetuadas do contribuinte substituto, sem levar em

consideração o estoque inicial deste mês, para utilização a partir do dia 04 (quatro)

do mês subseqüente.

III - pelos contribuintes substituídos a partir do dia 1º de março de 2004

relativamente as aquisições efetuadas de outro contribuinte substituído, sem levar

em consideração o estoque inicial deste mês, para utilização a partir do dia 04

(quatro) do mês subseqüente.

Cláusula décima primeira Aplica-se a este protocolo, no que couber, as

regras previstas no Convênio ICMS 81/93.

Cláusula décima segunda Este protocolo entrará em vigor na data de sua

publicação no Diário Oficial da União, produzindo efeitos a partir de 1º janeiro de

2004.

Apesar de certa obscuridade da petição, sobretudo quanto à identificação precisa

do dispositivo impugnado, depreende-se-lhe do contexto que a inconstitucionalidade

decorreria da disciplina, por Protocolo do Confaz, do regime de incidência monofásica

de ICMS sobre combustíveis e lubrificantes, previsto pelo art. 155, § 2º, XII, h, da

Constituição da República, com a redação da EC 33/2001.

Segundo o requerente, “tal protocolo se ressente de claríssima inconstitucionali-

dade formal, já que tomou para si o trato de matérias (a) ora reservadas à lei comple-

mentar, posto tenha indicado o combustível que, escapando à regra imunizante, estaria

sujeito à “imposição única”, e (b) ora reservadas à celebração de convênio entre as

Unidades Federadas, cuja formalização deveria dar-se nos termos da Lei Complemen-

tar n. 24/1975", ou seja, por Convênios celebrados pelos Estados no Confaz.

2. Preceitua o art. 155, § 2º, XII, h, inserido pela EC 33/2001:

“Art. 155. (...)

§ 2º (...)

XII - cabe à lei complementar:

(...)

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h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidiráuma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicaráo disposto no inciso X, b;”

O art. 4º da EC 33/2001, por sua vez, dispõe:

“Art. 4º Enquanto não entrar em vigor a lei complementar de que trata o art.155, § 2º, XII, h, da Constituição Federal, os Estados e o Distrito Federal, medianteconvênio celebrado nos termos do § 2º, XII, g, do mesmo artigo, fixarão normaspara regular provisoriamente a matéria.”

3. Recebida a inicial no período de recesso, a apreciação da liminar foi postergadapara depois da vinda das informações e dos pareceres da Advocacia-Geral da União e daProcuradoria-Geral da República.

4. Das informações prestadas pelos Estados Signatários do Protocolo, sublinho osseguintes itens:

4.1. Ilegitimidade ativa do Estado do Piauí;

4.2. Falta de interesse de agir, pois o Protocolo somente se aplicaria aos EstadosSignatários;

4.3. Inépcia da inicial, por ausência de impugnação direta dos dispositivos doProtocolo n. 33/2003;

4.4. Carência de ação, por não ser o Protocolo n. 33/2003 ato normativo sujeito acontrole concentrado de constitucionalidade, mas ato administrativo calcado no “art.199 do CTN, que prevê a mútua assistência entre Estados para fiscalização dos respec-tivos tributos.” (Fl. 171)

4.5. O Protocolo n. 33/2003 não disciplinaria a incidência monofásica do ICMSsobre operações com combustíveis e lubrificantes (art. 155, § 2º, XII, h, da CF/88), senãoque apenas disciplinaria procedimentos comuns em relação à substituição tributária doICMS (Convênio ICMS n. 3/99).

4.6. O protocolo instituiria, na cláusula segunda, formalidades para identificaçãodo Gás Liquefeito de Petróleo produzido a partir do petróleo (imune nas operaçõesinterestaduais por força do art. 155, § 2º, X, b, da CF/88), em relação ao derivado do GásNatural (não imune ao ICMS nas operações interestaduais).

5. A Advocacia-Geral da União manifesta-se pelo não-conhecimento da ação, por:i) ilegitimidade de parte; ii) falta de interesse de agir; iii) ausência de pertinência temá-tica; iv) inobservância de necessário cotejo analítico entre as normas. E, no mérito, épela sua improcedência, diante da falta de correlação entre o Protocolo ICMS n. 33/2003e os dispositivos tidos por ofendidos:

“Ressalta-se que o papel da referida lei complementar é o de “definir oscombustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez,qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto noinciso X, b. Da transcrição deste dispositivo, e do cotejo com o texto do protocolo,vê-se que este, em nenhum momento, versa sobre matéria reservada à lei comple-mentar prevista no art. 155, § 2º, XII, h.” (Fl. 265)

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6. A Procuradoria-Geral da República opina pela procedência, alegando que “osEstados-requeridos, de fato, celebraram o Protocolo n. 33/2003, a fim de aplicar as regrasda nova sistemática tributária do ICMS, previstas no art. 155, § 2º, XII, h e § 4º, da CartaFederal, sem a edição de lei complementar regulamentadora e, sem a deliberação dosEstados e do Distrito Federal, nos termos do art. 155, XII, g.” (Fl. 279)

7. Submeto o processo ao Plenário para julgamento definitivo.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. As preliminares não impedem o julga-mento de mérito.

1.1. Os requeridos e o Advogado-Geral da União argúem a ilegitimidade ativa doEstado do Piauí.

Da inicial consta, deveras, como autor o ente federativo, não o Governador doEstado, segundo o previsto no art. 103, V, da Constituição da República. Mas foi o víciosanado mediante petição de aditamento, protocolada em 30 de dezembro de 2003 (fl.119), antes da expedição dos ofícios que solicitaram as informações (13 de janeiro de2004 — fl. 100).

Aditamento anterior à requisição das informações é plenamente lícito, como pon-derou o Ministro Gilmar Mendes, em trabalho acadêmico1, onde invoca os seguintesprecedentes: Rp n. 1.182, Rel. Min. Soares Munõz, RTJ n. 112, pp. 97 e s.; ADI n. 474-AgR, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 8-11-1991, p. 15952; ADI n. 722, Rel. Min.Moreira Alves, DJ de 19-6-1992, p. 9520.

O fato de ter sido assinado pelo Procurador do Estado é irrelevante, pois juntou-seinstrumento de mandato outorgado pelo Governador, com poderes específicos para“propor ADIn em face do Protocolo Confaz n. 33/2003 em matéria de ICMS” (fl. 19), talcomo o autoriza o art. 3º da Lei 9.868/99:

“Art. 3º A petição indicará:

(...)

Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de instrumento de procura-ção, quando subscrita por advogado, será apresentada em duas vias, devendo con-ter cópias da lei ou do ato normativo impugnado e dos documentos necessáriospara comprovar a impugnação.”

1.2. Quanto à falta de interesse de agir, diante da alegada aplicação exclusiva doProtocolo aos Estados signatários e da suposta falta de pertinência temática, entendobastar a suposição de que o ato normativo discipline matéria privativa de lei comple-mentar ou de convênio, sem a participação do requerente, para caracterizar-se, em tese,prejuízo jurídico capaz de justificar recurso ao controle concentrado. Como se sabe, o

1 Jurisdição Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2004. p. 141.

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interesse processual, como condição da ação, apura-se in statu assertionis, pois seriaabsurdo avançar exame do mérito para estimar a existência prévia de requisito necessá-rio para fazê-lo.

1.3. Apesar de a inicial não apontar, explicitamente, o dispositivo que do Protoco-lo ICMS n. 33/2003 seria inconstitucional, vê-se, ao cotejo das alegações e do parâmetrode controle, que a discussão recai sobre as cláusulas primeira e segunda, que tratam dadistinção entre operações relativas ao Gás Liquefeito de Petróleo – GLP derivado do GásNatural e as concernentes ao derivado do Petróleo:

“Cláusula primeira. Nas operações interestaduais com Gás Liquefeito dePetróleo – GLP, derivado de Gás Natural tributado na forma estabelecida peloConvênio ICMS 03/99, deverão ser observados os procedimentos previstos nesteProtocolo para a apuração do valor do ICMS devido à unidade federada de origem.

Cláusula segunda. Os estabelecimentos industriais e importadores deverãoidentificar a quantidade de saída de Gás Liquefeito de Petróleo – GLP derivado deGás Natural e de Gás Liquefeito de Petróleo – GLP derivado do próprio petróleo,por operação.

§ 1º Para efeito do disposto no caput desta cláusula a quantidade deverá seridentificada proporcionalmente à participação de cada produto no somatório doestoque inicial e nas quantidades produzidas ou importadas tendo como referênciao mês imediatamente anterior.

§ 2º No corpo da nota fiscal de saída deverá constar o percentual de GLPderivado de gás natural na quantidade total de saída, obtido de acordo com odisposto no parágrafo anterior.

§ 3º Na operação de importação, o estabelecimento importador, por ocasiãodo desembaraço aduaneiro, deverá quando da emissão da nota fiscal de entrada,discriminar o produto, identificando se é derivado de gás natural ou do petróleo;

§ 4º Relativamente à quantidade proporcional de GLP derivado de GásNatural, o estabelecimento deverá ser destacado o valor do ICMS próprio incidentena operação.”

Ademais, toda a inicial ataca a forma sob a qual foi a distinção estabelecida, porProtocolo, e não por Convênio ou lei complementar, sendo essa a razão por que odemandante lhe argúi a inconstitucionalidade.

1.4. Por fim, também quanto à alegação de carência da ação, por não ser oProtocolo n. 33/2003 ato normativo, mas administrativo, calcado no “art. 199 do CTN,que prevê a mútua assistência entre Estados para fiscalização dos respectivos tributos”(fl. 171), tenho que não procede.

O Protocolo é instrumento normativo celebrado por dois ou mais Estados e oDistrito Federal, no âmbito do CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária doMinistério da Fazenda, tendo por objeto (art. 38 do Regimento Interno do Confaz):

i) implementação de políticas fiscais;

ii) a permuta de informações e fiscalização conjunta;

iii) a fixação de critérios para elaboração de pautas fiscais;

iv) outros assuntos de interesse dos Estados e do Distrito Federal.

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Pode, dependendo do conteúdo e do alcance, constituir instrumento só adminis-trativo, aplicável apenas aos Estados signatários, ou, como se dá no caso, assumir afunção de ato normativo, tendente a disciplinar também, com abstração e generalidade,comportamentos de terceiros, como os contribuintes. Nesta hipótese, é suscetível decontrole direto:

“A noção de ato normativo, para efeito de controle concentrado de constitu-cionalidade, pressupõe, além de sua autonomia jurídica, a constatação do seucoeficiente de generalidade abstrata, bem assim de sua impessoalidade, elementosque lhe conferem aptidão para atuar, no plano do direito positivo, como normarevestida de eficácia subordinante de comportamentos, estatais ou individuais,futuros”. (ADI n. 587-1, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 8-5-1992, Ementário n.1.660-1)

A cláusula segunda revela os atributos normativos de generalidade e abstração doProtocolo ICMS n. 33/2003, na medida em que tende a subordinar-lhe todos os “estabe-lecimentos industriais e importadores de Gás Liquefeito de Petróleo – GLP” derivadode gás natural e de Gás Liquefeito de Petróleo derivado de petróleo:

“Cláusula segunda. Os estabelecimentos industriais e importadores deverãoidentificar a quantidade de saída de Gás Liquefeito de Petróleo – GLP derivado deGás Natural e de Gás Liquefeito de Petróleo – GLP derivado do próprio petróleo,por operação.”

2. O ponto nuclear da causa está em saber se o Protocolo n. 33/2003 regula, ou não,a incidência monofásica do ICMS sobre operações com combustíveis e lubrificantes(art. 155, § 2º, XII, h, da CF/88, com a redação da EC n. 33/2001), e, em caso afirmativo,se o fez de modo válido, ou não.

Tal incidência deveria ser prevista em lei complementar editada nos termos do § 4ºdo art. 155, ou, enquanto não editada, por Convênio celebrado entre os Estados na formada LC n. 24/70, conforme prescrito pelo art. 155, § 2º, XII, h, da CF/88 e pelo art. 4º da ECn. 33/2003, os quais dispõem:

Constituição Federal:

“Art. 155 (...)

(...)

§ 2º omissis

(...)

XII - cabe à lei complementar:

(...)

h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidiráuma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicaráo disposto no inciso X, b;

(...)

§ 4º Na hipótese do inciso XII, h , observar-se-á o seguinte:

I - nas operações com os lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo,o imposto caberá ao Estado onde ocorrer o consumo;

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II - nas operações interestaduais, entre contribuintes, com gás natural e seus

derivados, e lubrificantes e combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo,

o imposto será repartido entre os Estados de origem e de destino, mantendo-se a

mesma proporcionalidade que ocorre nas operações com as demais mercadorias;

III - nas operações interestaduais com gás natural e seus derivados, e lubrifi-

cantes e combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo, destinadas a não

contribuinte, o imposto caberá ao Estado de origem;

IV - as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados

e Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g, observando-se o seguinte:

a) serão uniformes em todo o território nacional, podendo ser diferenciadas

por produto;

b) poderão ser específicas, por unidade de medida adotada, ou ad valorem,

incidindo sobre o valor da operação ou sobre o preço que o produto ou seu similar

alcançaria em uma venda em condições de livre concorrência;

c) poderão ser reduzidas e restabelecidas, não se lhes aplicando o disposto no

art. 150, III, b.

§ 5º As regras necessárias à aplicação do disposto no § 4º, inclusive as relati-

vas à apuração e à destinação do imposto, serão estabelecidas mediante delibera-

ção dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g.”(NR)

EC 33/2001:

“Art. 4º Enquanto não entrar em vigor a lei complementar de que trata o art.

155, § 2º, XII, h, da Constituição Federal, os Estados e o Distrito Federal, mediante

convênio celebrado nos termos do § 2º, XII, g, do mesmo artigo, fixarão normas

para regular provisoriamente a matéria.”

Dos textos do Protocolo ICMS n. 33/2003 vê-se que não cuida da incidência

monofásica de ICMS sobre combustíveis e lubrificantes:

“Protocolo ICMS 33/03

(Publicado no DOU de 17-12-03

Republicado no DOU de 22-12-03)

Estabelece procedimentos nas operações interestaduais com Gás Liquefeito

de Petróleo – GLP, derivado de Gás Natural.

Os Estados de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Per-

nambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Sergipe, neste ato representa-

dos pelos seus respectivos Secretários de Fazenda, tendo em vista o disposto no

art. 199 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, Código Tributário Nacional:

Considerando que o Gás Liquefeito de Petróleo derivado de Gás Natural

pode ser comercializado em conjunto com o Gás Liquefeito de Petróleo derivado

do próprio Petróleo, não havendo distinção entre um e o outro produto.

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Considerando a necessidade de se estabelecer procedimentos para identificaro valor do ICMS devido à unidade federada de origem, resolvem celebrar o seguinte:

Protocolo

Cláusula primeira - Nas operações interestaduais com Gás Liquefeitode Petróleo – GLP, derivado de Gás Natural tributado na forma estabelecidapelo Convênio ICMS 03/99, deverão ser observados os procedimentos previstosneste Protocolo para a apuração do valor do ICMS devido à unidade federada deorigem.

Cláusula segunda - Os estabelecimentos industriais e importadores deve-rão identificar a quantidade de saída de Gás Liquefeito de Petróleo – GLPderivado de Gás Natural e de Gás Liquefeito de Petróleo – GLP derivado dopróprio petróleo, por operação.

§ 1º Para efeito do disposto no caput desta cláusula a quantidade deverá seridentificada proporcionalmente à participação de cada produto no somatório doestoque inicial e nas quantidades produzidas ou importadas tendo como referênciao mês imediatamente anterior.

§ 2º No corpo da nota fiscal de saída deverá constar o percentual de GLPderivado de gás natural na quantidade total de saída, obtido de acordo com odisposto no parágrafo anterior.

§ 3º Na operação de importação, o estabelecimento importador, por ocasiãodo desembaraço aduaneiro, deverá quando da emissão da nota fiscal de entrada,discriminar o produto, identificando se é derivado de gás natural ou do petróleo;

§ 4º Relativamente à quantidade proporcional de GLP derivado de GásNatural, deverá ser destacado o valor do ICMS próprio incidente na operação.”

Limita-se, pois, a prescrever deveres instrumentais (ou obrigações acessórias, nostermos do art. 113, § 2º, do CTN) em relação às operações com Gás Liquefeito de Petróleosujeitas à substituição tributária prevista no Convênio ICMS n. 3/99, o qual “dispõe sobreo regime de substituição tributária nas operações com combustíveis e lubrificantes,derivados ou não de petróleo, e outros produtos.” (Ementa do Convênio ICMS n. 3/99)

Até a edição da lei complementar prevista no art. 155, § 2º, XII, h, da CF/88, ou doconvênio previsto no art. 4º da EC n. 33/2003, as operações com combustíveis e lubrifi-cantes continuam sujeitas à incidência plurifásica (em cada operação) e à imunidadeprevista no art. 155, X, b, da CF/88, relativa às operações interestaduais de petróleo ecombustíveis dele derivados.

A cláusula segunda do Protocolo impugnado institui o dever de identificação, nasoperações interestaduais, da origem do Gás Liquefeito de Petróleo e, conseqüentemente,permite aplicação da imunidade ao combustível derivado do petróleo e tributação doderivado do gás natural, sob regime de substituição tributária (não sujeito à imunidadedo art. 155, X, b).

Eventual repercussão sobre o montante de ICMS devido a cada unidade federativaé apenas indireta, apoiada nas cláusulas constitucionais e na legislação complementar.O Protocolo nada inova em tal sistemática, senão que, antes, mantém o regime de subs-tituição tributária, fazendo remissão expressa ao Convênio ICMS n. 3/99.

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Como o Protocolo ICMS n. 33/2003 não ofende o art. 155, § 2º, XII, h, da CF/88,porque não disciplina a incidência monofásica do ICMS, é desnecessário excogitarinconstitucionalidade formal argüida pelo requerente.

3. Do exposto, julgo improcedente a ação, declarando constitucionais as cláusulasprimeira e segunda do Protocolo ICMS n. 33/2003.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.103/PI — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente: Governador doEstado do Piauí (Advogados: PGE/PI – João Emílio Falcão Costa Neto e outros).Requeridos: Estado do Amazonas, Estado do Ceará, Estado de Sergipe, Estado doMaranhão, Estado do Pará, Estado de Pernambuco, Estado de Alagoas, Estado do RioGrande do Norte, Estado do Rio de Janeiro e Estado da Bahia.

Decisão: Após os votos dos Ministros Cezar Peluso (Relator), Joaquim Barbosa eEllen Gracie, conhecendo e julgando improcedente a ação, pediu vista dos autos oMinistro Carlos Britto. Falou pelo requerido, Estado do Rio de Janeiro, o Dr. EmersonBarbosa Maciel, Procurador do Estado. Ausentes, justificadamente, neste julgamento,os Ministros Carlos Velloso, Gilmar Mendes e Eros Grau. Presidência do Ministro NelsonJobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: O Governador do Estado do Piauí ajuizou estaação direta de inconstitucionalidade em face do Protocolo n. 33/2003, celebrado, noâmbito do Conselho de Política Fazendária – CONFAZ, pelos Estados de Alagoas,Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande doNorte e Sergipe. Protocolo, esse, que dispõe “sobre procedimentos nas operações inte-restaduais com Gás Liquefeito de Petróleo – GLP, derivado de Gás Natural tributadona forma estabelecida pelo Convênio ICMS 03/99”.

2. Diz o requerente que o Protocolo n. 33/03 é manifestamente inconstitucionalporque a) tratou de matéria reservada à lei complementar, uma vez que indicou o com-bustível sujeito à incidência monofásica de ICMS; e b) dispôs sobre matéria reservada aconvênio do Confaz, nos termos da Lei Complementar n. 24/1975.

3. Muito bem. Na assentada plenária de 15-12-2005, o Min. Cezar Peluso, Relatordo feito, votou pela improcedência do pedido, no que foi acompanhado pelos MinistrosJoaquim Barbosa e Ellen Gracie. Naquela ocasião, pedi vista dos autos para melhorexaminar a matéria.

4. Ultimado esse abreviado resumo do sucedido na sessão de 15-12-05, tenho queo reconhecimento da improcedência do pedido se impõe.

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5. Em boa verdade, a Constituição Federal de 1988, com a redação que lhe deu aEC 33/01, reservou à Lei Complementar — ainda não editada — a tarefa de “definir os

combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer

que seja a sua finalidade (...)” (art. 155, § 2º, XII, h). De sua parte, o art. 4º da EmendaConstitucional n. 33/01 estatui que, enquanto não entrar em vigor a lei complementar deque trata o precitado dispositivo, os Estados e o Distrito Federal podem fixar, medianteconvênio, as normas de incidência monofásica de ICMS.

6. Sucede que, do exame do Protocolo ICMS n. 33/2003, resta claro que ele nãocuida de incidência monofásica de ICMS. Apenas, didaticamente, aponta as regras deidentificação do GLP de petróleo a serem seguidas nas operações interestaduais. Isso

tudo, agregue-se, a fim de permitir a aplicação da regra imunizante sobre o GLP derivadodo petróleo (alínea b do inciso X do art. 155) e a incidência do ICMS sobre as operaçõescom GLP derivado do gás natural. Tudo, aliás, conforme precisa análise do MinistroCezar Peluso, ao dizer que “O Protocolo nada inova em tal sistemática, senão que,

antes, mantém o regime de substituição tributária, fazendo remissão expressa ao Con-

vênio ICMS n. 3/99”.

7. Com essas considerações, Senhor Presidente, também voto pela improcedência

do pedido que se contém na presente ação direta de inconstitucionalidade.

É como voto.

VOTO (Antecipação)

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Peço escusas ao Ministro Marco Aurélio,tendo em vista a circunstância já conhecida em que me afasto do Tribunal.

Acompanho também o voto do Relator.

PEDIDO DE VISTA

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, não tenho convencimento for-mado sobre a matéria, porque já não guardo os parâmetros do voto do Relator e, por isso,peço vista.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.103/PI — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente: Governador do Estadodo Piauí (Advogados: PGE/PI – João Emílio Falcão Costa Neto e outros). Requeridos:Estado do Amazonas, Estado do Ceará, Estado de Sergipe, Estado do Maranhão, Estadodo Pará, Estado de Pernambuco, Estado de Alagoas, Estado do Rio Grande do Norte,Estado do Rio de Janeiro e Estado da Bahia.

Decisão: Após o voto do Ministro Cezar Peluso (Relator), que julgava improcedente

a ação, no que foi acompanhado pelos Ministros Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, CarlosBritto, Eros Grau, Gilmar Mendes e Presidente (Ministro Nelson Jobim), julgando-aimprocedentes pediu vista dos autos o Ministro Marco Aurélio.

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Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. AntonioFernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 15 de março de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Marco Aurélio: A certidão de folha 317 revela que, iniciado ojulgamento em 15 de dezembro de 2005, prolataram votos o Relator e os MinistrosJoaquim Barbosa e Ellen Gracie, pela admissibilidade da ação direta de inconstituciona-lidade e improcedência do pleito formulado. Ante o pedido de vista do Ministro CarlosAyres Britto, a apreciação foi retomada em 15 de março de 2006, quando Sua Excelênciaacompanhou os Ministros que haviam votado. Na ocasião, solicitei vista, registrando:

Senhor Presidente, não tenho convencimento formado sobre a matéria,porque já não guardo os parâmetros do voto do Relator e, por isso, peço vista.

O processo deu entrada no Gabinete em 22 imediato, nele havendo lançado vistoem 8 de abril de 2006.

Acompanho Sua Excelência, o Relator, quanto às preliminares, admitindo,portanto, a valia formal da ação ajuizada. Apesar de a inicial ter vindo ao processoconsignando como requerente o Estado e não o respectivo Governador, o vício foisanado mediante aditamento. Sob o ângulo do interesse de agir, bem asseverou o Relatora mesclagem com o mérito da própria ação, também refutando a carência, presente acircunstância de o protocolo atacado possuir contornos normativos.

No mérito, o texto impugnado apenas regulamenta procedimentos voltados aidentificar e aferir as quantidades de mercadorias circuladas — gás liquefeito de petró-leo produzido do insumo petróleo e o gás liquefeito de petróleo produzido a partir degás natural. Tem-se, no protocolo, a sistematização, a forma de identificar e quantificaros produtos, individualizando-os, em virtude das diferenças contabilizadas pelas movi-mentações mensais de estoques, devendo haver destaque na nota fiscal dos resultadosdas operações, ante a semelhança de características, bem como aplicações dos gasesenvolvidos, no que podem apresentar distinção de preço e valor de tributação. Não édado assentar que a norma impugnada disponha acerca de fixação de base de incidênciado Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, quando indispensável seria otrato via lei complementar. Acompanho o Relator e os Ministros que já votaram, julgandoimprocedente o pedido formulado.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.103/PI — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente: Governador do Estadodo Piauí (Advogados: PGE/PI – João Emílio Falcão Costa Neto e outros). Requeridos:Estado do Amazonas, Estado do Ceará, Estado de Sergipe, Estado do Maranhão, Estadodo Pará, Estado de Pernambuco, Estado de Alagoas, Estado do Rio Grande do Norte,Estado do Rio de Janeiro e Estado da Bahia.

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Decisão: O Tribunal, à unanimidade, julgou improcedente a ação direta, nos

termos do voto do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie, em sessão anterior.

Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau, que proferiu voto na assentada

anterior.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda

Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,

Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.

Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 1º de junho de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.192 — ES

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Requerente: Procurador-Geral da República — Requeridos: Governador do

Estado do Espírito Santo e Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo

Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação do § 1º, inciso IV,

e do § 2º do artigo 21; do § 2º do artigo 33 e da expressão “e ao Tribunal de

Contas”, constante do artigo 186; e do parágrafo único do artigo 192; todos

da Lei Complementar n. 95 do Estado do Espírito Santo. Ministério Público

estadual. Atribuições de oficiar em todos os processos do Tribunal de Contas

estadual. Violação dos artigos 75 e 130 da Constituição do Brasil.

1. Impossibilidade de Procuradores de Justiça do Estado do Espírito

Santo atuarem junto à Corte de Contas estadual, em substituição aos

membros do Ministério Público especial.

2. Esta Corte entende que somente o Ministério Público especial tem

legitimidade para atuar junto aos Tribunais de Contas dos Estados e que

a organização e composição dos Tribunais de Contas estaduais estão

sujeitas ao modelo jurídico estabelecido pela Constituição do Brasil [artigo

75]. Precedentes.

3. É inconstitucional o texto normativo que prevê a possibilidade de

Procuradores de Justiça suprirem a não-existência do Ministério Público

especial, de atuação específica no Tribunal de Contas estadual.

4. Pedido julgado procedente, para declarar inconstitucionais o in-

ciso IV do § 1º do artigo 21; o § 2º; do artigo 21; o § 2º do artigo 33; a

expressão “e ao Tribunal de Contas” constante do artigo 186; e o pará-

grafo único do artigo 192; todos da Lei Complementar n. 95, de 28 de

janeiro de 1997, do Estado do Espírito Santo.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, julgarprocedente a ação direta, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 24 de maio de 2006 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O Procurador-Geral da República propõe ação direta naqual questiona a constitucionalidade do § 1º, inciso IV, e do § 2º do artigo 21; do § 2º doartigo 33; da expressão “e ao Tribunal de Contas” constante do artigo 186; e do parágra-fo único do artigo 192; todos da Lei Complementar n. 95, de 28 de janeiro de 1997, doEstado do Espírito Santo.

2. Os preceitos impugnados têm o seguinte teor:

“Art. 21. As Procuradorias de Justiça são órgãos do Ministério Público doSegundo Grau, com cargos de Procuradores de Justiça e serviços auxiliares.

§ 1º O Ministério Público contará com as seguintes Procuradorias de Justiça:

(...)

IV - Procuradoria de Justiça junto ao Tribunal de Contas, com atribui-ções de oficiar em todos os processos do Tribunal de Contas Estadual e praticaratos previstos em lei, composta por três Procuradores de Justiça e, para auxi-liá-la, de três Promotores de Justiça da mais elevada entrância.

(...)

§ 2º Incumbe ao Procurador de Justiça Chefe da Procuradoria de Justiçajunto ao Tribunal de Contas, no prazo de até trinta dias do conhecimento dofato, a remessa de cópias de documentos e decisões do Tribunal à Procurado-ria-Geral de Justiça, visando à responsabilidade civil ou criminal, quando hou-ver dano ao patrimônio público, estadual ou municipal, ou crime.

(...)

Art. 33. Aos Procuradores de Justiça cabe exercer as atribuições do Ministé-rio Público junto aos Tribunais, desde que não privativas do Procurador-Geral deJustiça.

(...)

§ 2º No Tribunal de Contas do Estado oficiarão Procuradores de Justiça.

(...)

Art. 186. Os Membros do Ministério Público junto à Justiça Militar e aoTribunal de Contas integrarão o quadro único do Ministério Público Estadual.

(...)

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Art. 192. Para o atendimento do art. 52, § 1º desta Lei Complementar, ficamcriados dezesseis cargos de Promotor de Justiça Substituto, dezenove cargos dePromotor de Justiça Substituto da 3ª Entrância, e dez cargos de Promotor de JustiçaSubstituto, de Entrância Especial, a serem preenchidos gradualmente.

Parágrafo único. Ficam criados, também, três cargos de Promotor deJustiça de Entrância Especial, para exercício junto ao Tribunal de Contas, aserem preenchidos pelos critérios de antigüidade e merecimento.”

3. O requerente alega que a inexistência de um Ministério Público especializadopara atuar junto ao Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo ofende os artigos 751

e 1302 da Constituição. Afirma que não é possível atribuir ao Chefe do MinistérioPúblico estadual a prerrogativa de designar os membros que formarão o quadro funcio-nal do Ministério Público especial, muito menos suprir a falta de um quadro próprio commembros do Ministério Público estadual. Sustenta, por fim, que a composição dos tribu-nais de contas dos Estados-Membros deve observar a fórmula fixada na Constituição doBrasil.

4. O Governador do Estado destaca que o artigo 1283 da CB/88 fixa diretamente oregramento da matéria, não sendo possível extrair do artigo 130 a previsão da existênciade um Ministério Público especial. No que se refere ao artigo 73, § 2º4, da Constituição,sustenta que o fato de destinar-se aos membros do Ministério Público uma vaga noTribunal de Contas não leva à conclusão de que se trata, no caso, de um órgão autônomo.

1 Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composiçãoe fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais eConselhos de Contas dos Municípios.

2 Art. 130. Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se asdisposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura.

3 Art. 128. O Ministério Público abrange:

I - o Ministério Público da União, que compreende:

a) o Ministério Público Federal;

b) o Ministério Público do Trabalho;

c) o Ministério Público Militar;

d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;

II - os Ministérios Públicos dos Estados.

4 Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal,quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, asatribuições previstas no art. 96.

(...)

§ 2º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:

I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo doisalternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em listatríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento;

II - dois terços pelo Congresso Nacional.

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5. Argumenta que pressupor a existência do Ministério Público à parte da instituição

atuante na União e nos Estados, colocado à mercê do Tribunal de Contas, enfraquece os

princípios da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional, em flagrante

retrocesso histórico e violação ao disposto no artigo 127, § 1º e § 2º5, da Constituição do

Brasil [fls. 138/155].

6. A Assembléia Legislativa sustenta a inconstitucionalidade dos preceitos questio-

nados em face dos artigos 73, § 2º, inciso I, 75 e 128 da Constituição do Brasil. Afirma

que a estrutura do Ministério Público especial deve ser definida na lei orgânica do

Tribunal de Contas. Acrescenta que o modelo previsto na Constituição deve ser seguido

pelas cortes de contas estaduais [fls. 176/193].

7. O Advogado-Geral da União ressalta que este Tribunal já se manifestou diversas

vezes sobre o tema, acrescentando que as atribuições do Ministério Público especial,

que é integrado à estrutura organizacional do próprio Tribunal de Contas, não se con-

fundem com as atribuições do MP comum, sendo vedado a este exercer as funções que a

Constituição reservou àquele [fls. 241/248].

8.O Procurador-Geral da República, reiterando os argumentos trazidos na inicial,

opina pela procedência do pedido [fls. 254/257].

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Ministros

[RISTF, artigo 172].

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Trata-se de ação direta na qual é objetivada adeclaração de inconstitucionalidade do inciso IV do § 1º do artigo 21; do § 2º do artigo21; do § 2º do artigo 33; da expressão “e ao Tribunal de Contas”, constante do artigo186; e do parágrafo único do artigo 192; todos da Lei Complementar n. 95, de 28 dejaneiro de 1997, do Estado do Espírito Santo.

2. O ponto central a ser considerado no exame desta ação direta diz com a possibi-

lidade de Procuradores de Justiça do Estado do Espírito Santo atuarem junto à Corte de

Contas estadual, em substituição aos membros do Ministério Público especial.

5 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuaisindisponíveis.

§ 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independên-cia funcional.

§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observadoo disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviçosauxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratóriae os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento.

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3. Questão idêntica foi apreciada por esta Corte quando do julgamento da ADI n.2.884, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 20-5-05. Naquele julgamento, no qualfoi discutida a possibilidade de atuação do Ministério Público comum junto ao Tribunalde Contas do Estado do Rio de Janeiro, a Corte entendeu que somente o MinistérioPúblico especial tem legitimidade para atuar junto aos Tribunais de Contas dos Estadose que a organização e composição dos tribunais de contas dos Estados-Membros estãosujeitas ao modelo jurídico estabelecido pela Constituição do Brasil [artigo 75], queprevê a atuação do MP especial junto aos Tribunais de Contas.

4. A Lei Complementar n. 95, do Estado do Espírito Santo, é inconstitucional nospontos em que prevê a possibilidade de Procuradores de Justiça suprirem a não-existên-cia, naquela unidade federativa, do Ministério Público especial de atuação específica noTribunal de Contas estadual [inciso IV do § 1º do artigo 21; § 2º do artigo 21; § 2º doartigo 33; a expressão “e ao Tribunal de Contas” constante do artigo 186; e o parágrafoúnico do artigo 192]. Os preceitos são incompatíveis com o modelo federal, de obser-vância compulsória pelos Estados-Membros, inclusive no que se refere à clientela à qualestão vinculadas as nomeações do Governador: um provimento será de sua livre escolhae as duas vagas restantes deverão ser preenchidas, necessariamente, uma por ocupante decargo de Auditor do Tribunal de Contas, a outra por membro do Ministério Públicojunto àquele órgão [ADI n. 892, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 7-11-97;ADI n. 2.013, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 8-10-99 e; ADI n. 2.209,Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 25-4-03; e ADI n. 2.596, Relator o MinistroSepúlveda Pertence, DJ de 2-5-03].

Julgo procedente o pedido formulado nesta ação direta e declaro inconstitucionaiso inciso IV do § 1º do artigo 21; o § 2º do artigo 21; o § 2º do artigo 33; a expressão “eao Tribunal de Contas” constante do artigo 186; e o parágrafo único do artigo 192;todos da Lei Complementar n. 95, de 28 de janeiro de 1997, do Estado do Espírito Santo.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.192/ES — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Procurador-Geral daRepública. Requeridos: Governador do Estado do Espírito Santo e Assembléia Legisla-tiva do Estado do Espírito Santo.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta, nostermos do voto do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente, justifica-damente, neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto,Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Procurador-Geral da República,Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 24 de maio de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.206 — DF

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Requerentes: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitali-dade – CONTRATUH, Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio – CNTC,Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, Confederação Nacional dosTrabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins – CNTA, Confederação Nacional dosTrabalhadores nas Empresas de Crédito – CONTEC, Confederação Nacional dos Traba-lhadores na Indústria – CNTI, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabeleci-mentos de Educação e Cultura – CNTEEC, Confederação dos Servidores Públicos doBrasil – CSPB, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres –CNTTT e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicações e Publicidade –CONTCOP — Requerido: Ministro de Estado do Trabalho e Emprego

Contribuições — Categorias profissionais — Regência — Portaria —Inconstitucionalidade formal. A regência das contribuições sindicais háde se fazer mediante lei no sentido formal e material, conflitando com a

Carta da República, considerada a forma, portaria do Ministro de Estadodo Trabalho e Emprego, disciplinando o tema.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notastaquigráficas, por unanimidade, julgar procedente a ação para declarar a inconstitucio-nalidade da Portaria n. 160, de 13 de abril de 2004, do Ministro de Estado do Trabalhoe Emprego.

Brasília, 14 de abril de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio,Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ajuízam esta ação direta de inconstitucionalidade aConfederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade – CONTRATUH,a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio – CNTC, a ConfederaçãoNacional dos Trabalhadores na Indústria – CNTI, a Confederação Nacional dos Traba-lhadores na Saúde – CNTS, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabeleci-mentos de Educação e Cultura – CNTEEC, a Confederação dos Servidores Públicos doBrasil – CSPB, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres –CNTTT, a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação eAfins – CNTA, a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito –CONTEC e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicações e Publicida-de – CONTCOP. Fazem-no considerada a Portaria n. 160, de 13 de abril de 2004, doMinistro de Estado do Trabalho e Emprego, que tem o seguinte teor:

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Portaria n. 160, de 13 de abril de 2004

Dispõe sobre o desconto em folha de pagamento de salário das contribuiçõesinstituídas pelos sindicatos. O Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, nouso das atribuições que lhe conferem o art. 87, parágrafo único, II, da ConstituiçãoFederal, e o art. 913 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada peloDecreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943,

Considerando o disposto no art. 8º, V, da Constituição Federal, que dispõesobre a liberdade de filiação;

Considerando o disposto no art. 513, inciso e, da Consolidação das Leis doTrabalho – CLT, que dispõe sobre a prerrogativa do sindicato de impor contribui-ções a todos aqueles que participem das categorias econômicas ou profissionais,ou das profissões liberais representadas;

Considerando o disposto no art. 8º, inciso IV da Constituição Federal, queautoriza a fixação de contribuição confederativa em assembléia geral da categoriaa ser descontada em folha de pagamento de salário;

Considerando o disposto no art. 545 da Consolidação das Leis do Trabalho –CLT, que condiciona o desconto em folha de pagamento das contribuições devidasao sindicato à prévia autorização do empregado, salvo quanto à contribuiçãosindical;

Considerando o Enunciado da Súmula n. 666 do Supremo Tribunal Federal,que estabelece que a contribuição confederativa de que trata o art. 8º, inciso IV, daConstituição Federal, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo;

Considerando o Precedente Normativo n. 119 do Tribunal Superior do Tra-balho, segundo o qual é ofensivo ao direito de livre associação e sindicalização,previsto nos arts. 5º, inciso XX, e 8º, inciso V, da Constituição Federal, cláusulaconstante de convenção, acordo coletivo ou sentença normativa estabelecendocontribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistemaconfederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras damesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados; e

Considerando a necessidade de orientar empregadores, sindicatos e traba-lhadores acerca do procedimento para recolhimento das contribuições instituídaspelas entidades sindicais, resolve:

Art. 1º As contribuições instituídas pelos sindicatos em assembléia geral dacategoria, em especial a confederativa e/ou as constantes de convenção ou acordocoletivo e sentença normativa, em especial a contribuição assistencial, são obriga-tórias apenas para os empregados sindicalizados.

§1º A contribuição confederativa, prevista no inciso IV, do art. 8º da Constitui-ção Federal, fixada pela assembléia geral do sindicato, tem por finalidade custear osistema confederativo.

§ 2º A contribuição assistencial, prevista na alínea e, do art. 513, da CLT, edemais decorrentes do mesmo diploma legal, deverão constar de convenção ouacordo coletivo de trabalho, devidamente registrado no setor competente do órgão

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local do Ministério do Trabalho e Emprego, ou de sentença normativa, e tem porfinalidade custear as atividades assistenciais, melhorias e o crescimento sindical,além da participação da entidade nas negociações por melhores condições detrabalho.

Art. 2º O empregador poderá efetuar o desconto, em folha de pagamento desalário, do valor correspondente às contribuições devidas pelos empregados aossindicatos respectivos e previstas em convenção ou acordo coletivo de trabalhoregistrados no Ministério do Trabalho e Emprego, em sentença normativa ou emassembléia geral sindical, quando notificado do valor das contribuições.

§ 1º Para os empregados não sindicalizados, o desconto em folha de paga-mento somente poderá ser efetuado mediante prévia e expressa autorização doempregado

I - A autorização de que trata o parágrafo 1º será efetuada por escrito, econterá as seguintes informações:

A) nome do sindicato para o qual será creditada a contribuição;

B) identificação do instrumento coletivo que instituiu a contribuição e operíodo de vigência;

C) identificação do valor ou da forma de cálculo da contribuição;

D) identificação e assinatura do empregado.

II - A autorização terá validade pelo período de vigência do instrumentocoletivo e poderá ser revogada pelo empregado a qualquer tempo.

§ 2º O desconto em folha de pagamento efetuado sem a devida autorizaçãodo empregado não sindicalizado ou com base em instrumento coletivo não regis-trado no MTE sujeita o empregador a autuação administrativa pela fiscalização dotrabalho (Ementa n. 000365-4 – Efetuar descontos nos salários do empregado,salvo os resultantes de adiantamentos, de dispositivos de lei ou convenção coletivade trabalho).

Art. 3º O empregador fará o recolhimento da contribuição à entidade sindicalaté o décimo dia do mês subseqüente ao do desconto, de acordo com o parágrafoúnico do art. 545 da CLT.

Parágrafo único. O não recolhimento da contribuição descontada do empre-gado no prazo mencionado no caput implica na incidência de juros de mora de10% sobre o montante retido, sem prejuízo da multa administrativa prevista no art.553 da CLT, e das cominações penais.

Art. 4º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

Buscam as requerentes demonstrar que se trata de ato normativo abstrato, a desafiaro controle concentrado de constitucionalidade. Citam precedentes desta Corte — Medi-das Cautelares nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 748-3/RS, Relator Minis-tro Celso de Mello, e n. 1.088-3/PI, Relator Ministro Francisco Rezek. No primeiro, ter-se-ia definido o exame da constitucionalidade em tese, presente o conceito de ato

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normativo, a partir da autonomia jurídica, da constatação do coeficiente de generalida-de abstrata e da impessoalidade. No segundo, estando envolvida portaria do Tribunal deJustiça do Estado do Piauí que implicara a imposição da concordância do servidor parao desconto da contribuição sindical, a Corte veio a deferir a liminar e a seguir, procla-mando a adequação da ação direta de inconstitucionalidade, julgou procedente opedido formulado.

Sob o ângulo da pertinência temática, apontam as requerentes que o ato normativointerfere na organização sindical, impedindo o desconto automático de contribuiçõessindicais em folha de pagamento dos trabalhadores e, aí, mais uma vez, mencionamprecedentes — Medidas Cautelares nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.1.416-1/PI e 1.088-3/PI e Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.526-5/DF. No tocanteà inconstitucionalidade, argúem o extravasamento do que permitido na Carta da Repú-blica, tendo em conta o disposto nos artigos 7º, inciso XXVI; 8º, incisos I, III e IV; 37,cabeça; 87, parágrafo único, inciso II, e 102, § 2º, da Constituição Federal. Alegam aintervenção na organização sindical, sustentando que a portaria ultrapassou os limitesque lhe são próprios. Reproduzem lição de José Cretella Júnior consoante a qual portariaseria ato a encerrar “determinação ou ordem baixada por agente administrativo catego-rizado, objetivando providências oportunas e convenientes para o bom andamento doserviço público”. Ter-se-ia eficácia extramuros, considerada a Administração Pública, asaber:

a) obrigação de registrar convenções e acordos coletivos;

b) exigência de requerimento prévio e expressa autorização ao empregador parapromover desconto de contribuições;

c) sanção pecuniária caso o empregador deixe de observar o que imposto.

Tais circunstâncias estariam a revelar o ato como a discrepar da Lei Maior, resul-tando na invasão de seara normativa constitucional. Aludem as autoras ao previsto noartigo 4º da portaria em questão, sobre a vigência do ato a partir da publicação. Aduzemque, mediante a Portaria n. 180, de 30 de abril de 2004, veio o Ministro de Estado doTrabalho e Emprego a suspender a eficácia, até 31 de maio de 2005, do artigo 1º e dos §§

1º e 2º do artigo 2º da portaria atacada. Assim, acabara por introduzir a vacatio legis

própria à normatividade abstrata e autônoma. Evocam o que decidido na Medida Caute-

lar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.946-5/DF — que apontam relatada pelo

Ministro Sepúlveda Pertence quando, na realidade, relatada pelo Ministro Sydney

Sanches —, em que proclamada a impossibilidade de Ministro de Estado expedir instru-

mento para regular norma constitucional. Asseveram que a previsão de sanções afigura-se

imprópria, à luz do precedente formalizado na Medida Cautelar na Ação Direta de

Inconstitucionalidade n. 1.823-1/DF, relatada pelo Ministro Ilmar Galvão.

Passam à análise dos limites da atuação do Ministério do Trabalho e Emprego, tal

como informado no acórdão proferido no Mandado de Injunção n. 144-8/SP, relatado

pelo Ministro Sepúlveda Pertence. Na oportunidade, a Corte teria rechaçado o controle

do Ministério do Trabalho relativamente à atuação sindical e, ao julgar o Recurso Extra-

ordinário n. 157.940-4/DF, relatado pelo Ministro Maurício Corrêa, assentara, mais uma

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vez, a impossibilidade de intervenção pública nos sindicatos. Remetem as requerentes à

Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.121-9/RS, Relator Minis-

tro Celso de Mello, e também ao voto do Ministro Maurício Corrêa no Recurso Extraor-

dinário n. 217.355-5/MG, quando glosada interpretação restritiva do inciso VIII do

artigo 8º da Constituição Federal, no tocante à dualidade sindicato patronal e sindicato

dos trabalhadores. Reiteram a previsão, na portaria, de registro de convenções e acordos

coletivos estranho à ordem jurídica em vigor, mencionando a conclusão do Tribunal

Regional do Trabalho da 3ª Região no Recurso Ordinário n. 15.635/96. No julgamento

do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 207.910-3/SP, o Ministro Relator

salientara não mais persistir restrições, atinentes ao tema, versadas na Consolidação das

Leis do Trabalho, ante os incisos I e II do artigo 8º da Constituição Federal. Reportam-se

ao precedente consubstanciado na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.309-2/DF,

relatada pelo Ministro Carlos Velloso, quando proclamado haver ocorrido, com a Carta

de 1988, recuo quanto à intervenção do Estado nas relações de trabalho, em favor de

uma maior projeção da autonomia dos grupos ou categorias que representem interesses

próprios e que se mostram mais aptos a resolver as próprias diferenças.

No campo doutrinário, apóiam-se em Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, mais

precisamente no ensinamento segundo o qual “a competência das repartições públicas,

e, outrossim, dos cargos públicos, se rege por dois princípios básicos: a) nenhuma

competência existe sem ser fixada em norma jurídica, e, em princípio, mediante lei, a qual

disciplina a organização estatal” — Princípios Gerais de Direito Administrativo, Forense,

1ª Edição, Volume II, páginas 88/90. Assim, ao condicionar-se à manifestação de traba-

lhador a feitura de desconto de contribuição, ter-se-ia agido em flagrante ofensa aos

incisos I e IV do artigo 8º do Diploma Maior. Reiteram as requerentes o precedente

específico advindo com o julgamento de mérito da Ação Direta de Inconstitucionalida-

de n. 1.088-3/PI, relatada originariamente pelo Ministro Francisco Rezek, destacando o

voto do Relator substituto, Ministro Nelson Jobim, no que concludente sobre o desres-

peito, à Constituição, de ato a jungir o desconto ao requerimento do trabalhador. Quanto

a essa condição, também se referem ao que deliberado nos Recursos Extraordinários n.

220.700-1/RS e 189.960-3/SP, respectivamente relatados pelo Ministro Octavio Gallotti e

por mim.

O fecho da peça é no sentido de se suspender a eficácia da portaria, ressaltando as

requerentes que, mesmo suspensos certos dispositivos, haverá resistência dos empregado-

res diante da ambigüidade notada no ato. O pleito de fundo é pela declaração do conflito

constitucional. A inicial fez-se acompanhada dos documentos de folhas 31 a 639.

Às folhas 642 e 643, acionei o disposto no artigo 12 da Lei n. 9.868/99, visando ao

julgamento definitivo, e determinei fossem colhidas informações, a manifestação do

Advogado-Geral da União e o parecer do Procurador-Geral da República.

Ao processo veio o Aviso n. 118, do Ministério do Trabalho e Emprego, encami-

nhando, a esta Corte, parecer da Consultoria Jurídica daquele Ministério e documentos.

Na peça, distinguem-se quatro espécies de contribuições sindicais: contribuição sindical

obrigatória, de natureza parafiscal, prevista nos artigos 8º, IV, da Constituição Federal e

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578 a 610 da Consolidação das Leis do Trabalho, correspondente a um dia de trabalho

por ano, descontada da folha de pagamento do mês de março e recolhida até 30 de abril

de cada ano; contribuição confederativa estabelecida no citado dispositivo constitucio-

nal; contribuição assistencial aprovada em convenção ou acordo coletivo, versada no

artigo 513, alínea e, da Consolidação das Leis do Trabalho, e as mensalidades dos

associados, satisfeitas por aqueles que busquem vínculo maior com a entidade sindical.

Tem-se que a contribuição sindical é obrigatória relativamente aos que integrem a cate-

goria profissional. As dúvidas acerca do desconto em folha dos não-associados concer-

niriam à contribuição confederativa e à contribuição assistencial fixada em convenção

e acordo coletivo. Evoca-se o Precedente Normativo n. 119 do Tribunal Superior do

Trabalho, a consignar ofensiva à liberdade sindical cláusula constante de acordo, con-

venção coletiva ou sentença normativa estabelecendo, a título de custeio do sistema

confederativo, assistencial, de revigoramento ou fortalecimento sindical, obrigação

quanto aos não-sindicalizados. Esta Corte teria editado o Verbete n. 666 da própria

Súmula, consoante o qual a contribuição confederativa de que cuida o artigo 8º, inciso

IV, da Constituição Federal só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo. Ante a

jurisprudência pacífica, resolvera o Ministro do Trabalho e Emprego normatizar admi-

nistrativamente a posição dos tribunais. Assim, não teria a portaria trazido qualquer

inovação quanto à matéria. O objetivo fora único — evitar demandas administrativas e

judiciais. No que tange à sanção, alude-se ao fato de não haver sido criada, porquanto já

prevista no artigo 510 da Consolidação das Leis do Trabalho. Sobre a suspensão da

eficácia operada pela Portaria n. 180, argumenta-se haver resultado de reunião com as

centrais sindicais, estando em curso estudo, feito pelo Fórum Nacional do Trabalho,

acerca da reforma sindical e da regulamentação das contribuições. A portaria não teria

regulamentado preceito da Constituição, longe ficando de agredir a liberdade sindical.

Em relação às convenções e acordos coletivos e ao registro de tais documentos, reporta-

se o parecer ao disposto no artigo 614 da Consolidação das Leis do Trabalho, informan-

do-o recepcionado pela Carta de 1988, ao emprestar eficácia ao depósito no Ministério

do Trabalho e Emprego. Daí a existência da Instrução Normativa n. 1/2004, do Ministé-

rio do Trabalho e Emprego.

A Advocacia-Geral da União manifestou-se por meio da peça de folhas 698 a 708,

argüindo, preliminarmente, o não-cabimento do controle concentrado de constituciona-

lidade, em se tratando de portaria. Fez referência ao que decidido por esta Corte no

julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 2.055-2/DF e n. 1.653-9/DF.

Sobre o tema de fundo, ressalta a distinção entre contribuição confederativa e contribui-

ção assistencial — a primeira voltada ao financiamento do sistema confederativo e a

segunda, decorrente de sentenças normativas e de acordos e convenções coletivas, dire-

cionada ao custeio das atividades assistenciais, sendo o desconto de natureza convenci-

onal e não compulsória. A contribuição assistencial estaria a pressupor o envolvimento

de trabalhador sindicalizado; em relação aos não-sindicalizados, seria indispensável a

autorização. Evoca a Advocacia-Geral Délio Maranhão, dada a necessidade de autoriza-

ção, bem como Arnaldo Sussekind, quanto ao fato de a contribuição do inciso IV do

artigo 8º da Constituição Federal estar prevista relativamente aos associados do sindicato.

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No tocante ao registro das convenções e acordos coletivos, aponta a previsão no artigo614 da Consolidação das Leis do Trabalho. Diz da diferença do trato da contribuiçãoassistencial — artigos 462 e 513 da Consolidação das Leis do Trabalho — e da contri-

buição federativa, esta última já contando com determinação de desconto em folha depagamento pela Carta da República. Sobre a sanção versada na portaria, remete à normado artigo 510 da Consolidação das Leis do Trabalho, refutando o conflito do ato atacadocom o princípio da legalidade e com a regência da atuação do Ministério do Trabalho eEmprego a partir do disposto no inciso II do parágrafo único do artigo 87 da Constitui-ção Federal. Ter-se-ia a prática de ato à luz do artigo 913 da Consolidação das Leis do

Trabalho.

O parecer da Procuradoria-Geral da República é pela improcedência do pedido dedeclaração de inconstitucionalidade, estando a peça de folhas 710 a 717 assim sintetizada:

Portaria n. 160 do Ministério do Trabalho e Emprego, de 13 de abril de 2004,que “dispõe sobre o desconto em folha de pagamento de salário das contribui-

ções instituídas pelos sindicatos”: eficácia suspensa temporariamente, com aedição da Portaria n. 180, de 30 de abril de 2004.

— Parecer no sentido de que seja declarada prejudicada a presente ação e, nomérito, pela improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade.

De acordo com o Ministério Público, mostra-se adequada a ação direta de incons-

titucionalidade, mencionando precedentes — Medidas Cautelares nas Ações Diretas deInconstitucionalidade n. 1.088-3/PI, Relator Ministro Francisco Rezek, e 962-1/PI,Relator Ministro Ilmar Galvão. Sob o ângulo da prejudicialidade, ressalta a suspensãoda eficácia do ato normativo. No mais, reporta-se às informações do Ministério doTrabalho e Emprego e à manifestação da Advocacia-Geral da União.

As requerentes pleitearam o exame do pedido sob o ângulo acautelador — folhas720 a 722 —, sendo que, mediante o despacho de folhas 727 e 728, de 5 de outubro do

corrente ano, consignei encontrar-se o processo devidamente aparelhado para julga-mento. Emprestei-lhe a preferência cabível.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): O ato atacado conta com autonomiasuficiente a desafiar o controle concentrado de constitucionalidade. Disciplina ascontribuições criadas em assembléia geral da categoria, fazendo referência não só àconfederativa, prevista no artigo 8º, inciso IV, da Constituição Federal, como à assisten-cial, versada na alínea e do artigo 513 da Consolidação das Leis do Trabalho. Dispõesobre a obrigatoriedade apenas quanto aos empregados sindicalizados, determinando o

desconto em folha de pagamento de salários quando fixadas as últimas em convençãoou acordo coletivo e em sentença normativa, exigindo a autorização do empregado,caso não seja associado. A tanto equivale o emprego do vocábulo “sindicalizado”, deinício e sob o ângulo técnico, a sinalizar integrante da categoria profissional. Mais do

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que isso, estabelece que a feitura do desconto em folha de pagamento sem autorização

do empregado não-associado sujeita o empregador à autuação administrativa e que o

não-recolhimento da importância descontada implica a incidência de juros da mora e de

multa equivalente a 10% do total retido.

Nota-se abrangência normativa que suplanta, em si, os parâmetros do ato atacado

na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.088-3, do Piauí, relatada pelo Ministro

Francisco Rezek, quando a Corte mesmo assim concluiu pela admissibilidade, dizendo

do cabimento do controle concentrado de constitucionalidade, chegando, no julgamento

de fundo, a declarar conflitante com a Carta da República ato de tribunal que, mediante

idêntico instrumento, ou seja, portaria, importara na exigência, para o desconto, da

concordância do servidor. Atente-se para o dado vital, em que pese aos considerandos.

Ainda que afastados do cenário jurídico os dispositivos legais referidos na portaria,

muito mais com o objetivo de definir as matérias alvo de disciplina, subsistirá o ato.

No que concerne à pertinência temática, iniludivelmente há envolvimento das

Confederações, no que as parcelas alvo da disciplina visam, em si, à atuação das entida-

des sindicais, dos sindicatos, das federações e das próprias confederações. Também não

procede o prejuízo aventado pelo Procurador-Geral da República. A Portaria n. 160, de

13 de abril de 2004, não foi revogada pela de n. 180/2004, mas apenas suspensa, em face

do artigo 1º e os §§ 1º e 2º do artigo 2º, delimitando-se no tempo o fenômeno. Vale dizer:

tem-se a normatização latente e verdadeira vacatio legis, haja vista o termo final desta

em 31 de maio de 2005. Na suspensão operada, encontrar-se-ia base, isso sim, para

afastar-se o deferimento de medida acauteladora, ante a inexistência de risco, mas não

para fulminar-se a ação e, quem sabe, virem as requerentes a repeti-la em 1º de junho de

2005. Assento, por isso, em exame preliminar, a legitimidade das requerentes, a adequa-

ção do controle concentrado de constitucionalidade e a ausência do prejuízo, levando

em conta a Portaria n. 180/2004.

No mais, não se está diante de ato do Ministro do Trabalho e Emprego voltado ao

serviço público, à orientação de subordinados. Extravasa a Portaria n. 160 os parâmetros

próprios a ter-se o que se espera de autoridade de nível inferior à Chefia do Executivo: a

transmissão, a subordinados, de decisões de efeito interno, relacionadas com as ativida-

des do Ministério. A competência dos Ministros de Estado de expedir instruções para a

execução de leis, decretos e regulamentos há de ser tomada de forma estrita, direcionada ao

funcionamento em si do Ministério. Atente-se para a abrangência da portaria. Alcança, a

um só tempo, a disciplina da contribuição confederativa e da contribuição assistencial,

introduzindo práticas a serem observadas, uma vez frutificando a negociação coletiva,

presentes os instrumentos acordo e convenção coletiva, ou prolatada sentença normativa.

Ainda que se admita que certos dispositivos da portaria repetem o que previsto na ordem

jurídica, como ocorre quanto ao § 1º do artigo 1º, salta aos olhos a impropriedade. De

qualquer forma, descabe reconhecer ao Ministro de Estado alçada para definir a espécie

de instrumento própria à previsão de contribuição bem como consignar a finalidade

desta última. Quanto à contribuição versada na alínea e do artigo 513 da Consolidação

das Leis do Trabalho — dispondo-se sobre a necessidade de estar prevista em convenção

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ou acordo coletivo e destinar-se o que arrecadado ao custeio de atividades assistenciais,a melhorias e ao crescimento sindical, além de viabilizar a participação nas negociaçõespor melhores condições de trabalho —, sem dúvida alguma, aditou-se a Consolidaçãodas Leis do Trabalho, invadindo-se campo reservado ao legislador. De igual forma há dese concluir relativamente ao desconto em folha. De acordo com o artigo 2º da portaria, odesconto deve ser efetuado em folha de pagamento de salário, desde que prevista acontribuição em instrumento coletivo registrado no Ministério do Trabalho e Empregoou em sentença normativa ou outro instrumento que evidencie a deliberação de assem-bléia geral. Impõe o citado artigo a obrigatoriedade de notificação do valor das contri-buições, prevendo o § 1º a necessidade de se contar com prévia e expressa autorizaçãodo empregado, quando não-associado. A tanto equivale a referência a “não-sindicaliza-dos”. Em síntese, acabou-se por introduzir, no tocante à prerrogativa dos sindicatos deimpor contribuições aos integrantes da categoria profissional, exigência estranha aoartigo 513, alínea e, da Consolidação das Leis do Trabalho. Vale frisar que o artigo 545desse diploma, ao estabelecer a necessidade de autorização, refere-se não à contribuiçãosindical de que cuida o artigo 513, alínea e, mas a mensalidades devidas ao sindicato.

A análise feita, cotejando-se portaria e Consolidação das Leis do Trabalho, temobjetivo único, ou seja, demonstrar o extravasamento do campo reservado constitucio-nalmente ao Ministro de Estado, relativamente às portarias. Quanto aos demais artigos,acerca da glosa do desconto em folha de pagamento sem autorização do empregado e doprazo para recolher-se a contribuição, pouco importa que se tenha repetido a Consolida-ção das Leis do Trabalho. O que cumpre perquerir é que se adentrou área da normatiza-ção abstrata e autônoma, o que, a todos os títulos, mostra-se vedado.

Consigno mais que, em 1º de dezembro de 2004, o Senado da República aprovoudecreto legislativo, cujo projeto, de n. 1.125 e de iniciativa do Senador Paulo Paim, foisubscrito por todos os líderes partidários com o seguinte teor:

Art. 1º Fica sustada a Portaria n. 160, de 13 de abril de 2004, do Ministro deEstado do Trabalho e Emprego, que “dispõe sobre o desconto em folha de paga-mento de salário das contribuições instituídas pelos sindicatos”.

Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

Julgo procedente o pedido formulado para, ante o vício formal, declarar a incons-titucionalidade da Portaria n. 160, de 13 de abril de 2004, do Ministro do Trabalho eEmprego.

PEDIDO DE ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Marco Aurélio, essa contribui-ção é a do inciso IV do artigo 8º?

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): É a contribuição confederativa e a assisten-cial. A confederativa, do artigo 8º — e se regulamentou até mesmo a Constituição —, e aassistencial, prevista na Consolidação das Leis do Trabalho.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Temos a Súmula n. 666.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): O problema para mim, Presidente, coloca-se sob o ângulo formal, considerada a disciplina pelo Ministro de Estado. Esse é o maiorproblema.

Aqui, não cabe discutir se realmente há de se exigir, ou não, a concordância do

empregado, mas se o Ministro de Estado poderia normatizar essa matéria. E ele foi muitoadiante na normatização. Não li a portaria adotando uma prática do Colegiado, mas elefoi muito adiante nessa mesma portaria, ganhando o ato contornos, portanto, normativosabstratos.

Por exemplo, tem-se na portaria:

Art. 1º As contribuições instituídas pelos sindicatos em assembléia geral dacategoria, em especial a confederativa e/ou as constantes de convenção ou acordocoletivo e sentença normativa, em especial a contribuição assistencial, são obriga-

tórias apenas para os empregados sindicalizados.

Poderia normatizar nesse campo? A meu ver, não.

E o § 1º do mesmo artigo dispõe:

§ 1º A contribuição confederativa, prevista no inciso IV do artigo 8º daConstituição Federal, fixada pela assembléia geral do sindicato, tem por finalidadecustear o sistema confederativo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não há nenhum procedimento do Ministério.Ele não está se referindo e nem burlando a decisão de nenhum procedimento.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A não ser exigindo o arquivo de atos que

versem sobre essas contribuições, acabando por impor, inclusive, juros da mora. Tam-

bém se cogita, no ato, da multa do artigo 553 da Consolidação das Leis do Trabalho.

De duas, uma: ou se tem uma ordem jurídica que breca o desconto quanto a não

associados, que deve ser observada, ou não se tem. Agora, não cabe ao Ministro de

Estado — e isso foi percebido, inclusive, pelo Senado da República — adentrar esse

campo, criando balizas a respeito.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A minha preocupação é que, pela susten-

tação oral produzida, sustentava-se, aqui, que essa contribuição sindical era devida por

todos.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A premissa é única, Presidente. Não adoto

essa óptica. Apenas parto da seguinte tese: atuou o Ministro de Estado do Trabalho em

campo que não lhe estava reservado. Fico apenas no vício formal.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Precisamos evitar que isso seja interpre-

tado como se o Tribunal estivesse reconhecendo que, no nosso sistema, a contribuição

confederativa pode ser cobrada de todos.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Que órgão seria competente para fixar essa orienta-

ção que demanda da jurisprudência do Supremo? Como se implementa essa orientação?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não se implementa, esse é o problema.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Presidente, no final do voto, para evitar

dúvidas quanto ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, digo:

A análise feita, cotejando-se portaria e Consolidação das Leis do Trabalho,

tem objetivo único, ou seja, demonstrar o extravasamento do campo reservado

constitucionalmente ao Ministro de Estado, relativamente às portarias.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A impressão que se tem é que a portaria tem caráter

meramente declaratório e interpretativo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): O Ministro de Estado foi além, ao discipli-

nar o objeto das contribuições, ao prever juros da mora, ao estipular prazos.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É inconstitucionalidade formal.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Para mim, é só formal.

Imaginemos que, amanhã ou depois, venha-se a derrogar a Consolidação das Leis

do Trabalho, expungindo-se a disciplina. Persistirá o ato do Ministro de Estado. Por isso

é que o Senado da República chegou à sustação. Agora, caso se queira realmente alterar

o sistema — posso até admitir que haja abusos na cobrança dessas contribuições, que

haja desvios no emprego do que arrecadado —, isso deve vir mediante lei em sentido

formal e material.

O Sr. Ministro Carlos Britto: A proposta é evidente: defender os sindicalizados

frente aos próprios sindicatos.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Abriremos um precedente perigoso, caso

admitamos que Ministro de Estado possa fazer as vezes do legislador.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Hoje, o Ministro do Trabalho; amanhã, o

Ministro da Justiça, que se dirá responsável pela manutenção da ordem jurídica; e aí vai.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Tem poder de fiscalizar o sindicato, inclusive arreca-

dação financeira.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Que fiscalize a partir da Consolidação das

Leis do Trabalho e o faça de forma rigorosa. Agora, normatizar é passo demasiadamente

largo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Ministro do Trabalho, hoje, tem uma única

interferência, que é o registro para garantir a unicidade, nada mais.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Para não haver sobreposição de entidades

sindicais.

VOTO

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vou acompanhar o Relator, deixando

absolutamente claro que isso não é um procedimento do Tribunal.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Vou explicitar em meu voto, a mais não

poder, que concluímos pelo conflito considerado o vício formal.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Não faça a incidência da Súmula n. 666.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Talvez deixar in obiter dictum que de fato subsistea jurisprudência do Supremo Tribunal.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Claro, senão ficaríamos bis in idem.Vamos deixar claro que, pela sustentação oral e pela petição inicial, vê-se claramenteque a pretensão é cortar.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Presidente, Vossa Excelência está consi-derando a sustentação, e não o voto do Relator.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Exclusivamente sob o vício formal.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Realmente não é do Ministro do Trabalho, ou,então, voltamos à organização da CLT: se cobrar, ele intervém no sindicato, destituindoa diretoria.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Com esse esclarecimento, acompanho oRelator.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Com essa ressalva e com esse esclarecimento, tambémacompanho o Relator.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não há a ressalva do Relator. O fundamento,considerado o vício formal, está no voto do Relator.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Frisando que a inconstitucionalidade por in-competência da autoridade para editar o ato normativo independe de qualquer exame doconteúdo dela, pouco importando que, no caso, efetivamente, pareça ser um édito con-sagrador, à antiga, da Súmula n. 666.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.206/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Requerentes: ConfederaçãoNacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade – CONTRATUH (Advogados:Agilberto Seródio e outros), Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio –CNTC (Advogados: Benon Peixoto da Silva e outros), Confederação Nacional dos Tra-balhadores na Saúde – CNTS (Advogados: Marco Túlio de Alvim Costa), ConfederaçãoNacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins – CNTA (Advogados:Sid Riedel de Figueiredo), Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas deCrédito – CONTEC (Advogados: José Tôrres das Neves e outros), Confederação Nacionaldos Trabalhadores na Indústria – CNTI, Confederação Nacional dos Trabalhadores emEstabelecimentos de Educação e Cultura – CNTEEC, Confederação dos ServidoresPúblicos do Brasil – CSPB, Confederação Nacional dos Trabalhadores em TransportesTerrestres – CNTTT e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicações ePublicidade – CONTCOP (Advogados: Ubiracy Torres Cuóco e outros). Requerido:Ministro de Estado do Trabalho e Emprego.

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Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar ainconstitucionalidade da Portaria n. 160, de 13 de abril de 2004, do Ministro de Estado doTrabalho e Emprego. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Falou pelas requerentes,Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria – CNTI, Confederação Nacionaldos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação e Cultura – CNTEEC eConfederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicações e Publicidade – CONTCOP,o Dr. Ubiracy Torres Cuóco. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os MinistrosCarlos Velloso e Eros Grau.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral daRepública, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 14 de abril de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.512 — ES

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Requerente: Governador do Estado do Espírito Santo — Requerida: AssembléiaLegislativa do Estado do Espírito Santo

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 7.737/2004, do Estadodo Espírito Santo. Garantia de meia entrada aos doadores regulares desangue. Acesso a locais públicos de cultura, esporte e lazer. Competênciaconcorrente entre a União, Estados-Membros e o Distrito Federal paralegislar sobre direito econômico. Controle das doações de sangue e com-provante da regularidade. Secretaria de Estado da Saúde. Constitucionali-dade. Livre iniciativa e ordem econômica. Mercado. Intervenção do Estadona economia. Artigos 1º, 3º, 170 e 199, § 4º, da Constituição do Brasil.

1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1988 defineopção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa.Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado sóintervirá na economia em situações excepcionais. Muito ao contrário.

2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituiçãoenuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pelasociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado epara a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos1º, 3º e 170.

3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenaspela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, aocontemplá-la, cogita também da “iniciativa do Estado”; não a privilegia,portanto, como bem pertinente apenas à empresa.

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4. A Constituição do Brasil, em seu artigo 199, § 4º, veda todo tipo decomercialização de sangue, entretanto estabelece que a lei infraconstitu-cional disporá sobre as condições e requisitos que facilitem a coleta desangue.

5. O ato normativo estadual não determina recompensa financeiraà doação ou estimula a comercialização de sangue.

6. Na composição entre o princípio da livre iniciativa e o direito àvida há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse públicoprimário.

7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, julgar impro-cedente a ação, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 15 de fevereiro de 2006 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O Governador do Estado do Espírito Santo propõe açãodireta, com pedido de medida cautelar, na qual questiona a constitucionalidade da Leiestadual n. 7.737/04, promulgada pela Assembléia Legislativa, cujo teor é o seguinte:

“Art. 1º Fica instituída a ½ (meia) entrada para doadores regulares de sangue,em todos os locais públicos de cultura, esporte e lazer mantidos pelas entidades eórgãos das administrações direta e indireta do Estado do Espírito Santo.

Art. 2º A ½ (meia) entrada corresponde a 50% (cinqüenta por cento) do valordo ingresso cobrado, sem restrição de data e horário.

Art. 3º Para efeitos desta Lei, são considerados doadores regulares de sangueaqueles registrados no hemocentro e nos bancos de sangue dos hospitais do Estado,identificados por documento oficial expedido pela Secretaria de Estado da Saúde –SESA.

Art. 4º A Sesa emitirá carteira de controle das doações de sangue, comprovandoa regularidade das doações.

Art. 5º São considerados locais públicos estaduais para efeitos desta Lei, osteatros, os museus, os cinemas, os circos, as feiras, as exposições zoológicas, osparques, os pontos turísticos, os estádios e congêneres.

Art. 6º O Poder Executivo regulamentará a presente Lei no prazo de 90(noventa) dias, a contar da data de sua publicação.

Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.

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2. O requerente sustenta que o texto normativo atacado colide com o disposto nosartigos 61, § 1º, inciso II, alínea e, 84, incisos II e VI, alínea a, e 199, § 4º, da Constituiçãodo Brasil1. Afirma que o Poder Legislativo capixaba, ao promulgar a lei atacada, invadiu“esfera de competência privativa do Governador do Estado de dispor sobre a organizaçãoadministrativa do Poder Executivo Estadual”, e que a Constituição de 1988, “ao vedartodo tipo de comercialização do sangue, proíbe qualquer forma de instituição de benefíciofinanceiro como recompensa pela doação de sangue, mesmo que indiretamente”.

3. Determinei, nos termos da decisão de fl. 30, fosse aplicada ao caso a regra doartigo 12 da Lei n. 9.868/99.

4. O Advogado-Geral da União manifesta-se pelo acolhimento parcial do pleito.Diz que o artigo 4º da lei impugnada, ao determinar à Secretaria Estadual de Saúde aemissão de carteira de controle das doações, afronta o disposto nos artigos 61, § 1º,inciso II, alínea e, e 84, incisos II e VI, alínea a, da CB/88, pois comete atribuição a órgãopúblico vinculado ao Poder Executivo estadual. Entende que os demais artigos guar-dam compatibilidade com o texto constitucional, ressaltando que o intuito da lei “é o depreservar o bem estar social do doador e a saúde do paciente que necessite de sangue”[fls. 36/40].

1 Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão daCâmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, aoSupremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cida-dãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

(...)

II - disponham sobre:

(...)

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art.84, VI.

(...)

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(...)

II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;

(...)

VI - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesanem criação ou extinção de órgãos públicos;

(...)

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

(...)

§ 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos esubstâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamentoe transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

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5. O Procurador-Geral da República opina pela improcedência do pedido. Destacaque a lei hostilizada promove incentivo à doação de sangue e não permissão a suacomercialização [fls. 42/45].

6. A Assembléia Legislativa afirma que o ato hostilizado é fruto de regular processolegislativo e que a iniciativa de leis que instituam políticas públicas é concorrente,destacando que apenas o artigo 4º da lei poderia ser considerado inconstitucional.Acrescenta, por fim, que “é exagerada a interpretação de que a lei ora questionadadisponha sobre comércio de sangue” [fls. 61/69].

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos SenhoresMinistros [RISTF, artigo 172].

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Trata-se de ação direta na qual é objetivada adeclaração de inconstitucionalidade de lei capixaba que institui a ½ (meia) entrada emlocais públicos de cultura, esporte e lazer para doadores regulares de sangue e órgãos.

2. A ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema, osistema capitalista, no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstân-cia não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia emsituações excepcionais. Muito ao contrário.

3. A ordem econômica pode ser definida, enquanto parcela da ordem jurídica,mundo do dever ser, como o sistema de normas que define, institucionalmente, determi-nado modo de produção econômica. A ordem econômica diretiva contemplada na Cons-tituição de 1988 propõe a transformação do mundo do ser. O seu artigo 170 determinaque a ordem econômica [mundo do ser] deva estar fundada na valorização do trabalho ena livre iniciativa e deva ter por fim assegurar a todos existência digna, conforme osditames da justiça social, observados determinados princípios. É Constituição diretiva.Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes,programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano deação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitosveiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. Os fundamentos e os fins definidos em seusartigos 1º e 3º são os fundamentos e os fins da sociedade brasileira.

4. É necessário considerarmos, de outra banda, como anota Avelãs Nunes1, que aintervenção do Estado na vida econômica consubstancia um redutor de riscos tanto paraos indivíduos quanto para as empresas, identificando-se, em termos econômicos, comum princípio de segurança: “A intervenção do Estado não poderá entender-se, comefeito, como uma limitação ou um desvio imposto aos próprios objectivos das empresas(particularmente das grandes empresas), mas antes como uma diminuição de riscos euma garantia de segurança maior na prossecução dos fins últimos da acumulação capita-lista”. Vale dizer: a chamada intervenção do Estado no domínio econômico é não ape-nas adequada, mas indispensável à consolidação e à preservação do sistema capitalistade mercado. Não é adversa à lógica do sistema, que em verdade não a dispensa comoelemento da sua própria essência.

1 Do capitalismo e do socialismo. Coimbra: Atlântida, 1972. p. 125.

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5. Assim é porque o mercado é uma instituição jurídica. Dizendo-o de modo maispreciso: os mercados são instituições jurídicas. A exposição de Natalino Irti2 é incisiva:o mercado não é uma instituição espontânea, natural — não é um locus naturalis —, masuma instituição que nasce graças a determinadas reformas institucionais, operando comfundamento em normas jurídicas que o regulam, o limitam, o conformam; é um locusartificialis. O fato é que, a deixarmos a economia de mercado desenvolver-se de acordocom as suas próprias leis, ela criaria grandes e permanentes males. “Por mais paradoxalque pareça — dizia Karl Polanyi3 — não eram apenas os seres humanos e os recursosnaturais que tinham que ser protegidos contra os efeitos devastadores de um mercadoauto-regulável, mas também a própria organização da produção capitalista”. O mercado,anota ainda Irti4, é uma ordem, no sentido de regularidade e previsibilidade de compor-tamentos, cujo funcionamento pressupõe a obediência, pelos agentes que nele atuam, dedeterminadas condutas. Essa uniformidade de condutas permite a cada um desses agen-tes desenvolver cálculos que irão informar as decisões a serem assumidas, de parte deles,no dinamismo do mercado. Ora, como o mercado é movido por interesses egoísticos —a busca do maior lucro possível — e a sua relação típica é a relação de intercâmbio, aexpectativa daquela regularidade de comportamentos é que o constitui como uma or-dem. E essa regularidade, que se pode assegurar somente na medida em que critériossubjetivos sejam substituídos por padrões objetivos de conduta — padrões definidos nodireito posto pelo Estado — implica sempre a superação do individualismo próprio aoatuar dos agentes do mercado.

6. A liberdade, de outra parte, como observei em outra ocasião5, é consagrada, noplano da Constituição de 1988, principiologicamente, como fundamento da RepúblicaFederativa do Brasil e como fundamento da ordem econômica. Ao princípio dá concre-ção, a própria Constituição, nas regras inscritas, v.g., em seus arts. 5º — incisos II, VI, IX,XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XX — e 206, II.

7. Vê-se para logo, destarte, que se não pode reduzir a livre iniciativa, qual consa-grada no artigo 1º, IV, do texto constitucional, meramente à feição que assume comoliberdade econômica ou liberdade de iniciativa econômica.

8. Dir-se-á, contudo, que o princípio, enquanto fundamento da ordem econômica,a tanto se reduz. Aqui também, no entanto, isso não ocorre. Ou — dizendo-o de modopreciso: livre iniciativa não se resume, aí, a “princípio básico do liberalismo econômico”ou a “liberdade de desenvolvimento da empresa” apenas — à liberdade única docomércio, pois. Em outros termos: não se pode visualizar no princípio tão-somente umaafirmação do capitalismo.

