sujeitos do sexo gênero judith butler001
TRANSCRIPT
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 1/30
T
identidade
interrogada
Neste
livro inspirador Judi th Butler
apresenta
uma cr í t i ca contundente a um do s principais
fundamentos do movimento feminista:
a
identidade. Para Butler
n ão
é
possível
que exista
apenas
uma identidade de ordem
m e t a f í s i ca
mas
identidades pensadas no plural e
nã o
no
singular.
Seria
necessá r i o
promover
a subve r são
no campo da identidade
— motivo
que explica o
subtítulo
deste livro
ser
justamente
Feminism©
e s u b v e r s ã o da identidade. Ou seja
não
é
poss í ve l
que
haa
a
libertação da
muher
a menos
que primeiro
s e
subverta a identidade de muher.
Para
tanto outro ponto
crucial
defendido pela
f i l ó so f a
norte-americana é
o
questionamento da
d i m e n s ã o
natural da
d i f e r e n ç a a n a t ó m i c a
entre
os
sexos.
Partindo de
L é v i - S tr a u s s
e das
categorias de natureza
e
de cultura
estabeecidas
por
ele
Butler se
opõe
teoricamente ao
estruturalismo probematizando
a
oposição
b i ná r i a
entre sexo
e
g é n e r o
vigente
no
movimento feminista: a ideia de sexo como dado
da
natureza e de
g é n e r o
como registro da cultura
e da sociedade. Para a autora sexo
passa a
ser
t a m b é m
uma categoria social e culturalmente
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 2/30
Copyright
®
Routiedge, Champman c Hall,
Inc . ,
1990
Copyright
da t r a d u ç ã o © C i v i h z a ç ã o Brasileira, 2003
E d i ç ã o em l íngu a portuguesa publicada mediante acordo
co m
Routiedge, Inc.
T í t u l o original:
G ende r T r ou b l e
—
F em i n i sm
and
h e
Subver s i on of I d e n t i t y
C IPBRAS IL . C AT AL OG AÇ ÃO NA FON T E
SINDICATO NACIONAL
DOS
E DiT ORBS DE UV ROS ,
RJ
Butler, Judith P
B992p Problemas dc género: feminismo e subversão da identidade/
8' ed. Judith Butler;
tradução,
Renato Aguiar.
-
8' ed.
-
Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira,
2013.
-
(Sujeito e
História
y if
ISBN 978-85-200-0611-5
1. Feminismo. 2. Teoria feminista. 3. Papel sexual. 4.
Sexo
-
Diferenças
(Psicologia). 5. Identidade (Psicologia). I .
Título.
* s s n
n. Título: Feminismo e subversão da identidade. 111. Série.
í i v r i v ^ r
CDD-305.4
02-2104 CDU-396
C D I T O B n U l M
Todos os direitos reservados. É proibido reproduzit;
armazenar ou transmitir
partes
deste livro, a t r a v é s de
quaisquer meios, sem p r é v i a a u t o r i z a ç ã o por escrito.
Texto revisado segundo o Novo Acordo O r t o g r á f i c o da
L í n g u a Portuguesa.
Direitos
exclusivos
desta
t r a d u ç ã o adquiridos pela
E D I T O R A C I V I L I Z A Ç Ã O B R A S I L E I R A
U m
selo
da
E D I T O R A J O S É O L Y M P I O L T D A .
Ru a
Argentina, 171
-
Rio de Janeiro, RJ
-
20921 -380
-
Tel.:
(21)2585-2000
Seja um leitor preferencial Record.
Cadastre-se
e
receba
i n f o r m a ç õ e s
sobre nossos
l a n ç a m e n t o s
e
nossas
p r o m o ç õ e s .
Atendimento e venda direta
ao
leitor: [email protected]
ou
(21)2585-2002
Impresso no
Brasil
; > w ,<. s...:. •
2015 5- - .
Sumário
Prefácio
t •
/1
C P Í T U L O
1 Sujeitos do
sexo/gênero/desejo
Mulheres
como sujeito do feminismo / rj
A ordem
compulsória
do
sexo/gênero/desejo
Género: as ruínas circulares do debate contemporâneo
Teorizando o
binário,
o
unitário
e
além
Identidade sexo e a metafísica da substância
Linguagem poder e estratégias de deslocamento
C P Í T U L O
Proibição, psicanálise e a produção
da matriz heterossexual
A permuta crítica do estruturalismo
Lacan, Riviere e as estratégias da mascarada
Freud e a melancolia do género
A complexidade do
género
e os limites da
identificação
Reformulando a proibição como poder
C P Í T U L O
3 Atos corporais subversivos
corpo-política
de Julia Kristeva
Foucault,
Herculine e a política da descontinuidade
sexual
Monique
Wittig:
desintegração
corporal e sexo
fictício
Inscrições
corporais
subversões
performativas
onclusão
Notas
índice
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 3/30
CAP I TU L S u j e i t o s
do
s e x o / g ê n e r o / d e s e j o
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.
