informativo comentado: informativo 639-stj...informativo 639-stj (01/02/2019) – márcio andré...

45
Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 639-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CIVIL CONTRATOS A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. SEGURO Ainda que contrato preveja a exclusão da cobertura em caso de embriaguez do segurado e mesmo que o acidente tenha sido causado por essa embriaguez, a seguradora será obrigada a indenizar a vítima já que essa cláusula é ineficaz perante terceiros. DIREITO DO CONSUMIDOR CLÁUSULAS ABUSIVAS E CONTRATOS BANCÁRIOS É abusiva a previsão no contrato bancário de cobrança genérica por serviços prestados por terceiros. Em regra, o banco pode cobrar tarifa de avaliação do bem dado em garantia. Em regra, o banco pode cobrar o ressarcimento de despesa com o registro do contrato. O banco não pode cobrar do consumidor o valor gasto pela instituição com a comissão do correspondente bancário. O banco não pode cobrar do consumidor o valor gasto com o registro do pré-gravame. Instituição financeira não pode exigir que o contratante faça um seguro como condição para a assinatura do contrato bancário. DIREITO PROCESSUAL CIVIL TUTELA ANTECIPADA A tutela antecipada antecedente (art. 303 do CPC) somente se torna estável se não houver nenhum tipo de impugnação formulada pela parte contrária, de forma que a mera contestação tem força de impedir a estabilização. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO A técnica de ampliação de julgamento (art. 942 do CPC/2015) deve ser utilizada quando o resultado da apelação for não unânime, independentemente de ser julgamento que reforma ou mantém a sentença impugnada. AÇÃO RESCISÓRIA O pedido de rescisão da sentença, em vez do acórdão que a substituiu, não conduz à impossibilidade jurídica do pedido, constituindo mera irregularidade formal. AGRAVO DE INSTRUMENTO O rol do art. 1.015 do CPC/2015 é de taxatividade mitigada. DIREITO PENAL DOSIMETRIA DA PENA Condenações anteriores transitadas em julgado não podem ser utilizadas como conduta social desfavorável. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA A SV 24 pode ser aplicada a fatos anteriores à sua edição.

Upload: others

Post on 24-Feb-2021

6 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 639-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CIVIL

CONTRATOS A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. SEGURO Ainda que contrato preveja a exclusão da cobertura em caso de embriaguez do segurado e mesmo que o acidente

tenha sido causado por essa embriaguez, a seguradora será obrigada a indenizar a vítima já que essa cláusula é ineficaz perante terceiros.

DIREITO DO CONSUMIDOR

CLÁUSULAS ABUSIVAS E CONTRATOS BANCÁRIOS É abusiva a previsão no contrato bancário de cobrança genérica por serviços prestados por terceiros. Em regra, o banco pode cobrar tarifa de avaliação do bem dado em garantia. Em regra, o banco pode cobrar o ressarcimento de despesa com o registro do contrato. O banco não pode cobrar do consumidor o valor gasto pela instituição com a comissão do correspondente bancário. O banco não pode cobrar do consumidor o valor gasto com o registro do pré-gravame. Instituição financeira não pode exigir que o contratante faça um seguro como condição para a assinatura do

contrato bancário.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TUTELA ANTECIPADA A tutela antecipada antecedente (art. 303 do CPC) somente se torna estável se não houver nenhum tipo de

impugnação formulada pela parte contrária, de forma que a mera contestação tem força de impedir a estabilização. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO A técnica de ampliação de julgamento (art. 942 do CPC/2015) deve ser utilizada quando o resultado da apelação

for não unânime, independentemente de ser julgamento que reforma ou mantém a sentença impugnada. AÇÃO RESCISÓRIA O pedido de rescisão da sentença, em vez do acórdão que a substituiu, não conduz à impossibilidade jurídica do

pedido, constituindo mera irregularidade formal. AGRAVO DE INSTRUMENTO O rol do art. 1.015 do CPC/2015 é de taxatividade mitigada.

DIREITO PENAL

DOSIMETRIA DA PENA Condenações anteriores transitadas em julgado não podem ser utilizadas como conduta social desfavorável. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA A SV 24 pode ser aplicada a fatos anteriores à sua edição.

Page 2: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2

DIREITO PROCESSUAL PENAL

FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO Crime cometido por Desembargador.

DIREITO TRIBUTÁRIO

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Não pratica o crime do art. 3º, III, da Lei 8.137/90 o auditor fiscal que corrige minuta de impugnação administrativa

que posteriormente é ajuizada na Administração Tributária.

DIREITO CIVIL

CONTRATOS A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora

A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.639.259-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

Obs: o reconhecimento da abusividade dos encargos essenciais exigidos no período da normalidade contratual descarateriza a mora (STJ. 2ª Seção. REsp 1061530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008).

Imagine a seguinte situação hipotética: João celebrou contrato de financiamento bancário por meio do qual tomou emprestado R$ 50 mil da instituição financeira, oferecendo um caminhão como garantia da dívida. Ocorre que o banco inseriu no contrato três encargos acessórios a serem pagos pelo contratante, que não teve liberdade de escolha. Assim, o contrato previa que João deveria, obrigatoriamente, pagar, além das parcelas do financiamento: • seguro de proteção financeira; • ressarcimento de despesas com pré-gravame; • comissão do correspondente bancário. O banco poderia ter exigido o pagamento desses encargos? NÃO. O STJ entende que essa exigência é abusiva. Atraso no pagamento das parcelas do financiamento Após alguns meses, João passou a atrasar o pagamento das parcelas do contrato. O contrato previa que, em caso de atraso, incidiria multa contratual, juros moratórios e correção monetária. Diante da mora, o banco iniciou a cobrança dos encargos moratórios previstos no ajuste. João defendeu-se afirmando que, como o banco estava exigindo alguns encargos manifestamente abusivos, o atraso no pagamento foi justificado e, portanto, a mora deveria ser afastada, não havendo motivo para que ele pagasse a multa, os juros e a correção monetária. A tese de João foi acolhida pelo STJ? NÃO. Vamos entender com calma. Se o banco cobra encargos ilegais do contratante e este atrasa o pagamento, haverá a incidência de juros e correção monetária?

Page 3: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 3

Depende:

Se são encargos ESSENCIAIS: SIM Se são encargos ACESSÓRIOS: NÃO

O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual descaracteriza (afasta) a mora. Isso porque afasta a “culpa” do mutuário pelo atraso. STJ. 2ª Seção. REsp 1061530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008.

A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. STJ. 2ª Seção. REsp 1.639.259-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

Ex: em um contrato de mútuo bancário, se a instituição financeira cobra juros remuneratórios abusivos, o eventual atraso não gera mora (não gera pagamento das verbas decorrentes da mora).

Ex: em um contrato de mútuo bancário, se a instituição financeira exige seguro de proteção financeira, ressarcimento de despesas com pré-gravame e comissão do correspondente bancário, o eventual atraso gera mora.

A abusividade em algum encargo acessório do contrato não contamina a parte principal da contratação, que deve ser conservada. Deve-se fazer a redução do negócio jurídico, conforme preconiza o Código de Defesa do Consumidor, nos seguintes termos:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) § 2º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

Em suma:

A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. STJ. 2ª Seção. REsp 1.639.259-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

SEGURO Ainda que contrato preveja a exclusão da cobertura em caso de embriaguez do segurado e

mesmo que o acidente tenha sido causado por essa embriaguez, a seguradora será obrigada a indenizar a vítima, já que essa cláusula é ineficaz perante terceiros

Mudança de entendimento!

No contrato de seguro de automóvel, é lícita a cláusula que exclui a cobertura securitária para o caso de o acidente de trânsito (sinistro) ter sido causado em decorrência da embriaguez do segurado.

No entanto, esta cláusula é ineficaz perante terceiros (garantia de responsabilidade civil).

Isso significa que, mesmo que contrato preveja a exclusão da cobertura em caso de embriaguez do segurado, a seguradora será obrigada a indenizar a vítima (terceiro) caso o acidente tenha sido causado pelo segurado embriagado.

Em outras palavras, não se pode invocar essa cláusula contra a vítima.

Depois de indenizar a vítima, a seguradora poderá exigir seu direito de regresso contra o segurado (causador do dano).

Page 4: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4

A garantia de responsabilidade civil não visa apenas proteger o interesse econômico do segurado tendo, também como objetivo preservar o interesse dos terceiros prejudicados.

O seguro de responsabilidade civil se transmudou após a edição do Código Civil de 2002, de forma que deixou de ser apenas uma forma de reembolsar as indenizações pagas pelo segurado e passou a ser também um meio de proteção das vítimas, prestigiando, assim, a sua função social.

É inidônea a exclusão da cobertura de responsabilidade civil no seguro de automóvel quando o motorista dirige em estado de embriaguez, visto que somente prejudicaria a vítima já penalizada, o que esvaziaria a finalidade e a função social dessa garantia, de proteção dos interesses dos terceiros prejudicados à indenização, ao lado da proteção patrimonial do segurado.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.738.247-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/11/2018 (Info 639).

Imagine a seguinte situação hipotética: John celebrou, com a Marine Seguradora, um contrato de seguro do seu veículo (um Porsche 918 Spyder). No contrato há uma cláusula prevendo que fica excluída a cobertura securitária em caso de embriaguez do condutor (embriaguez ao volante): “Cláusula 2.3.1 – Há perda do direito à indenização caso fique comprovado que, no momento do sinistro, o veículo estava sendo conduzido por pessoa sob efeito de álcool, drogas ou outras substâncias psicotrópicas, devendo, nesta hipótese, a seguradora comprovar o nexo de causalidade entre o estado de embriaguez ou entorpecente e o evento que provocou os danos.” Esta cláusula, presente no seguro de AUTOMÓVEL, é válida? SIM. No caso de seguro de veículos, é válida a cláusula contratual que preveja a exclusão da indenização caso os danos ao automóvel tenham sido causados pela embriaguez do segurado. E se fosse um seguro de VIDA? É válida a cláusula, no contrato de seguro de vida, que preveja a exclusão da cobertura securitária se a morte foi decorrente de embriaguez? NÃO. É vedada a exclusão de cobertura do seguro de vida na hipótese de sinistro ou acidente decorrente de atos praticados pelo segurado em estado de embriaguez. Tal cláusula é abusiva, com base nos arts. 3º, § 2º, e 51, IV, do CDC.

Súmula 620-STJ: A embriaguez do segurado não exime a seguradora do pagamento da indenização prevista em contrato de seguro de vida.

É válida a cláusula prevendo que fica excluída a cobertura do seguro em caso de embriaguez? • Seguro de veículo: SIM. • Seguro de vida: NÃO. Esqueçamos o seguro de vida e voltemos ao exemplo que trata sobre seguro de automóvel: Alguns meses depois de ter feito o seguro, John saía de uma festa e, completamente embriagado, perdeu a direção do veículo, passou para a contramão e acertou o carro de Pedro. Ficou comprovado que a causa determinante do acidente foi a embriaguez de John. Felizmente, não houve vítimas fatais, mas Pedro saiu muito lesionado e com seu carro destruído. Pedro procura um advogado para pleitear seus direitos. Hipótese 1. Indaga-se: Pedro (terceiro prejudicado), sabendo que John possui seguro, pode deixar de lado o causador do dano e ajuizar ação de indenização apenas contra a Seguradora cobrando seu prejuízo? NÃO. O terceiro prejudicado não pode ajuizar, direta e exclusivamente, ação judicial em face da seguradora do causador do dano. Esse entendimento encontra-se materializado em uma súmula:

Page 5: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5

Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano.

Obs: a súmula fala em “seguro de responsabilidade civil facultativo” para deixar claro que está tratando daquele seguro que os proprietários de carro fazem espontaneamente com a seguradora. O objetivo foi deixar claro que a súmula não está tratando sobre o seguro DPVAT, que é um seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre. Vamos supor uma segunda hipótese. Pedro ajuizou a ação de indenização apenas contra John cobrando as despesas do conserto. John poderá fazer a denunciação da lide à seguradora? SIM, nos termos do art. 125, II, do CPC/2015:

Art. 125. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes: (...) II - àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.

Desse modo, a Seguradora comparece em juízo aceitando a denunciação da lide feita pelo réu, contestando o mérito do pedido do autor e assumindo, assim, a condição de litisconsorte passiva. É admitida a condenação direta da seguradora denunciada? Em outras palavras, a seguradora denunciada pode ser condenada a pagar diretamente a Pedro (autor da ação), isto é, sem que John pague antes e depois o seguro faça apenas o ressarcimento? SIM. Em ação de indenização, se o réu (segurado) denunciar a lide à seguradora, esta poderá ser condenada, de forma direta e solidária, a indenizar o autor da ação:

Súmula 537-STJ: Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice.

Nesta situação acima relatada, o juiz irá condenar John e a Seguradora, de modo que Pedro poderá executar tanto o denunciante (John) como a denunciada (Seguradora). Isso é bom porque a vítima não será obrigada a perseguir seu direito somente contra o autor do dano (John), o qual poderia, em tese, não ter condições de arcar com a condenação. Obs: a seguradora pode recusar a denunciação da lide, desde que tenha uma razão jurídica para isso (ex: o contrato com o segurado já havia expirado). Neste caso, ela não poderá ser condenada junto com o segurado, ao pagamento da indenização. Vamos agora imaginar uma terceira e última hipótese. Pedro poderá ajuizar a ação de indenização contra John e a Seguradora em litisconsórcio passivo? SIM. Conforme vimos na hipótese 1, não é cabível a propositura de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado como causador do dano (Súmula 529-STJ). Contudo, a seguradora é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda em litisconsórcio com o segurado (STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 693.981/SC, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 19/10/2017). Esse ajuizamento direto é permitido porque, atualmente, o STJ não mais adota a “teoria do reembolso”. Pela teoria do reembolso, o segurado deveria primeiro indenizar o terceiro lesado pelo evento danoso para que, então, a seguradora o reembolsasse das despesas até o limite previsto na apólice. Ocorre que tal exigência conduzia a situações de grande injustiça perante as vítimas inocentes (terceiros) do sinistro, pois, em muitas oportunidades, o segurado não possui patrimônio suficiente para suportar as despesas dos danos causados a terceiros, deixando as seguradoras em uma cômoda posição frente ao seguro de responsabilidade civil, pois nada havia para reembolsar ao segurado que nada despendera.