9. O conteúdo da livre iniciativa é bem mais amplo do que esse cujo perfil acabo dedebuxar.

2 L’ordine giuridico del mercato. 3. ed. Roma: Laterza, 1998.

3 A grande transformação: As origens da nossa época. Trad. portuguesa de Fanny Wrobel. 2. ed. Riode Janeiro: Campus, 2000. pp. 161 e 163.

4 Ob. cit., p. 5.

5 A ordem econômica na Constituição de 1988. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. pp. 200 e ss.

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10. Ela é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas tambémpelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da “iniciativa doEstado”; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa.

11. Daí por que, de um lado, o artigo 1º, IV, do texto constitucional enuncia comofundamento da República Federativa do Brasil o valor social e não as virtualidadessingulares da livre iniciativa; de outro, o seu art. 170, caput, coloca lado a lado trabalhohumano e livre iniciativa, curando, porém, no sentido de que o primeiro seja valorizado.

12. Os preceitos atinentes à ordem econômica contidos em nossa Constituição nãopodem ser interpretados isoladamente, destacados da totalidade que o texto constitu-cional consubstancia. Disse-o já esta Corte, no exame da ADI n. 319-QO, Relator oMinistro Moreira Alves, afirmando o poder do Estado de, por via legislativa, regular apolítica de preços de bens e serviços. Dever de fazê-lo, diria eu. Função, dever-poder6 dedar concreção às normas-objetivo7 veiculadas pelos artigos 3º e 170 da Constituição.

13. Ora, o § 4º do artigo 199 da Constituição do Brasil estabelece que a lei disporásobre condições e requisitos que facilitem a coleta de sangue. Veda todo tipo de comer-cialização, mas admite o estímulo à coleta de sangue. A lei referida pelo preceito serátanto a federal quanto a estadual. Assim, o que o Estado do Espírito Santo faz através dalei atacada é estimular as doações de sangue, atuando sobre o chamado domínio eco-nômico por indução.

14. A esta altura cumpre distinguirmos três modalidades de atuação estatal nocampo da atividade econômica em sentido estrito (“domínio econômico”), três modali-dades de intervenção8: intervenção por absorção ou participação (a), intervenção pordireção (b) e intervenção por indução (c). No primeiro caso, o Estado intervém nodomínio econômico, isto é, no campo da atividade econômica em sentido estrito.Desenvolve ação, então, como agente (sujeito) econômico. Intervirá, então, por absor-ção ou participação. Quando o faz por absorção, o Estado assume integralmente ocontrole dos meios de produção e/ou troca em determinado setor da atividade econômi-ca em sentido estrito; atua em regime de monopólio. Quando o faz por participação, oEstado assume o controle de parcela dos meios de produção e/ou troca em determinadosetor da atividade econômica em sentido estrito; atua em regime de competição comempresas privadas que permanecem a exercitar suas atividades nesse mesmo setor. Nosegundo e no terceiro casos, o Estado intervirá sobre o domínio econômico, isto é, sobreo campo da atividade econômica em sentido estrito. Desenvolve ação, então, comoregulador dessa atividade. Intervirá, no caso, por direção ou por indução. Quando o fazpor direção, o Estado exerce pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos enormas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica emsentido estrito. Quando o faz, por indução, o Estado manipula os instrumentos de inter-venção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos

6 Sobre a função como dever-poder, vide GRAU, Eros Roberto e FORGIONI, Paula. O Estado, aempresa e o contrato. São Paulo: Malheiros, 2005. pp. 118-119.

7 Vide meus A ordem econômica na Constituição de 1988, cit., pp. 166-167, e Ensaio e discurso sobrea interpretação/aplicação do direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. pp. 128-132.

8 Vide meu A ordem econômica na Constituição de 1988, cit., pp. 148 e ss.

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mercados. No caso das normas de intervenção por indução defrontamo-nos com precei-tos que, embora prescritivos (deônticos), não são dotados da mesma carga de cogênciaque afeta as normas de intervenção por direção. Trata-se de normas dispositivas. Não,contudo, no sentido de suprir a vontade dos seus destinatários, porém, na dicção deModesto Carvalhosa (“Considerações sobre Direito Econômico”, tese, São Paulo, 1971,p. 304) no de “levá-lo a uma opção econômica de interesse coletivo e social que trans-cende os limites do querer individual”. Nelas, a sanção, tradicionalmente manifestadacomo comando, é substituída pelo expediente do convite — ou, como averba Washing-ton Peluso Albino de Souza (Direito Econômico, Saraiva, São Paulo, 1980, p. 122) — de“incitações, dos estímulos, dos incentivos, de toda ordem, oferecidos, pela lei, a quemparticipe de determinada atividade de interesse geral e patrocinada, ou não, pelo Estado”.Ao destinatário da norma resta aberta a alternativa de não se deixar por ela seduzir,deixando de aderir à prescrição nela veiculada. Se adesão a ela manifestar, no entanto,resultará juridicamente vinculado por prescrições que correspondem aos benefícios usu-fruídos em decorrência dessa adesão. Penetramos, aí, o universo do direito premial.

15. A lei estadual hostilizada é expressiva de intervenção por indução, em perfeitacoerência com o preceito veiculado pelo mencionado § 4º do artigo 199 da Constitui-ção. Nela não visualizo, destarte, qualquer mácula que a comprometa.

16. Resta analisar a consonância entre o artigo 4º da lei e o texto constitucional.Segundo o mencionado artigo, caberia à Secretaria de Estado de Saúde – SESA emitir acarteira de controle das doações de sangue, documento que comprovaria a regularidadedessas doações. Esta Corte, examinando questões análogas a esta, declarou inconsti-tucionais leis, de origem parlamentar, que disponham sobre atribuições conferidas aosórgãos subordinados ao Governador [nesse sentido: ADI 2.443/MC, Relator o MinistroMaurício Corrêa, DJ de 29-8-2003; ADI 2.799, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJde 21-5-2004].

17. Também diverge da Constituição do Brasil o artigo 6º, que estabelece prazo de90 (noventa) dias para que o Poder Executivo regulamente a lei. Assim decidiu estaCorte no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 2.393, Relator oMinistro Sydney Sanches, DJ de 28-3-2003, e 546, Relator o Ministro Moreira Alves,DJ de 14-4-2000.

Julgo parcialmente procedente o pedido formulado nesta ação direta, para declararinconstitucionais os artigos 4º e 6º da Lei n. 7.737 do Estado do Espírito Santo.

PEDIDO DE ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Caso se retire isso, não se retira, também, a própriaefetividade da medida? Esse não é o mecanismo de comprovação e, portanto, de controle?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E escolher a Secretaria de Saúde, porque sealega que isso seria de iniciativa privativa do Governador? Fico pensando se poderia sera Secretaria de Agricultura.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Porque aí é uma relação de meio e fim.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ou de meio ambiente.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E de saúde, por razões óbvias.

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O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Permita-me, o artigo 3º da Lei n. 7.737/04dispõe:

“Art 3º Para efeitos desta lei, são considerados doadores regulares de sangueaqueles registrados no hemocentro e nos bancos de sangue dos hospitais doEstado, identificados por documento oficial expedido pela Secretaria de Estadoda Saúde – SESA.”

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Há dualidade — documento de identificação edocumento de controle das doações.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Exatamente.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência afasta o preceito que prevê osegundo documento.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Porque senão só se inscreve, tem benefí-cio na entrada, mas não doa sangue. É para controlar a efetiva doação de sangue.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sim, mas esse documento expedido pelo órgãoque recebe, no Hemocentro, já é suficiente. Não se precisa da carteira.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vamos devagar. Aqui, é indutor paradoar sangue, ou seja, a pessoa que tenha efetivamente doado sangue dentro de umperíodo de tempo. Agora, se você meramente se inscreve como doador e não doa, passaa gozar meia entrada? Aqui, você está alimentando a possibilidade de todo mundo seinscrever e não doar sangue. Ou seja, é um instrumento necessário. É o artigo 4º, porque,senão, tira o artigo 4º e fica só o registro da doação.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Perdoem-me, mas insisto no artigo 3º.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Eros Grau, não estou dizendoisso, mas que o sistema funciona da seguinte forma: você se qualifica, inscreve-se erecebe um documento dizendo que está inscrito para, quando for chamado, eventual-mente, doar sangue. Aqui está dizendo que ele quer a efetiva doação de sangue. Então,para gozar meia entrada, tem de estar em dia com a obrigação.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ele é necessário tanto para a doação do sangue,como para mostrar a regularidade das doações.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Retirar o artigo 4º é, na verdade, retirar a eficácia danorma.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Tira a eficácia da norma, porque o artigo3º é mera inscrição.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Todo ano, o sujeito terá de passar por um processode renovação, mostrando que, no ano anterior, passou por um processo de doação.

Não havia como não atribuir alguma função à Secretaria de Saúde.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se essa sanção premial é constitucional, aí,tem-se que estabelecer um documento de controle.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Para mim, sem dúvida alguma, ela é constitu-cional.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E quanto à organização administrativa, a únicacoisa que se determinou foi a atribuição à Secretaria de Saúde.

VOTO (Retificação)

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Senhor Presidente, evoluo para que permaneçao artigo 4º. Julgo integralmente improcedente a ação.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, peço vênia para sustentar algodiverso.

Continuo entendendo que o Estado, em si, não pode cumprimentar com o chapéualheio.

No § 1º, há referência que engloba não só o Estado propriamente dito, administra-ção direta, como também pessoas jurídicas de direito privado. A tanto leva a alusão àadministração indireta, a apanhar autarquias e fundações públicas, sociedades de econo-mia mista e empresas públicas.

Tenho sustentado, quanto à meia-entrada dos estudantes relativamente a órgãos decultura, que não subsiste a regra. Por isso empresto ao artigo 1º a interpretação que entendoconforme à Carta, para excluir, da referência à administração indireta, as pessoas jurídicasde direito privado.

E surge a problemática mencionada pelo Relator: não se teria uma forma de remu-nerar a doação de sangue mediante algo que aparece como simples incentivo e tendo,portanto, os doadores o desconto, a meia-entrada nos locais de cultura, esporte e lazer?A meu ver, sim. Tenho dificuldades em placitar a norma.

Dessa forma, peço vênia para julgar procedente o pedido formulado.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.512/ES — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Governador do Estadodo Espírito Santo (Advogados: PGE/ES – Cristiane Mendonça e outros). Requerida:Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta de inconstitu-cionalidade, vencido o Ministro Marco Aurélio, que a julgava procedente. Votou oPresidente, Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio FernandoBarros e Silva de Souza.

Brasília, 15 de fevereiro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO 3.632 — AM

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Eros Grau

Agravante: União — Agravados: Juiz Federal da 1ª Vara Federal da SeçãoJudiciária do Estado do Amazonas (Processo n. 2005.32.00.000965-6) — Interessada:Associação dos Agentes de Inspeção do Trabalho no Amazonas – AGITRA/AM

Agravo regimental na reclamação. Processamento da reclamaçãocondicionado à juntada da íntegra do acórdão dito violado. Publicação daata de julgamento da ação direta de inconstitucionalidade no Diário daJustiça. Reforma do ato que negou seguimento à reclamação.

1. O cabimento da reclamação não está condicionado a publicaçãodo acórdão supostamente inobservado.

2. A decisão de inconstitucionalidade produz efeito vinculante e efi-cácia erga omnes desde a publicação da ata de julgamento e não da publi-cação do acórdão.

3. A ata de julgamento publicada impõe autoridade aos pronuncia-mentos oriundos desta Corte.

4. Agravo regimental provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, dar provimentoao agravo regimental.

Brasília, 2 de fevereiro de 2006 — Eros Grau, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: À folha 50, prolatei despacho determinando à Uniãoque procedesse à juntada da íntegra do acórdão que diz inobservado. Em vez de fazê-lo,interpôs o agravo de folhas 54 a 63, sustentando não parecer razoável condicionar odeferimento da inicial ou mesmo o processamento da reclamação à prévia publicação doacórdão da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 4-6/DF e à respectiva juntadaaos autos. Aduz que as ações diretas de constitucionalidade têm eficácia erga omnes eefeito vinculante desde a publicação da ata de julgamento no Diário da Justiça e que ocabimento da reclamação está condicionado, unicamente, à prolação de decisão ofensi-va à autoridade de julgado desta Corte. Salienta que conclusão diversa implicaria tolhero direito constitucional de acesso ao Judiciário. Evoca precedentes da Corte.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste agravo, foram aten-didos os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A peça, subscrita peloAdvogado-Geral da União, restou protocolada no prazo dobrado a que tem jus a União.

Tem-se, no caso — e isso vem se repetindo em diversos processos —, a inobservân-cia, pela União, da necessidade de juntar, à inicial de reclamação, visando a preservar aautoridade de pronunciamento desta Corte, a íntegra do ato havido como desrespeitado,ou seja, do acórdão proferido. Desprovejo o agravo interposto e indefiro a inicial, ante aausência de atendimento ao despacho de folha 50.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, peço vênia para divergir do votodo Ministro Relator, dando provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

Rcl 3.632-AgR/AM — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:Ministro Eros Grau. Agravante: União (Advogado: Advogado-Geral da União). Agra-vados: Juiz Federal da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Amazonas(Processo n. 2005.32.00.000965-6). Interessada: Associação dos Agentes de Inspeçãodo Trabalho no Amazonas – AGITRA/AM (Advogada: Sandra Nazaré Dias Barreto).

Decisão: O Tribunal, por maioria, deu provimento ao agravo regimental, vencidoso Ministro Marco Aurélio (Relator) e a Ministra Ellen Gracie. Redigirá o acórdão oMinistro Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu ojulgamento o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Carlos Britto e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barrose Silva de Souza.

Brasília, 2 de fevereiro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

MANDADO DE SEGURANÇA 21.659 — DF

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Impetrante: Agostinho Flores — Impetrado: Tribunal de Contas da União

Administrativo. Servidor público. Mandado de segurança. Incorpo-ração de representação mensal para cálculo da parcela denominada“quintos”. Art. 1º, § 1º, do Decreto-Lei n. 2.333/87. Princípio da irreduti-bilidade de vencimentos. Art. 37, XV, da CB/88. Violação. Inocorrência.

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Irredutibilidade nominal da remuneração global. Equiparação entre ativose inativos. Art. 40, § 4º, da CB/88 [redação original]. Violação. Inocorrência.

1. O art. 1º, § 1º, do Decreto-Lei n. 2.333/87 é claro ao dispor que “arepresentação mensal, devida aos membros do Ministério Público e daAdvocacia Consultiva da União, incorpora-se aos respectivos vencimen-tos e salários para efeitos de cálculo das demais vantagens”, aplicando-seà parcela denominada “quintos” [Lei n. 6.732/79].

2. Somente são irredutíveis os vencimentos e proventos constitucio-nais e legais. Precedente [RE n. 185.255, Relator o Ministro Sydney Sanches,DJ de 19-9-97].

3. O art. 37, XV, da Constituição assegura a irredutibilidade nomi-nal da remuneração global — soma de todas as parcelas, gratificações eoutras vantagens percebidas pelo servidor. Precedentes [RE n. 344.450,Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 25-2-05; RMS n. 23.170, Relatoro Ministro Maurício Corrêa, DJ de 5-12-03; RE n. 293.606, Relator oMinistro Carlos Velloso, DJ de 14-11-03]

4. A equiparação entre ativos e inativos prevista na redação origi-nal do art. 41, § 4º, da Constituição somente é legítima quando os venci-mentos pagos àqueles são calculados em observância à legislação.

5. Segurança denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notastaquigráficas, por maioria, denegar a segurança, nos termos do voto do Relator, vencidoo Ministro Marco Aurélio.

Brasília, 28 de setembro de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Eros Grau,Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de mandado de segurança impetrado porAgostinho Flores contra ato do Tribunal de Contas da União que homologou suaaposentadoria.

2. O impetrante sustenta a ilegalidade do acórdão proferido por aquela corte decontas, que subtraiu, para o cálculo dos “quintos” previstos no artigo 2º da Lei n. 6.732/79,a Representação Mensal criada pelo Decreto-Lei n. 2.333/87. Alega, com base em parecerda Consultoria-Geral da República, que com o advento desse Decreto-Lei o valor daRepresentação Mensal não seria subtraído no cálculo do valor dos “quintos” [fl. 13].

3. Ocorre, entretanto, que o Ministério da Fazenda, adotando orientação normativado TCU, modificou a forma de cálculo dos “quintos”, deles subtraindo a RepresentaçãoMensal criada pelo Decreto-Lei n. 2.333/87. Assim, o valor dos “quintos” era calculadopelo vencimento da categoria FAS-74, subtraindo-se o vencimento de Procurador de 1ªcategoria e a representação mensal do Decreto-Lei n. 2.333/87 [fl. 11].

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4. Essa nova forma de cálculo dos “quintos” foi chancelada pelo TCU, que homo-logou o ato de aposentadoria do impetrante, sobrevindo, então, o presente mandado desegurança. O impetrante alega que o novo cálculo reduziu os seus proventos em relaçãoao que vinha percebendo até então, deixando-o em situação inferior em relação aos seuscolegas da ativa, em violação aos artigos 37, XV, e 40, § 4º, da Constituição do Brasil.

5. O TCU prestou informações às fls. 24/33, consignando que a decisão que consi-derou legal a aposentadoria do impetrante apoiou-se em orientação daquela corte, nosentido de que a Representação Mensal instituída pelo Decreto-Lei n. 2.333/87, com aalteração introduzida pelo Decreto-Lei n. 2.344/87, é parcela integrante da base decálculo dos “quintos”, instituídos pela Lei n. 6.732/79.

6. Quanto à alegação de ofensa ao disposto nos arts. 37, XV, e 40, § 4º, da Consti-tuição, o TCU assevera que o cálculo dos proventos não vinha sendo efetuado de formacorreta, inexistente direito líquido e certo a ser amparado.

7. Por fim, destacou que as decisões proferidas pelo TCU decorrem de sua compe-tência constitucional, não estando o Tribunal vinculado a pronunciamentos dos órgãosde assessoramento jurídico.

8. O Procurador-Geral da República, em parecer de fls. 35/41, opinou pela denega-ção da segurança. Argumenta que “inexiste direito adquirido à manutenção do mesmocritério para o cálculo de vantagem ou gratificação e que a irredutibilidade de venci-mentos não implica inalterabilidade do regime remuneratório” [fl. 37].

9. Afirma que esta Corte tem decidido reiteradamente que a redução ou extinção degratificações não ofende direito adquirido, quando os novos rendimentos ou proventosigualem ou superem os anteriores. Por fim, destaca que o Decreto-Lei n. 2.333/87 nãodeixa dúvida ao dispor que “a representação mensal devida aos membros do MinistérioPúblico e da Advocacia Consultiva da União incorpora-se aos respectivos vencimentospara efeito de cálculo das demais vantagens”, não fazendo qualquer ressalva quanto àsua incidência e aplicação no cálculo dos “quintos”.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O impetrante pretende ver declarada a nulidadede decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União – TCU, que homologou suaaposentadoria, para que a parcela instituída pela Lei n. 6.732/79 — os chamados“quintos” — venha a ser calculada sem subtração da representação mensal criada peloDecreto-Lei n. 2.333/87, alterada pelo Decreto-Lei n. 2.344/87.

2. Embora reduzidos os proventos percebidos pelo impetrante, devido ao cumpri-mento, pelo Ministério da Fazenda, de decisão normativa proferida pelo TCU [fls. 11 e13], não se pode afirmar que essa redução tenha sido operada de forma ilegal. Conformedestacou o Procurador-Geral da República, o art. 1º, § 1º, do Decreto-Lei n. 2.333/87 éclaro ao dispor que “a representação mensal, devida aos membros do Ministério Públicoe da Advocacia Consultiva da União, incorpora-se aos respectivos vencimentos e saláriospara efeito de cálculo das demais vantagens”.

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3. Assim, não havendo qualquer ressalva no preceito, vê-se que é inviável a interpre-tação perfilhada pelo impetrante, no sentido de que a alteração introduzida pelo citadoDecreto-Lei não se aplicaria à parcela dos “quintos” instituída pela Lei n. 6.732/79.

4. A redução dos proventos efetivada pelo TCU pretende corrigir ilegalidadedecorrente de interpretação equivocada dos preceitos contidos no Decreto-Lei 2.333/87.Sendo assim, não há ilegalidade na redução dos proventos do impetrante, uma vez quesomente são irredutíveis os vencimentos e proventos constitucionais e legais, jamais ospagos em desacordo com a lei ou com a Constituição [RE n. 185.255, Relator o MinistroSydney Sanches, DJ de 19-9-97].

5. No que se refere à redução da parcela dos “quintos”, igualmente não há qualquerafronta ao disposto no art. 37, XV, da Constituição. Esse preceito assegura a irredutibi-lidade nominal da remuneração global — montante constituído pela soma de todas asparcelas, gratificações e outras vantagens percebidas pelo servidor [RE n. 344.450,Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 25-2-05; RMS n. 23.170, Relator o MinistroMaurício Corrêa, DJ de 5-12-03; RE n. 293.606, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJde 14-11-03]. Desse modo, tendo sido a redução dos “quintos” compensada com acriação da nova parcela remuneratória denominada Representação Mensal, não há quese falar em diminuição de proventos.

6. Não procede, por fim, a alegação de afronta ao artigo 40, § 4º, da Constituição,em sua redação original, uma vez que a equiparação entre ativos e inativos somente élegítima quando os vencimentos pagos àqueles são calculados em observância à legis-lação, o que não ocorre no caso. Não merece reparo, portanto, o ato impugnado.

Ante o exposto, denego a segurança postulada no presente writ.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o Tribunal de Contas, a meu ver,deu ao artigo 1º do Decreto-Lei n. 2.344/87 — que acresceu os artigos 3º e 4º ao Decreto-Lei n. 2.333/87, renumerando os demais artigos — interpretação ampliativa, porque oservidor tinha como vantagem pessoal os quintos e auferia essa parcela. O decreto citadonão implicou absorção dos quintos. Ao prever como teto o que percebido por Procuradorda República, apenas consigna, ao vencimento básico mais representação, produtividadee desempenho, parcelas específicas:

Art. 4º A remuneração mensal dos servidores a que se refere o caput do artigo1º, compreendida pela soma do vencimento básico mais representação, acrescidadas gratificações de nível superior, produtividade e desempenho, não poderá exce-der o total do vencimento básico e idênticas vantagens pagos aos ocupantes daclasse final da carreira de Procurador da República.

Ou seja, os quintos não foram envolvidos para saber-se da observação, ou não, doteto fixado nessa norma. A Corte de Contas da União considerou, na glosa verificada, osquintos. A meu ver, extravasou os limites dessa norma.

Peço vênia para conceder a ordem.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Essa questão, o Relator fala na criação de outravantagem, que os compensaria.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Há uma representação mensal que compensaria.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A representação mensal, segundo esse disposi-tivo, integra o vencimento.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas foi nesse sentido a alteração.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Porque representação mensal, penso que é umacoisa. O que percebido pela função de direção, de confiança é algo diverso. Representa-ção mensal, todos os servidores abrangidos pela norma têm jus a ela. Já a integração dosquintos, só aqueles que exerceram função de confiança e foram afastados.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A representação mensal, tanto que integra osvencimentos, é uma parcela impessoal, e os quintos são típica vantagem pessoal.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Tribunal de Contas subtraiu, para o cálculodos quintos...

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não está acumulando a nova gratifica-ção dos quintos?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Em síntese, como, com a integração dos quintos,haveria o extravasamento do teto — o que percebido pelo Procurador da República —,houve a diminuição dos proventos.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas ele diz aqui no item 19 do parecer:

“A eventual redução do valor da vantagem (quintos) atribuída pelo art. 2º daLei n. 6.732/79 em razão do novo critério de cálculo estabelecido no Decreto-Lein. 2.333/87, porque compensada com folga pela criação da nova gratificação(representação mensal) e, por isso, obediente aos princípios constitucionais,constitui-se em ato plenamente legítimo da Administração, que pode alterar oregime remuneratório dos seus servidores reduzindo ou excluindo gratificações evantagens.”

Ele está querendo ficar com a anterior.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Porque o parágrafo 1º do artigo 1º do Decreto-Lei n.2.333/87, transcrito também no parecer, diz:

“A representação mensal devida aos membros do Ministério Público e daAdvocacia Consultiva da União, incorpora-se aos respectivos vencimentos paraefeito de cálculo das demais vantagens.”

Então, na verdade, deu-lhe como base de cálculo para as vantagens.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Para efeito de cálculo, não de teto. Para efeito de teto,só temos aquela regra do artigo 4º, incluído no Decreto-Lei n. 2.333/87 pelo Decreto-Lein. 2.344/87. Daí ele ter apontado que ficaria, inclusive, em situação de desvantagem,considerados os servidores da ativa, os quais continuaram percebendo os quintos comovantagem pessoal. O grande problema é que se pretende sempre alterar de formaretroativa.

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O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Gostaria de lembrar que o Decreto-Lei n. 2.333estava em vigor desde 1987. O servidor foi aposentado em agosto de 1989. O cálculo daaposentadoria foi feito por arbitramento do órgão do Ministério da Fazenda, que conside-rou a representação como parte da remuneração e não dos vencimentos apresentados.

A Lei n. 7.923 esclareceu:

“Art. 22 (...).

§ 2º A partir de 1º de novembro de 1989, ficam absorvidas pelas remunera-ções constantes das Tabelas anexas a esta Lei as gratificações, auxílios, abonos,adicionais, indenizações e quaisquer outras retribuições que estiverem sendo per-cebidas pelos servidores alcançados por este artigo.”

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Foi essa última Lei que se considerou, semreduzir a remuneração...

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mandou incorporar. Qual é a lei?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): É a Lei n. 7.923. De modo que não vejo nenhumaofensa a direito líquido e certo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, mantenho.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, mediante o esclarecimento doeminente Ministro Relator de que houve uma lei posterior, a qual concedeu uma novaremuneração e mandou que ela absorvesse as vantagens questionadas, parece-me correto oparecer e o seu voto; acompanho-o.

EXTRATO DA ATA

MS 21.659/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Impetrante: Agostinho Flores(Advogado: Sebastião Baptista Affonso). Impetrado: Tribunal de Contas da União.

Decisão: Retirado de pauta em face da aposentadoria do Relator. Plenário, 10-4-97.

Decisão: O Tribunal, por maioria, denegou a segurança, nos termos do voto doRelator, vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausentes, justificadamente, os MinistrosCarlos Velloso, Ellen Gracie e Carlos Britto. Presidiu o julgamento o Ministro NelsonJobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, JoaquimBarbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros eSilva de Souza.

Brasília, 28 de setembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA 23.036 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Maurício Corrêa

Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Nelson Jobim

Recorrentes: Fernando Augusto Henriques Fernandes e outro — Recorrido: Superior

Tribunal Militar

Recurso em mandado de segurança. Superior Tribunal Militar. Cópia

de processos e dos áudios de sessões. Fonte histórica para obra literária.

Âmbito de proteção do direito à informação (art. 5º, XIV, da Constituição

Federal).

1. Não se cogita da violação de direitos previstos no Estatuto da

Ordem dos Advogados do Brasil (art. 7º, XIII, XIV e XV, da Lei 8.906/96),

uma vez que os impetrantes não requisitaram acesso às fontes documen-

tais e fonográficas no exercício da função advocatícia, mas como pesqui-

sadores.

2. A publicidade e o direito à informação não podem ser restringi-

dos com base em atos de natureza discricionária, salvo quando justifica-

dos, em casos excepcionais, para a defesa da honra, da imagem e da inti-

midade de terceiros ou quando a medida for essencial para a proteção do

interesse público.

3. A coleta de dados históricos a partir de documentos públicos e

registros fonográficos, mesmo que para fins particulares, constitui-se em

motivação legítima a garantir o acesso a tais informações.

4. No caso, tratava-se da busca por fontes a subsidiar elaboração

de livro (em homenagem a advogados defensores de acusados de crimes

políticos durante determinada época) a partir dos registros documentais

e fonográficos de sessões de julgamento público.

5. Não-configuração de situação excepcional a limitar a incidência

da publicidade dos documentos públicos (arts. 23 e 24 da Lei 8.159/91) e

do direito à informação.

Recurso ordinário provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo

Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, dar

provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 28 de março de 2006 — Nelson Jobim, Relator para o acórdão.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Fernando Augusto Henriques Fernandes, acadê-mico de direito, e Fernando Tristão Fernandes, advogado, requereram administrativa-mente ao Presidente do Superior Tribunal Militar, em 31-7-97, cópias de processos, querelacionaram em requerimento e que tramitaram há mais de vinte anos, bem como desuas respectivas gravações, visto que o primeiro requerente “está redigindo livro intitu-lado Voz Humana, em homenagem aos grandes oradores, em especial Lino MachadoFilho e Nélio Roberto Seidl Machado, advogados que militaram neste Tribunal” (fls.13/16 do volume 1 em apenso).

2. O Presidente da Corte a quo, em 8-8-97, assim despachou o pleito: “Defiro opedido, em relação ao segundo requerente, Dr. Fernando Tristão Fernandes — OAB/RJn. 49.344 — nos seus precisos termos” (fl. 13 do mesmo apenso).

3. Contudo, em 26-8-97, na mesma petição, reconsiderou o deferimento antesproferido, fazendo-o na forma do seguinte despacho, verbis:

“Quando da operacionalização das medidas preliminares para o atendimentodo pedido, advertiu-se este Presidente de que as fitas, indicadas pelo requerente, nãosão partes integrantes de qualquer processo e de que, ademais, os registros fonográ-ficos nelas contidos, sobre o transcurso das sessões de julgamento, objetivam tão sósubsidiar internamente a elaboração dos Acórdãos, contendo-se nestes, bastante-mente, as indicações relativas ao contraditório e às razões de decidir da Corte.

Posto isto, e considerando ainda que a concessão de cópias de tais fitas viriaa constituir indesejável precedente, a comprometer essa estrita finalidade dosregistros fonográficos nelas gravados, reformulo a decisão anterior, datada de oitodo corrente, indeferindo, em conseqüência, o pedido tocantemente ao fornecimentode reproduções das prefaladas fitas. Providências pelas Seple/Dijur.” (Fls. 13/14do volume 1 em apenso).

4. Contra essa decisão veio a ser impetrado mandado de segurança cuja inicialsustenta, em síntese, que (i) o referido ato feriu os incisos XIV e LX do artigo 5º daConstituição Federal e negou vigência aos incisos XIII, XIV, XV e XVI do artigo 7º daLei n. 8.906/94; artigos 3º, 29, 75 e 387 do Código de Processo Penal Militar; 40, incisosI, II e III, e 155, incisos I e II, do Código de Processo Civil; 4º e 22 da Lei n. 8.159/91; e3º, 15, incisos I, II, III e IV, e 19 do Decreto n. 2.134/97; (ii) e que os processos quetramitaram sem a imposição de sigilo são públicos, o que significa que qualquer cidadãopode deles ter vista e tirar cópias; (iii) ademais, tirar cópias de processos não é atoprivativo de advogado; (iv) sendo que, em relação ao segundo impetrante, por ser advo-gado, não há como negar-lhe cópias dos autos, mesmo dos processos que tramitaram emsegredo de justiça; e, finalmente, (v) que as gravações das sustentações orais são arquivopúblico (fls. 03/06).

5. Nas razões que sustentam a segurança, discorrem os impetrantes sobre conceitosde processo, autos e arquivo público (fls. 06/07); dizem que, se em algum momento odocumento classificado como sigiloso foi objeto de consulta pública, não poderá sofrerrestrição de acesso, na forma do artigo 15 do Decreto n. 2.134/97, que regulamenta oartigo 23 da Lei n. 8.159/91 (fls. 08/10).

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6. Salientam que o acadêmico de direito, primeiro impetrante, passou duas sema-nas acessando e copiando o arquivo de áudio e que “o material copiado durante estapesquisa foi totalmente limpo e digitalizado em CD em um dos melhores Estúdios deGravação do Rio de Janeiro, (...)”, por isso há de observar-se a “determinação literal dalei, garantindo o direito líquido e certo de que documento uma vez acessado nunca maispoderá sofrer restrição de acesso” (fls. 12/13).

7. Na mesma data da impetração (10-10-97), à inicial foi aditado o seguinte pedido:

“Tendo em vista que hoje às 15:30 horas, na sala de gravações do Pleno destaCorte foram apreendidas duas fitas rolo, de gravações de defesas orais feitas durantea década de 70, gravadas antes do 2º despacho do Juiz-Ministro Presidente do TST,dizem STM, das mãos e das Pastas do Advogado Fernando Tristão Fernandes(cópia do Auto em anexo) requer Liminar, inaudita altera parte, para liberá-la eserem entregues ao proprietário.

A apreensão é ilegal, face a Constituição e desrespeita o art. 7º da Lei 9.028/95(rectius 8.906/1994), que garante a inviolabilidade dos arquivos do advogado.

Requer que, a final, conceda a ordem definitiva da entrega das fitas, indevidae ilegalmente apreendidas” (fls. 14/15)

8. A liminar postulada perante o Tribunal a quo foi indeferida, persistindo a apre-ensão das fitas, conforme auto de apreensão assim lavrado:

“Em cumprimento à determinação do Ministro-Presidente do STM, em exer-cício, declaro que foram apreendidas, nesta data, duas fitas de propriedade do Dr.Fernando Tristão Fernandes, OAB/RJ n. 49.344, contendo gravações de sustenta-ções orais de processos findos deste Tribunal, cuja autorização de gravação foracancelada por ordem do Ministro-Presidente, conforme despacho de 26.08.97. Asreferidas fitas foram lacradas, tendo o referido advogado assinado no respectivolacre e colocadas em uma pasta preta, com segredo, de propriedade do mesmo,ficando tudo sob a custódia da Secretaria do Tribunal Pleno.” (Fl. 02 do volume 1em apenso).

9. Às fls. 28/31 estão acostadas as informações prestadas pela autoridade subscritorado despacho então impugnado, ao Relator do mandado de segurança impetrado naorigem, que transcrevo para uma melhor compreensão dos fatos:

“1 - A lei n. 8.906, de 04 de julho de 1994, em especial no seu art. 7º, confereaos advogados um elenco de direitos, os quais, todavia, se encontram, a meu sentir,rigorosamente atrelados ao exercício das suas atividades profissionais específicas.

2 - Na hipótese vertente, observa-se que o segundo Impetrante postula emfavor de objetivo, que, evidentemente, não se enquadra no estrito exercício pro-fissional da advocacia, não sendo, pois, de se lhe reconhecer, repita-se, especifi-camente in casu, qualquer Direito conferido ao advogado pela precitada lei n.8.906/94.

Também não serve a lei em tela para amparar qualquer pretensão do primeiroImpetrante, Fernando Augusto Henriques Fernandes, pela singela razão de nãoser sequer advogado e não ter comprovado, a qualquer outro título, inscrição naOAB.

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3 - Apesar de, desde logo, ter observado tal circunstância, ou seja, que apretensão deduzida pelos Impetrantes em 31 de julho de 1997 não se conformavacom o exercício estrito da advocacia, deferi o pedido de pesquisa em autos eregistros fonográficos existentes nesta Corte, todavia somente quanto ao segundoImpetrante, advogado Fernando Tristão Fernandes.

Ao primeiro Impetrante, Fernando Augusto Henriques Fernandes, estudantee filho do advogado Fernando Tristão Fernandes, foi autorizado tão-só que enca-minhasse o trabalho de pesquisa, examinando e indicando as peças processuais eos registros fonográficos julgados de interesse para a aventada pesquisa, os quais,ulteriormente, poderiam ser retirados por seu pai.

4 - Assim decidi não só por ter entendido, à época, que a alegada intenção depesquisa, sobre teses defendidas por advogados ilustres com passado brilhantenesta Corte, revestia-se de real e positivo interesse para a cultura jurídica nacional,mas também por ter julgado que, assim procedendo, estaria revelando, mais umavez, o profundo respeito e a imensa consideração que nutre esta Corte pela nobreclasse dos advogados.

5 - Agi desse modo, enfatizo, não por força da lei 8.906/94, que, como visto,não confere a qualquer dos Impetrantes, na hipótese especificamente vertente,quaisquer direitos (que, repito, são inerentes exclusivamente ao exercício da advo-cacia), mas sim fazendo uso do poder de discricionariedade que é dado ao Admi-nistrador para, na ausência de previsão legal específica pertinente à espécie, adotara medida que, a seu juízo, melhor responda ao interesse público.

6 - Todavia, logo a seguir, quando da operacionalização das medidas preli-minares para o atendimento do pedido, adverti-me, conforme bem traduzi na deci-são hostilizada pelo segundo Impetrante, que as fitas indicadas para reproduçãonão integravam qualquer processo e que, ademais, os registros fonográficos nelascontidos sobre as sessões de julgamento objetivavam subsidiar precipuamente aelaboração dos acórdãos, contendo-se nestes, bastantemente, as indicações relati-vas ao contraditório e às razões de decidir da Corte.

Com base nesse entendimento e considerando, também, que a concessão decópias de tais registros fonográficos poderia constituir indesejável precedente, em26 de agosto de 1997 reformulei a minha decisão anterior, indeferindo o pedido,também com relação ao advogado Fernando Tristão Fernandes, tocantemente aofornecimento de reproduções dos registros fonográficos em questão.

Ademais, em abono dessa decisão, estava a circunstância de que — após aoperacionalização das já mencionadas medidas preliminares para atendimento dopleito — restou evidenciado que as fitas identificadas e selecionadas pelo senhorFernando Augusto Henriques Fernandes sofriam restrições de acesso e conse-qüente reprodução, a teor do inciso I, do Provimento n. 54/STM, verbis:

“I - Os Representantes do Ministério Público Militar e os Advogados terãoacesso às gravações de julgamento dos processos em que tenham tomado parte,exceto quanto à matéria discutida e votada em sessão secreta pelo Plenário doSuperior Tribunal Militar” (grifei).

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Embora se trate de restrição contida em matéria de competência do Presidenteda Corte, eis que definida em Provimento, entendi oportuno não alterá-la, manten-do-a, assim, irretocada em toda a sua plenitude.

7 - Acrescento que, ao retornar de férias no dia 14 de outubro corrente, tomei

conhecimento de sério incidente, ocorrido no dia 10 do mesmo mês, em que,instado a esclarecer o destino dado a registros fonográficos de que assenhorara semautorização, o senhor Fernando Augusto Henriques Fernandes afirmou que já ostransferira para CD (Compact Disk), aliás, como declarado na Petição do presenteMandado, com o claro fito de desnaturar a validade de tal questionamento e, maisdo que isso, com o evidente propósito de caracterizar que já tornara irreversível, à

revelia do Tribunal, a posse de tais registros.

Cientifiquei-me, ainda, na oportunidade, que, como ápice de tal incidente,por determinação do Presidente em exercício, foram apreendidas cópias de regis-tros fonográficos (duas fitas), que haviam sido colhidas no Tribunal, naquele dia,pelo senhor Fernando Augusto Henriques Fernandes.

À luz dessa circunstância — e considerando que, in casu, restou desatendidoo despacho que proferi em 26 de agosto de 1997, em que neguei o pedido dereprodução de tais registros, e que, ademais, o proceder do nominado senhor revela

claro desprezo para com a especial consideração que lhe foi deferida pelo Tribunale, principalmente, inequívoco desvio do objetivo de pesquisa antes declarado napetição da lavra de ambos os Impetrantes — em 16 de outubro de 1997 reformulei,usando do mesmo poder de discricionariedade a que já aludi em linhas preceden-tes, a minha decisão exarada em 08 de agosto de 1997, para indeferir na íntegra

o pedido originalmente formulado pelos Impetrantes, agora também quanto ao

advogado Dr. Fernando Tristão Fernandes.”(Fls. 28/31)

10. Denegada a segurança, restou assim ementado o respectivo acórdão:

“Mandado de Segurança. Exame e retirada de autos findos, direito assegura-do ao Advogado, no exercício da profissão, com restrição (CF, art. 5º, LX, e Lei n.8.906/94, art. 7º, XIII e XVI, e § 1º, n. 1,2, e 3). Inexistência de direito líquido ecerto a ser conhecido ao impetrante que não ostenta a qualidade de Advogado e,por mero interesse que, sequer figura em normas objetivas, pretende ter acessopleno a autos findos e a gravações, que não integram processos. Estas últimas de

uso interno do Tribunal e de acesso privativo, não são consideradas de caráterpúblico, em razão de norma interna regulamentadora de seu uso, ex vi da Lei n.9.507, de 12/11/97. Advogado que pretende acessar registros fonográficos conti-dos em fitas não integrantes de processos e de uso exclusivo do Órgão, para subsi-diar serviços particulares — elaboração de livro —, atividade, inclusive de carátercomercial, não tem em vista a defesa de direito subjetivo amparado em lei. Decisão

administrativa em harmonia com o ordenamento jurídico, não se vislumbrandoafronta ao rol das garantias onde se define o pressuposto remédio heróico (CF, art.5º, LXIX, e Lei n. 1.533, art. 1º). Medida de uso excepcional conhecida e denegada.Unânime” (fl. 66).

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11. Realizado o julgamento, o Presidente da Corte Federal castrense proferiu des-pacho determinando a abertura da pasta guardada nas dependências do Tribunal e arestituição das fitas aos impetrantes, tão logo desgravadas (fl. 82-A).

12. Segue-se a interposição do presente recurso ordinário, em que é sustentada amesma tese esposada na inicial, na qual se afirma restar induvidoso que os recorrentesgozam do direito de pleno acesso a documentos públicos, máxime, como no caso, deterem vista de autos, inclusive findos, permitindo-se-lhes copiar trechos de seu interesse.

13. Reportando-se à apreensão das fitas gravadas, argumentam que tal ato “está emafronta à inviolabilidade dos arquivos do advogado, pois foram apreendidas da pasta doadvogado contra o Estado de Direito e às garantias constitucionais da ampla defesa, dodevido processo legal, aí sim da intimidade e da inviolabilidade referida no art. 5º, XII,que no caso é absoluto”.

14. Ao apreciar procedimento cautelar, deferi liminar atribuindo efeito suspensivoa este recurso, para determinar que as fitas permanecessem intactas em poder do SuperiorTribunal Militar, até o julgamento final do recurso (fl. 89 da Petição n. 1.423-5, emapenso).

15. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Anadyr de Mendonça Rodrigues (fls. 119/135), opina pelonão-provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): Os recorrentes pretendem que lhes sejagarantido “o direito líquido e certo de acesso pleno e de cópia de autos e suas respectivasgravações, acervo de arquivo público”, sobretudo o de reproduzir gravações de defesasorais, para fins de pesquisa histórica que comporá o livro Voz Humana, a ser editado emhomenagem a advogados que atuaram na defesa de acusados de crimes políticos.

2. Embora conste das razões do recurso que os recorrentes buscam acesso irrestritoaos autos findos perante o Tribunal a quo, para copiar-lhes partes que eventualmentelhes interessem, frise-se que esta matéria não foi objeto de qualquer negativa no acórdãorecorrido, limitando-se o thema decidendum ao despacho que reconsiderou anteriordeferimento para a transcrição de fitas relativas às sustentações orais e respectivos deba-tes realizados nas Sessões daquela Corte. É o que está claramente disposto no votocondutor, ao assentar que, “quanto ao Impetrante, Dr. Fernando Tristão Fernandes, oDespacho, objeto desta medida de uso excepcional, indefere a pretensão tão-somenteno tocante ao fornecimento de reprodução das fitas indicadas à fl. 17 do Anexo I, pornão integrarem os processos e serem de uso interno do Tribunal. Assim, com acertoprocedeu o Administrador, ora apontado como autoridade coatora, ao fazer uso dopoder discricionário e reformular a Decisão exarada anteriormente, autorizadora deacesso às aludidas fitas, indeferindo o pedido, neste particular aspecto” (fls. 78/80).

3. Restrita a questão às fitas apreendidas, julgo oportuno fazer a transcrição dospreceitos invocados no apelo, como sendo os que dão sustentação às teses nele suscitadas.

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4. Estabelecem os incisos XIV e LX do artigo 5º da Constituição Federal:

“XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da

fonte, quando necessário ao exercício profissional;

(...)

LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a

defesa da intimidade ou o interesse social o exigem;”

Indiscutível que o preceito do inciso XIV nada tem a ver com a hipótese, dado que

não se cuida de assegurar-se o exercício profissional do advogado, estando claro que os

fins alvitrados pelos requerentes não dizem respeito a qualquer procedimento necessá-

rio à defesa de seus eventuais clientes. Quanto ao inciso LX é de ver-se que a publicidade

a que se refere o preceito não pode agasalhar a pretensão dos recorrentes, de modo que

seja permitido que as gravações produzidas perante os Tribunais em seus julgamentos,

que são passíveis de revisões, possam ser levadas ao domínio público, de modo irrestrito.

Até porque, no calor dos debates, sobretudo entre advogados, podem aflorar linguagem

e colocações tais, que eles próprios não desejam que venham a público o que disseram,

o que leva a admitir que essa intimidade deve ser preservada, como a dos juízes, das

partes e dos membros do Ministério Público que tenham participado do julgamento.

5. Dizem os incisos XIII, XIV, XV e XVI do artigo 7º da Lei n. 8.906, de 4 de julho

de 1994:

XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou

da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento,

mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obten-

ção de cópias, podendo tomar apontamentos;

XIV - examinar, em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração,

autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à

autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;

XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza,

em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais;

XVI - retirar autos de processos findos, mesmo sem procuração, pelo prazo de

dez dias;”

Como antes fiz constar, o acórdão impugnado não fez qualquer restrição ao exame

de autos findos ao 2º recorrente, que é advogado inscrito nos quadros da OAB do Rio de

Janeiro. Assim sendo, não é de aplicar-se o preceito invocado (XIII). Quanto ao inciso

XIV, é evidente que a norma não se aplica à hipótese, pois trata-se de órgão do Poder

Judiciário e não de repartição policial. Relativamente aos incisos XV e XVI opera-se a

mesma situação do inciso XIII, tendo em vista que o acesso não foi negado pelo acórdão

atacado.

6. Invoca-se como vulneradas as seguintes disposições do Código de Processo

Penal Militar, verbis:

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“Art. 3º Os casos omissos neste Código serão supridos:

a) pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso con-creto e sem prejuízo da índole do processo penal militar;

b) pela jurisprudência;

c) pelos usos e costumes militares;

d) pelos princípios gerais de Direito;

e) pela analogia.

(...)

Art. 29. A ação penal é pública e somente pode ser promovida por denúnciado Ministério Público Militar.

(...)

Art. 75. No exercício de sua função no processo, o advogado terá os direitosque lhe são assegurados e os deveres que lhe são impostos pelo Estatuto da Ordemdos Advogados do Brasil, salvo disposição em contrário, expressamente previstaneste Código.

(...)

Art. 387. A instrução criminal será sempre pública, podendo, excepcional-mente, a juízo do Conselho de Justiça, ser secreta a sessão, desde que o exija ointeresse da ordem e disciplina militares, ou a segurança nacional.”

À toda evidência, os preceitos citados nada têm a ver com o caso em tela, e nopouco que podem ter, o acórdão recorrido não contrariou.

7. Alegam os recorrentes que houve descumprimento dos seguintes dispositivosdo Código de Processo Civil:

“Art. 40. O advogado tem o direito de:

I - examinar, em cartório de justiça e secretaria de tribunal, autos de qualquerprocesso, salvo o disposto no art. 155;

II - requerer, como procurador, vista dos autos de qualquer processo peloprazo de cinco (5) dias;

III - retirar os autos de cartório ou secretaria, pelo prazo legal, sempre que lhecompetir falar neles por determinação do juiz, nos casos previstos em lei.

(...)

Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo dejustiça os processos:

I - em que o exigir o interesse público;

II - que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conver-são desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.”

As hipóteses disciplinadas nestas disposições não foram contrariadas pelo acórdãoimpugnado. Como salientado acima, no que diz respeito à verificação de autos, o respec-tivo acórdão assegurou.

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8. No que concerne à Lei n. 8.159/91, sustentam os recorrentes que foram ofendidasas seguintes regras:

“Art. 4º Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seuinteresse particular ou de interesse coletivo ou geral, contidas em documentos dearquivos, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e doEstado, bem como à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e daimagem das pessoas;

(...)

Art. 22. É assegurado o direito de acesso pleno aos documentos públicos.”

A esse propósito, recordo o que sobre o tema salientou a Dra. Anadyr de MendonçaRodrigues, em nome do Ministério Público Federal, às fls.132/133, e que adoto:

“De outra parte, o direito de acesso pleno aos documentos públicos é condi-cionado, pela própria Lei federal n. 8.159/91, que o instituiu, a que o candidato àsua obtenção esteja buscando “informações de seu interesse particular ou deinteresse coletivo ou geral” (art. 4º), o que não se configura, na presença do sim-ples propósito de se reunirem dados para a edição de livro, ainda que, nesse caso,nem pode ser afirmado o necessário interesse particular, nem o imprescindívelinteresse coletivo ou geral.”

9. Do Decreto federal n. 2.134, de 27-1-1997, teriam sido contrariados os seguintespreceitos:

“Art. 3º É assegurado o direito de acesso pleno aos documentos públicos,observado o disposto neste Decreto e no art. 22 da Lei n. 8.159, de 8 de janeiro de1991.

(...)

Art. 15. Os documentos públicos sigilosos classificam-se em quatro categorias:

I - ultra-secretos: os que requeiram excepcionais medidas de segurança e cujoteor só deva ser do conhecimento de agentes públicos ligados ao seu estudo emanuseio;

II - secretos: os que requeiram rigorosas medidas de segurança e cujo teor oucaracterística possam ser do conhecimento de agentes públicos que, embora semligação íntima com seu estudo ou manuseio, sejam autorizados a deles tomaremconhecimento em razão de sua responsabilidade funcional;

III - confidenciais: aqueles cujo conhecimento e divulgação possam ser pre-judiciais ao interesse do País;

IV - reservados: aqueles que não devam, imediatamente, ser do conhecimentodo público em geral.

(...)

Art. 19. São documentos passíveis de classificação como reservados aquelescuja divulgação, quando ainda em trâmite, comprometa as operações ou objetivosneles previstos.

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Parágrafo único. A classificação de documento na categoria reservada somentepoderá ser feita pelas autoridades indicadas no parágrafo único do art. 18 desteDecreto e pelos agentes públicos formalmente encarregados da execução de proje-tos, planos e programas.”

10. Esse Decreto é regulamentador do artigo 23 da Lei n. 8.159/91, que cuida derenovação de classificação de documentos considerados de interesse da sociedade e doEstado.

Entendo que tais dispositivos não têm, in casu, o alcance que lhes emprestam osrecorrentes, pois, como bem salienta o parecer da Procuradoria-Geral da República, sãopreceitos que têm por sua ratio a proteção de valores outros, diversos dos que motivaramo acesso aos registros de áudio da Corte a quo.

11. Como é sábido, o direito de obter informações não é amplo, em face da vedaçãorelativa à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem daspessoas (CF, artigo 5º, inciso X).

12. Ora, está fora de dúvida que as gravações realizadas pelo STM podem serouvidas pelos advogados e membros do Parquet militar que tomaram parte no processo,porém não podem ser expostas à consulta pública, parecendo-me, por isso mesmo, reves-tido de legalidade o inciso I do Provimento n. 54 do STM, que assim restringiu o acessoàs gravações apenas àquelas pessoas.

13. Some-se a isso o fato de as gravações das sessões realizadas pelos Tribunaisterem por fim exclusivo subsidiar a coleta de elementos que devam constar do processo,após transcritas, o que não se confunde com a noção de arquivo público. De uso irrestritosão as notas taquigráficas já revisadas pelos juízes que as subscrevem, e não o teor dasgravações contendo todas as discussões travadas por época do respectivo julgamento.São registros fonográficos de uso privativo do órgão e que sofrem restrição quanto àdivulgação, como se infere do parágrafo único do artigo 1º da Lei n. 9.507/97, verbis:

“Considera-se de caráter público todo registro ou banco de dados contendoinformações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejamde uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações.”

14. Na espécie, entendo inexistir direito líquido e certo, visto que o interesse dosrecorrentes — editar o livro Voz Humana — não pode ultrapassar o dever de proteger aimagem dos que se viram envolvidos em processos julgados pelo Superior TribunalMilitar.

15. Resta saber, a teor do artigo 7º, inciso I, do Estatuto da Advocacia e da Ordemdos Advogados do Brasil, que assegura ao advogado o sigilo profissional e inviolabili-dade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua corres-pondência e de suas comunicações, se, ao apreender as fitas já gravadas sob a custódiada Secretaria do Tribunal, teria se caracterizado maltrato a essa garantia.

Tenho que de fato a pasta do advogado, pela natureza da atividade que exerce,constitui-se em extensão do próprio escritório do advogado, tendo em vista que, comousual, contém documentos e dados que integram o seu acervo. Não é, porém, o que se dána espécie, como adiante se verá.

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16. Limitando-se a questão à apreensão de dois rolos de fitas, impõe-se salientarque, por época desse evento, já teriam os requerentes obtido cópias de parte das grava-ções, como expresso na própria inicial do mandado de segurança, que estão fora daapreciação deste recurso. Dando continuidade a essa pesquisa e coleta, já em 10 deoutubro de 1997, portanto, após o despacho que reconsiderou o deferimento (fls. 13/14do apenso), proferido em 26 de agosto de 1997, é que os recorrentes tiveram os rolos defita apreendidos.

17. É aí que reside o cerne da controvérsia, a meu ver.

Enquanto os recorrentes, como está posto no aditamento à inicial do mandado desegurança (fls. 14/15), asseveram que duas fitas de rolo foram apreendidas das mãos edas Pastas do Advogado Fernando Tristão Fernandes, o auto de apreensão especifica(fl. 02 do apenso) que elas foram apreendidas tendo em vista a determinação do Presi-dente do STM, dela constando claramente que “as referidas fitas foram lacradas, tendoo referido advogado assinado no respectivo lacre e colocadas em uma pasta preta, comsegredo, de propriedade do mesmo, ficando tudo sob a custódia da Secretaria doTribunal Pleno”.

18. Resulta daí que a questão é mesmo controvertida quanto à consumação do atode apreensão, dado que há uma versão para cada uma das partes, situação que nesse pontoinviabiliza a aferição de como realmente ocorreu o evento, não se podendo afirmar quehouve ofensa à inviolabilidade protegida pela lei, porque o lacre contém a assinatura dopróprio advogado, presumindo-se que para tanto possa ter havido anuência. Não hánenhum elemento nos autos de que se possa colher haver sido a apreensão efetivada dedentro da pasta, a consumar a aventada violência ao princípio da inviolabilidade adstritaao exercício profissional.

Tal é a hipótese dos autos que não tenho como extrair, também nesta parte, qual-quer certeza e liquidez do direito pleiteado.

19. Ainda que tal não se desse, como informam os autos, quando da apreensão dosrolos, em 10 de outubro de 1997, já havia o Presidente da Corte revogado o seu primeirodespacho autorizador das gravações, circunstância que indica a correção do procedi-mento adotado, que resultou na apreensão do material indevidamente colhido.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso, ficando cassada a liminar deferidanos autos do procedimento cautelar (Pet n. 1.423-5).

É o meu voto.

PEDIDO DE VISTA

O Sr. Ministro Nelson Jobim: Sr. Presidente, o caso impõe-se pela existência deautos de processos criminais, em crimes eventualmente contra a segurança nacional,junto ao Superior Tribunal Militar. Nas sessões de julgamento do Superior TribunalMilitar os procedimentos são orais, são sustentações feitas pela defesa e pelo MinistérioPúblico perante os Conselhos de Sentença, em primeiro grau, e também perante osTribunais Colegiados. Temos, portanto, duas coisas distintas: os autos do processo e asgravações do que se passou na sessão pública. Das gravações, temos: a gravação dos

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debates ou as sustentações orais produzidas pela acusação e pela defesa, e os eventuaisdebates realizados pelos juízes quando do julgamento, tal qual se passa agora nestasessão. As sessões são públicas, na maioria das vezes, mas algumas são secretas quandoautorizadas pela lei. O recorrente, sob o argumento de que estava fazendo uma pesquisade natureza científica ou histórica, pretendeu acesso às gravações das sustentações oraisfeitas nos processos criminais junto ao Superior Tribunal Militar. A informação que ouvido eminente Relator é que esse livro Voz Humana, que seria por ele realizado, tinha porobjetivo resgatar a memória da sustentação oral de alguns advogados por ele elencados,se não de todos. Referiu-se ao nome do eminente Advogado Sobral Pinto, Modesto daSilveira e Nélio Machado.

Sr. Presidente, o eminente Relator e a discussão que se travou nos autos do recursosituaram o tema, ou parte da fundamentação, no exercício da profissão de Advogado.Excluo, desde logo, para o caso em tema, a possibilidade de estarmos perante o exercícioda profissão de Advogado, e não recorro, portanto, ao Estatuto da Ordem dos Advogadosdo Brasil. Creio que o Sr. Relator tem razão quando menciona o art. 7º, inciso XIII, da Lein. 8.906:

“Art. 7º (...)

XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ouda Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento,mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obten-ção de cópias, podendo tomar apontamentos;”

Aqui é o exercício de um direito para exercer a função de Advogado, ou seja, parafazer sustentações na área judiciária e exercer a função em conflitos de natureza jurídica.

No caso em espécie, parece-me que está o impetrante Fernando Tristão Fernandes,não no exercício da função de Advogado, está ele à busca de dados históricos paraprodução de uma obra que resgata a memória dos trabalhos judiciários praticados poradvogados. Faz-me lembrar — e isso não foi obra de advogado, embora tenha sido umagrande obra de Araújo Lima —, se não me engano, Os grandes processos do júri, quetive oportunidade de manusear junto ao meu pai, o grande advogado Júlio Santa Maria,como também examinar na revista O Direito, de Bento de Farias, as extraordináriassustentações do advogado Evaristo de Morais, o pai, em grandes processos do júri.

Estou excluindo da minha análise o problema das notas taquigráficas dos votosdos Ministros, porque parece que isso não está em jogo, mas sim os trabalhos desenvol-vidos pelos advogados nas sustentações orais. Pelo que ouvi do Relatório foi vedada areprodução das fitas — num momento foi concedida e depois a decisão foi revista peloPresidente do Superior Tribunal Militar —, não houve negativa de acesso aos autos,mesmo porque não estamos falando em questão de advogados, houve a negativa dereprodução das fitas. O primeiro conjunto de fitas copiadas pelo advogado teria in-tegrado um CD com faixas em que estariam gravados os trabalhos de Sobral Pinto eModesto da Silveira. Esse material não chegou às minhas mãos na condição de Ministrodo Supremo Tribunal, mas, sim, à época em que me encontrava no Ministério daJustiça. Ouvi as gravações desse primeiro conjunto.

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Sr. Presidente, está no poder discricionário do Presidente de Tribunal conceder ouvedar de forma discricionária o acesso a dados de processos que são públicos, as susten-tações orais dos advogados?

A Constituição Federal, no inciso XIV do art. 5º, diz:

“Art. 5º (...)

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo dafonte, quando necessário ao exercício profissional.”

O que é assegurado, o exercício profissional? O que é resguardado, o sigilo dafonte? A expressão “quando necessário ao exercício profissional” é uma restrição aodireito assegurado ou ao que está se resguardando, que é o sigilo da fonte? Foi umaimensa discussão quando se debateu sobre esse tema no seio da Assembléia NacionalConstituinte, considerando que o resguardo da fonte para o jornalista era condiçãobásica para o acesso à informação. Muitas informações eram dadas ao profissional damídia, se houvesse a contrapartida daquilo que conhecemos como off the record, ouseja, fora da menção da origem.

Sr. Presidente, uma coisa é assegurar o acesso à informação. Outra coisa é resguar-dar o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. Entendo que essarestrição, “quando necessária ao exercício profissional”, autoriza o resguardo da fontese, e somente se, o resguardo da fonte for condição para o exercício da profissão. Aquestão é saber se o acesso à informação de todos é viável, ou não.

A Constituição Federal, extensiva, portanto, a qualquer órgão, quer o Judiciário,quer o Legislativo, quer o Executivo, diz que:

Art. 5º (...)

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seuinteresse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazoda lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja impres-cindível à segurança da sociedade e do Estado.

Lá, se resguardou a fonte; aqui, se resguardou a segurança da sociedade e do Estado.

O sigilo dessas sustentações orais, produzidas pelos advogados mencionados norecurso e que teriam sido realizadas perante o Superior Tribunal Militar, é imprescindívelà segurança da sociedade e do Estado?

O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): Não. Aí é o direito às partes envolvidasno julgamento.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas se o julgamento é público, por que a limitaçãoapenas às partes?

O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): Além do mais, como separar, num rolo defitas, o que é a parte que o advogado está sustentando, ou que sustentou, e os debatestravados entre os ministros? Além do mais os advogados fazem a defesa de seus clientescom base nos fatos que os envolvem, circunstância que pode trazer a veiculação dematéria que não seja do interesse deles divulgar. Tema que, como se vê, está relacionadocom o direito constitucional à privacidade.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Daí o Ministro haver dissociado a matéria do âmbitorestrito da advocacia.

O Sr. Ministro Néri da Silveira (Presidente): Essas fitas de gravações são elementosdefinitivos como documentos, ou são simples elementos auxiliares para esclarecimentodos fatos?

O Sr. Ministro Nelson Jobim: De nenhum acórdão consta a sustentação oral daacusação e da defesa; constam os debates que travamos.

O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): Esta é uma questão intrincada que seprevalecer o entendimento contrário, abre-se um precedente para todos os tribunaisbrasileiros.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Por que não abrir, Excelência? O que temos paraesconder?

O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): Porque o Tribunal não libera. As notastaquigráficas...

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Deveria liberar, deveria liberar. Perdoe-me, deverialiberar. O exemplo deve vir de cima.

O Sr. Ministro Néri da Silveira (Presidente): É matéria que o debate realmentedestaca ser importante. Conviria levá-la ao Plenário.

O Sr. Ministro Nelson Jobim: Peço vista dos autos.

EXTRATO DA ATA

RMS 23.036/RJ — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Recorrentes: FernandoAugusto Henriques Fernandes e outro (Advogados: Fernando Tristão Fernandes eoutros). Recorrido: Superior Tribunal Militar.

Decisão: Após o voto do Ministro Relator negando provimento ao recurso e cas-sando a liminar concedida, o julgamento foi adiado, em virtude de pedido de vista doMinistro Nelson Jobim. Falou pelos recorrentes o Dr. Fernando Augusto HenriquesFernandes.

Presidência do Ministro Néri da Silveira. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Marco Aurélio, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Mardem Costa Pinto.

Brasília, 6 de abril de 1999 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Nelson Jobim:

1. O caso

Os impetrantes requereram ao Presidente do Superior Tribunal Militar cópias deprocessos que tramitaram há mais de 20 anos perante aquele Tribunal, bem como cópiaáudio das respectivas sessões.

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Informaram os impetrantes que os documentos serviriam como fonte históricapara compor obra literária em “homenagem aos advogados que militaram na defesa dosacusados de crimes políticos” (fl. 12).

Em um primeiro momento o pedido foi deferido, para logo em seguida, por meio dedespacho de reconsideração, ser recusado pelo Presidente do STM.

Essa a razão do writ.

2. O mandado de segurança

Em 10-10-1997, Fernando Augusto Henriques Fernandes e Fernando TristãoFernandes impetraram MS, com pedido de liminar, perante o STM, contra ato de seuPresidente.

O motivo:

— a recusa em permitir aos impetrantes o acesso às informações solicitadas, quaissejam, cópias de processos já arquivados e de suas respectivas gravações.

Sustentaram como fundamento de seu direito líquido e certo a ofensa ao art. 5º,XIV e LX, da CF; ao art. 7º, XIII, XIV e XV, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Ordem dosAdvogados do Brasil); arts. 3º, 29, 75 e 387 do CPM; arts. 40 e 155 do CPC; art. 4º e 22da Lei n. 8.159/97; e arts. 3º, 15 e 19 do Decreto n. 2.134/97, que regulamenta a Lei n.8.159/97.

A liminar foi indeferida.

A autoridade apontada como coatora prestou informações.

Alegou:

a) que ao caso não se aplicava a Lei 8.906/97, pois não se tratava de exercícioestrito da advocacia;

b) que as fitas indicadas não integravam qualquer processo;

c) que os registros fonográficos contidos nas fitas sobre as sessões de julgamentoobjetivavam subsidiar precipuamente a elaboração dos acórdãos;

d) que o pedido constituía indesejável precedente naquela Corte; e

e) que as fitas solicitadas sofriam restrições de acesso e reprodução, com base noinciso I do Provimento n. 54/STM.

A segurança foi denegada.

Leio:

“(...)

Mandado de Segurança. Exame e retirada de autos findos, direito asseguradoao Advogado, no exercício da profissão, com restrição (CF, art. 5º, LX, e Lei n.8.906/94, art. 7º, XIII e XVI, e § 1º, n. 1, 2, e 3). Inexistência de direito líquido ecerto a ser conhecido ao impetrante que não ostenta a qualidade de Advogado e,por mero interesse que, sequer figura em normas objetivas, pretende ter acessopleno a autos findos e a gravações, que não integram processos. Estas últimas de

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uso interno do Tribunal e de acesso privativo, não são consideradas de caráterpúblico, em razão de norma interna regulamentadora de seu uso, ex vi da Lei n.9.507, de 12/11/1997. Advogado que pretende acessar registros fonográficos con-

tidos em fitas não integrantes de processos e de uso exclusivo do Órgão, parasubsidiar serviços particulares — elaboração de livro —, atividade, inclusive decaráter comercial, não tem em vista a defesa de direito subjetivo amparado em lei.Decisão administrativa em harmonia com o ordenamento jurídico, não se vislum-brando afronta ao rol das garantias onde se define o pressuposto remédio heróico(CF, art. 5º, LXIX, e Lei n. 1.533, art. 1º). Medida de uso excepcional conhecida e

denegada. Unânime.

(...)” (fl. 66).

3. O RMS

Dessa decisão foi interposto Recurso Ordinário.

O PGR opinou pelo desprovimento do RMS.

4. O voto do Relator

Maurício desproveu o recurso ordinário.

Leio no voto:

“(...)

Os recorrentes pretendem que lhes seja garantido “o direito líquido e certo deacesso pleno e de cópia de autos e suas respectivas gravações, acervo de arquivopúblico”, sobretudo o de reproduzir gravações de defesas orais, para fins de pes-quisa histórica que comporá o livro Voz Humana, a ser editado em homenagem aadvogados que atuaram na defesa de acusados de crimes políticos.

2. Embora conste das razões do recurso que os recorrentes buscam acessoirrestrito aos autos findos perante o Tribunal a quo, para copiar-lhes partes que

eventualmente lhes interessem, frise-se que esta matéria não foi objeto de qualquernegativa no acórdão recorrido, limitando-se o thema decidendum ao despacho quereconsiderou anterior deferimento para a transcrição de fitas relativas às sustenta-ções orais e respectivos debates realizados nas Sessões daquela Corte. É o que estáclaramente disposto no voto condutor, ao assentar que, “quanto ao Impetrante, Dr.Fernando Tristão Fernandes, o Despacho, objeto desta medida de uso excepcional,

indefere a pretensão tão-somente no tocante ao fornecimento de reprodução dasfitas indicadas à fl. 17 do Anexo I, por não integrarem os processos e serem de uso

interno do Tribunal. Assim, com acerto procedeu o Administrador, ora apontadocomo autoridade coatora, ao fazer uso do poder discricionário e reformular a Deci-são exarada anteriormente, autorizadora de acesso às aludidas fitas, indeferindo opedido, neste particular aspecto” (fls. 78/80).

3. Restrita a questão às fitas apreendidas, julgo oportuno fazer a transcrição

dos preceitos invocados no apelo, como sendo os que dão sustentação às teses nelesuscitadas.

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4. Estabelecem os incisos XIV e LX do artigo 5º da Constituição Federal:

‘XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado osigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

(...)

LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quandoa defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;’

Indiscutível que o preceito do inciso XIV nada tem a ver com a hipótese,dado que não se cuida de assegurar-se o exercício profissional do advogado, estan-do claro que os fins alvitrados pelos requerentes não dizem respeito a qualquerprocedimento necessário à defesa de seus eventuais clientes. Quanto ao inciso LXé de ver-se que a publicidade a que se refere o preceito não pode agasalhar apretensão dos recorrentes, de modo que seja permitido que as gravações produzi-das perante os Tribunais em seus julgamentos, que são passíveis de revisões, pos-sam ser levadas ao domínio público, de modo irrestrito. Até porque, no calor dosdebates, sobretudo entre advogados, podem aflorar linguagem e colocações tais,que eles próprios não desejam que venham a público o que disseram, o que leva aadmitir que essa intimidade deva ser preservada, como a dos juízes, das partes e dosmembros do Ministério Público que tenham participado do julgamento.

5. Dizem os incisos XIII, XIV, XV e XVI do artigo 7º da Lei n. 8.906, de 4 dejulho de 1994:

XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo,ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou emandamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo,assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;

XIV - examinar, em qualquer repartição policial, mesmo sem procura-ção, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda queconclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;

XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquernatureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazoslegais;

XVI - retirar autos de processos findos, mesmo sem procuração, peloprazo de dez dias;

Como antes fiz constar, o acórdão impugnado não fez qualquer restrição aoexame de autos findos ao 2º recorrente, que é advogado inscrito nos quadros daOAB do Rio de Janeiro. Assim sendo, não é de aplicar-se o preceito invocado(XIII). Quanto ao inciso XIV, é evidente que a norma não se aplica à hipótese, poistrata-se de órgão do Poder Judiciário e não de repartição policial. Relativamenteaos incisos XV e XVI opera-se a mesma situação do inciso XIII, tendo em vista queo acesso não foi negado pelo acórdão atacado.

6. Invoca-se como vulneradas as seguintes disposições do Código de ProcessoPenal Militar, verbis:

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‘Art. 3º Os casos omissos neste Código serão supridos:

a) pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao casoconcreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar;

b) pela jurisprudência;

c) pelos usos e costumes militares;

d) pelos princípios gerais de Direito;

e) pela analogia.

(...)

Art. 29. A ação penal é pública e somente pode ser promovida pordenúncia do Ministério Público Militar.

(...)

Art. 75. No exercício de sua função no processo, o advogado terá osdireitos que lhe são assegurados e os deveres que lhe são impostos peloEstatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, salvo disposição em contrário,expressamente prevista neste Código.

(...)

Art. 387. A instrução criminal será sempre pública, podendo, excepcio-nalmente, a juízo do Conselho de Justiça, ser secreta a sessão, desde que oexija o interesse da ordem e disciplina militares, ou a segurança nacional.’

À toda evidência, os preceitos citados nada têm a ver com o caso em tela, e nopouco que podem ter, o acórdão recorrido não contrariou.

7. Alegam os recorrentes que houve descumprimento dos seguintes disposi-tivos do Código de Processo Civil:

‘Art. 40. O advogado tem o direito de:

I - examinar, em cartório de justiça e secretaria de tribunal, autos dequalquer processo, salvo o disposto no art. 155;

II - requerer, como procurador, vista dos autos de qualquer processopelo prazo de 5 (cinco) dias;

III - retirar os autos de cartório ou secretaria, pelo prazo legal, sempre quelhe competir falar neles por determinação do juiz, nos casos previstos em lei.

(...)

Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredode justiça os processos:

I - em que o exigir o interesse público;

II - que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges,conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.’

As hipóteses disciplinadas nestas disposições não foram contrariadas peloacórdão impugnado. Como salientado acima, no que diz respeito à verificação deautos, o respectivo acórdão assegurou.

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8. No que concerne à Lei n. 8.159/91, sustentam os recorrentes que foramofendidas as seguintes regras:

‘Art. 4º Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações deseu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, contidas em docu-mentos de arquivos, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de respon-sabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurançada sociedade e do Estado, bem como à inviolabilidade da intimidade, davida privada, da honra e da imagem das pessoas;

(...)

Art. 22. É assegurado o direito de acesso pleno aos documentospúblicos.’

A esse propósito, recordo o que sobre o tema salientou a Dra. Anadyr deMendonça Rodrigues, em nome do Ministério Público Federal, às fls.132/133, eque adoto:

‘De outra parte, o direito de acesso pleno aos documentos públicos écondicionado, pela própria Lei federal n. 8.159/91, que o instituiu, a que ocandidato à sua obtenção esteja buscando “informações de seu interesseparticular ou de interesse coletivo ou geral” (art. 4º), o que não se configura,na presença do simples propósito de se reunirem dados para a edição delivro, ainda que, nesse caso, nem pode ser afirmado o necessário interesseparticular, nem o imprescindível interesse coletivo ou geral.

9. Do Decreto federal n. 2.134, de 27-1-1997, teriam sido contrariados osseguintes preceitos:

‘Art. 3º É assegurado o direito de acesso pleno aos documentos públicos,observado o disposto neste Decreto e no art. 22 da Lei n. 8.159, de 8 dejaneiro de 1991.

(...)

Art. 15. Os documentos públicos sigilosos classificam-se em quatrocategorias:

I - ultra-secretos: os que requeiram excepcionais medidas de segurançae cujo teor só deva ser do conhecimento de agentes públicos ligados ao seuestudo e manuseio;

II - secretos: os que requeiram rigorosas medidas de segurança e cujoteor ou característica possam ser do conhecimento de agentes públicos que,embora sem ligação íntima com seu estudo ou manuseio, sejam autorizadosa deles tomarem conhecimento em razão de sua responsabilidade funcional;

III - confidenciais: aqueles cujo conhecimento e divulgação possam serprejudiciais ao interesse do País;

IV - reservados: aqueles que não devam, imediatamente, ser do conhe-cimento do público em geral.

(...)

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Art. 19. São documentos passíveis de classificação como reservadosaqueles cuja divulgação, quando ainda em trâmite, comprometa as opera-ções ou objetivos neles previstos.

Parágrafo único. A classificação de documento na categoria reservadasomente poderá ser feita pelas autoridades indicadas no parágrafo único doart. 18 deste Decreto e pelos agentes públicos formalmente encarregados daexecução de projetos, planos e programas.’

10. Esse Decreto é regulamentador do artigo 23 da Lei n. 8.159/91, que cuidade renovação de classificação de documentos considerados de interesse da socie-dade e do Estado.

Entendo que tais dispositivos não têm, in casu, o alcance que lhes emprestamos recorrentes, pois, como bem salienta o parecer da Procuradoria-Geral da Repú-blica, são preceitos que têm por sua ratio a proteção de valores outros, diversos dosque motivaram o acesso aos registros de áudio da Corte a quo.

11. Como é sabido, o direito de obter informação não é amplo, em face davedação relativa à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e daimagem das pessoas (CF, artigo 5º, inciso X).

12. Ora, está fora de dúvida que as gravações realizadas pelo STM podem serouvidas pelos advogados e membros do Parquet militar que tomaram parte noprocesso, porém não podem ser expostas à consulta pública, parecendo-me, porisso mesmo, revestido de legalidade o inciso I do Provimento n. 54 do STM, queassim restringiu o acesso às gravações apenas àquelas pessoas.

13. Some-se a isso o fato de as gravações das sessões realizadas pelos Tribu-nais terem por fim exclusivo subsidiar a coleta de elementos que devam constar doprocesso, após transcritas, o que não se confunde com a noção de arquivo público.De uso irrestrito são as notas taquigráficas já revisadas pelos juízes que as subscre-vem, e não o teor das gravações contendo todas as discussões travadas por épocado respectivo julgamento. São registros fonográficos de uso privativo do órgão eque sofrem restrição quanto à divulgação, como se infere do parágrafo único doartigo 1º da Lei n. 9.507/97, verbis:

‘Considera-se de caráter público todo registro ou banco de dados con-tendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ouque não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositá-ria das informações.’

14. Na espécie, entendo inexistir direito líquido e certo, visto que o interessedos recorrentes — editar o livro Voz Humana — não pode ultrapassar o dever deproteger a imagem dos que se viram envolvidos em processos julgados pelo Supe-rior Tribunal Militar.

15. Resta saber, a teor do artigo 7º, inciso I, do Estatuto da Advocacia e daOrdem dos Advogados do Brasil, que assegura ao advogado o sigilo profissionale inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos edados, de sua correspondência e de suas comunicações, se, ao apreender as fitasjá gravadas sob a custódia da Secretaria do Tribunal, teria se caracterizado maltratoa essa garantia.

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Tenho que de fato a pasta do advogado, pela natureza da atividade queexerce, constitui-se em extensão do próprio escritório do advogado, tendo emvista que, como usual, contém documentos e dados que integram o seu acervo. Nãoé, porém, o que se dá na espécie, como adiante se verá.

16. Limitando-se a questão à apreensão de dois rolos de fitas, impõe-se sali-entar que, por época desse evento, já teriam os requerentes obtido cópias de partedas gravações, como expresso na própria inicial do mandado de segurança, queestão fora da apreciação deste recurso. Dando continuidade a essa pesquisa e cole-ta, já em 10 de outubro de 1997, portanto, após o despacho que reconsiderou odeferimento (fls. 13/14 do apenso), proferido em 26 de agosto de 1997, é que osrecorrentes tiveram os rolos de fita apreendidos.

17. É aí que reside o cerne da controvérsia, a meu ver.

Enquanto os recorrentes, como está posto no aditamento à inicial do manda-do de segurança (fls.14/15), asseveram que duas fitas de rolo foram apreendidasdas mãos e das Pastas do Advogado Fernando Tristão Fernandes, o auto de apreen-são especifica (fl. 02 do apenso) que elas foram apreendidas tendo em vista adeterminação do Presidente do STM, dela constando claramente que “as referidasfitas foram lacradas, tendo o referido advogado assinado no respectivo lacre ecolocadas em uma pasta preta, com segredo, de propriedade do mesmo, ficandotudo sob a custódia da Secretaria do Tribunal Pleno”.