Simone de eauvoir
Estritamente falando, não se pode dizer que
existam mulheres .
Julia Kristeva
Mulher não tem sexo.
Luce
Irigaray
A manifestação da sexualidade [ ]
estabeleceu
esta noção
de
sexo.
Michel Foucault
A
categoria
do
sexo
é a
categoria política
que
funda
a
sociedade
heterossexual.
Monique Wittig
M u l h e r e s
como suje i to
do
f e mi n i smo
E m su
e ssê n ci a ,
t e o r i a f e m i n i s t a
tem
p r e s u m i d o
que
existe um a identidade definida, compreen dida pela categoria
de mul he re s,
que não só
deflagra
os
interesses
e
objetivos
feministas n o interior de seu próprio d i s c u r s o , m a s con sti tui
o suje i to me smo e m n om e
de
q u e m
representação política
7
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 4/30
PROBLEM S
DE
G É N E R O
é a l m e j a d a . Ma s
polític
e
represent ção
são t e r m o s po-
lé m ic o s. Por um l a d o , a
represent ção
se r v e c o m o t e r m o
o p e r a c i o n a l no se io de um p r o c e ss o p o l ít ic o que b u s c a
estender visibilidade e le g it im id a d e às m u l h e r e s c o m o su-
jeitos políticos; por o ut r o la d o , a representação é a fun ç ã o
n o r m a t i v a de um a l in g ua g e m que r e v e la r ia ou d ist o r c e r ia o
qu e é tid o c o m o v e r d a d e ir o so b r e a categoria das m ulh e r e s.
Pa r a a teoria femin ista, o desenvolvimento de uma linguagem
capaz de representá-las completa ou adequadamente pareceu
n e c e ssá r io , a fim d e p r o m o v e r a v is ib i l id a d e p o l ític a d a s m u
lh e r e s. I sso p a r e c ia o b v ia m e n t e im p o r t a n t e , c o n sid e r a n d o a
c o n d iç ã o c ult u r a l d i fusa n a qua l a v id a d a s m ulh e r e s e r a m a l
representada ou s im p le sm e n t e não representada.
Recentemente, essa concepção do mina nte da relação entre
teoria feminista e política pass ou a ser questionada a partir do
interior do discurso feminista. O próprio sujeito das mulheres
n ão
é
m a is c o m p r e e n d id o e m t e r m o s e stá v e is
ou
p e r m a n e n
tes. É significativa a qua n t id a d e de material ensaístico que
n ão só que st io n a a v ia b i l id a d e do suj e i t o c o m o c a n d id a t o
últ im o à representação, ou mesmo à l ib e r ta ç ã o , c o m o in d ic a
qu e é m uit o p e que n a , a f in a l , a c o n c o r d â n cia qua n t o ao que
c o n st it ui , o u d e v e r ia c o n st it uir , a categoria das mulheres. O s
d o m ín io s da r e p r e se n t a ç ã o p o l ític a e linguística estabele
c e r a m
priori
o critério segun do o q u a l os próprios su jeitos
sã o fo r m a d o s, com o resultado de a representação só se es-
tender ao que pode ser reconhecido com o sujeito. E m ou tras
palav ras, as qualificações do ser sujeito tém que ser atendidas
p a r a que a representação possa ser expandida.
F o u c a u l t o b s e r v a que os s ist e m a s j ur íd ic o s de p o d e r
produzem
os sujeitos que subsequentemente pass am a repre
sentar. ' As n o ç õ e s j ur íd ic a s d e p o d e r p a r e c e m r e g ula r a v id a
p o lít ic a e m t e r m o s p ur a m e n t e n e g a t iv o s — isto é, por m e io
SUJEITOS DO S E X O G Ê N E R O D E S E J O
d a l im it a ç ã o , p r o ib iç ã o , r e g ula m e n t a ç ã o , c o n t r o le e m e s m o
p r o t e ç ã o dos in d iv íd uo s r e la c io n a d o s à que la e st r u t ur a
p o lít ic a , m e d ia n t e uma a ç ã o c o n t in g e n t e e retratável de
e sc o lh a . Po r é m , em v ir t ud e de a e la s e st a r e m c o n d ic io n a
d o s , os suj e ito s r e g ula d o s p o r t a is e st r ut ur a s sã o fo r m a d o s,
definidos e r e p r o d uz id o s d e a c o r d o c o m as exigências delas.