Page 6: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 6

Dessa forma, “o contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil, previsto no art. 787 do Código Civil, não pode mais servir como ‘instrumento de reembolso’, tendo por condição o pagamento incerto e duvidoso feito à vítima pelo fragilizado segurado, sob pena de tornar a garantia do patrimônio do terceiro, prometida pela seguradora, ineficaz.” (Min. Paulo de Tarso Sanseverino). Imaginemos que ocorreu a terceira hipótese: Pedro ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra John e a Seguradora, em litisconsórcio passivo. A Seguradora contestou a demanda afirmando que não é devida a indenização securitária, considerando que se aplica, no caso, a cláusula contratual de exclusão expressa do risco nas hipóteses de embriaguez do condutor do veículo segurado. Em outras palavras, a Seguradora afirmou que o contrato prevê expressamente que ela não deve indenizar em caso de sinistro causado por embriaguez do condutor e que essa cláusula é considerada lícita pela jurisprudência. Esse argumento da Seguradora foi acolhido pelo STJ? NÃO. Vamos entender com calma. Coberturas do seguro de veículos Dentro do nome “contrato de seguro de veículos”, podemos encontrar três modalidades diferentes de seguros constantes de uma mesma apólice: a) o seguro de dano (veículo); b) o seguro de vida (segurado, motorista, passageiros); c) o seguro facultativo de responsabilidade civil (terceiros). Não é o segurado que está cobrando a seguradora, mas sim o terceiro Importante deixar claro, inicialmente, que não se está discutindo pedido do segurado para que a Seguradora pague os seus prejuízos. Não se está discutindo o conserto do Porsche. O debate aqui envolve o pedido feito pela vítima do acidente de trânsito que postula conjuntamente contra o segurado e a seguradora o pagamento da indenização, ou seja, trata-se da cobertura de responsabilidade civil por danos praticados pelo segurado contra terceiros. Essa é uma cobertura presente comumente nos seguros de automóvel. A cláusula 2.3.1 é ineficaz perante terceiros Nesse contexto, deve-se considerar que a cláusula que exclui a cobertura securitária na hipótese de o acidente de trânsito advir da embriaguez do segurado é uma cláusula válida (não possui nulidade), mas ineficaz perante terceiros. A cláusula de exclusão de cobertura securitária na hipótese de o sinistro ter sido causado por embriaguez do segurado tem seu alcance eficacial restrito ao segurado, sendo ineficaz perante terceiros, vítimas inocentes do evento danoso, em face das peculiaridades do contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil (art. 787 do Código Civil). Do contrário, se entendêssemos que essa cláusula é eficaz perante terceiros, estaria sendo punida a vítima que não concorreu para a ocorrência do dano. Essa é a lição de Sérgio Cavalieri Filho:

“(...) a embriaguez só não excluirá a cobertura no caso de seguro de responsabilidade civil, porque este (...) destina-se a reparar os danos causados pelo segurado, culposa ou dolosamente, a terceiros, as maiores vítimas da tragédia do trânsito. Excluir a cobertura em casos tais seria punir as vítimas em lugar do causador dos danos.” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 489)

Page 7: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 7

Logo, não é correta a exclusão da cobertura de responsabilidade civil por danos a terceiros no seguro de automóvel quando o motorista dirige em estado de embriaguez, visto que somente prejudicaria a vítima já penalizada, o que esvaziaria a finalidade e a função social dessa garantia, de proteção dos interesses dos terceiros prejudicados à indenização, ao lado da proteção patrimonial do segurado. Função social do contrato de seguro A função social do contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil perante terceiros vai muito além do simples reembolso ao segurado, apresentando-se como verdadeiro instrumento de garantia aos terceiros prejudicados, vítimas inocentes do sinistro provocado pelo segurado. Sua finalidade é voltada ao interesse coletivo, beneficiando os terceiros inocentes, não se restringindo ao interesse individual do segurado. Na relação entre segurado e seguradora, a cláusula é válida e eficaz Perante o segurado, a cláusula de exclusão da cobertura é válida e eficaz. Isso significa, por exemplo, que no exemplo dado: • a Seguradora não estaria obrigada a reparar os danos causados ao veículo do segurado; • a Seguradora, após indenizar a vítima (Pedro), poderá ingressar com ação de regresso contra o segurado (John) pedindo o ressarcimento pelos valores pagos. Em suma:

No contrato de seguro de automóvel, é lícita a cláusula que exclui a cobertura securitária para o caso de o acidente de trânsito (sinistro) ter sido causado em decorrência da embriaguez do segurado. No entanto, esta cláusula é ineficaz perante terceiros (garantia de responsabilidade civil). Isso significa que, mesmo que contrato preveja a exclusão da cobertura em caso de embriaguez do segurado, a seguradora será obrigada a indenizar a vítima (terceiro) caso o acidente tenha sido causado pelo segurado embriagado. Em outras palavras, não se pode invocar essa cláusula contra a vítima. Depois de indenizar a vítima, a seguradora poderá exigir seu direito de regresso contra o segurado (causador do dano). A garantia de responsabilidade civil não visa apenas proteger o interesse econômico do segurado tendo, também como objetivo preservar o interesse dos terceiros prejudicados. O seguro de responsabilidade civil se transmudou após a edição do Código Civil de 2002, de forma que deixou de ser apenas uma forma de reembolsar as indenizações pagas pelo segurado e passou a ser também um meio de proteção das vítimas, prestigiando, assim, a sua função social. É inidônea a exclusão da cobertura de responsabilidade civil no seguro de automóvel quando o motorista dirige em estado de embriaguez, visto que somente prejudicaria a vítima já penalizada, o que esvaziaria a finalidade e a função social dessa garantia, de proteção dos interesses dos terceiros prejudicados à indenização, ao lado da proteção patrimonial do segurado. STJ. 3ª Turma. REsp 1738247/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/11/2018 (Info 639).

Page 8: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8

DIREITO DO CONSUMIDOR

CLÁUSULAS ABUSIVAS E CONTRATOS BANCÁRIOS É abusiva a previsão no contrato bancário de cobrança genérica

por serviços prestados por terceiros

É abusiva a cláusula que prevê a cobrança de ressarcimento de serviços prestados por terceiros, sem a especificação do serviço a ser efetivamente prestado.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.578.553-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 28/11/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

COBRANÇAS DE SERVIÇOS PRESTADOS POR TERCEIROS

“Tarifa bancária” É o nome dado para a remuneração cobrada pelas instituições financeiras como contraprestação pelos serviços bancários prestados aos clientes. Ex: caso o cliente solicite do banco o fornecimento de cópia ou de segunda via de algum comprovante ou documento, terá que pagar a tarifa bancária por este serviço. Quem autoriza ou proíbe que as instituições financeiras cobrem dos usuários tarifas bancárias? O Conselho Monetário Nacional (CMN). O Conselho Monetário Nacional (CMN) é um órgão federal, classificado como “órgão superior do Sistema Financeiro Nacional”. Suas competências estão elencadas no art. 4º da Lei nº 4.595/64, sendo ele responsável por formular a política da moeda e do crédito, objetivando o progresso econômico e social do País (art. 3º da Lei). O CMN é composto por três autoridades: Ministro da Fazenda (que é o Presidente do Conselho); Ministro do Planejamento; Presidente do Banco Central. As reuniões do CMN acontecem, em regra, uma vez por mês. As matérias são aprovadas por meio de “Resoluções”. Por que o CMN é quem define as tarifas bancárias que podem ser cobradas? Qual é o fundamento legal para isso? Essa competência do CMN encontra-se prevista na Lei nº 4.595/64. A Lei nº 4.595/64 trata sobre as instituições monetárias, bancárias e creditícias, sendo conhecida como “Lei do Sistema Financeiro nacional”. Vale ressaltar que a Lei nº 4.595/64, apesar de ser formalmente uma lei ordinária, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com status de lei complementar. Isso porque o art. 192 da CF/88 preconiza que o sistema financeiro nacional "será regulado por leis complementares". Veja o que diz o art. 4º, VI, da Lei nº 4.595/64:

Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República: (...) IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil (...)

Assim, é o CMN que define se os bancos podem cobrar ou não pelos serviços oferecidos. A disciplina e os limites impostos pelo CMN são realizados por decisões instrumentalizadas por meio de “resoluções”. Assim, quando o CMN decide proibir que as instituições financeiras cobrem determinada tarifa, ele o faz por meio de uma “resolução”.

Page 9: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

Resolução CMN 3.919/2010 Atualmente, a Resolução CMN 3.919/2010 prevê as tarifas que podem ser cobradas pelas instituições financeiras e demais instituições que são fiscalizadas pelo Banco Central. Contrato entre a instituição financeira e seus clientes Se você analisar a maioria dos contratos celebrados entre uma instituição financeira e um consumidor, poderá identificar dois tipos de serviços:

a) Serviços que são prestados pela própria instituição financeira

b) Serviços que estão previstos no contrato, mas que são, na verdade, prestados por terceiros

O valor cobrado pelo banco como contraprestação por esses serviços é chamado de “tarifa bancária”.

Neste caso, o banco cobra um valor que é, em tese, repassado para esse terceiro que prestou o serviço. O valor cobrado pela instituição financeira é denominado “ressarcimento de despesa”.

Essa cobrança é disciplinada pela Resolução CMN 3.919/2010.

Tais serviços não são regulamentados pelo Conselho Monetário Nacional.

É possível que, no contrato bancário, exista uma cláusula genérica prevendo que o consumidor deverá ressarcir o banco pelos valores que ele pagar aos terceiros? É possível exigir do consumidor, de forma genérica, o ressarcimento por todo e qualquer serviço prestado por terceiros (previsão genérica de ressarcimento de despesa)? NÃO. É necessário que o contrato indique, de modo específico, qual serviço será prestado e cobrado. A cobrança genérica por serviços prestados por terceiros, além de não encontrar amparo na regulação bancária, viola o Código de Defesa do Consumidor. Foi o que decidiu o STJ:

É abusiva a cláusula que prevê a cobrança de ressarcimento de serviços prestados por terceiros, sem a especificação do serviço a ser efetivamente prestado. STJ. 2ª Seção. REsp 1.578.553-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 28/11/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

A especificação do serviço contratado e dos acréscimos que forem cobrados é direito previsto no art. 6º, III e no art. 52, III, do CDC:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: (...) III - acréscimos legalmente previstos;

Page 10: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10

CLÁUSULAS ABUSIVAS E CONTRATOS BANCÁRIOS Em regra, o banco pode cobrar tarifa de avaliação do bem dado em garantia

Em regra, o banco pode cobrar o ressarcimento de despesa com o registro do contrato

É válida a tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas:

• a abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e

• a possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto.

Tarifa de avaliação do bem dado em garantia: valor cobrado do banco para remunerar o especialista que realiza a avaliação do preço de mercado do bem dado em garantia.

Ressarcimento de despesa com o registro do contrato: valor cobrado pela instituição financeira como ressarcimento pelos custos que o banco terá para fazer o registro do contrato no cartório ou no DETRAN. Ex: despesas para registrar a alienação fiduciária de veículo no DETRAN.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.578.553-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 28/11/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

TARIFA DE AVALIAÇÃO DO BEM DADO EM GARANTIA

Tarifa de avaliação do bem dado em garantia Se um indivíduo contrai um empréstimo com o banco (celebra um contrato de mútuo), ele poderá oferecer um bem como forma de garantia da dívida. Isso significa que, se ele (mutuário) não pagar o débito, o banco poderá alienar a coisa e utilizar o valor obtido para saldar a dívida. Vale ressaltar, no entanto, que, para cumprir essa finalidade, o bem dado em garantia deverá ser de valor superior à quantia emprestada. Em outras palavras, se o banco emprestará R$ 30 mil ao mutuário, não faz muito sentido o valor do bem dado em garantia ser igual a R$ 10 mil. Seria uma garantia insuficiente. Logo, o banco, para aceitar o bem dado em garantia, deverá fazer uma avaliação prévia da coisa para definir o quanto seria seu preço médio caso seja necessário vendê-la para pagar a dívida. Essa avaliação é feita por um especialista nesta atividade, ou seja, por um “avaliador”. Ocorre que esse avaliador terá que ser remunerado pelo serviço que irá desempenhar. Portanto, tarifa de avaliação do bem dado em garantia é o valor exigido pela instituição financeira como contraprestação pela atividade de definição do valor da coisa que foi entregue como garantia da dívida contraída. Imagine agora a seguinte situação hipotética: Pedro deseja comprar um veículo seminovo, que custa R$ 50 mil. Ocorre que ele só tem R$ 20 mil. Diante disso, procura o banco em busca de um financiamento, ou seja, solicita que a instituição financeira empreste os recursos que ele não dispõe para fazer a aquisição. É combinado, então, que o carro será adquirido mediante alienação fiduciária, ou seja, o banco irá pagar o preço do veículo ao vendedor e permitirá que o mutuário/fiduciante fique com a posse direta do bem. Como garantia do pagamento da dívida, o banco ficará com a propriedade resolúvel do automóvel. Assim que Pedro terminar de pagar as prestações à instituição financeira, o veículo será transferido para o seu nome. Até aí, tudo bem. Ocorre que, ao assinar o contrato, Pedro percebe que uma das cláusulas determina que, além das prestações normais, ele terá que pagar um valor ao banco denominado de “tarifa de avaliação do bem dado em garantia”, antecipado e sem a efetiva informação de que essa avaliação foi ou será realizada.

Page 11: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11

Nesta situação, a cobrança é válida? NÃO. Se o contrato de financiamento é destinado à aquisição do próprio bem objeto da garantia, a instituição financeira já dispõe de uma avaliação da coisa. Isso porque o vendedor já estipulou um preço pelo bem (preço que está sendo praticado no mercado), sendo isso expresso no contrato e na nota fiscal. Logo, não há motivo para que a instituição financeira cobre do mutuário pela avaliação do bem considerando que não será necessária essa avaliação. Haveria, então, um enriquecimento sem causa por parte do banco. Isso significa que a cobrança da tarifa de avaliação do bem dado em garantia será abusiva? NÃO. A cobrança dessa tarifa é válida, mas desde que: • a avaliação seja efetivamente realizada (isso deve ser comprovado pelo banco). O consumidor não pode ser obrigado a pagar antecipadamente por um serviço (avaliação do veículo), que não será necessariamente prestado; e • o valor cobrado não seja excessivo. Exemplo concreto no qual o STJ entendeu que houve onerosidade excessiva: o automóvel custava R$ 9.249,00 e o banco cobrou R$ 588,00 a título de tarifa de avaliação do bem.

É válida a tarifa de avaliação do bem dado em garantia, ressalvadas: • a abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e • a possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto. STJ. 2ª Seção. REsp 1.578.553-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 28/11/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

A possibilidade de cobrança desta tarifa é prevista no art. 5º, VI, da Resolução CNM 3.919/2010:

Art. 5º Admite-se a cobrança de tarifa pela prestação de serviços diferenciados a pessoas naturais, desde que explicitadas ao cliente ou ao usuário as condições de utilização e de pagamento, assim considerados aqueles relativos a: (...) VI - avaliação, reavaliação e substituição de bens recebidos em garantia;

RESSARCIMENTO DE DESPESA COM O REGISTRO DO CONTRATO

Em que consiste: Algumas vezes o contrato celebrado entre a instituição financeira e o consumidor precisará ser registrado no cartório ou no DETRAN para que possa produzir todos os seus efeitos. Ocorre que essa providência burocrática possui um custo. O ressarcimento de despesa com o registro do contrato é, portanto, o valor cobrado pela instituição financeira como ressarcimento pelos custos que o banco terá para fazer o registro do contrato no cartório ou no DETRAN. Ex: Pedro deseja comprar um veículo seminovo, mas não tem o dinheiro suficiente. Diante disso, procura o banco em busca de um financiamento. É combinado que o carro será adquirido mediante alienação fiduciária, ou seja, o banco irá pagar o preço do veículo ao vendedor e permitirá que o mutuário/fiduciante fique com a posse direta do bem. Como garantia do pagamento da dívida, o banco ficará com a propriedade resolúvel do automóvel. Assim que Pedro terminar de pagar as prestações à instituição financeira, o veículo será transferido para o seu nome. Ocorre que o Código Civil determina que, quando for realizada a alienação fiduciária de um veículo, o contrato deverá ser registrado no DETRAN e esta informação constará no CRV do automóvel:

Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

Page 12: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12

§ 1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento (explico: DETRAN), fazendo-se a anotação no certificado de registro (esclareço: CRV). (...)

Essa cobrança é válida? SIM. É válida a cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, desde que: • o serviço seja efetivamente prestado; e • não haja onerosidade excessiva.