18. Resulta daí que a questão é mesmo controvertida quanto à consumaçãodo ato de apreensão, dado que há uma versão para cada uma das partes, situaçãoque nesse ponto inviabiliza a aferição de como realmente ocorreu o evento, não sepodendo afirmar que houve ofensa à inviolabilidade protegida pela lei, porque olacre contém a assinatura do próprio advogado, presumindo-se que para tantopossa ter havido anuência. Não há nenhum elemento nos autos de que se possacolher haver sido a apreensão efetivada de dentro da pasta, a consumar a aventadaviolência ao princípio da inviolabilidade adstrita ao exercício profissional.

Tal é a hipótese dos autos que não tenho como extrair, também nesta parte,qualquer certeza e liquidez do direito pleiteado.

19. Ainda que tal não se desse, como informam os autos, quando da apreen-são dos rolos, em 10 de outubro de 1997, já havia o Presidente da Corte revogadoo seu primeiro despacho autorizador das gravações, circunstância que indica acorreção do procedimento adotado, que resultou na apreensão do material indevi-damente colhido.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso, ficando cassada a liminar defe-rida nos autos do procedimento cautelar (Pet n. 1.423-5).

É o meu voto.

(...)”

5. Voto vista

Pedi vista para melhor exame.

Conforme destaquei quando do pedido de vista, excluo da análise da questão apossibilidade de estarmos perante o exercício da profissão de Advogado.

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Os impetrantes não agem no exercício da função advocatícia, mas sim como pes-quisadores em busca de dados históricos para produção de obra que resgata a memóriados trabalhos judiciários praticados por advogados.

O caso não comporta, portanto, a invocação do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) oude outras normas processuais que dizem respeito ao exercício da advocacia.

A pergunta que se faz nos autos é a seguinte:

Está no poder discricionário de Presidente de Tribunal conceder ou vedar acesso adados de processos que são públicos ou sustentações orais de advogados?

Ou ainda, qual o limite do direito de informação no que se refere ao acesso agravações de sustentações orais proferidas em julgamentos públicos dos Tribunais?

Trata-se de tema de extrema relevância para o País, qual seja, o direito de informação.

A CF prevê que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quandoa defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (art. 5º, LX).

É sabido que os direitos e garantias fundamentais não são absolutos.

No entanto, o caso dos autos não se enquadra em nenhuma das limitações previstasna Constituição.

Os recorrentes apenas pleitearam acesso a dados de julgamentos que entendem serde grande relevância para a história do Poder Judiciário.

Não consta dos autos que referidos julgados estivessem sob segredo de justiça.

Maurício argumenta que:

“o interesse dos recorrentes (...) não pode ultrapassar o dever de proteger aimagem dos que se viram envolvidos em processos julgados pelo Superior TribunalMilitar”.

Dificilmente se poderia falar em ferimento à honra daqueles que naquele momentofizeram parte da história da Justiça brasileira.

Um exemplo atual de prestígio ao princípio da publicidade é a TV Justiça.

Nela as sessões do Plenário são transmitidas todas as quartas e quintas, reprisadasem outros horários, e, nem por isso, se cogitou em falar de ferimento à imagem dosMinistros ou dos ilustres advogados que sustentam na tribuna.

Todos os personagens que ali atuam exercem o munus público.

Não há falar em violação à intimidade, à vida privada, à honra ou à imagem destaspessoas.

Cito, também, a Instrução Normativa n. 28, de 31-8-2005, deste Tribunal, queassim dispõe:

“(...)

Art. 1º Fica autorizado o fornecimento, por escrito, em áudio, vídeo ou meioeletrônico, de cópia de sustentação oral proferida em sessão de julgamento doPleno e das Turmas, desde que a expensas do interessado.

(...)”

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Vejam que o Supremo, por meio de ato interno, autoriza aquilo que é negado nocaso concreto.

Entendo que o voto de Maurício diverge da própria orientação do Supremo noque diz respeito ao direito de informação.

Destaco trecho da ementa do MI 284, julgado em 22-11-1991:

“(...)

Alguns dos muitos abusos cometidos pelo regime de exceção instituídono Brasil em 1964 traduziram-se, dentre os vários atos de arbítrio puro que ocaracterizaram, na concepção e formulação das liberdades públicas. Esse sistema,fortemente estimulado pelo ‘perigoso fascínio do absoluto’ (Pe. Joseph Comblin, AIdeologia da Segurança Nacional — O Poder Militar na América Latina, p. 225,3ª ed., 1980, trad. de A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira), ao privilegiar ecultivar o sigilo, transformando-o em ‘praxis’ governamental institucionalizada,frontalmente ofendeu o princípio democrático, pois, consoante adverte NorbertoBobbio, em lição magistral sobre o tema (O Futuro da Democracia, 1986, Paz eTerra), não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possívelreservado ao mistério.

O novo estatuto político brasileiro — que rejeita o poder que oculta e nãotolera o poder que se oculta — consagrou a publicidade dos atos e das atividadesestatais como valor constitucionalmente assegurado, disciplinando-o, com ex-pressa ressalva para as situações de interesse público, entre os direitos e garantiasfundamentais.

(...).” (Celso, Redator para o acórdão, DJ de 26-6-1992).

Trago, ainda, recente decisão de Celso seguindo essa mesma orientação:

“(...)

Não custa rememorar, neste ponto, tal como decidi no MS 24.725-MC/DF, Rel.Min. Celso de Mello (Informativo/STF n. 331), que os estatutos do poder, numaRepública fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério.

Na realidade, a Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuaise coletivos (art. 5º), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial àcaracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, nalição expressiva de Bobbio (O Futuro da Democracia, p. 86, 1986, Paz e Terra),como “um modelo ideal do governo público em público”.

A Assembléia Nacional Constituinte, em momento de feliz inspiração, repu-diou o compromisso do Estado com o mistério e com o sigilo, que fora tão forte-mente realçado sob a égide autoritária do regime político anterior (1964-1985),quando no desempenho de sua prática governamental.

Ao dessacralizar o segredo, a Assembléia Constituinte restaurou velho dogmarepublicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publici-dade, convertido, em sua expressão concreta, em fator de legitimação das decisõese dos atos governamentais.

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É preciso não perder de perspectiva que a Constituição da República nãoprivilegia o sigilo, nem permite que este se transforme em praxis governamental,sob pena de grave ofensa ao princípio democrático, pois, consoante adverteNorberto Bobbio, em lição magistral sobre o tema (O Futuro da Democracia,1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a democracia,espaço possível reservado ao mistério.

Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que a exigência de publicidadedos atos que se formam no âmbito do aparelho de Estado traduz conseqüência queresulta de um princípio essencial a que a nova ordem jurídico-constitucional vigenteem nosso País não permaneceu indiferente.

O novo estatuto político brasileiro — que rejeita o poder que oculta e quenão tolera o poder que se oculta — consagrou a publicidade dos atos e das ativida-des estatais como expressivo valor constitucional, incluindo-o, tal a magnitudedesse postulado, no rol dos direitos, das garantias e das liberdades fundamentais,como o reconheceu, em julgamento plenário, o Supremo Tribunal Federal (RTJ139/712-713, Rel. Min. Celso de Mello).

Impende assinalar, ainda, que o direito de acesso às informações de interessecoletivo ou geral — a que fazem jus os cidadãos e, também, os meios de comunica-ção social — qualifica-se como instrumento viabilizador do exercício da fiscaliza-ção social a que estão sujeitos os atos do poder público.

(...)” (MS 25.832, DJ de 20-2-2006).

Não obstante a decisão de Celso dissesse respeito ao direito de liberdade de im-prensa, é perfeitamente aplicável à hipótese ora em exame.

Conclui-se de tudo isso que o Presidente do Tribunal só poderia limitar o acesso àinformação requerida desde que estivesse agindo dentro dos limites objetivos da lei.Somente nesse caso.

A norma adotada como fundamento de recusa ao pedido dos impetrantes (inciso Ido Provimento n. 54/STM), ora recorrentes, não tem o alcance desejado pela autoridadeapontada como coatora.

Leio o que diz o inciso I do Provimento n. 54/STM:

“(...)

I - Os Representantes do Ministério Público Militar e os Advogados terãoacesso às gravações de julgamento dos processos em que tenham tomado parte,exceto quanto à matéria discutida e votada em sessão secreta pelo Plenário doSuperior Tribunal Militar.

(...)”

Não se pode inferir dessa regra uma restrição ao direito de informação dos recorrentes.

Quando se trata do direito à informação, não há espaço para discricionariedade.

Do mesmo modo, não se pode dar a uma norma interpretação ampliativa pararestringir um direito fundamental, restrição essa que não se pautaria em nenhum princípioconstitucional de mesmo valor em nosso ordenamento.

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O direito fundamental à informação, diante de nossa história recente, é talvez umdos mais caros no elenco do art. 5º da Constituição.

Somente justificativa pautada em princípio estrutural do sistema político brasi-leiro — como a proteção ao interesse público ou a defesa da intimidade — legitimariaa sua restrição.

Não se perfaz em justificativa plausível a alegação de que o material de que sepleiteou cópia apenas serviria para o controle interno do tribunal ou para o exame dosMinistros da Corte.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para cassar o acórdão recorrido e garan-tir aos impetrantes o direito de acesso (possibilidade de consulta) e de cópia dos autose das respectivas gravações requisitadas à autoridade coatora, e, ainda, a devolução dasfitas apreendidas do Sr. Fernando Tristão Fernandes.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhora Presidente, pensei em pedir vista, maspercebo tratar-se, aqui, de uma discussão quase que de pesquisa histórica, puramente,sem nenhum reflexo maior sobre a proteção à dignidade da pessoa humana, à vidaprivada, à intimidade. E saúdo, também, a evolução do Ministro Nelson Jobim quantoao trato dos direitos fundamentais.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Continuo sustentando os direitos funda-mentais, mas não inventando conversas de núcleos essenciais: se há núcleo essencial, hánúcleo não-essencial, e o Ministro Gilmar Mendes sofre muito com o fato dessa contra-dição.

EXTRATO DA ATA

RMS 23.036/RJ — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Relator para o acórdão:Ministro Nelson Jobim. Recorrentes: Fernando Augusto Henriques Fernandes e outro(Advogados: Fernando Tristão Fernandes e outros). Recorrido: Superior Tribunal Militar.

Decisão: A Turma, por maioria, vencido o Ministro Relator, deu provimento aorecurso ordinário, nos termos do voto do Ministro Nelson Jobim. Lavrará o acórdão oMinistro Nelson Jobim. Não participou deste julgamento o Ministro Eros Grau. Presidiueste julgamento o Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, neste julgamento,o Ministro Celso de Mello.

Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros GilmarMendes, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso deMello. Compareceu o Ministro Nelson Jobim, Prresidente do Tribunal, assumindo, nestaocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo único, RISTF, a fimde julgar processo a ele vinculado. Subprocurador-Geral da República, Dr. WagnerGonçalves.

Brasília, 28 de março de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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MANDADO DE SEGURANÇA 23.161 — SE

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Impetrante: Dilson Maciel Yllana — Impetrado: Presidente da República

Mandado de segurança. Processo administrativo. Intimação de autori-dade administrativa inferior da concessão de medida liminar em mandadode segurança quando encaminhado o processo ao superior hierárquicopara julgamento. Continuidade do feito. Ilegalidade. Nulidade dos atospraticados após a concessão da medida liminar.

1. A autoridade administrativa, intimada da concessão de medidaliminar em mandado de segurança que determina a suspensão de proces-so disciplinar, detém poderes para sustar a prática de ilegalidade na con-dução do feito.

2. O fato de o processo administrativo não se encontrar mais empoder da autoridade coatora no momento em que foi ela intimada é ir-relevante. A autoridade deve cientificar o superior hierárquico ao qualforam remetidos os autos, requerendo sua devolução a fim de efetivar ocumprimento da ordem, sob pena de nulidade dos atos processuais prati-cados posteriormente.

3. Segurança concedida para anular todos os atos praticados noprocesso administrativo a partir da intimação da autoridade coatora,reintegrando-se o impetrante ao cargo, com o pagamento dos vencimen-tos devidos desde o ajuizamento do presente writ.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência da Ministra Ellen Gracie, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,conceder a segurança, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 27 de outubro de 2005 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de mandado de segurança impetrado por DilsonMaciel Yllana em face de ato do Presidente da República, consubstanciado em decretopublicado no DO de 30-1-98, que determinou a sua demissão do cargo de Médico doMinistério do Trabalho.

2. Em 24-5-91 foi instaurado processo administrativo disciplinar pela DelegaciaRegional do Trabalho em Itajaí/SC, onde o impetrante exercia as suas funções, para aapuração de irregularidades. Posteriormente, o impetrante foi transferido para a Subdele-gacia de Londrina/PR, remetidos os autos do processo administrativo para o mesmodestino, nomeada nova comissão de inquérito.

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3. O impetrante, então, ajuizou mandado de segurança perante a Vara Federal daSeção Judiciária de Curitiba, para anular o processo administrativo, alegando que anova comissão:

i] deixou de ouvir testemunhas que residiam em Santa Catarina;

ii] não permitiu a substituição de testemunhas não encontradas;

iii] deixou de ouvir o impetrante após o depoimento das testemunhas dedefesa; e

iv] indeferiu a realização de perícia contábil.

4. Liminarmente, requereu a suspensão do processo, deferida pelo Juízo da PrimeiraVara Federal de Curitiba.

5. Não obstante a concessão da cautela, com a devida notificação da autoridadeimpetrada em 3-3-94 para a suspensão do processo administrativo [fl. 135], os autosforam encaminhados à autoridade superior, dando-se continuidade ao seu processamento,culminando com a demissão do impetrante.

6. A sentença posteriormente prolatada pelo Juízo Federal de Curitiba confirmou aliminar, reconhecendo a ocorrência de cerceamento de defesa e determinando o retorno doprocesso administrativo à fase instrutória, a fim de que fossem ouvidas as testemunhasindicadas. A União interpôs recurso de apelação, recebido no efeito meramente devolu-tivo. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por sua vez, negou provimento aorecurso, transitado em julgado o acórdão em 28-11-00.

7. Irresignado com sua demissão, sobreveio o presente mandado de segurança, emque requer a concessão de medida liminar para a reintegração provisória no cargo queocupava. Requer, ainda, a anulação de todos os atos praticados no processo adminis-trativo disciplinar a partir da notificação de fl. 581, para que seja proferido novojulgamento, garantindo-se o direito à ampla defesa e ao contraditório.

8. Em suas informações [fls. 226/236], a Consultoria da União afirma que em 3-3-94,quando a autoridade impetrada do primeiro mandado de segurança recebeu a notifica-ção da medida liminar deferida, a comissão de inquérito já teria concluído a apuraçãodas irregularidades e encaminhado os autos à autoridade superior.

9. Assevera que, não sendo competente para realizar o julgamento, não teria poderespara determinar a suspensão do processo administrativo.

10. Por fim, acrescenta que durante a condução do inquérito foram observadastodas as formalidades necessárias para garantir ao impetrante seu direito ao contraditó-rio e à ampla defesa, inexistindo irregularidades a serem sanadas.

11. O pedido liminar foi indeferido pelo Ministro Carlos Velloso, [fl. 887], porconsiderar ausente o periculum in mora.

12. O Procurador-Geral da República, em parecer de fls. 884/887, opinou pela con-cessão da segurança. Ainda que concedida a medida liminar posteriormente à remessa doprocesso administrativo ao Ministério do Trabalho, era perfeitamente possível a execu-ção da decisão judicial, pois o feito ainda aguardava julgamento. Assevera que houvedesrespeito à liminar, implicando a nulidade de todos os atos praticados após a suaconcessão, inclusive a demissão do impetrante.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Inicialmente, cumpre destacar que, enquanto ospresentes autos aguardavam julgamento, o Tribunal Regional Federal da 4ª Regiãonegou provimento, por unanimidade, à apelação interposta pela União contra decisãodo Juízo da Primeira Vara Federal de Curitiba/PR, que havia concedido a segurança paraque fossem ouvidas as testemunhas indicadas pelo impetrante. O acórdão foi publicadono DJ de 25-10-2000, transitado em julgado em 28-11-2000, conforme consulta proces-sual realizada no sítio eletrônico daquele Tribunal [http://www.trf4.gov.br].

2. A coisa julgada do acórdão prolatado pelo TRF - 4ª Região assentou, de formadefinitiva, a nulidade do processo administrativo que levou à demissão do impetrante. Odescumprimento desta decisão por parte da autoridade impetrada, desde a concessão damedida liminar em primeira instância, implicou a nulidade de todos os atos praticadosnaquele processo após a notificação da autoridade coatora.

3. Conforme destacou o Procurador-Geral da República, é irrelevante o fato de queo processo administrativo não mais se encontrava em poder da autoridade coatora nomomento em que foi notificada a respeito da concessão da medida liminar. Aquelaautoridade possuía poderes para sustar a prática de ilegalidades na condução do feito,devendo, no mínimo, ter dado ciência da decisão judicial à autoridade superior para aqual foram remetidos os autos, requerendo sua devolução, a fim de efetivar o cumpri-mento da ordem. Ao deixar de proceder dessa forma, a Administração Pública incidiu emflagrante ilegalidade.

Ante o exposto, concedo a segurança para anular todos os atos praticados noProcesso Administrativo de n. 35.346.000.944/91-80 após 3-3-94 — data em que aautoridade coatora foi intimada do deferimento da liminar no Mandado de Segurança n.94.0001900-9 pelo Juízo da Vara Federal de Curitiba/PR [fl. 135], garantindo-se a oitivadas testemunhas indicadas pelo processado.

Determino, outrossim, a imediata reintegração do impetrante ao cargo que ante-riormente ocupava e o pagamento dos salários devidos desde a data em que foi ajuizado opresente mandado de segurança. Por fim, julgo improcedente o pedido de condenação emhonorários, em face da Súmula 512 desta Corte.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sra. Presidente, aqui houve o cerceamento de defesa,reconhecido judicialmente com decisão da última instância ordinária, com trânsito emjulgado.

Não obstante a decisão judicial, o processo administrativo prosseguiu, culminandocom a demissão do impetrante. O caso é, realmente, de concessão da ação de segurança,restando em mim apenas uma dúvida já suscitada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, apropósito do mandado de segurança anterior. É caso de reintegração, aqui? A nulidadede processo implica reintegração do impetrante? Parece que sim.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): É a causa do afastamento.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Esse afastamento é por um dado prazo.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se não houver prescrição, pode renovar oprocesso.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Ou seja, esse processo é nulo, e, se for o caso, abre-seum novo processo com possibilidade de suspensão do indiciado, do processado, mas areintegração se faz com todos os seus consectários, inclusive financeiros.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ele está esse tempo todo afastado, sem justacausa.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Acompanho o voto do Relator.

EXTRATO DA ATA

MS 23.161/SE — Relator: Ministro Eros Grau. Impetrante: Dilson Maciel Yllana(Advogado: Marcello Cesar Pereira Filho). Impetrado: Presidente da República.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, concedeu a segurança, nos termos do votodo Relator. Votou a Presidente. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim(Presidente), Celso de Mello, Carlos Velloso e Cezar Peluso. Presidiu o julgamento aMinistra Ellen Gracie (Vice-Presidente).

Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão osMinistros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Carlos Britto, JoaquimBarbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros eSilva de Souza.

Brasília, 27 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

MANDADO DE SEGURANÇA 25.022 — DF

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Impetrante: Usina Carapebus S.A. — Impetrado: Presidente da República —Litisconsortes passivos: União e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –INCRA

Reforma agrária — Vistoria — Notificação. Válida é a notificaçãoreferente à vistoria do imóvel quando efetuados os trabalhos em dataimediata, em data razoável, considerados os objetivos da ciência respec-tiva.

Reforma agrária — Instrução Normativa n. 8/93, do Incra — Publici-dade. Tratando-se de instrução interna, visando aos trabalhos adminis-trativos, descabe a exigência de publicidade via Diário Oficial.

Reforma agrária — Audição do Conselho Nacional de Política Agrí-cola — Artigo 11 da Lei n. 8.629/93. Relativamente aos ajustes periódicosalusivos à desapropriação, a manifestação do Conselho não é formalida-de essencial, ante o ordenamento jurídico em vigor.

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Reforma agrária — Audição das entidades de classe — Obrigatorie-dade. A audição das entidades representativas de classe bem como a ciên-cia relativa à vistoria somente são pertinentes uma vez havendo indica-ção, por uma delas, do imóvel para efeito de reforma agrária. Preceden-tes: Mandados de Segurança n. 23.889-5/MS, Relator Ministro MoreiraAlves, 23.645-1/MS e 23.271-1/ES, relatados pelo Ministro Carlos Velloso,com acórdãos publicados, respectivamente, no Diário da Justiça de 22 denovembro de 2002, de 15 de março de 2002 e de 19 de dezembro de 2002.

Reforma agrária — Invasão do imóvel. Ocorrendo o esbulho emdata posterior à vistoria, surge desinfluente quanto à aferição da produti-vidade.

Reforma agrária — Produtividade do imóvel — Mandado de segurança.O mandado de segurança não é o meio próprio a discutir-se, sob o ângulo doconteúdo, o laudo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –Incra, no que conclusivo acerca da ausência de produtividade.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,denegar a segurança, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, osMinistros Nelson Jobim (Presidente), Celso de Mello, Carlos Velloso e Cezar Peluso.

Brasília, 27 de outubro de 2005 — Marco Aurélio, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao proceder ao exame do pedido de concessão demedida acauteladora e indeferi-lo, assim revelei as causas de pedir desta impetração:

Com a longa petição de folhas 2 a 41 e os documentos de folhas 42 a 617, aUsina Carapebus S.A. busca demonstrar o descompasso de decreto do Presidenteda República de 20 de abril de 2004, que implicou a declaração de interesse social,para fins de desapropriação, visando à reforma agrária, da Fazenda Santo Antônio.A impetração data de 16 de agosto de 2004, havendo sido formalizada, portanto, apoucos dias do prazo decadencial. Eis a síntese da peça inicial, consideradas cau-sas de pedir próprias ao mandado de segurança:

a) ocorrida a notificação para efeito de vistoria, indicado como períodode realização o compreendido entre 25 e 29 de maio de 1998, veio a serimplementado o levantamento de dados em 12 de junho subseqüente, ficandoinviabilizado o acompanhamento;

b) a propriedade é produtiva, conforme laudo elaborado;

c) portaria do Incra, datada de 3 de dezembro de 1993, contendo instru-ções, nunca foi publicada, desrespeitando-se o princípio da publicidade dosatos administrativos;

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d) inobservou-se a regra do artigo 11 da Lei n. 8.629/93, no que previstaa audição do Conselho Nacional de Política Agrícola, órgão jamais criado, issopara a fixação dos parâmetros informadores do conceito de produtividade;

e) olvidou-se o artigo 2º do Decreto n. 2.250/97, sobre a comunicação,às entidades sindicais representativas dos trabalhadores rurais e das classesprodutoras, da data da realização da vistoria.

f) o imóvel foi invadido, conforme revelado por cópia do boletim deocorrência e da ação de reintegração de posse, distribuída na Justiça Estadualde Quissamã — Rio de Janeiro, ficando configurada, assim, a força maiorobstaculizadora da produtividade.

Requer-se a concessão de medida acauteladora que suspenda a eficácia dodecreto de desapropriação, por vício do processo administrativo que o ensejou,vindo-se, alfim, a fulminá-lo.

À folha 620, instei os subscritores da petição inicial a declararem autênticasas peças a ela anexadas, o que ocorreu, conforme peça de folhas 622 e 623. Oprocesso voltou-me para exame em 1º de setembro de 2004.

A impetrante pleiteou a reconsideração do ato, não logrando sucesso, conforme sedepreende da peça de folhas 644 e 645.

A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer de folhas 658 a 660, assimsintetizado:

Mandado de Segurança. Desapropriação. Decreto expropriatório de20.04.2004. Alegação de nulidade da vistoria e produtividade do imóvel. Ausên-cia de notificação à autoridade coatora para prestar informações. Validade da vis-toria, visto que não provado que realizada em data diversa da notificação e, aindaque assim o fosse, o intervalo de 13 dias não seria bastante a invalidá-la. Irrelevân-cia de antecipação de tutela proferida pelo Juízo da Vara Federal. Produtividadedo imóvel incabível de aferimento na via do writ. Invasão ocorrida em 2004, muitoposterior, portanto, à vistoria. Parecer pela denegação da ordem.

À folha 670, prolatei decisão, chamando o processo à ordem e determinando fos-sem solicitadas informações à autoridade apontada como coatora e citada a União.

As informações consignam que a produtividade do imóvel já foi discutida emjuízo e que não pode ser revista na via da impetração. Afirma-se que a invasão ocorreuem data posterior aos levantamentos técnicos, sendo que parte mínima do imóvel foiocupada. Articula-se a impossibilidade jurídica do pedido, presente a circunstância de omandado de segurança não se contentar com suposta violação de direito.

Também a União, na defesa apresentada, assevera a impertinência do mandado desegurança, no que, segundo as razões expendidas, visa conclusão que depende de faseprobatória, não se havendo demonstrado, de início, a base do pedido. A função social ea produtividade do imóvel seriam dados e não poderiam ser esclarecidas na via eleita.Diz que a impetrante pretende elucidar matéria de fato própria à ação expropriatória, deacordo com a Lei Complementar n. 76/93. Teria havido regular notificação dos propri-etários, sendo que a data de 12 de junho de 1998 corresponde à finalização dos trabalhosrelativos ao laudo agronômico. Sobre o esbulho, sustenta que aconteceu após o levanta-mento das balizas da propriedade.

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O processo voltou à Procuradoria-Geral da República, que emitiu o parecer de folhas881 a 886, salientando a irrelevância da publicação da Instrução Normativa n. 8/93 e damanifestação do Controle Nacional de Política Agrícola, tendo em conta não se consti-tuir em formalidade essencial. Ressaltou o então Procurador-Geral da República, Dr.Claudio Fonteles, que a comunicação da vistoria à entidade de classe somente ocorrequando ela própria, a entidade, haja indicado a área para desapropriação.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Valho-me do que tive a oportunidade deconsignar, já agora com o endosso da Procuradoria-Geral da República, ao indeferir amedida acauteladora:

Constata-se que a vistoria, marcada para o período de 25 a 29 de maio de1998 — ofício de folha 62 — foi implementada, de acordo com a certidão de folha104, em 29 de maio de 1998. É certo que os dados manuscritos estão em documentodatado de 12 de junho de 1998. Tudo indica, todavia, que esse tenha sido não o diaem que vistoriado o imóvel, mas o da formalização da peça. É o que se depreendeem face do registro de folha 111 e da certidão referida.

Quanto à publicidade da Instrução Normativa n. 8/93, do Incra, observe-se ointróito dela constante, a evidenciar tratar-se de orientação interna, não repercutindode forma direta e, portanto, concreta, no campo de interesses subjetivos — “estabe-lece diretrizes para o procedimento administrativo das desapropriações por inte-resse social, para fins de reforma agrária”. De qualquer modo, há de presumir-se oque normalmente acontece e, assim, a veiculação em boletim do próprio Incra, decirculação restrita, como convém em se cuidando de normas internas.

Também não procede o que asseverado no tocante ao artigo 11 da Lei n.8.629/93, sobre a audição do Conselho Nacional de Política Agrícola relativamentea parâmetros e indicadores que informam o conceito de produtividade. A manifes-tação do Conselho, órgão que se argúi inexistente, não se afigura como formalida-de essencial, no que diz com os ajustes periódicos das balizas concernentes àprodutividade, levando-se em conta o progresso científico e tecnológico da agri-cultura. Pelo mesmo motivo, afasta-se o vício no que se argumenta que as entida-des representativas de classe não foram cientificadas sobre a realização da vistoria.O Plenário tem restringido a exigência de comunicação à ciência do proprietáriodo imóvel. Precedentes: Mandados de Segurança n. 23.312-9, relator ministroMaurício Corrêa; 23.889-5, relator ministro Moreira Alves; 23.645-1 e 23.271-1,relatados pelo ministro Carlos Velloso.

No que tange à invasão do imóvel — e, já aqui, há substancial mudança deestratégia, admitindo-se implicitamente o fato de não serem alcançados os níveisde produtividade requeridos —, os documentos de folha 181 a 187 comprovamque invasão deu-se não em 1998 — ou, de maneira mais precisa, no período ime-diatamente anterior à vistoria —, mas em 2004. Cai por terra o que articulado emtorno da força maior. Por último, é de ressaltar que, com relação ao alegado estadode calamidade, ante chuvas torrenciais, não se demonstrou a repercussão dofenômeno nos níveis de produtividade.

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Indefiro a segurança, salientando, mais uma vez, que não se tem como infirmar, navia estreita do mandado de segurança, o conteúdo de laudo a revelar improdutiva apropriedade.

EXTRATO DA ATA

MS 25.022/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrante: Usina CarapebusS.A. (Advogado: Marcelo Luiz Ávila de Bessa). Impetrado: Presidente da República

(Advogado: Advogado-Geral da União). Litisconsortes passivos: União (Advogado:Advogado-Geral da União) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –INCRA (Advogado: José Bruno Lemes).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, denegou a segurança, nos termos do votodo Relator. Votou a Presidente. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim(Presidente), Celso de Mello, Carlos Velloso e Cezar Peluso. Presidiu o julgamento aMinistra Ellen Gracie (Vice-Presidente).

Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão os

Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Carlos Britto, JoaquimBarbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros eSilva de Souza.

Brasília, 27 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

MANDADO DE SEGURANÇA 25.112 — DF

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Impetrante: Dirceu Arnaud Diniz — Impetrados: Presidente da 2ª Câmara do Tri-bunal de Contas da União e Presidente do Tribunal de Contas da União — Litisconsortepassivo: União

Mandado de segurança — Autoridade coatora — Tribunal — Retifi-cação. O fato de se substituir a referência a presidente de órgão fracionado

do tribunal, mencionando-se o presidente da Corte, não implica alteração

substancial relativamente à autoridade apontada como coatora.

Aposentadoria — Proventos — Percepção — Glosa. À luz do princí-

pio da legalidade, não subsistem os pagamentos precários e efêmeros

ocorridos em virtude de aposentadoria que veio a ser glosada pelo Tribu-

nal de Contas da União, incumbindo ao servidor devolver as importâncias

recebidas. Verbete de Súmula do Tribunal de Contas da União a ser obser-

vado com reserva, no que revela a manutenção das parcelas percebidas

com boa-fé.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notastaquigráficas, por maioria, negar a segurança, nos termos do voto do Relator, vencidosos Ministros Cezar Peluso e Eros Grau.

Brasília, 3 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio,Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Eis como sintetizei as balizas deste mandado desegurança:

Colho da inicial de folhas 2 a 24 que o impetrante aposentou–se, em 1981,como Procurador do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e, em 2 de outubrode 1995, como professor do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federalda Paraíba. Logrou também ocupar, no Tribunal Regional do Trabalho da 13ªRegião, cargo comissionado, transformado posteriormente em efetivo. Encami-nhada a aposentadoria relativa a este último ao exame do Tribunal de Contas daUnião, deu-se a glosa, observando-se, no recurso de reexame protocolado, o Verbe-te n. 106 da Súmula daquela Corte de Contas, Órgão que estabeleceu, como termofinal do recebimento dos proventos, sob o ângulo da boa-fé, a data da ciência daprimeira decisão sobre o afastamento da aposentadoria.

Sustenta o impetrante a nulidade do processo que teve curso no Tribunal deContas da União, considerado o cerceamento do direito de defesa, em face doalegado caráter necessário da intimação para o acompanhamento do feito, à luz doinciso LV do artigo 5º da Constituição Federal. Em passo seguinte, evoca o artigo54 da Lei n. 9.784/99, para aludir à passagem dos cinco anos. O Tribunal de Contasda União somente teria vindo a atuar em 2003, datando a aposentadoria de 1997,quando surgira o termo inicial do qüinqüênio. Argúi ainda, como causa de pedir, adescaracterização da má-fé, ressaltando que, possuindo o recurso de reexame aeficácia suspensiva, a incidência do Verbete n. 106 há de se fazer a partir da dataem que prolatada a segunda decisão pela Corte de Contas. A liminar visa à suspen-são da eficácia do que decidido, afastando-se, inclusive, anotação no cadastronacional da dívida ativa. O pleito final é pela declaração de que restou configuradoo cerceamento de defesa e, sucessivamente, pelo reconhecimento da incidência dodisposto no artigo 54 da Lei n. 9.784/99, ou seja, da decadência. Refutados essespedidos, requer o impetrante seja declarada a boa-fé até a formalização do pronun-ciamento último do Tribunal de Contas da União. A inicial fez-se acompanhadados documentos de folhas 25 a 114.

A seguir, indeferi a medida acauteladora e determinei a correção da autuação paraafastar, como autoridade coatora, o Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 13ªRegião, no que se limitara a dar cumprimento ao que deliberado pelo Tribunal de Contasda União. Também foi consertada a autuação para constar como autoridade coatoraaquela que representa o Tribunal de Contas da União, ou seja, o respectivo presidente.

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Ordenei a citação da União, por se tratar da pessoa jurídica de direito público quepoderá, concedida a ordem, sofrer as conseqüências do julgamento da impetração. Fizver, então (folha 120):

É tempo de distinguir as figuras da autoridade tida como coatora, que deveprestar as informações, e da parte passiva no mandado de segurança, ou seja, quem,uma vez retirado do cenário jurídico o ato atacado, virá a sofrer as conseqüênciaspróprias.

O Tribunal de Contas da União prestou informações — ofício de folha 133 edocumentos que o acompanham — mediante peça da Consultoria Jurídica do Órgão naqual se refuta a transgressão do devido processo legal e a decadência, consignando-se acaracterização de cumulatividade proibida de aposentadorias, a resultar na conclusão deque, “na atividade, não se vislumbra a possibilidade de um procurador do InstitutoNacional do Seguro Social acumular outro cargo de professor da Universidade Federalda Paraíba – UFPB e de analista judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 13ªRegião” (folha 176).

A União trouxe aos autos a contestação de folhas 224 a 240, argüindo a preliminarde ilegitimidade passiva, tendo em conta que o mandado de segurança fora impetradocontra ato do Ministro Presidente da Segunda Câmara do Tribunal de Contas da Uniãoe do Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, descabendo a modifi-cação respectiva. A partir da boa procedência dessa óptica, aponta a incompetência doSupremo Tribunal Federal, porque não se trataria de impetração dirigida contra ato doPresidente da Corte. A seguir, refere-se à validade do processo administrativo, refutandoo que sustentado sob o ângulo do contraditório. Quanto à preclusão — artigo 54 da Lein. 9.784/99 —, assevera a impropriedade em relação ao crivo do Tribunal de Contas daUnião. Por último, no tocante ao pretendido afastamento da restituição de valores pagosindevidamente, a União tem como termo inicial da cessação da boa-fé do impetrante adata do primeiro pronunciamento do Tribunal de Contas da União, aludindo à circuns-tância de ter ele qualificação conducente a levá-lo a perceber a impropriedade dosrecebimentos.

A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer de folhas 244 a 251, peloindeferimento da ordem. Eis a síntese da peça:

Acumulação irregular de aposentadorias resultante de cargos não acumulá-veis em atividade — art. 37, XVI, da Constituição Federal.

Impossibilidade de acumulação de proventos a teor do artigo 40, § 6º, daConstituição Federal.

O Tribunal de Contas, no julgamento da legalidade de concessão de aposen-tadoria, exercita o controle externo que lhe atribui a Constituição, no qual não estájungido a um processo contraditório ou contestatório.

Ato de aposentação considerado complexo, de natureza composta, depen-dente de registro no TCU. Inaplicável à espécie, portanto, o art. 54 da Lei n.9.784/99, que prescreve em 5 anos para a Administração anular atos administrativos.

Caráter provisório do efeito suspensivo conferido a recurso interposto contraacórdão do Tribunal de Contas da União.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Este mandado de segurança revela umcaleidoscópio do Direito. De um lado, tem-se a visão do Relator e da União quanto àautoridade apontada como coatora e à retificação verificada. De outro, as ópticas doimpetrante e do Tribunal de Contas da União sobre a definição do instituto da boa-fé.Passo à análise da preliminar evocada pela União, ante o fato de, na origem, ter-se ato doTribunal Regional do Trabalho da 13ª Região e, na ponta, da Segunda Câmara doTribunal de Contas da União. O impetrante, é certo, apontou como autoridades coatoraso Presidente da Segunda Câmara do Tribunal de Contas da União e o Tribunal Regionaldo Trabalho da 13ª Região. Procedi à exclusão do segundo, que se limitou — se é quechegou a fazê-lo — a cumprir a determinação do órgão fracionado do Tribunal de Con-tas da União. Presente o fato de os órgãos fracionados do Tribunal serem o própriotribunal dividido, presente o fato de o Presidente do Tribunal de Contas da União perso-nificar aquela Corte de Contas, determinei o conserto da autuação para substituir-se areferência, como órgão coator, ao Presidente da Segunda Câmara do Tribunal de Contasda União, pela alusão ao Presidente. Em momento algum, foi olvidada a jurisprudênciadesta Casa. Não se confunde exclusão com substituição de autoridade coatora, nem estaúltima com a simples correção para fazer-se inserir na autuação, como autoridade coato-ra, em substituição ao presidente do órgão fracionado, o presidente do próprio tribunal.Rejeito a preliminar, no que não levaria, de qualquer forma, ainda que mantida a referên-cia ao Presidente da Segunda Câmara do Tribunal de Contas da União, à conclusão sobrea incompetência do Supremo. Repita-se: pouco importa a origem do ato da Corte deContas, se do Plenário ou de Câmara, porque não deixa de ser dela própria.

No mais, reitero o que tive oportunidade de consignar ao indeferir a medida acau-teladora, ressaltando que não é atacada a glosa à aposentadoria, mas o termo inicial dedevolução das parcelas percebidas — se revelado pelo primeiro pronunciamento doTribunal de Contas da União ou pelo segundo, decorrente do recurso de revisão. Saliento,ainda, que, fosse o mandado de segurança ação de mão dupla, não teria a menor dúvidaem assentar devolução aos cofres públicos de tudo o que veio a ser recebido pelo impe-trante em virtude da aposentadoria que se mostrou conflitante, na dicção do Tribunal, coma Carta da República:

Não se faz em jogo, ante as balizas objetivas do mandado de segurança, alegitimidade, ou não, da aposentadoria no cargo ocupado no Tribunal Regionaldo Trabalho da 13ª Região. O processo atinente à aposentadoria é de naturezacomplexa, iniciando-se com o ato do Órgão a que integrado o servidor e terminandocom a manifestação do Tribunal de Contas da União. Não se tem como falar emlitigantes, o que, na forma de reiterados pronunciamentos desta Corte, inviabilizao contraditório — Mandados de Segurança n. 24.742-8/DF, 24.754-1/DF, por mimrelatados, 24.784-3/PB e 24.859-9/DF, relatados pelo Ministro Carlos Velloso.Também essa feição do processo elide por completo a possibilidade de se cogitarda incidência do artigo 54 da Lei n. 9.784/99. É que não se faz presente procedi-mento que implique anulação de ato administrativo, mas simples ausência deaperfeiçoamento da aposentadoria. A passagem dos cinco anos é desinfluente,

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porquanto, não se perfazendo a cadeia de atos próprios ao desfecho final do pro-cesso, não há como se afirmar a perda, pela Administração, da prática do ato. Sob oângulo do Verbete n. 106 da Súmula do Tribunal de Contas da União, surge adificuldade até mesmo de conciliá-lo com o princípio da legalidade estrita quepreside a atuação da Administração Pública. Eis o teor do citado verbete e doreferido artigo 54 e § 2º:

O julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma, aposenta-doria e pensão, não implica por si só a obrigatoriedade da reposição dasimportâncias já recebidas de boa-fé, até a data do conhecimento da decisãopelo órgão competente.

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos deque decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos,contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

(...)

§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida deautoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

Ora, ou a aposentadoria é legal e os recebimentos contam com lastro maior,ou se mostra conflitante com o ordenamento jurídico e aí, diante do interessepúblico primário, cumpre obstar, por evidente improcedência, tais recebimentos,determinando-se a devolução dos valores aos cofres públicos. No caso, entretanto,a discussão resolve-se em campo de mais simplicidade. Advoga o impetrante a tesede que a boa-fé, no que percebidas parcelas mensais a título de proventos, projeta-se até a decisão final do Tribunal de Contas da União, não sendo de considerar aciência ocorrida após o pronunciamento primeiro. Para tanto, potencializa a cir-cunstância de o recurso de reexame possuir eficácia suspensiva. Olvida o impe-trante o caráter temporário do fenômeno, que vige enquanto não decidido orecurso. Vale dizer que, desprovido este último, reafirma-se a óptica primeira. É osuficiente para se concluir pela irrelevância da articulação. Ademais, ante a própriadefinição contida no mencionado § 2º, descabe ter a previsão legal como adequadaà espécie.

Indefiro a ordem.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Penso que, a partir do primeiro pronuncia-mento quanto à ilegalidade da aposentadoria, o impetrado ficou alertado, assumindo orisco ao recorrer.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas ele teve de interpor o recurso para ver a boa-féreconhecida. Isto é, no primeiro acórdão não lhe foi reconhecida a boa-fé, de modo queprecisou recorrer para a boa-fé ser reconhecida.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O primeiro acórdão determinou a devoluçãointegral?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Integral. Só no recurso lhe foi reconhecida a boa-fé.Pelo menos é o que consta aqui.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não, um momento. Pelo que percebi e teria

de proceder ao reexame do processo, o Tribunal de Contas simplesmente concluiu pela

impropriedade do ato de aposentação. Negou o registro e parou aí.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, diz na impetração, que o acórdão julgou devida

a devolução, porque o ora impetrante teria agido de má-fé.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Vossa Excelência está lendo a inicial?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim.

O Sr. Irapuan Sobral Filho: Senhor Presidente, matéria de fato. No segundo acór-

dão é reconhecia a boa-fé. Tenho cópia do segundo acórdão em mãos. O primeiro

acórdão delimita-se a negar o registro e, no segundo, acolhe o recurso em parte e

reconhece a boa-fé.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Se foi acolhido o recurso, é porque a boa-fé não tinha

sido reconhecida, se não o recurso não teria sido acolhido.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É contra esse que se impetra o mandado de segurança,

porque o Ministro Relator está indeferindo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, mas aí seria só a partir do julgamento da

ilegalidade da decisão recorrida.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Insisto em afirmar, ante o exame que fiz ao

confeccionar o voto, na primeira decisão apenas se feriu a legalidade, ou não, da aposen-

tadoria.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, negou o registro da aposentadoria.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Houve recurso, articulando-se a decadên-

cia, a possibilidade até mesmo de cumulação e, aí, o Tribunal glosou, desproveu esse

recurso. Onde ficou configurado o afastamento da boa-fé?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): No primeiro recurso, na primeira decisão.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Com o primeiro pronunciamento do

Tribunal de Contas.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O meu ponto de vista é um pouco diferente. A meu

ver, a boa-fé aí não envolve a questão da obrigatoriedade de devolver, trata-se de ser

reconhecida a boa-fé e fixado o termo; o que não foi feito no primeiro.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas isso foi feito no segundo.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O segundo não reconhece a boa-fé.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Em outras palavras: o fato de o processo ter-se prolon-

gado decorreu da necessidade de usar do recurso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não, pelo que percebi, ele só entrou com

recurso para afastar a glosa à aposentadoria.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ele continuou recebendo.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ele não interpôs recurso para se opor àdeterminação de devolução, mesmo porque o Tribunal seria incongruente se assim pro-clamasse, haja vista que contava com verbete sobre a não-obrigatoriedade de devoluçãodas parcelas.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Esse recurso tem efeito suspensivo e ele conti-nuou recebendo os proventos provisórios.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O segundo deu pela má-fé.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, o segundo recurso afastou a má-fé. Portanto, aalegação de boa-fé também era objeto do recurso; do contrário, não teria sentido que oTribunal tivesse acolhido o recurso, se não fosse objeto a questão da boa-fé.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Portanto não há necessidade de devolução.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Em outras palavras, ele teve de prolongar o processopara ver reconhecida sua boa-fé a partir de determinada data.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Mas essa questão não é relevante para a decisão doRelator. Ele está indeferindo a segurança tão-somente.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se ele não tivesse recorrido — porque elerecorreu quanto à legalidade da aposentadoria.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Cessaria tudo.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Se não tivesse recorrido, teria de devolver tudo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Cessavam, mas o certo é isto: dado o recurso,não se suspendeu o pagamento dos proventos provisórios.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ele teve de devolver os proventos relativa-mente ao período que transcorreu entre o primeiro pronunciamento e o segundo doTribunal. Penso que a questão sobre a boa-fé só surgiu com a decisão última, pelainsistência em ter-se como legal uma aposentadoria glosada.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, mas, se o Tribunal acolheu o recurso, é porque aalegação de boa-fé era o objeto do recurso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não acolheu. Ao contrário, ele desproveue determinou diante do recurso.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não acolheu?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O recurso não discutia a boa-fé, discutia alegalidade da aposentadoria.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não discutia. Não se fazia em jogo a devolução,porque o Tribunal, no primeiro pronunciamento, observara o verbete.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É súmula do Tribunal de Contas que não sedevolvem os proventos recebidos até a negativa do registro.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, ao contrário: não implica a obrigatoriedade dedevolver; não implica, por si só, a obrigatoriedade da reposição das quantias recebidasde boa-fé.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: É que boa-fé se presume.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Então, afirmada a ilegalidade, não houvesse orecurso, teriam sido cessados os pagamentos.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, insisto, se não tivesse recorrido, teria de devolvertudo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não, Excelência, ele não devolveria nada.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Por causa do verbete sumulado.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Tanto que está em jogo apenas a devoluçãoem relação ao período entre o primeiro pronunciamento e o segundo.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Só entre o primeiro e o segundo.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vou pedir vista em mesa só para examinar o teor doprimeiro acórdão. Minha dúvida são os termos do primeiro acórdão, porque, se o primeiroacórdão o escusava de devolver, o segundo teria operado uma reformatio in pejus, ouseja, proveu o recurso para piorar a situação do recorrente? Nunca vi isso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não, Ministro. Na primeira decisão, ape-nas fora proclamado o que está no verbete.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Se o primeiro acórdão o dispensava de pagamento, nosegundo recurso houve reformatio in pejus: o recorrente ficou em situação pior; se nãotivesse recorrido, não pagava nada.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não, Excelência, porque não se teria man-dado devolver a do período anterior.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O aposentado, com o ato de aposentadoria,passa a receber proventos provisórios, condicionados ao julgamento de legalidade doTribunal de Contas. O Tribunal julgou ilegal a aposentadoria. Logo, se não tivessehavido o recurso, desde o trânsito em julgado desta primeira decisão, teria cessado opagamento.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Então, aí havia um problema: ele teria a obrigação dedevolver o que tinha recebido, ou não?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não, por conta do entendimento já sumulado deque não obriga.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Então, o segundo acórdão teria decidido que ele teriade devolver.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não, só os relativos ao tempo da pendência dorecurso.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Só entre a primeira decisão e a segunda.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso ficou claro, até pela sustentação oral doilustre Advogado. O que está em discussão é o tempo da pendência do recurso. Como eletem efeito suspensivo, impede a cessação do pagamento dos proventos provisórios, mas,aí, por conta e risco do recorrente.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Isso partindo do pressuposto de que o primeiro acórdãonão lhe impôs a obrigação de devolver.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Claro que não impôs, Excelência, seria umparadoxo ter-se tal imposição. Seria adotar postura contrária a verbete da súmula daCorte; o acórdão silencia; ou talvez tenha até proclamado a inexistência da obrigação dedevolver.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Só vou examinar os termos do primeiro acórdão.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, o excesso de trabalho desta Corteleva os Ministros, às vezes, a se equivocarem, assim como qualquer homem se equivoca.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Excelência, o equívoco seria meu? Nãoprecisa ressalvar.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, é de todos nós.

O primeiro acórdão é absolutamente textual. Diz o voto do Relator (lê autos, fl. 52):

“Em razão dos fatos acima, não há que se falar em aplicação da Súmula 106.É evidente a má-fé do interessado. Como procurador e professor não pode alegardesconhecimento da norma que impede essas acumulações. Deve, assim, haver adevolução dos valores recebidos indevidamente, nos termos da Súmula 235.”

Consta da ementa (lê autos, fl. 53):

“9.2.2. providencie junto ao ex-servidor a restituição dos valores indevida-mente recebidos como aposentadoria no cargo de Analista Judiciário, com funda-mento na Súmula 235;”

Ele recorreu e alegou, no recurso, a boa-fé. E o acórdão diz o seguinte (lê autos, fls.103/104):

“Quanto à suposta má-fé do interessado, aquiesço aos argumentos do interes-sado,” — portanto, ele alegou como objeto típico e específico do seu recurso a suaboa-fé — “quanto à presunção de boa-fé, razão pela qual propugno pela aplicaçãodo Enunciado n. 106 da Súmula de Jurisprudência desta Corte em relação às quan-tias indevidamente recebidas até a data em que o interessado foi notificado doAcórdão 526/2003.”

O mesmo constou da ementa. Em outras palavras, a Súmula n. 235 determina adevolução, independentemente de boa-fé. Faz, no entanto, ressalva quanto à Súmula n.106, segundo a qual, nos casos de reforma, aposentadoria e pensão, não há devoluçãoautomática. O segundo acórdão deu provimento ao recurso do interessado, mandandoaplicar a Súmula para que, reconhecida sua boa-fé, não tivesse ele de proceder à devolu-ção. Retrotraiu, então, o termo para uma data que não pode ser considerada, porque nãofoi ele responsável pelo pagamento das aposentadorias entre a data do primeiro acórdãoe a do segundo: se o primeiro acórdão lhe tivesse reconhecido a boa-fé, não teria precisadorecorrer. Foi obrigado a recorrer para evitar a devolução total. Desse modo, a dilatação do

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procedimento, em razão do recurso, não pode ser interpretada em seu desfavor, porque,senão, teríamos uma aporia: se fica passivo, tem de devolver tudo; se recua, também saiprejudicado!

Com o devido respeito ao Relator, concedo a impetração para o fim de a sua boa-féser reconhecida a partir da ciência do segundo acórdão.

VOTO (Confirmação)

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, quero apenas explicitaro alcance do meu voto.

Referi-me ao mandado de segurança e excluí a possibilidade de tomá-lo comoação de mão dupla, porque, se assim o fosse, como a possessória, chegaria até mesmo àdeterminação no sentido de ele devolver a totalidade do percebido indevidamente,considerado o princípio da legalidade estrita que rege a Administração Pública.

No caso, como já explicitado pelo Ministro Cezar Peluso, admito, na primeiradecisão, ter-se proclamado a má-fé quanto à acumulação desses proventos com o quepercebido de outra aposentadoria. O impetrante recorreu, não só buscando afastar adecisão alusiva ao rechaçamento da aposentadoria, como também colar a boa-fé napercepção dos proventos.

Ora, glosada a própria aposentadoria nesse pronunciamento primeiro, é possívelassentar-se a boa-fé a partir desse momento? A meu ver, não. Por isso, o Tribunal delimi-tou o efeito da boa-fé ao período entre o ato do órgão de origem e o primeiro pronuncia-mento quanto à ilegalidade da aposentadoria.

Mantenho o voto.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, continuo com dúvida,malgrado os esclarecimentos do Ministro Cezar Peluso.

Vejam bem: se não tivesse o impetrante, no recurso, insistido na legalidade daaposentaria julgada ilegal, os proventos teriam cessado aí. Mas o problema da má-féindependia disso. O recurso dele tem dois capítulos: no principal, insiste-se na legalidadeda aposentadoria.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, Ministro, a questão da ilegalidade ou legalidadeda aposentadoria já estava posta. Aliás, a alegação era até reforço da tese da boa-fé:ratificava a boa-fé, porque para ele a acumulação seria legal. Se tivesse deixado de aalegar, poderíamos tirar a ilação de que estava ciente e consciente da ilegalidade daacumulação. Ora, se sustentava a legalidade, como presumir estivesse agindo de má-fé?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Trata-se, aí, de uma regra geral.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: A presunção é de que estava absolutamente conven-cido. O segundo acórdão considerou insuficientes os conhecimentos dele, como professore procurador, para elidir a boa-fé, a despeito de tais conhecimentos terem sido reconhe-cidos por ambos os acórdãos. Não podemos discutir a interpretação do segundo acórdãoquanto a boa ou má-fé, pois é questão factual reservada ao Tribunal, que a reconheceu.

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O equívoco do Tribunal de Contas foi quanto à fixação do termo a quo; essa é a

questão jurídica posta no mandado de segurança. Ora, o termo a quo foi retrovertido para

a data do primeiro acórdão, quando o período de tempo entre o primeiro e o segundo

acórdãos não pode ser imputado apenas ao servidor. Ele teve de recorrer para determinar

o termo em que cessou a boa-fé, porque, se não o fizesse, teria de devolver tudo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro Cezar Peluso, ele teve de recorrer, mas

o fez com dois objetivos: o principal era insistir na legalidade da aposentadoria.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Para isso existe o princípio da eventualidade.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Quanto a isso, ele recorre por sua conta e risco.

O Sr. Ministro Eros Grau: Ministro Sepúlveda Pertence, ele não pode ser punido

pela circunstância de o recurso ter efeito suspensivo.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente, isso não o condena. Se ele tivesse recor-

rido alegando só a boa-fé, continuaria a receber, não podia recusar-se.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Data venia, Ministro Cezar Peluso, ele não

continuaria recebendo. Se ele só tivesse recorrido para discutir o problema da boa-fé, no

período anterior à primeira decisão do TCU, não continuaria recebendo os proventos, na

pendência do recurso.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Só não seria exigível a devolução.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Por que não?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Porque haveria decisão definitiva no sentido

da ilegalidade da aposentadoria.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas estaria, e estava, pendente a questão da boa-fé e

de até quando essa boa-fé, se reconhecida, perduraria. O termo final da boa-fé era inerente

ao recurso.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas só em relação à devolução.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Data venia, não, Ministro Cezar Peluso. O

problema de boa-fé, aqui, parece-me de todo irrelevante. Estaríamos estabelecendo uma

regra geral de que no julgamento da legalidade da aposentadoria, julgada esta ilegal, se o

inativo recorre, continua a receber os proventos provisórios até o julgamento definitivo do

Tribunal de Contas.

O Sr. Ministro Eros Grau: Caso tenha efeito suspensivo.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas o efeito suspensivo automático é do sistema.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Efeito suspensivo para não fazer cessar o

pagamento dos proventos, que são provisórios, porque condicionados ao registro pelo

Tribunal de Contas.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Efeito suspensivo para projetar a boa-fé?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas há.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não concebo que o servidor possa ser onerado — não,

obrigado — a deixar de interpor recurso, quando veja possibilidade de provimento do

mérito.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, Ministro Peluso. Mas aí por sua conta e

risco.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O servidor teria de se conformar com decisão errônea

do Tribunal de Contas para não correr risco em caso de improvimento.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas a discussão não era até o acórdão?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O caso não é este. Tanto que ele não está

discutindo mais, aqui, a legalidade da aposentadoria.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Está, ainda.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ainda está discutindo, perdão. Mas quanto a

isso o Tribunal está de acordo em que o Tribunal de Contas decidiu corretamente.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): No mandado de segurança, não discute.

Questiona-se o vício do processo e a decadência. Agora, vejam bem, ele chegou a rece-

ber, até o primeiro pronunciamento do Tribunal, durante cinco anos.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Cinco anos. Isso é esperteza.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não vejo esperteza nenhuma. Se fosse só esperteza, o

segundo acórdão não lhe teria reconhecido a boa-fé.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não discuto se é esperteza ou não. Discuto que

não se pode dar pela afirmação de boa-fé nesse período entre o julgamento de ilegitimi-

dade da aposentadoria e o do recurso, que o contesta.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, Ministro Sepúlveda Pertence, com isso Vossa

Excelência inviabiliza a possibilidade de recurso por aquele que seja injustiçado por

uma decisão do Tribunal de Contas. Se recorre e perde, vai ser sobrecarregado.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Basta não perceber.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro Cezar Peluso, quem recorre corre o risco.

Há o risco, já que ele passa a receber, a partir daí, vencimentos condicionados.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Exato.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, e se ele está convencido de que seu ponto de

vista jurídico é correto?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O pedido é para as duas coisas.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Data venia, ele corre o risco. Ele estava convencido

de que o ponto de vista dele era correto, tanto que recorreu sustentando a ilegalidade do

ato do Tribunal de Contas. Ajuntou a isso o pedido de declaração de boa-fé. E ganhou

também neste ponto, para trás. Só não ganhou a partir daí, porque havia uma decisão do

Tribunal de Contas sustentando a ilegalidade.

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VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, já que estamos falando emboa-fé, lembro à Corte que a postulação ora em julgamento é feita por um professor deDireito Público, conforme dito da tribuna.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, Ministro Joaquim Barbosa, esta Corte não poucasvezes viu divergência quanto à matéria de acumulação de proventos entre seus Minis-tros! Ministros do Supremo Tribunal Federal têm posições discrepantes em questão deacumulação. Que dizer-se a esse respeito?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Ministro Cezar Peluso, quero dizer que se trata deuma pessoa altamente versada nessas questões.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas há alguém supostamente mais versado queMinistro do Supremo? E os Ministros do Supremo divergem sobre o tema, emboranoutros aspectos.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se, portanto, de um professor de DireitoPúblico plenamente consciente da absoluta impossibilidade de acumulação de três pro-ventos de aposentadoria no direito público brasileiro.

Isso para mim é o bastante para acompanhar o Relator e indeferir a segurança.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Há vários casos de concessão pelos tribunais. A matériaera controvertida.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, de fato o ato de aposentadoria doservidor público efetivo produz efeitos desde logo, porém sub conditionis, uma uma vezque se trata de um ato jurídico complexo a depender, para o seu perfazimento, da decisãodo Tribunal de Contas. Se essa decisão inviabiliza de todo, no caso, a acumulação, operaretroativamente. Não tenho dúvida quanto a isso.

Por isso peço vênia ao Ministro Cezar Peluso para acompanhar o eminente Relator.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, peço vênia ao eminente MinistroCezar Peluso para acompanhar, neste caso, o eminente Relator.

Verifico que o impetrante afastou-se do serviço público, digamos, no mês de janeiro.A partir daí, ele percebeu a aposentadoria — informa-nos o Relator — durante cincoanos. Depois disso, vem o primeiro acórdão. Esse acórdão negou-lhe a boa-fé, dada a suaqualificação especial, de professor de Direito Público. Portanto determinou a restituiçãodesde a inicial, aqueles cinco anos anteriores. O segundo acórdão apenas alterou nesteponto o entendimento do Tribunal, reconhecendo a sua boa-fé, aplicando, portanto, aSúmula n. 106 do Tribunal de Contas da União e não a Súmula n. 235, que havia sidoaplicada pelo primeiro acórdão. Assim, a restituição se faz apenas a partir da data doprimeiro acórdão. Não atinge os cinco anos anteriores.

Com essa explicitação, a minha adesão ao voto do Relator.

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Senhor Presidente, também já me manifestei. Limi-to-me apenas a pedir vênia ao Senhor Ministro Cezar Peluso para acompanhar o SenhorMinistro Relator.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, também peço vênia aoeminente Ministro Cezar Peluso e acompanho o eminente Relator.

Acho mais que razoável a Súmula n. 106 do Tribunal de Contas. O servidor a quema Administração concedeu a aposentadoria se presume de boa-fé até o julgamento da suailegalidade pelo órgão competente. A partir daí, é claro, pode insistir, mas passa a fazê-lo por sua conta e risco.

Por isso acompanho, com todas as vênias, o eminente Ministro Relator para dene-gar integralmente a segurança.

EXTRATO DA ATA

MS 25.112/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrante: Dirceu ArnaudDiniz (Advogados: Irapuan Sobral Filho e outros). Impetrados: Presidente da 2ª Câmarado Tribunal de Contas da União e Presidente do Tribunal de Contas da União. Litiscon-sorte passivo: União (Advogado: Advogado-Geral da União).

Decisão: O Tribunal, por maioria, negou a segurança, nos termos do voto doRelator, vencidos os Ministros Cezar Peluso e Eros Grau. Falou pelo impetrante o Dr.Irapuan Sobral Filho. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 3 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 83.678 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso

Agravante: Suely Pereira Leal — Agravados: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Impetração contra acórdão do Superior Tribunal deJustiça. Alegação de falta de fundamentação. Aresto suficientemente fun-damentado. HC denegado. Agravo improvido. Voto vencido. Se o acórdãoestá suficientemente fundamentado, não se defere, contra ele, pedido dehabeas corpus fundado em falta de fundamentação.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na confor-midade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, negarprovimento ao agravo regimental no habeas corpus; vencido o Ministro Marco Aurélio,que lhe dava provimento.

Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de agravo regimental interposto contradecisão que negou seguimento ao habeas corpus impetrado em favor de Suely PereiraLeal, verbis:

“Conforme se colhe primo ictu oculi do acórdão do Superior Tribunal deJustiça, a admissão do recurso quanto à citação por edital e sua denegação encon-tram-se claramente fundamentadas (cf. fl. 202).

De outro lado, inviável o recebimento da inicial como recurso extraordiná-rio, por conta, dentre outras razoes, como, v.g., a ausência de prequestionamento,da sua intempestivamente: publicado o acórdão no dia 15 de setembro de 2003 (fl.12), o presente writ foi impetrado somente em 28 de outubro de 2003”(fl. 99).

2. Alega o agravante que, ao negar seguimento ao writ, a decisão afronta a jurispru-dência desta Corte, que reconhece que “o vício da citação configura a mais primáriaforma de cerceamento de defesa e contamina, pela raiz, o curso da ação penal pública”(fl. 102), e que o Superior Tribunal de Justiça, ao denegar a ordem, tornou-se autoridadecoatora (fl. 103).

Requer, assim, a reconsideração da decisão agravada ou a apreciação do agravo peloColegiado, para que seja declarado nulo o processo movido contra a paciente e, em decor-rência, seja declarada extinta a sua punibilidade, pelo reconhecimento da prescrição.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Inconsistente o agravo.

O writ havia sido impetrado sob argumento — exposto, aliás, de forma bastantesucinta — de falta de fundamentação da decisão do Superior Tribunal de Justiça, notocante à citação por edital da paciente e ao motivo que levara à denegação da ordem.

Decidi por negar-lhe seguimento por não ter visualizado nenhuma ofensa ao art.93, IX, da Constituição da República, na decisão havida por ilegal, porque o acórdão doSuperior Tribunal de Justiça se encontra claramente fundamentado — ainda que o agra-vante possa discordar do seu conteúdo, que não foi objeto do presente writ.

Ademais, não há como conhecer de habeas corpus que afirma genericamente que“existem naqueles autos, outras irregularidades insanáveis e muitos prejudiciais apaciente, conforme observarão V. Exªs, nos documentos em anexo” (fl. 2 — sic).

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O recurso, além disso, igualmente sintético, não trouxe argumento algum quepudesse tornar insubsistente a decisão agravada.

2. Isso posto, nego provimento ao agravo e mantenho a decisão de fl. 99 pelos seuspróprios fundamentos.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, não aciono o artigo 21 do Regi-mento Interno, nem, de forma subsidiária, o artigo 557 do Código de Processo Civil paranegar seguimento a habeas corpus.

Entendo que essa ação constitucional de envergadura maior deve vir ao Colegiadocompetente para apreciá-la, contando, inclusive, com parecer da Procuradoria-Geral daRepública. Devo permanecer fiel a essa diretriz, a essa óptica.

Por isso, peço vênia ao Relator para prover o agravo a fim de que o habeas sejaprocessado, ouvindo-se — como já ressaltei — a Procuradoria-Geral da República e,posteriormente, vindo à bancada para julgamento pelo Colegiado.

EXTRATO DA ATA

HC 83.678-AgR/RJ — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Suely PereiraLeal (Advogado: Enock Vieira Nascimento Filho). Agravado: Superior Tribunal deJustiça.

Decisão: Por maioria de votos, a Turma negou provimento ao agravo regimentalno habeas corpus; vencido o Ministro Marco Aurélio, que lhe dava provimento.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à Sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Francisco Xavier Pinheiro Filho.

Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.021 — SC

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello

Paciente: Leonita Mendonça Silva — Impetrantes: Luiz Carlos Nemetz e outros —Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus — Crime contra a ordem previdenciária (apropriaçãoindébita) — Alegação de ocorrência da abolitio criminis em virtude darevogação do art. 95, d, da Lei n. 8.212/91 — Pretendido reconhecimento deausência de culpabilidade — Indagação de ordem probatória — Inadmissi-bilidade na via estreita do writ constitucional — Pedido indeferido.

Habeas corpus e alegação de ausência de tipicidade penal e de cul-pabilidade.

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— O caráter sumaríssimo da via jurídico-processual do habeas cor-pus não permite que se proceda, no âmbito estreito desse writ constitucio-nal, a qualquer indagação de ordem probatória, notadamente se a impe-tração objetivar a análise, discussão e valoração da prova penal. Não serevela viável, desse modo, em sede de habeas corpus, o exame da alegaçãode ausência de dolo na conduta imputada ao agente. Precedentes.

Crime de apropriação indébita previdenciária.

— O crime de apropriação indébita contra a Previdência Socialcontinua tipificado no ordenamento positivo, nos termos do art. 168-A doCódigo Penal, não obstante a derrogação do art. 95, d, da Lei n. 8.212/91.

A superveniência da Lei n. 9.983/2000 (art. 3º) não implicou altera-ção na descrição normativa da conduta anteriormente incriminada, poiso art. 3º da referida Lei n. 9.983/2000, longe de provocar a descaracteriza-ção típica do comportamento delituoso, “apenas transmudou a base legalde imputação para o Código Penal, continuando sua natureza especial emrelação à apropriação indébita simples, prevista no art. 168 do CP”.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notastaquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus, nostermos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o MinistroNelson Jobim.

Brasília, 4 de maio de 2004 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: O Ministério Público Federal, em parecer da lavrada ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Delza Curvello Rocha, assimsumariou e apreciou a presente impetração (fls. 164/168):

“Habeas corpus. Paciente condenada como incursa no art. 95, d, da Lei8.212/91 (atualmente regulada pelo art. 168-A, do Código Penal). Pagamentodas contribuições devidas pela paciente, no curso da ação fiscal. Pretensão dereconhecimento da extinção da punibilidade. Impossibilidade.

Diante do texto da nova lei que regulamenta o art. 168-A do Código Penal —Lei n. 9.983, de 14/07/2000, somente é extinta a punibilidade do agente, se este,espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições,importâncias ou valores e presta as informações devidas à Previdência Social,na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.

Parecer pelo indeferimento do writ.

Excelentíssimo Senhor Ministro Relator

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Leonita Mendonça Silva foi condenada em sede de apelação pelo Eg.Tribunal Regional Federal da 4ª Região, à pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses dereclusão, em regime aberto, sendo substituída por duas penas restritivas de direitos,e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, como incursa nas sanções do art.168-A,c.c o art. 71 do Código Penal.

2. Diante disso, o advogado Luiz Carlos Nemetz impetrou habeas corpus,com pedido de liminar, perante o Eg. Superior Tribunal de Justiça, alegando, emsuma, ausência de dolo na conduta da paciente, sustentando que as contribuiçõesprevidenciárias não teriam sido recolhidas em razão das dificuldades financeirasda empresa, bem como, que o art. 95, alínea d, da Lei 8.212/91 foi expressamenterevogado pelo art. 3º da Lei 9.983/00, hipótese em que cabível a aplicação daabolitio criminis.

3. A liminar foi indeferida e a ordem denegada, à unanimidade, pela Eg.Quinta Turma, conforme decisão abaixo ementada, verbis:

‘Criminal. HC. Omissão no recolhimento de contribuiçõesprevidenciárias. Dificuldades financeiras da empresa. Excludentede culpabilidade. Ausência de dolo. Impropriedade do meio eleito.Art. 95 da Lei n. 8.212/95. Abolitio criminis. Descriminalização pelanorma do art. 3º da Lei 9.983/2000. Inocorrência. Ordem denegada.

I. O habeas corpus não se presta para apreciar as alegações deausência de dolo na conduta do paciente, em virtude das dificuldadesfinanceiras da empresa.

II. Análise que, em razão da necessidade de dilação do conjuntofático-probatório, é inviável na via eleita.

III. O art. 3º da Lei 9.983/2000 apenas transmudou a base legal daimputação para o Código Penal, continuando sua natureza especial emrelação à apropriação indébita simples, prevista no art. 168 do CP.

IV. Inexistência de alteração na descrição da conduta anterior-mente incriminada. Precedentes.

V. Ordem denegada.’

4. Contra essa decisão, insiste o ora impetrante, no pedido de concessão deliminar, para o fim de suspender de imediato, os efeitos dos acórdãos objurgados,sustentando que ‘a título de registro, traz à colação, o despacho que deferiu liminarpleiteada em igualdade de condições, no Habeas Corpus n. 26104/SC, mas que odébito não havia sido quitado, contrário ao que se verifica no caso em tela em quea Paciente o fez logo após a denúncia’ e, ao final, requer a concessão da ordem parareconhecendo a extinção da punibilidade da paciente, bem como, o fim da preten-são punitiva do Estado, proferindo sentença constitutiva negativa (ou desconsti-tutiva), e conseqüentemente, a absolvição da paciente.

5. A liminar foi indeferida às fls. 161 dos autos.

6. Não merece reforma o v. acórdão vergastado.

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7. A questão foi devidamente analisada pela Corte de Justiça, conforme sedepreende do voto condutor às fl. 145, consoante a seguinte fundamentação:

‘Trata-se de habeas corpus contra acórdão doe. Tribunal RegionalFederal da 4ª Região, que deu provimento ao recurso de apelação interpostopelo Ministério Público, para condenar a paciente Leonita Mendonça Silvaà pena de 02 anos e 8 meses de reclusão, substituída por reprimenda restritivade direitos, pela prática do crime do art. 95, alínea d, da Lei n. 8.212/91.

Em razões, sustenta-se, em síntese, a ausência de dolo na conduta dapaciente, já que as contribuições previdenciárias não teriam sido recolhidasem razão das dificuldades financeiras da empresa.

Aduz-se, ainda, que o art. 95, alínea d, da Lei 8.212/91 foi expressa-mente revogado pelo artigo 3º da Lei 9.983/00, hipótese em que cabível aaplicação da abolitio criminis.

Entretanto, não merece prosperar a irresignação.

Inicialmente, o habeas corpus não se presta para apreciar as alegaçõesde ausência de dolo na conduta do paciente, em virtude das dificuldadesfinanceiras da empresa. Tal análise é inviável na via eleita, tendo em vista anecessidade de dilação de fatos e provas que se faria necessária.

Por outro lado, no tocante aos demais argumentos da impetração. Aorientação desta Corte é no sentido de que não ocorreu a descriminalizaçãoda conduta prevista na Lei n. 8.212/91 (art. 95, alínea d), pela norma do art. 3ºda Lei n. 9.983/2000, considerando-se que a novel disposição apenas trans-mudou a base legal de imputação para o Código Penal, continuando suanatureza especial em relação à apropriação indébita simples, prevista no art.168, do CP.

Não houve alteração, contudo, na descrição da conduta anteriormenteincriminada.

Nesse exato sentido, os precedentes desta Corte:

(...)

Diante do exposto, denego a ordem.

É como voto.’

8. A pretensão de ver reconhecida a extinção da punibilidade da pacienteestá vedada nos próprios termos da Lei n. 9.983, de 14 de julho de 2000, uma vezque prevê a ocorrência da extinção da punibilidade, somente quando o agente,espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, im-portâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, antesdo início da ação fiscal, conforme estabelece a própria lei, verbis:

‘Lei n. 9.983, de 14 de julho de 2000 — DOU 17.07.2000

Altera o Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — CódigoPenal e dá outras providências.

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Art. 1º São acrescidos à Parte Especial do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 dedezembro de 1940 - Código Penal, os seguintes dispositivos:

‘Apropriação indébita previdenciária’ (AC)*

‘Art. 168-A Deixar de repassar à previdência social as contri-buições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou con-vencional:’ (AC)

‘Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.’ (AC)

‘§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:’ (AC)

‘I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importân-cia destinada à previdência social que tenha sido descontada de pa-gamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada dopúblico;’(AC)

‘II - recolher contribuições devidas à previdência social que te-nham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de pro-dutos ou à prestação de serviços;’ (AC)

‘III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivascotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdên-cia social.’ (AC)

‘§ É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, de-clara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importânciasou valores e presta as informações devidas à previdência social, naforma definida em lei ou regulamento, antes do início da açãofiscal.’ (AC)

‘§ 3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicarsomente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes,desde que:’ (AC)

‘I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de ofere-cida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária,inclusive acessórios; ou’ (AC)

‘II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, sejaigual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, adminis-trativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execu-ções fiscais.’ (AC)’ (o grifo é nosso).

9. Ante o exposto, o Ministério Público Federal opina pelo indeferimentoda ordem.” (Grifei)

O pedido de medida liminar foi por mim indeferido à fl. 161.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Trata-se de habeas corpus impetradocontra acórdão emanado do Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de idênticoprocesso, denegou o writ à ora paciente, em decisão assim ementada (fl. 143):

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“Criminal. HC. Omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias.

Dificuldades financeiras da empresa. Excludente de culpabilidade. Ausência de

dolo. Impropriedade do meio eleito. Art. 95 da Lei n. 8.212/95. Abolitio criminis.

Descriminalização pela norma do art. 3º da Lei 9.983/2000. Inocorrência.

Ordem denegada.

I. O habeas corpus não se presta para apreciar as alegações de ausên-

cia de dolo na conduta do paciente, em virtude das dificuldades financeiras

da empresa.

II. Análise que, em razão da necessidade de dilação do conjunto fático-

probatório, é inviável na via eleita.

III. O art. 3º da Lei 9.983/2000 apenas transmudou a base legal de

imputação para o Código Penal, continuando sua natureza especial em

relação à apropriação indébita simples, prevista no art. 168 do CP.

IV. Inexistência de alteração na descrição da conduta anteriormente

incriminada. Precedentes.

V. Ordem denegada.” (Grifei)

Eis, em síntese, o teor da presente impetração (fls. 02/21):

“(...) a decisão do digno magistrado de primeiro grau excluiu a responsabili-

dade da agente, por fundamentar ausência de culpabilidade, em outras palavras,

inexigibilidade de conduta diversa, pois diante da situação em que se encontrava

a Paciente, não lhe era possível outra conduta que não fosse a de abster-se, tempo-

rariamente, posto que foi saldada a dívida após a denúncia, de recolher as con-

tribuições e continuar operando seu negócio durante aquele período.

Nessa vertente, restou demonstrado nos autos, através do conjunto probató-

rio, a veracidade das alegações de que a Paciente passava por dificuldades finan-

ceiras. No entanto, não convém analisarmos somente as provas, mas também os

fundamentos trazidos à baila; pois, quando observadas tais situações de inexigibi-

lidade, não se fará necessário percorrer todo o caminho até chegarmos à culpabili-

dade para isentar a agente da responsabilidade em repassar as contribuições devi-

das à Previdência Social.

(...)

Nesse sentido, não possuindo capacidade individual de realizar aquela espe-

cífica conduta determinada pela norma, ou seja, capacidade de repassar o tributo,

somado ao fato de não possuir dinheiro ou qualquer outro bem particular, não se

omite de repassá-lo à Previdência Social.

(...)

No caso em debate, não há que se falar em ilicitude penal da conduta da

Paciente, posto que aos aplicadores da lei não cabe impor punição a alguém, se a

conduta conforme a licitude não lhe era exigível. Desta forma, a exigibilidade cons-

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titui um dos pressupostos da culpabilidade: à autora da conduta típica e antijurídica,

não se podia fazer um juízo de reprovação que a culpabilidade supõe, posto que não

lhe era exigível uma conduta distinta daquela que a Paciente realizou.

(...)

(...) notória está a inexistência de qualquer ação dolosa ou culposa por parte

da administradora, in casu, a Paciente, que tenha contribuído para a caracterização

do tipo penal em questão. Neste particular, conclui-se pela inexigibilidade de

conduta diversa supralegal.

(...)

Entretanto, inexiste qualquer impedimento ou obstáculo jurídico que impeça

o juiz de absolver a Paciente, ainda que a excludente não esteja positivada em lei,

visto que não poderia exigir desta, outra atitude senão aquela configurada, ou seja,

o pagamento do salário dos funcionários.

(...)

No presente caso, a Paciente não se apropriou indevidamente dos valores

referentes ao recolhimento de contribuição previdenciária, ao contrário, utilizou

os mesmos para efetuar o pagamento dos próprios funcionários, empregados da

empresa Fibra Distribuidora Têxtil Ltda, posto que não havia dinheiro no caixa da

empresa, a fim de que esta pudesse honrar com as obrigações para com seus

funcionários.

Também restou cabalmente demonstrado nos autos que houve desfazi-

mento de patrimônio pessoal da Paciente, bem como foi extinta a retirada de pro

labore por parte da sócia, no intuito de cumprir com as obrigações já atrasadas,

evitando a falência e o fechamento definitivo da empresa.

Tais acontecimentos contrariam a decisão prolatada pela E. Sétima Turma

do TRF da 4ª Região, que asseverou que a Paciente não demonstrou a incapacidade

financeira da empresa, bem como do seu patrimônio pessoal. Na verdade, a Paciente

têm como patrimônio o estritamente necessário para sobrevivência.

(...)

(...) tem-se que o fato típico do qual a Paciente foi incursa em acórdão prola-

tado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, não se verificou cumprido em

todo os seus termos.

(...)

Além do fato de ser extinta a punibilidade da agente, manifesta-se que fora

publicada no Diário Oficial da União, a Lei n. 9.983/2000 em seu art. 3º, revoga

expressamente o crime capitulado no art. 95, alínea d da Lei n. 8.212/91, pois ao

dar nova redação ao art. 168-A do Código Penal, tipificou materialmente um crime

formal.

(...)

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(...) a conduta tipificada na nova lei e aquela revogada, inteiramente díspa-res, não se pode falar em mera sucessão de leis penais ou continuidade legislativa,mas em abolitio criminis, ou seja, a extinção da punibilidade.

(...)

