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Súmula 562-STJ Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Súmula 563-STJ Márcio André Lopes Cavalcante DIREITO DO CONSUMIDOR / DIREITO PREVIDENCIÁRIO APLICAÇÃO DO CDC / PREVIDÊNCIA PRIVADA Aplicação do CDC e entidades de previdência complementar Súmula 563-STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas. STJ. 2ª Seção. Aprovada em 24/02/2016. DJe 29/02/2016. ENTIDADES ABERTAS X ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR Previdência complementar Previdência complementar é um plano de benefícios feito pela pessoa que deseja receber, no futuro, aposentadoria paga por uma entidade privada de previdência. A pessoa paga todos os meses uma prestação e este valor é aplicado por uma pessoa jurídica, que é a entidade gestora do plano (ex: Bradesco Previdência). É chamada de "complementar" porque normalmente é feita por alguém que já trabalha na iniciativa privada ou como servidor público e, portanto, já teria direito à aposentadoria pelo INSS ou pelo regime próprio. Apesar disso, ela resolve fazer a previdência privada como forma de "complementar" a renda no momento da aposentadoria. O plano de previdência complementar é prestado por uma pessoa jurídica chamada de "entidade de previdência complementar" (entidade de previdência privada). Entidades de previdência privada Existem duas espécies de entidade de previdência privada (entidade de previdência complementar): as entidades de previdência privada abertas e as fechadas. ABERTAS (EAPC) FECHADAS (EFPC) As entidades abertas são empresas privadas constituídas sob a forma de sociedade anônima, que oferecem planos de previdência privada que podem ser contratados por qualquer pessoa física ou jurídica. As entidades abertas normalmente fazem parte do mesmo grupo econômico de um banco ou seguradora. Exs: Bradesco Vida e Previdência S.A., Itaú Vida e Previdência S.A., Mapfre Previdência S.A., Porto Seguro Vida e Previdência S/A., Sul América Seguros de Pessoas e Previdência S.A. As entidades fechadas são pessoas jurídicas, organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, mantidas por grandes empresas ou grupos de empresa, para oferecer planos de previdência privada aos seus funcionários. Essas entidades são conhecidas como “fundos de pensão”. Os planos não podem ser comercializados para quem não é funcionário daquela empresa. Ex: Previbosch (dos funcionários da empresa Bosch). Possuem finalidade de lucro. Não possuem fins lucrativos. São geridas (administradas) pelos diretores e administradores da sociedade anônima. A gestão é compartilhada entre os representantes dos participantes e assistidos e os representantes dos patrocinadores.

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Súmula 562-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Súmula 563-STJ Márcio André Lopes Cavalcante

DIREITO DO CONSUMIDOR / DIREITO PREVIDENCIÁRIO

APLICAÇÃO DO CDC / PREVIDÊNCIA PRIVADA Aplicação do CDC e entidades de previdência complementar

Súmula 563-STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas.

STJ. 2ª Seção. Aprovada em 24/02/2016. DJe 29/02/2016.

ENTIDADES ABERTAS X ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR

Previdência complementar Previdência complementar é um plano de benefícios feito pela pessoa que deseja receber, no futuro, aposentadoria paga por uma entidade privada de previdência. A pessoa paga todos os meses uma prestação e este valor é aplicado por uma pessoa jurídica, que é a entidade gestora do plano (ex: Bradesco Previdência). É chamada de "complementar" porque normalmente é feita por alguém que já trabalha na iniciativa privada ou como servidor público e, portanto, já teria direito à aposentadoria pelo INSS ou pelo regime próprio. Apesar disso, ela resolve fazer a previdência privada como forma de "complementar" a renda no momento da aposentadoria. O plano de previdência complementar é prestado por uma pessoa jurídica chamada de "entidade de previdência complementar" (entidade de previdência privada).

Entidades de previdência privada Existem duas espécies de entidade de previdência privada (entidade de previdência complementar): as entidades de previdência privada abertas e as fechadas.