É válida a cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas: • a abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e • a possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto. STJ. 2ª Seção. REsp 1.578.553-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 28/11/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

CLÁUSULAS ABUSIVAS E CONTRATOS BANCÁRIOS O banco não pode cobrar do consumidor o valor gasto

pela instituição com a comissão do correspondente bancário

É abusiva a cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da comissão do correspondente bancário, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Resolução CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.578.553-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 28/11/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

Correspondentes bancários Os correspondentes bancários são pessoas jurídicas contratadas pelas instituições financeiras para prestarem alguns serviços de atendimento aos clientes e usuários do banco. Exemplos de atividades que podem ser desempenhadas pelos correspondentes bancários: Ex1: receber pedidos de clientes que queiram abrir conta bancária, encaminhando ao respectivo banco. Ex2: receber pagamentos de boletos bancários até determinados valores. Ex3: serviços de cobrança. O objetivo de se instituir correspondentes bancários é o de permitir que um maior número de pessoas tenha acesso aos produtos e serviços bancários, com redução nos custos de implementação e operacional, fazendo com que seja possível levar tais serviços a Municípios que não atraem os bancos comerciais. Exemplo de correspondente bancário: bancos postais Um exemplo de correspondente bancário são os bancos postais. Ex: o Banco do Brasil faz um contrato com os Correios para que, dentro de determinadas agências da ECT, sejam realizadas algumas operações bancárias. Trata-se daquilo que ficou conhecido como “Banco Postal”, ou seja, uma agência dos Correios que, além dos serviços postais tradicionais (envio de cartas, encomendas etc.), também oferece alguns serviços bancários, como pagamentos de contas até determinado valor.

Page 13: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13

Os bancos postais existem normalmente em municípios do interior onde não há bancos ou onde existem muito poucos em razão dos altos custos para se manter agências nessas localidades. Veja o que diz a Portaria nº 588/2000 do Ministério das Comunicações:

Art. 2º Os serviços relativos ao Banco Postal caracterizam-se pela utilização da rede de atendimento da ECT para a Prestação de serviços bancários básicos, em todo território nacional, como correspondente de instituições bancárias, na forma definida pela Resolução do Conselho Monetário Nacional (...)

Outros exemplos de correspondentes • Casas lotéricas; • Supermercados; • Drogarias; • Lojas em geral. Comissão do correspondente bancário Como contraprestação pelos serviços que desempenham, os correspondentes bancários recebem da instituição financeira um pequeno percentual sobre o valor movimentado. Ex: determinado cliente pediu um empréstimo do banco por meio do correspondente bancário. Caso o contrato seja concretizado, o correspondente receberá um percentual sobre essa transação. Trata-se, portanto, de uma espécie de “comissão” pelo serviço de intermediação que o correspondente fez entre o cliente e o banco. Imagine agora a seguinte situação hipotética: Determinado “mercadinho” localizado no interior do Estado funciona como correspondente bancário do Bradesco. Em 26/02/2011, João foi até lá e solicitou um empréstimo. O correspondente bancário encaminhou toda documentação para o setor do banco responsável pela análise de crédito, tendo sido concedido o empréstimo. Em virtude dessa intermediação, o banco pagou R$ 300,00 ao “mercadinho” a título de comissão do correspondente bancário. Depois de algum tempo, ao ler melhor o contrato, João percebeu que havia uma cláusula no pacto dizendo que, além dos juros e correção monetária, o consumidor/mutuário teria que pagar à instituição financeira, o valor que ela gastou com o correspondente bancário. Essa cláusula é válida? É possível que o banco exija que o consumidor faça o ressarcimento dos valores que a instituição financeira pagou a título de comissão do correspondente bancário? NÃO.

É abusiva a cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da comissão do correspondente bancário, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Resolução CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva. STJ. 2ª Seção. REsp 1.578.553-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 28/11/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

Resolução CMN 3.954/2011 O art. 17 da Resolução CMN 3.954/2011, que entrou em vigor no dia 25/02/2011, proibiu expressamente que as instituições financeiras cobrem dos seus clientes o ressarcimento dos valores pagos a título de comissão do correspondente bancário:

Page 14: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14

Art. 17. É vedada a cobrança, pela instituição contratante, de clientes atendidos pelo correspondente, de tarifa, comissão, valores referentes a ressarcimento de serviços prestados por terceiros ou qualquer outra forma de remuneração, pelo fornecimento de produtos ou serviços de responsabilidade da referida instituição, ressalvadas as tarifas constantes da tabela adotada pela instituição contratante, de acordo com a Resolução nº 3.518, de 6 de dezembro de 2007, e com a Resolução nº 3.919, de 25 de novembro de 2010.

A justificativa para se proibir essa transferência de custo para o consumidor está no fato de que o correspondente bancário atua como preposto da instituição financeira, não propriamente como um terceiro. Logo, a remuneração do correspondente bancário já está inserida nos custos operacionais da instituição financeira. Antes de 25/02/2011, em regra, era permitido Antes da Resolução CMN 3.954/2011, a regulamentação do Banco Central apresentava certa “ambiguidade”, ou “zona cinzenta”, quanto a esse tipo de cobrança. Diante da ausência de uma regulamentação precisa, o STJ entendeu que era possível que as instituições financeiras repassassem esse custo aos consumidores, desde que não houvesse uma onerosidade excessiva em desfavor dos clientes.

CLÁUSULAS ABUSIVAS E CONTRATOS BANCÁRIOS O banco não pode cobrar do consumidor o valor gasto com o registro do pré-gravame

É abusiva a cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da despesa com o registro do pré-gravame, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Resolução CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula pactuada no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.639.259-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

Sistema pré-gravame Quando um veículo (carros, motos, caminhões) é dado em garantia de uma dívida, isso significa que haverá uma restrição incidente sobre este automóvel. Esta restrição deverá ser registrada na entidade competente, que é o DETRAN. Em outras palavras, no DETRAN constará a informação de que esse carro poderá ser utilizado para quitação de uma dívida caso ela não seja paga pelo devedor. Ocorre que as transações financeiras são muito dinâmicas e os registros oficiais são demorados e burocráticos para serem consultados. Assim, as instituições financeiras, ainda na década de 90, viram a necessidade de elas terem um controle próprio das restrições que incidem sobre os veículos. Um sistema por meio do qual todas as informações estivessem unificadas e que os bancos pudessem consultar rapidamente para saber se haveria alguma restrição sobre aquele automóvel. Diante disso, o mercado financeiro criou uma plataforma on-line com o objetivo de reunir ali uma base única de informações com relação às garantias constituídas sobre veículos, permitindo, desse modo, que todos os integrantes do mercado privado e, também, os DETRANs (mediante convênio) possam consultar as restrições financeiras incidentes sobre os veículos. O objetivo final foi o de evitar que um mesmo automóvel seja objeto de garantia em mais de uma operação de crédito. Essa plataforma foi denominada de Sistema Nacional de Gravames – SNG, no entanto, tecnicamente, seria um pré-gravame, considerando que é alimentado antes do registro oficial da restrição que é feito no DETRAN com a anotação do gravame no CRV.

Page 15: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15

O Sistema Nacional de Gravames – SNG é coordenado pela FENASEG (Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados, de Capitalização e de Previdência Complementar Aberta) e operacionalizada pela CETIP (Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos Privados), que é uma empresa privada. Como funciona, na prática? Inclusão: a instituição financeira possui login e senha nesta plataforma e sempre que financiar um veículo ou aceitar um veículo como garantia em um empréstimo, faz o cadastro deste bem no SNG, informando a restrição existente. Ex: veículo Onix, ano 2018, placa XXX, chassi YYY é objeto de arrendamento mercantil ou alienação fiduciária. Consulta: antes de aceitar um veículo como garantia de dívida, o banco também deverá consultar o SNG e este sistema informará on-line se aquele bem está livre de ônus ou se possui alguma restrição. Baixa de gravame: quando o devedor terminar de pagar o financiamento, é dever do banco entrar no SNG e dar baixa na restrição financeira, retirando a restrição que havia sobre o bem. Despesas com o pré-gravame Os bancos pagam um valor para garantir os custos do SNG (equipe de informática, servidor etc.). O que eles fazem então? Nos contratos bancários que envolvem veículos dados em garantia (exemplos mais comuns: leasing e alienação fiduciária), as instituições financeiras incluem uma cláusula prevendo que as despesas com a inclusão do gravame eletrônico no SNG (despesas com o pré-gravame) deverão ser custeadas pelo consumidor/mutuário. Essa cláusula é válida? É possível que o banco exija que o consumidor pague os custos operacionais do pré-gravame? NÃO. Vamos entender os motivos. Não se trata de tarifa bancária O valor cobrado a título de despesa pré-gravame não é considerado tarifa bancária. As tarifas bancárias remuneram serviços prestados pelas instituições financeiras, e estão taxativamente previstas na Resolução do Conselho Monetário Nacional - CMN nº 3.518/2007, dentre as quais não se encontra o pagamento do pré-gravame. Trata-se, portanto, de uma despesa com serviço prestado por terceiro, e cobrada do consumidor a título de ressarcimento de despesa. Não se trata de requisito de validade ou de eficácia do negócio Outra informação que se deve destacar é que, ao contrário do registro no DETRAN, o pré-gravame não é um requisito de validade ou de eficácia do negócio jurídico. Assim, esse pré-gravame é feito no interesse das instituições financeiras, servindo para a sua segurança e comodidade. Inclusão no SNG é uma atividade privada O registro de informações realizado no SNG não se confunde com as atividades públicas de registro de contrato de financiamento e de anotação de gravame. O pré-gravame é um registro adicional, de caráter privado, alimentado pelas instituições financeiras, com o objetivo de conferir maior segurança e agilidade às contratações. As informações inseridas na base privada (SNG) têm a finalidade de informar ao mercado e aos órgãos de trânsito que um veículo foi dado em garantia numa operação. O registro do contrato é uma atividade pública, realizada pelo DETRAN, que faz constar na sua base os dados dos contratos de financiamento. Assim, a inclusão eletrônica do gravame no SNG não se confunde com a anotação do gravame feita pelo DETRAN. Por isso, a inclusão eletrônica do grave no SNG é, tecnicamente, um pré-gravame.

Page 16: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16

Resolução CMN 3.954/2011 O art. 17 da Resolução CMN 3.954/2011, que entrou em vigor no dia 25/02/2011, proibiu que as instituições financeiras cobrem dos seus clientes o ressarcimento dos valores pagos por serviços de terceiros:

Art. 17. É vedada a cobrança, pela instituição contratante, de clientes atendidos pelo correspondente, de tarifa, comissão, valores referentes a ressarcimento de serviços prestados por terceiros ou qualquer outra forma de remuneração, pelo fornecimento de produtos ou serviços de responsabilidade da referida instituição, ressalvadas as tarifas constantes da tabela adotada pela instituição contratante, de acordo com a Resolução nº 3.518, de 6 de dezembro de 2007, e com a Resolução nº 3.919, de 25 de novembro de 2010.

Assim, pode-se dizer que a Resolução CMN 3.954/2011 proibiu que as instituições financeiras cobrem dos consumidores o ressarcimento com as despesas de pré-gravame. Vale ressaltar que, antes da Resolução CMN 3.954/2011 (antes de 25/02/2011), essa cobrança, em regra, era permitida pelo art. 1º, § 1º, inciso III, da Resolução-CMN 3.518/2007. Dessa feita, antes de 25/02/2011, era possível que as instituições financeiras repassassem esse custo aos consumidores, desde que não houvesse uma onerosidade excessiva em desfavor dos clientes. Foi essa a tese fixada pelo STJ:

É abusiva a cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da despesa com o registro do pré-gravame, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Resolução CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula pactuada no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva. STJ. 2ª Seção. REsp 1.639.259-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

CLÁUSULAS ABUSIVAS E CONTRATOS BANCÁRIOS Instituição financeira não pode exigir que o contratante faça um seguro

como condição para a assinatura do contrato bancário

Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.639.259-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

Seguro de proteção financeira O seguro de proteção financeira é um seguro oferecido pelas instituições financeiras ao indivíduo que vai fazer um financiamento bancário. Por meio desse seguro, o contratante paga determinado valor a título de prêmio à seguradora e, se antes de ele terminar de pagar as parcelas do financiamento, ocorrer algum imprevisto combinado no contrato (ex: despedida involuntária do emprego, perda da renda, invalidez etc.), a seguradora tem a obrigação de quitar (total ou parcialmente, conforme o que for previsto no ajuste) a dívida com o banco. Trata-se, portanto, de um pacto acessório oferecido junto com o contrato principal. O seguro é o contrato acessório e o financiamento é o contrato principal. É uma espécie de seguro prestamista.

Page 17: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17

É possível que o contrato de financiamento bancário preveja, em seu bojo, um seguro de proteção financeira (ou outro similar)? SIM, mas desde que seja respeitada a liberdade do consumidor: • quanto à decisão de contratar ou não o seguro; e • quanto à escolha da seguradora. Assim, o banco não pode: • obrigar o contratante a fazer o seguro (ex: só receberá o financiamento bancário se aderir ao seguro); • obrigar o contratante a fazer o seguro com determinada seguradora. É o mesmo raciocínio que inspirou a edição da Súmula 473 do STJ: O mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada. Se o contratante fosse obrigado a celebrar o seguro haveria a chamada venda-casada, prática vedada pelo art. 39, I, do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

Tese fixada pelo STJ:

Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. STJ. 2ª Seção. REsp 1.639.259-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TUTELA ANTECIPADA A tutela antecipada antecedente (art. 303 do CPC) somente se torna estável se não houver

nenhum tipo de impugnação formulada pela parte contrária, de forma que a mera contestação tem força de impedir a estabilização

Importante!!!

O CPC/2015 inovou na ordem jurídica ao trazer, além das hipóteses até então previstas no CPC/1973, a possibilidade de concessão de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a teor do que dispõe o seu art. 303.

Uma das grandes novidades trazidas pelo novo CPC a respeito do tema é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, instituto inspirado no référé do Direito francês, que serve para abarcar aquelas situações em que ambas as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença), nos termos do que estabelece o art. 304, §§ 1º a 6º, do CPC/2015.

Assim, segundo o art. 304, não havendo recurso contra a decisão que deferiu a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a referida decisão será estabilizada e o processo será extinto, sem resolução de mérito.

Page 18: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18

No prazo de 2 anos, porém, contado da ciência da decisão que extinguiu o processo, as partes poderão pleitear, perante o mesmo Juízo que proferiu a decisão, a revisão, reforma ou invalidação da tutela antecipada estabilizada, devendo se valer de ação autônoma para esse fim.

É de se observar, porém, que, embora o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso”, a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada.

No caso concreto analisado pelo STJ, a empresa ré não interpôs agravo de instrumento contra a decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente, mas apresentou contestação, na qual pleiteou, inclusive, a revogação da tutela provisória concedida. Diante disso, o Tribunal considerou que não houve a estabilização da tutela antecipada, devendo, por isso, o feito prosseguir normalmente até a prolação da sentença.

A ideia central do instituto é que, após a concessão da tutela antecipada em caráter antecedente, nem o autor nem o réu tenham interesse no prosseguimento do feito, isto é, não queiram uma decisão com cognição exauriente do Poder Judiciário, apta a produzir coisa julgada material.

Por essa razão, é que, apesar de o caput do art. 304 do CPC/2015 falar em “recurso”, a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.760.966-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/12/2018 (Info 639).