(...) a Lei n. 9.983, de 14 de julho de 2000, revogou expressamente o texto doart. 95 da lei 8.212/91, dispositivo penal do qual a Paciente foi declarada comoincursa tendo sido desferido acórdão condenatório, reformando a decisão do juízoa quo, pelo que merece a punibilidade ser extinta em face da retroatividade da leimais benéfica, nos termos do art. 107, III do CP.” (Grifei)

O Ministério Público Federal opinou pelo indeferimento do pedido (fls. 164/168).

Passo a apreciar o presente pedido de habeas corpus. E, ao fazê-lo, entendoassistir plena razão à douta Procuradoria-Geral da República.

Impende ressaltar, inicialmente, por oportuno, que as alegações formuladaspelos ilustres impetrantes — de ausência de culpabilidade e de tipicidade — são insus-cetíveis de exame na via estreita do habeas corpus.

Com efeito, o Tribunal ora apontado como coator advertiu, quanto ao tema oraem análise, não se revelar possível discutir, em sede de habeas corpus, matéria decaráter fático e de índole probatória.

Impõe-se observar, neste ponto, que eventuais divergências no exame do con-junto probatório produzido no âmbito do processo penal de conhecimento não se reve-lam suscetíveis de apreciação na esfera deste writ constitucional.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal — desde que ausente, como naespécie, situação revestida de certeza objetiva quanto aos fatos — tem assinalado nãose mostrar compatível, com o âmbito estreito do habeas corpus, a apreciação jurisdi-cional que importe em indagação probatória, ou em análise aprofundada ou, ainda, emexame valorativo dos elementos de fato existentes no processo penal de conhecimento(RTJ 165/877-878, Rel. Min. Celso de Mello — RTJ 168/863-865, Rel. Min. Celso deMello, v.g.).

Desse modo, o exame da controvérsia, no ponto em questão, supõe a interpretaçãodo conjunto probatório emergente do processo penal de conhecimento, o que constituimatéria pré-excluída da via estreita do habeas corpus (RTJ 136/1221 — RTJ 137/198).

Impende advertir, de outro lado, que o pleito formulado pelos ora impetrantes, naparte em que alegam a ocorrência da abolitio criminis, revela-se insuscetível de acolhi-mento.

Os fatos delituosos, pelos quais a ora paciente foi condenada, ocorreram noperíodo compreendido entre novembro de 1994 e julho de 1998.

Vigorava, no momento das supostas práticas delituosas, a Lei n. 8.212, de 24-7-1991, cujo artigo 95, d, tipificava o crime de apropriação indébita previdenciária.

Com a superveniência da Lei n. 9.983, de 14-7-2000, operou-se a derrogação danorma legal em questão, eis que o mencionado diploma legislativo veio a acrescentar,ao Código Penal, o art. 168-A, que passou a tipificar o crime em referência.

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A derrogação do art. 95, d, da Lei n. 8.212/91, portanto, não tem o condão deensejar a ocorrência da abolitio criminis, com a pretendida extinção da punibilidade daora paciente, pois o crime de apropriação indébita contra a Previdência Social continua

tipificado no ordenamento positivo, nos termos do art. 168-A do Código Penal.

A circunstância de ordem temporal decorrente da sucessão de leis penais notempo não se revela apta a conferir aplicabilidade, no caso, à hipótese de extinção dapunibilidade em referência, por efeito da alegada abolitio criminis. É que — tal comocorretamente assinalou o E. Superior Tribunal de Justiça no acórdão objeto da presenteimpetração — “O art. 3º da Lei 9.983/2000 apenas transmudou a base legal de imputação

para o Código Penal, continuando sua natureza especial em relação à apropriação

indébita simples, prevista no art. 168 do CP”.

Resulta claro, pois, que não se registrou a pretendida descaracterização típica, eis

que a superveniência da Lei n. 9.983/2000 (art. 3º) não implicou alteração na descriçãonormativa da conduta anteriormente incriminada.

Cumpre rememorar, por oportuno, neste ponto, trecho do douto voto proferidopelo eminente Ministro Gilson Dipp, do E. Superior Tribunal de Justiça, nos autos do

HC 27.551/SC:

“A orientação desta Corte é no sentido de que não ocorreu a descriminali-

zação da conduta prevista na Lei n. 8.212/91 (art. 95, alínea d), pela norma do art.

3º da Lei n. 9.983/2000, considerando-se que a novel disposição apenas trans-

mudou a base legal de imputação para o Código Penal, continuando sua naturezaespecial em relação à apropriação indébita simples, prevista no art. 168, do CP.

Não houve alteração, contudo, na descrição da conduta anteriormente in-criminada.

Nesse exato sentido, os precedentes desta Corte:

‘Penal. Contribuições previdenciárias. Omissão. Art. 95 da Lei n.

8.212/91. Abolitio criminis. Inexistência.

1 - Não obstante a revogação do art. 95 da Lei n. 8.212/91 pela Lei n.

9.983/2000, a descrição fática subsiste, como tipo penal incriminador, na

previsão hipotética do art. 168-A do Código Penal, não havendo, por isso

mesmo, se falar em abolitio criminis.

2 - Recurso conhecido com volta dos autos ao Tribunal de origem para

julgamento do recurso em sentido estrito.

(RESP 464420/CE, Min. Fernando Gonçalves, DJ de 07/04/2003)

‘Processual Penal. Habeas corpus. Crimes contra a seguridade social.

Contribuições previdenciárias. Não recolhimento. Art. 95 da Lei n. 8.212/

91. Revogação pela Lei n. 9.983/00. Abolitio criminis. Não ocorrência.

Inocorrência da alegada abolitio criminis, uma uma vez que a

novatio legis (art. 168-A, § 1º, do Código Penal, acrescentado pela Lei n.

9.983/00), conquanto tenha revogado o disposto no art. 95 da Lei n.

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8.212/91, manteve a figura típica anterior pela qual o paciente restou

condenado, não afastando a ilicitude da conduta praticada.

Writ denegado.’

(HC 16.930/SP, Relator Min. Felix Fischer, DJ de 02/08/01)

‘Processual Penal. Trancamento da ação. Falta de recolhimento de

contribuições previdenciarias. Art. 95 da Lei n. 8.212/91. Justa causa.

Aferição. Complexidade. Habeas corpus. Via inadequada. Lei n. 9.249/91

e Lei n. 9.983/00. Não incidência.

1 - Somente se viabiliza o trancamento da ação penal, por falta de justa

causa, em sede de habeas corpus, quando exsurge, de pronto a inexistência

de dolo. Havendo dúvidas sobre o montante do débito e sobre o momento em

que a paciente dele houver tomado ciência, se antes ou depois do recebimento

da denúncia, o intento se mostra descabido, ficando afastada, em conseqüên-

cia, a aplicação da Lei n. 9.249/95, em virtude do não preenchimento dos

seus requisitos.

2 - A Lei n. 9.983/00, a par de não ter operado abolitio criminis

(grifei), é aplicável mercê de requisitos (data e montante do pagamento), não

aferíveis na augusta via eleita.

3- Ordem denegada.’

(HC 15.957/DF, Relator Min. Fernando Gonçalves, DJ de 04/02/02)”

(Grifei)

Sendo assim, acolhendo o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, e

tendo em consideração as razões expostas, indefiro o pedido de habeas corpus.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

HC 84.021/SC — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente: Leonita Mendonça

Silva. Impetrantes: Luiz Carlos Nemetz e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos

termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro

Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos

Velloso, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Subprocurador-Geral da Repú-

blica, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.

Brasília, 4 de maio de 2004 — Antonio Neto Brasil, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 84.967 — RS

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Paciente: Juliano Farias do Nascimento — Impetrante: Karoline da Silva Leitzke —

Coator: Superior Tribunal de Justiça

Excesso de prazo — Prisão preventiva e sentença de pronúncia. A

sentença de pronúncia não é causa interruptiva do prazo relativo à pri-

são, cujo excesso é perquirido a partir da data do efetivo recolhimento do

acusado, e não daquela em que formalizada a sentença de pronúncia.

Excesso de prazo — Prisão — Afastamento. Uma vez verificado o

excesso de prazo, incumbe afastar a prisão.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo

Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,

na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade,

deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 15 de fevereiro de 2005 — Marco Aurélio, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao indeferir a medida acauteladora, assim sintetizei

este processo:

Com a peça de folhas 2 a 9, busca-se demonstrar o direito do paciente de

aguardar em liberdade o julgamento pelo Tribunal do Júri. Assevera-se haver ocor-

rido a prisão preventiva em 13 de setembro de 2003, tendo sido mantida quando da

sentença de pronúncia, impugnada pela Defensoria Pública, considerados os de-

mais acusados, e pelo Ministério Público. Argúi-se o excesso de prazo e a imperti-

nência do Verbete n. 21 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, a afastar a

configuração de ilegalidade, sob o ângulo do excesso de prazo, caso já proferida a

sentença de pronúncia. Requer-se a concessão de medida acauteladora que impli-

que a soltura do paciente, vindo-se a deferir em definitivo a ordem. À inicial

juntou-se o acórdão do Superior Tribunal de Justiça.

Com o ofício de folha 33, foram encaminhadas informações segundo as quais o

paciente encontra-se preso desde 8 de setembro de 2003, datando a sentença de pronún-

cia de 24 de março de 2004.

A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer de folhas 39 a 48, transcreven-

do peças e concluindo pelo indeferimento da ordem. Ressalta a procedência dos fatos

reveladores da preventiva, em face da periculosidade que teria ficado estampada na

própria prática delituosa, aludindo à integridade das testemunhas.

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À folha 50, despachei, determinando, em novembro de 2004, fossem solicitadasinformações ao Juízo sobre o estágio da ação penal. Ao processo veio o ofício de folhas58 e 59, dizendo-se da pendência, não havendo ocorrido ainda o julgamento.

Lancei visto no processo em 9 de fevereiro de 2005, designando como data dojulgamento a de hoje, 15 de fevereiro, isso objetivando a ciência do impetrante.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): As balizas temporais referentes à prisãopreventiva estão elucidadas. O paciente acha-se preso desde 8 de setembro de 2003,datando a sentença de pronúncia que confirmou a preventiva de março de 2004, ou seja,de cerca de onze meses. É injustificável a existência de tal lapso de tempo sem que tenhaocorrido o julgamento. Defiro a ordem para determinar a expedição de alvará de soltura.

EXTRATO DA ATA

HC 84.967/RS — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente: Juliano Farias doNascimento. Impetrante: Karoline da Silva Leitzke. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto doRelator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Paulo de Tarso Braz Lucas.

Brasília, 15 de fevereiro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EM HABEAS CORPUS 85.025 — RO

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence

Recorrente: Ministério Público Federal — Recorrido: Superior Tribunal de Jus-tiça — Pacientes: Ronilson da Silva Barbosa e Luiz Gomes Ribeiro ou Luiz GomesPinheiro

Competência. Lei de Organização Judiciária do Estado de Rondônia(LC 94/93): acumulação de funções de juiz da Justiça comum com as deAuditor da Justiça Militar. Constitucionalidade. Precedente: ADIn 1.218,Plenário, 5-9-2002, Maurício Corrêa, DJ de 8-11-2002.

1. A Lei de Organização Judiciária do Estado de Rondônia nãoofende a Constituição Federal ao atribuir a Juiz de Direito, que exerce afunção de Juiz Auditor, a competência para processar e julgar tambémfeitos criminais em geral.

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2. O titular da chamada Vara de Auditoria Militar da Comarca dePorto Velho é um Juiz de Direito do Estado: acumular-lhe ou não asfunções de juiz da Justiça comum com as de Auditor da Justiça Militar éobjeto de um juízo de conveniência, que a Constituição deixou ao legisladorlocal na Lei de Organização Judiciária.

3. Habeas corpus: indeferimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.

Brasília, 8 de março de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Superior Tribunal de Justiça indeferiu a ordemimpetrada em favor de Ronilson da Silva Barbosa e Luiz Gomes Ribeiro, ante osseguintes fundamentos (folha 134):

Criminal. HC. Furto qualificado. Competência. Auditoria militar. Lei deOrganização Judiciária do Estado de Rondônia. Art. 94, inciso IX. Constitucio-nalidade. ADIn n. 1.218-5/RO. Ausência de constrangimento ilegal. Ordemdenegada.

I. Hipótese em que o paciente foi processado pela prática do crime de furtoqualificado perante o Juízo da 1ª Vara da Auditoria Militar da Comarca de PortoVelho, tendo sido fixada a competência do referido juízo para o julgamento dopaciente.

II. Controvérsia a respeito da constitucionalidade do art. 94, inciso IX, da LeiComplementar n. 94/93 do Estado de Rondônia, o qual dispõe a respeito da com-petência da Auditoria Militar para processar crimes genéricos, face ao art. 125, § 4º,da Constituição Federal.

III. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstituciona-lidade n. 1.218-5/RO, declarou a constitucionalidade do art. 94 da Lei Comple-mentar/RO n. 94/93.

IV. Nos termos da orientação da Suprema Corte e dos precedentes desta Tur-ma, não se verifica ilegalidade na fixação da competência da Auditoria Militar, noEstado de Rondônia, para o julgamento dos crimes genéricos.

V. Ordem denegada.

O Ministério Público Federal, no recurso ordinário de folhas 137 a 148, salientahaver passado despercebido o fato de que, no julgamento da Ação Direta de Inconsti-tucionalidade n. 1.218-5/RO, esta Corte excepcionou da competência das Varas daJustiça Militar do Estado de Rondônia o julgamento de crimes comuns. Sustenta que a

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mesma Turma julgadora, alguns dias antes do julgamento deste habeas, adotara enten-dimento diametralmente oposto, ao assentar que apenas os crimes militares cometidos poragentes militares serão submetidos à Justiça Castrense. Procede à transcrição do votoproferido, na ocasião, pelo Ministro Félix Fischer.

Conforme certificado à folha 150, não houve apresentação de contra-razões.

A decisão atinente ao juízo de admissibilidade encontra-se à folha 151.

A Procuradoria-Geral da República, no parecer de folhas 159 a 163, preconiza onão-provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste recurso, foramobservados os pressupostos gerais de recorribilidade. A peça, subscrita por Subprocurador-Geral da República, restou protocolada no prazo assinado em lei. A publicação da notíciado acórdão deu-se no Diário de 2 de agosto de 2004, segunda-feira (folha 135),ocorrendo a manifestação do inconformismo em 4 imediato, quarta-feira (folha 137).

A jurisprudência da Corte está sedimentada no sentido de poder o habeas corpusser ajuizado pelo Ministério Público. Precedentes: Habeas Corpus n. 79.572-2/GO e84.103-1/DF, por mim relatados, e Habeas Corpus n. 84.101-5/DF, Relator MinistroSepúlveda Pertence. Ora, não bastasse o fato de o Ministério Público Federal, atuandocomo fiscal da lei, haver subscrito o recurso, constata-se a normalidade do pano defundo, ou seja, a harmonia da impetração do habeas pelo Ministério Público do Estadode Rondônia. Conheço do recurso.

No mérito, é extremo de dúvidas, ante os termos da denúncia de folha 16, tratar-sede crime comum. Os pacientes teriam subtraído de banca de jornal, mediante arromba-mento, vinte maços de cigarro e um rádio. Pois bem, há de se dar, à nomenclatura doórgão investido do ofício judicante, tal como verificado quando do julgamento da AçãoDireta de Inconstitucionalidade n. 1.128-5/RO, em relação ao artigo 94 da Lei Comple-mentar do Estado de Rondônia n. 94/93, alcance consentâneo com a Carta da República.Conforme consignou o Ministro Maurício Corrêa no julgamento daquela ação direta deinconstitucionalidade, a alusão ao processamento de feitos criminais genéricos, contidano inciso IX do artigo 94 da referida lei complementar — folha 141 —, não abrange arevelação, como juiz natural, considerados crimes comuns, o da vara de auditoria mili-tar, pouco importando a existência de órgão monocrático ou colegiado. A Carta daRepública é categórica ao determinar, no artigo 124, competir à justiça militar processare julgar os crimes militares definidos em lei, devendo esta dispor sobre a organização, ofuncionamento e a competência de tal ramo do Judiciário. Andou bem o Juiz de Direitoda Vara da Auditoria Militar e Criminal Genérica da Comarca de Porto Velho ao declinarda competência.

Provejo o recurso para conceder a ordem e proclamar a competência do Juiz deDireito da 3ª Vara Criminal de Porto Velho, que suscitou o conflito negativo — folhas74 a 78.

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ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Crime comum, há essa nomenclaturaespaçosa, a alusão a processamento de feitos criminais genéricos.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Você se referiu a ADI?

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): À Ação Direta de Inconstitucionalidade n.1.218-5/RO.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Se declarou incompe...

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não, esclareceu-se que o alcance é esse...

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Só de crimes militares?

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Só de crimes militares, e não também doscrimes comuns.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas o caso aqui contém uma tese que merece real-

mente uma reflexão. Veja Vossa Excelência o que diz o Ministério Público:

“3. No Estado de Rondônia a jurisdição militar estadual é exercida por umaVara de Auditoria Militar, cujo titular é um Juiz de Direito.”(...)

Ou seja, a Vara é ocupada monocraticamente por um Juiz de Direito.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mas aí é o órgão, a impessoalidade.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Diz o Ministério Público:

“(...) Não há, pois, cargo isolado de Juiz-Auditor. Certo que os crimes mili-tares serão julgados em colegiado pelo Conselho Permanente de Justiça ou peloConselho Especial de Justiça, integrados por cinco juízes, quatro militares e umtogado.” — e arremata o Ministério Público — “Entretanto, não há proibiçãoconstitucional para que a lei de organização judiciária estabeleça a competência

cumulativa do Juiz de Direito, titular da Auditoria, para, além de funcionar nosprocessos colegiados da Justiça castrense, processar e julgar, como juiz de carreiraque é, feitos da competência da Justiça comum.”

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A um só tempo, ele não pode ser órgão daJustiça Militar e da Justiça comum.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.218–5/RO, isso ficou explicitadopelo Ministro Maurício Corrêa, no voto condutor do julgamento. Adotamos agoraentendimento contrário ao do Plenário?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, estou refletindo aqui. Vossa Excelência se opõea essa ambivalência?

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E o argumento do Ministério Público, nãofaço a distinção.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Vossa Excelência se opõe a essa ambivalênciafuncional.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ele atua realmente. Claro que está na Vara,personificando o Estado, um juiz de direito.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Essa Vara já tinha competênciapara cartas precatórias de Justiça Penal comum. E essa se declarou constitucional.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Sim, pela designação: juiz de direito daVara de Auditoria Militar e Criminal Genérica da Comarca. O preceito prevê que se temcomo competente essa Vara para as cartas precatórias. Concluiu-se, na apreciação dareferida ação direta, que não haveria a competência para o julgamento envolvendocrime que não fosse militar.

Agora, não há a menor dúvida, é uma Vara com atuação própria, até pela nomencla-tura: Vara de Auditoria Militar e Criminal Genérica.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Na verdade, o princípio da especialização fica umpouco comprometido.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): O juiz de direito declinou da competênciapara a Justiça comum, assentando algo que não entendi muito bem, ou seja, que acompetência seria só para instrução; ele instruiria e, depois, mandaria para outro senten-ciar, o que é um despropósito, considerado o nosso sistema jurídico. Agora, de qualquerforma, é um crime comum, e penso que o juiz que suscitou o conflito negativo é ocompetente.

Estou provendo, Senhor Presidente, nesse sentido, o recurso. Não me sensibiliza aarticulação do Ministério Público de que haveria atuação não de um colegiado, mas deum órgão singular, e que aquele que personifica o Estado é um juiz de direito.

O Sr. Ministro Carlos Britto: O Ministério Público diz que nada impede por causada Lei de Organização Judiciária.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Penso que impede, porque o artigo 124 daConstituição Federal versa a criação de órgãos com essa qualificação, órgãos alusivos àJustiça Militar para julgamento de crimes militares.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, o princípio da especialização da juris-dição milita a favor da tese do eminente Relator. Essa ambivalência parece que é preju-dicial à idéia constitucional de especializar a jurisdição.

Se o Ministro Eros Grau me permite, antecipo meu voto no sentido de acompanharo eminente Relator.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Sr. Presidente, tenho um caso idêntico em meu gabinete.E, por coincidência, ontem, essa mesma linha de entendimento foi adotada, num outrocaso idêntico, pelo Ministro Celso de Mello.

Vou acompanhar o voto do Relator.

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EXTRATO DA ATA

RHC 85.025/RO — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:Ministro Sepúlveda Pertence. Recorrente: Ministério Público Federal. Recorrido:Superior Tribunal de Justiça. Pacientes: Ronilson da Silva Barbosa e Luiz GomesRibeiro ou Luiz Gomes Pinheiro.

Decisão: Após os votos dos Ministros Marco Aurélio, Relator; Cezar Peluso;Carlos Britto e Eros Grau, dando provimento ao recurso ordinário em habeas corpus,pediu vista dos autos o Ministro Sepúlveda Pertence.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Eitel Santiago de Brito Pereira.

Brasília, 16 de dezembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Recordo o caso. Os pacientesforam denunciados por furto, artigo 155 do Código Penal, e o feito distribuído à Vara daAuditoria Militar de Porto Velho, Rondônia.

O habeas corpus, por incompetência do juízo, foi denegado pelo SuperiorTribunal de Justiça, fundado em sua jurisprudência, lastreada esta na decisão doSupremo Tribunal Federal na ADIn 1.218, Relator o Ministro Maurício Corrêa.

Recordo o precedente.

Prescreve a Constituição Estadual de Rondônia, artigo 93:

“Art. 93. A Justiça Militar, constituída na forma da Lei de OrganizaçãoJudiciária, terá como órgão de primeira instância os Conselhos de Justiça e, desegunda, o Tribunal de Justiça.”

De sua vez, em sua versão primitiva, a Lei de Organização Judiciária do Estado deRondônia — Lei Complementar 94/93 — dispunha:

“Art. 94. Na Comarca de Porto Velho, a prestação jurisdicional será realizadaatravés dos seguintes juízos:

(...)

IX - uma Vara de Auditoria Militar, com competência também para cumpri-mento das cartas precatórias criminais;”

“Art. 106. À Vara da Auditoria Militar compete processar e julgar os crimesmilitares, assim definidos em lei, bem como todas as cartas precatórias criminais naComarca de Porto Velho, ressalvada a especialidade do Juízo da Vara de Execu-ções e Contravenções Penais e da Justiça Eleitoral.”

O Procurador-Geral da República argüiu a inconstitucionalidade desses dispositivosda Lei de Organização Judiciária, que contrariariam — no ponto em que atribui competên-cia à Vara de Auditoria Militar para cumprir as cartas precatórias criminais —, os artigos22, I, (competência da União para legislar sobre processo) e 125, § 4º, da Constituição.

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Nessa ação direta, ADIn 1.218, o Tribunal, por unanimidade, negou a medida

cautelar (RTJ 156/797) e, no mérito, também, sem discrepância, a julgou improcedente.

A ementa do acórdão da decisão definitiva consignou:

“1. A competência em razão da matéria é definida pela Lei de Organização

Judiciária, salvo a do Tribunal do Júri (CPC, artigo 91, e CPP, artigo 74).

2. Criação da Vara de Auditoria Militar a ser provida por Juiz de Direito, que

durante o exercício da função fica com a denominação de Auditor Militar Estadual,

sendo-lhe facultado voltar a exercer o cargo primitivo.

3. A lei estadual pode conferir ao Juiz, enquanto no desempenho das funções

próprias da Vara de Auditoria Militar, outras atribuições, como a de cumprir cartas

precatórias da Justiça Penal Comum.

Ação julgada improcedente.”

Ao tempo do julgamento, no entanto, a Lei de Organização Judiciária de Rondô-

nia já fora alterada pela Lei Complementar 245/2001, para acrescentar à competência da

Vara de Auditoria Militar o processamento de feitos criminais “genéricos”.

Emprestando exegese restritiva à alusão da lei ao processamento de feitos crimi-

nais, o juiz auditor, encerrada a instrução, remeteu os autos a uma das varas criminais

para o julgamento.

Travou-se então conflito de competência, que o Tribunal de Justiça de Rondônia

resolveu pela competência da Vara de Auditoria Militar suscitante, inclusive para o

julgamento.

Donde o habeas corpus, denegado pelo Superior Tribunal de Justiça. E este RHC,

ambos do Ministério Público estadual, que insiste na inconstitucionalidade do disposi-

tivo da Lei de Organização Judiciária, porque entende restrita a competência da Justiça

Militar estadual ao processo e julgamento dos militares do Estado nos crimes militares,

conforme o artigo 125, § 4º, da Constituição.

O eminente Relator, Ministro Marco Aurélio, proveu o Recurso em Habeas Corpus,

com essa argumentação; seguiram-no o Ministro Carlos Britto, que realçou o que

chamou de “princípio de especialização” da Justiça Militar, o Ministro Cezar Peluso e o

Ministro Eros Grau, este aludindo à decisão do Ministro Celso de Mello.

Peço todas as vênias para dissentir.

A decisão do Ministro Celso de Mello, no HC 84.307, DJ de 3-11-04, data maxima

venia, carece da habitual precisão das decisões daquele juiz. É que parte S. Exa. de um

evidente equívoco: o de que se cuidasse de sujeitar civis ao julgamento da Justiça

Militar estadual, hipótese já repelida pelo Tribunal (assim, HC n. 70.604, Celso de

Mello, RTJ 158/513; HC n. 80.163, Octavio Gallotti, Informativo STF 97 e HC n.

72.022, Celso de Mello, RTJ 160/589).

O problema, data venia, não é saber se a Justiça Militar estadual pode julgar civil.

É patente que não pode.

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Mas é preciso, de logo, observar que órgão da primeira instância na Justiça Militarestadual não é um Juiz Auditor: é um Conselho de Justiça Militar, organizado nostermos da Lei de Organização Judiciária Militar e do Código de Processo Penal Militar.

O problema verdadeiro é outro: é saber da possibilidade de acumular, na compe-tência de um mesmo Juiz de Direito, as de juiz auditor da Justiça Militar estadual, comotal partícipe do órgão colegiado de primeira instância — os Conselhos de Justiça —, e asde juiz criminal comum. Foi o que fez a Lei de Rondônia.

Como me pareceu na ADIn 1.218, quando se entendeu válida a acumulação, nestamesma Vara, da competência para o cumprimento de cartas precatórias da Justiça PenalComum, não vejo óbices a essa acumulação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, talvez até para eu cor-rigir meu voto, penso que foi no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.1.128-6/DF.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): ADIn 1.218, não é?

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Aqui, registro como 1.128.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Maurício Corrêa, sobre precatórias?É a ADIn 1.218.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Sim, Maurício Corrêa. Em relação aoartigo 94 da Lei Complementar do Estado de Rondônia, n. 94/93, não se teria dadoalcance, a essa referência “feitos criminais genéricos”, consentâneo com a Carta daRepública para entender que os crimes comuns não estariam submetidos?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não, Ministro. Isso não se exami-nou. A ADIn foi proposta quanto à primitiva redação — que foi a que eu li —, comcompetência, também, para as cartas rogatórias da Justiça Penal comum. Dizia-se apenasisso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): É a premissa, justamente, do meu voto.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Uma lei da qual não tomou conhe-cimento o Tribunal, embora anterior ao julgamento de mérito da ADIn, é que veio aampliar essa competência para, também, o processamento de feitos criminais em geral.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Vossa Excelência não tem, aí, a decisãodessa ação direta de inconstitucionalidade?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Tenho.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Porque, no voto que preparei, consigneiexpressamente:

“Conforme registrado pelo Ministro Maurício Corrêa no julgamento daque-la ação direta de inconstitucionalidade, a alusão ao processamento de feitos crimi-nais genéricos, contida no inciso IX do artigo 94 da referida lei complementar —folha 141 —, não abrange a revelação, como juiz natural, considerados crimescomuns, o da vara de auditoria militar, pouco importando a existência de órgãomonocrático ou colegiado.”

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Reexaminei, repetidamente, esteacórdão e, nele, não há alusão a isso, porque esta lei é posterior ao ajuizamento da açãodireta: é a segunda lei, que alterou a primitiva Lei de Organização Judiciária e incluiuesta competência para o processamento de feitos criminais em geral. Repito: não vejoóbices à acumulação, na competência desse Juiz de Direito, das funções de Juiz Auditore de Juiz criminal comum.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, o voto de Vossa Exce-lência leva-me a indicar adiamento para rever os parâmetros do caso.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Vou, então, concluir.

Com as vênias do Ministro Carlos Britto, permito-me acentuar que, a meu ver, aConstituição Federal não impôs especialização aos juízes togados da Justiça Militarestadual. Desmente-o, aliás, o artigo 125, § 3º, da Constituição: primeiro, ao tornarfacultativa, aos Estados, a criação da Justiça Militar; segundo, por dizer que, aindaquando criada a Justiça Militar estadual, só poderá haver Tribunal de Justiça Militarnaqueles Estados que tenham um contingente de mais de vinte mil policiais militares. Amostrar, assim, que, ao contrário que do § 3º do artigo 125 resulta, um Tribunal de Justiçacomum acumulará — onde não houver Tribunal de Justiça Militar e onde não possahaver Tribunal de Justiça Militar — funções de Justiça Militar, para julgar militaresestaduais por crimes militares. De qualquer forma, a facultativa criação é dizer que, nãocriada a Justiça Militar, ao Juiz de Direito caberá o julgamento dos militares nos crimesmilitares.

Note-se, como esclarecido na ADIn 1.218, que o Estado de Rondônia não temquadro ou cargo isolado de Juiz Auditor militar. Acentuou, no seu voto, o MinistroMaurício Corrêa:

“No caso do Estado de Rondônia não se verifica a hipótese subjacente àargumentação contida no parecer elaborado pelo Professor José Afonso da Silva,que supõe o provimento do cargo de Auditor Militar, com a realização de concursopúblico. Nessa circunstância, sim, conforme anotei no exame da cautelar, o legis-lador estadual estaria extrapolando sua competência e não lhe seria possível cum-prir cartas precatórias referentes a processos criminais comuns. Ficou explicitadoque os Juízes de Direito que respondem pela Auditoria Militar exercem essa ativi-dade temporariamente, mediante remoção ou promoção.”

Assim, o titular da chamada Vara de Auditoria Militar da Comarca de Porto Velhoé um Juiz de Direito do Estado. Acumular-lhe ou não as funções de juiz da Justiçacomum com as de Auditor da Justiça Militar é objeto de um juízo de conveniência, quea Constituição deixou ao legislador local na Lei de Organização Judiciária.

Bizantina me parece por fim a distinção entre competência para processar e compe-tência para julgar.

É verdade que a Constituição usa com freqüência essa locução, pleonástica, namedida em que o processo compreende e envolve julgamento.

Por esses fundamentos, denego a ordem.

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VOTO (Retificação)

O Sr. Ministro Eros Grau: Sr. Presidente, apenas para esclarecer. Eu já havia votado.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Votou. Vossa Excelência se mos-trou impressionado com o despacho do Ministro Celso de Mello, que tenho em mãos.Mas o que Sua Excelência discute é se Justiça Militar estadual pode julgar civil. Dissonão se tem dúvida que, em Minas Gerais e em São Paulo, por exemplo, onde há juízes deprimeiro grau da Justiça Militar, juízes auditores de primeiro grau e Tribunal de JustiçaMilitar, civil não pode ser julgado por eles. Assim se decidiu, ainda quando se trate decrime militar: aí, a diferença entre a competência constitucional da Justiça MilitarFederal, que pode julgar civis nos crimes militares, e as Justiças Militares estaduais, quesó podem julgar militares.

O Sr. Ministro Eros Grau: Sr. Presidente, queria declarar que, depois do seu voto,estou convencido. Portanto, acompanho Vossa Excelência.

VOTO (Retificação)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, o § 3º do artigo 125, realmente, facultaaos Estados, por proposta do Tribunal de Justiça, a criação da Justiça Militar e diz queessa Justiça Militar será “constituída, em primeiro grau, pelos Conselhos de Justiça e,em segundo, pelo próprio Tribunal de Justiça”. Mas o § 4º diz o seguinte: se houver ainstituição da Justiça Militar, a ela compete — por isso é que falei do princípio daespecialização — “processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares noscrimes militares definidos em lei”.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Ministro, como instituição, nãotenho dúvida de que a Justiça Militar é uma justiça especial. O que eu contesto é que, nosistema da Constituição, o exercício das funções da Justiça Militar exija juízes togadospróprios. Na maioria dos Estados não haverá sequer um Tribunal de Justiça Militar. Ecomo em Rondônia não se criou uma carreira própria de juízes auditores da JustiçaMilitar, este Juiz de Direito exercerá as funções de Juiz Auditor, sem deixar de ser umJuiz de Direito. Acumular-lhe ou não, na mesma Vara, funções de Justiça comum, repito,é matéria relegada à Lei de Organização Judiciária.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas aí vai ocorrer, data venia, uma dispersividade defunção que me parece não condizer nem com o nome “justiça militar”. Ou seja, o termomilitar aí comparece como adjetivo, e justiça, como substantivo. Quer dizer, o adjetivomilitar qualifica o caráter militar da Justiça, no caso.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Ministro, quando um Juiz deDireito exerce jurisdição trabalhista, ele está desafiando a especialidade da Justiça doTrabalho?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas a Justiça do Trabalho é uma justiça especializada.Como a Militar também.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim, como a Justiça Militar também.O que estou indagando é se se pode — não atribuir a um Juiz Auditor exclusivo da Justiça

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Militar a competência de Justiça comum — mas, sim, a um Juiz de Direito, titular de umaVara, atribuir-se cumulativamente, nos processos de competência da Justiça Militar, asfunções de Juiz Auditor que não julga sozinho e, quando se tratar de caso de competênciada Justiça comum, o pleno exercício das funções do seu cargo de Juiz de Direito.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Muito bem. É que, em Rondônia, Vossa Excelênciaestá trazendo ao conhecimento da Turma, não existe a Justiça Militar, mas, sim, umaVara, provida por um juiz.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Como também no Distrito Federal,em que a Auditoria é provida por um Juiz de Direito.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Aí está certo. Não há, então, propriamente uma JustiçaMilitar, é a Justiça comum.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Creio que o constituinte — porfalta de assunto, como todo constituinte estadual — resolveu dizer que a Justiça Militardo Estado de Rondônia será composta pelos Conselhos de Justiça, em primeiro grau, epelo Tribunal de Justiça comum, em segundo grau.

O Sr. Ministro Carlos Britto: E que Rondônia não seguiu esse modelo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Seguiu; pela Constituição doEstado haverá Conselhos.

O Sr. Ministro Carlos Britto: E esse Conselho é presidido por juiz togado?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Por isso, existe Justiça Militarestadual; onde simplesmente não exista Justiça Militar estadual, o Juiz de Direito pro-cessa e julga os crimes comuns e também os militares.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito, aí não tenha dúvida.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): A única função desta disposiçãoconstitucional estadual, de que é criada uma Justiça Militar estadual, é dizer que, emprimeiro grau, o julgamento competirá a Conselhos de Justiça Militar, dos quais o Auditorserá apenas um dos membros com as funções de juiz togado.

O Sr. Ministro Carlos Britto: O juiz auditor, não é?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): É o Juiz Auditor.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Quero entender essa ambivalência funcional.

O juiz com assento no Conselho Militar é quem acumula a sua função no Conselhocom a de processar e julgar os crimes comuns. Então não é o Conselho que tem ambiva-lência funcional.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não. O Conselho, nos Estados,não pode julgar senão os militares, nos crimes militares.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Certo, mas o juiz integrado ao Conselho é que temambivalência funcional.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Assim como na imensa maioriadas comarcas brasileiras, que tem um único juiz, o Juiz de Direito integra o Tribunal do

Júri e o preside.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Certamente assim a lei dispôs em atenção à peculiari-dade da Justiça local, de pouco trabalho estatístico e de economia.

Com esse fundamento, também reconsidero, acompanhando Vossa Excelência.

VOTO (Retificação)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, também estou convencido. Só queriaentender a objeção ao seu raciocínio. Qual é a objeção? Parece-me claro que é umproblema de atribuir uma função sem desfigurar a especialização da Justiça.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): É isto: criada a Justiça Militar, elaseria uma justiça especial que não poderia julgar civis por crimes comuns. Acho, noentanto, que são duas funções acumuladas num mesmo ofício judicante, na mesma Vara.Assim como antes ela já processava crimes militares de militares estaduais mais ocumprimento de precatórias, passou a ter também competência para processos penaiscomuns.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, insisto em permanecercom o processo, tendo em conta a referência que faço em meu voto, não à Ação Direta deInconstitucionalidade n. 1.218-5/RO — pode ter havido até a troca de números —, masà 1.128, e também o registro de que, segundo o voto do Relator, Ministro Maurício Corrêa,ter-se-ia dado uma interpretação conforme a Carta, para excluir-se do julgamento peloauditor os crimes comuns.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): A ADIn 1.128 é outra coisa.

Na ADIn 1.218, efetivamente, se julgou desconhecendo que a lei tinha sido alterada.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Julgou-se improcedente o pedido formuladona ação. Tenho aqui o acórdão.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): É, julgou-se improcedente.

Na Ação Direta 1.128, de que Vossa Excelência foi o Relator, é requerente aANEC – Associação Nacional dos Exportadores de Cereais, e requerido o Presidenteda República.

VOTO (Aditamento)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, de acordo com o voto de Vossa Exce-lência, a lei fez uma distinção entre agente e órgão. O órgão, Conselho, permaneceadstrito aos crimes militares. Entretanto, o agente, auditor militar?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): O juiz da vara será Juiz Auditor,quando a competência for do Conselho; e, Juiz de Direito, quando se tratar de crimescomuns.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito. Com essa distinção entre agente e órgão,adiro ao voto de Vossa Excelência.

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VOTO (Confirmação)

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, cabe fazer duas retifica-ções. A primeira ligada ao número da ação direta de inconstitucionalidade relatada peloMinistro Maurício Corrêa. Grafei no voto “Ação Direta de Inconstitucionalidade n.1.128-5, de Rondônia” e, na verdade, o número é “1.218-5, de Rondônia”; a segunda dizrespeito ao emprego da expressão “feitos criminais genéricos”, que atribuí ao acórdãoproferido na citada ação.

No caso, à época do julgamento, levou-se em conta a Lei de Organização Judiciá-ria do Estado de Rondônia, na redação primitiva do inciso IX do artigo 94.

Essa redação versava que:

“Art. 94. Na comarca de Porto Velho, a prestação jurisdicional será realizadaatravés dos seguintes Juízos:

(...)

IX - Uma Vara de Auditoria Militar, com competência também para o cumpri-mento das cartas precatórias criminais;”

Presidente, mantenho o voto, mas o faço com base em outra premissa: a mesma Leide Organização Judiciária versa, em artigos, sobre a competência para processar e julgare a competência apenas para processar.

Tem-se no artigo 101 que:

Art. 101. Compete aos Juízes das Varas Criminais genéricas processar e julgartodas as ações criminais, exceto aquelas de competência das Varas Especializadas.

Repito: há referência ao processamento e julgamento das ações.

No artigo 106, tem-se a referência à delimitação da competência da Vara da Audi-toria Militar. Mais uma vez, o preceito contempla o processamento e o julgamento:

“Art. 106. À Vara da Auditoria Militar compete processar e julgar os crimesmilitares, assim definidos em lei, bem como todas as cartas precatórias criminais,na Comarca de Porto Velho,” — dar cumprimento às cartas — “ressalvada aespecialidade do Juízo da Vara de Execuções e Contravenções Penais e da JustiçaEleitoral.”

O que houve? Aditou-se o inciso IX do artigo 94 para prever-se, nesse inciso, acompetência também da Auditoria da Vara dita Militar, que tem à frente um juiz dedireito, para processar as ações genéricas, não se cogitando — considerada a competên-cia fixada no artigo 101 — do julgamento dessas ações ditas genéricas, ligadas a crimescomuns.

Diante do emprego distinto da expressão “processar e julgar” e da expressão “pro-cessamento”, no inciso IX do artigo 94, concluo que, na verdade, buscou-se um auxílioda Auditoria quanto à instrução das ações penais, sem atribuir a essa mesma Auditoria acompetência para o julgamento.

Por isso, mantenho o voto, com a vênia dos Colegas.

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EXTRATO DA ATA

RHC 85.025/RO — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:Ministro Sepúlveda Pertence. Recorrente: Ministério Público Federal. Recorrido: Supe-rior Tribunal de Justiça. Pacientes: Ronilson da Silva Barbosa e Luiz Gomes Ribeiro ouLuiz Gomes Pinheiro.

Decisão: Prosseguindo o julgamento, após a retificação de voto dos Ministros

Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau, a Turma, por maioria de votos, negou

provimento ao recurso ordinário em habeas corpus. Vencido o Ministro Marco Aurélio,

Relator, que lhe dava provimento. Relator para o acórdão o Ministro Sepúlveda

Pertence.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Mar-co Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República,Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira.

Brasília, 8 de março de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.095 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Paciente: Jorge Roberto de Queiroz Guerrieri — Impetrante: Luiz Guaracy

Barbieri — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Prisão — Oportunidade — Parâmetros. Se o acusado respondeu ao

processo em liberdade, há de se fazer fundamentada ordem de prisão cons-

tante do acórdão confirmador da sentença, atentando-se para o disposto

nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. A simples determinação

de ser expedido o mandado, antes do trânsito em julgado do decreto conde-

natório, conflita com o princípio da não-culpabilidade previsto no inciso

LVII do artigo 5º da Constituição Federal, ganhando contornos de execu-

ção precoce do título judicial ainda passível de alteração.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo

Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,

na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade,

deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 15 de fevereiro de 2005 — Marco Aurélio, Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao proceder ao exame do pedido de concessão demedida acauteladora, assim resumi o quadro destes autos e a causa de pedir constante dainicial:

O paciente, denunciado como incurso nas sanções dos artigos 333 do CódigoPenal e 12, § 2º, inciso III, da Lei n. 6.368/76, foi condenado à pena de oito anos dereclusão no regime fechado. Em apelação, logrou ver reduzido o período a seisanos, havendo respondido ao processo em liberdade. O impetrante, após ressaltar aqualidade de primário do paciente — que, além de contar com bons antecedentes,figuraria como profissional da advocacia que desfruta de bom conceito —, pleiteiaa revogação do mandado de prisão, de modo a aguardar-se o esgotamento das viasrecursais, vindo-se, alfim, a confirmar a medida acauteladora — folhas 2 a 10. Àinicial foram anexados os documentos de folhas 11 a 78.

À folha 82, despachei, consignando a inexistência, no processo, do atoatacado, e determinando a solicitação de informações ao Superior Tribunal deJustiça bem como o encaminhamento do acórdão proferido e, caso ainda nãoconfeccionado, das notas taquigráficas referentes ao julgamento. O próprioimpetrante providenciou a juntada do acórdão — folhas 84 a 90 —, voltando-meo processo, para exame do pedido de concessão de medida acauteladora, no dia deontem — folha 91.

Deferida a medida acauteladora para suspender a eficácia do mandado de prisãoexpedido e, caso houvesse sido cumprido, determinar a expedição de alvará de soltura,o processo seguiu à Procuradoria-Geral da República. O parecer de folhas 105 a 108 épela concessão da ordem, ressaltando tratar-se de profissional da advocacia, tecnica-mente primário e detentor de bons antecedentes.

Lancei visto no processo em 8 de fevereiro de 2005, designando, como data dojulgamento, a de hoje, 15 de fevereiro, isso objetivando a ciência do impetrante, no queassegurado pela ordem jurídica o direito de assomar à tribuna e proceder à sustentação.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Eis as premissas da decisão proferida atítulo de medida liminar:

Eis a ementa do acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça:

Habeas corpus. Tráfico ilícito de entorpecente. Condenação mantidaem segundo grau. Expedição de mandado de prisão. Recurso especial.Inexistência de efeito suspensivo. Ordem denegada.

1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentidode que, em sendo desprovido de efeito suspensivo o recurso especial, a suainterposição não inibe a expedição de mandado de prisão após o julgamentodo apelo, não havendo falar, em casos tais, em violação qualquer do princí-pio constitucional da presunção de inocência (Precedentes).

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2. “A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisãocondenatória não obsta a expedição de mandado de prisão.” (Súmula doSTJ, Enunciado n. 267).

Vê-se, de início, a formulação de entendimento que contraria a ordem naturaldas coisas. Enquanto não transitado em julgado o pronunciamento judicial, aexecução, inexistente o efeito suspensivo do recurso, dá-se no campo provisório,esbarrando os atos na impossibilidade de se ter quadro irreversível. É a comezinhanoção que, de há muito, faz-se presente quando em jogo direito patrimonial. Oenfoque fica robustecido quando em questão está a liberdade de ir e vir. Em abso-luto, não se pode emprestar ao fato de o decreto condenatório, imposto pelo juízo,haver sido confirmado o efeito de selar a culpa do réu, viabilizando a execuçãotemporã da pena imposta. Deve-se observar o princípio da não-culpabilidade,quando é sempre possível decisão no sentido da absolvição. A segurança jurídicanão coabita o mesmo teto do açodamento, do atropelo, com prejuízo inafastável, jáque não se mostra factível a devolução da liberdade àquele que a perdeu mesmoque ausentes as premissas ensejadoras da prisão preventiva ou da execução dotítulo judicial condenatório.

Esclareça-se que a imputação feita ao paciente, em relação ao tráfico de entorpe-centes — artigo 12, § 2º, inciso III, da Lei n. 6.368/76 —, mostrou-se vinculada ao tipodo artigo 333 do Código Penal, ou seja, teria ele ofertado propina para policiais deixa-rem de exercer o ofício quanto à atuação criminosa. De qualquer forma, o simples fato derecursos porventura cabíveis contra a decisão proferida não terem eficácia suspensivalonge fica de implicar a definitividade da culpa, a execução do título judicial, passívelainda de ser modificado.

Defiro a ordem para que o paciente aguarde em liberdade a decisão definitiva daação penal na qual envolvido e que teve curso, considerado o Processo n. 32.385, na 2ªVara Criminal da Comarca de Nova Iguaçu, vinculando a prisão ao trânsito em julgadodo decreto condenatório.

EXTRATO DA ATA

HC 85.095/RJ — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente: Jorge Roberto deQueiroz Guerrieri. Impetrante: Luiz Guaracy Barbieri. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto doRelator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Paulo de Tarso Braz Lucas.

Brasília, 15 de fevereiro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 85.098 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Paciente e Impetrante: Adilson Martins Gomes — Coator: Superior Tribunal deJustiça

Competência — Habeas corpus — Supremo Tribunal Federal. A

competência do Supremo Tribunal Federal para apreciar habeas corpusimpetrado contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça pressupõe a

emissão de entendimento quanto à causa de pedir veiculada na inicial.

Execução da pena — Mandado de prisão — Trânsito em julgado da

sentença condenatória — Recurso da defesa — Inviabilidade de afasta-mento da cláusula. Constando da sentença a condição de somente se expe-

dir o mandado de prisão uma vez transitada em julgado, dessa parte não

recorrendo o Ministério Público, por sinal em exemplar homenagem ao

princípio da presunção da não-culpabilidade — inciso LVII do artigo 5º

da Carta Federal —, mostra-se conflitante com a ordem jurídico-constitu-

cional, a mais não poder, provimento de órgão revisor pela imediata

expedição de tal documento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Primeira Turma, sob a presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade,conhecer, em parte, do pedido de habeas corpus e, nesta parte, o deferir, nos termos dovoto do Relator.

Brasília, 15 de fevereiro de 2005 — Marco Aurélio, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Assim resumi a situação deste processo, ao deferir amedida acauteladora:

Este habeas visa, em primeiro passo, à sustação de mandado de prisão, vin-

do-se, a seguir, no julgamento de fundo, a reconhecer ao impetrante o direito de

recorrer em liberdade e/ou declarar extinta a pretensão punitiva. De acordo com a

inicial, o paciente-impetrante, atuando no campo da advocacia, teria sido acusado

de se apropriar de valor correspondente a pedido formulado em “ação trabalhista

proposta com a assistência jurídica” do Sindicato dos Empregados em Estabeleci-

mentos Bancários de Niterói, envolvida a cifra de R$ 12.000,00. Antes da apresen-

tação da notitia criminis, ajuizara a vítima ação de prestação de contas em face do

Sindicato, pleiteando o recebimento da quantia. O réu depositara R$ 7.082,39, não

havendo intentado ação de regresso contra o paciente. Implementado acordo, o

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Ministério Público preconizara, ante a prescrição da pretensão punitiva, o arquiva-mento do inquérito. À luz do artigo 28 do Código de Processo Penal, o Procurador-Geral de Justiça designara outro promotor para oficiar no inquérito. A denúncia

então oferecida fora recebida, impondo-se, na sentença, a pena de reclusão dequatro anos e oito meses e de cinqüenta e seis dias-multa, reconhecendo-se odireito ao recurso sem o recolhimento do condenado à prisão.

Sustenta o paciente ocorrida a prescrição e extinta a punibilidade, diante dasatisfação do valor devido. Mais do que isso, ressalta que, na sentença, ficou-lheassegurada a liberdade, enquanto pendente recurso. O Tribunal de Justiça do Estadodo Rio de Janeiro, ao desprover recurso da defesa e sem se defrontar com inconfor-

mismo do Estado-acusador, ordenara a expedição do mandado de prisão. Articulao impetrante com constrangimento ilegal, no que o Superior Tribunal de Justiçaindeferira ordem, assentando que a sentença não é de molde a vincular o órgãorevisor e que, no caso, não incidira a prescrição. Ao processo juntou os documen-tos de folhas 15 a 133.

À folha 137, despachei, determinando fossem solicitadas informações, issoante o fato de a inicial não se fazer acompanhada do acórdão do Superior Tribunal

de Justiça que resultara do julgamento de embargos declaratórios. O impetrantepeticionou, procedendo à juntada de peças — folha 142. O processo voltou-mepara exame no dia de ontem.

O Ministério Público, transcrevendo peças, pronunciou-se pela concessão parcialda ordem, viabilizado o direito à interposição de recurso, pelo paciente, em liberdade.

Ao processo veio a informação de folhas 187 e seguintes, remetendo a habeas

corpus diverso, a envolver o paciente — de n. 12.126/RJ —, quando, na realidade, o atoimpugnado por meio desta medida resultou do julgamento do Habeas Corpus n.

16.645/RJ.

Lancei visto nos autos em 9 de fevereiro de 2005, designando como data do julga-mento a de hoje, 15 subseqüente, isso para efeito de dar ciência ao paciente-impetrante.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Valho-me da fundamentação lançada aoprolatar a decisão acauteladora:

O tema relativo à satisfação do valor devido antes da notícia do crime não épassível de exame, porquanto não colocado perante o Superior Tribunal de Justiça.Sob o ângulo da prescrição retroativa, cabe observar que, até o recebimento dadenúncia e considerada a data do crime, não transcorreram mais de doze anos. Adenúncia, revelando a prática delituosa em 18 de abril de 1991, foi recebida pouco

mais de oito anos após, ou seja, em 24 de junho de 1999. A pena — em face dacausa de aumento a ser levada em conta para efeito de saber se incidente, ou não, a

prescrição — alcançou quatro anos e oito meses de reclusão, atraindo o prazo

prescricional de doze anos previsto no inciso III do artigo 109 do Código Penal —

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prescreve em doze anos a pretensão punitiva “se o máximo da pena é superior aquatro anos e não excede a oito”. Daí o teor do acórdão concernente aos embargosdeclaratórios, quando o ministro Hélio Quaglia Barbosa, substituindo o RelatorFontes Alencar, disse não configurada a prescrição.

Quanto à cláusula viabilizadora da interposição do recurso em liberdade eque se mostrou afinada com garantia constitucional — ninguém será tido porculpado antes do trânsito em julgado da decisão condenatória —, inserida pedago-gicamente na sentença, procede a irresignação do paciente. Aliás, a Juíza prolatorada decisão, ao contrário do que ocorreu no voto condutor do julgamento na apela-ção, também de autoria feminina, salientou tratar-se de condenado tecnicamenteprimário e de bons antecedentes e aí proclamou que poderia ele recorrer em liber-dade, sem especificar este ou aquele recurso, na forma do artigo 594 do Código deProcesso Penal, consignando também, em diapasão harmônico com o que assentadoanteriormente, que, transitado em julgado o título, lançar-se-ia o nome do réu norol dos culpados, expedindo-se carta de sentença e mandado de prisão. Pois bem,pouco importa se o pronunciamento é de primeira, de segunda, de terceira instân-cias. O que cumpre perceber é que, condicionada a expedição do mandado deprisão à preclusão maior, à coisa julgada, e não tendo havido recurso do Estado-acusador, descabia modificar o quadro, independentemente da eficácia do recursoporventura protocolado. Por se viver em uma democracia, paga-se um preço extre-mamente razoável — a observância irrestrita, objetivando a segurança jurídica, doarcabouço normativo, especialmente da Constituição, devendo-se atentar para aorganicidade e dinâmica própria ao Direito, para o instituto da preclusão, no queimpede variações conforme o critério pessoal de plantão. A assim não ser, grassaráa babel, a insegurança tão nefasta à vida gregária.

Conheço em parte do habeas corpus, deixando de adentrar a matéria alusiva àsatisfação parcial do valor devido e, na parte conhecida, concedo parcialmente a ordem,para tornar definitiva a medida acauteladora, viabilizando, assim, o respeito à sentençado Juízo, no que condicionou a expedição de mandado de prisão ao trânsito em julgadodo decreto condenatório.

EXTRATO DA ATA

HC 85.098/RJ — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente e Impetrante: AdilsonMartins Gomes (Advogados: Uirá de Souza Martins e outros). Coator: Superior Tribunalde Justiça.

Decisão: A Turma conheceu, em parte, do pedido de habeas corpus e, nesta parte,o deferiu, nos termos do voto do Relator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.

Brasília, 15 de fevereiro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 85.425 — DF

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso

Paciente: Eduardo Gomes da Silva — Impetrante: Rommel Parreira Corrêa —Coator: Superior Tribunal de Justiça

Ação penal. Homicídio doloso. Prisão preventiva. Decreto originaldesprovido de fundamentação suficiente. Sentença de pronúncia. Motivaçãoautônoma e legítima para subsistência da cautelar. Título novo. Demora nãoexcessiva e imputável à interposição de recurso da defesa. Constrangimento

ilegal não caracterizado. HC indeferido. Precedentes. Se a sentença de

pronúncia acresce aos fundamentos da decisão primitiva motivação

autônoma que legitime por si a prisão preventiva, reputa-se sanado o

vício original da sua decretação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,indeferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor deEduardo Gomes da Silva, no qual se alega ausência de fundamento no decreto de prisão

preventiva, bem como excesso de prazo na duração da custódia, eis que o paciente estápreso preventivamente desde 4 de julho de 2004 (fl. 139). Eis o teor do decreto da prisãopreventiva, em relação ao ora paciente:

“Cabe a decretação da prisão preventiva, dentre outras hipóteses, quando estase revela imprescindível para aplicação da lei, para a garantia da ordem pública epara a conveniência da instrução criminal.

A custódia cautelar dos acusados é medida que se impõe, eis que presentes os

pressupostos indispensáveis para sua decretação, pois existe prova da materialidade

do crime e indícios suficientes de autoria conforme declarações constantes do

interrogatório do próprio acusado Leandro às fls. 61/64. Ademais, está fortemente

evidenciado que o acusado Eduardo vem tentando furtar-se à aplicação da lei

penal, haja vista não ter sido encontrado, restando frustradas as diligências efetuadas

na tentativa de sua localização conforme declaração da Autoridade Policial. O

réu Eduardo encontra-se foragido do distrito da culpa, motivo pelo qual a sua

segregação provisória é medida que se impõe para conveniência da instrução crimi-

nal, para a aplicação da lei penal e para a garantia da ordem pública, entendendo-se

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esta como necessária para acautelar outros danos ao patrimônio social, inclusive,para proteger a própria via do co-réu Leandro, bem como, ainda para preservar acredibilidade da Justiça em face da gravidade do crime e da sua repercussão no

meio social.

(...)

Ante o exposto, apresentam-se configuradas, no caso, as hipóteses previstasno artigo 312, do Código de Processo Penal, razão pela qual, decreto a prisão

preventiva dos denunciados Eduardo Gomes da Silva e Leandro Dias Duarte, jádevidamente qualificados, para garantia da ordem pública, aplicação da lei penale conveniência da instrução criminal” (fls. 136-138).

Indeferida a liminar (fls. 233-234), vieram as informações do Superior Tribunal deJustiça (fls. 243-260), que indeferiu o HC n. 37.971, em acórdão assim ementado:

“Habeas corpus. Processual penal. Crime de homicídio duplamente qualifi-

cado. Prisão preventiva. Édito constritivo devidamente fundamentado. Ameaça

declarada ao co-réu e seus familiares. Réu que, durante a investigação policial,

esteve foragido da justiça. Conveniência da instrução criminal. Necessidade da

manutenção do paciente em cárcere. Alegação de colheita de provas inquisi-

toriais mediante tortura. Impossibilidade de exame em sede de mandamus.

Dilação probatórial. Precedentes do STJ.

1. O decreto de prisão cautelar demonstra com elementos concretos a neces-

sidade da medida constritiva, como forma de assegurar a conveniência da instru-ção criminal, consubstanciada na ameaça declarada ao co-réu e seus familiares.Ademais, verifica-se, in casu, que o réu, durante a realização do inquérito policial,permaneceu foragido, demonstrando, desde o início da persecução penal, a suavontade de obstaculizar o andamento da ação penal.

2. Não há como, na estreita via do habeas corpus, examinar a alegação de asprovas inquisitoriais foram obtidas mediante tortura, pois, como é sabido, a análise

de eventual tortura praticada por policiais demandaria a indevida dilação do con-

junto probatório.

3. Acrescente-se, por fim, que os vícios existentes no procedimento policial

não contaminam a ação penal, mormente se, em juízo, o acusado poderá prestar

pessoalmente a versão dos fatos e retificar depoimentos anteriormente prestados.

4. Precedentes do STJ.

5. Ordem denegada” (HC n. 37.971, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 1º-2-2005).

A PGR opinou pela denegação da ordem e informou, ademais, que, em 17 de

janeiro p.p., foi prolatada decisão de pronúncia do paciente, pelo juízo do Tribunal do

Júri de Samambaia, razão pela qual a Procuradoria entendia superado o excesso de prazo

alegado (fls. 262-264).

Oficiado (fl. 266), o juízo do Tribunal do Júri de Samambaia informou que, de fato,

já havia sido exarada decisão de pronúncia, que manteve a prisão cautelar do ora paciente.

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Informou, ainda, que contra aquela decisão, o patrono do ora paciente havia interposto

recurso em sentido estrito, encaminhado ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal em 7

de março de 2005 (fls. 271-304).

A mencionada decisão de pronúncia data de janeiro de 2005 e, relativamente à

prisão, registra:

“Apesar das alegações trazidas pela Defesa, que destaca a sofrida situação

dos familiares do réu, e o fato de ele ter atividade lícita e ser renomado esportista,

gozando de conceito no grupo a que pertence, tenho que a prisão ainda se faz

necessária, pois a situação fática que justificou a prolação das decisões anteriores

desse Juízo não se alterou. Há valores relevantes que poderão ser postos em risco

com a liberdade do acusado, o que justifica a excepcional manutenção da prisão

durante o processo.

Há suspeita nos autos de que a família do co-réu Leandro possa ter sido

ameaçada pelo acusado, conforme depoimento em Juízo prestado por Ronaldo

Dias Rosa (fls. 808/810). Pronunciado o acusado, realizar-se-á a segunda fase do

procedimento escalonado do Júri, na qual serão colhidas novas declarações de

testemunhas, perante o juiz natural da causa. A liberdade do acusado poderá preju-

dicar a instrução criminal, ante o risco de que venha a influir no ânimo das testemu-

nhas que irão depor em Plenário.

Além disso, consta nos autos que o acusado permaneceu foragido, quando do

término da sua prisão temporária (autos n. 2004.09.1.008217-2, apenso). O cum-

primento da decisão que decretou sua prisão preventiva dependeu da realização de

várias diligências policiais no sentido de localizá-lo, a demonstrar a existência de

risco concreto de que, em liberdade, o acusado poderá furta-se à aplicação da lei

penal.

Sendo assim, a manutenção da sua custódia cautelar é medida que se impõe,

razão peal qual indefiro o pedido de revogação da prisão preventiva” (fls. 292-

293).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. É entendimento desta Corte que, se a

pronúncia, para conservar preso o acusado, de todo silenciar a respeito ou limitar-se a

aludir aos fundamentos do decreto de prisão cautelar anterior, eventual inidoneidade

desses contamina de nulidade a prisão processual conseqüente e, por isso, não prejudica

pedido de habeas corpus pendente que a impugna (RHC n. 83.465, Rel. Min. Carlos

Britto, DJ de 19-12-2003; HC n. 85.583, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 16-9-

2005; HC n. 86.529, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 2-12-2005).

Mas, no caso, a decisão de pronúncia, além de repetir os argumentos que sustentaram

a decretação da preventiva — necessidade de assegurar a aplicação da lei penal —, trouxe

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elementos colhidos no sumário da culpa, capazes de justificar por si a necessidade dacustódia cautelar: a suspeita de ameaça a familiares do co-réu, que ainda serão ouvidosno plenário do Júri, motivo bastante, no entender do juízo, para legitimar a prisão pre-

ventiva do ora paciente, a título de conveniência da instrução, enquanto hipótese pre-vista no art. 312 do Código de Processo Penal.

De todo modo, os fundamentos originais da preventiva foram superados pela deci-são de pronúncia. E essa seria, então, a decisão que agora implicaria constrangimentoilegal ao paciente e estaria, portanto, sujeita a primeiro controle do Superior Tribunal deJustiça, para que, depois, esta Corte se tornasse competente para apreciar o pedido, que,neste ponto, não mereceria conhecido.

2. No que toca à alegação de excesso de prazo, tem-se que o paciente foi pronunciado

em 17 de janeiro de 2005, seis meses depois de ter sido enclausurado preventivamente.

Embora, ainda depois da sentença de pronúncia, seja, em tese, possível configurar-seexcesso de prazo, não é o que sucede aqui.

Conforme informações prestadas pelo juízo do Tribunal de Júri de Samambaia, oora paciente interpôs recurso em sentido estrito contra a decisão de pronúncia. E,consoante informação obtida no sítio do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, os autosdo processo, depois de remetidos ao Tribunal de Justiça, foram devolvidos ao primeirograu em 30 de setembro p.p, portanto há menos de três meses, já tendo o advogado do

paciente sido intimado a apresentar contrariedade ao libelo.

Assim, eventual demora no julgamento da causa decorre do exercício do direito dedefesa, substanciado no direito a recurso, sem culpa do juízo. E tal demora não é, nascircunstâncias, carente de razoabilidade. Ao propósito, esta Turma já decidiu:

“Prisão por pronúncia: duração que, embora não delimitada em lei, sujeita-seao limite da razoabilidade, que, porém, não se pode reputar ultrapassado apóssomente dois meses da pronúncia” (HC n. 83.977, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de3-9-2004).

3. Indefiro, pois, o pedido.

EXTRATO DA ATA

HC 85.425/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Eduardo Gomes daSilva. Impetrante: Rommel Parreira Corrêa. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco

Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 85.476 — PR

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence

Paciente: Milton Maresco — Impetrante: Cezar Roberto Bitencourt e outros —

Coator: Superior Tribunal de Justiça

Intimação: pauta de julgamento: nome do advogado (falta): nulidade.

Constituído o advogado na sede do tribunal em que deva ser julgado

o recurso, diversa daquele em que correu inicialmente o processo, é a esse

advogado que se devem fazer as intimações subseqüentes. Precedentes:

HC 75.581, 14-10-97, Ilmar Galvão; HC 76.453, 22-9-98, Octavio Gallotti.

Habeas corpus: deferimento, em parte, para anular o processo a

partir da publicação da pauta.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma

do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,

deferir o pedido de habeas corpus para anular o processo a partir da publicação da pauta.

Brasília, 4 de outubro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: A inicial revela encontrar-se o paciente condenado

às penas de dois anos e seis meses de reclusão, pelo crime de sonegação fiscal, e de três

anos, pelo crime contra o sistema financeiro, presente o acréscimo da continuidade

delitiva, e à pena de trinta e cinco dias-multa, à razão de um salário mínimo cada. A

apelação interposta foi desprovida. No recurso especial, teriam sido veiculadas as

seguintes causas de pedir:

a) o julgamento da apelação no Tribunal de Justiça pressupunha a intimação dos

advogados substabelecidos para acompanhar o processo naquela Corte;

b) a acusação fizera–se a partir de depoimento de testemunha única cuja audição

ocorrera sem que a defesa houvesse sido intimada para a audiência. A condenação pelo

crime do artigo 1º da Lei n. 8.137/90 presumiria a demonstração do tributo sonegado;

c) a não–utilização do incentivo caracterizaria conduta tipificada no artigo 2º,

inciso IV, da Lei n. 8.137/90, e não no artigo 1º dela constante;

d) a fixação da pena-base acima do mínimo legal exigiria fundamentação, indican-

do-se as circunstâncias judiciais desfavoráveis.

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O Superior Tribunal de Justiça conheceu parcialmente do recurso especial, despro-

vendo-o. Eis a parte da ementa pertinente à espécie, tal como transcrita na inicial:

Penal. REsp. Sonegação fiscal. Materialidade. Atipicidade. Desclassi-

ficação da conduta. Pretensão de reexame do material fático-probatório. Im-

possibilidade. Súmula 07/STJ. Carta precatória. Oitiva de testemunha de

acusação. Defesa. Intimação da expedição concretizada. Intimação para o

ato. Desnecessidade. Divergência jurisprudencial. Súmulas 83 e 273 do STJ.

Pena-base. Erro material. Divergência jurisprudencial não-demonstrada.

Substabelecimento com reserva de Poderes. Intimação do advogado substa-

belecido da data designada para o julgamento da apelação. Nulidade. Ino-

corrência (sic). Recurso parcialmente conhecido e desprovido.

I - (...)

(...)

IV - Havendo o substabelecimento, com reserva, dos poderes do mandato e

não constando nos autos solicitação expressa no sentido de que as publicações

posteriores ao substabelecimento se dessem em nome do substabelecido, tem-se

que a regra do art. 370, § 1º, do CPP está satisfeita com a publicação do ato em

nome do substabelecente, não existindo nulidade a ser sanada. Precedentes do STJ

e do STF.

V - Recurso parcialmente conhecido e desprovido. (Resp 573.400/PR, relator

ministro Gilson Dipp)

Busca-se evidenciar a insubsistência do pronunciamento do Superior Tribunal de

Justiça. Relativamente à intimação do defensor, sustenta-se o objeto do substabeleci-

mento — credenciar profissional da advocacia para atuar em tribunais. Daí ter-se como

inobservada a regra do artigo 370, § 1º, do Código de Processo Penal, já que a intimação

concernente à pauta saíra com os nomes de advogados credenciados anteriormente, sem

lançar-se sequer o do substabelecente. O acórdão prolatado, este sim, fora veiculado com

o nome do último dos profissionais, ou seja, do Dr. Cezar Roberto Bitencourt. São

citados precedentes sobre a matéria. Assevera-se ocorrida a erronia material na definição

da pena quanto ao crime de sonegação fiscal. Em primeira instância, ter-se-ia lançado

fundamentação única, considerado também o crime contra o sistema financeiro. A Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça recusara-se a admitir o erro. Após alusão, na

sentença, à fixação da pena-base no mínimo previsto para o tipo, seguira-se a referência

a dois anos e seis meses de reclusão, quando o piso estaria a situar-se, conforme o artigo

1º da Lei n. 8.137/90, em dois anos. Afirma-se que incumbia ao Superior Tribunal de

Justiça conhecer, nessa parte, do recurso especial. No tocante à nulidade do processo em

decorrência da não-intimação da defesa para oitiva de testemunha, insiste-se em que,

havendo comparecido o defensor ao Juízo, fora informado do adiamento da audiência.

Diz-se da importância do depoimento porque prestado pela única testemunha da acusa-

ção. Alega-se, mais, que incumbia intimar a defesa, tal como na primeira assentada, para

nova data de realização da audiência. Argúi-se ainda a ausência de prova da materialidade

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do crime de que cuida o inciso II do artigo 1º da Lei n. 8.137/90. Parte-se da premissa deque, à luz da definição do citado preceito, o crime pressupõe supressão ou redução detributo, sendo, assim, de natureza material. Na denúncia, não se contaria com a notíciado tributo sonegado. Alude-se à tipificação do artigo 2º, inciso IV, da Lei n. 8.137/90.Tratar-se-ia de incentivo fiscal facultando ao importador obter a devolução dos direitosalfandegários pagos pela matéria-prima quando da reexportação, presente produtoindustrializado. Tal incentivo restara suspenso durante certo período, vindo a serrestabelecido, em 1992, com a edição da Lei n. 8.402. O estímulo à exportação dar-se-iapor uma de modalidades — isenção, suspensão ou restituição. No caso, aciona-se asuspensão, não se podendo cogitar de restituição de impostos, já que não chegaram a sersatisfeitos quando da importação. Daí a impropriedade da condenação.

Dadas essas premissas, sustenta-se a atipicidade do delito descrito no artigo 1º,inciso II, da Lei n. 8.137/90. Os fatos narrados na denúncia não estariam em sintonia como tipo legal, ante a circunstância de se tratar de crime de ação múltipla, envolvendo aconduta-meio mencionada no inciso II do artigo 1º, não configurada no caso. Conclui-se, então, que, se alguma condenação ainda persistisse como possível, haveria de restarfundamentada no artigo 2º, inciso IV, da Lei n. 8.137/90, devendo ser desclassificada aconduta e recalculada a pena. Eis os pedidos formulados:

a) concessão da ordem para, preliminarmente, determinar-se a correta e adequadadosimetria penal, declarando-se, a seguir, a prescrição, ou anular todo o processo a partirdo cumprimento da precatória em Porto Alegre.

b) anular o processo desde a falta de intimação dos defensores substabelecidospara o julgamento de segunda instância.

c) desclassificar a conduta descrita para o tipo penal enunciado no artigo 2º, incisoIV, da Lei n. 8.137/90.

Acompanharam a inicial os documentos de folhas 29 a 316.

Solicitadas informações, encaminhou o Presidente do Superior Tribunal de Justiçaa íntegra do acórdão proferido por força do Recurso Especial n. 573.400/PR (folhas 325a 339).

A Procuradoria-Geral da República pronunciou-se pelo conhecimento parcial do

habeas, no tocante aos temas relativos à falta de intimação para oitiva de testemunha eà pauta publicada, denegando-se a ordem. Consigna o Fiscal da Lei que não se podeconcluir pela violência ao artigo 370, § 1º, do Código de Processo Penal. Conforme votodo Relator no Superior Tribunal de Justiça, dera-se o substabelecimento dos poderescom reserva, não havendo sido solicitada a publicação de atos em nome do novo profis-sional da advocacia. Quanto à não-intimação do defensor para a audiência em que

ouvida a testemunha, reporta-se à manifestação da Corte, considerado o cumprimento decarta precatória. Assevera ocorrida a intimação para a ciência da expedição da carta. Nomais, revela que a questão concernente ao crime do artigo 1º, inciso II, da Lei n. 8.137/90,

para ter-se a conduta como tipificada frente ao artigo 2º, inciso IV, da citada lei, pressu-

poria o reexame da matéria probatória, remetendo a trecho do acórdão do Tribunal

Regional Federal. Sob o ângulo da nulidade por erro material na fixação da pena-base

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decorrente do crime de sonegação fiscal, mais uma vez aponta o Procurador-Geral oacerto do Superior Tribunal de Justiça em não conhecer do especial, no que interpostopor divergência, sem proceder-se ao cotejo analítico das decisões.

Lancei visto no processo em 19 de setembro de 2005, designando, como data dojulgamento, 27 do mesmo mês, isso objetivando a ciência dos impetrantes. Em 25 desetembro, deferi pedido de adiantamento, por uma semana, da apreciação pela Turma.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Delimite-se a atuação desta Corte, nojulgamento do habeas, consideradas as causas de pedir e os pedidos constantes dainicial e o pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça. Ao ser apreciado o recursode natureza extraordinária, o especial, a Corte somente emitiu entendimento sobre doistemas — a intimação da defesa para a audiência em que ouvida testemunha no Juízodeprecado e a intimação para o julgamento verificado no Tribunal Regional Federal.Quanto à problemática da tipificação e da erronia na fixação da pena-base, fez ver oenvolvimento de matéria fática, na primeira questão, apontando que, na segunda, não seprocedeu ao cotejo analítico das decisões que estariam no campo da confrontação. Ohabeas não contém razões que visem a infirmar o que decidido, muito menos pedidopara que, concedida a ordem, o Superior Tribunal de Justiça, afastados os óbices, viessea se pronunciar a respeito. Então, passo ao exame das matérias que foram objeto dedecisão pelo Superior Tribunal de Justiça, muito embora a relativa à intimação para aaudiência em que ouvida a testemunha haja desaguado, ante teor de verbete de Súmula —de n. 83 —, no não-conhecimento do recurso.

Quanto ao primeiro ponto, reafirmo que o conhecimento dos atos processuais acomportarem a presença da defesa, o conhecimento do local e da data em que devam serimplementados compõem o que se denomina devido processo legal. Uma coisa é aintimação da parte para ciência de expedição de carta com vistas à oitiva de testemunha.Algo diverso e que tem balizas próprias quanto ao local e ao tempo diz respeito àintimação para audiência a ser realizada no juízo deprecado. Ao artigo 222 do Códigode Processo Penal há de ser conferida interpretação consentânea com a sistemática doDireito; há de ser conferida interpretação à luz de princípios básicos alusivos ao devidoprocesso legal, e, aí, surge a necessidade de se saber o dia designado para audiência,evitando-se surpresas. A referência à intimação contida no preceito possui alcance duplo,revelando a necessidade de conhecimento da expedição da carta precatória e, já no juízodeprecado, do ato em que designada data para a audiência. Confira-se:

A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz dolugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazorazoável, intimadas as partes.

No presente caso, há singularidade que afasta a pecha, conforme consignado nasentença proferida. É que não houve a articulação da nulidade, por não observada forma-lidade, em tempo oportuno (folha 49). Esse dado obstaculiza o acolhimento do pedidoformulado.

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Sob o ângulo da ausência de intimação do advogado substabelecido, atente-separa a exigência legal. Consoante dispõe o § 1º do artigo 370 do Código de ProcessoPenal, a intimação do defensor faz-se mediante publicação no órgão oficial e aí deveconstar o nome do causídico. Pois bem, ao juntar-se ao processo o substabelecimento,consignando-se a manutenção dos poderes outorgados ao substabelecente, não se plei-teou a inserção preferencial deste ou daquele nome nas publicações a ocorrerem. Assim,não se pode vislumbrar violência a preceito de lei, ilegalidade na publicação da pauta,no que veiculado o nome de um dos advogados, ou seja, do Dr. Walter B. Bittar, com oemprego, a seguir, da expressão “e outros”. Confira-se com as peças de folhas 43, 69 e 70.

Ante o quadro, conheço parcialmente da impetração e, na parte conhecida, indefiroa ordem.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Antes de colher a votação, obser-vo que o Tribunal tem realmente precedentes de que, constituído o advogado na sede dotribunal, diversa daquele em que correu inicialmente o processo, é a esse advogado quese devem fazer as intimações subseqüentes.

A jurisprudência é vetusta; mas me lembro dos casos mais recentes, de que tenhonota: HC 75.581, de 14-10-97, Ministro Ilmar Galvão e o HC 76.453, 22-9-98, MinistroOctavio Gallotti.

Antecipo o voto, concedendo a ordem para anular o julgamento da apelação.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, peço a palavra apenaspara mostrar coerência. Tenho veiculado despachos no sentido de inserir-se o nome dequalquer um dos advogados credenciados, isso diante do silêncio da parte quanto àinserção deste nome ou daquele. Observo, no caso, a norma segundo a qual a publicaçãovisa a identificar o processo. Seria até difícil — muito embora conheçamos quase todosos advogados que atuam no Supremo, principalmente os antigos — saber se aquelecredenciado mediante substabelecimento é o advogado de Brasília ou se também é umadvogado que atua na origem.

Neste caso concreto, precisaria confirmar esse aspecto, mas com a fé do grau, oadvogado afirmou da tribuna que teria ocorrido, com o substabelecimento, extensão dospoderes a certo causídico que atuaria no local em que situado o Tribunal RegionalFederal. O processo seria do Paraná?

O Sr. Advogado César Bittencourt: Do Paraná, Excelência. Está expresso, tempetição juntada, inclusive no habeas corpus, com esse pedido expresso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não considerei esse aspecto, pois sempreentendi que, não havendo pleito de inserção preferencial do nome de um dos advogados,a inclusão de qualquer dos credenciados é suficiente à valia da pauta, por isso nãomergulhei fundo na questão. Agora surge o problema, ter-se-á que fazer uma sindicânciapara levantar se aquele advogado credenciado mediante substabelecimento é o advogadoque atua no local em que situado o tribunal.

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O Sr. Advogado César Bittencourt: Permite-me uma questão de ordem? O advogado

que substabeleceu é de Londrina, interior do Paraná, como disse. Eu sou de Porto Alegre,

minha sede base é em Porto Alegre, mas tenho escritório aqui também, atuo lá e aqui.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Doutor, seria tão fácil peticionar.

O Sr. Advogado César Bittencourt: Mas está pedido nos autos.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não, se houver — o pedido de que saísse

a publicação da pauta com o nome do advogado substabelecido —, defiro a ordem.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Consta do voto do Senhor Ministro Gilson Dipp que

essa solicitação não foi feita.

O Sr. Advogado César Bittencourt: Mas o voto não corresponde aos fatos, com o

devido respeito.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Se o advogado está alegando que

requereu o traslado desse documento...

O Sr. Advogado César Bittencourt: Está nos autos e passo o fax.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): No processo revelador do habeas?