Se esta análise é correta, a fo r m a ç ã o j ur íd ic a d a l in g ua g e m e
da política que representa as m u l h e r e s c o m o o suj e it o do
f e m i n i s m o é e m s i m e s m a u m a f o r m a ç ã o d i s c u r s i v a e efeito
de uma d a d a v e r sã o da p o l ít ic a r e p r e se n t a c io n a l . A ss im ,
o suj e it o fe m in ist a se r e v e la d isc ur siv a m e n t e c o n st it uíd o ,
e pelo próprio sistema político que sup o st a m e n t e d e v e r ia
fa c i l i t a r sua e m a n c ip a ç ã o , o que se t o r n a r ia p o l it ic a m e n t e
p r o b le m á t ic o , se fo sse p o ssív e l d e m o n st r a r que esse siste
m a p r o d uz suj e it o s c o m t r a ç o s de g é n e r o d e t e r m in a d o s em
c o n f o r m i d a d e com um e ix o d ife r e n c ia l de d o m i n a ç ã o , ou
o s p r o d uz p re sum iv e lm e n t e m a s c ul in o s. E m t a is c a so s,
um
apelo acrítico a esse sistema em n o m e da e m a n c ip a ç ã o das
m u lh e r e s e st a r ia in e lut a v e lm e n t e fa d a d o ao fracasso.
O s u j e i t o é uma q u e s t ã o c r u c i a l p a r a a p o l ít ic a , e
p a r t i c u l a r m e n t e p a r a a p o l ít ic a fe m in ist a , p o is os sujeitos
j ur íd ic o s são in v a r ia v e lm e n t e p r o d u z id o s por via de práti
ca s de e x c lusã o que n ã o a p a r e c e m , um a v e z e st a b e le c id a
a e s t r u t u r a j u r í d i c a da p o l í t i c a . E m o u t r a s p a l a v r a s , a
c o n st r uç ã o p o l ít ic a do suj e ito p r o c e d e v in c ula d a a c e r t o s
o b j e t iv o s de le g it im a ç ã o e de e x c l u s ã o , e e ssa s o p e r a ç õ e s
p o lít ic a s sã o e fe tiv a m e n t e o c u lt a s
e
n a t u r a l i z a d a s
por
u m a
análise política que t o m a as e st r ut ur a s j ur íd ic a s c o m o se u
f u n d a m e n t o . O p o d e r j ur íd ic o p r o d uz in e v it a v e lm e n t e
o que a le g a m e r a m e n t e r e p r e se n t a r ; c o n se qu e n t e m e n t e ,
a política tem de se p r e o c u p a r com e ssa fun ç ã o d ua l do
p o d e r : j ur íd ic a e p r o d u t i v a . Com e fe it o , a lei p r o d u z e
9
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 5/30
PROBLEM S
DE G É N E R O
d e p ois oc ult a
a
n o ç ã o
de
suj e it o p e r a n t e
a
l e i ' V
de
m o d o
a in v oc a r e ssa for m a ç ã o d isc ur siv a c om o p r e m issa b á sic a
n a t ur a l que le g it im a , sub se que n t e m e n t e , a p r óp r ia h e g e m o
n ia r e g u l a d o r a
da
le i .
Não
b a st a i nq u i r i r c o m o
as
m ulh e r e s
p o d e m se fa z e r r e p r e se n t a r m a is p le n a m e n t e n a l in g ua g e m
e na política.
A
c r ít ic a fe m in ist a t a m b é m deve c om p r e e n d e r
c o m o a c a t e g or ia das m u l h e r e s , o sujeito do f e m i n i s m o ,
é p r o d u z i d a
e
r e p r i m i d a p e l as m e s m a s e s t r u t u r a s
de
p od e r
p or in t e r m é d io das q u a i s se b u s c a a e m a n c ip a ç ã o.
C e r t a m e n t e , a que st ã o das m ulh e r e s c om o s uj e it o do
fe m in ism o susc it a
a
p ossib i l id a d e
de não
h a v e r
um
sujeito
qu e se s i tu e p e r a n t e a le i , à espera de representação na lei
ou p e la le i . T a lv e z
o
suj e it o ,
bem
c o m o
a
e v oc a ç ã o
de um
a n t e s t e m p o r a l , se j a m c on st it uíd os p e la le i c om o fun d a
mento fictício de sua p r óp r ia r e iv in d ic a ç ã o de le g it im id a d e .
A hipótese prevalecente
da
integridade o ntológica
do
sujeito
p e r a n t e a lei pode ser vista como o v e st íg io c on t e m p or â n e o
da hipótese
do
e sta d o n a t ur a l , e ssa fá b ula fun d a n t e
que é
c on st it ut iv a d a s e st r ut ur a s j ur íd ic as do liberalismo clássico.
A in v oc a ç ã o p e r for m a t iv a de um a n t e s n ã o h ist óric o tor
n a - se
a
p r e m issa b á sic a
a
g a r a n t ir um a on t olog ia p r é - soc ia l
d e p e ssoa s que c on se n t e m l iv r e m e n t e em ser g ov e r n a d a s,
c o n s t i t u i n d o a s s i m
a
le g it im id a d e
do
c on t r a t o soc ia l .
C on t ud o, a lé m d a s f ic çõe s fun d a c io n ist a s que sust e n
t a m
a
n o ç ã o
de
suj e it o ,
há o
p r ob le m a p ol ít ic o que
o
f e m i
n i s m o e n c o n t r a na s u p o s i ç ã o de que o t e r m o
mulheres
d e n ot e um a id e n t id a d e c om um .