Tutela provisória A tutela antecipada no CPC/2015 é tratada no Livro V (arts. 294 a 311), que é denominado de “Da Tutela Provisória”. Tutela provisória é aquela concedida antes da tutela definitiva, em caráter provisório, com base em uma cognição sumária. A tutela provisória será sempre substituída por uma tutela definitiva, que a confirmará, revogará ou modificará. Ex: João ingressa com ação pedindo o fornecimento de determinado medicamento. O juiz profere decisão interlocutória determinando que o Estado conceda o remédio. Foi concedida, portanto, a tutela provisória com base em cognição sumária. Ao final, o juiz profere sentença confirmando que a pessoa tem o direito de receber o medicamento do Poder Público. Logo, nessa sentença, foi concedida a tutela definitiva, que confirmou a tutela provisória. Espécies de tutela provisória A TUTELA PROVISÓRIA é o gênero do qual decorrem duas espécies: 1) Tutela provisória de urgência; 2) Tutela provisória de evidência. Veja o que diz o CPC/2015:

Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.

Page 19: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

Classificação das tutelas provisória de URGÊNCIA O CPC/2015 prevê duas classificações das tutelas provisórias de urgência: 1) Cautelar e antecipada; 2) Antecedente e incidental.

Art. 294 (...) Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

Quanto à satisfatividade Em uma primeira classificação, a tutela provisória de URGÊNCIA divide-se em: 1.1) ANTECIPADA (satisfativa): o órgão julgador antecipa aquele direito ou bem da vida que o autor espera conseguir ao final do processo. Ex: em uma ação de cobrança, o juiz, entendendo que o autor precisa dos valores para sobreviver, determina que o réu entregue a quantia pleiteada enquanto se aguarda o desfecho do processo. 1.2) CAUTELAR: o órgão julgador confere uma medida para assegurar aquele direito ou bem da vida que o requerente espera obter ao fim do processo. Ex: em uma ação de cobrança, o juiz, entendendo que há receio de que o réu se desfaça de seu patrimônio, determina o arresto dos bens do requerido. Veja a explicação de Marcus Vinicius Rios Gonçalves:

(...) A satisfatividade é o critério mais útil para distinguir a tutela antecipada da cautelar. As duas são provisórias e podem ter requisitos muito assemelhados, relacionados à urgência ou evidência. Mas somente a primeira tem natureza satisfativa, permitindo ao juiz que já defira os efeitos que, sem ela, só poderia conceder no final. Na cautelar, o juiz não defere, ainda, os efeitos pedidos, mas apenas determina uma medida protetiva assecurativa, que preserva o direito do autor, em risco pela demora no processo. Tanto a tutela antecipada quanto a cautelar podem ser úteis para afastar uma situação de perigo de prejuízo irreparável ou de difícil reparação. Mas diferem quanto à maneira pela qual alcançam esse resultado: enquanto a primeira afasta o perigo atendendo ao que foi postulado, a segunda o afasta tomando alguma providência de proteção. Imagine-se, por exemplo, que o autor corra um grave risco de não receber determinado valor. A tutela satisfativa lhe concederá a possibilidade de, desde logo, promover a execução do valor, em caráter provisório, alcançando-se os efeitos almejados, que normalmente só seriam obtidos com a sentença condenatória. Já por meio de tutela cautelar, o autor pode arrestar bens do devedor, preservando-os em mãos de um depositário para, quando obtiver sentença condenatória e não houver recurso com efeito suspensivo, poder executar a quantia que lhe é devida. A tutela cautelar não antecipa os efeitos da sentença, mas determina uma providência que protege o provimento, cujos efeitos serão alcançados ao final.” (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 721-722).

Quanto ao momento de sua concessão Além disso, a tutela provisória de URGÊNCIA também pode ser: 2.1) INCIDENTAL: é aquela que é referida no curso do processo. A tutela incidental pode ser cautelar ou antecipada. 2.2) ANTECEDENTE: é aquela “formulada antes que o pedido principal tenha sido apresentado ou, ao menos, antes que ele tenha sido apresentado com a argumentação completa.” (ob. cit., p. 727). A tutela antecedente também pode ser cautelar ou antecipada.

Page 20: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20

Tutela antecipada requerida em caráter antecedente O art. 303 do CPC autoriza que o autor requeira a tutela provisória de urgência antecipada em caráter antecedente:

Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

Exemplo de pedido de tutela antecipada antecedente: João entregou à empresa BFB um carro Fiat/Pálio como parte do pagamento na aquisição de um novo automóvel. A empresa revendeu o veículo para Pedro. Ocorre que, passados diversos meses, o Fiat/Pálio continua em nome de João que recebeu notificações de multas e também a cobrança de IPVA relativo a este carro. Diante disso, João formulou pedido de tutela antecipada de caráter antecedente em desfavor de BFB alegando, em síntese, que a empresa descumpriu o contrato firmado considerando que deveria ter passado o carro para o seu nome e depois revendido para outra pessoa, providência que não foi realizada. O juiz deferiu o pedido de tutela antecipada, determinando que a requerida procedesse à transferência do veículo para a sua titularidade no prazo de dez dias, sob pena de multa diária. Qual é o procedimento após a concessão da tutela antecipada do art. 303? O CPC determina que, após ser concedida a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, deverão ser adotadas as seguintes providências: 1) o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar; 2) o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334; 3) não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335. E se o juiz não tivesse concedido a tutela antecipada do art. 303? Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará que o autor faça a emenda da petição inicial em até 5 dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito (art. 303, § 6º). É como se o juiz dissesse o seguinte: não acho que existam elementos para a concessão da tutela antecipada antecedente. Por isso, indefiro o pedido. No entanto, se o autor quiser, ainda podemos seguir em frente para analisar com mais calma o pedido. Para isso, é necessário que ele faça a emenda da inicial e peça o prosseguimento do feito. Vale ressaltar que, tanto no caso de deferimento ou indeferimento da tutela antecipada do art. 303, o prosseguimento do feito será no mesmo processo. Não se forma um novo processo. A providência que se exige é o aditamento da petição inicial, mas o processo será o mesmo. Voltando ao exemplo dado: Como vimos, o juiz concedeu a tutela antecipada em favor de João. A empresa BFB, após ser intimada para cumprir a decisão concessiva da tutela antecipada, apresentou contestação, na qual requereu expressamente a revogação da tutela antecipada afirmando que não tem condições de passar para o seu nome uma vez que os documentos do carro estão com o adquirente Pedro. Após a contestação, o juiz decidiu revogar a tutela antecipada que ele havia concedido.

Page 21: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21

Alegação de que a tutela antecipada já estava estabilizada O autor interpôs agravo de instrumento contra essa decisão do juiz argumentando que não seria possível a reconsideração do deferimento da tutela antecipada. Isso porque essa tutela já estaria estabilizada considerando que o réu não interpôs recurso contra a decisão que a concedeu. Em outras palavras, o autor afirmou o seguinte: assim que o magistrado concedeu a tutela antecipada antecedente do art. 303 do CPC, o requerido deveria ter interposto recurso contra essa decisão. Como não o fez, houve a estabilização da tutela antecipada e o processo deve ser simplesmente extinto. O argumento do autor foi baseado na redação do caput e do § 1º do art. 304 do CPC:

Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso. § 1º No caso previsto no caput, o processo será extinto. § 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput. § 3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º. § 4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida. § 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º. § 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.

A tese do autor foi acolhida pelo STJ? NÃO. O CPC/2015 inovou na ordem jurídica ao trazer, além das hipóteses até então previstas no CPC/1973, a possibilidade de concessão de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a teor do que dispõe o seu art. 303. Uma das grandes novidades trazidas pelo novo CPC a respeito do tema é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, instituto inspirado no référé do Direito francês, que serve para abarcar aquelas situações em que ambas as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença), nos termos do que estabelece o art. 304, §§ 1º a 6º, do CPC/2015. Assim, segundo o art. 304, não havendo recurso contra a decisão que deferiu a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a referida decisão será estabilizada e o processo será extinto, sem resolução de mérito. No prazo de 2 anos, porém, contado da ciência da decisão que extinguiu o processo, as partes poderão pleitear, perante o mesmo Juízo que proferiu a decisão, a revisão, reforma ou invalidação da tutela antecipada estabilizada, devendo se valer de ação autônoma para esse fim. É de se observar, porém, que, embora o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso”, a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada.

Page 22: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22

No caso concreto, embora a empresa ré não tenha interposto agravo de instrumento contra a decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente, na forma do art. 303 do CPC/2015, ela apresentou contestação, na qual pleiteou, inclusive, a revogação da tutela provisória concedida, sob o argumento de ser impossível o seu cumprimento, razão pela qual não há que se falar em estabilização da tutela antecipada, devendo, por isso, o feito prosseguir normalmente até a prolação da sentença.

A ideia central do instituto é que, após a concessão da tutela antecipada em caráter antecedente, nem o autor nem o réu tenham interesse no prosseguimento do feito, isto é, não queiram uma decisão com cognição exauriente do Poder Judiciário, apta a produzir coisa julgada material. Por essa razão, é que, apesar de o caput do art. 304 do CPC/2015 falar em “recurso”, a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária. STJ. 3ª Turma. REsp 1.760.966-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/12/2018 (Info 639).

O caput do art. 304 do CPC disse menos do que pretendia dizer, razão pela qual a interpretação extensiva mostra-se mais adequada ao instituto, notadamente em virtude da finalidade buscada com a estabilização da tutela antecipada. Desestímulo à interposição de recursos O STJ afirmou que a conclusão por ele exposta tem por objetivo também desestimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais. Isso porque se o objetivo do requerido é apenas dizer que pretende o prosseguimento do feito, bastaria uma simples manifestação afirmando possuir interesse na sentença de mérito. Desestímulo ao ajuizamento da ação autônoma por parte do réu Além disso, mesmo que se adotasse uma interpretação literal do caput do art. 304, essa exegese seria “inócua”. Isso porque o requerido poderia ajuizar a ação autônoma prevista no § 2º do art. 304 do CPC:

Art. 304 (...) § 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput.

Desse modo, ao se negar a possibilidade de que a contestação sirva como forma de evitar a estabilização da tutela antecipada, o que se estaria fazendo é estimular o ajuizamento da ação autônoma do art. 304, § 2º, do CPC/2015. A conclusão do STJ encontra eco na doutrina majoritária. Nesse sentido:

“(...) se, no prazo de recurso, o réu não o interpõe, mas resolve antecipar o protocolo da sua defesa, fica afastada a sua inércia, o que impede a estabilização - afinal, se contesta a tutela antecipada e a própria tutela definitiva, o juiz terá que dar seguimento ao processo para aprofundar sua cognição e decidir se mantém a decisão antecipatória ou não. Não se pode negar ao réu o direito a uma prestação jurisdicional de mérito definitiva, com aptidão para a coisa julgada” (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 12ª ed., Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 690).

“(...) se o réu não interpuser o agravo de instrumento, mas desde logo oferecer contestação no mesmo prazo - ou ainda manifestar-se dentro desse mesmo prazo pela realização da audiência de conciliação ou de mediação, tem-se que entender que a manifestação do réu no primeiro grau de jurisdição serve tanto quanto a interposição do recurso para evitar a estabilização dos efeitos da

Page 23: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23

tutela. Essa solução tem a vantagem de economizar o recurso de agravo e de emprestar a devida relevância à manifestação de vontade constante da contestação ou do intento de comparecimento à audiência. Em ambas as manifestações, a vontade do réu é inequívoca no sentido de exaurir o debate com o prosseguimento do processo.” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. 3ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 418).

Outro exemplo de tutela antecipada antecedente: Manoel descobre que seu nome está no SERASA por uma dívida que já está paga. Vale ressaltar que Manoel possui outras duas anotações no SERASA por débitos que realmente existem e estão em aberto. Assim, no total ele possui três inscrições, sendo que apenas essa terceira é indevida. Diante desse cenário, Manoel pode pedir a retirada de seu nome do SERASA, mas não terá direito à indenização (Súmula 385-STJ: Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.). Manoel vai até o escritório do SERASA e formula requerimento administrativo pedindo a retirada de seu nome quanto a esta terceira inscrição, explicando que já foi paga. O SERASA, por sua vez, responde dizendo que somente com ordem judicial poderá excluir o nome do requerente. Neste caso, Manoel poderá ingressar com um pedido de tutela antecipada antecedente, na forma do art. 303 do CPC, requerendo a retirada de seu nome com relação a essa terceira anotação. Imaginemos que o juiz conceda a antecipação dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente, determinando que o SERASA exclua o nome do autor. Manoel ficará satisfeito, não havendo necessidade de se prosseguir com o processo em busca de uma tutela final. O SERASA, por sua vez, também não terá interesse em recorrer da decisão, tampouco de prosseguir no litígio com o autor, pois apenas precisava de uma “autorização” judicial para retirar o nome do autor do respectivo cadastro, sendo desnecessário, para ele, a discussão acerca do débito que originou o registro negativo. Nesse caso, o processo será extinto, sem resolução de mérito, e a decisão concessiva da tutela antecipada se estabilizará.

TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO A técnica de ampliação de julgamento (art. 942 do CPC/2015) deve ser utilizada quando o

resultado da apelação for não unânime, independentemente de ser julgamento que reforma ou mantém a sentença impugnada

Importante!!!

Assim como ocorria com os embargos infringentes, para a aplicação da técnica de julgamento do art. 942 do CPC exige-se que a sentença tenha sido reformada no julgamento da apelação?

NÃO. A técnica do julgamento ampliado vale também para sentença mantida pelo Tribunal no julgamento da apelação por decisão não unânime.

A técnica de ampliação de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015 deve ser utilizada quando o resultado da apelação for não unânime, independentemente de ser julgamento que reforma ou mantém a sentença impugnada.

Assim, o que importa é que a decisão que julgou a apelação tenha sido por maioria (julgamento não unânime), não importando que a sentença tenha sido mantida ou reformada.

Page 24: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24

Obs: cuidado com as hipóteses de cabimento do art. 942 do CPC nos casos de acórdão que julga agravo de instrumento e ação rescisória.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.733.820-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/10/2018 (Info 639).

Técnica de julgamento do art. 942 do CPC/2015 O resultado do julgamento da apelação pode ser unânime (quando todos os Desembargadores concordam) ou por maioria (quando no mínimo um Desembargador discorda dos demais). Se o resultado se der por maioria, o CPC prevê uma nova “chance” de a parte que “perdeu” a apelação reverter o resultado. Como assim? Se o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em uma nova sessão, que será marcada e que contará com a presença de novos Desembargadores que serão convocados, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial. Ex: o resultado da apelação foi 2x1; 2 Desembargadores votaram pelo provimento da apelação (em favor de João) e um Desembargador votou pela manutenção da sentença (em favor de Pedro); significa dizer que deverá ser designada uma nova sessão e para essa nova sessão serão convocados dois novos Desembargadores que também irão emitir votos; neste nosso exemplo, foram convocados 2 porque a convocação dos novos julgadores deverá ser em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial (se os dois novos Desembargadores votarem com a minoria, o placar se inverte para 3x2). Veja a previsão legal:

Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

A previsão deste art. 942 é chamada de “técnica de complementação de julgamento não unânime” ou “técnica de ampliação do colegiado”. Vamos verificar outras informações sobre esta técnica. Prosseguimento na mesma sessão Sendo possível, o prosseguimento do julgamento pode ocorrer na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado (§ 1º do art. 942). Juízo de retratação Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º do art. 942). Ex: o resultado da apelação foi 2x1; dois Desembargadores votaram pelo provimento da apelação (em favor de João); por outro lado, um Desembargador (Des. Raimundo) votou pelo improvimento da apelação (contra João); designou-se, então, um novo dia para prosseguimento do julgamento ampliado, tendo sido convocados dois Desembargadores de uma outra Câmara Cível do Tribunal (Desembargadores Cláudio e Paulo); logo no início, antes que Cláudio e Paulo votassem, o Des. Raimundo pediu a palavra e disse: olha, melhor refletindo nesses dias, eu gostaria de evoluir meu entendimento e irei acompanhar a maioria votando pelo provimento da apelação. Mesmo que isso ocorra, ou seja, que alguém mude de opinião, ainda assim deverão ser colhidos os votos dos Desembargadores convocados. Nesse sentido:

Enunciado 599-FFPC: A revisão do voto, após a ampliação do colegiado, não afasta a aplicação da técnica de julgamento do art. 942.