O Sr. Advogado César Bittencourt: Nos dois, está no processo e a xerox está no

habeas, a petição e o substabelecimento juntos, Excelência.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, proponho a suspensão

do julgamento para o advogado indicar as folhas nas quais se tem esse pleito, porque,

então, evoluirei para conceder a ordem.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Se o Ministro Eros Grau me permite, gostaria de fazer

duas observações: a primeira é de que o advogado substabelecente repassou os seus

poderes de representação, com reserva, para ele, o advogado substabelecente. E o advo-

gado substabelecido, segundo diz o Ministro Gilson Dipp, não fez a solicitação de que

as publicações futuras ao ato de substabelecimento se fizessem em nome dele, advogado

substabelecido. O que me leva, em princípio, a aderir ao voto do eminente Ministro

Relator.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas o substabelecimento, segundo consta — isso

nem foi objeto de discussão —, é exatamente para fazer sustentação oral.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Aí teríamos que ver.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não sei se há referência expressa. Creio

que podemos caminhar no sentido da concessão da ordem, se houver alusão, se houver

referência ao objeto do credenciamento do advogado para que viesse a atuar no Tribunal

Federal.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sem dúvida.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Perdoem-me a saudade de teste-

munha ocular da história dos últimos quase cinqüenta anos deste Tribunal. Os vetustos

antecessores nossos entenderam de há muito que, quando no recurso extraordinário,

constava o substabelecimento a um advogado em Brasília, não era para que ele proce-

desse à execução, depois do julgamento, em Quixeramobim, era para que atuasse em

Brasília. Por isso é que se firmou essa jurisprudência.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Teríamos de conhecer todos os advogados

em atuação em Brasília.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Data venia, Ministro, substabele-

cimento tem que ter o endereço profissional do substabelecido.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Teríamos de conhecer, porque alguns são

conhecidos, outros não. Geralmente o substabelecimento não tem o endereço do advo-

gado substabelecido. Não me lembro de ter deles constatado substabelecimentos cons-

tando o endereço do substabelecido.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Se não tiver, é diferente. Eu

nunca vi.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O memorial faz referência à folha 661.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É preciso cuidado com esta matéria, porque também

fica muito fácil alegar a nulidade — não é o caso do advogado que nos honra com sua

presença —, até como estratégia de defesa, não se solicita que as publicações posteriores

ao ato de substabelecimento se façam em nome do advogado substabelecido para,

depois, alegar-se a nulidade do processo. Claro, ressalto, não é o caso do advogado

presente, mas, em tese, pode ocorrer.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Nunca é.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Fica difícil dizer que é. Prefiro dizer que não é, mas é

uma cautela.

O Sr. Advogado César Bittencourt: À folha 71 consta o substabelecimento dado.

VOTO (Confirmação)

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, com a devida vênia,

mantenho o voto para guardar coerência com a forma de proceder no próprio Tribunal,

quando me vem procuração com pleito de intimação de diversos advogados. Consigno

que se adotará a prática de se lançar o nome de um deles, seguido da expressão “e

outros”.

EXTRATO DA ATA

HC 85.476/PR — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:

Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Milton Maresco. Impetrante: Cezar Roberto

Bitencourt e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

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Decisão: Por maioria de votos, a Turma deferiu o pedido de habeas corpus paraanular o processo a partir da publicação da pauta; vencidos os Ministros Marco Aurélio,Relator, e Carlos Britto, que conheciam, em parte, do pedido, mas, nesta parte, o indefe-riam. Relator para o acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence. Falou pelo paciente o Dr.Cezar Roberto Bitencourt.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral daRepública, Dra. Cláudia Sampaio Marques.

Brasília, 4 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EM HABEAS CORPUS 85.657 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto

Recorrente: Roseli Palhares de Oliveira — Recorrido: Ministério Público Federal

Recurso ordinário em habeas corpus. Recorrente denunciada pelocrime de peculato doloso (caput do art. 312 do CP) e condenada por pecu-lato culposo (§ 2º do art. 312 do CP). Alegada ocorrência de mutatio libelli(art. 384 do CPP) e não de emendatio libelli (art. 383 do CPP). Pretendidaabertura de vista à defesa. Ausência de prejuízo à condenada.

Registra-se hipótese da mutatio libelli sempre que, durante a instru-ção criminal, restar evidenciada a prática de ilícito cujos dados elementa-res do tipo não foram descritos, nem sequer de modo implícito, na peça dadenúncia. Em casos tais, é de se oportunizar aos acusados a impugnaçãotambém de novos dados factuais, em homenagem à garantia constitucio-nal da ampla defesa.

Ocorre emendatio libelli quando os fatos descritos na denúncia sãoiguais aos considerados na sentença, diferindo, apenas, a qualificaçãojurídica sobre eles incidente. Caso em que não se cogita de nova aberturade vista à defesa, pois o réu deve se defender dos fatos que lhe são imputa-dos e não das respectivas definições jurídicas.

Inocorre mutatio libelli se os fatos narrados na denúncia (e contra asquais se defendeu a recorrente) são os mesmos considerados pela sentençacondenatória, limitando-se a divergência ao elemento subjetivo do tipo(culpa x dolo).

Não é de se anular ato que desclassifica a infração imputada àacusada para lhe atribuir delito menos grave. Aplicação da parêmia pasde nullité sans grief (art. 563 do CPP).

Recurso desprovido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.

Brasília, 31 de maio de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de recurso ordinário, interposto contraacórdão do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado:

“Habeas corpus. Processual penal. Peculato. Sentença. Nulidade. Inobser-vância do art. 384 do CPP. Inexistência. Emendatio libelli. Ausência de prejuízo.Reforma da condenação pelo acórdão.

1. O réu, em nosso sistema processual penal, defende-se da imputação fáticae não da imputatio iuris, logo, restando caracterizada a emendatio libelli e nãomutatio libelli, desnecessária a observância das disposições do art. 384 do Códigode Processo Penal.

2. In casu, o Juiz Monocrático, ao dar nova classificação ao crime descrito napeça acusatória, por ocasião da prolação da sentença, beneficiou a ora Paciente,inexistindo, assim, por óbvio, qualquer prejuízo à Ré. Portanto, pela aplicação doart. 563 do CPP, que consagra na lei processual pátria o princípio pas de nullitésans grief, não há como declarar a nulidade da sentença.

De qualquer modo, o Tribunal a quo, ao prover parcialmente o apelo minis-terial, condenou a Paciente nos termos da denúncia (art. 312, caput, do CódigoPenal). Nesse contexto, sobrepondo-se a sentença do apelo à condenação mono-crática, não há como impor a aplicabilidade da norma do art. 384, caput, do Códigode Processo Penal, pois à paciente se imputa, agora, a conduta descrita na denúncia.

Writ denegado.”

2. Como visto, a ora recorrente foi denunciada pela suposta prática do crime depeculato doloso (CP, art. 312, caput). Isso porque, na qualidade de contadora daSERPREV (Serviço de Previdência Social dos Funcionários Públicos Civis do Municí-pio de Serra Negra/SP), “efetuava o pagamento de notas de empenho fraudulentas (...)”,no contexto de um esquema de “contratação de advogadas inexistentes”. Cabe men-cionar que a recorrente, contadora da referida autarquia, “ingressou na mesma atravésde concurso público fraudado pelos demais denunciados”. Eis o que se contém namencionada denúncia:

“Em conluio e unidade de propósitos, a denunciada Roseli, contadora daautarquia, que ingressou na mesma através de concurso público fraudado pelosdemais denunciados, efetuava o pagamento das notas de empenho fraudulentas, eassinava as cártulas conjuntamente com Tânia, e as entregava a Alessandro.

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O denunciado Alessandro, após receber as cártulas preenchidas e assinadaspelas demais denunciadas, procedia ao depósito das mesmas na conta-corrente deseu namorado, a testemunha Fábio Luis Adami, conforme por este narrado visando

a ‘lavagem do dinheiro’ desviado.

Sendo assim, caracterizou-se o delito de peculato praticado pelos denuncia-dos Alessandro, Tânia e Roseli, posto que, após simularem a contratação de advo-gadas inexistentes, as duas acusadas emitiam as notas de empenho fraudulentas;preenchiam as cártulas da autarquia; assinavam as mesmas e entregavam a Ales-sandro, que depositava os valores na conta-corrente de Fábio, e sacava o mesmoem proveito próprio ou alheio”.

3. Pois bem, em que pese a denúncia pelo crime de peculato doloso, a recorrente se

viu condenada pelo crime de peculato culposo, fixada sua apenação em 4 meses dedetenção, substituída a pena privativa de liberdade por prestação pecuniária. Eis asrazões invocadas pelo juízo sentenciante para desclassificar a infração, de modalidadedolosa para a modalidade culposa:

“(...) Portanto, comprovado restou na conduta do réu Alessandro o dolo, ouseja, a vontade livre e consciente de obter um proveito próprio, de natureza patri-monial.

Entretanto, o mesmo não se pode dizer em relação às rés Tânia e Roseli (ora

recorrente), tendo ficado comprovada quanto às mesmas apenas a culpa, na

modalidade de negligência (...).

A ré Tânia, como diretora do Serprev, autorizou a emissão dos cheques, atra-vés dos empenhos respectivos, que foram elaborados por Roseli (recorrente), aseu pedido, e assinou as cártulas, em conjunto com esta última, para pagamento àspessoas supostamente contratadas por Alessandro.

Por seu turno, Roseli, como contadora, elaborou as notas de empenho e

emitiu os cheques para pagamento (...), assinando-os em conjunto com Tânia.

Entretanto, nenhuma das duas verificou a regularidade das contratações

ou a efetiva prestação do serviço por aquelas pessoas, antes de assinarem oscheques, cautelas estas que lhe cabiam em virtude dos cargos que ocupavam. E,o que comprova que realmente não tomaram o cuidado de verificar a efetiva entregado trabalho por ‘Solange’ e ‘Patrícia’ é o fato de que até a presente data, o pretensotrabalho não foi localizado na autarquia (...)

Assim, o réu Alessandro, contando com a negligência de Tânia e Roseli, emmais de uma oportunidade, desviou verba pública, em razão do exercício de cargo

na autarquia, o que redundou no seu enriquecimento ilícito, fato este que se enqua-dra na conduta típica descrita no artigo 312, caput, do Código Penal; devendo as co-

rés Tânia e Roseli responderem pelo delito previsto no § 2º do mesmo artigo”.

4. Sucede que, irresignada com o referido decisum, a recorrente, Roseli Palhares deOliveira, dirigiu recurso de apelação ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.Assim também procedeu o Ministério Público local. Sendo que o Tribunal de Justiça

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negou o apelo da defesa e acolheu o da acusação, em ordem a reenquadrar a ora deman-dante (Roseli) no caput do art. 312 do Código Penal. Vale dizer, a condenação de Roselipassou a decorrer do crime de peculato doloso (tal como inicialmente descrito na denún-cia), e não mais pela modalidade culposa (em tudo mais benéfica à condenada). Acór-dão, esse, que motivou a impetração de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça;cuja denegação, a seu turno, ensejou este recurso ordinário.

5. Sustenta-se, aqui, a nulidade da sentença condenatória de primeira instância. Éque tal ato decisório, ao condenar a recorrente por peculato culposo, e não por peculatodoloso (tal como indicado na denúncia), teria incorrido em mutatio libelli e, por issomesmo, impor-se-ia a prévia abertura de prazo à defesa, nos termos do art. 384 do CPP. Anão-observância do art. 384 do CPP, pois, causaria a nulidade da sentença condenatória,por ofensa às garantias da ampla defesa e do contraditório.

6. Prossigo neste breve relato para consignar que o Ministério Público Federal, emparecer do Subprocurador-Geral Edson Oliveira de Almeida, opinou pelo desprovimentodo recurso. E assim o fez, pelas seguintes razões:

“Não tem razão a recorrente.

É irrelevante que a denúncia tenha classificado o crime como peculatodoloso, art. 312 do Código Penal, e a sentença tenha condenado a recorrente pelaprática do crime de peculato culposo, art. 312, § 2º, uma vez que assim permitiamos fatos narrados na denúncia, dos quais a recorrente amplamente se defendeu. Deoutro lado, com a reforma de sentença pelo acórdão do Tribunal de Justiça local, arecorrente resultou condenada na mesma capitulação contida na denúncia”.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Consoante relatado, a tese central dopresente recurso consiste em saber se a sentença de primeira instância, ao condenar arecorrente por peculato culposo, e não por peculato doloso (tal como capitulado nadenúncia), teria incorrido em mutatio libelli, com o fito de impor a observância do art.384 do CPP. Todavia, bem vistas as coisas, entendo que é de ser mantida a escorreitadecisão do Superior Tribunal de Justiça, na mesma linha, por sinal, do parecer do Minis-tério Público Federal.

9. Com efeito, reza o diploma processual penal que, “Se o juiz reconhecer a possi-bilidade de nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nosautos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denún-cia ou na queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de 8 (oito) dias,fale e, se quiser, produza provas, podendo ser ouvidas até três testemunhas”. Trata-se,aí, da mutatio libelli, a ocorrer sempre que, durante a instrução criminal, restar evidenciadaa prática de ilícito cujos dados elementares do tipo não foram descritos, nem sequer demodo implícito, na peça da denúncia. Dito de outro modo, quando o caminhar do pro-cesso revelar a prática de condutas outras, distintas daquelas descritas na denúncia, é dese oportunizar aos acusados a impugnação também desses novos dados factuais, emhomenagem à garantia constitucional da ampla defesa. Em poucas palavras, em se tra-tando de mutatio libelli, imperiosa a abertura de vista à defesa.

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10. Assim não ocorre, contudo, quando se está diante de emendatio libelli. Esta severifica sempre que os fatos descritos na denúncia são iguais aos considerados na sen-tença, diferindo, apenas, a qualificação jurídica sobre eles (fatos) incidente. Noutrostermos, há emendatio libelli sempre que a sentença, presentes na denúncia todos oselementos do tipo, dê aos mesmos fatos descritos na peça acusatória capitulação diversa.Daí que, ocorrendo emendatio libelli, não há que se cogitar de nova abertura de vista àdefesa, pois o réu deve se defender dos fatos que lhe são imputados, e não das respectivasdefinições jurídicas. Ora, se é assim, e se na emendatio libelli não há inovação quantoaos fatos, não restam depauperadas as garantias da ampla defesa e do contraditório;razão por que não se deve pretender nova abertura de vista aos acusados. É neste mesmosentido, aliás, a jurisprudência desta Casa da Justiça brasileira (HCs 73.366, Rel. Min.Marco Aurélio; 74.553, Rel. Min. Néri da Silveira; 80.204, Rel. Min. Mauricio Corrêa;67.997, Rel. Min. Celso de Mello e RHC 82.589, Rel. Min. Nelson Jobim, os doisúltimos com as seguintes ementas):

“ — A nova classificação jurídica dada aos fatos relatados de modo ex-presso na denúncia, inobstante a errônea qualificação penal por ela atribuídaaos eventos delituosos, não tem o condão de prejudicar a condução da defesatécnica do réu, desde que presentes, naquela peça processual, os elementos cons-titutivos do próprio tipo descrito nos preceitos referidos no ato sentencial.

Defende-se o réu do fato delituoso narrado na denúncia, e não da classifi-cação jurídico-penal dela constante. A regra do artigo 384 do Código de Pro-cesso Penal só teria pertinência e aplicabilidade se a nova qualificação jurídicadada aos fatos descritos na peça acusatória do Ministério Público dependesse,para sua configuração, de circunstância elementar não contida, explícita ou im-plicitamente, na denúncia”. (HC 67.997)

“Recurso ordinário em habeas corpus. Penal. Processo Penal. Emendatiolibelli. Falta de justa causa. Nulidade da fundamentação da pena base. Métodotrifásico de fixação da pena.

Não há controvérsia que no processo penal o réu defende-se dos fatos descri-tos na denúncia e não da capitulação dada pelo Ministério Público. O CódigoProcessual Penal contempla a possibilidade da emendatio libelli, que não se con-funde com a mutatio libelli.

A jurisprudência deste Tribunal é tranqüila quanto à possibilidade do juizdar, na sentença, definição jurídica diversa da que consta na denúncia.

Só não seria possível tal procedimento se, para caracterização do novo delito,faltasse alguma circunstância elementar que não estivesse descrita implícita ou ex-plicitamente na denúncia. Hipótese em que ocorreria a mutatio libelli (CPP, art. 384).

No caso, a sentença fez uma emendatio libelli. Analisou os fatos descritos nadenúncia e os capitulou adequadamente (...)” (RHC 82.589).

11. Presente esta ampla moldura, não vejo como enquadrar os autos em situação demutatio libelli. É que os fatos narrados na denúncia (e contra os quais se defendeu arecorrente) são os mesmos descritos na sentença condenatória. A divergência, portanto,limitou-se ao elemento subjetivo do tipo, havendo a sentença entendido ser caso deculpa (por negligência), e não de dolo.

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12. Não é tudo. Cumpre-me realçar que a sobredita alteração foi em tudo e por tudobenéfica à recorrente. Daí o cabimento, no caso, do disposto no art. 563 do CPP, segundoo qual “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para aacusação ou para a defesa”.

13. Há mais o que dizer: ainda que assim não fosse, não seria de se prover o presenterecurso. Digo isso porque a sentença questionada veio a ser reformada pelo Tribunal deJustiça do Estado de São Paulo. Tribunal que reenquadrou a conduta da ré no caput doart. 312 (peculato doloso), exatamente como descrito na denúncia. Logo, ainda quehouvesse mutatio libelli, (e não houve), esta não mais subsistiria, já que o aresto profe-rido pela Corte de segunda instância condenou a ora recorrente nos exatos termos dadenúncia.

14. Tudo isso posto, meu voto acolhe o parecer da douta Procuradoria-Geral daRepública e nega provimento ao presente recurso ordinário.

15. É como voto.

EXTRATO DA ATA

RHC 85.657/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Recorrente: Roseli Palhares deOliveira (Advogados: Wladimir Valler). Recorrido: Ministério Público Federal.

Decisão: A Turma negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira.

Brasília, 31 de maio de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.803 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto

Paciente: Luiz Gustavo Baptista Teixeira — Impetrantes: Henrique PereiraBaptista e outros — Coator: Primeira Turma do Conselho Recursal dos Juizados EspeciaisCriminais da Comarca da Capital

Habeas corpus. Alegação de inexistência de justa causa para a açãopenal. Denúncia baseada apenas no registro de ocorrência feito pela víti-ma. Crime de ameaça. Importância da palavra da vítima. Juizados EspeciaisCriminais.

Apesar de lastreada apenas no Registro de Ocorrência, a denúnciapreenche os requisitos minimamente necessários a dar início à persecuçãopenal, portando consigo elementos suficientes para que o acusado conheçao fato que lhe é imputado e possa dele se defender.

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Nos crimes de ameaça, a palavra da vítima se reveste de importânciapara a formação dos indícios de autoria, capazes de deflagrar a açãopenal.

Nos juizados especiais criminais, a acusação pode ser oferecida ex-clusivamente com base no Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO,dispensando-se o próprio inquérito policial. Daí se mostrar prematuro otrancamento da ação penal.

Habeas corpus indeferido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,indeferir o pedido de habeas corpus; vencido o Ministro Cezar Peluso, que o deferia.

Brasília, 30 de agosto de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de habeas corpus, impetrado contradecisão da 1ª Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Criminais daComarca do Rio de Janeiro. Decisão que restou assim ementada:

“Justa causa presente — Denúncia regularmente formulada de formaobjetiva com lastro nas informações da vítima e da verossimilhança das alega-ções — Denegação da ordem.”

2. Pois bem, o paciente foi denunciado pela prática, em tese, do crime de ameaça(art. 147 c/c art. 70 do Código Penal). Todavia, sustenta que inexiste justa causa para aação penal, uma vez que a denúncia foi elaborada com base exclusivamente no registrode ocorrência que fora lavrado na Delegacia de Polícia. Argumenta que a peça acusatória“está embasada em um nada jurídico, pois não há indícios de autoria e materialidade”.Isso pelo fato de que apenas uma das vítimas fez a comunicação da ocorrência na dele-gacia, além de não se haver colhido nenhum outro depoimento; seja da outra supostavítima, seja de testemunhas, ou mesmo do paciente. Daí pedir, liminarmente, o sobresta-mento do processo-crime e, no mérito, o trancamento da ação penal.

3. Na seqüência, indeferi a liminar pleiteada, em face da ausência dos respectivospressupostos.

4. Encaminhados os autos à douta Procuradoria-Geral da República, sobreveioparecer pelo deferimento do writ (fls. 127/130).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Consoante relatado, a controvérsiajurídica a ser equacionada no presente writ consiste em saber se pode a ação penal por

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crime de ameaça ter início com base unicamente em registro de ocorrência, feito pela

vítima na delegacia de polícia. Como anotado, o paciente foi denunciado como incurso

nas penas do art. 147 c/c art. 70 do Código Penal, pela prática do crime de ameaça contra

seu vizinho e respectiva mulher. A peça acusatória está assim redigida (fls. 19 e 20):

“No dia 24.10.03, por volta das 21:00 horas, na Rua Sabina Abreu Aguilera,

n. 347, Vale dos Pinheiros, Nova Friburgo, RJ, o denunciado ameaçou Alexandre

Carney Ned e Nabila Miranda Gonçalves de Zevedo por gestos, de causar-lhes

mal injusto e grave.

Que o denunciado ao ser indagado pela vítima Alexandre Carney Ned, seu

vizinho, sobre fato ocorrido em data anterior, oportunidade em que o denunciado

havia feito disparos de arma de fogo próximo a sua residência, sacou o denunciado

de arma de fogo apontando-a para a vítima e ofendendo-a.

Que o denunciado, também apontou a arma de fogo, em direção da esposa da

vítima acima referida, Nabila Miranda Gonçalves de Azevedo, que estava grávi-

da e tendo ainda apontado a arma em direção do veículo em que as crianças, filhos

do casal, estavam.

Está assim incurso nas sanções do art. 147 do Código Penal c/c art. 70 do

mesmo diploma legal.

Assim sendo, requer o Ministério Público o recebimento da denúncia, com

a citação do denunciado, para que responda aos termos da ação penal, com a

procedência da pretensão punitiva e a condenação do denunciado”.

7. Dito isso, pontuo que o paciente não aceitou a proposta de transação penal que lhe

fez o Ministério Público (fl. 31), preferindo impetrar habeas corpus junto à Primeira Turma

do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Criminais do Rio de Janeiro, com vistas a

obter o trancamento da ação penal. Ordem que foi denegada, ao fundamento de que:

“(...)

De fato, a denúncia se baseia tanto nas informações prestadas pela vítima,

como na razoabilidade e verossimilhança de suas alegações.

Como já decidiu a Egrégia Corte ‘a precariedade da prova apresentada com a

denúncia não basta para ensejar o trancamento da ação penal por falta de justa

causa, tendo em vista a possibilidade de que outros elementos probatórios apare-

çam no curso da instrução (...)’.

(...)

Portanto, o trancamento da ação penal por falta de justa causa, na via estreita

do writ, somente é possível se houver comprovação, de plano, da atipicidade da

conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de

indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não ocorre na

espécie.

(...)

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Registre-se por oportuno que a palavra da vítima se reveste de importânciapara a formação dos indícios suficientes de autoria capazes de deflagrar a açãopenal. Não se exige para a propositura da ação penal a certeza da autoria, cuja

verificação dependerá da instrução probatória”.

8. Com efeito, não merece reparos a decisão guerreada. Isso porque a peça acusató-ria faz a exposição do fato havido por criminoso, com as respectivas circunstâncias detempo e lugar. Valendo ressaltar que, nos termos da própria decisão impugnada, noscrimes de ameaça “a palavra da vítima se reveste de importância para a formação dos

indícios suficientes de autoria capazes de deflagrar a ação penal”. Desse modo, apesarde lastreada apenas no Registro de Ocorrência, a denúncia oferecida contra o paciente

preenche os requisitos minimamente necessários a dar início à persecução penal, portandoconsigo elementos suficientes para que o acusado conheça o fato que lhe está sendoimputado e possa dele se defender.

9. Também impende ressaltar que, no âmbito dos Juizados Especiais, a acusaçãopode ser oferecida exclusivamente com base no Termo Circunstanciado de Ocorrência –TCO, dispensando-se o próprio inquérito policial. Inquérito, esse, apenas necessáriopara averiguar infrações penais de maior complexidade, o que não é o caso dos presentes

autos. Daí mostrar-se prematuro o trancamento da ação penal, sendo a instrução criminala fase propícia para esclarecer em definitivo a real atuação do paciente no evento tidopor criminoso e descrito na inicial.

10. Nesse claro contexto, importa ainda colacionar a farta jurisprudência que,nesta Suprema Corte, é no sentido de que o trancamento da ação penal por falta de justacausa é medida excepcional e deve ser conseqüência da inequívoca ausência de dadosfundamentais na peça acusatória. Confira-se:

“Habeas Corpus. 2. Lesão Corporal. 3. Trancamento da ação penal por

ausência de justa causa. 4. Impossibilidade, diante da descrição de crime em tese.Precedentes. 5. Ordem denegada.”

(HC 85.164, Rel. Min. Gilmar Mendes)

“Ação penal — Ausência de justa causa — Trancamento. O trancamentoda ação penal por órgão diverso do retratado como juiz natural pressupõe que osfatos na denúncia não consubstanciem crime, ou que haja incidência de prescriçãoou defeito de forma, considerada a peça inicial apresentada pelo Ministério Público.

(HC 84.738, Rel. Min. Marco Aurélio)

11. Com esses fundamentos, indefiro o habeas corpus.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, peço vênia para conceder a ordem etrancar a ação penal.

Na verdade, nem declarações da vítima, segundo consta da referência do eminenteMinistro Relator, foram tomadas.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Há um boletim de ocorrência.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): É Juizado Especial?

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Sim, Juizado Especial. Louvei-me muitonesse aspecto.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ainda que seja Juizado Especial.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Para processos de julgamento de crime demenor potencial ofensivo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim, aí a inquirição da vítima sefaz em juízo. Não há inquérito.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Penso que o risco de uma ação penal temeráriapersiste mesmo nesse âmbito. Isso é, não é o fato de se tratar de crime de menor potencialofensivo que justifica a diminuição das garantias contra ação penal temerária.

Creio que deveria ser colhido algum outro elemento para fundamentar a propositurada ação penal. Aliás, foi esse princípio que a Corte acolheu no famoso caso “Ribeiro xMedina”, em que ficou vencido apenas o Ministro Marco Aurélio. Há, aqui, risco de umaação penal sem fundamento. Não é possível transformar a ação penal em inquérito. Aquifoi lançada denúncia para se verificar, no curso da ação penal, se existem, ou não,elementos suficientes para o que seria o início de uma ação penal! Ou seja, é meraproposta de se apurar, no curso da ação penal, se o que consta do registro de ocorrênciaé, ou não, verdadeiro.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, é quase um paradoxo: parecerpela concessão da ordem; o voto do Ministro Cezar Peluso pela concessão; e eu, aqui,acompanhando o Relator, para indeferir essa mesma ordem.

O que temos? A peça primeira da ação penal atendeu o disposto no artigo 41 doCódigo de Processo Penal, conteve a narração do fato tido como criminoso, com aexposição das circunstâncias e referência, inclusive, à utilização de arma de fogo; osdados quanto à ameaça dirigida à mulher, ao cidadão que a esta altura é vítima; aqualificação do agente com os esclarecimentos a respeito — um vizinho — e a classifi-cação do crime, crime de ameaça.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Há alusão ao vizinho?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sim, há alusão.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sim, há alusão ao vizinho. Ele foi indicado comotestemunha e não foi ouvido.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Então, vamos declarar inconstitu-cional o artigo 77 da Lei dos Juizados Especiais?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O vizinho seria o próprio agente. Parece que tudodecorreu de uma desavença de vizinhança?

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O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): É uma desavença de vizinhança.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Então, Senhor Presidente, prevê ainda o mencionado

artigo 41 que, se necessário, a denúncia deve revelar o rol das testemunhas.

Ao Ministério Público cumpre, durante a instrução do próprio processo, desincum-

bir-se do ônus da prova. Cabe provar a causa de pedir da própria condenação. Mas há de

se aguardar essa mesma instrução. Em alguns crimes, não se tem elementos probatórios

de início como, por exemplo, o crime de estupro que, geralmente, é praticado sem teste-

munha. O risco de alguém sentar no banco dos réus é latente.

Mencionou o Relator a verossimilhança e fatos constantes do boletim de ocorrên-

cia e transcritos na denúncia que, se procedentes — aí, competirá ao Ministério Público

demonstrar —, levarão à condenação.

Existe a possibilidade de se ofertar a notícia do crime sem base alguma, mas há o

contrapeso: aquele que o tenha feito a descoberto poderá responder pela denunciação

caluniosa.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, se isso fosse suficiente, poderíamos generalizar

o princípio.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Agora, o que não posso, não sendo nem mesmo o

juiz natural da própria ação em curso, é antecipar o entendimento sobre a procedência,

ou não, da imputação.

Por isso, pedindo vênia ao Ministro Cezar Peluso, acompanho o Relator no voto

proferido e indefiro a ordem.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, gostaria de ponderar que, levado às

últimas conseqüências esse raciocínio, não precisaria boletim de ocorrência, bastaria

que o Ministério Público resolva denunciar pura e simplesmente. Depois, no curso da

ação penal, ver-se-á se à denúncia corresponde prova, ou não. A minha preocupação é

exatamente quanto ao risco de fazer pesar em relação a alguém o constrangimento — o

Código também o considera como tal e considera-o ilegal, quando não haja fundamento

suficiente para isso — de ação penal que não tenha nenhum fundamento, como se fosse

inquérito, em que se vai apurar se o fato é, ou não, verdadeiro.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas o inquérito serviria a quê? A demonstrar-se que

ele realmente puxou a arma e a direcionou para uma mulher grávida?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, se a própria vítima fez referência a uma testemunha

que teria presenciado a ameaça, não custava nada que fosse ouvida.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): A declaração da vítima no juizado é feita na

hora. Crimes de menor potencial ofensivo, não é?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O crime pode ser teoricamente de menor potencial

ofensivo, mas o constrangimento que resulta do curso de uma ação penal é o mesmo.

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VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Diz o art. 77 da Lei n. 9.099:

“Art. 77. Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicaçãode pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese previs-ta no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denún-cia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis.

§ 1º Para oferecimento da denúncia, que será elaborada com base no termo deocorrência referido no art. 69 desta Lei, com dispensa do inquérito policial, pres-cindir-se-á do exame de corpo de delito quando a materialidade do crime estiveraferida em boletim médico ou prova equivalente.”

Não me arrisco, com todas as vênias, a trazer à analise caso a caso esse juízo daimprescindibilidade ou não de diligências prévias ao oferecimento da denúncia, noscasos do procedimento sumaríssimo previstos na Lei n. 9.099, nem a sugerir-lhe ainconstitucionalidade.

Por isso peço vênia ao Ministro Cezar Peluso e acompanho o Relator.

EXTRATO DA ATA

HC 85.803/RJ — Relator: Ministro Carlos Britto. Paciente: Luiz Gustavo BaptistaTeixeira. Impetrantes: Henrique Pereira Baptista e outros. Coatora: Primeira Turma doConselho Recursal dos Juizados Especiais Criminais da Comarca da Capital.

Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus;vencido o Ministro Cezar Peluso, que o deferia.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Rodrigo Janot Monteiro de Barros.

Brasília, 30 de agosto de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 86.019 — RS

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto

Paciente: Luiz Henrique Sanfelice — Impetrante: Fábio André Adams dos Santos —Coator: Relator do HC n. 41.857 do Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Prisão preventiva. Alegação de insuficiência dafundamentação do decreto. Superveniência de pronúncia. Manutenção daprisão pelos mesmos fundamentos. Ausência de manifestação do SuperiorTribunal de Justiça.

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A superveniência de pronúncia que reitera os fundamentos da decre-tação da prisão preventiva, sem agregar nenhuma outra motivação, nãoenseja a prejudicialidade do habeas corpus.

Concessão da ordem para determinar o retorno dos autos ao Supe-rior Tribunal de Justiça, a fim de que aprecie as alegações do impetrantequanto aos requisitos da custódia cautelar.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,deferir em parte o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator, vencido oMinistro Marco Aurélio, que, de logo, o deferia por excesso de prazo.

Brasília, 27 de setembro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de habeas corpus contra decisãomonocrática do Superior Tribunal de Justiça. Decisão que deu por prejudicado o writ aliimpetrado, nos termos da seguinte ementa:

“Penal e Processual. Habeas corpus. Excesso de prazo. Prisão preventiva.Requisitos. Decisão de pronúncia. Superveniência. Mudança do título da cons-trição cautelar. Objeto. Perda.

A superveniência de decisão de pronúncia no curso do writ prejudica a aná-lise dos requisitos da prisão preventiva, e supera os requisitos da custódia cautelare o excesso de prazo na formação da culpa, porquanto existe novo título a funda-mentar a segregação do paciente.

Ordem prejudicada”.

2. Pois bem, sustenta o impetrante que “não existem motivos plausíveis para ma-nutenção de sua segregação por tempo superior ao previsto em lei”. Ademais, afirmaque a sentença de pronúncia não legitima a decretação anterior se esta já estava viciada.Finalmente, aduz que haveria excesso de prazo mesmo com o novo título legitimador daprisão, uma vez que nos processos de competência do Júri a instrução criminal se esten-de até o plenário, no qual ainda podem ser ouvidas testemunhas. Diante disso, requer aconcessão da medida liminar para revogar a prisão do paciente, e, no mérito, pede aconfirmação definitiva da ordem.

3. Na seqüência, indeferi a cautelar, em face da ausência de seus pressupostosautorizadores.

4. Encaminhados os autos à Procuradoria-Geral da República, sobreveio parecerpela denegação da ordem.

É o relatório.

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R.T.J. — 199326

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto.

7. Inicio por dizer que, em outra oportunidade, o impetrante ajuizou habeascorpus no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o qual restou denegado.Nele, writ denegado, alegou-se a insuficiência de fundamentação do decreto de prisãopreventiva, alegação que foi reiterada junto ao Superior Tribunal de Justiça. Tribunalque decidiu pela prejudicialidade da ordem, em face da superveniência da sentença depronúncia, configurando esta novo título legitimador da prisão do paciente. Daí a pre-sente impetração.

8. Pois bem, colhe-se dos autos que, após a sentença de pronúncia, o impetranteingressou com novo habeas corpus perante a Corte Estadual, ao argumento, agora, da“falta de fundamentação da pronúncia ao manter a custódia do paciente”. Todavia, ocolegiado denegou a ordem, tendo por fundamento a decisão deste Supremo TribunalFederal no HC 80.325. Leia-se:

“(...)

A ilustre impetrante, assim, não deve confundir fundamentação contrária aointeresse do paciente com decisão não motivada. Com efeito, devemos lembrarsobre a matéria o seguinte precedente do Pretório Excelso, o qual restou consigna-do na ementa do HC 83.227/PR, da relatoria da eminente Ministra Ellen Gracie,julgado em 2-9-2003, pela egrégia Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal:‘Estando a decretação da prisão preventiva fundamentada, também o está asua manutenção, pela sentença de pronúncia, com base nos mesmos motivosque ocasionaram sua decretação anterior’. (HC n. 80.325, Rel. Min. MoreiraAlves)”. (Caracteres negritados no original)

9. Com efeito, a decisão de pronúncia (fls. 100/120) reproduz os fundamentos dodecreto de prisão preventiva, ou seja, é título novo, mas a fundamentação é antiga.Confira-se:

“(...)

O réu Luiz Henrique encontrando-se preso, assim deverá permanecer paraapelar, visto que inalterados os motivos de sua segregação, reforçados com a pre-sente sentença.

(...)”.

10. Diante desse quadro, é de se concluir que, em face da superveniência da pro-núncia, a prisão preventiva do paciente foi mantida com os mesmos fundamentos.Nenhuma outra motivação foi agregada. O que obrigaria o STJ a apreciar a validade dacustódia, pouco importando a novação do título judicial.

11. Daqui se deduz que laborou em erro técnico o Superior Tribunal de Justiça,data venia, ao considerar prejudicado o habeas corpus que lhe endereçara o impetrante.Prejuízo que somente ocorreria se a sentença de pronúncia aportasse consigo fundamentosnovos ou então complementares daqueles veiculados pelo originário decreto de prisãopreventiva. É como tem decidido este STF. Veja-se:

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“Habeas corpus prejudicado: substituição do título da prisão proces-sual da paciente pela superveniência de pronúncia, que contém motivaçãocautelar própria e cuja idoneidade há se ser questionada mediante novaimpetração.” (HC 84.474, Rel. Min. Sepúlveda Pertence)

12. Por fim, deixo de enfrentar a questão da possibilidade de se conceder a ordemde ofício, em face das peculiaridades do caso (em especial o fundamento quanto àinfluência do paciente nos depoimentos de testemunhas a ele empregaticiamente vincu-ladas — fls. 56/57). O que implica reconhecer que o eventual desacolhimento ex officio

do writ redundaria em prejuízo ao próprio paciente.

13. Ante o exposto, concedo a ordem para determinar o retorno dos autos ao Supe-rior Tribunal de Justiça, a fim de que aprecie as alegações do impetrante quanto aosrequisitos da custódia cautelar e ao excesso de prazo na formação da culpa.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Senhor Presidente, este caso se tornou rumo-roso por se traduzir, segundo a acusação e a posterior sentença de pronúncia, naquelecrime em que o marido sedou a esposa, colocou-a no porta-malas do carro e, em seguida,incendiou-o.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o Superior Tribunal de Justiçarealmente entendeu prejudicada a impetração, tendo em conta o surgimento do que seriaum novo título, e o Relator demonstrou que não houve, no mundo jurídico, qualquernovidade.

Na sentença de pronúncia, reportou-se o órgão judicante aos termos da preventiva,e aí deu-se a incorporação dos fundamentos desse ato. Também concluiu prejudicado oproblema do excesso de prazo, mas aqui, a meu ver, caminhou-se para a proclamação deque, existindo a sentença de pronúncia, já não cabe mais perquirir o tempo de custódiaprecária e efêmera do acusado — até então, simples acusado, muito embora pronunciadoe submetido, portanto, pela sentença de pronúncia, ao Tribunal do Júri.

A questão jurídica pode ser enfrentada pela Turma sem receio de se ter a supressãode instância — não há a menor dúvida. Proclamou o Superior Tribunal de Justiça, talvezdiante de alguns precedentes que não consigo endossar: havendo a sentença de pronún-cia, cessa o questionamento sobre o excesso de prazo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Ministro Marco Aurélio, pareceque, no caso, temos recurso em sentido estrito pendente e não temos nenhuma informa-ção sobre o andamento dele. Por isso, quanto ao excesso de prazo, sinto-me em dificul-dade para aferir, aqui, da sua razoabilidade ou não, pois vejo no parecer da Procuradoria-Geral da República — e o advogado o retificará se não for exato — que houve recursocontra a pronúncia. Esse recurso é que está pendente, e não sabemos nada sobre o anda-mento dele.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Para aqueles que vêem uma repercussão da sentençade pronúncia na simples passagem do tempo, cumpre perquirir o desfecho, mas, paramim — que sempre sustentei, na Turma e também no Plenário, que a problemática doexcesso de prazo se resolve no campo objetivo, considerada a simples passagem dotempo —, é desinfluente o desfecho do recurso em sentido estrito protocolado contra asentença de pronúncia.

Penso ser estreme de dúvidas que o paciente se encontra recolhido preventiva-mente — reafirmo — há mais de ano. Não tenho como afastar e apagar este fenômeno: aperda da liberdade para se aguardar julgamento — não verificado até esta data.

O que surge, o que salta aos meus olhos é, com a devida vênia dos que pensam deforma diversa, um constrangimento ilegal na manutenção do paciente que, se criminoso,é um criminoso episódico — como geralmente ocorre quando envolvido crime dolosocontra a vida.

Senhor Presidente, peço vênia para, considerado o excesso de prazo, deferir aordem e relaxar a prisão. Que seja submetido, vindo a ser desprovido o recurso emsentido estrito, ao Tribunal do Júri, mas sem se manter — e não sabemos sequer quandoserá realizado esse julgamento — a custódia. O pano de fundo certamente será elucidadopelo Tribunal do Júri: o problema da morte da mulher.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): A lei desvela prazos até a instru-ção criminal. Daí surgiu esse número mágico de oitenta e um dias, da praxe judiciária.Obviamente, esse prazo não cobre a eventual inconformidade do acusado com a pronún-cia e o tempo necessário ao processamento e julgamento do recurso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, antes da sentença de pronúncia,já se articulava o excesso de prazo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não temos elementos aqui paraafirmar isso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Tem, porque há notícia, inclusive no parecer, de queo Superior Tribunal de Justiça foi surpreendido com a sentença de pronúncia e, por isso,declarou prejudicado o habeas.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não me comprometo com a tesecorrentia de que, após a pronúncia, não há mais prazo.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Vossa Excelência tem ressalvado sempreisso em seus votos.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Penso que o excesso, aí, tem de serexaminado caso a caso, sem perda da realidade, para saber-se da razoabilidade ou não dotempo corrido.

Não tenho elementos, a meu ver, para aferir nada sobre o andamento deste recurso,em sentido estrito, que sobreveio à impetração, tanto que motivou o julgamento doSuperior Tribunal de Justiça.

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Por isso, acompanho a solução parcial do eminente Relator, devolvendo o caso aoconhecimento do Tribunal Superior.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Inclusive para o enfrentamento da questãodo excesso de prazo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): E se informará, porque é a instânciaimediatamente supra-ordenada ao atual responsável pelo excesso de prazo — se há —, quenão é mais o juiz, mas o Tribunal de Justiça.

EXTRATO DA ATA

HC 86.019/RS — Relator: Ministro Carlos Britto. Paciente: Luiz HenriqueSanfelice. Impetrante: Fábio André Adams dos Santos (Advogado: Mathias Nagelstein).Coator: Relator do HC n. 41.857 do Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: Por maioria de votos, a Turma deferiu, em parte, o pedido de habeascorpus, nos termos do voto do Relator; vencido o Ministro Marco Aurélio, que, de logo,o deferia por excesso de prazo. Falou pelo paciente o Dr. Mathias Nagelstein.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.

Brasília, 27 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 86.122 — SC

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Paciente: Eder Oliveira dos Santos — Impetrante: Emanuel Antônio Quaresma —Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Estupro contra menor de quatorze anos. Ação penalpública condicionada. Exaurimento do prazo decadencial. Trancamentoda ação penal. Miserabilidade. Manifestação de vontade da representanteda ofendida.

A declaração de miserabilidade feita pela representante legal daofendida e a vontade inequívoca de processar o autor do crime de estupropraticado contra sua filha, manifestada à autoridade policial imediata-mente aos fatos, elide, por completo, a tese de expiração do prazo deca-dencial, do que decorreria o trancamento da ação penal. É da jurispru-dência desta Corte que a representação nos crimes de ação penal públicaprescinde de qualquer formalidade, bastando o elemento volitivo, aindaque manifestado na fase policial.

Ordem denegada.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,indeferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O paciente foi denunciado como incurso no artigo 213,c/c o artigo 224, a, do Código Penal.

2. Impetrou, sucessivamente, habeas corpus no Tribunal de Justiça de Santa Cata-rina e no Superior Tribunal de Justiça, pleiteando a extinção da punibilidade pela deca-dência do direito de representação da mãe da vítima, que é menor de idade. O fatodelituoso, alega, teria ocorrido em 22-3-03, tendo a representante legal da menor toma-do conhecimento da autoria em julho de 2003 [não precisou o dia] e representado emabril de 2004, quando já transcorrido lapso superior ao prazo decadencial de 6 (seis)meses previsto no artigo 38 do Código de Processo Penal.

3. Reitera os fundamentos das impetrações precedentes, em razão dos quais requera extinção da punibilidade. Sustenta, ademais, que o STJ equivocou-se quanto às datasao consignar que o crime ocorreu em 22-3-03 e que a representação deu-se em 23-4-03.

4. O Ministério Público Federal é pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Adoto o parecer da Subprocuradora-Geral daRepública Delza Curvello Rocha como razão de decidir:

“Versam os autos sobre pedido de habeas corpus, com pleito liminar, impe-trado em favor de Eder Oliveira dos Santos, contra a decisão monocrática profe-rida pelo Exmo. Sr. Ministro do Superior Tribunal de justiça, Paulo Medina, nosautos do recurso ordinário em habeas corpus (RHC n. 17.252/SC), assim expressa:

‘Processo Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Estupro.Violência presumida. Ação penal pública condicionada. Representação.Fase policial. Formalidade. Desnecessidade.

A representação nos crimes de ação penal pública condicionada pres-cinde de qualquer formalidade, sendo necessário apenas a vontade de seurepresentante legal, mesmo que irrogada na fase policial.

Recurso improvido.

Decisão

(...)

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O recorrente está sendo processado pela prática de estupro com violên-cia presumida (art. 213 c/c 224, a, ambos do Código Penal) porque no dia 22de março de 2003 teria constrangido a vítima (uma criança de 7 anos deidade) a manter com ele conjunção carnal.

Sem razão quando obtempera a falta de justa causa válida para a repre-sentação legal da vítima. É pacífico não só na doutrina, mas também najurisprudência dos Tribunais Superiores, a desnecessidade de rigores formaisquando da representação. Com efeito, a mera vontade inequívoca da vítima(ou de sua representante) irrogada na fase policial, como nos presentes autos(fl. 13), é suficiente para que se cumpra o requisito ínsito do art. 225, § 1º doCódigo de Processo Penal.

(...)

No mesmo sentido vem decidindo o Egrégio Supremo Tribunal Federal:

‘Habeas corpus. Penal. Processo penal. Álibi. Representação. Oitivade testemunhas. Reconhecimento de pessoas. Formalidades. Reexame da

prova. 1. (...) 2. Nos casos de ação penal pública condicionada à representa-ção, é suficiente a manifestação da vítima ou de seu representante legal, nosentido de ver desencadeado o processo. Não se exige formalidades para arepresentação. 3. (...). 4. (...). 5. (...). Habeas Corpus indeferido. (HC 77.756/RS, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, DJ em 16-1-2001).’

Ademais, não há que se falar em decadência do direito de representar,tendo em vista que a representação se deu em 23-4-2003 (fl. 12), e a práticadelitiva ocorreu em 22-3-2003 (fl. 7). Assim, não se completou o lapso tem-poral de 6 (seis) meses necessários para efetivação da decadência, nos termosdo art. 38 do Código de Processo Penal.

Posto isso, nego seguimento ao recurso ordinário em habeas corpus,nos termos do art. 557, caput, do CPC c/ art. 3º do CPP; art. 38 da Lei n.8.038/90 e do art. 34, inciso XVIII, do Regimento Interno do SuperiorTribunal de Justiça.

(...) (fls. 107/111 do apenso).’

2. Aduz o impetrante na inicial que ‘(...) a impetraçõa em tela é em razão dadecadência do direito de queixa na ação penal pública condicionada à repre-

sentação, no prazo legal de seis meses e não contra a forma da apresentação.’(fl. 03). Alega que a representante legal da vítima teve conhecimento no dia 1º-8-03 que o ora paciente seria o agressor de sua filha. Assim, tendo sido oferecida arepresentação apenas em 6-4-2004, quando já ultrapassado o prazo de seis meses,ocorreu a decadência do direito de queixa.

3. Assim, ressalta estar comprovada a falta de justa causa e o constrangimentoilegal imposto ao ora paciente pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo que requer,a final, liminarmente, o trancamento da ação penal a que responde o paciente e,consequentemente, a expedição de alvará de soltura a seu favor.

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4. O pedido de liminar foi indeferido pelo r. despacho de fl. 23, vindo aosautos os documentos de fls. 29/35 à título de informações.

5. Em síntese, o relato.

6. Pleiteia-se, assim, na presente medida, a concessão da ordem visando aotrancamento da ação penal a que responde o ora paciente, expedindo-se alvará desoltura, face à decadência do direito de representação, em hipótese de ação penalpública condicionada.

7. Sem razão o impetrante.

8. Constata-se dos autos tanto a declaração firmada pela mãe biológica davítima afirmando não ter condições de promover a competente ação penal (fl. 56do apenso) quanto sua manifestação, exercida perante a autoridade policial, nosentido de ‘(...) saber o que tinha acontecido com sua filha.’ (fl. 10 do apenso)

9. Ora, é ponto pacífico, inclusive com apoio na jurisprudência, que, noscrimes de ação penal pública condicionada, a representação prescinde de qualquerformalidade, sendo necessária apenas a vontade da vítima ou de seu representantelegal, o que pode acontecer mesmo na fase policial. Assim, não há a exigência deformalidades. Nesse sentido já se posicionou essa Colenda Corte, verbis:

‘Penal. Processual Penal: estupro. Miserabilidade da ofendida. Re-presentação. I - Miserabilidade da vítima: a pobreza pode ser demonstradapelos meios de prova em geral. Conceito de pobreza no sentido legal. II. -Representação feita pela mãe da ofendida: não se exige a observância deformalidades, importando, apenas, que se caracterize a manifestação de von-tade do ofendido, ou de seu representante legal. III - HC indeferido. (HC70184/RJ, Relator para o acórdão Ministro Carlos Velloso, in DJU de 8-10-1999, p. 39).’

Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pelo conhecimentoe denegação da presente ordem de habeas corpus.”

Denego a ordem, na linha de argumentação do Ministério Público Federal.

EXTRATO DA ATA

HC 86.122/SC — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Eder Oliveira dos Santos.Impetrante: Emanuel Antônio Quaresma. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 86.234 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Cezar Peluso

Paciente: Miriam Pinho Balbino — Impetrante: Wadyson Camel — Coator: Supe-

rior Tribunal de Justiça

Ação penal. Sentença. Condenação. Prisão. Recurso. Apelação.

Necessidade de se recolher para apelar. Inadmissibilidade. Garantia da

ordem pública e gravidade do delito. Razões que não autorizam decretação

de prisão preventiva, nem a condicionante recursal. Constrangimento

ilegal caracterizado. HC deferido. Votos vencidos. É ilegal negar ao réu o

direito de apelar em liberdade, sob fundamento de sua prisão justificar-se

como garantia da ordem pública e exigência da gravidade do delito.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma

do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,

deferir o pedido de habeas corpus; vencidos os Ministros Eros Grau, Relator, e Carlos

Britto, que o indeferiam. Relator para o acórdão o Ministro Cezar Peluso.

Brasília, 13 de setembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: A paciente foi condenada em 13 de janeiro de 2003 a 10

(dez) anos e dez meses de reclusão mais 100 (cem) dias multa no valor unitário de 5

(cinco) salários mínimos, em regime fechado, como incursa nos artigos 288 e 312, c/c os

artigos 69 e 71, todos do Código Penal (formação de quadrilha e peculato, em concurso

material e continuidade delitiva).

2. A Juíza Federal da 6ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro,

aludindo à necessidade da garantia da ordem pública, bem como à gravidade dos delitos

contra a Previdência Social, negou-lhe o direito de apelar em liberdade, determinando a

expedição de mandado de prisão.

3. O impetrante ingressou com pedido de habeas corpus no Tribunal Regional da

2ª Região, alegando, em síntese, que (i) a paciente é “primária, portadora de folha penal

sem condenação transitada em julgado, reconhecida na sentença condenatória”; (ii)

“manteve-se em liberdade durante todo o transcorrer do feito criminal, tanto na fase

policial como judicial, não tendo sido alcançada por ato flagrancial ou prisão preventiva

ou temporária”; (iii) “oferece total e cabal garantia à pretensa aplicação da lei penal,

posto que possui profissão definida (...), residindo no distrito da culpa”.

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4. Por essas razões, o impetrante sustenta ser indubitável a presença dos requisitosdo artigo 594 do Código de Processo Penal, reconhecidos, aliás, no parecer favorável doórgão do Ministério Público oficiante na Corte regional e no voto vencido do HC láimpetrado.

5. Embora a impetração no TRF da 2ª Região tenha versado tema pertinente àgarantia da aplicação da lei penal, como necessidade da prisão cautelar decorrente dasentença condenatória, a Corte regional examinou o fundamento real da constriçãoexcepcional, que foi, na verdade, o da garantia da ordem pública, visando à prevençãode eventuais delitos, além da gravidade dos crimes imputados.

6. Denegada a ordem, vieram impetrações sucessivas no STJ e nesta Corte.

7. O impetrante reproduz as razões enfrentadas nas instâncias precedentes, às quaisacresce observações doutrinárias a respeito do crime de peculato, no sentido de que suaconfiguração só seria possível se a paciente, em razão do cargo, tivesse disponibilidadejurídica sobre os valores da Previdência Social, o que seria impossível à época dos fatos,na medida em que as concessões de benefícios cabiam ao posto de concessão, não aoposto de manutenção, chefiado pela paciente.

8. Requer o deferimento do habeas corpus a fim de que, recolhido o mandado deprisão, a paciente permaneça em liberdade até o trânsito em julgado da ação penal.

9. A PGR opina no sentido da concessão.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Leio os fundamentos adotados na sentençacondenatória para negar o apelo em liberdade e determinar a prisão cautelar:

“Quanto a Miriam Pinho Balbino, muito embora tenha respondido aoprocesso em liberdade, verifico que sua participação na quadrilha ou bandoreconhecida nesta sentença remonta inclusive a período anterior àquelemencionado na denúncia, uma vez que os benefícios fraudulentos reconhecidos nopresente decisum foram implementados em 1992, portanto antes da busca eapreensão que precedeu a ação penal que tramitou na 8ª Vara Federal. A istoacrescente-se que naquela busca, em 1994, foram encontradas sete liberações depagamento, no escritório de Wadyson Camel, por ela assinadas. Com isto percebe-se que, assim como Wadyson Camel e Odair Ruiz, mesmo após a ação policial ejudicial ocorrida em 1994, persistiu seu envolvimento na quadrilha, por meio derecebimentos dos valores de benefícios por ela espuriamente implementadas. Épatente, pois, a reiteração criminosa. Como se não bastasse esta constatação, agravidade das condutas reconhecidas nesta decisum (implementação de 106benefícios fraudulentos, com prejuízo de cerca de oito milhões de reais aos cofrespúblicos), cometidas por pessoa de quem se esperava especial probidade, porquedetentora de cargo de chefia na Administração Pública, recomendam a custódiacautelar para fim de garantia da ordem pública, nos termos do art. 312 do CPP.

Em sendo assim, denego a Miriam Pinho Balbino o direito de apelar emliberdade.

Expeça-se mandado de prisão.” (Fls. 167/168)

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2. Apenas para registro, anoto que Wadyson Camel, tido por chefe da quadrilhaacusada de lesar os cofres da Previdência Social, é o impetrante deste HC.

3. A questão está circunscrita aos fundamentos da custódia cautelar decretada nasentença com base na necessidade de garantia da ordem pública, do que decorreu anegação do direito de recorrer em liberdade. Embora o impetrante tenha sustentado anão-configuração do crime de peculato, fê-lo sem correlação com o pedido, até porque asede propícia para o exame dessa matéria é a da via recursal ordinária.

4. A prisão cautelar pode ser decretada na sentença condenatória quando há baseempírica subsumível a quaisquer das hipóteses do artigo 312 do CPP. (HCs n. 84.104,Relator o Ministro Joaquim Barbosa, 84.983 e 85.569, Relator o Ministro GilmarMendes, todos da 2ª Turma). A primariedade e os bons antecedentes não impedem, porsi sós, a constrição cautelar (HCs n. 83.148, Relator o Ministro Gilmar Mendes, e84.192, Relator o Ministro Carlos Velloso).

5. No caso presente, o juiz consignou que a paciente, “mesmo após a ação policiale judicial ocorrida em 1994, persistiu seu envolvimento na quadrilha, por meio derecebimentos dos valores de benefícios por ela espuriamente implementados”. Daí por-que, abstraído o apelo à gravidade abstrata do crime, tantas vezes refutado por estaCorte, a prisão cautelar está plenamente respaldada em fato concreto consubstanciadona necessidade de resguardar a sociedade da reiteração de crime da espécie, com inegá-veis reflexos na ordem pública, servindo a tanto, como base segura, a conduta anterior dapaciente voltada a práticas delitivas mesmo após a instauração de procedimentos inqui-sitórios e de ações na justiça.

Denego a ordem.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, impressiona-me, no caso, que apaciente foi apenada, considerado o tipo e, ao que tudo indica, não de forma parcimoniosa,mas com uma pena de dez anos e dez meses de reclusão, em regime inicialmente fechado.Ela respondeu a todo o processo em liberdade. A prisão somente surgiu com o decretocondenatório. Indaga-se: essa prisão não ganha contornos de execução da pena sem otrânsito em julgado da pena imposta? Houve a expedição do mandado de prisão a partirdo próprio julgamento verificado no Juízo Federal, ou no Tribunal Regional Federal?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A sentença conclui:

“Em sendo assim, denego a Miriam Pinho Balbino o direito de apelar emliberdade.

Expeça-se mandado de prisão. (Fls. 167/168)”

O Sr. Ministro Marco Aurélio: E denegou, tendo em conta não a apenação, referin-do-se a procedimentos diversos que não...

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A procedimentos, porque ela repetia o tipo deprocedimento, e concessão de benefícios.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: E que não foram suficientes a uma preventiva antesdessa condenação.

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O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não sei por quê, mas não houve a preventiva.Ela, por processo administrativo, devia ser afastada, mas a decisão de afastamento épassiva de recurso.

De modo que, respondendo ao Ministro Cezar Peluso, esclareço que, por isso, elanão foi afastada.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Há, no acórdão do Tribunal Regional Federal, referên-cia a que a paciente ocupava; não diz que continue ocupando.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Seria uma forma de afastá-la do cargo? Enclausurá-la,para começar a responder e a cumprir a pena imposta?

Peço vênia, Senhor Presidente, ao Relator para conceder a ordem.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, resolverei a dúvida em favor da ré.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A ré está condenada a dez anos; os delitoscausam um prejuízo de oito milhões de reais.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas a culpa não está ainda selada, com trânsito emjulgado do decreto condenatório!

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Há jurisprudência da Corte no sentido de que,quando houver base empírica para que se entenda ter ocorrido a prática de qualquer dashipóteses do art. 312, na sentença condenatória pode ser decretada a prisão. Essa não énenhuma novidade. Há jurisprudência aqui, na Corte, nesse sentido.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Quando é evidenciada a necessidade, o que me pareceestar evidenciada.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não estou inovando absolutamente nada nomeu voto. A gravidade dos fatos me parece suficiente para que a ordem pública justifi-que, no meu modo de ver...

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Considero extremamente duvidoso, com o devidorespeito, que ela, condenada, pudesse continuar ocupando um cargo de chefia. Issocontraria a ordem natural das coisas. Provavelmente deve ter sido afastada.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É, ela ocupava quando do cometimento do supostodelito.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): E continua a ocupar até o momento da conde-nação.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Até o momento da condenação.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Tanto é que reincidiu.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, vou pedir vênia ao eminente MinistroRelator. Também não estou encontrando fundamento suficiente para cautelar.

Concedo a ordem de habeas corpus.

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VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Peço vênia aos Ministros Relatore Carlos Britto para acompanhar os votos dos Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso.

Li e reli a decisão de primeiro grau — a rigor a única que importa, cuidando-se defundamentação da negativa da apelação em liberdade — e me convenci de que, efetiva-mente, na linha da nossa jurisprudência, nada se alegou, no caso, para negar-lhe a apela-ção em liberdade, senão a gravidade do delito e a participação militante da servidora, dapaciente, que, no entanto, já se afastou da função de chefia há mais de dez anos.

Como disse, estou à espera de que termine, no Plenário, o julgamento mais abran-gente sobre a legitimidade dessa execução provisória da pena para enfrentar outro pro-blema: a constitucionalidade ou não do condicionamento do recurso ao recolhimentodo réu à prisão.

No caso, os dois aspectos se confundem e não vi mais do que o apelo à gravidadedo fato, ao clamor público. Nada de fundamento cautelar. Invoca-se, é claro, essa expres-são mítica “a garantia da ordem pública”, mas não se diz em que a paciente, já afastadada função pública há tanto tempo, poderia ameaçá-la.

Por isso, creio ser fiel à nossa jurisprudência e defiro a ordem.

EXTRATO DA ATA

HC 86.234/RJ — Relator: Ministro Eros Grau. Relator para o acórdão: MinistroCezar Peluso. Paciente: Miriam Pinho Balbino. Impetrante: Wadyson Camel. Coator:Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por maioria de votos, deferiu o pedido de habeas corpus; ven-cidos os Ministros Eros Grau, Relator; e Carlos Britto, que o indeferiam. Relator para oacórdão o Ministro Cezar Peluso.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral daRepública, Dra. Delza Curvello Rocha.

Brasília, 13 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 86.529 — PE

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence

Paciente: Eudes Teixeira de Carvalho Júnior — Impetrantes: Bóris Trindade eoutros — Coator: Superior Tribunal de Justiça

I - Habeas corpus e pronúncia: sedimentada a jurisprudência doSupremo em que, se a pronúncia, para conservar preso o réu, silenciatotalmente a respeito ou se remete aos fundamentos do decreto de prisão

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cautelar anterior, a eventual inidoneidade deles contamina de nulidade aprisão processual e, por isso, não prejudica o habeas corpus pendente quea impugna.

II - Prisão preventiva: excesso de prazo superado com o encerramentoda instrução criminal e superveniência da pronúncia, esta ocorrida hápouco mais de um mês, intervalo que não sobrepuja os temperamentosadmissíveis à luz do juízo de razoabilidade, ao qual o Tribunal tende asubmeter a legitimidade da extensão temporal da prisão subseqüente àpronúncia, malgrado a lei não lhe predetermine limites rígidos de duração.

III - Prisão preventiva: fundamentação cautelar: garantia da ordempública: idoneidade.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,indeferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 18 de outubro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Trata-se de habeas corpus — substitutivo derecurso ordinário —, no qual se alega ausência de fundamento cautelar no decreto deprisão preventiva, bem como excesso de prazo dela, pois efetivada no dia 28-10-04.

Este o teor do decreto da prisão cautelar:

“Consta dos autos indícios de que o Sr. Eudes Teixeira de Carvalho Júniorteria contratado os outros acusados para matarem a pessoa de Sérgio Miranda.

Ocorre que, por um erro quanto à pessoa, foi assassinada a pessoa deFrancisco Batista de Souza.

Encontram-se nos autos fortes indícios de autoria e materialidade, colhidostanto das gravações telefônicas, quanto dos depoimentos e interrogatórios proce-didos pela autoridade policial.

Encontram-se nos autos também indícios de que os acusados frustrados como erro praticado, pretendiam concluir o plano de assassinar Sérgio Miranda, sendoque agora, segundo o apurado no inquérito, pretendiam incluir uma outra pessoaconforme se pode apreender das conversações gravadas.

A forma do planejamento e a insistência em executar o desejo de morte dasvítimas, manifestam uma periculosidade preocupante.

Observa-se de igual forma nos diálogos entre o acusado Sérgio e a acusadaAndréia um plano de eliminar o acusado Ronaldo Lins de Andrade, bem como acerteza de que o acusado Eudes teria que o acusado Ronaldo já se encontravamorto.

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A eliminação do acusado manifesta uma necessidade de destruir as provas docrime perpetrado, revelando um dos pressupostos da prisão preventiva que é o daconveniência da instrução criminal.

Por outro lado, o crime perpetrado gerou um clamor público não apenas emrazão do error in persona que vitimou pessoa inocente, mas também em face dapropagação da notícia de que os acusados pretendiam matar outras duas vítimas.

O clamor público deságua na questão da ordem pública pois o deferimentoda liberdade provisória dos acusados cria a noção de insegurança e de desconfian-ça nas instituições públicas, principalmente quanto ao Poder Judiciário.

Considerando a existência dos pressupostos contidos no art. 312 do CPP,decreto a prisão preventiva de Eudes Teixeira de Carvalho Júnior, Sérgio Paulo daSilva Carmo, Andréia Henrique de Oliveira Melo e Ronaldo Lins de Andrade emsubstituição à prisão temporária.”

Indeferida a liminar, sobreveio o parecer do Ministério Público Federal, da lavrada Il. Subprocuradora-Geral Delza Rocha, que opinou pela denegação da ordem (fls.211/216).

Ressaltou-se que, no caso, não há falar “em excesso de prazo, principalmentequando já encerrada a fase da instrução criminal, posto que a complexidade do feito,que envolve 5 (cinco) réus, justifica a dilação”.

E, após mencionar que a prova técnica produzida nos autos é complexa, pois adegravação das escutas telefônicas “geraram mais de 500 folhas”, assim opinou quantoà fundamentação do decreto da prisão cautelar:

“(...)

No que tange à tese dos impetrantes quanto a desfundamentação do decretoprisional, (...) convém transcrever trecho do parecer da lavra do eminente colegaDr. Edinaldo de Holanda que bem elucidou a questão:

‘(...)

Quanto à alegação de ausência de fundamentação do decreto de prisãopreventiva, frisamos que estão presentes os requisitos do art. 312 do Códigode Processo Penal, pois considerando que a vítima foi executada por erro eque, consoante as informações trazidas aos autos, ‘ouve-se, na gravaçãojudicialmente autorizada, que havia plano de assassinar a vítima pretendidainicialmente, bem assim de também ceifar a vida do denunciado RonaldoLins de Andrade’ (fl. 154), a manutenção da prisão preventiva do paciente émedida que se impõe para salvaguardar a ordem pública e a conveniência dainstrução criminal’ (fls. 188/189). (...).”

Enquanto os autos estavam na PGR, o impetrante informou que, em 5 de setembrode 2005, sobreveio a sentença de pronúncia, que se limitou a dizer que “os pronuncia-dos devem permanecer presos” (fl. 243).

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):

I

Sedimentou-se nossa jurisprudência em que, se a pronúncia, para conservar preso

o réu, silencia totalmente a respeito ou se remete aos fundamentos do decreto de prisão

cautelar anterior, a eventual inidoneidade deles contamina de nulidade a prisão proces-

sual e, por isso, não prejudica o habeas corpus pendente que o impugna (v.g., HHCC

79.200, 1ª T., 22-6-99, Pertence, RTJ 172/184; 82.797, 1ª T., 1º-4-03, Pertence, 2-5-03;

85.583, 1ª T., 9-8-05, Pertence, p.p.; 84.474, 1ª T., 10-10-04, Pertence, DJ de 12-11-04;

RHC 83.465, 1ª T., 25-11-03, Britto, DJ de 19-12-03).

Conheço do habeas corpus.

II

Temos entendido, contudo, que, encerrada a instrução e principalmente com a

superveniência da pronúncia, encontra-se superada a questão relativa ao excesso de

prazo da prisão.

Certo, nunca assumi compromisso com a ausência de excesso de prazo, após a

pronúncia.

Ocorre que, no caso, o paciente foi pronunciado há pouco mais de 1 mês, intervalo

prazo que não sobrepuja os temperamentos admissíveis à luz do juízo de razoabilidade,

ao qual a Turma tende a submeter a legitimidade da extensão temporal da prisão subse-

qüente à pronúncia, malgrado a lei não lhe predetermine limites rígidos de duração.

III

Resta, pois, a questão relativa à ausência de fundamentação cautelar idônea no

decreto da prisão.

Malgrado deva ser desprezada, desde logo, a invocação do chamado clamor

público (v.g., HHCC 71.289, 9-8-94, Galvão; 78.425, Néri, 19-11-99; 79.781, Pertence,

18-4-99, Informativo STF 188) ou da credibilidade das instituições públicas (v.g., HC

67.382, Borja, 7-4-89, RTJ 130/199), estou convencido de que há fundamentação válida

no decreto, no ponto em que se ampara no modo de preparação e comissão do delito,

apto a revelar “uma periculosidade preocupante”, sobretudo porque a consumação de

outros delitos não teria ocorrido pela oportuna atuação policial.

Lê-se o seguinte trecho da denúncia, recebida no mesmo ato em que decretada a

prisão preventiva (fl. 221):

“Noticiam também as peças de informação enviadas pela autoridade policial,

que não obstante já ter mandado assassinar uma pessoa, mas querendo a todo custo

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eliminar seu ex-sócio Sérgio Miranda, a quem acusava de estar lhe devendo aquantia de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais), levado por sentimento devingança, mais uma vez contratou o denunciado Eudes Teixeira de CarvalhoJúnior [ora paciente], o detento e acusado Sérgio Paulo do Carmo ‘SérgioSpong’, para que este, mais uma vez providenciasse e colocasse em prática o planopara executar a pessoa de Sérgio Miranda, e ao que tudo indica, também o irmãodeste, o Sr. Luciano Miranda, irmão e gerente de Sérgio, o que somente não seconcretizou, porque descoberta toda a trama pela polícia, foram os denunciadosEudes Teixeira de Carvalho Júnior e Andréia presos antes que mais mortesacontecessem.”

É neste contexto que o decreto da prisão preventiva, em que pese sem enquadrar osfatos com precisão nas hipóteses do art. 312 do Código de Processo Penal, demonstra suaconveniência em garantia da ordem pública.

Indefiro o pedido: é o meu voto.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, quanto ao excesso de prazo, continuoacreditando que está ele versado sob o ângulo da necessidade de o julgamento ocorrercomo previsto, inclusive em tratado subscrito pelo Brasil: em tempo razoável, devendoo Estado, para tanto, aparelhar-se, devendo o Estado-juiz até mesmo indeferir diligênciasque surjam protelatórias, o que não é o caso.

Então, não posso vislumbrar, na simples submissão do acusado ao Tribunal doJúri, na decisão de pronúncia, um elemento que afaste do cenário jurídico o instituto doexcesso de prazo. Vossa Excelência mesmo revela não se comprometer com o entendi-mento.

Temos uma preventiva que completará — creio no próximo mês de novembro — aunidade de tempo “ano”. E, muito embora já pronunciado o paciente, não há ainda datadesignada para a realização do Júri.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Quanto a isso, não sei. Sótenho notícias da pronúncia trazida pelo impetrante.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não sei se o Júri já está marcado, não há notícia deque a data já está designada. De qualquer forma, o Júri ainda não ocorreu. Não hácondenação, não há pronunciamento condenatório contra o paciente, daí levar em contao critério objetivo, ou seja, a simples passagem do tempo para concluir pela configuração,ou não, do excesso de prazo.

Surge a outra matéria: a ligada ao alicerce da prisão preventiva que tenho comoalgo excepcional, já que é princípio básico da Constituição, e é princípio que nos vematé mesmo do direito natural, a liberdade em si, enquanto não formada a culpa.

Aludiu-se ao clamor público — Vossa Excelência despreza esse argumento —; ànecessidade de se preservar a credibilidade do Judiciário — também temos precedentesobre a neutralidade desse elemento — e à viabilização da instrução penal, mas sem se

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revelar um fato concreto que pudesse significar o prejuízo da instrução penal, estandosolto o paciente. Eis a base para os votos já proferidos: a periculosidade do paciente.Pelo que percebi, trata-se, se tanto — não posso adiantar juízo a respeito, isso incumbirá,em termos de julgamento, ao Tribunal do Júri —, de um criminoso episódico.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Episódico e, por enquanto,mal-sucedido.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: E aí se considera o que teria sido a preparação docrime, o iter criminis, para chegar-se à conclusão sobre a periculosidade. Sob tal ângulo,se confirmado o que se contém na denúncia, na pronúncia, dar-se-á a apenação.

Não podemos confundir periculosidade, tendo em conta atos futuros, com a peri-culosidade que estaria retratada no próprio procedimento imputado ao paciente.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Ministro, não cometeria,também, tão rombuda impropriedade, mas o caso é singular. O caso é de um erro quantoà pessoa e de indícios — que não tenho elementos para reavaliar neste habeas corpus —de que o paciente, malsucedido na sua trama para eliminar o ex-sócio, continuava apreparar a correção do erro.

Então, não é um caso vulgar de tomar-se a própria circunstância do fato parajustificar a prisão preventiva.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Voltamos ao intuito que, talvez, não tenha alcançadoo destinatário da trama, mas voltamos ao que apontei como preparação, em si, do crime,que teria — não afirmo que o foi da parte do paciente, vamos esperar o julgamento peloTribunal do Júri — sido preparado.

Quando se alude, a meu ver, no Código de Processo Penal, à periculosidade,sinaliza-se para os atos futuros, e não no tocante ao ato que está a consubstanciar, noprocesso a que já responde o paciente, o próprio crime, senão teremos, em termos depreventiva, a antecipação do cumprimento de pena que ainda não foi formalizada.

Não vejo, Presidente, por pior que seja o quadro revelado nos telefonemas, nasgravações, nesse caminhar para a prática do crime, base por si mesma para ter-se a pre-ventiva, que — reafirmo — reputo excepcional, considerado o princípio da não-culpa-bilidade, retratado na Carta da República, e o princípio da presunção da inocência queconsta de três tratados, três convenções subscritas pelo Brasil.

Por isso, peço vênia a Vossa Excelência para conceder a ordem.

EXTRATO DA ATA

HC 86.529/PE — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Eudes Teixeirade Carvalho Júnior. Impetrante: Bóris Trindade e outros. Coator: Superior Tribunal deJustiça.

Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus;vencido o Ministro Marco Aurélio, que o deferia. Ausente, justificadamente, o MinistroCezar Peluso. Falou pelo paciente o Dr. Boris Trindade.

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Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Carlos Britto e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro CezarPeluso. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho.

Brasília, 18 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 86.620 — PE

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Paciente: Gilmar Tenório Rocha — Impetrantes: Tárek Moysés Moussalem eoutros — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Prisão preventiva. Excepcionalidade. Exigência de base concreta —A prisão preventiva, como exceção à regra da liberdade, é providênciaexcepcionalíssima e, por isso mesmo, só deve ser decretada nas hipótesesarroladas no artigo 312 do Código de Processo Penal, conjugadas comsituações reais concretamente demonstradas, a justificarem a necessi-dade da medida extrema de segregação da liberdade ante tempus.

Magnitude da lesão. Autos de infração passíveis de impugnação — “Amagnitude da lesão é elemento do tipo penal, sendo neutra para efeito desegregação preventiva.” (Precedente). É incabível a remissão a autos deinfração estranhos à ação penal; no caso, ainda passíveis de impugnação.

Assertiva de reiteração criminal com fundamento em ações penaisnão transitadas em julgado — A jurisprudência do Supremo TribunalFederal firmou-se no sentido de que “não podem repercutir contra o réusituações jurídico-processuais ainda não definidas por decisão irrecorrí-vel do Poder Judiciário, especialmente naquelas hipóteses de inexistênciade título penal condenatório definitivamente constituído”.

Ameaça à livre concorrência. Artifício retórico — A alusão à ameaçaà livre concorrência não passa de artifício retórico, uma vez que o magis-trado não disse no que ela consistiria. É relevante notar que todos osativos e bens do paciente foram bloqueados e tornados indisponíveis, oque torna insubsistente a afirmação judicial.

Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,deferir o pedido de habeas corpus nos termos do voto do Relator.

Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Eros Grau, Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordi-

nário, com pedido de liminar, impetrado contra ato do Superior Tribunal de Justiça.

2. Os impetrantes atacam o decreto da prisão preventiva do paciente, cujos funda-

mentos consubstanciados na necessidade de garantia da ordem pública e da ordem

econômica foram encampados pelo TJ/PE e pelo STJ. Para melhor compreensão dos

argumentos da impetração, transcrevo o inteiro teor da decisão:

“Nos autos da ação penal n. 001.2004.037022-5, o Ministério Público Esta-

dual, através de seus representantes com atuação no Núcleo Integrado de Repres-

são à Criminalidade Organizada – NIRCO, apresentou a petição de fls. 653/659,

devidamente instruída com os documentos de fls. 660/759 na qual pedem seja

decretada a prisão preventiva do acusado Gilmar Tenório Rocha.

Afirma o Ministério Público que o acusado Gilmar Tenório Rocha responde

à presente ação penal por crime de sonegação fiscal em continuidade delitiva e

formação de quadrilha — art. 1º, incisos I, II e V da Lei n. 8.137/90 c/c 71 e art. 288

do Código Penal (Processo Crime n. 001.2004.037022-5) porque associado a mais

três pessoas, em caráter estável, preordenado e permanente, no exercício da admi-

nistração da empresa Jiquiá Distribuições Ltda., fraudou o Fisco Estadual, omitin-

do operações mercantis nos livros e documentos fiscais obrigatórios, tendo sido

possível esclarecer que na verdade aquela empresa autuada conformava uma su-

cessão de sociedades empresariais (Indel, DSM, Jiquiá e SMI) a serviço de uma

esquema criminoso voltado a ludibriar a fiscalização tributária e enriquecer ilicita-

mente seus mentores.

Sustentam os Promotores de Justiça que Gilmar Tenório Rocha responde

atualmente a mais de meia dezena de ações penais: 1) denunciação caluniosa —

Vara dos Crimes Contra a Administração Pública e a Ordem Tributária da Capital;

2) estelionato — 3ª Vara Criminal da Capital; 3) formação de quadrilha e crime

tributário — Vara dos Crimes Contra a Administração pública e a Ordem Tributá-

ria; 4) crime tributário — 21ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo; 5) crime

tributário, uso de documento falso e formação de quadrilha — 2ª Vara Criminal da

Comarca do Cabo de Santo Agostinho; 6) extorsão e estelionato — 9ª Vara Crimi-

nal da Capital, o que revela se tratar o acusado de pessoa inadaptada ao convívio

social, o que, inclusive, recentemente forçou os Juízos da 2ª Vara Criminal da

Comarca do Cabo de Santo Agostinho e da 3ª Vara Criminal da Capital a decretar-lhe

a prisão preventiva.

Acrescentam os representantes do Ministério Público que a peça acusatória a

que responde Gilmar Tenório Rocha nesta Vara por sonegação fiscal e formação de

quadrilha (Processo Crime n. 001.2004.037022-5) noticia que somente no seg-

mento de supermercado a sucessão de empresas denunciada já totaliza um débito

de ICM superior a R$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de reais).