Ao
invés
de
um significante
e st á v e l
a
c o m a n d a r
o
c o n s e n t i m e n t o d a q u e l a s
a
q u e m
p r e t e n d e d e sc r e v e r e r e p r e se n t a r , mulheres — m e s m o no
p l u r a l —
t o r n o u - s e
um
t e r m o p r ob le m á t ic o,
um
p on t o
de
c on t e st a ç ã o, um a c a usa d e a n sie d a d e . C om o sug e r e o título
d e D e n i s e R i l e y ,
m I
Thaí amef [Sou eu e st e n o m e ?] ,
2
SUJEITOS DO S E X O G Ê N E R O D E S E J O
trata-se de um a p e r g un t a g e r a d a p e la p ossib i l id a d e m e s m a
d os m últ ip los s ig n if ic a d os
do
n om e . ^
Se
a lg ué m
é uma
m ulh e r , isso c e r t a m e n t e não é t u d o o que e sse a lg u é m é;
o t e r m o não l o g r a ser e x a u s t i v o , não p o r q u e os t r a ç os
p r e d e fin id os
de
g é n e r o
da
p e s s o a t r a n s c e n d a m
a
p a r a
fernália específica de seu géne ro, mas porqu e
o
g é n e r o n e m
se m p r e
se
c o n s t i t u i u
de
m a n e i r a c o e r e n t e
ou
c on sist e n t e
n os d ife r e n t e s c on t e x t os h ist ór ic os, e p o r q u e o g é n e r o es-
tabelece interseções
com
m o d a l i d a d e s r a c i a i s , c l a s s i s ta s ,
é t n ic a s, se x ua is e r e g ion a is de id e n t id a d e s d isc ur siv a m e n t e
c on st it uíd a s. R e sult a que se t or n ou im p ossív e l se p a r a r a
n o ç ã o
de
g é n e r o
das
interseções política s
e
c u l t u r a i s
em
que in v a r ia v e lm e n t e ela é p r o d u z i d a e m a n t i d a .
A p r e sun ç ã o p ol ít ic a de te r d e h a v e r um a b a se un iv e r sa l
p a r a
o
f e m i n i s m o ,
a ser
e n c o n t r a d a n u m a i d e n t i d a d e
su-
p ost a m e n t e e x ist e n t e
em
d if e re n t es c u l t u r a s , a c o m p a n h a
frequentemente
a
ideia de que
a
op re ssã o d a s m u lh e r e s p os
su i um a for m a sin g ula r , d isc e r n ív e l n a e st r ut ur a un iv e r sa l
ou h e g e m ón ic a
da
d o m i n a ç ã o p a t r i a r c a l
ou
m a s c u l i n a .
A
n o ç ã o de um p a t ri a r c a d o u n i v e r s a l tem s i d o a m p l a m e n t e
c r it ic a d a em a n os r e c e n t e s, por seu fr a c a sso em e x p l i c a r
o s m e c a n i s m o s
da
op r e ssã o
de
g é n e r o
nos
c on t e x t os
c u l
t ur a is c on c r e t os e m que e la e x ist e . Ex a t a m e n t e on d e e sse s
v á r i o s c o n t e x t o s f o r a m c o n s u l t a d o s
por
e s s a s t e o r i a s ,
eles o f o r a m p a r a e n c o n t r a r e x e m p l o s ou i l u s t r a ç õ e s
de
um
p r in c íp io un iv e r sa l p r e ssup ost o d e sd e
o
p o n t o
de
p a r t i d a .
E s t a f o r m a
de
t e or iz a ç ã o fe m in ist a
foj
c r it ic a d a
p or se us e sfor ç os de c o l o n i z a r e se a p r o p r i a r de c u l t u r a s
n ã o o c i d e n t a i s , i n s t r u m e n t a l i z a n d o - a s p a r a c o n f i r m a r
n o ç õ e s m a r c a d a m e n t e o c i d e n t a i s de o p r e s s ã o , e t a m b é m
p or t e n d e r
a
c o n s t r u i r
um
T e r ce i r o M u n d o
ou
m e s m o
u m O r i e n t e em que a op r e ssã o de g é n e r o é sut i lm e n t e
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 6/30
PROBLEM S
DE
G É N E R O
e x p l i c a d a c o m o s i n t o m á t i ca de um b a r b a r is m o in t r ín s e c o
e não o c i d e n t a l . A ur g ê n c ia do f e m i n i s m o no s e n t id o de
c o n f e r i r um st tus u n i v e r s a l ao p a t r i a r c a d o , com v is t a s a
for t a le c e r a p a r ê n c ia de r e p r e s e n t a t iv id a d e das r e i v i n d i c a
ç õ e s
do
f e m i n i s m o , m o t i v o u o c a s i o n a l m e n t e
um
a t a l h o
n a
d i r e ç ã o
de
u m a u n i v e r s a l i d a d e c a t e g ó ri c a
ou
fictícia
da
e s t r u t u r a de d o m i n a ç ã o , t i d a c o m o r e s po n s á v el p e l a p r o
d u ç ã o da e x p e r iê n c ia c om um d e s ub j ug a ç ã o d a s m ulh e r e s .