Page 25: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25

Esse art. 942 é uma espécie de recurso? NÃO. Trata-se de uma “técnica de complementação de julgamento nas decisões colegiadas não unânimes de segunda instância”. Nesse sentido:

A forma de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015 não se configura como espécie recursal nova (não é um novo recurso). Isso porque o seu emprego é automático e obrigatório. Desse modo, falta a voluntariedade, que é uma característica dos recursos. Além disso, esta técnica não é prevista como recurso, não preenchendo assim a taxatividade. STJ. 4ª Turma. REsp 1733820/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/10/2018.

A parte que “perdeu” a apelação precisa pedir a aplicação do art. 942? NÃO. Essa técnica de julgamento é obrigatória e aplicável de ofício, automaticamente, pelo Tribunal. A parte não precisa requerer a sua aplicação. A técnica é aplicada antes da conclusão do julgamento Como não se trata de recurso, a aplicação da técnica ocorre em momento anterior à conclusão do julgamento, ou seja, não há proclamação do resultado, nem lavratura de acórdão parcial, antes de a causa ser devidamente apreciada pelo colegiado ampliado. Tanto isso é verdade que, conforme já explicado, sendo possível, o prosseguimento do julgamento pode ocorrer na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado (§ 1º do art. 942). No entanto, mesmo que ocorra em outro dia, considera-se que houve um só julgamento. Não se encerrou um para começar o outro ampliado. Como ocorre a continuidade do julgamento na hipótese em que houve uma parte unânime e outra não unânime? Ex: no julgamento de uma apelação contra sentença que havia negado integralmente a indenização, a Câmara Cível entendeu de forma unânime (3x0) que houve danos materiais e por maioria (2x1) que não ocorreram danos morais. Foram então convocados dois Desembargadores para a continuidade do julgamento ampliado (art. 742). Esses dois novos Desembargadores que chegaram poderão votar também sobre a parte unânime (danos materiais) ou ficarão restritos ao capítulo não unânime (danos morais)? Poderão analisar de forma ampla, ou seja, tanto a parte unânime como não unânime. Foi o que decidiu o STJ:

O colegiado formado com a convocação dos novos julgadores (art. 942 do CPC/2015) poderá analisar de forma ampla todo o conteúdo das razões recursais, não se limitando à matéria sobre a qual houve originalmente divergência. STJ. 3ª Turma. REsp 1.771.815-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/11/2018 (Info 638).

A técnica do art. 942 do CPC vale apenas para a apelação? NÃO. Além da apelação, a técnica de julgamento prevista no art. 942 aplica-se também para o julgamento não unânime proferido em: a) ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno; b) agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito. Embargos infringentes Os embargos infringentes eram uma espécie de recurso previsto no CPC/1973. Os embargos infringentes só cabiam para questionar acórdão. Não bastava, contudo, que fosse acórdão. Era necessário que ele fosse NÃO UNÂNIME, ou seja, acórdão em que houve voto vencido. A finalidade dos embargos infringentes era a de renovar a discussão para fazer prevalecer as razões do voto vencido. Segundo o art. 530 do CPC/1973, cabiam embargos infringentes em duas hipóteses: 1) contra acórdão não unânime (por maioria) que reformasse, em grau de apelação, a sentença de mérito.

Page 26: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26

2) contra acórdão não unânime (por maioria) que julgasse procedente a ação rescisória. O CPC/2015 acabou com a existência dos embargos infringentes, mas criou essa “técnica de julgamento” do art. 942, que possui algumas semelhanças com os embargos infringentes, mas que não se trata de recurso. Nesse sentido:

“(...) Esse mecanismo, conquanto não tenha natureza recursal, faz lembrar os embargos infringentes. Por não ser recurso, no entanto, não depende de interposição, constituindo apenas uma fase do julgamento da apelação, do agravo de instrumento contra decisão de mérito e da ação rescisória, não unânime.” (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 885).

Assim como ocorria com os embargos infringentes, para a aplicação da técnica de julgamento do art. 942 do CPC exige-se que a sentença tenha sido reformada? NÃO. A técnica do julgamento ampliado vale também para sentença mantida pelo Tribunal no julgamento da apelação por decisão não unânime. Foi o que decidiu o STJ:

A técnica de ampliação de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015 deve ser utilizada quando o resultado da apelação for não unânime, independentemente de ser julgamento que reforma ou mantém a sentença impugnada. Assim, o que importa é que a decisão que julgou a apelação tenha sido por maioria (julgamento não unânime), não importando que a sentença tenha sido mantida ou reformada. STJ. 4ª Turma. REsp 1.733.820-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/10/2018 (Info 639).

A técnica de ampliação do julgamento prevista no CPC/2015 possui objetivo semelhante ao que possuíam os embargos infringentes do CPC/1973, que não mais subsistem, qual seja a viabilidade de maior grau de correção e justiça nas decisões judiciais, com julgamentos mais completamente instruídos e os mais proficientemente discutidos, de uma maneira mais econômica e célere. Contudo, diferentemente dos embargos infringentes do CPC/1973 - que limitava, no caso da apelação, a incidência do recurso aos julgamentos que resultassem em reforma da sentença de mérito -, a técnica de julgamento prevista no CPC/2015 deverá ser utilizada quando o resultado da apelação for não unânime, independentemente de ser julgamento que reforma ou mantém a sentença impugnada. Quadro-resumo das hipóteses de cabimento

A técnica do art. 942 do CPC é aplicada em caso de acórdãos não unânimes (por maioria) proferidos em:

APELAÇÃO AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO RESCISÓRIA

Não importa se o Tribunal manteve ou reformou a sentença. Basta que o acórdão tenha sido por maioria.

Somente se o Tribunal reformou decisão que julgou parcialmente o mérito.

Se o resultado do acórdão for a rescisão da sentença.

Situações nas quais não se aplicará a técnica de julgamento do art. 942 Não se aplica a técnica de julgamento do art. 942 do CPC ao julgamento: I - do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas; II - da remessa necessária; III - não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.

Page 27: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27

A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada no caso de rescisão apenas parcial do julgado rescindendo? SIM. Enunciado 63 – Jornada CJF: A técnica de que trata o art. 942, § 3º, I, do CPC aplica-se à hipótese de rescisão parcial do julgado. A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada no julgamento de apelação em processo de mandado de segurança? SIM. Enunciado 62 – Jornada CJF: Aplica-se a técnica prevista no art. 942 do CPC no julgamento de recurso de apelação interposto em mandado de segurança. A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada nos Juizados Especiais? NÃO. É a posição da doutrina majoritária:

Enunciado 552-FPPC: Não se aplica a técnica de ampliação do colegiado em caso de julgamento não unânime no âmbito dos Juizados Especiais.

AÇÃO RESCISÓRIA O pedido de rescisão da sentença, em vez do acórdão que a substituiu, não conduz à

impossibilidade jurídica do pedido, constituindo mera irregularidade formal

O autor da ação rescisória pediu a rescisão da sentença. Ocorre que essa sentença já havia sido confirmada pelo Tribunal de Justiça em sede de apelação. Logo, a ação rescisória deveria ter pedido a rescisão do acórdão do TJ. Esse vício, contudo, constitui-se em mera irregularidade formal, de modo que o Tribunal não deverá extinguir a ação rescisória por impossibilidade jurídica do pedido, devendo superar o vício e enfrentar o mérito.

Esse entendimento é reforçado atualmente pela previsão do art. 968, §§ 5º e 6º do CPC/2015.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.569.948-AM, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/12/2018 (Info 639).

Imagine a seguinte situação hipotética: A empresa “1” ajuizou ação contra a empresa “2”, tendo o juiz proferido sentença de procedência. A empresa “2” interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a sentença. Houve trânsito em julgado. Ainda inconformada, a empresa “2” ajuizou ação rescisória no Tribunal de Justiça. Na petição inicial da ação rescisória, o advogado da empresa “2”, em vez de pedir a desconstituição do acórdão do TJ, requereu a rescisão da sentença do juiz que julgou o pedido procedente. Ocorre que o acórdão do TJ, ao manter o provimento do juiz de 1º grau, substituiu a sentença:

CPC/1973 CPC/2015

Art. 512. O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso.

Art. 1.008. O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a decisão impugnada no que tiver sido objeto de recurso.

Logo, realmente, houve um vício na inicial da rescisória. Diante disso, o TJ entendeu que o pedido formulado na ação rescisória era juridicamente impossível e extinguiu o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC/1973:

“A ação rescisória ajuizada contra a sentença proferida no processo de conhecimento, quando há acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça substituindo tal sentença, é inviável de ser analisada.”

Page 28: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28

Uma observação complementar: tanto no caso de ação rescisória contra sentença como na hipótese de rescisória contra acórdão do TJ, a competência para julgar a demanda seria do TJ. Desse modo, a questão aqui não envolve competência. Essa decisão do Tribunal de Justiça foi mantida pelo STJ? NÃO. O STJ entendeu que configura “excesso de formalismo” extinguir a ação rescisória sem resolução do mérito pelo fato de ter havido erro no direcionamento do pedido de rescisão, ou seja, em vez de requerer a desconstituição do acórdão, ter sido pedido a revisão da sentença. Há um julgado antigo do STF no mesmo sentido:

(...) 2. Ação rescisória. Extinção do feito, sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido. 3. Entendimento no sentido de que o autor pretendia rescindir a sentença, em vez de buscar a desconstituição do acórdão que a substituiu. 3. Formalismo excessivo que afeta a prestação jurisdicional efetiva. Erro no pedido que não gera nulidade, nem causa para o não-provimento. (...) STF. 2ª Turma. RE 395.662 AgR/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/03/2004.

Desse modo, o STJ determinou que o TJ superasse a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido e prosseguisse o julgamento da ação rescisória. O presente caso foi analisado sob a ótica do CPC/1973. A decisão do STJ seria a mesma caso os fatos tivessem ocorrido sob a égide do CPC/2015? SIM. Com maior razão. Isso porque o CPC/2015 adotou o chamado “princípio da primazia da resolução do mérito” e previu uma hipótese específica de emenda à petição inicial da ação rescisória, destinada justamente ao saneamento do vício relacionado à inobservância do efeito substitutivo dos recursos. Veja:

Art. 968 (...) § 5º Reconhecida a incompetência do tribunal para julgar a ação rescisória, o autor será intimado para emendar a petição inicial, a fim de adequar o objeto da ação rescisória, quando a decisão apontada como rescindenda: I - não tiver apreciado o mérito e não se enquadrar na situação prevista no § 2º do art. 966; II - tiver sido substituída por decisão posterior. § 6º Na hipótese do § 5º, após a emenda da petição inicial, será permitido ao réu complementar os fundamentos de defesa, e, em seguida, os autos serão remetidos ao tribunal competente.

Veja que o CPC/2015 permite a emenda da Inicial mesmo que o Tribunal indicado não seja o competente. Logo, com maior razão, essa previsão poderia ser utilizada no exemplo dado em que o TJ continuaria competente. Em suma:

O autor da ação rescisória pediu a rescisão da sentença. Ocorre que essa sentença já havia sido confirmada pelo Tribunal de Justiça em sede de apelação. Logo, a ação rescisória deveria ter pedido a rescisão do acórdão do TJ. Esse vício, contudo, constitui-se em mera irregularidade formal, de modo que o Tribunal não deverá extinguir a ação rescisória por impossibilidade jurídica do pedido, devendo superar o vício e enfrentar o mérito. Esse entendimento é reforçado atualmente pela previsão do art. 968, §§ 5º e 6º do CPC/2015. STJ. 3ª Turma. REsp 1.569.948-AM, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/12/2018 (Info 639).

Page 29: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29

AGRAVO DE INSTRUMENTO O rol do art. 1.015 do CPC/2015 é de taxatividade mitigada

Importante!!!

O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.

STJ. Corte Especial. REsp 1.704.520-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

Obs: a tese jurídica fixada e acima explicada somente se aplica às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do REsp 1704520/MT, o que ocorreu no DJe 19/12/2018.

Imagine a seguinte situação hipotética: A sociedade empresária “Aqua Modas” celebrou contrato com a empresa “Terra Confecções”. No pacto, havia a previsão de uma cláusula de eleição de foro: “8.1. Fica eleito o foro da cidade de São Paulo/SP em detrimento de qualquer outro, por mais privilegiado que seja, para dirimir quaisquer dúvidas ou controvérsias oriundas do presente instrumento.” Houve uma divergência entre os contratantes e a empresa “Terra” ajuizou ação de rescisão contratual contra a “Aqua” na comarca de Porto Alegre (RS), sede da autora. Arguição de incompetência A empresa “Aqua” contestou a ação e arguiu a incompetência relativa do foro de Porto Alegre (incompetência territorial) argumentando que a referida cláusula de eleição de foro é válida e não tem nada de abusiva. Vale lembrar que, com o CPC/2015, a incompetência relativa não é mais alegada por meio de “exceção de incompetência”, mas sim como um mero tópico da contestação:

Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação.

Decisão interlocutória examinando a competência O juiz deferiu o pedido da empresa “Aqua”, por entender que a cláusula de eleição de foro é válida. Com isso, o magistrado determinou a remessa dos autos para o juízo de São Paulo (SP). Contra esta decisão, a autora “Terra” interpôs agravo de instrumento. O Tribunal de Justiça não conheceu do recurso afirmando que as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento estão previstas taxativamente (exaustivamente) no art. 1.015 do CPC/2015 e que neste rol não existe a previsão de agravo de instrumento contra a decisão relacionada com definição de competência. Veja a lista do art. 1.015 do CPC/2015:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

Page 30: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30

X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei. Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Cabe agravo de instrumento neste caso? Na vigência do CPC/2015 cabe agravo de instrumento contra a decisão que examina competência ou se trata de decisão irrecorrível de imediato? Durante mais de dois anos houve um intenso debate na doutrina e jurisprudência sobre o tema. O STJ, contudo, pacificou o tema em recurso especial repetitivo. Prevaleceu no STJ o seguinte entendimento: É cabível a interposição de agravo de instrumento contra decisão relacionada à definição de competência, a despeito de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015. Apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015, a decisão interlocutória que acolhe ou rejeita a alegação de incompetência desafia recurso de agravo de instrumento. Vamos entender com calma os motivos. Correntes de interpretação Veja novamente o caput do art. 1.015 do CPC/2015:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...)

Surgiram três principais correntes de interpretação a respeito do rol previsto neste artigo:

CORRENTES DE INTERPRETAÇÃO SOBRE O ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015

1) o rol é absolutamente taxativo (deve ser interpretado

restritivamente)

2) o rol é taxativo, mas admite interpretação

extensiva ou analogia 3) o rol é exemplificativo

Houve uma opção consciente do legislador pela enumeração taxativa das hipóteses. Não se pode ampliar o rol do art. 1.015, sob pena, inclusive, de comprometer todo o sistema preclusivo eleito pelo CPC/2015.