ABERTAS (EAPC) FECHADAS (EFPC)

As entidades abertas são empresas privadas constituídas sob a forma de sociedade anônima, que oferecem planos de previdência privada que podem ser contratados por qualquer pessoa física ou jurídica. As entidades abertas normalmente fazem parte do mesmo grupo econômico de um banco ou seguradora. Exs: Bradesco Vida e Previdência S.A., Itaú Vida e Previdência S.A., Mapfre Previdência S.A., Porto Seguro Vida e Previdência S/A., Sul América Seguros de Pessoas e Previdência S.A.

As entidades fechadas são pessoas jurídicas, organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, mantidas por grandes empresas ou grupos de empresa, para oferecer planos de previdência privada aos seus funcionários. Essas entidades são conhecidas como “fundos de pensão”. Os planos não podem ser comercializados para quem não é funcionário daquela empresa. Ex: Previbosch (dos funcionários da empresa Bosch).

Possuem finalidade de lucro. Não possuem fins lucrativos.

São geridas (administradas) pelos diretores e administradores da sociedade anônima.

A gestão é compartilhada entre os representantes dos participantes e assistidos e os representantes dos patrocinadores.

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Feitos estes esclarecimentos, vejamos, por meio de dois exemplos, em que consiste a súmula. SITUAÇÃO 1: ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR ABERTA

Imagine a seguinte situação hipotética: João é dentista autônomo e decidiu que não queria ficar dependendo apenas da aposentadoria do INSS. Diante disso, ele procurou a empresa "Porto Seguro Vida e Previdência S/A." (entidade aberta de previdência complementar) e com ela celebrou contrato de previdência privada. Anos mais tarde, no momento de obter o benefício da aposentadoria, João discordou da interpretação dada pela entidade a determinada cláusula contratual. No entendimento de João, a redação do contrato não estava muito clara e, por isso, a cláusula deveria ser interpretada de forma mais favorável a ele (consumidor), nos termos do art. 47 do CDC. A relação jurídica entre João (participante do plano de benefício) e a entidade de previdência complementar é uma relação de consumo? SIM. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar. Para saber se determinada relação jurídica é regida ou não pelo CDC é fundamental analisar se estão presentes, no caso, as figuras do consumidor (art. 2º do Código) e do fornecedor (art. 3º). A pessoa que celebra um contrato com uma entidade de previdência complementar aberta certamente se enquadra na definição porque “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (art. 2º). Como o indivíduo contrata o plano de previdência para uso próprio (ou de sua família), e não para revendê-lo, pode-se dizer que ele é o destinatário final do serviço. Por outro lado, a entidade complementar aberta amolda-se ao conceito de fornecedor, oferecendo um serviço oneroso aos seus clientes. Veja:

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (...) § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Vale ressaltar, ainda, que a pessoa que contrata com a entidade aberta é considerada vulnerável, tanto sob o ponto de vista econômico, já que tais entidades são grandes corporações ligadas a instituições financeiras, como também sob o aspecto jurídico considerando que os contratos assinados são de adesão, não havendo possibilidade de o consumidor alterar as cláusulas previamente impostas. Dessa forma, o vínculo jurídico entre o contratante e a entidade aberta de previdência complementar é relação de consumo, aplicando-se, como fontes normativas a LC 109/2001 (lei especial que trata sobre o Regime de Previdência Complementar) e também os princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor. SITUAÇÃO 2: ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR FECHADA

Imagine agora outra situação ligeiramente diferente: A Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social (Valia) é uma entidade fechada de previdência complementar privada (EFPC) criada com o objetivo de administrar o plano de previdência complementar dos empregados da mineradora Vale. Pedro, funcionário aposentado da Vale, ajuizou ação contra a Valia afirmando que a entidade não cumpriu uma das cláusulas do regulamento do plano de previdência. Segundo argumentou Pedro, a entidade descumpriu o regulamento e, por não haver nenhuma regra específica sobre o tema na LC 109/2001, a questão deveria ser resolvida mediante a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