E m b o r a a f i rm a r a existência de um p a t r ia r c a d o un iv e r
sa l não te n h a m a is a c r e d ib i l id a d e os t e n t a d a no p a s s a d o , a
n oç ã o d e um a c on c e p ç ã o g e n e r ic a m e n t e c om p a r t i lh a d a das
m ulh e r e s , c or olá r io d e s s a p e r s p e c t iv a ,
tem se
m os t r a d o
muito mais difícil de superar. É v e r d a d e , h ouv e m uit os d e b a
t e s : e x is t ir i a m t r a ç os c om u n s e n t r e as m u l h e r e s , p r e e x is
tentes à s ua op r e s s ã o, ou e s t a r ia m as m u l h e r e s l i ga d a s e m
virtude somente de sua opressão? Há uma especificidade das
c u l t u r a s das m ulh e r e s , in d e p e n d e n t e de sua s ub or d in a ç ã o
p e la s c ult ur a s m a s c u lin is t a s h e g e m ón ic a s? C a r a c t e r iz a m - s e
s e m p r e a especificidade e a integridade das práticas culturais
ou linguísticas
das
m u l h e r e s
por
op os iç ã o
e
p o r t a n t o ,
nos
t e r m o s de a l g u m a o u t r a fo r m a ç ã o c u l t u r a l d o m i n a n t e ?
E x i s t e u m a r e g iã o do e s p e c if ic a m e n t e fe m in in o , d i fe r e n
c i a d a do m a s c u l i n o c o m o tal e reconhecível em sua d ife
r e n ç a p or um a u n iv e r s a l id a d e indistinta e consequentemente
p r e s u m i d a d a s m u l h e r e s ? A n oç ã o b in á r ia d e m a s c ulin o/
fe m in in o c on s t it ui n ã o só a e s t r ut ur a e x c lus iv a e m q ue e s s a
e s p e c if ic id a d e p od e
ser
r e c o n h e c i d a ,
mas de
to d o m o d o
a
e s p e c i f i c i d a d e
do
f e m i n i n o
é
m a i s
uma vez
t ot a lm e n t e
d e s c on t e x t ua l iz a d a , a n a l ít ic a e p ol it ic a m e n t e s e p a r a d a da
c on s t it uiç ã o de c la s s e , r a ç a , e t n ia e outro s eixos de relações
d e p od e r , os q ua is t a n t o c on s t it ue m a i d e n t i d a d e c o m o
t o r n a m e q u í v o ca a n o ç ã o s i n g u l a r de identidade.'*
SUJEITOS DO S E X O G Ê N E R O D E S E J O
É m in h a s ug e s t ã o que as supostas universalidade e
u n i
d a d e do sujeito do f e m i n i s m o são de fato m in a d a s p e la s
restrições do d is c ur s o r e p r e s e n ta c ion a l em que f u n c i o n a m .
Çoin efeito, a insistência prematura num sujeito estável do
í e m i n i s m o , c o m p r e e n d i d o c o m o
uma
c a t e g or ia
una das
mulheres, gera, inevitavelmente, múltiplas recusas
a
a c e i
t a r e s s a c a t e g or ia . Es s e s d om ín ios de e x c lus ã o r e v e la m as
consequências coercitivas e r e g ula d or a s d e s s a c on s t r uç ã o,
m e s m o q u a n d o a c on s t r uç ã o é e la b or a d a com propósitos
emancipatórios. Não há d úv id a , a fr a g m e n t a ç ã o n o in t e r ior
d o fe m in is m o e a op os iç ã o p a r a d ox a l ao fe m in is m o — por
p a r t e de m u l h e r e s que o fe m in is m o a f ir m a r e p r e s e n t a r
— sugerem
os
limites necessários
da
política
da
identidade,
A sugestão
de que o
femin ismo pode busc ar representação
m a is a m p la p a r a um sujeito que ele próprio co nstrói gera a
consequência irónica de q ue os objetivos feministas correm
o r is c o de fracassar, justamente em fun ç ã o de sua r e c us a
a levar em c on t a os poderes constitutivos de suas próprias
reivindicações representacionais . Fazer apelos à categoria d as
m ulh e r e s ,
em nome de propósitos meramente estratégico s ,
não resolve nada, pois
as
estratégias semp re têm significados
que extrapolam os propósitos a q ue se d e s t in a m . N e s s e c a s o,
a própria exclusão pode restringir como tal um s ignificado
i ni ntenc i o nal , mas que tem consequências. Por s ua c on for
m a ç ã o às exigências da política representacional de que o
feminismo articule u m sujeito estável, o feminismo abre assim
a
g u a r d a
a
a c us a çõe s d e d e t ur p a ç ã o c a b a l
da
representação.