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Ressaltam ainda os Promotores de Justiça que, a despeito de tudo isso, aquadrilha continua atuando, pois, recentemente, isto é, em 20 de janeiro de 2005 aFazenda Estadual lavrou contra a SMI – São Miguel Industrial Ltda., empresaadministrada por Gilmar Tenório Rocha, nada menos que 04 (quatro) autos deinfrações (AI n. 005.0348/04-4, 005.03218/04-9, 005.00214/05-0 e 005.00216/05-3), sendo os dois primeiros por embaraço à ação fiscal, enquanto que os doisúltimos em face da utilização de créditos fiscais inexistentes, totalizando mais deR$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais) de tributo sonegado.

Por todas essas razões propugnaram os representantes do Ministério Públicopela decretação da prisão preventiva de Gilmar Tenório Rocha.

Tenho como procedente o pleito Ministerial.

Segundo informam os autos, o acusado Gilmar Tenório Rocha lidera umengenhoso esquema de sonegação fiscal no segmento de supermercado e ferro e açodirecionado a ludibriar a Fazenda Estadual não só de Pernambuco como também doEstado de São Paulo.

Trata-se de sonegação fiscal de valores bastante expressivos, sem falar que omodus operandi do grupo (utilização de laranjas, testa de ferro, constituição desucessivas sociedades empresariais para atuação no mesmo ramo de atividade —Indel, DSM, Jiquiá e SMI) está fortemente voltado para dificultar a fiscalizaçãotributária.

Apesar de responder atualmente a nada menos que 06 (seis) ações penais,sendo 05 (cinco) no Estado de Pernambuco e 01 (uma) no Estado de São Paulo, oacusado parece não se deixar intimidar com tudo isso, continuando a desafiar aação da justiça, pois segundo informam os autos, uma das empresas administradaspelo acusado, no caso a SMI – São Miguel Industrial Ltda., sofreu, recentemente,nada menos que (04) quatro autos de infrações (AI n. 005.0348/04-4, 005.03218/04-9, 005.00214/05-0 e 005.00216/05-3), sendo os dois primeiros por embaraço àação fiscal, enquanto que os dois últimos em razão da utilização de créditos fiscaisinexistentes, totalizando mais de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais) detributo sonegado.

É forçoso convir que tais fatos estão a exigir uma resposta imediata comomeio de pôr fim a atividade criminosa atribuída ao acusado, sem falar que a persis-tência das fraudes denunciadas representa uma ameaça à livre concorrência.

Em sendo assim e acolhendo o requerimento formulado pelo MinistérioPúblico, com fundamento no artigo 311 e seguintes do Código de Processo Penal,decreto a prisão preventiva de Gilmar Tenório Rocha, anteriormente qualificado,como garantia da ordem pública e da ordem econômica, determinando que contrao mesmo seja expedido mandado de prisão.” (Fls. 59/61 do apenso I).

3. A inicial de cinqüenta laudas, suplementada por outra petição de trinta páginas,trazida pelo advogado substabelecido nos autos — o que exige do julgador redobradaatenção, na medida em que o bom direito não reclama excesso de palavras e de argumen-tos — a inicial —, dizia —, veicula, em síntese, as seguintes razões:

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i) a prisão preventiva não está fundamentada em base empírica que demonstre suanecessidade; serve apenas de ilegítimo instrumento de coerção para arrecadação detributos, prática veementemente repugnada por esta Corte (citam precedentes);

ii) de igual modo, o Supremo Tribunal Federal repele a invocação da gravidade dofato, da magnitude da lesão ao bem juridicamente protegido, do clamor social e darepercussão do fato na comunidade como fundamentos para a prisão cautelar (citamprecedentes);

iii) ausência de definição quanto aos procedimentos fiscais dos quais se vale o Juizpara presumir que o paciente continuará sonegando, bem como ações penais em cursoem que o paciente demonstrará inconsistência das acusações;

iv) os valores supostamente sonegados, a título de ICMS e relativamente à açãopenal na qual decretada a prisão preventiva, correspondem, na verdade, às quantias deR$ 38.278,23 e R$ 234.407,33, que, corrigidas, totalizam R$ 1.095.647,59, e não aosvultosos montantes referidos na decisão, que, ademais, não são objetos de lançamentodefinitivo, estando sujeitos à impugnação; logo, falta condição objetiva de punibilidade,na linha do que tem decidido o Supremo Tribunal Federal;

v) a liberdade provisória não põe em risco a ordem pública e muito menos a ordemeconômica, dada a circunstância de que “na esfera cível, em razão de procedimentos denatureza fiscal instaurados contra o paciente e suas empresas, foram decretados o blo-queio de todos os seus ativos e tornados indisponíveis todos os seus bens — medidasdrásticas que inviabilizam de todo a atividade empresarial do paciente e o funcionamentode suas empresas, privando-o até dos meios de subsistência” (fl. 182);

4. Requerem a concessão da ordem a fim de que seja cassado o decreto de prisãopreventiva.

5. A liminar foi indeferida.

6. A PGR opina pela denegação.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A prisão preventiva, como exceção à regra daliberdade, é providência excepcionalíssima e, por isso mesmo, só deve ser decretada nashipóteses arroladas no artigo 312 do CPP, conjugadas com situações reais concretamentedemonstradas, a justificarem a necessidade da medida extrema de segregação da liberdadeante tempus.

2. Rememoro a parte conclusiva do decreto questionado:

“Trata-se de sonegação fiscal de valores bastante expressivos, sem falar queo modus operandi do grupo (utilização de laranjas, testa de ferro, constituição desucessivas sociedades empresariais para atuação no mesmo ramo de atividade —Indel, DSM, Jiquiá e SMI) está fortemente voltado para dificultar a fiscalizaçãotributária.

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Apesar de responder atualmente a nada menos que 06 (seis) ações penais,

sendo 05 (cinco) no Estado de Pernambuco e 01 (uma) no Estado de São Paulo, o

acusado parece não se deixar intimidar com tudo isso, continuando a desafiar a

ação da justiça, pois segundo informam os autos, uma das empresas administradas

pelo acusado, no caso a SMI – São Miguel Industrial Ltda., sofreu recentemente

nada menos que (04) quatro autos de infrações (...), sendo os dois primeiros por

embaraço à ação fiscal, enquanto que os dois últimos em razão da utilização de

créditos fiscais inexistentes, totalizando mais de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões

de reais) de tributo sonegado.

É forçoso convir que tais fatos estão a exigir do Judiciário uma resposta

imediata como meio de pôr fim a atividade criminosa atribuída ao acusado, sem

falar que a persistência das fraudes denunciadas representa uma ameaça à livre

concorrência.”

3. Resumindo, a necessidade da prisão cautelar para garantia da ordem pública e

econômica estaria em que: (i) os valores sonegados são expressivos; (ii) há persistência

na sonegação de tributos; (iii) a livre concorrência está ameaçada; e (iv) o paciente

responde a outras ações penais.

4. Observo que os valores atinentes à ação penal em que decretada a cautelar

correspondem a R$ 38.278,23 e a R$ 234.407,33, corrigidos para R$ 1.095.647,59. O

juiz, para chegar ao valor de R$ 4.000.000,00 e vislumbrar magnitude da lesão, tomou

de empréstimo o que apurado nos quatro autos de infração, ainda em curso, passíveis de

impugnação. Do mesmo modo, para demonstrar que o paciente é dado à reiteração

criminosa, relacionou seis ações penais, sem que nenhuma delas tenha transitado em

julgado. A propósito, a jurisprudência desta Corte é no sentido de que “[n]ão podem

repercutir contra o réu situações jurídico-processuais ainda não definidas por decisão

irrecorrível do Poder Judiciário, especialmente naquelas hipóteses de inexistência de

título penal condenatório definitivamente constituído” (HC 68.641, Celso de Mello, DJ

de 5-6-92).

5. Sobre a impropriedade da invocação de magnitude da lesão, calha o precedente

firmado no HC 82.909, Marco Aurélio, DJ de 17-10-2003, no sentido de que “[a] mag-

nitude da lesão é elemento do tipo penal, sendo neutra para efeito de segregação preven-

tiva”.

6. A “ameaça à livre concorrência” atua aqui como mero artifício retórico, uma vez

que o Magistrado não disse no que ela consistiria. Os fundamentos da prisão preventiva

devem ser objetivos, evidenciando a necessidade da medida, notadamente quando ex-

cepciona a regra da presunção constitucional de inocência, da qual decorre a impossibi-

lidade do encarceramento prematuro; o juiz há de expor, de forma nítida e compreensí-

vel, os fundamentos pelos quais entende necessária a decretação da prisão excepcional.

7. É relevante notar que todos os ativos e bens do paciente foram bloqueados e

tornados indisponíveis, conforme se vê às fls. 401 e seguintes do apenso II, cujo trecho

transcrevo para registro:

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“Processo n. 001.2005.004610-2 — decisão proferida em 28 de fevereiro de2005.

Para fins de cumprimento da presente medida, determino a expedição deofícios ao Banco Central, Banco Itaú S/A, ag. 1.247 Parque Amorim; Bco ItaúPersonalité, agências 3873 e 3433; Comissão de Valores Mobiliários; RegistrosPúblicos da Comarca de Recife, de ipojuca; Gravatá e São Paulo; ao Departamentode Aviação Civil, a Companhia dos Portos, as Administradoras de Cartões deCrédito Redecard S/A (às quais integram a Redeshop, Dinners Club e Mastercard),hipercard, Visa do Brasil (Cartões Visa e Visa Electron) à Junta Comercial dosEstados de PE e SP (para indisponibilizar as transferências das cotas sociais emnome das pessoas físicas requeridas, da GC Tenório Empreendimento ImobiliárioLtda. e da Comafal Importadora e Exportadora Ltda.”

“Processo n. 210.2005/000867-2 — decisão proferida em 8 de abril de 2005.

Para fins de cumprimento dessa decisão liminar, oficie-se os Cartórios deRegistro Público de Imóveis desta Comarca de Recife, o Banco Central do Brasil,a Comissão de Valores Mobiliários, o Detran de Pernambuco (para fins de tornarindisponíveis os automóveis indicados no documento n. 37 apenso aos autos, bemcomo outros automóveis de propriedade dos requeridos), à Companhia dos Portos,às Administradoras de Cartão de Crédito Redecard S/A, Hipercard S/A, Vis doBrasil e ao Departamento de Aviação Civil, para comunicar a esses órgãos e estabe-lecimentos a indisponibilidade dos bens e direitos deles decorrentes, dos requeri-dos, determinando: A) o imediato bloqueio de quaisquer bens, valores, créditos edireitos decorrentes desses bens dos requeridos; B) imediata comunicação a esteJuízo da relação dos bens e direitos deles decorrentes indisponibilizados; e C) odepósito à Conta deste Juízo dos valores monetários indisponibilizados.”

8. A prisão preventiva foi decretada no dia 11 de fevereiro de 2005 e os bloqueiose a indisponibilidade de seus bens ocorreram em 28 de fevereiro e 8 de abril de 2005.

9. O artigo 316 do Código de Processo Penal dispõe que “[o] juiz poderá revogar aprisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista,bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem”. A prisão pre-ventiva, ainda que se a admita ancorada em fundamentos idôneos, o que no caso não meparece ocorrer, deixou de ser necessária com o bloqueio e indisponibilidade dos bens dopaciente. Os créditos da Fazenda estadual estão resguardados. Ademais, as empresas dopaciente estão sob cerrada fiscalização, como se vê dos autos de infração em curso, o queconstitui fator inibitório à prática de sonegação e, por conseqüência, afasta a necessidadede garantia da ordem pública e econômica.

10. Evidente que na presença de elementos supervenientes, justificadores da cons-trição cautelar, nada impede que o Juiz venha a decretá-la novamente.

Defiro o habeas corpus para revogar a prisão preventiva do paciente, decretadanos autos do Processo n. 001.2004.037022-5, da Vara dos Crimes Contra a Administra-ção Pública e a Ordem Tributária da Comarca da Capital de Pernambuco.

EXTRATO DA ATA

HC 86.620/PE — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Gilmar Tenório Rocha.Impetrante: Tárek Moysés Moussalem e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

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Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto doRelator. Unânime. Falou pelo paciente o Dr. Antonio Nabor Areias Bulhões.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Rodrigo Janot Monteiro de Barros.

Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 86.684 — SP

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Paciente: Marcos Muniz Fidelis — Impetrante: Cícero José da Silva — Coator:Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Homicídio qualificado. Prisão cautelar decretada nasentença de pronúncia. Ausência de fundamentação. Desnecessidade daprisão cautelar reconhecida na decisão que recebeu a denúncia. Constran-gimento ilegal.

Configura constrangimento ilegal a prisão cautelar decretada napronúncia, ao singelo fundamento de que o paciente possui maus antece-dentes, quando ele permaneceu solto durante toda a instrução criminal,por decisão da própria Juíza, que, ao receber a denúncia, reconheceuausentes os pressupostos legais e fáticos para a decretação da medidaexcepcional de constrição da liberdade antes do trânsito em julgado desentença condenatória.

Ordem deferida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,deferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O paciente foi condenado a 12 anos de reclusão pelaprática do crime descrito no artigo 121, § 2º, incisos III e IV, do Código Penal.

2. O impetrante ajuizou habeas corpus no TJ/SP, impugnando a prisão preventivadecretada na sentença de pronúncia. Alegou que o paciente ficou solto durante toda ainstrução criminal, por ser desnecessária a custódia cautelar, conforme reconhecera a

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própria Juíza ao receber a denúncia: “(...) Em que pese ser o mesmo reincidente, porora, deixo de decretar sua prisão preventiva, entendendo que ausentes os pressupos-tos legais para tanto”.

3. A prisão cautelar foi decretada na sentença de pronúncia, em que pese a Juíza terreconhecido antes a ausência dos requisitos legais.

4. A prisão foi impugnada na Corte estadual, que julgou o HC prejudicado peloadvento da sentença condenatória, observando, ademais, que o paciente ficou presodurante toda a instrução criminal e não haveria razão para ser posto em liberdade.

5. Daí a impetração de habeas corpus no STJ, sustentando o direito de apelar emliberdade, porque a sentença condenatória se reportou às razões inidôneas da prisãocautelar decretada na sentença de pronúncia.

6. Nesse ínterim, o Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento, em 20-12-04,ao recurso de apelação da defesa e anulou o julgamento, por incompatibilidade entre asrespostas dadas aos quesitos números um e três, sem, contudo, cassar a prisão cautelar.

7. Ante o fato novo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela prejudicialidade dohabeas corpus, produzindo o ato ora impugnado, que, segundo o impetrante, é causa doconstrangimento ilegal a que submetido o paciente, que permanece preso ilegalmente.

8. Nesta impetração, com pedido de liminar, são reproduzidas as razões levadas aexame da Corte estadual e do Superior Tribunal de Justiça.

9. A liminar foi indeferida (fl. 23).

A PGR é pela denegação.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O ato impugnado tem a seguinte ementa:

“Habeas corpus. Homicídio qualificado. Sentença condenatória. Determi-nação de recolhimento ao cárcere para apelar por ser o réu possuidor de mausantecedentes. Direito de apelar em liberdade. Fundamentos superados. Super-

veniência de acórdão anulando o julgamento do Tribunal do Júri.

Resta sem objeto a presente impetração, uma uma vez que, diante da anulação,de ofício, do julgamento do Tribunal do Júri pela Corte a quo, determinando queo Paciente seja submetido a novo julgamento, os apelos interpostos restaram pre-judicados, não havendo mais como prosperar o inconformismo pela negativa deapelar em liberdade.

Writ prejudicado.”

2. O direito de apelar em liberdade foi negado por remissão aos fundamentosadotados na sentença de pronúncia para decretar a prisão cautelar.

3. O habeas corpus não está prejudicado, como entendeu o Superior Tribunal de

Justiça.

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4. O TJ/SP, ao dar provimento ao recurso de apelação em 20-12-04, anulando asentença condenatória a fim de que o paciente fosse submetido a outro julgamento, nãodeterminou fosse ele posto em liberdade, persistindo os fundamentos da decisão depronúncia, cuja validade deveria, sim, ser examinada pelo Superior Tribunal de Justiça.

5. O Relator do habeas corpus julgado pela Corte paulista em 30-8-04, portantoantes da apelação, lançou premissa inverídica, ao afirmar que “[o] paciente, além de tersido condenado pela prática de crime hediondo, respondeu ao processo preso e, assim,não se pode falar em constrangimento ilegal pelo fato de lhe ter sido negado o direito deaguardar em liberdade o julgamento do recurso que interpôs contra a decisão do Tribunaldo Júri”. Ora, o dispositivo da sentença de pronúncia, que é o verdadeiro ato causador doconstrangimento ilegal, contradiz a assertiva do Tribunal:

“O acusado não poderá aguardar o julgamento em liberdade mesmo tendopermanecido solto durante a instrução criminal tendo em vista os antecedentescriminais que ostenta, o que denota a necessidade da decretação da custódia parafins de garantir a aplicação da lei e a ordem pública, denotando a necessidade damedida.” [Grifei]

6. A decisão que decretou a custódia cautelar, além de contrariar a afirmação doRelator do HC impetrado no TJ/SP, enseja a conclusão de que não há qualquer funda-mento a justificar a medida. A propósito, o Subprocurador-Geral da República AntônioCarlos Pessoa Lins, ao dar parecer no STJ, opinou favoravelmente à concessão da ordemporque “o paciente permaneceu em liberdade durante toda a primeira fase do processo enão há informação de que tenha agido contrariamente à ordem pública, tumultuando ainstrução criminal ou tentado se evadir do distrito da culpa”.

7. O meu Gabinete entrou em contato com a 3ª Vara do Júri — Foro Regional II —Santo Amaro, indagando a respeito da situação atual do processo. Obteve resposta deque aquele Juízo ainda não tinha sido comunicado do acórdão da apelação que anuloua sentença, ou seja, sequer há data definida para o novo julgamento, estando o pacientepreso, por decisão inconsistente, desde fevereiro de 2003.

Defiro a ordem para que o paciente seja colocado imediatamente em liberdade, senão estiver preso por outro motivo.

EXTRATO DA ATA

HC 86.684/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Marcos Muniz Fidelis.Impetrante: Cícero José da Silva. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto doRelator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 86.879 — SP

Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa

Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Gilmar Mendes

Paciente: Renato Bento Maudonnet Júnior ou Renato Bento Maudonnat Júnior —Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outros — Coator: Superior Tribunal de Justiça

1. Habeas Corpus. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional(Lei n. 7.492, de 1986). Crime societário. 2. Alegada inépcia da denún-cia, por ausência de indicação da conduta individualizada dos acusados.3. Mudança de orientação jurisprudencial, que, no caso de crimes socie-tários, entendia ser apta a denúncia que não individualizasse as condutasde cada indiciado, bastando a indicação de que os acusados fossem dealgum modo responsáveis pela condução da sociedade comercial sob aqual foram supostamente praticados os delitos. Precedentes: HC n.86.294/SP, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria, DJ de 3-2-06; HCn. 85.579/MA, 2ª Turma, unânime, de minha relatoria, DJ de 24-5-05; HCn. 80.812/PA, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria para o acórdão,DJ de 5-3-04; HC n. 73.903/CE, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. FranciscoRezek, DJ de 25-4-97; e HC n. 74.791/RJ, 1ª Turma, unânime, Rel. Min.Ilmar Galvão, DJ de 9-5-97. 4. Necessidade de individualização das res-pectivas condutas dos indiciados. 5. Observância dos princípios do devidoprocesso legal (CF, art. 5º, LIV), da ampla defesa, do contraditório (CF,art. 5º, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Preceden-tes: HC n. 73.590/SP, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de13-12-96; e HC n. 70.763/DF, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Me-llo, DJ de 23-9-94. 6. No caso concreto, a denúncia é inepta porque nãopormenorizou, de modo adequado e suficiente, a conduta do paciente. 7.Habeas corpus deferido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, sob a presidência do Ministro Celso de Mello, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Ministro Gilmar Mendes.

Brasília, 21 de fevereiro de 2006 — Gilmar Mendes, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor deRenato Bento Maudonnet Júnior, tendo por autoridade coatora o Superior Tribunal deJustiça, que denegou o writ impetrado àquela Corte.

O paciente fora denunciado pela prática dos crimes descritos nos arts. 4º, caput, e7º, II, da Lei 7.492/1986 e no art. 288, caput, do Código Penal, todos na forma do art. 29do Código Penal.

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Os impetrantes alegam inépcia da denúncia, por ausência de descrição pormenori-zada da conduta do paciente. Argumentam que foi considerada a premissa equivocadade que o paciente teria exercido a gerência da empresa Split Corretora de MercadoriasLtda., quando, na verdade, apenas lhe foram outorgados poderes temporários e específi-cos, os quais somente poderiam ser exercidos em conjunto por dois procuradores, para amovimentação de contas correntes predeterminadas, conforme instrumento público demandato. Além disso, teria ocorrido “verdadeira aplicação de responsabilidade objeti-va, o que é, indiscutivelmente, inaceitável em se tratando de direito penal” (fl. 26).

Os impetrantes afirmam, ainda, que as condutas imputadas ao paciente são atípi-cas. Isso porque a empresa Split Corretora de Mercadorias Ltda. não é instituição finan-ceira, nem se equipara a uma. Trata-se, sim, de corretora de mercadoria (bem móvel), quenão necessita, para suas atividades, de autorização do Banco Central do Brasil.

Quanto às condutas, propriamente, os impetrantes dizem que o “crime de gestãofraudulenta não se aperfeiçoa com uma única operação ilícita, mas, ao contrário, suatipificação reclama a demonstração de reiteradas condutas praticadas com finalidadedo ilícito. Em outras palavras, haveria a necessidade da demonstração não só da gererefraudulenter, mas também da habitualidade ou permanência da ação” (fl. 30).

Por fim, requerem o trancamento da ação penal, por inépcia da denúncia e falta dejusta causa, decorrente da atipicidade das condutas.

Na decisão de fls. 106-107, indeferi a liminar.

A Procuradoria-Geral da República opina pela denegação da ordem (fls. 113-117).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): O presente habeas corpus tem por obje-tivo o trancamento da ação penal, por inépcia da denúncia e ausência de justa causa, emrazão da atipicidade das condutas.

Relativamente à alegação de inépcia da denúncia, verifico que constam da inicialacusatória (fls. 38-70) os elementos indicativos de materialidade dos crimes contra oSistema Financeiro Nacional, bem como indícios de autoria suficientes para se deflagrara ação penal, os quais foram reconhecidos, também, pelo acórdão do Superior Tribunalde Justiça. Nesse ponto, confira-se o voto condutor do acórdão, quanto à gerência frau-dulenta de instituição financeira, emissão e negociação de títulos e valores mobiliários,episódio denominado “escândalo dos precatórios”:

“Realmente. Diante da procuração outorgada ao paciente e do relato cons-tante da peça acusatória, dando conta da movimentação de contas correntes daempresa outorgante em prejuízo do mercado financeiro e dos investidores, no queconsistia, em tese, os atos de gestão fraudulenta, verifica-se a presença de indíciosde autoria suficientes a justificar a sua inclusão no pólo passivo da ação penal.

Com efeito. Segundo ressaltou o acórdão recorrido (fl. 474), ‘os atos de ges-tão fraudulenta foram realizados por meio de emissões e depósitos de chequessucessivos, que visavam a mascarar operações irregulares com doleiros (...). Os atos

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de gestão configuram-se por comandos que podem causar prejuízos ao mercadofinanceiro ou aos investidores’, motivo pelo qual não se acolhe a alegação de queo paciente não praticava atos de gestão por estar impedido de tomar qualquerdecisão capaz de alterar o rumo da instituição.

Para a instauração da ação penal bastam indícios de autoria, suficientementeindicados pela procuração outorgada ao paciente e a outras 04 pessoas.” (Fl. 99)

Quanto à descrição da conduta do paciente na denúncia, a jurisprudência destaCorte já firmou o entendimento de que, em crimes societários, não se faz necessária aindividualização pormenorizada de condutas, bastando que se extraiam da peça acusa-tória os elementos suficientes para a configuração das condutas típicas imputadas. Nessesentido, oportuna a transcrição de trecho do voto proferido pelo Ministro Carlos Velloso:

“(...) tratando-se de crimes societários, não seria possível exigir do MinistérioPúblico a descrição minuciosa da conduta daqueles que teriam participado dodelito. A conduta de cada um deles esclarecer-se-á de forma favorável aos denun-ciados, ou até desfavorável, no correr da instrução.” (HC 80.812, Rel. para o acór-dão Min. Gilmar Mendes, DJ de 5-3-04 — Grifei)

Assim também: HC 84.048 (Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 21-5-04), Inq 1.578(Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 23-4-04), HC 75.868 (Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 6-6-03), HC 74.813 (Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 29-8-97) e HC 73.419 (Rel. Min.Ilmar Galvão, DJ de 26-4-96).

A decisão do Superior Tribunal de Justiça apóia-se exatamente nessa linha deentendimento. Vejamos:

“Verifica-se, portanto, que, embora não se exija, nas hipóteses de crimessocietários, a descrição pormenorizada da conduta de cada agente, resta evidenciadaa descrição mínima do vínculo entre o denunciado e a empreitada criminosa a eleimputada, cujos elementos serão aprofundados no decorrer da ação penal, a fim deembasar, ou não, decreto condenatório.” (Fl. 99)

E mais:

“Outrossim, em sede de crimes societários, em que a autoria nem sempre semostra escancarada, a fumaça do bom direito deve ser abrandada, dentro do con-texto fático obtido pelo Ministério Público no início da ação penal, permitindo-serazoável descrição da participação de cada agente.

Entender diferente seria inviabilizar a acusação e tolher a oportunidade dodominius litis provar a denúncia, pois a fase da instrução criminal é que se prestapara esclarecer e pormenorizar a participação dos réus nos delitos, permitindoampla dilação dos fatos e provas, momento em que a defesa poderá se valer detodos os aspectos relevantes para provar a inexistência de configuração da autoria,da materialidade do crime, ou, ainda, da existência de excludente de culpabilidade.”(Fl. 99)

No que concerne à alegação de atipicidade da conduta do paciente, cumpre ressaltarque, em exame de habeas corpus, não cabe análise aprofundada de matéria probatória,razão por que a atipicidade, se existente, deve ser flagrante, constatável de plano.

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Entendo que não estamos diante de tal hipótese. Ao contrário, as condutas supos-tamente praticadas pelo paciente, tal como descritas na denúncia, configuram, em tese,os crimes capitulados nos arts. 4º, caput, e 7º, II, da Lei 7.492/1986 e no art. 288 do CódigoPenal. Aplicável, portanto, ao caso, o entendimento, já sedimentado nesta Corte, de que:“não se tranca a ação penal quando a conduta descrita na denúncia configura, emtese, crime” (cf. HC 83.184, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 3-10-03).

Não há que se falar, portanto, em violação do art. 41 do Código de Processo Penal.

Do exposto, indefiro a ordem pleiteada.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, tal como já recordado pelo Relator,eu, em casos outros, acompanhando também divergências já instaladas no Tribunal,entendia de validar a idéia das denúncias genéricas em se tratando dos chamados crimessocietários — até abrindo divergência com entendimento perfilhado por Vossa Excelên-cia nesta Turma.

Todavia, já em sessões anteriores, venho revendo essa orientação — e aí seguindoinclusive a doutrina adotada por Vossa Excelência — em razão da seriedade de que sereveste a denúncia, que obriga o eventual denunciado, a despender todo esforço nocampo penal. Cuida-se de questões — já discutimos aqui — que muitas vezes envolvematé o próprio princípio da dignidade da pessoa humana. (MAUNZ-DÜRIG, GrundgesetzKommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck, 1990, 1I 18)

Portanto, com essas considerações, com subsídios constantes do meu voto e tambémcom a doutrina que Vossa Excelência tem desenvolvido nesta Turma, defiro a ordem.

PEDIDO DE VISTA

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, pelo que pude perceber do voto doeminente Relator, não se trata aqui de caso como aquele referido da tribuna, o qualjulguei anteriormente, em que não havia qualquer vinculação, liame, entre a atuação doacusado e a empresa em causa.

Tenho restrição quanto a essa posição muito genérica, ou seja, que se façam acusa-ções sem qualquer vinculação entre os participantes, só pelo fato de que alguém passouperto da porta de uma empresa e, portanto, seria participante das eventuais fraudespraticadas.

No entanto, tenho alguma dificuldade de decidir desde logo e peço vista dos autos.Creio que não há prejuízo, o paciente não está preso, é caso de trancamento de açãopenal.

EXTRATO DA ATA

HC 86.879/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Relator para o acórdão:Ministro Gilmar Mendes. Paciente: Renato Bento Maudonnet Júnior ou Renato BentoMaudonnat Júnior. Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outros (Advogada: Carmemda Costa Barros). Coator: Superior Tribunal de Justiça.

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Decisão: Depois do voto do Ministro Relator, indeferindo o pedido de habeas

corpus, e do voto do Ministro Gilmar Mendes, deferindo-o, o julgamento foi suspensoem virtude de pedido de vista formulado pela eminente Ministra Ellen Gracie. Falou,pelo paciente o Dr. Adriano Salles Vanni.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral daRepública, Dra. Sandra Verônica Cureau.

Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

VOTO (Vista)

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, a longa denúncia de fls. 37/70imputou ao paciente a prática dos crimes de gestão fraudulenta de empresa (Lei 7.492/86, art. 4º), negociação de valores mobiliários sem registro prévio de emissão em autori-dade competente e quadrilha ou bando (CP, art. 288), em concurso material.

2. A peça acusatória tem início com uma introdução sobre o funcionamento doesquema de precatórios. Estados e municípios emitiram títulos públicos lastreados emprecatórios inexistentes, inflando o valor dos efetivamente existentes, e colocaram essestítulos no mercado. Nessas operações de compra e venda, o Banco Central detectouirregularidades e fraudes. Empresas financeiras previamente ajustadas criaram umadenominada cadeia da felicidade.

A denúncia expõe a trama, esclarecendo que os títulos eram vendidos para uma

primeira instituição financeira, conivente, por preço bem inferior ao que fora contratadocom o comprador final. Depois, sucessivas operações inflavam o preço da venda até oponto em que uma empresa, sem respaldo financeiro e atuando como laranja, compravapor um preço próximo ao do início da cadeia e vendia por preço próximo a ser pago pelocomprador final, ficando, assim, com os lucros. No encerramento da cadeia, semprehavia a presença de uma instituição de grande porte atuando como comprador final.

Prossegue a vestibular descrevendo a participação da Split Distribuidora de

Títulos e Valores Mobiliários Ltda. como uma das instituições financeiras que atuava naintermediação de compra e venda dos títulos públicos e, também, na montagem dacadeia da felicidade. Grandes lucros auferiu essa instituição. Para lavar os recursos,utilizava-se da Split Corretora de Mercadorias Ltda., que mantinha uma conta-correntena primeira instituição.

Cheques em grandes quantidades eram depositados nessa conta e também ordemde pagamento de terceiros, de modo a dificultar o estabelecimento de uma relação entre

os depósitos realizados e os saques efetuados. Dessa forma, a Split Corretora de Merca-dorias tornou-se uma verdadeira câmara de compensação. Disso resultou que essa em-presa passou a atuar em atividades não previstas no seu contrato social (fl. 52). Alémdisso, passou a atuar, também, na captação e na aplicação de recursos financeiros (fl. 53).Teria havido manifesta alteração, portanto, nas atividades sociais da corretora de merca-dorias.

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3. Ora, o paciente somente foi mencionado na denúncia porque figurava comoprocurador da Split Corretora de Mercadorias Ltda., como se vê à fl. 63. A procuração defls. 72/73, outorgada pelos administradores da empresa, apenas atribuiu poderes aopaciente para, “agindo sempre em conjunto com outro procurador, representar a em-presa junto a estabelecimentos bancários com fim de abrir, movimentar e encerrarcontas correntes”.

A denúncia em relação ao paciente é, conseqüentemente, inepta. Não descrevequalquer fato típico que possa justificar o seu recebimento. A generalidade da peça éflagrante e manifesta. Afinal, do que deverá defender-se o paciente? A própria denúncianoticia que a Administração da Split Corretora de Mercadorias Ltda., à época dos fatos,era atribuição de outros que não o paciente (fl. 63). A peça inicial descreve uma condutatípica praticada por uma pessoa jurídica, e, como bem salientou a inicial deste habeascorpus, “procedendo a uma verdadeira aplicação da responsabilidade objetiva, o queé indiscutivelmente inaceitável em se tratando de Direito Penal.” (Fl. 26)

4. Meu voto, portanto, defere o habeas corpus, acompanhando o Ministro GilmarMendes, em consonância, ademais, com os precedentes referidos nas fls. 17 (Inq 1.656)e 22 (Inq 1.637), ambos de minha relatoria.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Vou pedir vênia ao eminente MinistroRelator para dissentir de seu douto voto, acompanhando, em conseqüência, a divergên-cia iniciada pelo eminente Ministro Gilmar Mendes, eis que manifestamente inepta adenúncia oferecida contra o ora paciente.

É preciso insistir na advertência — tendo em vista a natureza dialógica doprocesso penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráteressencialmente democrático (José Frederico Marques, “O Processo Penal naAtualidade”, in “Processo Penal e Constituição Federal”, pp. 13/20, 1993, Apamagis/Ed. Acadêmica) — de que não se pode desconsiderar, na análise do conteúdo da peçaacusatória (conteúdo esse que delimita e que condiciona o próprio âmbito temático dadecisão judicial), o fato de que o sistema jurídico vigente no Brasil impõe ao MinistérioPúblico, quando este deduzir determinada imputação penal contra alguém, a obrigaçãode expor, de maneira individualizada, a participação das pessoas acusadas da supostaprática da infração penal, a fim de que o Poder Judiciário, ao resolver a controvérsiapenal, possa, em obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e doprincípio constitucional do due process of law, e sem transgredir esses vetorescondicionantes da atividade de persecução estatal, apreciar a conduta individual doréu, a ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos abstratoscontidos no preceito primário de incriminação.

Cumpre ter presente, desse modo, na linha do que tenho enfatizado em diversasdecisões proferidas nesta Suprema Corte (HC 79.399/SP, HC 80.799/RJ, HC 80.812/PA e HC 86.294/SP, v.g.), que se impõe, ao Estado, no plano da persecutio criminis, odever de definir, de modo preciso, a participação individual dos autores de quaisquerdelitos, inclusive dos delitos societários, pois não tem sentido, sob pena de grave

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transgressão aos postulados constitucionais, permitir-se que a discriminação da condutade cada denunciado venha a constituir objeto de prova a ser feita ao longo do procedi-mento penal (...).

Mais do que a indispensável individualização do comportamento atribuído acada réu, cabe, ao Ministério Público, ao formular a acusação penal, descrever —estabelecendo-a na própria denúncia — a relação causal entre a conduta imputada acada um dos agentes e as práticas delituosas por eles supostamente cometidas.

Daí recente julgamento desta colenda Segunda Turma, proferido no exame doHC 83.948/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, que restou consubstanciado em decisãoassim ementada:

“Penal. Processual penal. Habeas corpus. Frustração de direitos assegura-dos por lei trabalhista. Estelionato. Formação de quadrilha. Inépcia da denúncia.

I - É inepta a denúncia que não estabelece o vínculo entre as condutasatribuídas aos acusados e os atos ilícitos supostamente praticados.

II - HC deferido.” (Grifei)

Esse mesmo entendimento também foi acolhido por esta colenda Segunda Turmado Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do HC 80.549/SP, Rel. Min.Nelson Jobim, quando esta Corte, ao deferir o writ constitucional, apoiou-se em deci-são que possui a seguinte e expressiva ementa:

“Habeas corpus. Penal. Processo penal tributário. Denúncia genérica.Responsabilidade penal objetiva. Inépcia.

(...)

Quando se trata de crime societário, a denúncia não pode ser genérica.

Ela deve estabelecer o vínculo do administrador ao ato ilícito que lhe estásendo imputado.

É necessário que descreva, de forma direta e objetiva, a ação ou omissão dapaciente.

Do contrário, ofende os requisitos do CPP, art. 41, e os Tratados Internacio-nais sobre o tema.

Igualmente, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Denúncia que imputa co-responsabilidade e não descreve a responsabilida-de de cada agente é inepta.

O princípio da responsabilidade penal adotado pelo sistema jurídico brasi-leiro é o pessoal (subjetivo).

A autorização pretoriana de denúncia genérica para os crimes de autoriacoletiva não pode servir de escudo retórico para a não-descrição mínima daparticipação de cada agente na conduta delitiva.

Uma coisa é a desnecessidade de pormenorizar.

Outra, é a ausência absoluta de vínculo do fato descrito com a pessoa dodenunciado.

Habeas deferido.” (Grifei)

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O Poder Público, tendo presente a norma inscrita no art. 41 do Código de ProcessoPenal, não pode deixar de observar as exigências que emanam desse preceito legal, sob

pena de incidir em grave desvio jurídico-constitucional no momento em que exerce o

seu dever-poder de fazer instaurar a persecutio criminis contra aqueles que, alegada-

mente, transgrediram o ordenamento penal do Estado.

Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, em decisão de que foiRelator o saudoso Ministro Barros Monteiro, deixou consignada expressiva adver-

tência sobre o tema ora em exame (RTJ 49/388):

“Habeas Corpus. Tratando-se de denúncia referente a crime de autoria cole-tiva, é indispensável que descreva ela, circunstanciadamente, sob pena de inépcia,os fatos típicos atribuídos a cada paciente. Extensão deferida, sem prejuízo do

oferecimento de outra denúncia, em forma regular.”

Esse entendimento — que tem sido prestigiado por diversos e eminentes autores(Damásio E. de Jesus, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 40, 10ª ed., 1993,Saraiva; Luiz Vicente Cernichiaro/Paulo José da Costa Jr., “Direito Penal na Consti-

tuição”, p. 84, item n. 8, 1990, RT; Rogério Lauria Tucci, “Direitos e Garantias

Individuais no Processo Penal Brasileiro”, pp. 212/214, item n. 17, 1993, Saraiva;Joaquim Canuto Mendes de Almeida, “Processo Penal, Ação e Jurisdição”, p. 114,

1975, RT) — repudia as acusações genéricas, repele as sentenças indeterminadas e

adverte, especialmente no contexto dos delitos societários, que “Mera presunção deculpa, decorrente unicamente do fato de ser o agente diretor de uma empresa, não podealicerçar uma denúncia criminal”, pois “A submissão de um cidadão aos rigores de um

processo penal exige um mínimo de prova de que tenha praticado o ato ilícito, ou

concorrido para a sua prática. Se isto não existir, haverá o que se denomina o abuso do

poder de denúncia” (Manoel Pedro Pimentel, “Crimes Contra o Sistema Financeiro

Nacional”, p. 174, 1987, RT).

A leitura da denúncia oferecida contra o ora paciente permite constatar que oMinistério Público, ao formular acusação imperfeita, não só deixou de cumprir aobrigação processual de promover a descrição precisa do comportamento desse mesmopaciente, como se absteve de indicar fatos concretos que o vinculassem ao eventodelituoso narrado na peça acusatória.

Tenho para mim, desse modo, que, no caso presente, a ausência de individuadae detalhada descrição do comportamento delituoso atribuído ao ora paciente, pela peçaacusatória em questão, faz emergir, desse ato processual, o grave vício jurídico de quederiva, como efeito conseqüencial, séria ofensa aos “princípios da lealdade processual,do contraditório no processo penal e da defesa plena” (RTJ 33/430, Rel. Min. Pedro

Chaves).

Cumpre ter presente, bem por isso, neste ponto, a advertência constante do ma-gistério jurisprudencial desta Suprema Corte, que, ao insistir na indispensabilidade deo Estado identificar, na peça acusatória, com absoluta precisão, a participação indivi-dual de cada denunciado — e considerada a inquestionável repercussão processualdesse ato sobre a sentença judicial —, observa que “Discriminar a participação de

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cada co-réu é de todo necessário (...), porque, se, em certos casos, a simples associaçãopode constituir um delito per se, na maioria deles a natureza da participação de cadaum, na produção do evento criminoso, é que determina a sua responsabilidade, porquealguém pode pertencer ao mesmo grupo, sem concorrer para o delito, praticando, porexemplo, atos penalmente irrelevantes, ou nenhum. Aliás, a necessidade de se definir aparticipação de cada um resulta da própria Constituição, porque a responsabilidadecriminal é pessoal, não transcende da pessoa do delinqüente (...). É preciso, portanto,que se comprove que alguém concorreu com ato seu para o crime” (RTJ 35/517, 534,Rel. Min. Victor Nunes Leal).

Tem-se, desse modo, que se revela inepta a denúncia, sempre que — tal como nocaso ocorre — a peça acusatória, sem especificar a participação do acusado (e isso foiclaramente demonstrado nos votos dos eminentes Ministros Gilmar Mendes e EllenGracie), vem a atribuir-lhe virtual responsabilidade solidária pelo evento delituoso,pelo só fato de pertencer ao corpo gerencial ou por atuar como mandatário da empresa(RHC 50.249/GB, Rel. Min. Xavier de Albuquerque).

A formulação de acusações genéricas, em delitos societários, sem a descrição,na denúncia, do vínculo causal entre o comportamento imputado ao agente e a práticadelituosa a este atribuída, culmina por consagrar uma inaceitável hipótese de responsa-bilidade penal objetiva, com todas as gravíssimas conseqüências que daí podem resul-tar, consoante adverte, em precisa abordagem do tema, o ilustre Advogado paulista,Dr. Ronaldo Augusto Bretas Marzagão (“Denúncias Genéricas em Crime de Sonega-ção Fiscal”, in “Justiça e Democracia”, vol. 1/207-211, 210-211, 1996, RT):

“Se há compromisso da lei com a culpabilidade, não se admite responsabili-dade objetiva, decorrente da imputação genérica, que não permite ao acusadoconhecer se houve e qual a medida da sua participação no fato, para poder sedefender.

Desconhecendo o teor preciso da acusação, o defensor não terá como orientaro interrogatório, a defesa prévia e o requerimento de provas, bem assim não terácomo avaliar eventual colidência de defesas entre a do seu constituinte e a do co-réu.O acusado será obrigado a fazer prova negativa de que não praticou o crime,assumindo o ônus da prova que é do Ministério Público, tendo em vista o princípioconstitucional da presunção de inocência.

A denúncia genérica, nos crimes de sonegação fiscal, impossibilita a ampladefesa e, por isso, não pode ser admitida.”

Cumpre ter presente, bem por isso, a séria objeção exposta pelo saudoso Minis-tro Assis Toledo, para quem “Ser acionista ou membro do conselho consultivo daempresa não é crime. Logo, a invocação dessa condição, sem a descrição de condutasespecíficas que vinculem cada diretor ao evento criminoso, não basta para viabilizar adenúncia” (RT 715/526 — grifei).

Essa mesma percepção do tema ora versado na presente sede processual foi reve-lada por esta Suprema Corte, em decisão, que, proferida no Inq 1.656/SP, Rel. Min.Ellen Gracie (RTJ 188/775), restou consubstanciada em acórdão assim ementado:

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“Inquérito. Lei n. 8.137/90, arts. 1º e 2º. Denúncia. Requisitos. CPP, art. 41.Crime societário.

(...)

2. Denúncia que, ao narrar os fatos, deixa de demonstrar qualquer liameentre o acusado e a conduta a ele imputada, torna impossível o exercício dodireito à ampla defesa. Imprescindível a descrição da ação ou omissão delituosapraticada pelo acusado, sobretudo por não ocupar qualquer cargo administrativona associação e ostentar posição de um, dentre muitos, de seus integrantes.

3. O sistema jurídico penal brasileiro não admite imputação por respon-sabilidade penal objetiva.

4. Denúncia rejeitada em relação ao denunciado que detém foro por prerro-gativa de função. (...).” (Grifei)

É preciso insistir, pois, na circunstância de que a responsabilidade penal peloseventos delituosos praticados no plano societário, em nome e em favor de organismosempresariais, deve necessariamente resolver-se — consoante adverte Manoel PedroPimentel (“Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional”, p. 172, 1987, RT) — “naresponsabilidade individual dos mandatários, uma vez comprovada sua participaçãonos fatos” (grifei), eis que, tal como salienta o saudoso Professor da Faculdade deDireito do Largo de São Francisco, o princípio hoje dominante da responsabilidadepor culpa — que não se confunde com o postulado da responsabilidade por risco —revela-se incompatível com a concepção do versari in re illicita, banida do domínio dodireito penal da culpa.

É que — tal como já decidiu o Supremo Tribunal Federal — a circunstância dealguém meramente ostentar a condição de sócio de uma empresa não pode justificar aformulação de qualquer juízo acusatório fundado numa inaceitável presunção de culpa(RTJ 163/268-269, Rel. Min. Celso de Mello).

Não custa enfatizar, portanto — e torna-se imperioso fazê-lo —, que, no sistemajurídico brasileiro, não existe qualquer possibilidade de o Poder Judiciário, por simplespresunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer, em sede penal, a culpade alguém.

Na realidade, os princípios democráticos que informam o modelo constitucionalconsagrado na Carta Política de 1988 repelem qualquer ato estatal que transgrida odogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminalpor mera suspeita.

Meras conjecturas sequer podem conferir suporte material a qualquer acusaçãoestatal. É que, sem base probatória consistente, dados conjecturais não se revestem, emsede penal, de idoneidade jurídica, quer para efeito de formulação de imputação penal,quer para fins de prolação de juízo condenatório.

Torna-se essencial insistir, portanto, na asserção de que, “Por exclusão, suspeitaou presunção, ninguém pode ser condenado em nosso sistema jurídico-penal”, conso-ante proclamou, em lapidar decisão, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo(RT 165/596, Rel. Des. Vicente de Azevedo).

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Desse modo, a análise de qualquer peça acusatória impõe que nela se identifique,desde logo, a narração objetiva, individuada e precisa do fato delituoso, que, além deestar concretamente vinculado ao comportamento de cada agente, deve ser especifica-do e descrito, em todos os seus elementos estruturais e circunstanciais, pelo órgão estatalda acusação penal.

Como já precedentemente enfatizado, a imputação penal não pode ser o resulta-do da vontade pessoal e arbitrária do acusador (RTJ 165/877-878, Rel. Min. Celso deMello). Este, para que possa validamente formular a denúncia penal, deve ter porsuporte uma necessária base empírica, a fim de que a acusação — que deve semprenarrar a participação individual de cada agente no evento delituoso — não se trans-forme, como advertia o saudoso Ministro Orozimbo Nonato, em pura criação mentaldo acusador (RF 150/393).

Uma das principais obrigações jurídicas do Ministério Público no processo pe-nal de condenação consiste no dever de apresentar denúncia que veicule, de modoclaro e objetivo, com todos os elementos estruturais, essenciais e circunstanciais quelhe são inerentes, a descrição do fato delituoso, em ordem a viabilizar o exercíciolegítimo da ação penal e a ensejar, a partir da estrita observância dos pressupostosestipulados no art. 41 do CPP, a possibilidade de efetiva atuação da cláusula constitu-cional da plenitude de defesa.

Daí a advertência presente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“O processo penal de tipo acusatório repele, por ofensivas à garantia daplenitude de defesa, quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas,vagas, contraditórias, omissas ou ambíguas. Existe, na perspectiva dos princípiosconstitucionais que regem o processo penal, um nexo de indiscutível vinculaçãoentre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamenteapta e o direito individual de que dispõe o acusado à ampla defesa.

A imputação penal omissa ou deficiente, além de constituir transgressão dodever jurídico que se impõe ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade pro-cessual absoluta.”

(RTJ 165/877-878, Rel. Min. Celso de Mello)

Não se pode desconhecer que, no processo penal condenatório — que constituiestrutura jurídico-formal em cujo âmbito o Estado desempenha a sua atividade persecu-tória —, antagonizam-se exigências contrastantes que exprimem uma situação de ten-são dialética configurada pelo conflito entre a pretensão punitiva deduzida pelo Estadoe o desejo de preservação da liberdade individual manifestado pelo réu.

A persecução penal, cuja instauração é justificada pela suposta prática de um atocriminoso, não se projeta nem se exterioriza como uma manifestação de absolutismoestatal. De exercício indeclinável, a persecutio criminis sofre os condicionamentos quelhe impõe o ordenamento jurídico. A tutela da liberdade, desse modo, representa umainsuperável limitação constitucional ao poder persecutório do Estado.

As limitações à atividade persecutório-penal do Estado traduzem garantias dis-pensadas pela ordem jurídica à preservação, pelo suspeito, pelo indiciado ou peloacusado, do seu estado de liberdade.

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Tenho salientado, nesta Corte, que a submissão de uma pessoa à jurisdição penaldo Estado coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se estabeleceentre a pretensão punitiva do Poder Público, de um lado, e o resguardo à intangibilidadedo jus libertatis titularizado pelo réu, de outro.

A persecução penal, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada, rege-sepor padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzemlimitações significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo penal só podeser concebido — e assim deve ser visto — como instrumento de salvaguarda da liberdadedo réu (João Mendes de Almeida Júnior, “O Processo Criminal Brasileiro”, vol. I/8,1911).

A denúncia — enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusaçãopenal — constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, antes de maisnada, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria res in judiciodeducta.

A peça acusatória, por isso mesmo, deve conter a exposição do fato delituoso, emtoda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta,impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegu-ra ao réu o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve,adequadamente, o fato criminoso e que também deixa de estabelecer a necessária vin-culação causal da conduta individual de cada agente ao evento delituoso a ele imputadoqualifica-se como denúncia inepta (RTJ 57/389 — RTJ 163/268-269).

Lapidar, sob esse aspecto, o magistério do eminente Desembargador paulista,Alberto Silva Franco, para quem (RT 525/372-375):

“Num processo de tipo acusatório, não se compreende que o objeto da acusa-ção fique ambíguo, indefinido, incerto ou logicamente contraditório, pois é eleque estabelece os limites das atividades, cognitiva e decisória, do Juiz. A esteefeito do objeto da acusação é que Eberhard Schmidt denominou de vinculaçãotemática do Juiz. Este só pode ter ‘como objeto de suas comprovações objetivas ede sua valoração jurídica aquele sucesso histórico cuja identidade, com respeitoao fato e com respeito ao autor, resulta da ação (...).”

Não custa rememorar que foi em proveito da liberdade individual que se impôs,ao órgão da acusação, o dever de incluir, na denúncia, todos os elementos essenciaisà exata compreensão da imputação penal deduzida contra o suposto autor do comporta-mento delituoso.

Essa obrigação processual do Ministério Público guarda íntima conexão comuma garantia fundamental outorgada pela Constituição da República em favor daque-les que sofrem, em juízo, a persecução penal movida pelo Estado: a garantia da pleni-tude de defesa.

É por essa razão que Vicente Greco Filho (“Manual de Processo Penal”, p. 64,1991, Saraiva), ao versar o tema referente aos princípios constitucionais que regem oprocesso penal, estabelece o nexo de indiscutível vinculação que existe entre a obriga-ção estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta, de um lado, eo direito individual de que dispõe o acusado à ampla defesa, de outro:

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“Outro requisito essencial à ampla defesa é a apresentação clara e com-pleta da acusação, que deve ser formulada de modo que possa o réu contrapor-se a seus termos. É essencial, portanto, a descrição do fato delituoso em todas assuas circunstâncias. Uma descrição incompleta, dúbia ou que não seja de um fatotípico penal gera a inépcia da denúncia e nulidade do processo, com a possibili-dade de trancamento através de habeas corpus, se o juiz não rejeitar desde logo ainicial. Para que alguém possa preparar e realizar sua defesa é preciso que estejaclaramente descrito o fato de que deve defender-se.” (Grifei)

É que, se assim não for, inverter-se-á, de modo ilegítimo (e inaceitável), no pro-cesso penal de condenação, o ônus da prova, com evidente ofensa ao postulado consti-tucional da não-culpabilidade.

Não custa enfatizar, por isso mesmo, na linha do magistério jurisprudencialconsagrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que “Nenhuma acusação penal sepresume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe, ao Ministé-rio Público, comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já nãomais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momentohistórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a faltade pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar asua própria inocência (Decreto-Lei n. 88, de 20-12-37, art. 20, n. 5)” (RTJ 161/264-266, 265, Rel. Min. Celso de Mello).

Desse modo, e tendo presentes as razões expostas, peço vênia para deferir opedido de habeas corpus, acompanhando os doutos votos proferidos pelos eminentesMinistros Gilmar Mendes e Ellen Gracie, considerada a evidente inépcia que afeta ecompromete a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

HC 86.879/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Relator para o acórdão:Ministro Gilmar Mendes. Paciente: Renato Bento Maudonnet Júnior ou Renato BentoMaudonnat Júnior. Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outros (Advogada: Carmem daCosta Barros). Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: Adiado o julgamento. Ausente, justificadamente, neste julgamento, oMinistro Celso de Mello. Presidiu este julgamento a Ministra Ellen Gracie. 2ª Turma,14-2-2006.

Decisão: A Turma, por votação majoritária, deferiu o pedido de habeas corpus,nos termos do voto do Ministro Gilmar Mendes, vencido o Ministro Relator, que oindeferia. Redigirá o acórdão o eminente Ministro Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão a Ministra Ellen Graciee os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da República,Dr. Paulo da Rocha Campos.

Brasília, 21 de fevereiro de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 87.341 — PR

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Paciente: Gilberto Cardoso — Impetrante: Adolfo Luis de Souza Góis — Coator:Superior Tribunal Militar

Habeas corpus. Falsidade ideológica. Interceptação ambiental porum dos interlocutores. Ilicitude da prova. Inocorrência. Reportagem levadaao ar por emissora de televisão. Notitia criminis. Dever-poder de investigar.

1. Paciente denunciado por falsidade ideológica, consubstanciadaem exigir quantia em dinheiro para inserir falsa informação de excessode contingente em certificado de dispensa de incorporação. Gravaçãoclandestina realizada pelo alistando, a pedido de emissora de televisão,que levou as imagens ao ar em todo o território nacional, por meio deconhecido programa jornalístico. O conteúdo da reportagem represen-tou notitia criminis, compelindo as autoridades ao exercício do dever-poder de investigar, sob pena de prevaricação.

2. A ordem cronológica dos fatos evidencia que as provas, consisten-tes nos depoimentos das testemunhas e no interrogatório do paciente, fo-ram produzidas em decorrência da notitia criminis e antes da juntada dafita nos autos do processo de sindicância que embasou o Inquérito PolicialMilitar.

3. A questão posta não é de inviolabilidade das comunicações e simda proteção da privacidade e da própria honra, que não constitui direitoabsoluto, devendo ceder em prol do interesse público. (Precedentes)

Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,indeferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 7 de fevereiro de 2006 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de habeas corpus em que o Superior TribunalMilitar é apontado coator.

2. O paciente era servidor municipal e exercia o cargo de Secretário da Junta doServiço Militar de Londrina/PR, quando se viu processado por crime de falsidade ideo-lógica (CPM, artigo 312), sob a acusação de ter exigido a quantia de R$ 200,00 (duzen-tos reais) em troca da emissão de certificado de dispensa de incorporação, por excesso decontingente, a favor de Fernando Antonio Dias Rocha.

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3. O alistando denunciou a prática ilícita à TV Coroados, afiliada da Rede Globonaquela Cidade, que lhe forneceu os R$ 200,00 (duzentos reais) para repassar ao paciente,com a condição de levar uma microcâmera escondida para documentar o fato.

4. O Jornal Nacional, da TV Globo, exibiu o flagrante para todo o País. Face aonoticiário, sucederam-se sindicância, IPM e denúncia por falsidade ideológica, consubs-tanciada em que o paciente afirmou falsamente o excesso de contingente como justifica-dor da dispensa de incorporação.

5. O impetrante ajuizou habeas corpus no STM, visando ao trancamento da açãopenal, porque amparada em prova obtida ilicitamente. A ordem foi denegada ao funda-mento de que a interceptação ambiental feita por um dos interlocutores, com o escopo dedefesa, não constitui prova ilícita, na linha da jurisprudência do Supremo TribunalFederal.

6. O impetrante alega que a vítima não tinha motivo para se defender, porque nãopesou contra ela qualquer acusação, o que torna ilícita a interceptação ambiental sem oconhecimento do paciente, bem como as provas dela derivadas, segundo a teoria daárvore dos frutos envenenados (the fruits of poisounous tree). Ademais, observa que aconduta do paciente configuraria, em tese, o crime de corrupção ativa.

7. Requer a concessão da ordem a fim de trancar a ação penal, por falta de justacausa.

8. O Ministério Público Federal opina no sentido da denegação.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A observação do impetrante, de que a condutado paciente se enquadraria no crime de corrupção ativa, não tem a virtude de excluir aacusação por delito de falsidade ideológica, considerada a inserção, em documentopúblico, de informação diversa da que deveria constar.

2. A reportagem levada ao ar em rede nacional, nos dias 26 e 27 de abril de 2001,pelo Jornal Nacional, da TV Globo, representou, na verdade, notitia criminis. Logo, asautoridades resultaram compelidas a exercitar o dever-poder de investigar, sob pena deprevaricação.

3. A sindicância foi aberta no mesmo dia em que a notícia foi ao ar (26-4-2001),impondo-se notar que a fita foi encaminhada à autoridade sindicante somente no dia 14-5-01, após o interrogatório do paciente e as oitivas das testemunhas, apontando para aprática delituosa. Essa ordem cronológica evidencia que as provas embasadoras do IPMnão derivaram da gravação que o impetrante diz clandestina. Notitia criminis — eapuração dos fatos com base nela — não se confunde com a interceptação ambientalsupostamente ilícita, que, repita-se, nem sequer constava dos autos do processo de sindi-cância quando da produção das provas que ensejaram a abertura do inquérito policialmilitar.

4. Ainda que fosse ilícita a interceptação, do que resultaria seu desentranhamento,certo é que a ação penal remanesce arrimada em elementos probatórios coligidos antesde sua juntada aos autos.

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5. A PGR fez distinção precisa entre inviolabilidade das comunicações (CB, art. 5º,XII) e proteção da privacidade e da imagem (CB, art. 5º, X), concluindo pela licitude dainterceptação ora questionada. Transcrevo o trecho respectivo:

“A questão que se coloca não é de inviolabilidade das comunicações (CF,art. 5º, XII) e, sim, de proteção da privacidade e da própria imagem (CF, art. 5º, X)que, como tem sempre proclamado o Supremo Tribunal Federal, ‘não é um direitoabsoluto, devendo ceder, é certo, diante do interesse público, do interesse social’(voto do Min. Carlos Velloso na Petição 577-DF, RTJ 148(2):367, maio 1994), quenão pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas.

Feita essa distinção é possível aplicar à gravação das imagens feita comautorização de um dos interlocutores o entendimento de que o Supremo TribunalFederal tem adotado para a gravação de conversas telefônicas, reconhecendo, nessassituações, estar a conduta amparada pela excludente de antijuridicidade: ‘Utilizaçãode gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dosinterlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização,excludente da antijuridicidade. — Afastada a ilicitude de tal conduta — a de, porlegítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja oconhecimento do terceiro que está praticando o crime —, é ela, por via deconseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode sertida como prova ilícita, para invocar-se o artito 5º LVI, da Constituição comfundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna)’.(HC 74.678/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 25-9-98).”

Denego a ordem.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Também acompanho o eminenteRelator. Entendo que não há nenhuma ilicitude na documentação cinematográfica daprática de um crime, a salvo, é claro, se o agente se encontra numa situação de intimidade.Obviamente não é o caso de uma corrupção passiva praticada em repartição pública.

EXTRATO DA ATA

HC 87.341/PR — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Gilberto Cardoso. Impe-trante: Adolfo Luis de Souza Góis. Coator: Superior Tribunal Militar.

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Não participaramdeste julgamento os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Rodrigo Janot.

Brasília, 7 de fevereiro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 206.069 — SP

Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie

Recorrente: Estado de São Paulo — Recorrido: FANAVID – Fábrica Nacional deVidros de Segurança Ltda.

Recurso extraordinário. Tributário. ICMS. Arrendamento mer-cantil — leasing.

1. De acordo com a Constituição de 1988, incide ICMS sobre aentrada de mercadoria importada do exterior. Desnecessária, portanto, averificação da natureza jurídica do negócio internacional do qual decorrea importação, o qual não se encontra ao alcance do Fisco nacional.

2. O disposto no art. 3º, inciso VIII, da Lei Complementar n. 87/96aplica-se exclusivamente às operações internas de leasing.

3. Recurso extraordinário conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,conhecer do recurso e, por maioria de votos, dar-lhe provimento, nos termos do voto daRelatora.

Brasília, 1º de setembro de 2005 — Ellen Gracie, Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Trata-se de recurso extraordinário, pela alínea a doartigo 102, III, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça de SãoPaulo que, em mandado de segurança, considerou indevido o recolhimento de ICMS,quando do desembaraço aduaneiro, na importação de equipamento destinado ao ativofixo de empresa, em operação de arrendamento mercantil — leasing.

O acórdão recorrido consignou:

“Não existe dúvida de que a res, objeto da transação, permanece no ativofixo do arrendador, como tal contrato permite que ao final da locação o arrendatá-rio adquira o bem, aí, então, incidiria o imposto pleiteado pela Fazenda do Estado.

Não se tratando de circulação de mercadorias, nem de entrada de mercadoriadestinada a ativo fixo, ou seja, mercadoria adquirida do exterior pelo proprietáriodo estabelecimento, não há que se falar em ICMS. Como bem lembrado pela MM.Juíza sentenciante, ‘de acordo com a argumentação inicialmente adotada só sepode entender como ‘entrado’ na esfera dominial do arrendatário (ou da impetrante),o equipamento importado por ocasião da opção de compra que poderá ou não seconcretizar em fase futura e não na presente.

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A incidência do ICMS só será possível e exigível, com a opção de compra, sefeita pelo arrendatário; se a opção for feita, terá plenamente direito a Fazenda doEstado em exigir o imposto, ora reclamado.”

No recurso, o Estado de São Paulo sustenta violação ao artigo 155, I, b, § 2º, IX eXII, a e d, e ao artigo 2º da Constituição Federal.

Entende, em síntese, o recorrente que o acórdão recorrido pretende ressuscitar teseno sentido de que o ICMS não incidiria sobre a importação de bens de capital e que éinaplicável a Súmula 570 do STF.

Aduz que a Carta de 1988 aboliu a qualificação constante da Emenda Constitu-cional 23/83, no sentido de que a entrada da mercadoria se desse em estabelecimentocomercial, industrial ou produtor, e ampliou, portanto, a incidência do ICMS para queabrangesse a entrada de qualquer mercadoria importada, seja para consumo ou uso pró-prio do importador, seja para integrar o ativo fixo. Toda e qualquer entrada de mercado-ria ou bens, incluídos aqueles objeto de contrato de leasing, importados do exterior,promovida por qualquer pessoa, tenha a destinação que tiver, sofre a incidência deICMS, pois nenhuma exceção foi feita.

Foram apresentadas contra-razões (fls. 186/200).

O parecer do Ministério Público Federal é no sentido do desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): O presente recurso extraordinário traz àbaila dois problemas distintos: (1) o da natureza jurídica do contrato de arrendamentomercantil — leasing, e (2) o da efetiva ocorrência, ou não, do fato gerador do ICMS,quando da entrada de mercadoria importada por força deste contrato.

Quanto ao primeiro ponto, anoto que a Colenda Primeira Turma, na análise do RE106.047, de 19 de novembro de 1985, relatado pelo Min. Rafael Mayer, assentou a equi-valência entre a operação de leasing e a locação de bem móvel, de modo a atrair a incidên-cia do ISS – Imposto sobre Serviços, de competência municipal. Eis o teor da ementa:

“ISS. Arrendamento mercantil de coisas móveis (leasing). Incidência do im-posto sobre serviços. Subsunção no item 52 da Lista de Serviços.

Razoável o entendimento de que a prestação habitual, pela empresa, de ser-viço consubstanciado no arrendamento mercantil (leasing) de bens móveis, estásujeita ao ISS, em correspondência à categoria prevista no item 52 da Lista.

Recurso extraordinário não conhecido.”

Já no que concerne à hipótese de incidência do Imposto Sobre Circulação deMercadorias, antecessor do atual ICMS, este Tribunal teve a oportunidade de asseverar:

“ICM. Para sua incidência não basta o simples deslocamento físico da merca-doria do estabelecimento comercial, industrial ou produtor. Faz-se mister que asaída importe num negócio jurídico ou operação econômica. Embargos conheci-dos e recebidos.” (Embargos de Declaração no RE 75.026, Rel. Min. Xavier deAlbuquerque, DJ de 5-12-1975)

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Também sob a égide da Constituição anterior, a Segunda Turma desta Corte, nojulgamento do RE 88.703, relatado pelo Min. Leitão de Abreu, assim decidiu:

“Ementa: Imposto de circulação de mercadorias. Importação de bens destina-dos a arrendamento mercantil (leasing). Não-incidência do imposto, conformeprecedentes do Supremo Tribunal Federal.

Recurso extraordinário conhecido e provido.”

A conjugação dos precedentes colacionados poderia ensejar, a um primeiro exame,conclusão assemelhada à adotada pelo Tribunal estadual, no sentido da não incidênciade ICMS sobre a operação de importação efetuada sob o regime de leasing, ante aausência de transferência da titularidade do bem.

A controvérsia travada nestes autos, entretanto, não encontra paradigmas nestaCorte.

De fato, os precedentes mencionados não examinaram a tributação em ICMS inci-dente sobre importações efetivadas sob o regime de arrendamento mercantil, mas apenasa imposição tributária envolvendo operações internas de leasing.

No primeiro julgado aqui referido, de lavra do Min. Rafael Mayer, discutia-se atributação de operação de leasing realizada no mercado interno brasileiro, efetivadaentre arrendador e arrendatário sediados no Brasil. Daí o aprofundamento das tesesperquiridoras da natureza jurídica do contrato de arrendamento mercantil, para saber sea operação ajustada nesses termos estaria a caracterizar prestação inserida no rol da Listade Serviços do ISS ou operação financeira ensejadora da cobrança de IOF, de competên-cia federal.

Nestes autos, a controvérsia refere-se à incidência do ICMS sobre importação deequipamento técnico (forno elétrico destinado à recuperação de vidros planos) a serincorporado ao ativo fixo do contribuinte, adquirido sob o regime de leasing firmadoentre arrendatário brasileiro e instituição arrendadora sediada no exterior.

Considero igualmente inaplicável o aresto de relatoria do Min. Leitão de Abreu,que rechaçou a imposição de ICM sobre a mercadoria importada com a finalidade de sercomercializada sob o regime de leasing.

De fato, no RE 88.703, nada mais se fez senão reiterar o entendimento então con-solidado nesta Corte — e que ensejou a providência legislativa contida na EC 23/83 —no sentido do descabimento da tributação em ICM de bem destinado ao ativo fixo docontribuinte. Até porque, ali não se questionava a tributação da operação de leasingpropriamente dita, mas a anterior, consistente na importação do bem que viria a serarrendado.

2. Passemos, pois, ao exame da questão, concernente à constitucionalidade daexigência de ICMS sobre a entrada de bem ou mercadoria importados em decorrência decontrato internacional de leasing.

Não se pode olvidar que o Constituinte de 1988, a exemplo do que já proclamadona Carta Pretérita, conferiu tratamento especialíssimo à incidência de ICMS sobre itensimportados.

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Com efeito, conquanto remanesça a circulação econômica como hipótese de inci-

dência genérica do imposto, o legislador constitucional determinou a incidência especí-

fica do tributo sobre a entrada da mercadoria ou bem importados do exterior. Veja-se o

dispositivo, na redação original, anterior à Emenda Constitucional n. 33/2001:

‘§ 2º O imposto previsto no inciso I, b, atenderá ao seguinte:

IX - incidirá também:

a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa

física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer

que seja a sua finalidade, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo

o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da merca-

doria, bem ou serviço;’

O exame desse dispositivo revela que, nessa circunstância, a imposição de ICMS

prescinde da verificação da natureza do negócio jurídico ensejador da importação. A

Constituição Federal elegeu o elemento fático “entrada de mercadoria importada” como

caracterizador da circulação jurídica da mercadoria ou do bem, e dispensou indagações

acerca dos contornos do negócio jurídico realizado no exterior.

Veja-se que, a par de incidir sobre “operações relativas à circulação de mercadorias”,

fez o Constituinte de 1988 constar do Texto Constitucional a expressa ressalva da

incidência sobre “a entrada” do bem importado.

Assim, uma vez concretizada a importação mediante a entrada de mercadoria ou

bem destinado ao ativo fixo, tem-se por ocorrida a circulação econômica, por presunção

constitucional.

E nem poderia ser de outra maneira, visto que o negócio jurídico ensejador da

importação não se encontra ao alcance do fisco brasileiro, nem foi pautado pelas leis

brasileiras, mas realizado no exterior. Por essa razão, em face da impossibilidade de

tributar o ajuste — a teor da regra das transações internas, em que o vendedor é o

contribuinte do ICMS —, o legislador constituinte optou por sujeitar ao ICMS o

resultado do ajuste, consubstanciado na entrada da mercadoria importada. Eis por que,

em contraponto ao sistema da incidência genérica sobre a circulação econômica, o

imposto será recolhido pelo comprador do bem que seja contribuinte do ICMS.

Rodolfo de Camargo Mancuso, em obra que é referência no tema, corrobora essa

orientação1:

“Efetivamente, os produtos importados sofrem, além da natural incidência

do imposto de importação, ainda a incidência do IPI no desembaraço alfandegário,

e do ICMS na entrada do estabelecimento importador. Como observa Arnaldo

Rizzardo, ‘nenhuma regalia fiscal favorece a importação para fins de leasing,

mesmo que o equipamento não permaneça definitivamente no território nacional.

A entrada no país constitui fato gerador para a incidência.”

1 Leasing. 3. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 272.

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Aqui não se cuida de fato gerador presumido, sendo certo que este Tribunal járeconheceu a especificidade da incidência do ICMS sobre a entrada de mercadoria im-portada, a autorizar, inclusive, a exigência de quitação tributária para fins de desemba-raço aduaneiro (RE 193.817, Plenário, Rel. para o acórdão Min. Ilmar Galvão, por mai-oria, precedente consolidado na Súmula 661).

O fato é que a necessidade da análise dos negócios que motivaram a entrada damercadoria importada, para fins de verificação da possibilidade de tributação em ICMS,traria como conseqüência uma imensa dificuldade na imposição do tributo sobre a im-portação de um bem adquirido por força de contrato internacional que eventualmentenão encontre correspondente no direito brasileiro, ou cujos contornos, em sede interna-cional, se revelem distantes dos realizados em território brasileiro.

De fato, um dos elementos definidores da operação de leasing é a opção do arren-datário, ao final do contrato, pela renovação do acerto, pela compra ou pela devoluçãodo bem ao arrendador.

Ora, a transferência da posse do bem, do arrendatário brasileiro de volta para oarrendador sediado no exterior, encontra obstáculos naturais, físicos e fáticos, numaindicação de que essa operação internacional talvez não albergue a precariedade daposse sobre o bem, elemento particular do instituto previsto na Lei n. 6.099/74.

Por outro lado, a legislação regedora da matéria mostrou-se cautelosa em relação aatos que pudessem desvirtuar a natureza do arrendamento mercantil, como observaRodolfo de Camargo Mancuso2:

“No caso do leasing internacional, a redação do art. 17 da Lei n. 6.099/74evidencia que a intenção do legislador foi, de um lado, proteger o mercado internoe, de outro, dificultar as manobras de elisão fiscal ou mesmo coartar a evasãofiscal, (...)”

Do exame dos autos concluo que, se houvesse a importação decorrida de contratode compra e venda, a tributação exsurgiria indiscutível, sem que sequer se pudesseevocar a incorporação ao ativo fixo para elidir a incidência tributária, já que a próprianorma constitucional admite essa imposição.

Entendimento contrário (ou seja, o de que a operação externa de leasing nãoautoriza a cobrança de ICMS) levaria ao estímulo de que as aquisições de bens de capitalpassassem a ser feitas por essa via de ajuste, para assim evitar a incidência tributária.

Nem se alegue que a questão teria resposta prevista na Lei Complementar 87/96,que prevê:

‘Art. 3º O imposto não incide sobre: (...)

VIII - operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bemarrendado ao arrendatário.’

Ou seja, o imposto incidirá se for exercida a opção de compra pelo arrendatário.

2 Op. cit., p. 273.

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Ora, esse dispositivo aplica-se, tão-somente, a operações internas de arrendamentomercantil. Não se revela factível, nas hipóteses como a dos autos, a incidência do ICMSpor ocasião da opção pela compra do bem, por parte do arrendatário sediado no Brasil.

Tudo porque a opção de compra constante do contrato internacional não está noâmbito da incidência do ICMS, nem o arrendador sediado no exterior é contribuinte. Poressa razão é que a Constituição Federal estabeleceu a entrada da mercadoria importadacomo fato gerador do imposto, a ser recolhido pelo comprador/arrendatário no Brasil.

Arnaldo Rizzardo assim expõe a questão3:

“Em todas as operações internas, a lei situou o fato gerador nas saídas dasmercadorias, enquanto nas compras feitas no exterior passa a ser exigível o impostoquando da entrada interna do bem pela razão óbvia da impossibilidade de tributaro vendedor domiciliado fora do país.”

Como se vê, por ocasião da opção de compra, a possibilidade da tributação emICMS estará exaurida, seja porque o bem já terá entrado no país em momento anterior,seja por que o arrendador sediado no exterior não é contribuinte do ICMS.

Ante o exposto, admito a incidência do ICMS sobre a entrada de mercadoria im-portada, qualquer que seja a natureza do ajuste internacional motivador da importação.

Em conseqüência, conheço do recurso extraordinário e dou-lhe provimento.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Sr. Presidente, acompanho a Ministra Ellen Gracie. AConstituição é clara, e essa técnica de tomar a entrada de produtos importados nosestabelecimentos como fato gerador vem lá do imposto de consumo.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, colho da Constituição Federal abase do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Consta do artigo 155,inciso II:

Art. 155 (...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações deserviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda queas operações e as prestações se iniciem no exterior.

Pouco importa se a operação tem início no exterior. Ingressando a mercadoria noterritório nacional e, segundo a dicção da Corte, no despacho aduaneiro, há de se com-provar, para esse mesmo despacho e liberação da mercadoria, o recolhimento do tributo.

Tenho sustentado, em vários casos, que a expressão, contendo referência a opera-ções relativas à circulação de mercadorias, direciona a ajuste próprio, a contrato próprio,que é o de compra e venda.

3 Arrendamento Mercantil no Direito Brasileiro. 4. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 268.

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Enfrentamos situação concreta, e fui Relator, em que o Estado — não lembro seSão Paulo — pretendeu cobrar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviçosrelativo a certo contrato de locação, e o Tribunal considerou que não se pode, conformeos ditames da Carta e do Código Tributário Nacional, mudar, mediante sutil jogo depalavras, a natureza do próprio ajuste. Foi essa a óptica que prevaleceu. Indago: qual adiferença entre o arrendamento mercantil e a locação a ditar, agora, se predominar aóptica da ilustrada maioria, a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias eServiços não quanto à locação mas ao arrendamento mercantil.

Qual seria a razão de ser dessa distinção que não está compreendida na Lei Funda-mental? É possível vislumbrar base para dizer que, em relação ao leasing interno, não háa incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, mas, no tocante aoleasing, considerada a mercadoria vinda do exterior — com menção no próprio inciso IIdo artigo 155 —, há a incidência do tributo.

É possível distinguir onde a ordem jurídica não distingue? A meu ver, não, SenhorPresidente. O que se contém na alínea a do inciso IX do § 2º do artigo 155 da Constitui-ção Federal — “sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoafísica ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer queseja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o impostoao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário damercadoria, bem ou serviço” — não resulta na existência de outro tributo, mas, sim, aalusão está vinculada ao tributo versado, mesmo porque o inciso IX compõe o artigo155.

Há mais, Presidente. A referência é a mercadoria importada. O que sugere mercado-ria importada? Mercadoria simplesmente locada? Alugada? Alvo de arrendamento mer-cantil? Não. Mercadoria adquirida, que se importa. É essa a noção versada no próprioCódigo Tributário Nacional.

A Corte de origem e, também, o Superior Tribunal de Justiça, já que a matéria sobo ângulo estritamente legal passou por aquela Corte via recurso especial, bem decidiramao estabelecer uma distinção, já que no contrato de leasing temos a viabilidade de oajuste inicial, que é simplesmente de arrendamento, transformar-se em compra e venda.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Todas as compras de artigos simplesseriam feitas pelo exterior.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não sei, Excelência, mas vamos apagar do cenárionacional o leasing!

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não vamos apagar, vamos tratá-locomo tal.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Estou tratando-o como tal, com a devida vênia.Estou perquirindo a natureza do próprio instituto do leasing, deixando de fazer a distin-ção entre o leasing interno e o externo, que, para mim, não está contemplada em normaalguma.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo foi inclusive pedagógico ao consig-

nar — na ementa ou no voto condutor do julgamento, mas faz parte do acórdão do

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pronunciamento da Corte — que a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercado-

rias e Serviços somente é possível havendo opção de compra quando do ajuste inicial de

locação, de arrendamento mercantil, transforma-se num ajuste de compra e venda. Con-

cluiu o Tribunal: se a opção for feita, terá plenamente direito a Fazenda do Estado em

exigir o imposto ora reclamado, por quê? Porque aí surge o fato gerador do tributo: a

operação de circulação de mercadorias presente a aquisição dessa mesma mercadoria.

Outro não foi o enfoque do Superior Tribunal de Justiça ao julgar recurso especial:

ICMS, equipamento importado, arrendamento mercantil, leasing, fato gerador, contri-

buinte, não-aquisição. No contrato de arrendamento mercantil leasing, não se caracte-

riza o fato gerador do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, não se dando

a saída jurídica a venda da mercadoria. O parecer do Procurador-Geral de Justiça, do

Fiscal da Lei — estou em boa companhia —, é no sentido, ainda na prática anterior da

Corte, do não-conhecimento do recurso por não ver, na decisão proferida pelo Tribunal

de Justiça, impugnada simultaneamente mediante o extraordinário e o especial, ofensa a

qualquer texto da Carta da República.