Os incisos do art. 1.015 não podem ser interpretados de forma literal. Os incisos devem ser interpretados de forma extensiva para admitir situações parecidas.

O rol é exemplificativo, de modo que a recorribilidade da decisão interlocutória deve ser imediata, ainda que a situação não conste no art. 1.015 do CPC.

Fernando Gajardoni, Luiz Dellore, André Roque, Zulmar Oliveira Jr.

Fredie Didier Jr., Leonardo da Cunha, Teresa Arruda Alvim, Cássio Scarpinella.

William Santos Ferreira e José Rogério Cruz e Tucci.

Critério adotado pelo legislador foi insuficiente A maioria da doutrina se posicionou no sentido de que o legislador foi infeliz ao tentar criar um rol exaustivo das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento na fase de conhecimento. Isso porque o rol do art. 1.015 do CPC, como aprovado e em vigor, é insuficiente, pois deixa de abarcar uma série de questões urgentes e que demandariam reexame imediato pelo Tribunal. O sistema precisa que exista uma via processual sempre aberta para que tais questões urgentes sejam desde logo reexaminadas, considerando que se a sua apreciação for adiada (diferida), isso poderá causar

Page 31: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31

prejuízo às partes e até mesmo a inutilidade de que o tema seja apreciado no futuro. Em outras palavras, existem questões que não podem esperar e que não estão no rol do art. 1.015 do CPC. A experiência mostra que o mandado de segurança, que era muito utilizado na vigência do CPC/1939 como sucedâneo recursal e que foi paulatinamente reduzido pelo CPC/1973, não é o meio processual mais adequado para se rediscutir a decisão interlocutória.

Legislador não consegue prever, com rol fechado, todas as hipóteses possíveis O objetivo do legislador ao criar o rol do art. 1.015 foi o de prever ali situações urgentes, ou seja, que não poderiam aguardar para que fossem decididas em eventual recurso de apelação. Ocorre que o estudo da história do direito demonstra que um rol taxativo não consegue prever todas as hipóteses possíveis e, situações que têm a mesma razão de existir acabam ficando de fora, gerando inúmeros problemas. O que se percebe em vários países do mundo é que se adota o critério da urgência para a recorribilidade das decisões interlocutórias. Assim, em países como EUA, França, Alemanha, Argentina, com algumas variações, em regra, não se admite recurso contra decisões interlocutórias, salvo quando a espera da decisão final puder causar dano irreparável às partes. Se uma decisão interlocutória precisa ser enfrentada imediatamente, sob pena de a sua espera gerar dano irreparável às partes, deve-se permitir o recurso imediato contra esta decisão, considerando que isso atende o direito à tutela jurisdicional e de efetivo acesso à justiça (princípio da inafastabilidade da jurisdição). Dois exemplos de situações urgentes não contempladas no art. 1.015 e que, se examinadas apenas no recurso de apelação, gerarão prejuízo irreparável às partes: • decisão que decide sobre competência: não é razoável que o processo tramite perante um juízo incompetente por um longo período e, somente por ocasião do julgamento da apelação, seja reconhecida a incompetência e determinado o retorno ao juízo competente. • decisão que indefere o pedido de segredo de justiça: se o juiz indefere o pedido de segredo de justiça e a parte prejudicada não pode recorrer de imediato, significa que não mais adiantará nada rediscutir o assunto na apelação, considerando que todos os detalhes da intimidade do jurisdicionado já foram expostos pela publicidade. Diante dessa inadequação, qual das três correntes acima expostas foi adotada pelo STJ? Nenhuma. O STJ entendeu que nenhuma das três correntes acima expostas soluciona adequadamente a situação, senão vejamos: A 1ª corrente (taxatividade com interpretação restritiva) é incapaz de tutelar adequadamente todas as questões. Isso porque, como vimos, existem decisões interlocutórias que, se não forem reexaminadas imediatamente pelo Tribunal, poderão causar sérios prejuízos às partes. A 2ª corrente (interpretação extensiva ou analógica) também deve ser afastada. Isso porque não há parâmetro minimamente seguro e isonômico quanto aos limites que deverão ser observados na interpretação de cada conceito, texto ou palavra. Além disso, o uso dessas técnicas hermenêuticas não será suficiente para abarcar todas as situações em que a questão deverá ser reexaminada de imediato. Um exemplo é a decisão que indefere o segredo de justiça. Não há nenhum outro inciso do art. 1.015 no qual se possa aplicar essa hipótese por analogia. Por fim, a 3ª corrente (meramente exemplificativo) não pode ser adotada porque ignora absolutamente a vontade do legislador que tentou, de algum modo, limitar o cabimento do agravo de instrumento. Qual foi, então, o critério adotado pelo STJ? O STJ construiu a ideia de que o rol do art. 1.015 do CPC/2015 é de taxatividade mitigada. O que significa isso? Em regra, somente cabe agravo de instrumento nas hipóteses listadas no art. 1.015 do CPC/2015. Excepcionalmente, é possível a interposição de agravo de instrumento fora da lista do art. 1.015, desde que preenchido um requisito objetivo: a urgência.

Page 32: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32

O que é urgência? Urgência, para os fins de cabimento de agravo de instrumento, significa que a decisão interlocutória proferida trouxe, para a parte, uma situação na qual ela não pode aguardar para rediscutir futuramente no recurso de apelação. Assim, a urgência decorre da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. Em outras palavras, aquilo que foi definido na decisão interlocutória deverá ser examinado pelo Tribunal imediatamente porque se for esperar para rediscutir na apelação, o tempo de espera tornará a decisão inútil para a parte. Ela não terá mais nenhum (ou pouquíssimo) proveito. Por que esse nome “taxatividade mitigada”? Foi uma expressão cunhada pela Min. Nancy Andrighi. O objetivo da Ministra foi o de dizer o seguinte: o objetivo do legislador foi o de prever um rol taxativo e isso deve ser, na medida do possível, respeitado. No entanto, trata-se de uma taxatividade mitigada (suavizada, abrandada, relativizada) por uma “cláusula adicional de cabimento”. Que cláusula (norma, preceito) é essa? Deve-se também admitir o cabimento do recurso em caso de urgência. E por que se deve colocar essa “cláusula adicional de cabimento”? Por que se deve adicionar essa regra extra de cabimento? Porque, se houvesse uma taxatividade absoluta, isso significaria um desrespeito às normas fundamentais do próprio CPC e geraria grave prejuízo às partes ou ao próprio processo. Logo, tem-se uma taxatividade mitigada pelo requisito da urgência. Tese fixada pelo STJ: Como o tema foi apreciado pela Corte Especial em sede de recurso repetitivo, o STJ fixou a seguinte tese:

O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. STJ. Corte Especial. REsp 1.704.520-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 639).

Vale ressaltar, mais uma vez, que não é necessário recorrer à analogia ou intepretação extensiva.

O agravo de instrumento será cabível: 1) nos casos previstos expressamente no art. 1.105 do CPC (aqui a urgência foi presumida pelo legislador); 2) mesmo que a situação esteja fora da lista do art. 1.015, desde que verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação (o Tribunal irá analisar se existe urgência ou não para admitir o conhecimento do agravo).

Como fica a questão da preclusão? Se o juiz profere uma decisão interlocutória que se enquadra em um dos incisos do art. 1.015 do CPC, a parte prejudicada poderia interpor agravo de instrumento. Imagine que ela o faz. Isso significa que houve preclusão e ela não poderá mais rediscutir essa decisão em sede de apelação. Por outro lado, se o juiz profere uma decisão interlocutória que não se amolda em um dos incisos do art. 1.015, o CPC afirma que, neste caso, como a parte não pode recorrer de imediato, ela não deverá sofrer os efeitos da preclusão. Isso significa que a parte poderá impugnar essa decisão ao interpor apelação. É isso que estabelece o art. 1.009, § 1º do CPC:

Art. 1.009 (...)

Page 33: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33

§ 1º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.

Assim, pelo art. 1.009, § 1º, haverá preclusão para a parte se preenchidos dois requisitos cumulativos: • a decisão interlocutória está expressamente prevista no art. 1.015 do CPC; e • apesar disso, a parte não a impugnou por meio de agravo de instrumento. Ex: juiz profere decisão interlocutória excluindo um litisconsorte passivo. Essa decisão se enquadra no inciso VII do art. 1.015. Imaginemos que o autor decida não interpor o agravo de instrumento. Significa dizer que houve preclusão e que ele não mais poderá questionar essa exclusão quando for interpor apelação.

Com essa decisão do STJ, existem decisões interlocutórias que poderão, em tese, ser impugnadas por agravo de instrumento mesmo sem estarem previstas no art. 1.015 do CPC. Como fica a preclusão em tais casos se a parte decidir não interpor agravo de instrumento? Ex: o réu suscita a incompetência do juízo; o magistrado rejeita; pelo critério da taxatividade mitigada, a parte poderia interpor agravo de instrumento mesmo sem isso estar previsto no art. 1.015 do CPC; imaginemos, contudo, que a parte não ingressa com o agravo; ela poderá questionar essa decisão na apelação ou terá havido preclusão? A parte poderá questionar essa decisão ao interpor apelação. Não terá havido preclusão. Se o juiz profere uma decisão interlocutória e o conteúdo desta decisão não está expressamente previsto no rol do art. 1.015 do CPC, a parte não tem o ônus de ingressar com agravo de instrumento. Mesmo que a decisão interlocutória proferida gere, em tese, uma situação de urgência, ainda assim será uma opção da parte ingressar com o agravo de instrumento ou aguardar para impugnar essa decisão. Imagine que o juiz profira uma decisão interlocutória cujo conteúdo não está previsto expressamente no art. 1.015. A parte entende que há urgência e ingressa com agravo de instrumento. O Tribunal, contudo, considera que não existe urgência e não conhece do recurso. Neste caso, terá havido preclusão ou a parte ainda poderá questionar essa decisão na apelação? A parte poderá questionar essa decisão ao interpor apelação. Não terá havido preclusão. O cabimento do agravo de instrumento na hipótese excepcional de “urgência” está sujeito a um duplo juízo de conformidade: • um, da parte, que interporá o recurso com a demonstração de seu cabimento excepcional; • outro, do Tribunal, que analisará se existe ou não essa urgência para fins de admitir o agravo de instrumento fora das hipóteses do art. 1.015. Se a parte não interpuser o agravo ou se ingressar, mas o Tribunal entender que não há urgência (e não conhecer do recurso), isso significa que não houve preclusão e a parte poderá questionar a decisão futuramente na apelação. Modulação dos efeitos Como havia muita polêmica sobre o tema, o STJ, para fins de garantir a segurança jurídica, decidiu modular os efeitos da decisão. Desse modo, a tese jurídica fixada e acima explicada somente se aplicará às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do REsp 1704520/MT, o que ocorreu no DJe 19/12/2018.

Page 34: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34

DIREITO PENAL

DOSIMETRIA DA PENA Condenações anteriores transitadas em julgado não podem

ser utilizadas como conduta social desfavorável

A circunstância judicial “conduta social”, prevista no art. 59 do Código Penal, representa o comportamento do agente no meio familiar, no ambiente de trabalho e no relacionamento com outros indivíduos.

Os antecedentes sociais do réu não se confundem com os seus antecedentes criminais. São circunstâncias distintas, com regramentos próprios.

Assim, não se mostra correto o magistrado utilizar as condenações anteriores transitadas em julgado como “conduta social desfavorável”.

Não é possível a utilização de condenações anteriores com trânsito em julgado como fundamento para negativar a conduta social.

STF. 2ª Turma. RHC 130132, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 10/5/2016 (Info 825).

STJ. 5ª Turma. HC 475.436/PE, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 13/12/2018.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.760.972-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 08/11/2018 (Info 639).

Sistema da relativa indeterminação A individualização da pena, na concepção jurídica contemporânea, segue o sistema da relativa indeterminação, segundo o qual a individualização legislativa é suplementada pela judicial. Ficaram superados os sistemas da absoluta determinação, perfilhado pelo Código Criminal do Império, de 1830, pelo qual ao juiz cumpria aplicar pena previamente prevista pelo legislador, e da absoluta indeterminação, pelo qual não haveria prévia estipulação de pena pelo legislado, atribuindo-se poderes quase absolutos ao juiz na fixação da reprimenda (PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro. Volume 1: Parte Geral, arts. 1º a 120. 12. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, págs. 725/727). Etapas do sistema da relativa indeterminação No sistema da relativa indeterminação existem três etapas diferentes de individualização da pena: 1) a legislativa, na qual o Poder Legislativo estabelece o preceito secundário do tipo, com o máximo e o mínimo legal da sanção; 2) a judicial, na qual o Poder Judiciário fixa, dentro dos limites legais, a modalidade e a quantidade da reprimenda e o regime inicial de cumprimento; e 3) a fase executória, na qual o Poder Executivo, respeitando os direitos fundamentais, implementa as medidas de ressocialização do sentenciado. Sistema trifásico A etapa judicial adotou o sistema trifásico da dosimetria, conforme explicitado no item 51 da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal e delineado no art. 68 do Código Penal. Assim, a dosimetria da pena na sentença obedece a um critério trifásico: 1º passo: o juiz calcula a pena-base de acordo com as circunstâncias judiciais do art. 59, CP; 2º passo: o juiz aplica as agravantes e atenuantes; 3º passo: o juiz aplica as causas de aumento e de diminuição. Este critério trifásico, elaborado por Nelson Hungria, foi adotado pelo Código Penal, sendo consagrado pela jurisprudência pátria: STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1021796/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 19/03/2013.

Page 35: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35

Primeira fase (circunstâncias judiciais) Na primeira fase, as chamadas circunstâncias judiciais analisadas pelo juiz são as seguintes: a) culpabilidade, b) antecedentes, c) conduta social, d) personalidade do agente, e) motivos do crime, f) circunstâncias do crime, g) consequências do crime, h) comportamento da vítima. Imagine agora a seguinte situação hipotética: João possui quatro condenações transitadas em julgado. Ele está agora sendo julgado pela prática do crime 5. No momento da dosimetria da pena, o juiz aumentou a pena-base com base em duas circunstâncias judiciais: • Utilizo a condenação do crime 1 como maus antecedentes; • Os crimes 2 a 4 indicam que sua conduta social é péssima, pois já se viu envolvido em vários outros episódios que não aqueles valorados no item anterior e que demonstram que o réu não se adéqua às regras sociais. A defesa impugnou a decisão afirmando que o magistrado valorou negativamente circunstâncias judiciais diversas com fundamento na mesma base empírica (registros criminais), conferindo-lhes conceitos jurídicos assemelhados. A tese da defesa é aceita pelo STF? Houve erro na dosimetria da pena? SIM.

A circunstância judicial “conduta social”, prevista no art. 59 do Código Penal, representa o comportamento do agente no meio familiar, no ambiente de trabalho e no relacionamento com outros indivíduos. Os antecedentes sociais do réu não se confundem com os seus antecedentes criminais. São circunstâncias distintas, com regramentos próprios. Assim, não se mostra correto o magistrado utilizar as condenações anteriores transitadas em julgado como “conduta social desfavorável”. Não é possível a utilização de condenações anteriores com trânsito em julgado como fundamento para negativar a conduta social. STF. 2ª Turma. RHC 130132, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 10/5/2016 (Info 825). STJ. 5ª Turma. HC 475.436/PE, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 13/12/2018. STJ. 6ª Turma. REsp 1.760.972-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 08/11/2018 (Info 639).