O b v i a m e n t e , a tarefa política não c r e c u s a r a política
r e p r e s e n t a c ion a l — c o m o se p ud é s s e m os fa z é - lo . As es-
t r ut ur a s j ur íd ic a s da l i n g u a g e m e da p ol ít ic a c on s t it ue m o
c a m p o c o n t e m p o r â n e o do p od e r ; c on s e q ue n t e m e n t e , não
h á p os iç ã o for a d e ss e c a m p o, m a s s om e n t e um a g e n e a log ia
3
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 7/30
PROBLEM S DE G É N E R O
crítica de sua s p róp ri a s p rá ti ca s de l eg i t im a ç ã o . A s s i m , o
p o n t o
de
p a rti da crí t i co
é o presente histórico
c o m o
de-
finiu
M a r x . E a ta re f a é j u s t a m e n t e f o r m u l a r , no i n te ri or
d es s a
e strutura con sti tuí da ,
uma
crítica
às
ca te g ori a s
de
i de n ti da de que as e s t r u t u r a s j u rí d i c a s c o n t e m p o r â n e a s
e n g e n d r a m , n a t u r a l i z a m
e
i m o b i l i z a m .
T a l v e z e xi sta ,
na
p re se n te con jun tura p ol í t i co- cul tura l ,
p e rí odo que a l g u n s c h a m a r i a m de p ó s - f e m i n i s t a , uma
oportu nidade de refletir a partir de uma perspectiva feminis
ta
sobre a exigência de se constru ir um sujeito do feminism o.
P a re ce n e ce ssá ri o re p e n sa r ra di ca l me n te as con struçõe s
on tol óg i ca s
de
identidade
na
prática política femin ista,
de
m o d o a f o r m u l a r uma p o l ít i c a r e p r e s e n t a c i o n a l c a p a z
de re n ov a r
o
f e mi n i smo e m outros te rmos.
Por
outro l a do,
é te mp o de e mp re e n de r uma crí t i ca ra di ca l , que b usque
l i ber t a r
a
te ori a f e mi n i sta
da
n e ce ssida de de con strui r um a
base única e p e rm a n e n te , i n v a ri a v e l me n te con te sta da p e l a s
p osi çõe s de identidade ou anti-identidade que o f e mi n i smo
i nva r i a velm ent e ex c l u i .
Será que
as
práticas excludentes que
b a s e i a m
a te ori a f e mi n i sta n uma n oçã o das m u l h e r e s
como suje i to sol a p a m, p a ra doxa l me n te , os objetivos femi
nistas
de a mp l i a r sua s re i v in di ca çõe s de re p re se n ta çã o ?^
P ode ser que o problema seja ainda mais sério. Seria a
const rução d a categoria das mulheres como sujeito coerente
e estável um a regulação e reificação inconsciente das relações
de género?
E não
seria essa reificação precisam ente
o
c o n
trário dos objetivos feministas? E m que me di da a categoria
da s mulheres só alcança estabilidade e coerência no co ntexto
da
ma tri z h e te rosse xua l?*
Se a
noção estável
de
género
dá
mostra s de n ã o m a i s se rv i r como p re mi ssa b ási ca da política
feminista,
talvez um novo tipo de política feminista seja
ago-
ra
desejável para con testar as próprias reificações do género
4
SUJEITOS DO
S E X O G Ê N E R O D E S E J O
e
da
identidade
—
isto
é uma
política fem inista
que
tome
a
construção variável da identidade como um pré-requisito
metodológico e norm ativo, senão com o u m objetivo político.
D e t e r m i n a r as
operações políticas que produ zem
e
o c u l
ta m o
q ue
se
qualifica como sujeito jurídico
do
f e mi n i smo
é
precisamente
a
tarefa
da
gene logi
feminista
da
categoria
da s mul h e re s. N o de curso de sse e sf orço de que sti on a r a
n oçã o de m u l h e r e s c o m o su j ei to do f e m i n i s m o , a i n v o
c a ç ã o não p rob l e ma ti za da de ssa ca te g ori a p ode impedir a
possibil idade do f e mi n i smo com o p ol ít i ca re p re se n ta ci on a l .
Q u a l o sentido de estender a representação a sujeitos cuja
constituição
se dá
me di a n te
a
exclusão daqueles que não
se
c o n f o r m a m
às
e xi g ê n ci a s n orma ti v a s
não
e xp l i ci ta da s
do
sujeito?
Q ue re l açõe s de d o m i n a ç ã o e e xcl usã o se a f i r m a m
n ã o i n te n ci on a l me n te qua n do a representação se t o r n a o
ún i co foco da política? A identidade do sujeito feminista
n ão deve s er o f un da me n to da política feminista, pois a for
m a ç ã o do sujeito ocorre no interior de u m c a m p o de poder
sistematicamente
encoberto pela afirmação desse fundam en
to. T a l v e z, p a ra doxa l me n te ,
a
ideia
de
re p re se n ta çã o
só
v e n h a
re a l me n te
a
fazer sentido para
o
f e mi n i smo qua n do
o suje ito m ul h e re s não for p r e s u m i d o em p a rte a l g um a .