Reafirmo, Presidente: se o Tribunal assentou — e penso que o fez com acerto,

porque não há incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços no

caso de locação —, em ajuste em tudo semelhante à locação, que é o arrendamento

mercantil, simples arrendamento sem aquisição da mercadoria — repito —, não posso

concluir que, nesse caso, há a incidência do tributo, muito menos distinguindo: se o

leasing é feito a partir de mercadoria que vem do exterior, há incidência; se o leasing é

entabulado, não se tratando de mercadoria vinda do exterior, mas que saia de estabeleci-

mento situado no Brasil, não há incidência.

Peço vênia, Senhor Presidente, para conhecer do recurso interposto pelo Estado de

São Paulo e desprovê-lo.

VOTO

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Também acompanho a Relatora.

Estamos perante uma transação que igualmente envolve, ao fim e ao cabo, um

mecanismo por ela descrito. De resto, essa transação é irrelevante, porque a redação dada

pelo novo texto foi mais ampla. O texto anterior falava, exatamente: “para incorpora-

ção do ativo fixo”. E agora, com a reforma constitucional: “qualquer que seja a sua

finalidade”. Ou seja, universalizou aquela visão anterior.

EXTRATO DA ATA

RE 206.069/SP — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Recorrente: Estado de São

Paulo (Advogado: PGE/SP – Jose Celso Duarte Neves). Recorrido: FANAVID – Fábrica

Nacional de Vidros de Segurança Ltda. (Advogados: Adalberto Calil e outros).

Decisão: A Turma resolveu remeter o presente recurso extraordinário a julgamento

do Tribunal Pleno. Unânime. 1ª Turma, 18-9-2001.

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Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu do recurso e, por maioria, deu-lhe provimento, nos termos do voto da Relatora, vencido o Ministro Marco Aurélio. Votouo Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, o Ministro CarlosVelloso. Falou pelo recorrente o Dr. Aylton Marcelo Barbosa da Silva, Procurador doEstado.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Anto-nio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 1º de setembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 266.450 — MG

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso

Agravante: Estado de Minas Gerais — Agravada: Jaqueline Carvalho Silva

Recurso. Agravo regimental. Interposição contra decisão que provêagravo de instrumento regular, para subida do extraordinário. Inexistên-cia de preclusão e de prejuízo. Agravo não conhecido. Aplicação da Súmula289. Da decisão que provê agravo de instrumento para subida e melhorexame do recurso extraordinário, não cabe agravo regimental, salvoquando se afirme incognoscível o agravo de instrumento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,não conhecer do agravo regimental no agravo de instrumento. Não participou destejulgamento o Ministro Marco Aurélio.

Brasília, 6 de setembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo interposto contra decisão do teorseguinte:

“Subam os autos do recurso extraordinário, devidamente processado, paramelhor exame.” (Fl. 55)

Insiste a parte agravante seja provido o agravo, pelas razões expostas às fls. 58/63.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Incognoscível o agravo.

A decisão que provê agravo de instrumento para subida e melhor exame do recursoextraordinário não envolve juízo de admissibilidade deste, de modo que não gera pre-clusão a respeito, nem gravame a nenhuma das partes. É o que já se inferia à Súmula 289:“o provimento do agravo, por uma das Turmas do Supremo Tribunal Federal, aindaque sem ressalva, não prejudica a questão do cabimento do recurso extraordinário”.

Questão diversa seria eventual argüição de vício capaz de impedir a cognição doagravo de instrumento, caso em que se legitimaria uso de agravo regimental. Mas não édisso que trata a espécie, onde se não argüiu nem descobre irregularidade que fizesseincognoscível o agravo a que se deu provimento. A hipótese é de falta absoluta delesividade.

2. Diante do exposto, não conheço do agravo.

EXTRATO DA ATA

AI 266.450-AgR/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Estado deMinas Gerais (Advogado: Advocacia-Geral do Estado/MG – Bruno Resende Rabello).Agravada: Jaqueline Carvalho Silva (Advogados: Alann Helber de Oliveira e outros).

Decisão: A Turma não conheceu do agravo regimental no agravo de instrumento.Unânime. Não participou deste julgamento o Ministro Marco Aurélio.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Francisco Xavier Pinheiro Filho.

Brasília, 6 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 340.878 — RS

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence

Agravante: Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul – IPERGS —Agravado: Bellony Boeira

I - Contribuição previdenciária: incidência sobre proventos e pen-sões: inconstitucionalidade da cobrança no período sob a vigência da EC20/98.

RE provido, em parte, para determinar a restituição dos valoresdescontados a título de contribuição previdenciária no período sob avigência da EC 20/98.

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II - Recurso extraordinário: inviabilidade do exame da natureza dacontribuição prevista no art. 42, letra o, da Lei estadual (RS 7.672/82),por envolver interpretação de direito local (Súmula 280).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, darprovimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, para dar parcial provimentoao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 4 de maio de 2004 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É este o teor do despacho pelo qual dei provi-mento ao recurso extraordinário:

“O acórdão recorrido determinou que as pensões previdenciárias por mortedevem corresponder à totalidade dos vencimentos ou proventos do segurado, sevivo estivesse (art. 40, § 5º, da CF), e autorizou a incidência da contribuiçãoprevidenciária sobre os proventos da pensionista.

Em recurso extraordinário, sustenta-se, em síntese, a inconstitucionalidadeda exação.

Esta Corte, por unanimidade de votos, no julgamento Plenário da medidaliminar da ADI 2.010, (Celso, DJ de 12-4-2002), deferiu pedido de medida cautelarpara suspender, do caput do art. 1º da Lei n. 9.783/99, a eficácia das expressões “einativo, e dos pensionistas” e “do provento ou da pensão”, bem como a eficácia doart. 3º e seu parágrafo da mencionada lei, e, por maioria, vencidos os SenhoresMinistros Nelson Jobim e Moreira Alves, suspendeu a eficácia do art. 2º e seuparágrafo único da Lei n. 9.783/99.

Ademais, em caso análogo, o Plenário do Tribunal julgou a ADI 2.189-MC/PR(Pertence, j. em 4-5-2000, DJ de 4-6-2000), que tem a seguinte ementa:

“I - Contribuição previdenciária: incidência sobre proventos dainatividade e pensões de servidores públicos (Lei estadual 12.398/98, doParaná): densa plausibilidade da argüição da sua inconstitucionalidade,sob a EC 20/98, já afirmada pelo Tribunal (ADI 2.010-MC, 29-9-99).

1. Reservado para outra oportunidade o exame mais detido de outrosargumentos, é inequívoca, ao menos, a plausibilidade da argüição de incons-titucionalidade da norma local questionada, derivada da combinação, naredação da EC 20/98, do novo art. 40, § 12, com o art. 195, II, da ConstituiçãoFederal, e reforçada pela análise do processo legislativo da recente reformaprevidenciária, no qual reiteradamente derrotada, na Câmara dos Deputados,a proposta de sujeição de aposentados e pensionistas do setor público àcontribuição previdenciária.

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2. O art. 195, § 4º, parece não legitimar a instituição de contribuiçõessociais sobre fontes que a Constituição mesma tornara imunes à incidênciadelas; de qualquer sorte, se o autorizasse, no mínimo, sua criação só se pode-ria fazer por lei complementar.

3. Aplica-se aos Estados e Municípios a afirmação da plausibilidade daargüição questionada: análise e evolução do problema.

4. Precedentes.”

No mesmo sentido, a ADI 2.158-MC/PR (Pertence, j. em 30-6-2000, DJde 1º-9-2000) e ADI 2.188-MC/RJ (Néri, j. em 14-4-2000, DJ de 9-3-2001.

De acordo com os precedentes, dou provimento ao RE (art. 557, § 1º-A,do Código de Processo Civil)”.

Sustenta-se, em agravo regimental, que “os precedentes não se amoldam à espécie”,e que se deveriam considerar as seguintes circunstâncias: a) a contribuição instituídapela Lei estadual 7.672/82 não tem natureza previdenciária, pois destinada a custearassistência médica; e b) a vedação de cobrança de contribuição previdenciária dos ina-tivos e pensionistas teve origem apenas com o advento da EC 20, em dezembro de 1998.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): A alegação de que a contribuiçãoprevista no art. 42, letra o, da Lei estadual 7.672/82 refere-se à assistência médica e nãoà previdência social envolve análise de direito local: incide a Súmula 280.

Quanto à possibilidade da cobrança de contribuição previdenciária de inativos epensionistas antes do advento da EC 20/98, sob o texto originário da Constituição,compus a maioria que, em 28-6-1996, denegou a suspensão liminar na ADI 1.441-MC,Rel. o em. Ministro Octavio Gallotti, de disposição similar, da MP 1.415/96. Na ocasião,enfatizei:

“No fundo, as discussões sobre a chamada crise da Previdência e da SeguridadeSocial têm sido prejudicadas, de um lado e de outro, por uma argumentação opor-tunística de ambas as partes: a de tomar-se a Seguridade Social ora como se setratasse de um contrato, ora como se se tratasse, e efetivamente se trata, de uma açãoestatal independente de cálculos e considerações atuariais.

Assim como não aceito considerações puramente atuariais na discussão dosdireitos previdenciários, também não as aceito para fundamentar o argumentobásico contra a contribuição dos inativos, ou seja, a de que já cumpriram o quantolhes competia para obter o benefício da aposentadoria.

Contribuição social é um tributo fundado na solidariedade social de todos parafinanciar uma atividade estatal complexa e universal, como é a da Seguridade.”

Na mesma linha, em 30-5-2003, acompanhou-me a Primeira Turma no RE372.356-AgR.

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Assim, conheço do agravo regimental e dou-lhe provimento parcial para determi-nar a restituição dos valores pagos a título de contribuição previdenciária pelos inativose pensionistas somente com relação ao período posterior à EC 20, de 16-12-1998: é omeu voto.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, acompanho o voto de V. Exa.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, neste caso, distingo. Evidente-mente, após a Emenda Constitucional n. 20, não podemos falar da incidência da contri-buição sobre proventos ou pensão. Quanto ao período anterior à Emenda n. 20, há debuscar-se a elucidação na previsão da incidência quando admitido o servidor no serviçopúblico, já que temos, antes dessa Emenda n. 20, como garantia implícita da Carta, odireito adquirido ao regime jurídico e, com a Emenda n. 20, no que se cogitou damanifestação prévia e expressa do servidor, para tê-lo como apanhado pelo teto daPrevidência-Geral Social, criada a previdência complementar.

Creio que, na espécie, quando admitida a servidora ou o servidor que deixou apensão, não havia a previsão de incidência da contribuição social. Por isso, a lei poste-rior que a criou modificou uma situação em curso guardada pela Carta.

Peço vênia a Vossa Excelência para desprover simplesmente o agravo.

VOTO (Retificação)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, reformulo o meu voto, para acompa-nhar o voto do eminente Ministro Marco Aurélio.

VOTO (Confirmação)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Não reabri toda a discus-são do tema numa decisão de Turma, porque a questão foi examinada em medida caute-lar na ADIn 1.441, Relator o Ministro Gallotti, a propósito da Medida Provisória 1.415,de 1996, que instituíra a contribuição previdenciária sobre proventos de inativos epensionista da União. Na ocasião — posta, não obstante, com o brilho de sempre, peloMinistro Marco Aurélio a sua visão contratual da incidência ou não de contribuiçõesprevidenciárias —, o Plenário, com o meu voto, inclinou-se em sentido contrário, danatureza tributária da contribuição e, conseqüentemente, da possibilidade de sua imposi-ção por lei.

VOTO (Aditamento)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, o voto do eminente Ministro MarcoAurélio, em boa verdade, coincide com trabalho que escrevi sobre a inconstitucionali-dade da lei que instituiu a exação para pensionistas e aposentados e, ainda, exacerbou a

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alíquota numa previsão que chegava a vinte e cinco por cento. Lembro-me de quedefendi um ponto de vista — preciso refletir um pouco mais sobre ele — sobre a relaçãoentre o contribuinte e o Poder Público, ou seja, entre o servidor público, que, para efeitode previdência, tinha caráter securitário. Parecia-me uma típica relação contratual.

V. Exa., é claro, discorda desse ponto de vista.

A meu ver, constituía-se a isenção contributiva em direito adquirido. Recordo, até,que disse o seguinte: é verdade que não há direito adquirido a um regime jurídicoestatutário, mas há direito adquirido em qualquer regime jurídico, seja o estatutário ou oceletista.

Então, por isso, reformulo meu voto, não propriamente quanto à conclusão, mas paraacompanhar os fundamentos aqui esgrimidos pelo eminente Ministro Marco Aurélio.

EXTRATO DA ATA

RE 340.878-AgR/RS — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Agravante: Insti-tuto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul – IPERGS (Advogados: PGE/RS –José Guilherme Klimann e outros). Agravado: Bellony Boeira (Advogados: TelmoRicardo Schorr e outros).

Decisão: Após os votos dos Ministros Sepúlveda Pertence, Relator, e JoaquimBarbosa, conhecendo do agravo regimental no recurso extraordinário e dando-lhe parcialprovimento, e dos Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, negando-lhe provimento,pediu vista dos autos o Ministro Cezar Peluso. 1ª Turma, 12-8-2003.

Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Cezar Peluso, de acordo com oart. 1º, § 1º, in fine, da Resolução n. 278/2003.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da Repú-blica, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira.

Brasília, 27 de abril de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, aqui, Vossa Excelência não está conhe-cendo da questão de saber se o caso é, ou não, de benefício previdenciário, porque aresposta dependeria de reexame prévio da legislação estadual, a cuja luz decidiu otribunal a quo, mas está dando parcial provimento ao recurso, para determinar restitui-ção do que tenha sido pago após o advento da Emenda.

Estou de acordo.

VOTO (Confirmação)

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, apenas para uma reflexão maior,a autorização, prevista na Carta da República, para que os Estados criem contribuição,está vinculada a dois objetivos: à assistência social e à previdência social. A contribui-ção, em si, é sinalagmática, comutativa, ou seja, contribui-se para alguma coisa. Ora, se

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não se tem o objeto previsto no Diploma Maior, que é fazer frente às despesas alusivas àprevidência social, é possível admitir-se a criação da contribuição? A meu ver, não. Aí,não se pode cogitar da incidência da contribuição sobre proventos e pensões, porquenão se terá, no campo, repito, da previdência social — e é o objetivo da contribuiçãoautorizada pela Constituição Federal —, a contraprestação. Inclusive, até de forma umpouco irônica, cogitei, talvez, de uma aposentadoria no além, mas, para essa, não preci-samos contribuir, é um fato inafastável: a própria morte. Por isso, seria interessante estamatéria chegar ao Plenário.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Data venia, chegou.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: A minha memória, principalmente quando não meconvence a jurisprudência, é curta.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Eu não abro questõesresiduais.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não gravo as discussões travadas. Agora, não sei emque termos o Tribunal, no Plenário, decidiu sobre a matéria. Se com essa abrangência —em que pese a clareza da autorização da Constituição Federal, vinculando o tributo aesses dois objetivos —, a ponto de admitir, também, a incidência sobre proventos epensões.

O mais interessante é que, aí, surge o tratamento diferenciado — quanto àquelesque estão vinculados à previdência comum —, a quebra da isonomia.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Esses não têm paridade,recebem conforme o salário de contribuição.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não sei, considerado o que se satisfaz no tocante àatividade desenvolvida pelos servidores públicos hoje. Muitos deles percebem remune-ração bem baixa.

Leio o artigo 149, parágrafo primeiro, da Constituição Federal:

Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, co-brada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previden-ciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à contribuição dosservidores titulares de cargos efetivos da União.

EXTRATO DA ATA

RE 340.878-AgR/RS — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Agravante: Insti-tuto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul – IPERGS (Advogados: PGE/RS –Karina da Silva Brum e outros). Agravado: Bellony Boeira (Advogados: Telmo RicardoSchorr e outros).

Decisão: Continuando o julgamento, a Turma, por maioria de votos, deu provi-mento ao agravo regimental no recurso extraordinário, para dar parcial provimento aorecurso extraordinário, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros MarcoAurélio e Carlos Britto, que lhe negavam provimento.

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Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.

Brasília, 4 de maio de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 345.598 — DF

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Agravante: Distrito Federal — Agravados: Marcelo Silva Carvalho e outros

Concurso público — Policial militar — Limite de idade — Precedentes— Ausência de razoabilidade na exigência. Os pronunciamentos do Supre-

mo são reiterados no sentido de não se poder erigir como critério de admis-

são não haver o candidato ultrapassado determinada idade, correndo à

conta de exceção situações concretas em que o cargo a ser exercido engloba

atividade a exigir a observância de certo limite — precedentes: Recursos

Ordinários nos Mandados de Segurança n. 21.033-8/DF, Plenário, Relator

Ministro Carlos Velloso, Diário da Justiça de 11 de outubro de 1991, e

21.046-0/RJ, Plenário, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Diário daJustiça de 14 de novembro de 1991, e Recursos Extraordinários n.

209.714-4/RS, Plenário, Relator Ministro Ilmar Galvão, Diário da Justiçade 20 de março de 1998, e 217.226-1/RS, Segunda Turma, por mim

relatado, Diário da Justiça de 27 de novembro de 1998. Mostra-se pouco

razoável a fixação, contida em edital, de idade máxima — 28 anos —, a

alcançar ambos os sexos, para ingresso como soldado policial militar.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, negarprovimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto doRelator.

Brasília, 29 de junho de 2005 — Marco Aurélio, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Por meio da decisão de folha 179, o MinistroMaurício Corrêa, a quem sucedi na relatoria deste processo, proferiu decisão do seguinteteor:

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Insurgem-se os recorrentes contra acórdão proferido pelo Tribunal a quo queindeferiu a segurança em favor de candidatos que, aprovados em concurso público,foram impedidos de se matricular no curso de formação de soldado da Polícia Militardo Distrito Federal, porque suas idades excediam àquela prevista no edital.

2. A controvérsia acerca do limite de idade para ingresso no serviço públicojá passou pelo crivo desta Corte por ocasião do julgamento do RMS n. 21.046/RS,Sepúlveda Pertence, DJ de 14-11-91, e RMS 21.033/DF, Carlos Velloso, DJ de 11-10-91, quando se firmou o entendimento de que a Constituição Federal proíbequalquer discriminação para o ingresso no serviço público, inclusive quanto àcostumeira limitação de idade estabelecida na legislação ordinária, sendo certoque, ressalvadas as hipóteses em que as exigências de idade mínima e máximaderivam, expressa ou implicitamente, da própria Constituição, tem-se que o pre-ceito que consagra o princípio da isonomia, especificamente a respeito da admis-são ao trabalho, veda discriminação baseada em sexo, idade, cor ou estado civil.

Ante o exposto, com base no artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil,conheço do recurso e dou-lhe provimento.

Intime-se.

Daí o agravo de folhas 183 a 190, no qual o Distrito Federal alega a impossibilidadede o tema ter sido julgado de forma singular pelo Relator, ante a inaplicabilidade, àespécie, do disposto no artigo 557, § 1º, do Código de Processo Civil. Pretende seja oextraordinário submetido à Turma, em virtude da inexistência de jurisprudência pacífica econsolidada a respeito da matéria nele veiculada. Sustenta que esta Corte não se posicio-nou quanto ao fato de consistir discriminação ou desrespeito à Constituição Federal afixação, em edital, de limite de idade para o ingresso na carreira policial militar doDistrito Federal. Aponta que, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 197.479-6/DF,relatado pelo Ministro Octavio Gallotti, já se decidiu de modo contrário. Discorre sobreo tema de fundo, defendendo que a imposição do limite etário não implica afronta àCarta, pois o servidor militar teve o regime disciplinado de forma especial. Evoca osartigos 42, cabeça e § 1º, e 142, § 3º, inciso X, do Diploma Maior, ambos com redação daEmenda Constitucional n. 18, de 5 de fevereiro de 1998, e aduz que, no Estatuto daPolícia Militar local, dispõe-se que o candidato deverá satisfazer o requisito da idade,sem especificá-la. Assim, ficara a critério da Administração a fixação, no edital do con-curso, dos limites mínimos e máximos de idade para o ingresso na corporação, servindocomo parâmetros as peculiaridades do cargo.

Os agravados, apesar de instados a manifestar-se (folha 192), permaneceram silentes(certidão de folha 193).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste agravo, foram aten-didos os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A peça, subscrita por

procuradora do Distrito Federal, restou protocolada no prazo dobrado a que tem jus o

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agravante. A decisão atacada foi veiculada no Diário de 23 de junho de 2003, segunda-feira (folha 180), ocorrendo a manifestação do inconformismo em 30 imediato, segunda-feira (folha 183). Conheço.

Aplica-se, aos servidores públicos em geral, a norma do artigo 7º, inciso XXX, daConstituição Federal, ante a remissão contida no artigo 39, § 3º, dela constante. Poisbem, na esteira de reiterados pronunciamentos do Tribunal, entendeu o Relator, a quemsucedi, que não se pode placitar critério de admissão considerada a idade, a repercutirapenas diante da natureza das atribuições a serem desenvolvidas. Afastou a possibilida-de de, no tocante aos policiais militares, aprovados em concurso público de admissão nocurso de formação de soldado policial militar, ter-se a observância do limite de idade de28 anos. O que decidido está em harmonia com a razoabilidade e os precedentes destaCorte — Recursos Ordinários nos Mandados de Segurança n. 21.033-8/DF, Plenário,Relator Ministro Carlos Velloso, Diário da Justiça de 11 de outubro de 1991, e21.046-0/RJ, Plenário, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça de 14 denovembro de 1991, e Recursos Extraordinários n. 209.714-4/RS, Plenário, Relator Mi-nistro Ilmar Galvão, Diário da Justiça de 20 de março de 1998, e 217.226-1/RS, Segun-da Turma, por mim relatado, Diário da Justiça de 27 de novembro de 1998. O edital doconcurso acabou por fixar limite de idade que não guarda sintonia com as exigências,em si, do serviço. Diria mesmo que uma faixa etária que não se mostre muito avançada érequisito aconselhável para atuação como policial militar, para atuação que implica atémesmo o porte de arma. Glosou-se, no ato atacado mediante este agravo, teto que não secoaduna com o estágio da própria humanidade, quando os levantamentos revelam avan-ços no campo da sobrevivência útil.

Por último, consigno, mais uma vez, que o Tribunal proclamou ser regra a impossibi-lidade de se restringir a admissão a partir da idade, ocorrendo a exceção relativamente asituações concretas próprias a cargos e funções que exigem um limite, tendo em containclusive o grau de esforço a ser desenvolvido. Desprovejo o agravo.

EXTRATO DA ATA

RE 345.598-AgR/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Agravante: DistritoFederal (Advogada: PG/DF – Isabel Paes de Andrade Banhos) — Agravados: MarceloSilva Carvalho e outros (Advogados: Claudeana Maria Barros Lopes e Karla AndreaPassos e outros).

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordiná-rio, nos termos do voto do Relator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Compareceu o MinistroJoaquim Barbosa, a fim de julgar processos a ele vinculados. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 29 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 353.595 — TO

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Recorrente: Estado do Tocantins — Recorrida: Maria da Conceição OliveiraEvangelista

Aposentadoria — Invalidez — Proventos — Moléstia grave. Odireito aos proventos integrais pressupõe lei em que especificada adoença. Precedente: Recurso Extraordinário n. 175.980-1/SP, SegundaTurma, Relator Ministro Carlos Velloso, Diário da Justiça de 20 defevereiro de 1998, Ementário n. 1.899-3.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Primeira Turma, sob a presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade,conhecer do recurso extraordinário e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 3 de maio de 2005 — Marco Aurélio, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins conce-deu a ordem pleiteada pela recorrida, ante fundamentos assim sintetizados (folha 50):

Aposentadoria de servidor — Proventos — Doença incurável não relacio-nada, mas comprovada — Inaplicabilidade do art. 12, § 1º, I, da Constituiçãoestadual, c/c art. 208 da Lei n. 1050/99. Segurança concedida.

1 - Servidor Público portador de doença grave e incurável — mesmo que nãofigure tal doença entre as legalmente relacionadas —, tem direito a aposentadoriacom proventos integrais.

2 - O formalismo de preceitos legais e constitucionais não alcança e nematinge a realidade fática da impossibilidade definitiva do servidor, documental-mente comprovada, para o exercício de função pública.

3 - Ocorrência de condição extraordinária e excepcional, que justifica direitoa proventos de aposentadoria integrais. Abranda-se o rigor de lei para que se prati-que a justiça.

Os embargos de declaração que se seguiram foram conhecidos (folhas 70 e 71).

No extraordinário de folhas 74 a 82, interposto com alegada base na alínea a dopermissivo constitucional, o Estado do Tocantins articula com a transgressão dos artigos5º, inciso II, 37 e 40, inciso I, da Carta Política da República. Sustenta não ter jus arecorrida à aposentadoria com vencimentos integrais, uma uma vez que a doença por elacontraída não está relacionada como grave e incurável no § 1º do artigo 86 da Lei n.8.112/90, tampouco no artigo 208 da Lei local n. 1.050/99. Assevera estar a Administra-

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ção Pública adstrita ao princípio da legalidade, não podendo conceder aposentadoriaintegral a servidora com diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica e aneurisma cere-bral, sem que tais males estejam expressamente previstos em lei.

A recorrida apresentou as contra-razões de folhas 88 a 93. Aponta o caráter prote-latório do recurso e a harmonia da conclusão adotada pela Corte de origem com ajurisprudência dos tribunais. Evoca a orientação do Verbete n. 400 da Súmula destaCorte.

O procedimento atinente ao juízo primeiro de admissibilidade encontra-se às folhas103 a 105.

A Procuradoria-Geral da República, no parecer de folhas 114 a 117, preconiza oconhecimento e o provimento do recurso. Eis o resumo da peça:

Recurso extraordinário. Aposentadoria por invalidez. Proventos propor-cionais. Doença não especificada em lei. Art. 40, § 1º da CF/88 e art. 186, § 1º, daLei n. 8.112/90. Violação ao dispositivo constitucional invocado.

Parecer pelo provimento do recurso extraordinário.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste recurso, foram ob-servados os pressupostos gerais de recorribilidade. A peça, subscrita por procurador doEstado, restou protocolada no prazo de quinze dias assinado em lei.

Relativamente à matéria de fundo, a Corte de origem, mesmo transcrevendo oartigo 40, inciso I, da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional n.20/1998, veio a olvidá-lo. De início, a invalidez permanente gera aposentadoria comproventos proporcionais. Somente em se tratando de acontecimento decorrente de aci-dente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável espe-cificada em lei cabem os proventos na totalidade. Atente-se para o preceito:

Artigo 40 (...)

(...)

I - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo decontribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional,ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei.

(...).

Admitiu aquele tribunal que a legislação regedora da aposentadoria não contem-pla a doença de que acometida a recorrida, mas, mesmo assim, vencido o Relator, deu-seo deferimento da segurança como se, em que pese à inexistência de lei dispondo arespeito, houvesse a liquidez do direito. O tema não é novo na Corte. A Segunda Turma,no julgamento do Recurso Extraordinário n. 175.980-1/SP, relatado pelo Ministro CarlosVelloso, em julgamento do qual participei, concluiu, por unanimidade, pelo conhe-cimento e provimento do recurso do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo –IPESP para afastar os proventos totais. Assim sintetizou o entendimento do Colegiado oRelator:

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Constitucional. Administrativo. Servidor público: Aposentadoria por

invalidez. Moléstia grave: especificação em lei. CF, art. 40, I.

I - Os proventos serão integrais quando o servidor for aposentado por invali-

dez permanente decorrente de moléstia profissional ou doença grave, contagiosa

ou incurável, especificadas em lei. Se não houver essa especificação, os proventos

serão proporcionais: CF, art. 40, I.

II - RE conhecido e provido (Diário da Justiça de 20 de fevereiro de 1998,

Ementário n. 1.899-3).

Ante o quadro, conheço do recurso extraordinário e o provejo para indeferir a

segurança.

EXTRATO DA ATA

RE 353.595/TO — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Estado do

Tocantins (Advogado: PGE/TO – Adelmo Aires Júnior). Recorrida: Maria da Conceição

Oliveira Evangelista (Advogados: Ester de Castro Nogueira Azevedo e outro).

Decisão: A Turma conheceu do recurso extraordinário e lhe deu provimento, nos

termos do voto do Relator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros

Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da

República, Dra. Delza Curvello Rocha.

Brasília, 3 de maio de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 357.521 — RS

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello

Agravante: União — Agravado: Plínio Fleck S.A. Indústria e Comércio

Recurso extraordinário e recurso especial — Modalidades de recur-

sos excepcionais que possuem domínios temáticos próprios — Acórdão

emanado de Tribunal de jurisdição inferior que se apóia em duplo funda-

mento (um, de índole constitucional e outro, de caráter infraconstitucio-

nal) — Preclusão que se operou, na espécie, em relação ao fundamento de

índole meramente legal — Súmula 283/STF — Recurso improvido.

— O recurso extraordinário e o recurso especial são institutos de

direito processual constitucional. Trata-se de modalidades excepcionais

de impugnação recursal, com domínios temáticos próprios que lhes foram

constitucionalmente reservados.

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Assentando-se, o acórdão emanado de Tribunal inferior, em duplofundamento, e tendo em vista a plena autonomia e a inteira suficiênciadaquele de caráter infraconstitucional, mostra-se inadmissível o recursoextraordinário em tal contexto (Súmula 283/STF), eis que a decisão con-tra a qual se insurge o apelo extremo revela-se impregnada de condiçõessuficientes para subsistir autonomamente, considerada, de um lado, a pre-clusão que se operou em relação ao fundamento de índole meramentelegal e, de outro, a irreversibilidade que resulta dessa específica situaçãoprocessual. Precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notastaquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nostermos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os MinistrosCarlos Velloso e Gilmar Mendes.

Brasília, 16 de agosto de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, tempestivamenteinterposto, contra decisão que não conheceu do recurso extraordinário deduzido pelaparte ora recorrente.

A decisão agravada, com fundamento na jurisprudência desta Corte, reconheceua incidência da Súmula 283/STF, diante da existência, no acórdão recorrido, defundamento infraconstitucional autônomo, tornado irreversível em face de suapreclusão, motivada, no caso, pelo insucesso processual resultante do julgamento dorecurso especial.

Inconformada com esse ato decisório, a parte ora agravante interpõe o presenterecurso, postulando o conhecimento e o provimento do apelo extremo que deduziu (fls.145/147).

Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta ColendaTurma, o presente recurso de agravo.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Não assiste razão à parte ora recorrente,eis que a decisão agravada ajusta-se, com integral fidelidade, à diretriz jurisprudencialfirmada pelo Supremo Tribunal Federal na matéria ora em exame.

É que está a incidir, na espécie, como obstáculo insuperável ao conhecimento dorecurso extraordinário em causa, o enunciado inscrito na Súmula 283/STF, cujo teorrevela ser inadmissível o apelo extremo, quando a decisão recorrida — como no caso —assenta-se em mais de um fundamento suficiente, apto, por si só, a conferir, a tal atodecisório, existência autônoma.

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Com efeito, o acórdão em questão, não obstante o fundamento de naturezaconstitucional, também possui outro, de índole meramente ordinária, que, emboraquestionado em sede de recurso especial, tornou-se irreversível em face do trânsito emjulgado da decisão proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça, que examinou, emcaráter definitivo, esse fundamento de extração legal, viabilizando, desse modo, asubsistência autônoma da decisão questionada em sede recursal extraordinária.

Cumpre enfatizar, por necessário, que esse entendimento vem sendo observadoem sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Suprema Corte (RTJ 151/261-262 — RTJ 155/609 — AI 156.829-AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello — RE 168.517/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão — RE 169.074/RJ, Rel. Min. Octavio Gallotti — RE199.400-AgR/SC, Rel. Min. Sydney Sanches — RE 221.215/RJ, Rel. Min. Néri daSilveira, v.g.):

“O recurso extraordinário e o recurso especial são institutos de direitoprocessual constitucional. Trata-se de modalidades excepcionais de impugnaçãorecursal, com domínios temáticos próprios, que lhes foram constitucionalmentereservados.

Assentando-se, o acórdão do Tribunal inferior, em duplo fundamento, im-põe-se à parte interessada o dever de interpor tanto o recurso especial para oSuperior Tribunal de Justiça (para exame da controvérsia de caráter meramentelegal) quanto o recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (paraapreciação do litígio de índole essencialmente constitucional), sob pena de, emnão se deduzindo qualquer desses recursos, o recorrente sofrer as conseqüênciasindicadas na Súmula 283/STF, motivadas pela existência de fundamento inata-cado, apto a dar, à decisão recorrida, condições suficientes para subsistir autono-mamente.”

(RTJ 173/689-690, Rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello)

“Do sistema constitucional vigente, que prevê o cabimento simultâneo derecurso extraordinário e de recurso especial contra o mesmo acórdão dos tribunaisde segundo grau, decorre que da decisão do STJ, no recurso especial, só se admitirárecurso extraordinário se a questão constitucional objeto do último for diversa daque já tiver sido resolvida pela instância ordinária.

Não se contesta que, no sistema difuso de controle de constitucionalidade, oSTJ, a exemplo de todos os demais órgãos jurisdicionais de qualquer instância,tenha o poder de declarar incidentemente a inconstitucionalidade da lei, mesmode ofício; o que não é dado àquela Corte, em recurso especial, é rever a decisão damesma questão constitucional do tribunal inferior; se o faz, de duas uma: ou usurpaa competência do STF, se interposto paralelamente o extraordinário ou, casocontrário, ressuscita matéria preclusa.

Ademais, na hipótese, que é a do caso — em que a solução da questão cons-titucional, na instância ordinária, constitui fundamento bastante da decisão dacausa e não foi impugnada mediante recurso extraordinário, antes que a preclusãoda matéria, é a coisa julgada que inibe o conhecimento do recurso especial.”

(RTJ 153/684, Rel. Min. Sepúlveda Pertence)

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“Recurso extraordinário interposto de decisão do STJ, que não conheceu derecurso especial, dado que o acórdão do Tribunal de 2º grau assentou-se em funda-mento constitucional e infraconstitucional, certo que o fundamento constitucio-

nal utilizado é bastante e suficiente para manter o acórdão do 2º grau. Não tendohavido recurso extraordinário deste último (o RE foi indeferido e resultou irre-corrida a decisão indeferitória), a matéria constitucional precluiu — preclusãomáxima — o que inibe o conhecimento do recurso especial.”

(AI 149.518-AgR/SP, Rel. Min. Carlos Velloso)

“Assentando-se, o acórdão do Tribunal inferior, em duplo fundamento, im-

põe-se à parte interessada o dever de interpor tanto o recurso especial para o STJquanto o recurso extraordinário para o STF, sob pena de, em omitindo o apelo

extremo, sofrer, por força de sua própria inércia, os efeitos jurídico-processuais da

preclusão pertinente à motivação constitucional.

É inadmissível o recurso especial, quando, apoiando-se o acórdão recorridotambém em fundamento constitucional suficiente, não vem ele, neste ponto, a serobjeto de impugnação pela via recursal extraordinária ou, ainda que utilizadaesta, o apelo extremo deixa, qualquer que tenha sido o motivo, de ter seguimentoem virtude de ato decisório transitado em julgado.

A existência de fundamento constitucional inatacado revela-se bastante, só

por si, para manter, em face de seu caráter autônomo e subordinante, a decisãoproferida por Tribunal inferior.

— O acórdão do Superior Tribunal de Justiça somente legitimará o uso davia recursal extraordinária, se, nele, se desenhar, originariamente, a questão dedireito constitucional. Surgindo esta, contudo, em sede jurisdicional inferior, aimpugnação, por meio do recurso extraordinário, deverá ter por objeto a decisãoemanada do Tribunal de segundo grau, pois terá sido este, e não o STJ, o órgão

judiciário responsável pela resolução incidenter tantum da controvérsia de consti-tucionalidade. Precedentes.”

(AI 155.696-AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello)

“(...) Se não interposto recurso extraordinário contra o acórdão do Tribunalde Justiça, deu-se a preclusão das demais questões constitucionais, que não

podem ser suscitadas, pela primeira vez, em recurso extraordinário ajuizadocontra a decisão do Superior Tribunal de Justiça (...).”

(AI 256.572/GO, Rel. Min. Moreira Alves)

Em suma: assentando-se, o acórdão emanado de Tribunal inferior, em duplo fun-damento, e tendo em vista a plena autonomia e a inteira suficiência daquele de caráterinfraconstitucional, mostra-se inadmissível o recurso extraordinário em tal contexto(Súmula 283/STF), eis que a decisão contra a qual se insurge o apelo extremo revela-seimpregnada de condições suficientes para subsistir autonomamente, considerada, deum lado, a preclusão que se operou em relação ao fundamento de índole meramentelegal e, de outro, a irreversibilidade que resulta dessa específica situação processual.

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Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, nego provimento aopresente recurso de agravo, mantendo, em conseqüência, por seus próprios fundamentos,a decisão ora agravada.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

RE 357.521-AgR/RS — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: União(Advogado: PFN – Rodrigo Pereira de Mello). Agravado: Plínio Fleck S.A. Indústria eComércio (Advogados: Olivo Santin e outros).

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Minis-tros Carlos Velloso e Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Geraldo Brindeiro.

Brasília, 16 de agosto de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 378.999 — SP

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes

Agravante: União — Agravada: Varga S.A.

Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Art. 1º, IV, da Lein. 8.033, de 12 de abril de 1990. 3. Declaração de inconstitucionalidade.Juntada de precedente. Questão não apreciada por esta Corte. Agravoregimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Gilmar Mendes, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao apreciar o AI 378.999, o Ministro Néri daSilveira, meu antecessor, proferiu a seguinte decisão (fls. 57-58):

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“Despacho: Vistos. Trata-se de agravo de instrumento contra despacho do

ilustre Terceiro Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da Terceira Região,

que negou seguimento a recurso extraordinário, fundado no art. 102, III, b, da

Constituição Federal, aduzindo, para tanto, a ausência da ‘juntada do inteiro teor

do acórdão plenário que resolveu o incidente de inconstitucionalidade’ (fl. 39).

2. O agravo não merece prosperar.

3. A agravante não ataca os fundamentos do despacho agravado. Sustenta,

equivocadamente, que o despacho agravado, ao entender que não houve o

necessário prequestionamento, invadiu a competência da Corte ad quem na

análise dos pressupostos objetivos. Aplicável, na hipótese, a regra do § 1º do art.

317 do Regimento Interno do STF. Nesse sentido, o AI n. 330.535-1-AgR/SP,

Segunda Turma, à unanimidade, Relator o eminente Ministro Maurício Corrêa, DJ

de 21-9-01, assim ementado:

‘Ementa: Agravo regimental em agravo de instrumento. Ausência

de impugnação dos fundamentos da decisão que não admitiu o recurso

extraordinário. Inviabilidade do agravo. Artigo 317, § 1º, do RISTF.

1. Incumbe ao recorrente o dever de impugnar os fundamentos da deci-

são recorrida.

2. Inviável, diante da regra do § 1º do artigo 317 do RISTF, o agravo de

instrumento que se limita a reiterar as razões do recurso extraordinário sem

abordar o fundamento da decisão agravada.

Agravo regimental a que se nega provimento.’

4. Ademais, incensurável o despacho agravado no seu fundamento de dene-

gação de seguimento ao apelo extremo, conforme se depreende do julgamento do

RE n. 263.705-0/RS, Primeira Turma, à unanimidade, Relator o eminente Ministro

Moreira Alves, DJ de 16-3-01, assim ementado:

‘Ementa: Recurso extraordinário.

Esta Corte já firmou o entendimento de que, tendo sido declarada a

inconstitucionalidade de ato normativo pelo Plenário ou pelo Órgão Especial

do Tribunal a quo, é contra esse acórdão que se dirige o ataque por parte do

recurso extraordinário, razão por que, se ele não foi juntado ao aresto da

Turma ou Câmara julgadora, o recorrente deverá fazê-lo quando da interpo-

sição do recurso extraordinário, sob pena de, não ocorrendo uma ou outra

dessas hipóteses, não ser conhecido o recurso extraordinário. E, no caso, não

houve essa juntada.

Recurso extraordinário não conhecido.’

5. Ante o exposto, com apoio no art. 557 do Código de Processo Civil,combinado com o art. 21, § 1º, do Regimento Interno do STF, nego seguimento aoagravo.”

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A agravante, União (Fazenda Nacional), interpôs o agravo regimental de fls. 66/70,no qual sustenta:

“12. No que pertine, propriamente, à não juntada da Argüição de Inconstitu-cionalidade na AMS n. 16485, Registro n., 95.03.056130-2, que declarou a in-constitucionalidade do inciso IV do art. 1º da Lei n. 8.033/90, que trata do Impostosobre Operações Financeiras sobre operações de transmissão de ações de Compa-nhias Abertas, ela não se deu, porque o acórdão respectivo ainda não havia sidopublicado no Diário da Justiça à época da interposição do RE, conforme se vê doacórdão do tribunal Regional Federal da 3ª Região, verbis:

‘Assim, ressalvado, com a devida venia, meu entendimento que seafronta com o julgado de n. 95.03.056130-2), cuja relatoria coube ao ilustreDesembargador Federal Homar Cais, onde o Órgão Especial, em 21-5-98,feito que aguarda a lavradura do acórdão, por maioria, acolheu a argüição,é de se reformar a sentença para conceder a ordem.’ (fl. 19, destaques nossos).

13. O acórdão da Argüição de Inconstitucionalidade na AMS n. 16485 foisomente publicado em 5-3-2001, conforme cópia anexa, e o recurso extraordinárioda União (Fazenda Nacional) foi interposto em 6-4-2000 (fl. 23).

14. Assim, não havia como a União (Fazenda Nacional) juntar o referidoacórdão à época da interposição do recurso extraordinário, se esse acórdão nãohavia sido publicado; se esse acórdão não estava, ainda, à disposição das partes.”

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): No caso dos autos, o Tribunal de origemdeclarou a inconstitucionalidade do art. 1º, IV, da Lei n. 8.033, de 12 de abril de 1990.

Ao se interpor o recurso extraordinário não houve a juntada do precedente daargüição de inconstitucionalidade apreciada pelo órgão especial.

O apelo extremo foi inadmitido por esse fundamento.

O Ministro Néri da Silveira, meu antecessor, negou seguimento ao agravo de ins-trumento também pela ausência da juntada do precedente.

Sobre este tema, conforme já me pronunciei no AI 311.180-AgR, tenho sustentadoque a necessidade da juntada do inteiro teor do julgado mencionado não é absoluta. APrimeira Turma desta Corte, no julgamento do RE 147.702-AgR, Rel. Celso de Mello,DJ de 23-4-93, afastou essa obrigatoriedade tendo em vista a pacificação da matéria defundo por esta Corte, em acórdão assim ementado:

“Recurso extraordinário — Acordão recorrido que declara a constitucio-nalidade da Lei n. 7.689/88 — Ausência de fundamentação própria na decisãoproferida pelo orgão fracionário, que se reporta a incidente de inconstitucio-nalidade rejeitado pelo Plenário do Tribunal a quo — Mera remissão a julga-mento Plenário — Necessidade da juntada do inteiro teor do precedente invo-

cado — Prequestionamento não configurado — Agravo regimental a que se

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nega provimento. O acesso a via recursal extraordinária pressupõe, dentre outrosrequisitos, a existência, na decisão impugnada, de motivação própria e autônoma,que enseje, de modo imediato, a direta e plena compreensão da controvérsia cons-

titucional instaurada. Os órgãos fracionários dos Tribunais podem declarar a cons-titucionalidade das leis, eis que o principio da reserva de Plenário apenas incide nahipótese única de proclamação da ilegitimidade constitucional dos atos do PoderPúblico (RTJ 98/877). Se a decisão da Turma ou Câmara, ainda que aludindo ajulgamento plenário do Tribunal na resolução de questão prejudicial de constitu-cionalidade, contiver, ela própria, elementos suficientes que lhe confiram motiva-

ção autônoma e bastante, torna-se prescindível, para efeito das Súmulas 282 e 356do Supremo Tribunal Federal, a juntada do acórdão emanado do Pleno. A meratranscrição, pelo acórdão recorrido, da ementa pertinente a decisão plenária profe-rida no incidente de inconstitucionalidade não basta para atender ao requisitotécnico do prequestionamento, especialmente quando a síntese desse ato decisó-rio não se revela suficientemente esclarecedora da questão federal controvertida.”

Tanto não é absoluta que também a Segunda Turma, ao examinar esta exigência

em caso análogo ao presente, em sessão do dia 29 de outubro de 2002, assim decidiu:

“Ementa: Agravo regimental em recurso extraordinário. Constitucional.

Tributário. Declaração incidental de inconstitucionalidade de lei. Juntada do

precedente invocado no acórdão recorrido.

Afigura-se improcedente a alegação de que a ausência nos autos do prece-dente invocado pelo juízo de origem como razão de decidir impossibilitaria oconhecimento do recurso extraordinário, dado que o acórdão impugnado repor-tou-se expressamente aos fundamentos da decisão que lhe serviu de base, na qual

foi declarada a inconstitucionalidade de lei.

Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 191.963-AgR, 2ª T., Rel.Maurício Corrêa, DJ de 21-3-03)

De fato, parece-me prescindível, para o conhecimento de recurso extraordináriofundado na alínea b do permissivo constitucional, a juntada da decisão no incidente deinconstitucionalidade apreciado pelo Tribunal de origem quando esta Corte já houverenfrentado e pacificado a controvérsia constitucional levantada.

Entretanto, no presente caso não houve pronunciamento deste Tribunal sobre aquestão. Destarte, entendo que permanece necessária a juntada do precedente de incons-

titucionalidade.

Relativamente à alegação de impossibilidade de juntada do inteiro teor do acórdão,por não ter sido publicado quando da interposição do recurso extraordinário, resta indis-pensável a oposição dos embargos de declaração, conforme determina a jurisprudênciadesta Corte, v.g., o RE 340.151-AgR, 1ª T., Rel. Eros Grau, DJ de 17-12-04:

“Ementa: Agravo regimental em recurso extraordinário. Constitucio-

nal. Lei 8.742/93: benefício assistencial. Ausência do inteiro teor do aresto

paradigma. Agravo não provido.

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1. A jurisprudência da Corte é no sentido de que ao conhecimento e julga-mento do recurso extraordinário é imprescindível a ciência da motivação doacórdão recorrido, salvo se a ausência dela é o fundamento da irresignação extrema.Assim, se a decisão recorrida apenas se reporta à fundamentação de precedente doTribunal a quo, não se conhece do extraordinário se o recorrente não opôs embargosde declaração nem fez prova do teor do precedente invocado.

2. Portanto, duas são as oportunidades facultadas ao recorrente para a juntadado inteiro teor do precedente citado no julgado recorrido: a primeira, por meio daoposição de embargos declaratórios perante o Tribunal de origem; a segunda, porocasião da interposição do recurso extraordinário, quando se faz a prova do arestoplenário que declarou a inconstitucionalidade da norma, que é fundamento doacórdão dissentido.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.”

Assim, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

AI 378.999-AgR/SP — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravante: União(Advogado: PFN – Euler Barros Ferreira Lopes). Agravada: Varga S.A. (Advogados:Marçal de Assis Brasil Neto e outros).

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,nos termos do voto do Relator.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral daRepública, Dra. Sandra Verônica Cureau.

Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 429.326 — MG

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto

Agravantes: Nexus Empreendimentos Ltda. e outros — Agravada: União

Agravo regimental interposto, via fac-símile, intempestivamente.Alegada ocorrência de feriado religioso na cidade em que se localiza oescritório do advogado subscritor do recurso.

Tratando-se de recurso a ser protocolizado no Supremo TribunalFederal, apenas o fechamento da Secretaria desta colenda Corte ou encer-ramento do respectivo expediente antes da hora normal teriam o condãode prorrogar o prazo recursal até o primeiro dia útil imediato (§ 5º do art.104 do RISTF).

Agravo regimental não conhecido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma

do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,

não conhecer do agravo regimental no recurso extraordinário.

Brasília, 18 de outubro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de agravo regimental contra decisão

singular que ficou assim redigida:

“Trata-se de recurso extraordinário, com base na alínea a do inciso III do art.

102 da Carta de Outubro, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª

Região, tribunal que, apoiado na Lei Complementar n. 70/91, considerou legítima

a incidência da Cofins sobre os valores decorrentes da venda de imóveis.

2. A parte recorrente alega violação aos seguintes dispositivos constitucio-

nais: inciso II do art. 5º, inciso II do art. 59, inciso III do art. 146 e incisos I e II do

art. 150.

3. O recurso não merece acolhida. Isso porque a ofensa à Carta Magna, se

existente, dar-se-ia de modo reflexo ou indireto, circunstância que não autoriza a

abertura da via extraordinária.

4. Nesse sentido, entre outros, o AI 322.142, Relator Ministro Sepúlveda

Pertence, e o AI 500.691, Relator Ministro Gilmar Mendes.

5. De mais a mais, observo que o recurso especial manejado simultaneamente

à interposição do presente extraordinário não prosperou. Assim, persistem os fun-

damentos infraconstitucionais da decisão impugnada, o que atrai a incidência da

Súmula 283 deste excelso Supremo Tribunal Federal, in verbis:

‘É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida

assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos

eles.’

Por todo o exposto, frente ao caput do art. 557 do CPC e ao § 1º do art. 21 do

RISTF, nego seguimento ao recurso.”

2. Pois bem, a parte agravante alega ofensa direta à Carta de Outubro. Afirma que

é inaplicável ao caso dos autos a Súmula 283 desta colenda Corte. Nesse diapasão,

reitera as razões do apelo extremo.

3. Havendo mantido a decisão recorrida, submeto o feito à apreciação da Turma.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Tenho que o presente recurso é intem-pestivo.

6. Com efeito, a publicação da decisão agravada ocorreu em 9 de agosto deste ano(fl. 189) e a petição de agravo regimental só foi apresentada, via fac-símile, em 16 deagosto (fl. 191). Portanto, posteriormente ao dia do vencimento do prazo legal de 5(cinco) dias, 15 de agosto.

7. É verdade que a parte agravante alega haver sido o prazo recursal prorrogado atéo dia 16 de agosto. Isso em razão da ocorrência, em 15 de agosto, de feriado religioso emBelo Horizonte — cidade em que se localiza o escritório do advogado subscritor doagravo.

8. Tal alegação, no entanto, além de não comprovada devidamente (como exige ajurisprudência desta excelsa Corte), não deve prosperar. É que, tratando-se de recurso aser protocolizado no Supremo Tribunal Federal, apenas o fechamento da Secretariadesta colenda Corte ou encerramento do respectivo expediente antes da hora normalteriam o condão de prorrogar o prazo recursal até o primeiro dia útil imediato (§ 5º do art.104 do RISTF).

9. Ante o exposto, não conheço do agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

RE 429.326-AgR/MG — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravantes: NexusEmpreendimentos Ltda. e outros (Advogados: Wander Santos Pinto e outros). Agravada:União (Advogado: PFN – Waldemar Claudio de Carvalho).

Decisão: A Turma não conheceu do agravo regimental no recurso extraordinário.Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Cezar Peluso.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Carlos Britto e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro CezarPeluso. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho.

Brasília, 18 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

QUESTÃO DE ORDEM NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 446.907 — AP

Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa

Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Carlos Britto

Recorrentes: João Alberto Rodrigues Capiberibe e outros — Recorridos: DiretórioRegional do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB e outros

Questão de ordem. Recurso extraordinário eleitoral. Comunicaçãoao Tribunal Superior Eleitoral. Cumprimento imediato da decisão plená-ria. Publicação do acórdão. Desnecessidade.

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O pedido de comunicação imediata ao Tribunal Superior Eleitoralda decisão plenária proferida no recurso extraordinário é de ser deferido.Isso porque, não obstante o referendo à medida liminar concedida nosautos da Ação Cautelar n. 509 (Relator o Ministro Eros Grau), há decisãofinal de mérito no apelo extremo. Decisão que foi contrária àquela refe-rendada pelo Plenário em sede cautelar e sem nenhuma ressalva quanto àpossibilidade de permanência dos recorrentes nos respectivos cargos atéo trânsito em julgado do extraordinário.

Ante a natureza eminentemente efêmera dos provimentos cautela-res e sua incompatibilidade com a decisão final tomada no apelo extremo,é de se ter como instantaneamente cassada a liminar, não havendo, por-tanto, motivo para aguardar o trânsito em julgado do recurso.

Questão de ordem que se resolve no sentido do imediato cumpri-mento da decisão Plenária de 22-9-2005, com as comunicações devidas.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,resolver a questão de ordem no sentido de comunicar a decisão tomada pelo Supremopara suprir os efeitos de direito, vencidos os Ministros Joaquim Barbosa (Relator), ErosGrau e Marco Aurélio. Votou o Presidente.

Brasília, 20 de outubro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Nas Petições avulsas 114.795 e 115.683, o Dire-tório Regional do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB e outrosrequerem a comunicação do resultado do julgamento do RE 446.907 às presidências doTribunal Superior Eleitoral, do Tribunal Regional Eleitoral, da Câmara dos Deputados edo Senado Federal.

Já na Petição 115.275, João Alberto Capiberibe e outros pugnam pelo indeferi-mento dos requerimentos mencionados.

Creio tratar-se de matéria pertinente à execução do julgado relativo ao RE446.907, decidido na Sessão Plenária de 22-9-2005.

Considerando que já houve manifestação do Pleno sobre o recurso extraordinárioem questão, entendo que seria cabível a remessa dessas petições à Presidência do Tribu-nal, nos termos do art. 13, VI, e do art. 340, II, ambos do Regimento Interno do STF, paraas providências cabíveis, a exemplo de como se procedeu com petições avulsas apresen-tadas na ACO 730, que diziam respeito à execução do julgado naquela oportunidade(mandado de segurança impetrado pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio deJaneiro contra o Banco Central).

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Não obstante, a Presidência da Corte determinou o encaminhamento de uma dessaspetições a meu Gabinete, tendo em conta que fui designado para redigir o acórdão, poiso Relator ficou vencido.

Transcrevo a decisão do eminente Ministro Presidente:

“Decido.

Em 17-11-2004, o Ministro Eros Grau concedeu a cautelar requerida na AC509, nestes termos:

‘(...)

(...) em face da duvidosa constitucionalidade do artigo 41-A da Lei n. 9.504/97 — tendo em vista o texto do § 9º do artigo 14 da Constituição do Brasil e odisposto no artigo 15 da Lei Complementar 64/90 — concedo a cautela requerida,para atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto contra o despa-cho que inadmitiu o recurso extraordinário nos autos do RO 21.264/AP, até o seutrânsito em julgado.

5. Comunique-se com urgência ao TSE e ao TRE do Estado do Amapá.

(...)’ (grifos nossos)

Essa decisão foi referendada no Plenário em 2-12-2004 (fl. — AC 509).

O requerente, ao argumento de que recurso extraordinário não tem efeitosuspensivo, pretende, na verdade, a imediata execução do acórdão proferido noTSE.

No julgamento do RE 446.907, o Plenário não deliberou a respeito.

Tal pleito deve ser examinado em questão de ordem.

Determino a remessa dos autos ao Gabinete do Ministro Joaquim Barbosa.”

Submeto a questão ao Plenário, para apreciação do requerimento de imediata exe-cução do acórdão.

É o breve relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Considero, inicialmente, que seria daPresidência da Corte a competência para apreciar os pedidos em questão, sobretudo emobservância ao disposto nos arts. 13, VI, e 340, II, do Regimento Interno, razão por quevotaria pela devolução das petições à Presidência, para que procedesse como entendessede direito.

Não obstante, como a Presidência decidiu remeter a meu Gabinete os autos e ospedidos formulados já relatados, apresento a questão ao Pleno, nos termos do art. 343, II,do Regimento Interno, pois creio tratar-se de incidente de execução.

Deixei de examinar monocraticamente o pedido de comunicação imediata paracumprimento do julgado porque uma análise dessa natureza poderia importar alteraçãoda proclamação do resultado do julgamento do RE 446.907, feita nos seguintes termos:

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“O Tribunal, por maioria, não conheceu da preliminar quanto ao fundamentodo artigo 121, § 4º, inciso IV, da Constituição Federal, vencidos os SenhoresMinistros Eros Grau (Relator), Marco Aurélio e Celso de Mello. Em seguida, oTribunal, por maioria, não conheceu do recurso extraordinário, vencido o Relator,que dele conhecia e dava-lhe provimento. Votou o Presidente, Ministro NelsonJobim. Redigirá o acórdão o Ministro Joaquim Barbosa. Declarou impedimento oMinistro Sepúlveda Pertence. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie.Falaram, pelos recorrentes, o Dr. Paulo Saraiva da Costa Leite; pelo recorrido, o Dr.Osvaldo Flávio Degrazia e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Roberto Mon-teiro Gurgel Santos, Vice-Procurador-Geral da República. Plenário, 22-9-2005.”

Como se observa, a proclamação do resultado não fez referência alguma ao efeitosuspensivo atribuído ao recurso na AC 509.

Nesse sentido, a execução do julgado, caso fosse cabível, não poderia acrescentarou suprimir significado à deliberação do Plenário.

Para todos os efeitos, o Pleno referendou a liminar decidida pelo eminente Minis-tro Eros Grau, que a deferira para “atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumentointerposto contra o despacho que inadmitiu o recurso extraordinário nos autos do RO21.264/AP, até o seu trânsito em julgado” (DJ de 25-11-2004)

Acredito que a única leitura possível dessa decisão seja a de que o efeito suspensivofoi atribuído até o trânsito em julgado da decisão do recurso extraordinário, até porque,quando a liminar foi referendada, este já havia sido admitido.

Não há que se falar, ainda, em execução do julgado, até porque, em matériascomo a presente, a Corte apenas excepcionalmente determina a execução imediata,com comunicação à Justiça Eleitoral, para evitar protelação por parte da defesa daspartes, tendo em conta o natural efeito suspensivo que parece ser atribuído ao recursoextraordinário referente a cassação de mandato pela legislação eleitoral (art. 15 da LCP64/1990).

Neste momento, portanto, é inviável proceder-se à imediata comunicação do jul-gado ao TSE para as finalidades pretendidas pelo ora recorrido.

Mais do que isso: esta Corte só poderia deliberar contrariamente ao referendo daliminar na AC 509 em embargos de declaração no extraordinário, recurso esse queobviamente ainda não foi interposto, pois o acórdão ainda não foi publicado.

Assim, resolvo em questão de ordem o incidente, votando pelo indeferimento dapetição dos recorridos (Diretório do PMDB).

DEBATE

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Joaquim Barbosa, não é aquestão do art. 41-A da Lei Eleitoral?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas isso não foi deliberado.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Pergunto se a questão da decisão do TSEnão diz respeito à aplicação do art. 41-A.

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O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Diz respeito, mas, na nossa decisão dorecurso extraordinário, isso não foi decidido.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Como é que Vossa Excelência resolve oproblema da lei eleitoral de determinar a execução imediata do acórdão?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Isso passou in albis na nossa delibera-ção no RE.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então temos de decidir isso agora.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Creio que não. Não podemos decidiragora, porque estaríamos adicionando algo à deliberação.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas se não foi decidido, foi suscitado oproblema. Vossa Excelência está trazendo o problema da executabilidade do acórdão. Ehá uma legislação eleitoral (art. 41-A), que determina a execução imediata. Vossa Exce-lência não acabou de dizer que não foi decidido?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): A meu ver, Senhor Presidente, issodeveria ter sido deliberado por nós no momento do julgamento do recurso extraordiná-rio; e não o fizemos.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Tanto é que Vossa Excelência está tra-zendo a questão de ordem para decidir aqui.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Estou trazendo a questão de ordemporque as partes a isso me compeliram.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Acompanho o Ministro Joaquim Barbosa e tenho brevecomentário.

O Supremo entende que a medida cautelar voltada a conferir efeito suspensivo arecurso extraordinário é mero incidente relativo ao julgamento do processo, que seexaure com o deferimento ou o indeferimento do pedido (Pet n. 2.464-AgR, Relator oMinistro Carlos Velloso, DJ de 18-6-2002).

Ora, transitado em julgado o acórdão que referendou a medida liminar concedida,não há como revolver a questão para acolher eventual alegação de vício no julgamento.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Esse precedente que Vossa Excelênciaestá citando é o 41-A?

O Sr. Ministro Eros Grau: Não, esse precedente não é do art. 41-A.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O problema é saber se é art. 41-A, ou não.

O Sr. Ministro Eros Grau: Vossa Excelência quer que eu pule essa parte do meuvoto?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Pode ler à vontade. Mas a questão ésaber se é art. 41-A; só estou pedindo informação.

O Sr. Ministro Eros Grau: Ainda não é. Vou continuar.

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Ora, transitado em julgado o acórdão que referendou a medida liminar concedida,não há como revolver a questão para acolher eventual alegação de vício no julgamento.A finalidade da medida cautelar já foi alcançada: concessão de efeito suspensivo aorecurso extraordinário.

Considere-se, ou não, o disposto no art. 41-A, a medida cautelar foi concedidanesses amplos termos.

E, no caso em exame, de acordo com o relatório da tramitação da Ação Cautelar509, o requerente, PMDB, tomou ciência do acórdão proferido nos autos, manifestandoseu desejo de não recorrer. Isso significa anuência com os termos do acórdão proferidona ação cautelar.

Não há como ressuscitar o procedimento da ação cautelar para sanar eventual víciodo julgado.

É incongruente, por outro lado, a afirmação de que o julgamento do recurso extra-ordinário substitui integralmente a decisão proferida na Ação Cautelar 509. Uma e outratêm objetos distintos. Aqui não se pode falar em substituição. O acórdão da medidacautelar tem único fundamento: em face do periculum in mora, do fumus boni iuris, dorisco de dano irreparável ou de difícil reparação e porque à primeira vista a Corte vislum-brou a viabilidade do recurso, o Tribunal deferiu, excepcionalmente, efeito suspensivoao extraordinário. O mérito da pretensão recursal não estava inserido no bojo da açãocautelar. Daí não ter sentido a menção ao fenômeno processual da substituição de julga-dos prevista no artigo 512 do Código de Processo Civil.

É a primeira parte.

A segunda parte do meu voto:

Quanto à pretensão de proceder-se prontamente às comunicações, é certo que aconcessão de efeito suspensivo conferido pela Corte ao recurso extraordinário não seexaure com o seu julgamento. Publicado o acórdão, é facultada às partes interessadas aoposição de embargos de declaração. O efeito suspensivo conferido ao processo princi-pal estende-se a essa via processual de integralização e, no âmbito do Supremo Tribunal,também de impugnação (RISTF, artigo 338). Aliás, esse foi o entendimento do MinistroCarlos Velloso, bem assim da Ministra Ellen Gracie, quando os recorrentes, para obstara execução imediata do acórdão eleitoral, requereram a concessão de efeito suspensivoao julgamento. Esse relato consta do acórdão da AC 509, no voto do Ministro CarlosVelloso.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: É verdade, concedi até que fosse publicado oacórdão no TSE.

O Sr. Ministro Eros Grau: É exatamente isso que vou dizer.

Tal como no presente momento, o PMDB pugnou pela imediata execução dojulgado. Inicialmente, a Ministra Ellen Gracie deferiu medida liminar para suspender aexecução da decisão prolatada no recurso especial, até que o acórdão fosse publicado.Publicado o acórdão e opostos embargos de declaração, o Ministro Carlos Velloso, noexercício da Presidência do TSE, deferiu efeito suspensivo aos embargos de declaraçãoe esclareceu:

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“É que os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo. Todavia, o acórdãosó se completa com a sua publicação e os embargos de declaração constituem partedo acórdão. Portanto, somente a publicação deste é que autorizaria, ao que penso,o cumprimento imediato da decisão.”

Já se tratava do art. 41-A quando foi tomada essa decisão.

Não é diversa a presente situação. O recurso extraordinário possui apenas efeitodevolutivo. Vale dizer, em regra é possível a execução provisória do julgado, desde quenão se esgote o objeto da lide. Esta Corte, no entanto, via incidente cautelar, conferiu àimpugnação também o efeito suspensivo, até o trânsito em julgado. Mal ou bem, é essaprovidência cautelar outorgada.

Assim como ocorreu no âmbito do TSE, o PMDB pretende a execução imediata dojulgado, ainda que consciente do efeito suspensivo conferido ao recurso e da não-publi-cação do acórdão. Busca, assim procedendo, tornar inócua qualquer impugnação que osrecorrentes queiram apresentar a esta Corte. Pretende desta forma impedir o acesso àefetiva prestação jurisdicional, uma uma vez que, sem a publicação do acórdão, não seabre a via recursal às partes. O que a Constituição veda seja feito por lei (CB, artigo 5º,XXXV), o PMDB pretende venha a ser feito via jurisprudência.

Recorde-se que, nas hipóteses em que esta Corte determinou o imediato cumpri-mento da decisão, estava implícito o abuso do direito de recorrer. Havia acórdão publi-cado nesses casos e foram opostos embargos de declaração mais de uma vez. Somentepor ocasião dos segundos embargos a Corte decidiu pela comunicação e pelo cumpri-mento imediato da decisão, independentemente da publicação do acórdão (EDCL/EC/RE 244.161, DJ de 24-11-2000, Relator Octavio Gallotti). Assim também nos Embargosde Declaração no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 469.699, Relator oMinistro Celso de Mello, DJ de 21-11-2003:

“Ementa:

(...)

O Supremo Tribunal Federal — reputando essencial impedir que a interposi-ção sucessiva de recursos, destituídos de fundamento juridicamente idôneo, cul-mine por gerar inaceitável procrastinação do encerramento da causa — tem admi-tido, em caráter excepcional, notadamente quando se tratar de processos eleitorais,que se proceda ao imediato cumprimento da decisão recorrida, independentementeda publicação do respectivo acórdão.”

Nitidamente não se verifica, no caso, a excepcionalidade retratada nos precedentesdo Supremo: não há acórdão publicado. Daí por que nem ao menos tem cabimento falar-se em recursos abusivos, procrastinatórios e destituídos de fundamentos.

Por isso, rejeito a questão de ordem e acompanho o Ministro Joaquim Barbosa. Nãoacolho o pedido de comunicação imediata da decisão, ainda que se trate do art. 41-A.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, num primeiro momento, este Ple-nário referendou a cautelar, deferida pelo Ministro Eros Grau, no sentido da permanên-cia dos recorrentes no RE n. 446.907 nos respectivos cargos.

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Ocorre que, no julgamento de mérito desse RE, a decisão foi em sentido contrário

àquela referendada pelo Plenário, referente à liminar do Ministro Eros Grau, sem que

essa decisão mais nova no RE ressalvasse a permanência dos recorrentes nos respectivos

cargos até o trânsito em julgado do próprio RE.

Ora, tendo em vista a natureza eminentemente efêmera dos provimentos cautelares

e sua incompatibilidade com a decisão tomada no RE, entendo que a liminar foi ins-

tantaneamente cassada, não havendo, portanto, motivo para se esperar o trânsito em

julgado do RE.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas, Ministro Carlos Britto, o RE ainda

não transitou em julgado.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu sei, mas não há necessidade do seu trânsito em

julgado.

Então, divergindo, meu voto é para que seja cumprido de imediato o que decidi-

mos no RE.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, também eu, que participei no

Tribunal Eleitoral da decisão desse caso, verifico que, desde aquela parte até hoje, já se

passaram vários meses e o mandato eletivo se vai esgotando.

Então estamos chegando àquela situação, Ministro Eros Grau, em que de fato o

objeto da ação ficará inteiramente prejudicado se não houver aquilo que a legislação

eleitoral previu expressamente. Os casos do art. 41-A impõem execução imediata à

decisão.

Lamento divergir de Vossa Excelência, mas voto pela imediata comunicação da

decisão terminativa desta Corte, que substituiu aquela originalmente objeto de decisão

liminar.

Acompanho a divergência inaugurada pelo Ministro Carlos Britto.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, compreendo a angústia do re-

querente no que, a prevalecer o acórdão até aqui não confeccionado do Supremo, terá

acesso a uma cadeira no Senado da República. Não posso, porém, por mais que homena-

geie o pragmatismo e a estabilidade das decisões da Corte, desconhecer que ainda não se

tem, devidamente formalizado, o acórdão.

Creio ser menos traumático procurar-se a liberação das notas taquigráficas para a

confecção do acórdão do que se chegar ao atropelo, à execução de acórdão que ainda

não compõe o ordenamento jurídico e que poderá ensejar impugnação mediante embar-

gos declaratórios, quer considerada a integração própria, quer considerado esclareci-

mento que também motiva esse recurso.

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E há mais: esta Corte, ao referendar a liminar — e imaginei que talvez pudesse estar

suplantada a fase, mas não está —, proclamou que persistiria até o trânsito em julgado da

decisão final no extraordinário.

Não se trata de perquirir se o recurso tem efeito simplesmente devolutivo ou sus-

pensivo. Houve ato do Plenário conferindo o efeito suspensivo, mas, mesmo que não

tivesse havido, seria possível a execução com contornos definitivos do pronunciamento

do Tribunal Superior Eleitoral? A resposta é desenganadamente negativa, porquanto

sabemos que, pendente recurso, a execução — e a matéria de fundo não permite essa

espécie de execução — é, de regra, simplesmente provisória.

Não tenho como colocar este caso na vala daqueles outros em que o Tribunal, ante

a sucessividade de embargos declaratórios com nítido caráter protelatório, determinou o

cumprimento imediato de decisão proferida. Abrir-se-á precedente perigoso, estabele-

cendo o cumprimento imediato da decisão do Tribunal antes de ela estar devidamente

formalizada mediante acórdão.

A Lei n. 9.504/97 não contém, no artigo 41-A, a previsão de execução das decisões

das Cortes eleitorais.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro Marco Aurélio, a previsão está no Código

Eleitoral, art. 257.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Inclusive sem confecção de acórdão?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Sem confecção imediata da decisão

Plenária.

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Geralmente a deliberação, nas sessões do Tribunal

Superior Eleitoral, dá-se imediatamente.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Inclusive sem confecção de acórdão?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O Código Eleitoral prevê tudo isso no

art. 257. Sem confecção de acórdão, é decisão plenária.

O Sr. Ministro Eros Grau: E contra o acórdão anterior.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Essa é questão processual que podemos discutir.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O acórdão surgiria como algo simplesmente formal,

mero apetrecho, quase um penduricalho no processo!

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Marco Aurélio, essa foi exata-

mente a solução encontrada pela legislação, consideradas as barganhas no sistema elei-

toral. Isso aconteceu, e a experiência eleitoral o mostra.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro Marco Aurélio, acontece que deveria ser

executado o acórdão do TSE. Não o foi porque concedida uma cautelar de efeito suspen-

sivo ao recurso extraordinário pelo eminente Ministro Eros Grau, referendada pela Casa.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sob a minha óptica, não seria — posso até deter

ponto de vista isolado — enquanto pendente recurso.

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O Sr. Ministro Carlos Velloso: Decidimos essa questão recentemente no TSE.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O artigo a que Vossa Excelência se referiu é muito

específico no parágrafo único:

“Art. 257 (...)

Parágrafo único. A execução de qualquer acórdão” — e o acórdão ainda não

foi redigido — “será feita imediatamente, através de comunicação por ofício, tele-

grama, ou, em casos especiais, a critério do presidente do Tribunal, através de

cópia do acórdão.”

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O acórdão não foi conhecido, não houve

decisão do Tribunal.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, presume-se o que normalmente

ocorre, isto é, que a execução contemplada pelo parágrafo único do artigo 257 do

Código Eleitoral está no grande todo que é o sistema processual, o qual nos indica a

execução definitiva a partir da preclusão maior, da coisa julgada tal como definida no

artigo 467 do Código de Processo Civil, quando já não caiba mais, contra o acórdão,

recurso ordinário ou recurso de natureza extraordinária. Aí sim, tem-se o manto da coisa

julgada, a preclusão maior, abrindo-se margem à observância do parágrafo único do

citado artigo 257.

Estou aqui há quinze anos, e será a primeira vez que o Tribunal determinará o

cumprimento de um acórdão ainda não confeccionado, o que significará, em termos de

formalização, a decisão primeira da Corte.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Acórdão confeccionado, mas não publi-

cado.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não me refiro a sucessivos embargos declaratórios.

Nesse caso, há a necessidade de se coibir até mesmo a má-fé da parte.

Está-se a cogitar do afastamento de um Senador da República sem que o acórdão do

Supremo — repito — esteja confeccionado. Penso ser mais fácil cobrar-se — e Vossa

Excelência faria isso com suavidade — a liberação das notas taquigráficas pelos gabinetes.

VOTO (Explicação)

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, a execução imediata é das decisões do

Tribunal Superior Eleitoral. Não está prevista a execução imediata, sem acórdão do

Supremo Tribunal Federal.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas não é esse o conteúdo do seu voto.

Vossa Excelência sustenta que está suspensa a execução, o seu voto já foi conhecido, e

agora fala em execução do TSE?

O Sr. Ministro Eros Grau: Faço essa observação porque foi questionado o Código

Eleitoral, que se refere às decisões do Tribunal Superior Eleitoral, não às do Supremo

Tribunal Federal.

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O Sr. Ministro Carlos Velloso: Vossa Excelência tem razão. Acontece que oacórdão do TSE deveria ter sido executado, tal como determina o Código Eleitoral, art.257 e seu parágrafo único. E não o foi, em razão do efeito suspensivo concedido ao RE,que já foi julgado.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Há precedentes de execução imediatosem recurso extraordinário.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro Eros Grau, Vossa Excelência tem inteirarazão quando afirma que o art. 257 do Código Eleitoral diz respeito às decisões daJustiça Eleitoral.

Quero dizer, entretanto, respondendo à objeção de Vossa Excelência, que a deci-são do Tribunal Superior Eleitoral, em razão do que dispõe o art. 257 do Código Eleitoral,deveria ter sido executada. A questão até surgiu no TSE quando o Tribunal decidiu amatéria. E no Tribunal Superior Eleitoral há uma divergência ainda: espera-se o acórdãoou não? Lá, tenho sustentado a necessidade de esperar o acórdão, tendo em vista odisposto no parágrafo único do art. 257 do Código Eleitoral. Requereram, então, osrecorridos, lá, o casal Capiberibe. A eminente Ministra Ellen Gracie, então na Presidên-cia do Tribunal Superior Eleitoral, decidiu que se aguardasse a publicação do acórdão.Sua Excelência deferiu o pedido, penso, com acerto, tendo em vista o parágrafo únicodo art. 257. Em seguida, foram interpostos embargos declaratórios. Sua Excelência, aMinistra Ellen Gracie, já tinha deixado o Tribunal Superior Eleitoral; eu assumira;deferi, também em obséquio ao que disposto no parágrafo único do art. 257. Publicadoesse acórdão, o que deveria acontecer? A execução do acórdão do Tribunal SuperiorEleitoral, que só não foi executado, porque Vossa Excelência concedeu uma cautelarconferindo efeito suspensivo ao recurso extraordinário. Não foi isso?

O Sr. Ministro Eros Grau: Foi.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Exato. Esse recurso extraordinário está julgado nomérito. Está julgado o mérito do recurso extraordinário. Dir-se-á: mas foi concedida umacautelar para se aguardar o trânsito em julgado. Ora, meu Deus, nós todos sabemos que éda natureza das cautelares elas serem deferidas, substituídas, retificadas, mudadas aqualquer tempo.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito. São efêmeras.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Cautelar não transita em julgado.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Foi o Tribunal que proclamou que, no caso, ter-se-ia eficácia até o trânsito em julgado da decisão proferida no recurso extraordinário.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Perfeito. E indaga-se: este mesmo Tribunal, tendoem vista a natureza da matéria — matéria eleitoral, que tem preferência na tramitação,cujas decisões devem ser cumpridas de imediato, porque alguém ganha uma questão,vêm os recursos, muitos deles protelatórios, e o mandato acaba, e “tudo fica como antesno quartel de Abrantes”.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Seria uma forma de mitigar a morosidade da Justiça,Excelência!

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Também o acho.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Colocando-se em segundo plano o direito da partede conhecer a decisão da Corte devidamente estampada em um acórdão.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Costumo dizer que o processo eleitoral propicia um

andamento rápido das questões eleitorais. Agora, a processualização que vem sendoincutida nesse processo é que tem levado a Justiça Eleitoral também a ser lenta. Temosde admitir que foi concedido um efeito suspensivo ao recurso extraordinário. O recursoextraordinário já está julgado, e, se esse deferimento extrapolou até o trânsito em julgado,a Corte que o concedeu pode retificar, cancelar, substituir a qualquer tempo. Isso é danatureza das cautelares; está aí o meu mestre de Direito Processual, o Ministro Marco

Aurélio, que me poderá corrigir se não for assim.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não há correção, Excelência, só que, no caso, tivemosuma cautelar formalizada, referendada pelo Plenário, com certa extensão, e, quandojulgamos o recurso extraordinário, não proclamamos que ela ficaria, naquele instante,afastada do cenário jurídico.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Mas a questão vem em questão de ordem à mesmaCorte.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vamos fazê-lo agora numa questão de ordem, medi-ante simples petição.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Uma questão de ordem trazida pelo eminente Rela-

tor, de modo que temos de decidi-la, não podemos deixar de decidi-la.

E, Senhor Presidente, penso que é hora de dar um basta a essas protelações.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não se trata de protelação, Ministro. Tivemos umadiscussão acirrada no julgamento do próprio recurso extraordinário, dividindo-se oTribunal.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Aqui, não, Ministro. O recurso extraordinário sóteve um voto vencido, no mérito.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não, só um voto vencido. Vossa Exce-lência acompanhou no mérito e conheceu.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, no mérito, eu provia o recurso.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro, no mérito, não. No conhecimento, sim.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Então, vamos conferir a proclamação pelas notastaquigráficas, e, aí, precisamos contar com o acórdão, porque a proclamação não reflete omeu voto. Eu conhecia pela violência ao artigo 121, § 4º, inciso IV, da ConstituiçãoFederal. E, conhecendo, provia, para anular o acórdão proferido pelo Tribunal SuperiorEleitoral.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: E quando superou a questão?