O Min. Teori explicou que, antes da reforma da Parte Geral do Código Penal de 1984, entendia-se que a análise dos antecedentes abrangia todo o passado do agente, incluindo, além dos registros criminais, o seu comportamento na sociedade. Em outras palavras, os antecedentes judiciais e os antecedentes sociais se confundiam na mesma circunstância. Por essa razão, antes de 1984, era permitida a utilização de condenações com trânsito em julgado anteriores para negativar a conduta social. Entretanto, após a aprovação da Lei nº 7.209/84, a conduta social passou a ter significado próprio. A conduta social passou a ser utilizada apenas para avaliar o comportamento do condenado no meio familiar, no ambiente de trabalho e no relacionamento com outros indivíduos. Ou seja, os antecedentes sociais do réu não mais se confundem com os seus antecedentes criminais. São circunstâncias diversas. Assim, a análise da circunstância judicial da conduta social não tem relação com a vida criminal do acusado. O histórico criminal já é utilizado para aferir os antecedentes (primeira fase de aplicação da pena) ou a reincidência (segunda fase de aplicação da pena). A conduta social está relacionada com aspectos extrapenais.

Page 36: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Não pratica o crime do art. 3º, III, da Lei 8.137/90 o auditor fiscal que corrige minuta de impugnação administrativa que posteriormente é ajuizada na Administração Tributária

É atípica a conduta de agente público que procede à prévia correção quanto aos aspectos gramatical, estilístico e técnico das impugnações administrativas, não configurando o crime de advocacia administrativa perante a Administração Fazendária.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.770.444-DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 08/11/2018 (Info 639).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é Auditor da Receita Federal. Pedro é sócio da empresa PARABELO que foi autuada por supostamente ter deixado de pagar tributos. O advogado da empresa PARABELO preparou uma minuta de impugnação administrativa com a qual pretendia reverter, administrativamente, o auto de infração. Antes de dar entrada na impugnação administrativa, Pedro encaminhou, por e-mail, a minuta para que João desse a sua opinião sobre a qualidade da peça produzida e fizesse eventuais correções e complementações, quanto aos aspectos gramatical, estilístico e técnico. João fez algumas correções e inseriu novos argumentos na minuta de impugnação, devolvendo o arquivo a Pedro, que protocolizou o pedido na Administração Tributária. Essa situação foi descoberta e João denunciado, pelo MPF, pela prática do crime de advocacia administrativa perante a Administração Fazendária, delito tipificado no art. 3º, III, da Lei nº 8.137/90:

Art. 3º Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I): (...) III - patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

O STJ concordou com o Ministério Público? Houve a prática deste delito? NÃO. O art. 3º, III, da Lei nº 8.137/90, tipo especial em relação ao delito previsto no art. 321 do Código Penal, pressupõe que o agente, valendo-se da sua condição de funcionário público, patrocine, perante a administração fazendária, interesse de um terceiro em processo administrativo. Em outras palavras, este tipo exige que o agente postule o interesse privado, direta ou indiretamente, utilizando-se da sua condição de funcionário para influenciar os responsáveis pela análise do pleito. Segundo o MP, o réu teria participado/contribuído com a elaboração da impugnação administrativa, utilizando-se dos conhecimentos de seu cargo público. Em nenhum momento, contudo, o réu valeu-se da sua qualidade de funcionário, perante a administração fazendária, para facilitar ou influenciar um eventual julgamento favorável ao terceiro. Conforme explica Rogério Sanches Cunha:

“(...) patrocinar significa defender, pleitear, advogar junto a companheiros ou superiores hierárquicos o interesse particular. Para que se configure este delito, não basta que o agente ostente a condição de funcionário público, mas é necessário e indispensável que pratique a ação aproveitando-se das facilidades que sua qualidade de funcionário público lhe proporciona” (Código Penal para Concursos. 6ª ed., Salvador: Juspodivm, p. 658).

Assim, a configuração da advocacia administrativa pressupõe que o servidor, usando das prerrogativas e facilidades resultantes de sua condição de funcionário público, patrocine, como procurador ou

Page 37: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 37

intermediário, interesses alheios perante a Administração (STJ. 5ª Turma. RMS 20.665/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 05/11/2009). É, portanto, imprescindível, para configurar a advocacia administrativa, que o funcionário se valha das facilidades que a função pública lhe oferece, em qualquer setor da Administração Pública, mesmo que não seja especificamente o de atuação do agente (STJ. 5ª Turma. HC 332.512/ES, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 16/02/2016). Desse modo, o STJ entendeu que, apesar da conduta ser censurável sob o ponto de vista ético, ela não se amolda ao crime do art. 3º, III, da Lei nº 8.137/90:

É atípica a conduta de agente público que procede à prévia correção quanto aos aspectos gramatical, estilístico e técnico das impugnações administrativas, não configurando o crime de advocacia administrativa perante a Administração Fazendária. STJ. 6ª Turma. REsp 1.770.444-DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 08/11/2018 (Info 639).

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA A SV 24 pode ser aplicada a fatos anteriores à sua edição

Importante!!!

A Súmula Vinculante 24 tem aplicação aos fatos ocorridos anteriormente à sua edição.

Como a SV 24 representa a mera consolidação da interpretação judicial que já era adotada pelo STF e pelo STJ mesmo antes da sua edição, entende-se que é possível a aplicação do enunciado para fatos ocorridos anteriormente à sua publicação.

STF. 1ª Turma. RHC 122774/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/5/2015 (Info 786).

STJ. 3ª Seção. EREsp 1.318.662-PR, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 28/11/2018 (Info 639).

Lei nº 8.137/90 A Lei nº 8.137/90, em seus arts. 1º e 3º, define crimes contra a ordem tributária. O art. 1º prevê o delito de sonegação fiscal, que é um crime tributário MATERIAL (com exceção do inciso V, que é formal). Confira a redação do tipo:

Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Page 38: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 38

Quando se consuma o crime tributário material? O crime tributário material somente se consuma quando houver a constituição definitiva do crédito tributário, nos termos da SV 24-STF:

Súmula vinculante 24-STF: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

Termo inicial da prescrição penal Como antes da constituição definitiva do crédito tributário ainda não existe crime, somente com o lançamento definitivo é que se inicia a contagem do prazo de prescrição. Assim, a fluência do prazo prescricional dos crimes contra a ordem tributária, previstos no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/90, somente tem início após a constituição do crédito tributário, o que se dá com o encerramento do procedimento administrativo-fiscal e o lançamento definitivo (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1217773/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/05/2014). No caso do inciso V, por se tratar de crime formal, não se exige a constituição definitiva do crédito tributário para início da prescrição. De quando é a SV 24-STF? A súmula foi publicada no DJe de 11/12/2009. Feitos esses esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética: Em 1998, João suprimiu imposto de renda prestando declaração falsa às autoridades fazendárias. O processo administrativo-fiscal ficou se arrastando durante anos e somente em 2010 houve a constituição definitiva do crédito tributário. No mesmo ano, o MPF denunciou o réu pelo crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. Em 2011, ele foi condenado a 2 anos de reclusão, tendo havido o trânsito em julgado. A defesa alegou, então, uma interessante tese: A SV 24-STF diz que o crime tributário material só se consuma com o lançamento definitivo do tributo. Em outras palavras, não existe crime antes da constituição definitiva do crédito tributário. Logo, indiretamente, a SV afirma que o prazo prescricional só começa a ser contado no dia da constituição definitiva do crédito tributário já que é nessa data que o delito se consuma (art. 111, I, do CP). Perceba, portanto, que sob o ponto de vista da prescrição, a SV 24-STF é prejudicial para o réu porque mesmo ele tendo praticado a conduta anos antes, o prazo prescricional nem começou a correr se ainda não houve constituição definitiva do crédito tributário. Fica assim mais difícil de o agente escapar da prescrição. O Estado-acusação acaba “ganhando” mais tempo para oferecer a denúncia antes que o crime prescreva. Desse modo, a defesa de João alegou que a SV 24-STF, por ser mais gravosa ao réu, não poderia retroagir para ser aplicada a fatos anteriores à sua edição, sob pena de isso ser considerado aplicação retroativa “in malam partem”. Ora, João praticou a sonegação em 1998 e a SV 24-STF somente foi publicada em 2009, de forma que não poderia ser aplicada para este caso. Como ainda não havia a SV, deveria ser considerado o início da prescrição em 1998. A tese da defesa foi aceita? É proibido aplicar a SV 24-STF para fatos anteriores à sua edição? NÃO. A tese não foi aceita. A SV 24-STF pode sim ser aplicada a fatos anteriores à sua edição. Não se pode concordar com o argumento de que a aplicação da SV 24-STF a fatos anteriores à sua edição configura retroatividade “in malam partem”. Isso porque o aludido enunciado apenas consolidou interpretação reiterada do STF sobre a matéria. A súmula vinculante não é lei nem ato normativo, de forma que a SV 24-STF não inovou no ordenamento jurídico. O enunciado apenas espelhou (demonstrou) o que a jurisprudência já vinha decidindo.

Page 39: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 39

Como exemplo disso, o Min. Dias Toffoli citou o HC 85.051/MG, julgado em 2005 (bem antes da SV 24), no qual o STF já afirmava que a prescrição dos crimes tributários materiais somente se inicia com o lançamento definitivo:

(...) a consumação do crime tipificado no art. 1º da Lei 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, a partir daí, a prescrição. (...) STF. 2ª Turma. HC 85051, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 07/06/2005.

Assim, a SV pode ser aplicada aos crimes cometidos antes da sua vigência, tendo em vista que não se está diante de norma mais gravosa, mas de consolidação de interpretação judicial. Foi o que decidiu o STF:

Não prospera a tese de que a observância do enunciado da Súmula Vinculante nº 24 importaria interpretação judicial mais gravosa da lei de regência. A SV 24 é mera consolidação da jurisprudência do STF, que, mesmo antes da sua edição, já tinha julgados afirmando que a consumação do crime tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, a partir daí, a prescrição. Assim, a SV 24 pode sim ser aplicada a fatos anteriores à sua edição. STF. 1ª Turma. RHC 122774/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/5/2015 (Info 786).

STJ também comunga do mesmo entendimento:

A Súmula Vinculante 24 tem aplicação aos fatos ocorridos anteriormente à sua edição. Como a SV 24 representa a mera consolidação da interpretação judicial que já era adotada pelo STF e pelo STJ mesmo antes da sua edição, entende-se que é possível a aplicação do enunciado para fatos ocorridos anteriormente à sua publicação. STJ. 3ª Seção. EREsp 1.318.662-PR, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 28/11/2018 (Info 639).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO Crime cometido por Desembargador

Importante!!!

O Superior Tribunal de Justiça é o tribunal competente para o julgamento nas hipóteses em que, não fosse a prerrogativa de foro (art. 105, I, da CF/88), o desembargador acusado houvesse de responder à ação penal perante juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal.

Assim, mesmo que o crime cometido pelo Desembargador não esteja relacionado com as suas funções, ele será julgado pelo STJ se a remessa para a 1ª instância significar que o réu seria julgado por um juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal que o Desembargador.

A manutenção do julgamento no STJ tem por objetivo preservar a isenção (imparcialidade e independência) do órgão julgador.

STJ. Corte Especial. QO na APn 878-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21/11/2018 (Info 639).

Page 40: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 40

DECISÃO DO STF RESTRINGINDO O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

Em maio de 2018, o STF decidiu restringir o foro por prerrogativa de função dos Deputados Federais e Senadores. O art. 53, § 1º e o art. 102, I, “b”, da CF/88 preveem que, em caso de crimes comuns, os Deputados Federais e os Senadores serão julgados pelo STF. Ocorre que o Supremo conferiu uma interpretação restritiva a esses dispositivos e afirmou o seguinte:

O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018 (Info 900).

Em outras palavras, os Deputados Federais e Senadores somente serão julgados pelo STF se o crime tiver sido praticado durante o exercício do mandato de parlamentar federal e se estiver relacionado com essa função. O entendimento que restringe o foro por prerrogativa de função vale para outras hipóteses de foro privilegiado ou apenas para os Deputados Federais e Senadores? Vale para outros casos de foro por prerrogativa de função. Foi o que decidiu o próprio STF no julgamento do Inq 4703 QO/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12/06/2018, no qual afirmou que o entendimento vale também para Ministros de Estado. O STJ também decidiu que a restrição do foro deve alcançar Governadores e Conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais. Explico. O art. 105, I, “a”, da CF/88 prevê que compete ao STJ julgar os crimes praticados por Governadores de Estado e por Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

STJ DECIDIU TAMBÉM RESTRINGIR O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO NO CASO DAS AUTORIDADES QUE SÃO JULGADAS

NAQUELE TRIBUNAL

A Corte Especial do STJ, seguindo o mesmo raciocínio do STF, limitou a amplitude do art. 105, I, “a”, da CF/88 e decidiu que:

O foro por prerrogativa de função no caso de Governadores e Conselheiros de Tribunais de Contas dos Estados deve ficar restrito aos fatos ocorridos durante o exercício do cargo e em razão deste. Assim, o STJ é competente para julgar os crimes praticados pelos Governadores e pelos Conselheiros de Tribunais de Contas somente se estes delitos tiverem sido praticados durante o exercício do cargo e em razão deste. STJ. Corte Especial. APn 857/DF, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20/06/2018. STJ. Corte Especial. APn 866/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/06/2018.

O STJ disse o seguinte: • O STF, ao analisar o art. 102, I, da CF/88 decidiu restringir o foro por prerrogativa de função para Deputados Federais e Senadores. Em seguida, restringiu também para Ministros de Estado. A partir dessa restrição, tais autoridades somente poderão ter foro no STF em caso de crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

Page 41: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 41

• Diante dessa decisão do STF, eu (STJ) também irei restringir o foro por prerrogativa de função para as autoridades que estão listadas no art. 105, I, “a”, da CF/88, aplicando o mesmo raciocínio. • O fato de a regra de competência estar prevista no texto constitucional (art. 105 da CF/88) não pode representar óbice à análise, por este STJ, de sua própria competência, sob pena de se inviabilizar, nos casos como o dos autos, o exercício deste poder-dever básico de todo órgão julgador, impedindo o imprescindível exame deste importante pressuposto de admissibilidade do provimento jurisdicional. Em palavras mais simples, a restrição da competência do art. 105 da CF/88 passa por uma nova intepretação do texto constitucional. A função precípua de interpretação à Constituição Federal é do STF. No entanto, eu (STJ), assim como todo e qualquer magistrado, também tenho a prerrogativa de interpretar as normas jurídicas, inclusive a Constituição da República. • Além disso, todo juiz é competente para analisar a sua própria competência (“kompetenz-kompetenz”), de forma que eu (STJ) posso interpretar o art. 105 da CF/88 para dizer se sou ou não competente para julgar determinada autoridade, podendo, assim, adotar a mesma restrição construída pelo STF. • O foro especial no âmbito penal é prerrogativa destinada a assegurar a independência e o livre exercício de determinados cargos e funções de especial importância, isto é, não se trata de privilégio pessoal. O princípio republicano é condição essencial de existência do Estado de Direito e impõe a supressão dos privilégios, devendo ser afastados da interpretação constitucional os princípios e regras contrários à igualdade. • O art. 105, I, “a”, CF/88 consubstancia exceção à regra geral de competência, de modo que, partindo-se do pressuposto de que a Constituição é una, sem regras contraditórias, deve ser realizada a interpretação restritiva das exceções, com base na análise sistemática e teleológica da norma. • As mesmas razões fundamentais (a mesma ratio decidendi) que levaram o STF, ao interpretar o art. 102, I, “b” e “c”, da CF/88, a restringir as hipóteses de foro por prerrogativa de função devem ser também aplicadas ao art. 105, I, “a”. • Assim, é de se conferir ao art. 105, I, “a”, da CF/88, o mesmo sentido e alcance atribuído pelo STF ao art. 102, I, “b” e “c”, restringindo-se, desse modo, as hipóteses de foro por prerrogativa de função perante o STJ àquelas em que o crime for praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função.