A orde m comp ul sóri a
do
se xo/ g ê n e ro/ de se jo
E m b o r a a u n i d a d e não p r o b l e m a t i z a d a da n o ç ã o de m u
l h e r e s se ja f re que n te me n te i n v oca da p a ra con strui r uma
s o l i d a r i ed a d e da i de n ti da de , uma di v i sã o se i n t r o d u z no
sujeito
f e mi n i sta p or me i o
da
distinção entre sexo
e
género.
C o n c e b i d a
ori g i n a l me n te p a ra que sti on a r a f ormul a çã o de
qu e a b i ol og i a é o d e s t i n o , a di sti n çã o e n tre se xo e g é n e ro
S
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 8/30
PROBLEM S DE
G É N E R O
aten d e
à
tese
de
q u e ,
por
m a i s q u e
o
s exo pareç a i n tratável
c m term o s bi o l ó g i co s ,
o
g én ero
é
c u l t u r a l m e n t e c o n s t r u í
d o : c o n s e q u e n t e m e n t e ,
não é nem o
r e s u l t a d o c a u s a l
do
s e x o
nem
t a m p o u c o
tão
a p a r e n t e m e n t e f ix o q u a n t o
o s e x o . A s s i m ,
a
u n i d a d e
do
sujeito
já é
p o t e n c i a l m e n t e
co n tes tad a pel a d i s t i n ção que abre es paço ao g én e r o c o m o
i n terpretação m úl ti pl a
do
sexo.^
Se
o
g én ero s ão
os
s i g n if i cad o s cul tu rai s as s um i d o s pel o
c o r p o s e x u a d o ,
não se
p o d e d i z e r
que ele
d e c o r r a
de um
s exo d es ta
ou
d a q u e la m a n e i r a . L e v a d a
a
s eu l i m i te l ó g i co ,
a
distinção sexo/género sugere uma descontinuidade radical
entre
c o r p o s s e x u a d o s
e
g én ero s cul tural m en te co n s truí
d o s . S u p o n d o
por um
m o m e n t o
a
e s t a b i l i d a d e
do
s exo
bi n ári o ,
não
d eco rre
daí que a
c o n s t r u ç ã o
de
h o m e n s
s e apl i que excl us i v am en te
a
c o r p o s m a s c u l i n o s ,
ou que o
t e r m o m u l h e r e s i n t e rp r e t e s o m e n t e c o r p o s f e m i n in o s .
A l é m d i s s o , m e s m o
que os
s exo s pareçam
não
p r o b l e m a -
ti cam en te bi n ári o s
em sua
m o rf o l o g i a
e
co n s ti tui ção
(ao
que s erá ques ti o n ad o ) ,
não há
r a z ã o p a r a s u p o r
que os
g é n e r o s t a m b é m d e v a m p e r m a n e c e r em n ú m e r o de dois.*
A hipótese
de um
s i s tem a b i n ári o
dos
g én ero s en cerra i m
pl i ci tam en te
a
cren ça n um a rel ação m i m éti ca en tre g én ero
e s e x o ,
na
q u a l
o
género reflete
o
s exo
ou é por
ele restrito.
Q u a n d o
o
status co n s truí d o
do
g én ero
é
teo ri zad o co m o
rad i cal m en te i n d epen d en te
do
s e x o ,
o
pró pri o g én ero
se
t o r n a um
artifício flutu ante,
com a
co n s equên ci a
de que
homem
e
masculino
po d em , co m i g ual f aci l i d ad e, s i g n if i car
t a n t o u m c o r p o f e m i n i n o c o m o um m a s c u l i n o , e
mulher
e
feminino
tan to
um
c o r p o m a s c u l i n o c o m o
um
f em i n i n o .
E s s a ci s ão r a di c a l do sujeito tomado em seu género levan
ta
o utro co n jun to
de
pro bl em as . P o d em o s ref er i r -n o s
a um
d a d o s exo o u um d a d o g én ero , s em pri m e i ro i n v es tig ar
6
SUJEITOS
DO
S E X O G É N E R O D E S E J O
c o m o
são
d a d o s
o
sexo e/ou
o
g én ero
e por
que m ei o s ?
E o
que é, a f i n a l ,
o
s e x o ?
É
e le n a t u r a l , an ató m i co , cro m o s s ô -
m i c o
ou
h o r m o n a l ,
e
co m o d ev e
a
cr í t i ca f em i n i s ta av al i ar
os discursos científicos
que
al eg am es tabelecer tai s f ato s
para
nós?^ T e r i a
o
s exo um a h i s tó ri a? * Pos s u i r i a cad a s exo
u m a
história
ou
histórias diferentes? Ha ver ia uma história
de como se estabeleceu a d ual i d ad e do s exo , um a g en eal o g ia
c a p a z
de
e x p o r
as
o pçõ es bi n ári as co m o
uma
co n s trução
v ari áv el ? S er i am
os
f atos o s ten s i v am en te n aturai s
do
s exo
pro d uzi d o s d i s curs i v am en te po r v ár i o s d i s curs o s ci en tí fi co s
a serviço de outros interesses políticos e sociais?