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A relação jurídica entre Pedro (participante do plano de benefício) e a Valia (entidade de previdência complementar fechada) é uma relação de consumo? Pode ser aplicado o CDC ao caso? NÃO. O Código de Defesa do Consumidor não é aplicável à relação jurídica entre participantes ou assistidos de plano de benefício e entidade de previdência complementar fechada, mesmo em situações que não sejam regulamentadas pela legislação especial. STJ. 2ª Seção. REsp 1.536.786-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/8/2015 (Info 571).

Entidades fechadas não se amoldam à definição de fornecedor (art. 3º do CDC) As entidades fechadas de previdência privada não comercializam os seus benefícios ao público em geral nem os distribuem no mercado de consumo, não podendo, por isso mesmo, ser enquadradas no conceito legal de fornecedor. Além disso, não há remuneração pela contraprestação dos serviços prestados e, consequentemente, a finalidade não é lucrativa, já que o patrimônio da entidade e respectivos rendimentos, auferidos pela capitalização de investimentos, revertem-se integralmente na concessão e manutenção do pagamento de benefícios aos seus participantes e assistidos. Assim, o que predomina nas relações entre a EFPC e seus participantes é o associativismo ou o mutualismo com fins previdenciários, ou seja, uma gestão participativa com objetivos sociais comuns de um grupo específico, que se traduzem na rentabilidade dos recursos vertidos pelos patrocinadores (empregadores) e participantes (empregados) ao fundo, visando à garantia do pagamento futuro de benefício de prestação programada e continuada. Logo, a relação jurídica existente entre os fundos de pensão e seus participantes é de caráter estatutário, sendo regida por leis específicas (LC 108 e 109/2001), bem como pelos planos de custeio e de benefícios, de modo que, apenas em caráter subsidiário, aplicam-se a legislação previdenciária e a civil, não podendo incidir normas peculiares de outros microssistemas legais, tais como o CDC e a CLT. STJ. 3ª Turma. REsp 1421951/SE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25/11/2014.

Se não houver normas específicas nas Leis Complementares 108/2001 e 109/2001, será possível aplicar, subsidiariamente, o CDC na relação entre o participante e a EFPC? NÃO. As regras do CDC, mesmo em situações que não sejam regulamentadas pela legislação especial, não se aplicam às relações envolvendo participantes e/ou assistidos de planos de benefícios e entidades fechadas de previdência complementar (STJ. 2ª Seção. REsp 1.536.786-MG). Não havendo norma específica nas Leis Complementares 108/2001 e 109/2001, o intérprete deverá se valer da legislação previdenciária, do Código Civil e de outras leis que regem as relações civis em geral. Não se aplica nem mesmo subsidiariamente o CDC porque este diploma rege um microssistema próprio. REVOGAÇÃO DA SÚMULA 321-STJ

O STJ nem sempre fez a diferença acima explicada entre as entidades abertas e fechadas. Durante muito tempo as duas foram tratadas da mesma forma, ou seja, aplicava-se o CDC em ambos os casos. O STJ possuía uma súmula expondo isso sem distinções:

Súmula 321-STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes.

Paulatinamente, contudo, foi-se percebendo a necessidade de distinguir as relações e essa posição foi firmemente assumida no julgamento do REsp 1.536.786-MG (DJe 20/10/2015). Daí o STJ ter, alguns meses depois, em 24/02/2016, editado a Súmula 563 acima comentada.

Mas e a Súmula 321? Na mesma sessão que aprovou a Súmula 563, o STJ, acertadamente, cancelou o enunciado 321 já que ele não fazia distinção entre as entidades abertas e fechadas. Portanto, está cancelada a Súmula 321, cujo entendimento ficou ultrapassado, sendo substituída pela Súmula 563.