As hipóteses de foro por prerrogativa de função perante o STJ restringem-se àquelas em que o crime for praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função. STJ. Corte Especial. AgRg na APn 866-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/06/2018 (Info 630).

DECISÃO QUE RESTRINGE O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO NÃO SE APLICA PARA DESEMBARGADORES

O art. 105, I, “a”, da CF/88 prevê que os Desembargadores dos Tribunais de Justiça são julgados criminalmente pelo STJ. O entendimento acima exposto (que restringiu o foro para crimes relacionados com o cargo) é aplicado também para os Desembargadores dos Tribunais de Justiça? Se um Desembargador praticar crime que não esteja relacionado com o exercício de suas funções (ex: lesão corporal contra a esposa), ele será julgado pelo juízo de 1ª instância? NÃO.

O Superior Tribunal de Justiça é o tribunal competente para o julgamento nas hipóteses em que, não fosse a prerrogativa de foro (art. 105, I, da Constituição Federal), o desembargador acusado houvesse de responder à ação penal perante juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal. Assim, mesmo que o crime cometido pelo Desembargador não esteja relacionado com as suas funções, ele será julgado pelo STJ se a remessa para a 1ª instância significar que o réu seria julgado por um juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal que o Desembargador. A manutenção do julgamento no STJ tem por objetivo preservar a isenção (imparcialidade e independência) do órgão julgador. STJ. Corte Especial. QO na APn 878-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21/11/2018 (Info 639).

Page 42: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 42

É uma espécie de “exceção” ao entendimento do STJ que restringe o foro por prerrogativa de função. O STJ entendeu que haveria um risco à imparcialidade caso o juiz de 1º instância julgasse um Desembargador (autoridade que, sob o aspecto administrativo, está em uma posição hierarquicamente superior ao juiz). Veja as palavras do Min. Relator Benedito Gonçalves:

“É que, em se tratando de acusado e de julgador, ambos, membros da Magistratura nacional, pode-se afirmar que a prerrogativa de foro não se justifica apenas para que o acusado pudesse exercer suas atividades funcionais de forma livre e independente, pois é preciso também que o julgador possa reunir as condições necessárias ao desempenho de suas atividades judicantes de forma imparcial. Esta necessidade (de que o julgador possa reunir as condições necessárias ao desempenho de suas atividades judicantes de forma imparcial) não se revela como um privilégio do julgador ou do acusado, mas como uma condição para que se realize justiça criminal. Ser julgado por juiz com duvidosa condição de se posicionar de forma imparcial, afinal, violaria a pretensão de realização de justiça criminal de forma isonômica e republicana. A partir desta forma de colocação do problema, pode-se argumentar que, caso Desembargadores, acusados da prática de qualquer crime (com ou sem relação com o cargo de Desembargador) viessem a ser julgados por juiz de primeiro grau vinculado ao Tribunal ao qual ambos pertencem, se criaria, em alguma medida, um embaraço ao juiz de carreira.”

O caso concreto enfrentado pelo STJ envolvia um Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que estava sendo acusado de ter, supostamente, praticado lesão corporal contra a mãe e a irmã. Este Desembargador deve ser julgado pelo STJ (e não pelo Juiz de Direito de 1ª instância). O Min. Raul Araújo acompanhou o Relator e mencionou, como reforço de argumentação, a previsão do art. 33, parágrafo único, da LOMAN (LC 35/79), quer prevê o seguinte:

Art. 33 (...) Parágrafo único. Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.

Veja as palavras do Min. Raul Araújo: “(...) a prerrogativa de foro, prevista na Constituição, já era tratada na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, conforme se vê no art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar 35/1979 (...) Não se está a tratar, portanto, apenas do foro por prerrogativa de função, previsto no art. 105, I, "a", da Constituição Federal, cujo alcance teve interpretação mais restritiva a partir dos julgamentos pelo Supremo Tribunal Federal e por esta Corte nos casos antes mencionados. Há, na espécie, prerrogativa específica, prevista na LOMAN, de que nem sequer seja dado prosseguimento à investigação sem a autorização do Tribunal ou órgão especial competente para o eventual julgamento. (...) É fora de dúvida que, em matéria criminal, o julgamento de Desembargador por Juiz vinculado ao mesmo Tribunal gera situação, no mínimo, delicada, tanto para o julgador como para a hierarquia do Judiciário, uma vez que os juízes de primeira instância têm seus atos administrativos e suas decisões judiciais imediatamente submetidas ao crivo dos juízes do respectivo Tribunal de superior instância. Como se sabe, os juízes de primeira instância têm seus atos administrativos e suas decisões judiciais imediatamente submetidas ao crivo dos juízes do respectivo Tribunal de superior instância. Mesmo seu comportamento na vida profissional, e até sua conduta pessoal, podem vir a ser sindicados, inclusive para fins de ascensão funcional, pelos referidos desembargadores. Essa condição, inerente à vida profissional dos magistrados, na realidade prática, tende a comprometer a independência e imparcialidade do julgador de instância inferior ao conduzir processo criminal em que figure como réu um desembargador do Tribunal ao qual está vinculado o juiz singular.

Page 43: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 43

(...) Em qualquer dessas ocasiões, poderá vir a ser prejudicado aquele juiz que tenha sido considerado rigoroso no julgamento que acaso antes tenha afetado um desembargador. Em sentido contrário, tem-se a possibilidade de ser favorecido o julgador que seja tido como mais liberal para com o réu desembargador. Em ambas as situações, estará comprometida a imparcialidade e independência do juiz.” O Min. João Otávio de Noronha também seguiu o Relator argumentando que:

“Por mais que acredite na lisura dos juízes brasileiros, seria muito constrangedor para esse juiz em determinada situação votar ou condenar um superior hierárquico, que votou ou votará nele para uma promoção. Sem considerar outras hipóteses. Eu não daria essa carta em branco. Não assinaria um cheque em branco para os juízes nessa hipótese. Eu prefiro a cautela. Não quero ver juiz perseguido nem promovido por favores concedidos que pode gerar até a impunidade. Minha preocupação é sobretudo a impunidade, vamos ver Estado em que a pressão no juiz é muito grande. Juiz que tem vínculo com investigado não pode julgar. É uma blindagem que se faz à independência da magistratura. O juiz que está subordinado a um investigado não deve julgá-lo.”

No mesmo sentido foi o voto do Min. Herman Benjamin:

“Para um juiz, a carreira é o fundamento da sua existência profissional. E não vejo como um juiz possa julgar o corregedor do seu Tribunal. O foro existe para o réu e em favor da sociedade. É garantia implícita.”

Confira a ementa do julgado:

(...) 1. Hipóteses em que Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná responde pela prática, em tese, de delito de lesão corporal ocorrido em Curitiba-PR. 2. O crime que é imputado ao réu não tem relação com o exercício do cargo de Desembargador, de modo que, a princípio, aplicando-se o precedente produzido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da QO na AP 937, não teria o réu foro no Superior Tribunal de Justiça. 3. A interpretação do alcance das hipóteses de prerrogativa de foro previstas na Constituição da República, não obstante, responde não apenas à necessidade de que aquele que goza da prerrogativa tenha condições de exercer com liberdade e independência as funções inerentes ao cargo público que lhe confere a prerrogativa. 4. Para além disso, nos casos em que são membros da magistratura nacional tanto o acusado quanto o julgador, a prerrogativa de foro não se justifica apenas para que o acusado pudesse exercer suas atividades funcionais de forma livre e independente, pois é preciso também que o julgador possa reunir as condições necessárias ao desempenho de suas atividades judicantes de forma imparcial. 5. A necessidade de que o julgador possa reunir as condições para o desempenho de suas atividades judicantes de forma imparcial não se revela como um privilégio do julgador ou do acusado, mas como uma condição para que se realize justiça criminal de forma isonômica e republicana. 6. Questão de ordem resolvida no sentido de se reconhecer a competência do Superior Tribunal de Justiça nas hipóteses em que, não fosse a prerrogativa de foro (art. 105, I, da Constituição), o Desembargador acusado houvesse de responder à ação penal perante juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal. STJ. Corte Especial. QO na APn 878/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21/11/2018.

Votos vencidos Ficaram vencidos os Ministros Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques e Maria Thereza de Assis Moura, que defendiam a tese de que os Desembargadores devem receber o mesmo tratamento que as demais autoridades e que se o delito não estiver relacionado com as funções, eles deveriam ser julgados em 1ª instância.

Page 44: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 44

O caso analisado pelo STJ envolvia um Desembargador do Tribunal de Justiça. Esse entendimento deverá ser aplicado também para os membros dos TRFs (“Desembargadores Federais), para os membros dos TRTs (“Desembargadores Federais do Trabalho”) e para os membros dos TREs? Essas autoridades também serão julgadas pelo STJ mesmo que o crime tenha sido praticado fora do exercício do cargo e mesmo que o delito não esteja relacionado com as funções desempenhadas? Essa questão não foi solucionada ainda de forma expressa pelo STJ. Os Ministros afirmaram que estavam mantendo o foro porque entendiam que não era prudente um juiz julgar o processo criminal de um Desembargador ao qual está vinculado hierarquicamente. Logo, o principal argumento para se manter a competência do STJ nesses casos está no fato de que o Juiz não teria a imparcialidade necessária para julgar um Desembargador que pertence ao mesmo Tribunal que ele (e que é seu superior). Ocorre que, se um membro do TRT (“Desembargador Federal do Trabalho”) praticar um crime, ele não seria julgado por um Juiz do Trabalho, mas sim por um Juiz de Direito ou por um Juiz Federal. Isso porque o Juiz do Trabalho não tem jurisdição criminal. O “Desembargador Federal do Trabalho” não tem qualquer ingerência sobre o Juiz de Direito ou sobre o Juiz Federal, considerando que fazem parte de Tribunais diferentes. Desse modo, esse argumento do STJ não se aplicaria neste caso e, em tese, não haveria qualquer empecilho de o “Desembargador Federal do Trabalho” ser julgado em 1ª instância. O Min. João Otávio de Noronha, em trecho de seu voto, deu a entender que poderia, em tese, adotar essa distinção:

“A questão envolvendo o Judiciário tem que ser caso a caso. Não há problema nenhum de um juiz do Trabalho, por exemplo, ser julgado por um juiz de primeiro grau. Mas há problema um juiz de primeiro grau julgar um desembargador que o promoveu ou que reforma suas decisões”.

O Min. Herman Benjamin, por exemplo, excluiu os Desembargadores do Trabalho do raciocínio, de forma que eles seriam, em tese, julgados em primeira instância. Confira:

“Sendo assim, como forma de preservar a Justiça Penal da indevida interferência no trabalho de seus julgadores e de afastar a possibilidade de injustas absolvições, acompanho o Relator e voto pela manutenção da competência do STJ para o julgamento dos desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e dos membros dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais Regionais Eleitorais no STJ, ainda que por fatos cometidos fora do Cargo ou não relacionados às funções desempenhadas.”

Por outro lado, alguns Ministros demonstraram certo incômodo de se criar uma regra de foro para os Desembargadores dos Tribunais de Justiça e outra para os “Desembargadores Federais do Trabalho”. Assim, é preciso aguardar para se ter certeza do caminho que será adotado pelo STJ. Por enquanto, posso apontar as seguintes conclusões e dúvidas: • REGRA: as autoridades listadas no art. 105, I, “a”, da CF/88 somente são julgadas pelo STJ em caso de crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Ex: membro do Tribunal de Contas pratica violência doméstica contra a sua esposa. Será julgado pelo Juiz de Direito de 1ª instância. • EXCEÇÃO: os Desembargadores dos Tribunais de Justiça são julgados pelo STJ mesmo que o crime não esteja relacionado com as suas funções. Ex: Desembargador pratica violência doméstica contra sua esposa. Será julgado pelo STJ (e não pelo juiz de 1ª instância). DÚVIDAS: 1) Essa mesma exceção poderá ser aplicada para os membros dos TRTs (“Desembargadores Federais do Trabalho”)? 2) Se o crime praticado pelo Desembargador do Tribunal de Justiça for um “crime federal” (delito de competência da Justiça Federal), ele poderia ser julgado pelo Juiz Federal de 1ª instância, considerando que eles não mantêm qualquer vinculação entre si, já que não fazem parte do mesmo Tribunal?

Page 45: Informativo comentado: Informativo 639-STJ...Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo,

Informativo comentado

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 45

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) A abusividade de encargos acessórios do contrato descaracteriza a mora. ( ) 2) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual

descaracteriza a mora. ( ) 3) Deve ser dotada de ineficácia para terceiros (garantia de responsabilidade civil) a cláusula de exclusão da

cobertura securitária na hipótese de o acidente de trânsito advir da embriaguez do segurado ou daquele a quem, por este, foi confiada a direção do veículo. ( )

4) É abusiva a cláusula que prevê a cobrança de ressarcimento de serviços prestados por terceiros, sem a especificação do serviço a ser efetivamente prestado. ( )

5) É válida a tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas: a abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado e a possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto. ( )

6) É válida a cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da comissão do correspondente bancário. ( ) 7) Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a

instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. ( ) 8) (MP/RR 2017 CESPE) De acordo com expressa previsão do CPC, o fenômeno processual denominado

estabilização da tutela provisória de urgência aplica-se apenas à tutela A) cautelar, requerida em caráter antecedente. B) antecipada, incidental ou antecedente. C) cautelar, incidental ou antecedente. D) antecipada, requerida em caráter antecedente.

9) A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303 do CPC/2015, torna-se estável somente se não

houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária. ( ) 10) A técnica de ampliação de julgamento prevista no CPC/2015 somente deve ser utilizada quando o

resultado da apelação for não unânime e tiver reformado a sentença impugnada. ( ) 11) O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de

instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. ( )

12) É possível a utilização de condenações anteriores com trânsito em julgado como fundamento para negativar a conduta social. ( )

13) Configura advocacia administrativa a conduta de agente público que procede à prévia correção quanto aos aspectos gramatical, estilístico e técnico das impugnações administrativas que serão apresentadas à Administração Fazendária. ( )

14) (Juiz TJPB 2015 CESPE) Marcos, servidor público do estado da Paraíba, dirigiu-se a um órgão da administração pública do referido estado e, sem se identificar, requereu preferência no andamento de processo administrativo em que Rogério, seu amigo, é parte. Nessa situação, a conduta de Marcos não corresponde ao crime de advocacia administrativa. ( )

15) A Súmula Vinculante 24, por ser gravosa ao réu quanto ao prazo prescricional, não tem aplicação aos fatos ocorridos anteriormente à sua edição. ( )

16) O STJ é o tribunal competente para o julgamento nas hipóteses em que, não fosse a prerrogativa de foro, o desembargador acusado houvesse de responder à ação penal perante juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal. ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. C 4. C 5. C 6. E 7. C 8. Letra D 9. C 10. E

11. C 12. E 13. E 14. C 15. E 16. C