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O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro, não é assim. Perdão, mas não foi.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, claro que é.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vou ler a proclamação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Então, vamos aguardar o acórdão, Excelência, para

ver se é, ou não. Fica a minha palavra contra a de Vossa Excelência, numa proclamação

que não refletiu o meu voto.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Peço licença para acompanhar a divergência.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Leio a proclamação no Recurso Extraor-dinário:

“O Tribunal,” — lembro-me perfeitamente dessa discussão, até foi surpreen-

dente a posição — “por maioria, não conheceu da preliminar quanto ao fundamento

do art. 121, § 4º, inciso IV, da Constituição Federal, vencidos os Senhores Minis-

tros Eros Grau (Relator), Marco Aurélio e Celso de Mello.”

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Fiquei vencido porque conhecia e provia.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente):

“Em seguida, o Tribunal, por maioria, não conheceu do recurso extraordiná-

rio, vencido o Relator, que dele conhecia e dava-lhe provimento. Votou o Presi-

dente, Ministro Nelson Jobim.”

O Sr. Ministro Marco Aurélio: No restante da matéria, na matéria de fundo propria-

mente dita, quanto à cassação, não é?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Era de fato, era de fundo. Mas Vossa

Excelência não conheceu do recurso?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Conheci. Apenas para ficar bem explícito: conheci

do extraordinário, tendo em conta a transformação, e vislumbrei a observância do prin-

cípio da fungibilidade, na contramão, a transformação do especial, corretamente inter-

posto, em ordinário, quando ficou possível adentrar a prova e estabelecer premissas

fáticas diversas daquelas do acórdão impugnado mediante o especial.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O recurso tinha sido especial e era ordi-

nário. Perfeito.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Então, no extraordinário, votei provendo, para

anular. Está certíssimo.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Depois, vencido. É verdade.

A decisão de Vossa Excelência era anular o acórdão para fazer voltar ao TSE, para

conhecer como especial, e não como ordinário. Nessa parte vencida, depois Vossa Exce-

lência acompanha.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Eu conhecia e provia o extraordinário nesse sentidoe, depois, evidentemente, suplantada a questão, não tive como divergir do voto doMinistro Joaquim Barbosa quanto ao não-conhecimento do tema de fundo, da cassaçãopropriamente dita.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não-conhecimento na linguagem jáadotada pela nossa nova sistemática, não é?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: É, porque seria matéria fática.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): É, matéria de fato.

ESCLARECIMENTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, gostaria de fazer uma pequena obser-vação. Fui Relator no caso. Aquele foi um julgamento muito tumultuado. Queria, só paradeixar registrado, observar que nem mesmo meu voto se completou plenamente. Essa ématéria que, certamente, dará origem a embargos de declaração.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Quero lembrar a Vossa Excelência queconduzi o julgamento e, quando o Tribunal não conhece do recurso, não há que sedecidir sobre mérito. Vossa Excelência pretendia votar no mérito quando a maioria nãoconhecia.

O Sr. Ministro Eros Grau: Mas não terminei o meu voto.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não poderia prosseguir no voto, porquea matéria preliminar, que era o não-conhecimento, havia sido vitoriosa. Então, não havianada a votar no mérito, porque só se votaria sobre o conteúdo de mérito se, e somente se,o Tribunal, por maioria, conhecesse do recurso. E o Tribunal, por maioria, vencido VossaExcelência, não conheceu do recurso; logo não havia razão nenhuma de se examinar ovoto no mérito.

O Sr. Ministro Eros Grau: Só queria registrar que, quando se conhecerem as notastaquigráficas, isso ficará bem claro. Por essa razão única e exclusiva acompanhei o votodo Ministro Joaquim Barbosa. Só para registro.

VOTO

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Voto na matéria, que está empatada.

Voto no sentido de acompanhar a divergência e ratificar o que foi dito na tribuna:na Ação Cautelar n. 509, a petição inicial pedia exatamente a sustação dos efeitos dodespacho agravado do próprio acórdão recorrido até o julgamento do recurso extraordi-nário, e não o seu trânsito em julgado.

Quero dizer que, nas questões eleitorais, quando Presidente do Eleitoral, assisticlaramente toda a disputa processual e a grande instrumentalidade processual exata-mente para conseguir que o tempo acabasse consumindo o mandato objeto do debate.Tivemos vários exemplos disso, e essa foi a razão pela qual, no Código Eleitoral, conse-guimos vencer e separar a processualística eleitoral da processualística civil comum, nosentido do trânsito em julgado.

Então, acompanho a divergência.

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EXTRATO DA ATA

RE 446.907-QO/AP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Relator para o acórdão:Ministro Carlos Britto. Recorrentes: João Alberto Rodrigues Capiberibe e outros(Advogados: Paulo Costa Leite e outros). Recorridos: Diretório Regional do Partido doMovimento Democrático Brasileiro – PMDB e outros (Advogados: João Batista deAlmeida e Osvaldo Flavio Degrazia e outros).

Decisão: O Tribunal, por maioria, resolveu a questão de ordem no sentido decomunicar a decisão tomada pelo Supremo para suprir os efeitos de direito, vencidos osMinistros Joaquim Barbosa (Relator), Eros Grau e Marco Aurélio. Votou o Presidente,Ministro Nelson Jobim. Redigirá o acórdão o Ministro Carlos Britto. Ausentes, justifica-damente, os Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Cezar Peluso. Impedido oMinistro Sepúlveda Pertence.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Carlos Britto, Joaquim Barbosa eEros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 20 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 451.148 — DF

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Agravantes e Agravados: Ademir Euclides Francisco e outros e Distrito Federal

Agravos regimentais em recurso extraordinário. Contribuição previ-denciária. MP 560/94. Constitucionalidade.

1. Progressividade da alíquota da contribuição previdenciária.Medida Provisória 560/94. Afronta à Constituição do Brasil. Inexistência.

2. MP 560/94. Vigência. Termo Inicial. Esta Corte, ao declarar ainconstitucionalidade apenas do artigo 1º do Texto Normativo, reconhe-ceu a validade de sua disciplina e esclareceu que a vigência de suas disposi-ções dar-se-ia após transcorrido o prazo nonagesimal previsto no artigo195, § 6º, da Constituição do Brasil.

Agravos regimentais não providos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,negar provimento a ambos os agravos regimentais no recurso extraordinário, nos termosdo voto do Relator.

Brasília, 21 de fevereiro de 2006 — Eros Grau, Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Discute-se, nestes autos, a validade da Medida Provisória560/94 e sucessivas reedições que reinstituíram a contribuição para o Plano de Seguri-dade Social do servidor público — assim como o respectivo termo inicial de incidênciae exigibilidade, conforme insculpido no artigo 195, § 6º, da Constituição do Brasil — ea autonomia política e administrativa do Distrito Federal para legislar sobre o regimejurídico de seus servidores.

2. O eminente Ministro Nelson Jobim deu parcial provimento ao recurso sob ofundamento de que o texto normativo da MP n. 560/94, embora não convertido em lei,não perdeu a eficácia porque foi objeto de sucessivas reedições no prazo de trinta dias.Assentou ainda que o Supremo Tribunal Federal decidiu que a contagem do período denoventa dias previsto na norma constitucional dá-se a partir da edição da medida provi-sória [ADI n. 1.135, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 5-12-1997].

3. A Procuradoria-Geral do Distrito Federal opôs embargos declaratórios — con-vertidos em agravo regimental — contra o provimento judicial. O ente federado sustentaque a decisão embargada seria obscura porque não teria explicitado em que consistira oparcial provimento.

4. Entende também que houve omissão no que respeita ao silêncio “sobre a distri-buição dos ônus da sucumbência, que no caso, deveriam ser invertidos, haja vista aparcela mínima de sucumbência do Embargante, já que o pedido deduzido na inicial foide restituição do que supostamente a Embargada teria pago a maior desde julho de1994.”

5. Simultaneamente, os servidores públicos do Distrito Federal interpuseram agravoregimental. Aduzem que o objeto do recurso extraordinário não está circunscrito àconstitucionalidade da Medida Provisória 560/94, porque a autonomia legislativa doDistrito Federal também é controvertida nos autos.

6. Alegam que a Lei Federal n. 8.688/93 majorou indevidamente a alíquota dacontribuição previdenciária dos servidores do DF, dado que não houve lei distritalválida que dispusesse sobre a aplicação das normas federais aos servidores locais.

7. Pedem o provimento dos agravos.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Distrito Federal sustenta que a decisão agra-vada seria obscura porque não teria explicitado em que consistira o parcial provimento.Eis o texto impugnado:

“Decisão: Cuida-se de ação ordinária contra o Distrito Federal, visando àrestituição do desconto previdenciário incidente sobre a folha de salários, majoradopela Medida Provisória n. 560/94 e suas reedições.

2. Procedem, em parte, as razões do recurso. No tocante à questão da aplica-ção do disposto no artigo 195, § 5º, às contribuições para os planos da seguridadedos servidores públicos, esta Corte, por ocasião do julgamento da ADI n. 1.135-9,

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Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 5-12-97, firmou entendimento sobrea matéria. Naquela assentada, o Tribunal decidiu que a progressividade da alíquotadas contribuições para a seguridade social não conflita com a Constituição doBrasil. No entanto, o artigo 1º da MP n. 560/94 era inconstitucional, por vulneraro princípio da anterioridade mitigada. Tem esse teor a ementa do julgado:

‘Ementa: Previdência Social: contribuição social do servidor público:restabelecimento do sistema de alíquotas progressivas pela MProv. 560, de 26-7-94, e suas sucessivas reedições, com vigência retroativa a 1.794 quandocessara à da Lei 8.688/93, que inicialmente havia instituído: violação, noponto, pela MP 560/94 e suas reedições, da regra de anterioridade mitigadado art. 195, §6º, da Constituição; conseqüente inconstitucionalidade damencionada regra de vigência que, dada a solução de continuidade ocorrida,independe da existência ou não de majoração das alíquotas em relação àque-las fixadas na lei cuja vigência já se exaurira.’

Ante o exposto, tendo esta Corte declarado a constitucionalidade da MP n.560/94 e suas sucessivas edições, salvo quanto ao seu artigo 1º, com fundamentono artigo 557, § 1º, do Código de Processo Civil, alteração dada pela Lei n.9.756/98, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento, para deferir em parteo pedido.”

2. O segundo parágrafo desse provimento estabelece que “a progressividade daalíquota das contribuições para a seguridade social não conflita com a Constituição doBrasil”. Ou seja, relativamente à progressividade das alíquotas, a MP n. 560/94 não éinconstitucional; “No entanto, o artigo 1º da MP n. 560/94 era inconstitucional, porvulnerar o princípio da anterioridade mitigada”. Ou seja, no tocante ao momento em queas alíquotas progressivas passaram a ser recolhidas, o texto normativo era inconstitucionalporque não observava o prazo da anterioridade mitigada.

3. Em outras palavras, o parcial provimento é no sentido da legitimidade dacobrança das alíquotas progressivas instituídas pela MP n. 560/94, mas da impossibili-dade de fazê-lo antes de transcorridos noventa dias da publicação da medida provisória.Essa determinação está clara no texto agravado. A suposta obscuridade não existe, razãopor que não conheço do regimental nessa parte.

4. A alegação de que a decisão foi omissa quanto à distribuição dos ônus dasucumbência é legítima. O argumento de que estes deveriam ser invertidos em face da“parcela mínima de sucumbência do Embargante”, no entanto, não subsiste.

5. Eis a jurisprudência desta Corte [RE n. 318.344-3, Relator o Ministro MaurícioCorrêa, DJ de 2-8-2002]:

“Ora, o artigo 21 do Código de Processo Civil dispõe que, na hipótese desucumbência recíproca, é preciso fazer a compensação das custas processuais e doshonorários advocatícios, salvo se não for substancial. Por outro lado, a normacontida no parágrafo único desse preceito, sem explicitar em que se constitui a“parte mínima do pedido”, admite a possibilidade de o magistrado, no exercíciodo seu poder discricionário, fixar a compensação e a distribuição dos ônus dasucumbência, em face das peculiaridades do caso concreto.”

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6. Assim, nego provimento ao agravo regimental, mas em complemento à deci-são impugnada declaro que, sendo vencidos e vencedores na lide, os ônus da sucumbên-cia sejam compensados e distribuídos entre as partes.

7. De outro lado, o agravo regimental interposto pelos autores da ação ordinária

sustenta a ilegitimidade da aplicação da MP n. 560/94 aos servidores do Distrito Federal,porque as normas dela abstraídas somente seriam aplicáveis no âmbito do serviço públicofederal. Vislumbram, por isso, afronta à autonomia do DF para legislar sobre a contribuiçãoprevidenciária devida por seus servidores. Alegam que as disposições daquele textonormativo também não lhes são aplicáveis em face da ausência de lei distrital válida adisciplinar a matéria no âmbito local.

8. Os argumentos são improcedentes. A Constituição de 1988 reconheceu a auto-

nomia política e administrativa do Distrito Federal no art. 18. Em decorrência desse fato,foi editada a Lei distrital n. 119, de 16-8-90, dispondo sobre o regime jurídico dosservidores locais por remissão às disposições do Regime Jurídico Único dos ServidoresFederais.

9. A contribuição previdenciária devida pelos servidores distritais foi fixada nopercentual de 6% (seis por cento) sobre a remuneração bruta, conforme Decreto n.1.910/91, que alterou a Lei n. 6.439/77, regulamentada pelo Decreto n. 83.081/79 e pelo

Decreto n. 90.817/85. Assim, ante a ausência de legislação própria, o Distrito Federalutilizava-se da legislação federal.

10. Em 1993 foi editada a Lei Federal n. 8.688 em substituição à legislação quecuidava do desconto previdenciário, cujas normas foram igualmente estendidas aosservidores do Distrito Federal. Essa lei majorava a alíquota da contribuição previdenciária,mas a eficácia dela decorrente exauriu-se em 30 de junho de 1994 em face da naturezatemporária dos seus preceitos.

11. Em 26 de julho de 1994, foi editada a Medida Provisória 560, sucessivamente

reeditada, cuja última versão recebeu o número 1.483-46 em 27 de fevereiro de 1998. AMP 560/94 também teve aplicação no âmbito da Administração do Distrito Federal umauma vez que a legislação distrital estava atrelada à federal.

12. Dir-se-á que havia legislação precedente do Distrito Federal a disciplinar amatéria: a Lei Distrital n. 260/92. No entanto, o Instituto de Previdência e Assistênciados Servidores do Distrito Federal — previsto no novo sistema previdenciário — nãochegou a ser instituído. Na pendência de regulamentação da lei e da instauração do

órgão previdenciário, impossível proceder-se o desconto na remuneração do servidorpor falta de amparo legal: a fixação da alíquota definitiva prevista no artigo 9º da LeiDistrital n. 260/92 dependia de lei local específica, editada “após prévio estudo denatureza atuarial”. Quanto à previsão contida no § 1º do artigo 9º daquela lei — “contri-buição previdenciária no percentual de 10%, até a fixação do percentual previsto nocaput” — , é importante ressaltar que sua exigência e recolhimento somente seriamcabíveis se tivesse sido implantado e implementado o Instituto de Previdência e As-sistência dos Servidores do Distrito Federal, sem o qual não há razão nem destinatário/depositário do montante previdenciário descontado da remuneração do servidor público.

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13. É inadmissível o argumento de que teria havido ingerência indevida na auto-nomia do ente federado. O Distrito Federal optou pela adoção da legislação federal emrelação aos seus servidores e essa deverá ser observada até a edição de lei própria eespecífica disciplinando a matéria.

Nego provimento aos agravos regimentais.

EXTRATO DA ATA

RE 451.148-AgR/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Agravantes e Agravados:Ademir Euclides Francisco e outros (Advogados: Maria Aparecida Silva e outros eUlisses Riedel de Resende) e Distrito Federal (Advogados: PG/DF – Luis EduardoCorreia Serra).

Decisão: A Turma negou provimento a ambos os agravos regimentais no recursoextraordinário, nos termos do voto do Relator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros MarcoAurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Paulo de Tarso Braz Lucas.

Brasília, 21 de fevereiro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 492.779 — DF

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes

Agravantes: Município de Côcos e outros — Agravado: Instituto Nacional deColonização e Reforma Agrária – INCRA

Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Recurso que nãodemonstra o desacerto da decisão agravada. 3. Juros de mora entre asdatas da expedição e do pagamento do precatório judicial. Não-incidên-cia. Precedentes. 4. Descabimento, pelos mesmos fundamentos, de juros demora entre a data de elaboração dos cálculos definitivos e a data de apre-sentação, pelo Poder Judiciário à respectiva entidade de direito público,do precatório (§ 1º do art. 100 da Constituição). 5. Agravo regimental aque se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Gilmar Mendes, Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao apreciar o AI 492.779, proferi a seguintedecisão (fl. 50):

“Decisão: Trata-se de agravo contra decisão que negou processamento arecurso extraordinário fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, inter-posto contra acórdão que decidiu ser indevida a inclusão de juros de mora, desdeque observado o prazo estabelecido no art. 100, § 1º, da Carta Magna.

No julgamento do RE 298.616 (Informativo n. 288/STF), o Plenário destaCorte ratificou o entendimento firmado pela Primeira Turma quando da apreciaçãodo RE 305.186/SP, sessão de 17-9-02, Rel. Ilmar Galvão, no sentido de que ‘nãosão devidos juros moratórios no período compreendido entre a data de expediçãoe a data do efetivo pagamento de precatório judicial, no prazo constitucionalmenteestabelecido, à vista da não-caracterização, na espécie, de inadimplemento porparte do Poder Público’.

É relevante notar que a discussão é anterior à Emenda Constitucional n. 30,de 13 de setembro de 2000, que conferiu nova redação ao § 1º do art. 100, tornandoinequívoco que os valores devidos serão atualizados monetariamente até o paga-mento. Supera-se, assim, definitivamente, a possibilidade de expedição de preca-tório complementar.

Assim, nego seguimento ao agravo (art. 557, caput, do CPC).”

Os agravantes, Município de Côcos e outros, interpuseram o agravo regimental defls. 53/56, no qual sustentam:

“A jurisprudência dessa Egrégia Corte somente exclui a incidência da referidaparcela no período compreendido entre a data de expedição do precatório e a deseu efetivo pagamento, sob o fundamento de que a sistemática do precatório, naforma em que foi concebida, não pode acarretar em mora do ente público.

Assim, conseqüência lógica da decisão proferida, os juros de mora devemincidir nos cálculos de atualização nos períodos que não correspondem à sistemá-tica constitucional do precatório, ou seja, antes de sua expedição e no períodoposterior ao seu pagamento.

(...)

Portanto, é devida mora do inadimplemento da data da elaboração doscálculos até a formação do precatório e da data do pagamento do precatórioprincipal até a expedição do precatório complementar, em relação ao saldoresidual apurado.”

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): O agravante não conseguiu demonstrar odesacerto da decisão agravada, a qual está em consonância com a jurisprudência destaCorte no sentido de não serem devidos juros de mora entre a data da expedição e o

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efetivo pagamento do precatório, conforme entendimento desta Corte nos precedentes

citados (RREE 298.616 e 305.186). Nesse sentido, o julgamento do RE 389.180, 1ª T.,

Rel. Ilmar Galvão, DJ de 19-12-02, assim ementado:

“Ementa: Recurso extraordinário. Precatório complementar. Juros moratórios.

— O Plenário desta Corte, ao julgar o RE 298.616, firmou entendimento no

sentido de que não são devidos juros moratórios no período compreendido entre a

data de expedição do precatório judicial e do seu efetivo pagamento no prazo

estabelecido na Constituição, uma uma vez que, nesse caso, não se caracteriza

inadimplemento por parte do Poder Público.

— Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido.

Recurso extraordinário conhecido e provido.”

Ademais, e repisando que aqui se trata de discussão correspondente a período

anterior à Emenda Constitucional n. 30/2000, cabe registrar, a partir do argumento

específico do agravante no sentido de que haveria “mora” por parte do Poder Público —

e, conseqüentemente, de que seriam devidos “juros moratórios” — desde a “data de

elaboração dos cálculos até a formação do precatório e da data do pagamento do

precatório principal até a expedição do precatório complementar, em relação ao saldo

residual apurado”, que, pelos mesmos fundamentos dos precedentes acima referidos,

não lhe assiste razão: é que o lapso entre a data da elaboração dos cálculos definitivos

até a apresentação, pelo Poder Judiciário, à respectiva entidade de direito público, do

precatório (§ 1º do art. 100 da Constituição) também integra o iter constitucional neces-

sário à realização do pagamento sob a forma de precatório — o caput e o § 1º do art. 100

impedem o Poder Público, neste caso, de pagá-los sem a observância deste procedimen-

to —, e, quanto ao transcurso entre a data de pagamento do precatório principal e even-

tual expedição de precatório complementar (“em relação ao saldo residual apurado”),

este pressupõe a necessidade daquele “precatório complementar”, situação inexistente

na hipótese dos autos à vista do decidido pelo acórdão recorrido (impossibilidade de

aplicação, a posteriori, de novos índices de atualização monetária distintos àqueles

constantes de decisão transitada em julgado, e descabimento de juros moratórios rela-

tivamente ao período necessário à tramitação constitucionalmente própria dos

precatórios) e do que consta nesta decisão.

Assim, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

AI 492.779-AgR/DF — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravantes: Municí-

pio de Côcos e outros (Advogados: Savio de Faria Caram Zuquim e outros). Agravado:

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA (Advogada: Vera Shirley

Ferreira).

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,

nos termos do voto do Relator.

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Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos

Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral daRepública, Dra. Sandra Verônica Cureau.

Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 497.450 — SP

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence

Agravante: Limpadora Califórnia Ltda. — Agravado: Ministério Público Federal —Interessados: Antonio Márcio Meira Ribeiro e outros

Agravo de instrumento de indeferimento de recurso extraordiná-

rio: quando gera preclusão a decisão que o provê.

1. A decisão que provê o agravo de instrumento interposto da sua

denegação no Tribunal a quo não gera preclusão quanto à admissibilidade

do recurso extraordinário, que apenas manda processar (Súmula 289):

por isso, é irrecorrível e dispensa maior fundamentação.

2. A mesma decisão, contudo, gera preclusão, se não recorrida, no

tocante à admissibilidade e à regularidade processual do próprio agravo

de instrumento que provê.

3. Precedente (AI 466.032-AgR, 19-8-2004, Pleno, Pertence, DJ de

18-3-2005).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,não conhecer do agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto doRelator.

Brasília, 17 de novembro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Agravo regimental contra decisão pela qualdei provimento ao agravo de instrumento para melhor exame do recurso extraordinário.

Sustenta a agravante que a matéria objeto do recurso extraordinário não foi pre-

questionada, razão pela qual incabível o provimento do agravo de instrumento.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não tem razão o agravante.

No julgamento do AI 466.032-AgR, 19-8-2004, Pleno, Sepúlveda Pertence, oTribunal manteve a irrecorribilidade da decisão que meramente dá provimento aoagravo de instrumento, nos termos da ementa que segue:

“I - Agravo de instrumento de indeferimento de recurso extraordinário:quando gera preclusão a decisão que o provê.

1. A decisão que provê o agravo de instrumento interposto da sua denegaçãono Tribunal a quo não gera preclusão quanto à admissibilidade do recursoextraordinário, que apenas manda processar (Súmula 289): por isso, é irrecorrível edispensa maior fundamentação.

2. A mesma decisão, contudo, gera preclusão, se não recorrida, no tocante àadmissibilidade e à regularidade processual do próprio agravo de instrumento queprovê.”

Não conheço do agravo regimental: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA

AI 497.450-AgR/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Agravante: Limpa-dora Califórnia Ltda. (Advogados: Nircles Monticelli Breda e outros). Agravado: Ministé-rio Público Federal. Interessados: Antonio Márcio Meira Ribeiro e outros (Advogados:Fernando Campos Scaff e outros).

Decisão: A Turma não conheceu do agravo regimental no agravo de instrumento.Unânime. Não participou deste julgamento o Ministro Carlos Britto.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral daRepública, Dra. Delza Curvello Rocha.

Brasília, 17 de novembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVODE INSTRUMENTO 529.916 — MG

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto

Embargante: Fiat Automóveis S.A. — Embargado: Raimundo Marinho da Silva

Embargos declaratórios. Multa (§ 2º do art. 557 do CPC) aplicadaem agravo regimental. Depósito não efetuado. Embargos não conhecidos.

Aplicada a multa do § 2º do art. 557 do CPC, o depósito do respectivovalor é requisito de admissibilidade de novos recursos.

Embargos não conhecidos.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,não conhecer dos embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento.

Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de embargos declaratórios opostoscontra decisão unânime desta Primeira Turma, que negou provimento ao agravo regi-mental ao fundamento de que a alegada ofensa à Magna Carta, se existente, dar-se-ia deforma reflexa ou indireta. Aplicou, por fim, à recorrente multa de 1% sobre o valor dacausa, na forma do § 2º do art. 557 do Código de Processo Civil.

2. Pois bem, a embargante mantém as razões expendidas desde o apelo extremo esustenta a existência de omissão no julgado.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Sem razão o inconformismo.

5. Com efeito, condenada a ora embargante ao pagamento da multa prevista no § 2ºdo art. 557 do Código de Processo Civil, não comprovou ela haver efetuado o respectivodepósito, que é requisito de admissibilidade de quaisquer outros recursos.

6. Confiram-se, no mesmo sentido, entre outros, os AIs 539.465-AgR-ED e421.303-AgR-ED e os REs 419.565-AgR-ED, 407.575-AgR-ED e 244.893-AgR-ED.

7. Ante o exposto, meu voto é pelo não-conhecimento dos embargos.

EXTRATO DA ATA

AI 529.916-AgR-ED/MG — Relator: Ministro Carlos Britto. Embargante: FiatAutomóveis S.A. (Advogados: Hélio Carvalho Santana e outros). Embargado: RaimundoMarinho da Silva (Advogados: Pedro Rosa Machado e outros).

Decisão: A Turma não conheceu dos embargos de declaração no agravo regimentalno agravo de instrumento. Unânime. Não participou deste julgamento o Ministro MarcoAurélio.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho.

Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DEINSTRUMENTO 563.397 — DF

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence

Embargantes: Luiz Henrique Rocha Correard e Elisa Aurora Rocha Correard ouElisa Aurora Marcondes Rocha — Embargado: Ministério Público Militar

1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental.

2. Agravo de instrumento em matéria criminal: intempestividade:incidência da Súmula 699 (“O prazo para interposição de agravo, emprocesso penal, é de cinco dias, de acordo com a Lei 8.038/90, não seaplicando o disposto a respeito nas alterações da Lei 8.950/94 ao Código deProcesso Civil”).

3. Intimação: é da jurisprudência do Supremo Tribunal que, regrageral, da qual o caso não é exceção, nas instâncias superiores a intimaçãoé feita pela publicação na imprensa oficial: precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,converter os embargos de declaração no agravo de instrumento em agravo regimental noagravo de instrumento e, por unanimidade, negar provimento, nos termos do voto doRelator.

Brasília, 17 de novembro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Este o teor da decisão pela qual não conheci doagravo (fl. 150):

“O agravo é intempestivo. Publicada a decisão agravada no DJ de 13-5-05(fl. 133), a petição do agravo só foi ajuizada no dia 25-5-05, já extinto o prazo de5 dias previsto no artigo 28 da Lei 8.038/90 (v.g., Súmula 699 — ‘O prazo parainterposição de agravo, em processo penal, é de cinco dias, de acordo com a Lei8.038/90, não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da Lei 8.950/94 aoCódigo de Processo Civil’).”

Alega-se que, nas ações penais, a intimação da defesa é pessoal, e esta ocorreuapenas no dia 23-5-05, dois dias antes da interposição do agravo.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Conheço dos embargos como agravoregimental.

Não têm razão, contudo, os agravantes.

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Trata-se de intimação de decisão do Superior Tribunal Militar, que negou segui-mento ao recurso extraordinário interposto pelos agravantes.

É da jurisprudência do Tribunal que, regra geral, da qual o caso não é exceção, nasinstâncias superiores a intimação é feita pela publicação na imprensa oficial (v.g., HHCC70.647, 2ª T., 7-12-93, Francisco Rezek, DJ de 6-10-95; 69.717, 2ª T., 11-12-92, Nérida Silveira, DJ de 7-5-93).

Também assim no Regimento Interno do STM — art. 55, caput1 — , que, depois defirmar a regra da intimação pela “publicação do ato ou do aviso no Diário de Justiça daUnião”, reserva a necessidade de “ciência ou intimação das partes” aos casos “previstosem lei”.

Ressalte-se, por fim, que os agravantes não estão sendo defendidos pela defensoriapública, mas por advogado por eles constituído.

Nego provimento ao agravo: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA

AI 563.397-ED/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Embargantes: LuizHenrique Rocha Correard e Elisa Aurora Rocha Correard ou Elisa Aurora MarcondesRocha (Advogado: Eduardo Humberto Dalcamin). Embargado: Ministério PúblicoMilitar.

Decisão: Por maioria de votos, a Turma converteu os embargos de declaração noagravo de instrumento em agravo regimental no agravo de instrumento; vencido, nestaparte, o Ministro Marco Aurélio. Por unanimidade, negou-lhe provimento, nos termosdo voto do Relator.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral daRepública, Dra. Delza Curvello Rocha.

Brasília, 17 de novembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

1 RISTM, art. 55, caput: “Art. 55. Os prazos no Tribunal correrão da publicação do ato ou do aviso noDiário de Justiça da União e da ciência ou intimação às partes, nos casos previstos em lei. (...)”.

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ÍNDICE ALFABÉTICO

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A

Pn “Abolitio criminis”: inocorrência. (...) Crime de apropriação indébitaprevidenciária. HC 84.021 RTJ 199/272

PrSTF Ação cível originária. Anulação de título de domínio. Área indígena:abrangência. Perícia: regularidade. ACO 312-AgR RTJ 199/35

PrSTF Ação cível originária. Prosseguimento. Anulação de título de domínio. Áreaindígena não demarcada pela União. Demarcação prévia: desnecessidade.ACO 312-QO RTJ 199/3

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Cabimento. Portaria. Ato de caráterautônomo. ADI 3.206 RTJ 199/197

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Não-conhecimento. Ato normativo:impugnação parcial. Declaração de inconstitucionalidade: extensão maiordo que a pedida. ADI 2.645-MC RTJ 199/153

PrSTF Ação direta de inconstitucionalidade. Petição inicial: inépcia inocorrente.Aditamento anterior à requisição de informações. ADI 3.103 RTJ 199/178

PrPn Ação penal. Juizado Especial. Crime de ameaça. Denúncia: requisitos.Palavra da vítima: suficiência. HC 85.803 RTJ 199/318

PrPn Ação penal pública condicionada. Legitimidade ativa. Ministério Público.Estupro. Miserabilidade. Representação: comparecimento à autoridade poli-cial. Decadência: inocorrência. HC 86.122 RTJ 199/329

PrCv Ação rescisória. Acórdão rescindendo. Recurso extraordinário. Erro de fato:inocorrência. AR 1.376 RTJ 199/72

PrCv Acórdão recorrido. Duplo fundamento (constitucional e infraconstitucional).Recurso especial: preclusão. Recurso extraordinário: inadmissibilidade.Súmula 283. RE 357.521-AgR RTJ 199/388

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IV

PrCv Acórdão recorrido: suspensão dos efeitos. (...) Medida cautelar. AC 930RTJ 199/51

PrCv Acórdão rescindendo. (...) Ação rescisória. AR 1.376 RTJ 199/72

PrSTF Aditamento anterior à requisição de informações. (...) Ação direta deinconstitucionalidade. ADI 3.103 RTJ 199/178

PrCv Agravo de instrumento. Provimento para exame de RE. Preclusão: hipóteses.Súmula 289. AI 497.450-AgR RTJ 199/419

PrPn Agravo de instrumento criminal. Intempestividade. Lei n. 8.950/94:inaplicabilidade. Súmula 699. AI 563.397-ED RTJ 199/422

PrCv Agravo regimental. Descabimento. Decisão de relator. Provimento de agravode instrumento. Recurso extraordinário: processamento. Súmula 289. AI266.450-AgR RTJ 199/376

PrCv Agravo regimental. Intempestividade. Feriado local: irrelevância. Prorroga-ção do prazo no STF: hipóteses. Regimento Interno do Supremo TribunalFederal – RISTF, art. 104, § 5º. RE 429.326-AgR RTJ 199/396

Trbt Alíquota progressiva. (...) Contribuição previdenciária. RE 451.148-AgRRTJ 199/412

PrCv Alteração substancial: inexistência. (...) Mandado de segurança. MS 25.112RTJ 199/257

PrSTF Anulação de título de domínio. (...) Ação cível originária. ACO 312-AgRRTJ 199/35 - ACO 312-QO RTJ 199/3

Adm Aposentadoria. Pagamento indevido. Parcela recebida de má-fé: devolução.Verbete 106 do TCU: observância com reserva. MS 25.112 RTJ 199/257

Adm Aposentadoria por invalidez. (...) Servidor público. RE 353.595 RTJ 199/386

PrSTF Área indígena: abrangência. (...) Ação cível originária. ACO 312-AgR RTJ199/35

PrSTF Área indígena não demarcada pela União. (...) Ação cível originária. ACO312-QO RTJ 199/3

PrCv Assistência judiciária. Pessoa jurídica. Renovação do pedido: possibilida-de. Prova da insuficiência de recurso: necessidade. AR 1.376 RTJ 199/72

Adm Ativo e inativo: equiparação. (...) Servidor público. MS 21.659 RTJ 199/219

PrSTF Ato de caráter autônomo. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI3.206 RTJ 199/197

PrSTF Ato normativo: impugnação parcial. (...) Ação direta de inconstitucionali-dade. ADI 2.645-MC RTJ 199/153

PrPn Atribuição criminal: juízo de conveniência local. (...) Competência. RHC85.025 RTJ 199/283

Acó-Atr — ÍNDICE ALFABÉTICO

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V

Ct Atuação do procurador de justiça estadual: impossibilidade. (...) Tribunal deContas estadual. ADI 3.192 RTJ 199/192

Adm Audição e ciência da vistoria: desnecessidade. (...) Desapropriação. MS25.022 RTJ 199/253

PrPn Auditor da Justiça Militar: cumulação. (...) Competência. RHC 85.025 RTJ199/283

PrPn Ausência de dolo. (...) Habeas corpus. HC 84.021 RTJ 199/272

PrCv Autoridade coatora: correção na autuação. (...) Mandado de segurança. MS25.112 RTJ 199/257

B

Pn Base legal: transmutação. (...) Crime de apropriação indébita previdenciária.HC 84.021 RTJ 199/272

PrPn Bloqueio e indisponibilidade de bens. (...) Prisão preventiva. HC 86.620RTJ 199/343

C

PrSTF Cabimento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 3.206 RTJ199/197

PrSTF Cabimento. (...) Reclamação. Rcl 3.632-AgR RTJ 199/218

Adm Cerceamento de defesa. (...) Servidor público. MS 23.161 RTJ 199/250

Adm CF/88, art. 7º, XXX. (...) Concurso público. RE 345.598-AgR RTJ 199/383

Adm CF/88, art. 37, XV. (...) Servidor público. MS 21.659 RTJ 199/219

Adm CF/88, art. 40, § 1º, I. (...) Servidor público. RE 353.595 RTJ 199/386

Adm CF/88, art. 40, § 4º. (...) Servidor público. MS 21.659 RTJ 199/219

Adm CF/88, art. 61, § 1º, II, “a” e “c”. (...) Servidor público estadual. ADI 559 RTJ199/41

Ct CF/88, arts. 75 e 130. (...) Tribunal de Contas estadual. ADI 3.192 RTJ199/192

Ct CF/88, art. 100, § 1º, redação anterior à EC n. 30/2000. (...) Precatório. AI492.779-AgR RTJ 199/416

Ct CF/88, art. 102, I, “f”. (...) Competência originária. Rcl 2.549 RTJ 199/133

Trbt CF/88, art. 155, § 2º, XII, “h”. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadoriase Serviços – ICMS. ADI 3.103 RTJ 199/178

Ct CF/88, art. 199, § 4º. (...) Cultura e lazer. ADI 3.512 RTJ 199/209

ÍNDICE ALFABÉTICO — Atu-CF/

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VI

Adm Classificação dentro do número de vagas. (...) Concurso público. ADI 2.931RTJ 199/168

Ct Coleta de sangue. (...) Competência concorrente. ADI 3.512 RTJ 199/209

Trbt Combustível e lubrificante. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadoriase Serviços – ICMS. ADI 3.103 RTJ 199/178

PrPn Competência. Juiz de direito. Auditor da Justiça Militar: cumulação. Atri-buição criminal: juízo de conveniência local. Lei Complementar estadual n.94/93/RO. RHC 85.025 RTJ 199/283

Ct Competência concorrente. Estado-Membro. Direito econômico. Coleta desangue. Lei infraconstitucional: requisitos. Livre iniciativa e direito à vida:composição. ADI 3.512 RTJ 199/209

PrPn Competência do STF: inocorrência. (...) Habeas corpus. HC 85.098 RTJ199/299

Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal – STF. Empresa públicaestadual e autarquia federal. Conflito federativo potencial. Serviço portuá-rio: exploração. CF/88, art. 102, I, “f”. Rcl 2.549 RTJ 199/133

Ct Composição. (...) Tribunal de Contas estadual. ADI 3.192 RTJ 199/192

Adm Concurso público. Classificação dentro do número de vagas. Nomeação:expectativa de direito. Constituição do Estado do Rio de Janeiro/89, art. 77,VII: inconstitucionalidade. ADI 2.931 RTJ 199/168

Adm Concurso público. Soldado policial militar. Limite máximo de idade: 28anos. Irrazoabilidade. CF/88, art. 7º, XXX. RE 345.598-AgR RTJ 199/383

Ct Conflito federativo potencial. (...) Competência originária. Rcl 2.549 RTJ199/133

Int Cônjuge e filho sob dependência econômica. (...) Extradição. Ext 921 RTJ199/45

Adm Conselho Nacional de Política Agrícola: manifestação não essencial. (...)Desapropriação. MS 25.022 RTJ 199/253

Adm Constituição do Estado do Rio de Janeiro/89, art. 77, VII: inconstitucionali-dade. (...) Concurso público. ADI 2.931 RTJ 199/168

Trbt Contrato internacional de “leasing”: irrelevância. (...) Imposto sobre Circula-ção de Mercadorias e Serviços – ICMS. RE 206.069 RTJ 199/368

Ct Contribuição confederativa e assistencial. Regência. Lei formal: necessi-dade. Portaria n. 160/04-Ministro de Estado do Trabalho e Emprego: incons-titucionalidade. ADI 3.206 RTJ 199/197

Trbt Contribuição previdenciária. Não-incidência. Servidor público inativo.Pensionista. Período posterior à EC n. 20/98: restituição. RE 340.878-AgRRTJ 199/377

Cla-Con — ÍNDICE ALFABÉTICO

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VII

Trbt Contribuição previdenciária. Servidor público. Alíquota progressiva. Prazononagesimal: termo inicial. Medida Provisória n. 560/94. RE 451.148-AgRRTJ 199/412

Adm Convenção e acordo coletivo: incompatibilidade. (...) Servidor públicoestadual. ADI 559 RTJ 199/41

Ct Cópia de processo findo e áudio de sessão. (...) Documento público. RMS23.036 RTJ 199/225

Pn CP/40, art. 168-A, redação da Lei n. 9.983/2000, art. 3º. (...) Crime deapropriação indébita previdenciária. HC 84.021 RTJ 199/272

PrCv CPC/73, art. 557, § 2º. (...) Embargos de declaração. AI 529.916-AgR-EDRTJ 199/420

PrPn Crime de ameaça. (...) Ação penal. HC 85.803 RTJ 199/318

Pn Crime de apropriação indébita previdenciária. “Abolitio criminis”: ino-corrência. Base legal: transmutação. CP/40, art. 168-A, redação da Lei n.9.983/2000, art. 3º. HC 84.021 RTJ 199/272

PrPn Crime societário. (...) Denúncia. HC 86.879 RTJ 199/352

Ct Cultura e lazer. Meia-entrada: pagamento. Doador regular de sangue.Recompensa financeira e comercialização: não-configuração. Secretaria deSaúde: controle. CF/88, art. 199, § 4º. Lei estadual n. 7.737/04/ES. ADI 3.512RTJ 199/209

D

Adm Data de pagamento: fixação. (...) Vencimentos. ADI 559 RTJ 199/41

PrPn Decadência: inocorrência. (...) Ação penal pública condicionada. HC86.122 RTJ 199/329

PrCv Decisão de relator. (...) Agravo regimental. AI 266.450-AgR RTJ 199/376

PrSTF Decisão plenária: cumprimento imediato. (...) Recurso extraordinário. RE446.907-QO RTJ 199/398

PrSTF Declaração de inconstitucionalidade: extensão maior do que a pedida. (...)Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 2.645-MC RTJ 199/153

PrCv Declaração incidental de inconstitucionalidade. (...) Medida cautelar. AC930 RTJ 199/51

PrSTF Demarcação prévia: desnecessidade. (...) Ação cível originária. ACO 312-QORTJ 199/3

Adm Demissão: ilegalidade. (...) Servidor público. MS 23.161 RTJ 199/250

PrPn Denúncia. Inépcia. Narração genérica. Crime societário. Princípio da digni-dade da pessoa humana: ofensa. HC 86.879 RTJ 199/352

ÍNDICE ALFABÉTICO — Con-Den

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VIII

PrPn Denúncia: requisitos. (...) Ação penal. HC 85.803 RTJ 199/318

Adm Desapropriação. Reforma agrária. Entidade de classe. Indicação de imóvel:ausência. Audição e ciência da vistoria: desnecessidade. MS 25.022 RTJ199/253

Adm Desapropriação. Reforma agrária. Instrução normativa do Incra. Publicaçãono Diário Oficial: desnecessidade. MS 25.022 RTJ 199/253

Adm Desapropriação. Reforma agrária. Notificação prévia. Vistoria: realizaçãoem data razoável. MS 25.022 RTJ 199/253

Adm Desapropriação. Reforma agrária. Produtividade: ajuste periódico. ConselhoNacional de Política Agrícola: manifestação não essencial. Lei n. 8.629/93, art.11. MS 25.022 RTJ 199/253

Adm Desapropriação. Reforma agrária. Vistoria. Invasão superveniente do imó-vel: irrelevância. Improdutividade. MS 25.022 RTJ 199/253

PrCv Descabimento. (...) Agravo regimental. AI 266.450-AgR RTJ 199/376

PrSTF Descabimento. (...) Recurso extraordinário. RE 340.878-AgR RTJ 199/377

Trbt Destinação ao Fundo de Reequipamento do Poder Judiciário – FUNREJUS.(...) Emolumentos. ADI 2.059 RTJ 199/126

Int Detração penal. (...) Extradição. Ext 961 RTJ 199/54

Ct Direito à informação. (...) Documento público. RMS 23.036 RTJ 199/225

Ct Direito à informação. Restrição. Provimento do STM. Interpretaçãoampliativa: impossibilidade. Interesse público ou defesa da intimidade:ausência. RMS 23.036 RTJ 199/225

PrPn Direito de recorrer em liberdade. (...) Sentença condenatória. HC 86.234RTJ 199/333

PrPn Direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado. (...) Sentençacondenatória. HC 85.098 RTJ 199/299

Ct Direito econômico. (...) Competência concorrente. ADI 3.512 RTJ 199/209

PrSTF Direito local. (...) Recurso extraordinário. RE 340.878-AgR RTJ 199/377

Ct Distrito Federal. Servidor público. Legislação específica: ausência. Legisla-ção federal: adoção. RE 451.148-AgR RTJ 199/412

Ct Doador regular de sangue. (...) Cultura e lazer. ADI 3.512 RTJ 199/209

Ct Documento público. Superior Tribunal Militar – STM. Cópia de processofindo e áudio de sessão. Fonte histórica para obra literária. Pesquisador:acesso. Direito à informação. Lei n. 8.906/94, art. 7º, XIII, XIV e XV: ofensainocorrente. RMS 23.036 RTJ 199/225

Int Dupla tipicidade. (...) Extradição. Ext 921 RTJ 199/45 - Ext 961 RTJ 199/54

PrCv Duplo fundamento (constitucional e infraconstitucional). (...) Acórdãorecorrido. RE 357.521-AgR RTJ 199/388

Den-Dup — ÍNDICE ALFABÉTICO

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IX

E

PrSTF Efeito da ação direta de inconstitucionalidade: publicação da ata de julga-

mento. (...) Reclamação. Rcl 3.632-AgR RTJ 199/218

PrCv Embargos de declaração. Não-conhecimento. Multa em agravo regimental:

pagamento não comprovado. CPC/73, art. 557, § 2º. AI 529.916-AgR-ED

RTJ 199/420

Trbt Emolumentos. Serviço notarial e de registro. Destinação ao Fundo deReequipamento do Poder Judiciário – FUNREJUS. Lei estadual n. 12.216/98/PR, art. 3º, VII, redação da Lei n. 12.604/99. ADI 2.059 RTJ 199/126

Ct Empresa pública estadual e autarquia federal. (...) Competência originária.

Rcl 2.549 RTJ 199/133

PrPn Enquadramento jurídico: “emendatio libelli”. (...) Sentença criminal. RHC

85.657 RTJ 199/313

Adm Entidade de classe. (...) Desapropriação. MS 25.022 RTJ 199/253

Int Entrega do extraditando. (...) Extradição. Ext 921 RTJ 199/45

PrCv Erro de fato: inocorrência. (...) Ação rescisória. AR 1.376 RTJ 199/72

Ct Estado-Membro. (...) Competência concorrente. ADI 3.512 RTJ 199/209

PrPn Estupro. (...) Ação penal pública condicionada. HC 86.122 RTJ 199/329

PrPn Excesso de prazo. (...) Prisão preventiva. HC 84.967 RTJ 199/282

PrPn Excesso de prazo: inocorrência. (...) Prisão preventiva. HC 86.529 RTJ

199/337

Int Extradição. Cônjuge e filho sob dependência econômica. Súmula 421. Ext

921 RTJ 199/45

Int Extradição. Dupla tipicidade. Falsificação de documento público e

estelionato. Prescrição inocorrente. Tratado Brasil—Portugal. Ext 921 RTJ

199/45

Int Extradição. Dupla tipicidade. Tráfico de entorpecente. Detração penal. Pres-

crição inocorrente. Tratado Brasil—Itália. Ext 961 RTJ 199/54

Int Extradição. Indeferimento. Falsa identidade. Pena inferior a nove meses.

Tratado Brasil—Portugal, art. II, n. 2. Ext 921 RTJ 199/45

Int Extradição. Inquérito policial no Brasil. Entrega do extraditando. Faculdade

do presidente da República. Lei n. 6.815/80, art. 89. Ext 921 RTJ 199/45

Int Extradição. “Sentenza di rinvio a giudizio” e pronúncia: equivalência.

Prescrição: interrupção. Ext 961 RTJ 199/54

ÍNDICE ALFABÉTICO — Efe-Ext

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X

F

Int Faculdade do presidente da República. (...) Extradição. Ext 921 RTJ 199/45

Int Falsa identidade. (...) Extradição. Ext 921 RTJ 199/45

Int Falsificação de documento público e estelionato. (...) Extradição. Ext 921

RTJ 199/45

PrPn Fato descrito na denúncia. (...) Sentença criminal. RHC 85.657 RTJ 199/313

PrCv Feriado local: irrelevância. (...) Agravo regimental. RE 429.326-AgR RTJ

199/396

Ct Fonte histórica para obra literária. (...) Documento público. RMS 23.036

RTJ 199/225

PrPn Fundamentação inidônea. (...) Prisão cautelar. HC 86.684 RTJ 199/349

PrPn Fundamentação inidônea. (...) Prisão preventiva. HC 86.620 RTJ 199/343

PrPn Fundamentação suficiente. (...) Habeas corpus. HC 83.678-AgR RTJ 199/270

PrPn Fundamentação suficiente. (...) Prisão preventiva. HC 86.529 RTJ 199/337

G

PrPn Garantia da ordem pública. (...) Prisão preventiva. HC 86.529 RTJ 199/337

PrPn Garantia da ordem pública e gravidade do crime. (...) Sentença condenatória.

HC 86.234 RTJ 199/333

PrPn Garantia das ordens pública e econômica. (...) Prisão preventiva. HC 86.620

RTJ 199/343

PrPn Gravação por interlocutor. (...) Prova criminal. HC 87.341 RTJ 199/365

H

PrPn Habeas corpus. Matéria de prova. Ausência de dolo. HC 84.021 RTJ 199/272

PrPn Habeas corpus. Prejudicialidade inocorrente. Pronúncia: fundamentação da

prisão preventiva. HC 86.019 RTJ 199/324 - HC 86.529 RTJ 199/337

PrPn Habeas corpus. Questão apreciada pelo STJ. Fundamentação suficiente. HC

83.678-AgR RTJ 199/270

PrPn Habeas corpus. Questão não apreciada pelo STJ. Competência do STF:

inocorrência. HC 85.098 RTJ 199/299

Fac-Hab — ÍNDICE ALFABÉTICO

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XI

I

PrPn Impossibilidade. (...) Prisão. HC 85.095 RTJ 199/296

Trbt Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Combustívele lubrificante. Incidência monofásica. CF/88, art. 155, § 2º, XII, “h”. Protocolon. 33/03-Confaz: não-regulação. ADI 3.103 RTJ 199/178

Trbt Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Incidência.Mercadoria importada. Contrato internacional de “leasing”: irrelevância.Lei Complementar n. 87/96, art. 3º, VIII: inaplicabilidade. RE 206.069 RTJ199/368

PrPn Imprensa oficial. (...) Intimação. AI 563.397-ED RTJ 199/422

Adm Improdutividade. (...) Desapropriação. MS 25.022 RTJ 199/253

Trbt Incidência. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços –ICMS. RE 206.069 RTJ 199/368

Trbt Incidência monofásica. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias eServiços – ICMS. ADI 3.103 RTJ 199/178

PrSTF Incidente de inconstitucionalidade. (...) Recurso extraordinário. AI378.999-AgR RTJ 199/392

Int Indeferimento. (...) Extradição. Ext 921 RTJ 199/45

Adm Indicação de imóvel: ausência. (...) Desapropriação. MS 25.022 RTJ 199/253

PrPn Inépcia. (...) Denúncia. HC 86.879 RTJ 199/352

Int Inquérito policial no Brasil. (...) Extradição. Ext 921 RTJ 199/45

PrPn Instância superior. (...) Intimação. AI 563.397-ED RTJ 199/422

PrPn Instrução criminal encerrada. (...) Prisão preventiva. HC 86.529 RTJ 199/337

Adm Instrução normativa do Incra. (...) Desapropriação. MS 25.022 RTJ 199/253

PrSTF Inteiro teor do acórdão do Plenário: juntada inocorrente. (...) Recursoextraordinário. AI 378.999-AgR RTJ 199/392

PrPn Intempestividade. (...) Agravo de instrumento criminal. AI 563.397-ED RTJ199/422

PrCv Intempestividade. (...) Agravo regimental. RE 429.326-AgR RTJ 199/396

PrPn Interceptação ambiental. (...) Prova criminal. HC 87.341 RTJ 199/365

Ct Interesse público ou defesa da intimidade: ausência. (...) Direito à informa-ção. RMS 23.036 RTJ 199/225

Ct Interpretação ampliativa: impossibilidade. (...) Direito à informação. RMS23.036 RTJ 199/225

PrPn Intimação. Instância superior. Imprensa oficial. AI 563.397-ED RTJ 199/422

ÍNDICE ALFABÉTICO — Imp-Int

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XII

PrPn Intimação. Pauta de julgamento: publicação. Nome do advogado consti-tuído perante o Tribunal. HC 85.476 RTJ 199/306

Adm Invasão superveniente do imóvel: irrelevância. (...) Desapropriação. MS25.022 RTJ 199/253

Adm Irrazoabilidade. (...) Concurso público. RE 345.598-AgR RTJ 199/383

J

PrPn Juiz de direito. (...) Competência. RHC 85.025 RTJ 199/283

PrPn Juizado Especial. (...) Ação penal. HC 85.803 RTJ 199/318

Ct Juros moratórios: não-incidência. (...) Precatório. AI 492.779-AgR RTJ199/416

L

Ct Legislação específica: ausência. (...) Distrito Federal. RE 451.148-AgR RTJ199/412

Ct Legislação federal: adoção. (...) Distrito Federal. RE 451.148-AgR RTJ199/412

PrPn Legitimidade ativa. (...) Ação penal pública condicionada. HC 86.122 RTJ199/329

Adm Lei Complementar estadual n. 4/90/MT, art. 57, parte final: inconstitucionali-dade. (...) Servidor público estadual. ADI 559 RTJ 199/41

Adm Lei Complementar estadual n. 4/90/MT, art. 69. (...) Vencimentos. ADI 559RTJ 199/41

PrPn Lei Complementar estadual n. 94/93/RO. (...) Competência. RHC 85.025RTJ 199/283

Ct Lei Complementar estadual n. 95/97/ES, arts. 21, §§ 1º, IV, e 2º; 33, § 2º; e186, expressão: inconstitucionalidade. (...) Tribunal de Contas estadual.ADI 3.192 RTJ 199/192

Ct Lei Complementar estadual n. 95/97/ES, art. 192, parágrafo único:inconstitucionalidade. (...) Tribunal de Contas estadual. ADI 3.192 RTJ199/192

Trbt Lei Complementar n. 87/96, art. 3º, VIII: inaplicabilidade. (...) Imposto sobreCirculação de Mercadorias e Serviços – ICMS. RE 206.069 RTJ 199/368

Ct Lei estadual n. 7.737/04/ES. (...) Cultura e lazer. ADI 3.512 RTJ 199/209

Trbt Lei estadual n. 12.216/98/PR, art. 3º, VII, redação da Lei n. 12.604/99. (...)Emolumentos. ADI 2.059 RTJ 199/126

Int-Lei — ÍNDICE ALFABÉTICO

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XIII

Ct Lei formal: necessidade. (...) Contribuição confederativa e assistencial. ADI3.206 RTJ 199/197

Ct Lei infraconstitucional: requisitos. (...) Competência concorrente. ADI3.512 RTJ 199/209

Int Lei n. 6.815/80, art. 89. (...) Extradição. Ext 921 RTJ 199/45

Adm Lei n. 8.629/93, art. 11. (...) Desapropriação. MS 25.022 RTJ 199/253

Ct Lei n. 8.906/94, art. 7º, XIII, XIV e XV: ofensa inocorrente. (...) Documentopúblico. RMS 23.036 RTJ 199/225

PrPn Lei n. 8.950/94: inaplicabilidade. (...) Agravo de instrumento criminal. AI563.397-ED RTJ 199/422

PrPn Licitude. (...) Prova criminal. HC 87.341 RTJ 199/365

Adm Limite máximo de idade: 28 anos. (...) Concurso público. RE 345.598-AgRRTJ 199/383

Ct Livre iniciativa e direito à vida: composição. (...) Competência concorrente.ADI 3.512 RTJ 199/209

M

PrPn Magnitude da lesão, reiteração criminosa e ameaça à livre concorrência. (...)Prisão preventiva. HC 86.620 RTJ 199/343

PrCv Mandado de segurança. Autoridade coatora: correção na autuação. Altera-ção substancial: inexistência. MS 25.112 RTJ 199/257

PrPn Manutenção. (...) Prisão. HC 85.425 RTJ 199/302

PrPn Manutenção. (...) Prisão preventiva. HC 86.529 RTJ 199/337

PrPn Matéria de prova. (...) Habeas corpus. HC 84.021 RTJ 199/272

PrPn Maus antecedentes. (...) Prisão cautelar. HC 86.684 RTJ 199/349

PrCv Medida cautelar. Acórdão recorrido: suspensão dos efeitos. Declaraçãoincidental de inconstitucionalidade. Reserva de Plenário: ofensa. Recursoextraordinário: interposição. AC 930 RTJ 199/51

Trbt Medida Provisória n. 560/94. (...) Contribuição previdenciária. RE451.148-AgR RTJ 199/412

Ct Meia-entrada: pagamento. (...) Cultura e lazer. ADI 3.512 RTJ 199/209

Trbt Mercadoria importada. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias eServiços – ICMS. RE 206.069 RTJ 199/368

PrSTF Mérito contrário à cautelar. (...) Recurso extraordinário. RE 446.907-QORTJ 199/398

ÍNDICE ALFABÉTICO — Lei-Mér

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XIV

PrPn Ministério Público. (...) Ação penal pública condicionada. HC 86.122 RTJ199/329

PrPn Ministério Público. Procedimento administrativo: arquivamento pelo pro-curador-geral da República. Oferecimento de denúncia pelo sucessor: possi-bilidade. Prova nova: vinculação. Súmula 524. Inq 2.054 RTJ 199/91

Ct Ministério Público especial: legitimidade. (...) Tribunal de Contas estadual.ADI 3.192 RTJ 199/192

PrPn Miserabilidade. (...) Ação penal pública condicionada. HC 86.122 RTJ199/329

Ct Modelo federal: observância compulsória. (...) Tribunal de Contas estadual.ADI 3.192 RTJ 199/192

Adm Moléstia não especificada em lei. (...) Servidor público. RE 353.595 RTJ199/386

PrPn Motivação autônoma. (...) Prisão. HC 85.425 RTJ 199/302

PrCv Multa em agravo regimental: pagamento não comprovado. (...) Embargosde declaração. AI 529.916-AgR-ED RTJ 199/420

N

PrSTF Não-conhecimento. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 2.645-MC RTJ 199/153

PrCv Não-conhecimento. (...) Embargos de declaração. AI 529.916-AgR-ED RTJ199/420

Trbt Não-incidência. (...) Contribuição previdenciária. RE 340.878-AgR RTJ199/377

PrPn Narração genérica. (...) Denúncia. HC 86.879 RTJ 199/352

PrPn Nome do advogado constituído perante o Tribunal. (...) Intimação. HC85.476 RTJ 199/306

Adm Nomeação: expectativa de direito. (...) Concurso público. ADI 2.931 RTJ199/168

Adm Notificação prévia. (...) Desapropriação. MS 25.022 RTJ 199/253

O

PrPn Oferecimento de denúncia pelo sucessor: possibilidade. (...) MinistérioPúblico. Inq 2.054 RTJ 199/91

Min-Ofe — ÍNDICE ALFABÉTICO

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XV

P

Adm Pagamento com atraso: correção monetária. (...) Vencimentos. ADI 559 RTJ199/41

Adm Pagamento indevido. (...) Aposentadoria. MS 25.112 RTJ 199/257

PrPn Palavra da vítima: suficiência. (...) Ação penal. HC 85.803 RTJ 199/318

Adm Parcela recebida de má-fé: devolução. (...) Aposentadoria. MS 25.112 RTJ

199/257

PrPn Pauta de julgamento: publicação. (...) Intimação. HC 85.476 RTJ 199/306

Int Pena inferior a nove meses. (...) Extradição. Ext 921 RTJ 199/45

Trbt Pensionista. (...) Contribuição previdenciária. RE 340.878-AgR RTJ 199/377

PrSTF Perícia: regularidade. (...) Ação cível originária. ACO 312-AgR RTJ 199/35

Ct Período entre a expedição e o pagamento. (...) Precatório. AI 492.779-AgRRTJ 199/416

Trbt Período posterior à EC n. 20/98: restituição. (...) Contribuição previden-ciária. RE 340.878-AgR RTJ 199/377

Ct Pesquisador: acesso. (...) Documento público. RMS 23.036 RTJ 199/225

PrCv Pessoa jurídica. (...) Assistência judiciária. AR 1.376 RTJ 199/72

PrSTF Petição inicial: inépcia inocorrente. (...) Ação direta de inconstitucionali-dade. ADI 3.103 RTJ 199/178

PrSTF Portaria. (...) Ação direta de inconstitucionalidade. ADI 3.206 RTJ 199/197

Ct Portaria n. 160/04-Ministro de Estado do Trabalho e Emprego: inconsti-tucionalidade. (...) Contribuição confederativa e assistencial. ADI 3.206RTJ 199/197

Trbt Prazo nonagesimal: termo inicial. (...) Contribuição previdenciária. RE451.148-AgR RTJ 199/412

Ct Precatório. Período entre a expedição e o pagamento. Juros moratórios: não-incidência. CF/88, art. 100, § 1º, redação anterior à EC n. 30/2000. AI492.779-AgR RTJ 199/416

PrCv Preclusão: hipóteses. (...) Agravo de instrumento. AI 497.450-AgR RTJ199/419

PrPn Prejudicialidade inocorrente. (...) Habeas corpus. HC 86.019 RTJ 199/324 -HC 86.529 RTJ 199/337

PrSTF Prequestionamento: ausência. (...) Recurso extraordinário. AI 378.999-AgRRTJ 199/392

ÍNDICE ALFABÉTICO — Pag-Pre

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XVI

Int Prescrição inocorrente. (...) Extradição. Ext 921 RTJ 199/45 - Ext 961 RTJ199/54

Int Prescrição: interrupção. (...) Extradição. Ext 961 RTJ 199/54

PrPn Princípio da dignidade da pessoa humana: ofensa. (...) Denúncia. HC 86.879RTJ 199/352

Adm Princípio da irredutibilidade de vencimentos: ofensa inocorrente. (...) Servi-dor público. MS 21.659 RTJ 199/219

Adm Princípio da legalidade. (...) Servidor público estadual. ADI 559 RTJ 199/41

PrPn Princípio da não-culpabilidade. (...) Prisão. HC 85.095 RTJ 199/296

PrPn Princípio da não-culpabilidade. (...) Sentença condenatória. HC 85.098 RTJ199/299

PrPn Prisão. Impossibilidade. Sentença condenatória não transitada em julgado.Réu solto durante o processo. Princípio da não-culpabilidade. HC 85.095RTJ 199/296

PrPn Prisão. Manutenção. Pronúncia. Motivação autônoma. Prisão preventiva:fundamentação insuficiente. HC 85.425 RTJ 199/302

PrPn Prisão cautelar. Pronúncia. Fundamentação inidônea. Maus antecedentes.Réu solto durante a instrução. HC 86.684 RTJ 199/349

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação inidônea. Magnitude da lesão, reiteraçãocriminosa e ameaça à livre concorrência. HC 86.620 RTJ 199/343

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Garantia da ordem pública.HC 86.529 RTJ 199/337

PrPn Prisão preventiva. Manutenção. Pronúncia. Excesso de prazo: inocorrência.Instrução criminal encerrada. HC 86.529 RTJ 199/337

PrPn Prisão preventiva. Revogação. Bloqueio e indisponibilidade de bens.Garantia das ordens pública e econômica. HC 86.620 RTJ 199/343

PrPn Prisão preventiva. Revogação. Pronúncia. Excesso de prazo. HC 84.967RTJ 199/282

PrPn Prisão preventiva: fundamentação insuficiente. (...) Prisão. HC 85.425 RTJ199/302

PrPn Prisão preventiva: fundamentação insuficiente. (...) Sentença condenatória.HC 86.234 RTJ 199/333

PrPn Procedimento administrativo: arquivamento pelo procurador-geral da Repú-blica. (...) Ministério Público. Inq 2.054 RTJ 199/91

Adm Produtividade: ajuste periódico. (...) Desapropriação. MS 25.022 RTJ199/253

Pre-Pro — ÍNDICE ALFABÉTICO

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XVII

PrPn Pronúncia. (...) Prisão. HC 85.425 RTJ 199/302

PrPn Pronúncia. (...) Prisão cautelar. HC 86.684 RTJ 199/349

PrPn Pronúncia. (...) Prisão preventiva. HC 84.967 RTJ 199/282 - HC 86.529 RTJ199/337

PrPn Pronúncia: fundamentação da prisão preventiva. (...) Habeas corpus. HC86.019 RTJ 199/324 - HC 86.529 RTJ 199/337

PrCv Prorrogação do prazo no STF: hipóteses. (...) Agravo regimental. RE429.326-AgR RTJ 199/396

PrSTF Prosseguimento. (...) Ação cível originária. ACO 312-QO RTJ 199/3

Trbt Protocolo n. 33/03-Confaz: não-regulação. (...) Imposto sobre Circulaçãode Mercadorias e Serviços – ICMS. ADI 3.103 RTJ 199/178

PrPn Prova criminal. Licitude. Interceptação ambiental. Gravação por interlocutor.HC 87.341 RTJ 199/365

PrCv Prova da insuficiência de recurso: necessidade. (...) Assistência judiciária.AR 1.376 RTJ 199/72

PrPn Prova nova: vinculação. (...) Ministério Público. Inq 2.054 RTJ 199/91

Adm Proventos proporcionais. (...) Servidor público. RE 353.595 RTJ 199/386

PrCv Provimento de agravo de instrumento. (...) Agravo regimental. AI 266.450-AgR RTJ 199/376

Ct Provimento do STM. (...) Direito à informação. RMS 23.036 RTJ 199/225

PrCv Provimento para exame de RE. (...) Agravo de instrumento. AI 497.450-AgRRTJ 199/419

PrSTF Publicação do acórdão: desnecessidade. (...) Recurso extraordinário. RE446.907-QO RTJ 199/398

Adm Publicação no Diário Oficial: desnecessidade. (...) Desapropriação. MS25.022 RTJ 199/253

Q

PrPn Questão apreciada pelo STJ. (...) Habeas corpus. HC 83.678-AgR RTJ199/270

PrPn Questão não apreciada pelo STJ. (...) Habeas corpus. HC 85.098 RTJ 199/299

Adm Quintos: redução. (...) Servidor público. MS 21.659 RTJ 199/219

R

PrSTF Reclamação. Cabimento. Efeito da ação direta de inconstitucionalidade:publicação da ata de julgamento. Rcl 3.632-AgR RTJ 199/218

ÍNDICE ALFABÉTICO — Pro-Rec

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XVIII

Ct Recompensa financeira e comercialização: não-configuração. (...) Cultura e

lazer. ADI 3.512 RTJ 199/209

PrCv Recurso especial: preclusão. (...) Acórdão recorrido. RE 357.521-AgR RTJ

199/388

PrPn Recurso exclusivo da defesa. (...) Sentença condenatória. HC 85.098 RTJ

199/299

PrCv Recurso extraordinário. (...) Ação rescisória. AR 1.376 RTJ 199/72

PrSTF Recurso extraordinário. Descabimento. Direito local. Súmula 280. RE

340.878-AgR RTJ 199/377

PrSTF Recurso extraordinário. Mérito contrário à cautelar. Tribunal Superior

Eleitoral – TSE: comunicação. Decisão plenária: cumprimento imediato.

Publicação do acórdão: desnecessidade. RE 446.907-QO RTJ 199/398

PrSTF Recurso extraordinário. Prequestionamento: ausência. Incidente de

inconstitucionalidade. Inteiro teor do acórdão do Plenário: juntada

inocorrente. AI 378.999-AgR RTJ 199/392

PrCv Recurso extraordinário: inadmissibilidade. (...) Acórdão recorrido. RE

357.521-AgR RTJ 199/388

PrCv Recurso extraordinário: interposição. (...) Medida cautelar. AC 930 RTJ

199/51

PrCv Recurso extraordinário: processamento. (...) Agravo regimental. AI 266.450-

AgR RTJ 199/376

Adm Reforma agrária. (...) Desapropriação. MS 25.022 RTJ 199/253 - MS 25.022

RTJ 199/253 - MS 25.022 RTJ 199/253

Ct Regência. (...) Contribuição confederativa e assistencial. ADI 3.206 RTJ

199/197

PrCv Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – RISTF, art. 104, § 5º. (...)

Agravo regimental. RE 429.326-AgR RTJ 199/396

Adm Reintegração e pagamento dos vencimentos. (...) Servidor público. MS

23.161 RTJ 199/250

Adm Remuneração global: preservação. (...) Servidor público. MS 21.659 RTJ

199/219

PrCv Renovação do pedido: possibilidade. (...) Assistência judiciária. AR 1.376

RTJ 199/72

PrPn Representação: comparecimento à autoridade policial. (...) Ação penal

pública condicionada. HC 86.122 RTJ 199/329

Rec-Rep — ÍNDICE ALFABÉTICO

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XIX

PrCv Reserva de Plenário: ofensa. (...) Medida cautelar. AC 930 RTJ 199/51

Ct Restrição. (...) Direito à informação. RMS 23.036 RTJ 199/225

PrPn Réu solto durante a instrução. (...) Prisão cautelar. HC 86.684 RTJ 199/349

PrPn Réu solto durante o processo. (...) Prisão. HC 85.095 RTJ 199/296

PrPn Revogação. (...) Prisão preventiva. HC 84.967 RTJ 199/282 - HC 86.620RTJ 199/343

S

Ct Secretaria de Saúde: controle. (...) Cultura e lazer. ADI 3.512 RTJ 199/209

PrPn Sentença condenatória. Direito de recorrer em liberdade. Prisão preventiva:fundamentação insuficiente. Garantia da ordem pública e gravidade docrime. HC 86.234 RTJ 199/333

PrPn Sentença condenatória. Direito de recorrer em liberdade até o trânsito emjulgado. Recurso exclusivo da defesa. Princípio da não-culpabilidade. HC85.098 RTJ 199/299

PrPn Sentença condenatória não transitada em julgado. (...) Prisão. HC 85.095RTJ 199/296

PrPn Sentença criminal. Fato descrito na denúncia. Enquadramento jurídico:“emendatio libelli”. Vista à defesa: descabimento. RHC 85.657 RTJ 199/313

Int “Sentenza di rinvio a giudizio” e pronúncia: equivalência. (...) Extradição.Ext 961 RTJ 199/54

Trbt Serviço notarial e de registro. (...) Emolumentos. ADI 2.059 RTJ 199/126

Ct Serviço portuário: exploração. (...) Competência originária. Rcl 2.549 RTJ199/133

Adm Servidor público. Aposentadoria por invalidez. Proventos proporcionais.Moléstia não especificada em lei. CF/88, art. 40, § 1º, I. RE 353.595 RTJ199/386

Adm Servidor público. Ativo e inativo: equiparação. Vencimentos: cálculo. CF/88,art. 40, § 4º. MS 21.659 RTJ 199/219

Trbt Servidor público. (...) Contribuição previdenciária. RE 451.148-AgR RTJ199/412

Adm Servidor público. Demissão: ilegalidade. Cerceamento de defesa. Reintegra-ção e pagamento dos vencimentos. MS 23.161 RTJ 199/250

Ct Servidor público. (...) Distrito Federal. RE 451.148-AgR RTJ 199/412

Adm Servidor público. Quintos: redução. Remuneração global: preservação.Princípio da irredutibilidade de vencimentos: ofensa inocorrente. CF/88,art. 37, XV. MS 21.659 RTJ 199/219

ÍNDICE ALFABÉTICO — Res-Ser

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XX

Adm Servidor público estadual. Vantagem. Convenção e acordo coletivo: incom-patibilidade. Princípio da legalidade. CF/88, art. 61, § 1º, II, “a” e “c”. LeiComplementar estadual n. 4/90/MT, art. 57, parte final: inconstitucionalidade.ADI 559 RTJ 199/41

Adm Servidor público estadual. (...) Vencimentos. ADI 559 RTJ 199/41

Trbt Servidor público inativo. (...) Contribuição previdenciária. RE 340.878-AgRRTJ 199/377

Adm Soldado policial militar. (...) Concurso público. RE 345.598-AgR RTJ199/383

PrSTF Súmula 280. (...) Recurso extraordinário. RE 340.878-AgR RTJ 199/377

PrCv Súmula 283. (...) Acórdão recorrido. RE 357.521-AgR RTJ 199/388

PrCv Súmula 289. (...) Agravo de instrumento. AI 497.450-AgR RTJ 199/419

PrCv Súmula 289. (...) Agravo regimental. AI 266.450-AgR RTJ 199/376

Int Súmula 421. (...) Extradição. Ext 921 RTJ 199/45

PrPn Súmula 524. (...) Ministério Público. Inq 2.054 RTJ 199/91

PrPn Súmula 699. (...) Agravo de instrumento criminal. AI 563.397-ED RTJ199/422

Ct Superior Tribunal Militar – STM. (...) Documento público. RMS 23.036 RTJ199/225

Ct Supremo Tribunal Federal – STF. (...) Competência originária. Rcl 2.549

RTJ 199/133

T

Int Tráfico de entorpecente. (...) Extradição. Ext 961 RTJ 199/54

Int Tratado Brasil—Itália. (...) Extradição. Ext 961 RTJ 199/54

Int Tratado Brasil—Portugal. (...) Extradição. Ext 921 RTJ 199/45

Int Tratado Brasil—Portugal, art. II, n. 2. (...) Extradição. Ext 921 RTJ 199/45

Ct Tribunal de Contas estadual. Atuação do procurador de justiça estadual:impossibilidade. Ministério Público especial: legitimidade. CF/88, arts. 75 e130. Lei Complementar estadual n. 95/97/ES, arts. 21, §§ 1º, IV, e 2º; 33, §2º; e 186, expressão: inconstitucionalidade. ADI 3.192 RTJ 199/192

Ct Tribunal de Contas estadual. Composição. Modelo federal: observânciacompulsória. CF/88, arts. 75 e 130. Lei Complementar estadual n. 95/97/ES,art. 192, parágrafo único: inconstitucionalidade. ADI 3.192 RTJ 199/192

PrSTF Tribunal Superior Eleitoral – TSE: comunicação. (...) Recurso extraordinário.RE 446.907-QO RTJ 199/398

Ser-Tri — ÍNDICE ALFABÉTICO

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XXI

V

Adm Vantagem. (...) Servidor público estadual. ADI 559 RTJ 199/41

Adm Vencimentos. Servidor público estadual. Data de pagamento: fixação.Pagamento com atraso: correção monetária. Lei Complementar estadual n.4/90/MT, art. 69. ADI 559 RTJ 199/41

Adm Vencimentos: cálculo. (...) Servidor público. MS 21.659 RTJ 199/219

Adm Verbete 106 do TCU: observância com reserva. (...) Aposentadoria. MS25.112 RTJ 199/257

PrPn Vista à defesa: descabimento. (...) Sentença criminal. RHC 85.657 RTJ199/313

Adm Vistoria. (...) Desapropriação. MS 25.022 RTJ 199/253

Adm Vistoria: realização em data razoável. (...) Desapropriação. MS 25.022 RTJ199/253

ÍNDICE ALFABÉTICO — Van-Vis

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ÍNDICE NUMÉRICO

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ACÓRDÃOS

312 (ACO-QO) Rel.: Min. Nelson Jobim................................ 199/3312 (ACO-AgR) Rel.: Min. Nelson Jobim.............................. 199/35559 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau..................................... 199/41921 (Ext) Rel.: Min. Cezar Peluso............................... 199/45930 (AC) Rel.: Min. Carlos Britto............................... 199/51961 (Ext) Rel.: Min. Joaquim Barbosa........................ 199/541.376 (AR) Rel.: Min. Gilmar Mendes........................... 199/722.054 (Inq) Rel.: Min. Ellen Gracie................................ 199/912.059 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau................................... 199/1262.549 (Rcl) Rel.: Min. Joaquim Barbosa..................... 199/1332.645 (ADI-MC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence................. 199/1532.931 (ADI) Rel.: Min. Carlos Britto............................. 199/1683.103 (ADI) Rel.: Min. Cezar Peluso............................. 199/1783.192 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau................................... 199/1923.206 (ADI) Rel.: Min. Marco Aurélio.......................... 199/1973.512 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau................................... 199/2093.632 (Rcl-AgR) Rel. p/ o ac.: Min. Eros Grau..................... 199/21821.659 (MS) Rel.: Min. Eros Grau................................... 199/21923.036 (RMS) Rel. p/ o ac.: Min. Nelson Jobim.............. 199/22523.161 (MS) Rel.: Min. Eros Grau................................... 199/25025.022 (MS) Rel.: Min. Marco Aurélio.......................... 199/25325.112 (MS) Rel.: Min. Marco Aurélio.......................... 199/25783.678 (HC-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso............................. 199/27084.021 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello......................... 199/27284.967 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio.......................... 199/28285.025 (RHC) Rel. p/ o ac.: Min. Sepúlveda Pertence... 199/28385.095 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio.......................... 199/296

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XXVI ÍNDICE NÚMERICO

85.098 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio.......................... 199/29985.425 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso............................. 199/30285.476 (HC) Rel. p/ o ac.: Min. Sepúlveda Pertence... 199/30685.657 (RHC) Rel.: Min. Carlos Britto............................. 199/31385.803 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto............................. 199/31886.019 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto............................. 199/32486.122 (HC) Rel.: Min. Eros Grau................................... 199/32986.234 (HC) Rel. p/ o ac.: Min. Cezar Peluso............... 199/33386.529 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence................. 199/33786.620 (HC) Rel.: Min. Eros Grau................................... 199/34386.684 (HC) Rel.: Min. Eros Grau................................... 199/34986.879 (HC) Rel. p/ o ac.: Min. Gilmar Mendes........... 199/35287.341 (HC) Rel.: Min. Eros Grau................................... 199/365206.069 (RE) Rel.: Min. Ellen Gracie.............................. 199/368266.450 (AI-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso............................. 199/376340.878 (RE-AgR) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence................. 199/377345.598 (RE-AgR) Rel.: Min. Marco Aurélio.......................... 199/383353.595 (RE) Rel.: Min. Marco Aurélio.......................... 199/386357.521 (RE-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello......................... 199/388378.999 (AI-AgR) Rel.: Min. Gilmar Mendes......................... 199/392429.326 (RE-AgR) Rel.: Min. Carlos Britto............................. 199/396446.907 (RE-QO) Rel. p/ o ac.: Min. Carlos Britto............... 199/398451.148 (RE-AgR) Rel.: Min. Eros Grau................................... 199/412492.779 (AI-AgR) Rel.: Min. Gilmar Mendes......................... 199/416497.450 (AI-AgR) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence................. 199/419529.916 (AI-AgR-ED) Rel.: Min. Carlos Britto............................. 199/420563.397 (AI-ED) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence................. 199/422