Se o
caráter
imutável
do
s exo
é
contestável, talvez
o
pró pri o co n s truto
ch am ad o s e xo s eja tão cul tural m e n te co n s truí d o quan to
o género;
a
rigor, talvez
o
s exo s em pre ten h a s i d o
o
g én ero ,
de tal f o r m a que a distinção entre sexo e género revela-se
abs o l utam en te n u l a .
Se
o
s exo
é, ele
p r ó p r i o , u m a c a t e g o r i a t o m a d a
em
seu
g én ero , não faz s en ti d o d ef i n i r o g é n e r o c o m o a i n t e r p r e
t a ç ã o c u l t u r a l
do
s e x o .
O
g én ero
não
deve
ser
m e r a m e n t e
c o n c e b i d o c o m o
a
i n s cr i ção c u l t u r a l
de
s i g n i f i cad o
num
s exo prev i am en te d ad o (um a co n cepção jur í d i ca) ;
tem de
d e s i g n a r t a m b é m
o
a p a r a t o m e s m o
de
pro d uç ão m ed i an te
o q u a l
os
pró pri o s s exo s
são
e s t a b e l e c i d o s . R e s u l t a
daí
qu e
o
g én ero
não
es tá par a
a
c u l t u r a c o m o
o
s e x o p a r a
a
n atureza;
el e tam bém
é o
m ei o
discursivo/cultural
pel o qual
a n a t u r e z a s e x u a d a ou um s e x o
n a t u r a l
é p r o d u z i d o
e e s t a b e le c i d o c o m o p r é - d i s c u r s i v o , a n t e r i o r
à
c u l t u r a ,
um a s uperfí ci e po l i t i cam en te n eutra
sobre
qu l
age a
c u l t u r a . E s s a c o n c e p ç ã o
do
s e x o c o m o r a d i c a l m e n t e
n ão co n s truí d o s erá n o v am en te o bjeto
de
n o s s o i n teres s e
n a d i s c u s s ã o s o b r e L é v i - S t r a u s s
e o
e s t r u t u r a l i s m o ,
no
capí tul o
2. Na
c o n j u n t u r a a t u a l ,
já
es tá cl aro que co l o ca r
a
7
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 9/30
PROBLEM S DE G É N E R O
d u a l i d a d e do sexo n um d om í n i o p ré - d i scursi v o é u m a das
m a n e i r a s
p el as quai s a estab i l i d ad e i n tern a e a e s t r u t u r a
b i n á ri a do s e x o são e f i c az m e n t e a s s e g u r a d a s .
E s s a
p r o d u
ç ã o do sexo
como
p ré - d i scursi v o deve ser c o m p r e e n d i d a
como ef ei to
do
a p a r a t o
de
c o n s t r u ç ã o c u l t u r a l
que
d esi g
n a m o s
por
género.
A s s i m , c o m o
deve
a
n o ç ã o
de
g é n ero
se r r e f o r m u l a d a , p a r a a b r a n g e r
as
rel ações
de
p o d e r
que
p r o d u z e m
o efeito de um sexo p ré - d i scursi v o e o c u l t a m ,
d e s s e m o d o , a p róp ri a op eraçã o da p rod uçã o d i scursi v a. '
G é n e r o :
as
ruínas circulares
do
d e b a t e c o n t e m p o r â n e o
H a v e r á u m g é ne r o q u e as p essoas
possuem
con f orme se
d i z , ou é o género um atr i b uto essen ci al do q ue se diz que a
p essoa
é
c o m o i m p l i c a
a
p erg un ta
Q u a l
é o
seu g é n ero?
Q u a n d o teóri cas f emi n i stas af i rmam
que o
género
é uma
interpretação c u lt u r a l do sexo, ou que
o
género é construído
c u lt u r a lm e nt e ,
q u a l é o m o d o o u m e c a n i s m o d e s sa c o n s t r u
çã o? Se o género é construído, po deria sé-lo diferentemente,
o u sua característica de construção implica al g uma f orma de
de t e r m i ni s m o
soci al que excl ui a possibilidade de agência ou
tran sf ormaçã o? Porv en tura
a
n oçã o d e con st ruçã o sug ere
que certas leis geram diferenças de género em conformidade
c o m ei xos un i v ersai s
da
d i f erença sexua l ? C om o
e
on d e
ocorre
a
con struçã o
do
género?
Que
juízo pode mos fazer
de uma con struçã o que não p od e p resum i r um construtor
human o an teri or a ela mesma? Em al g umas exp l i cações, a
ideia de que o género é construído sugere certo determ inismo
de significados do género, inscritos em corp os an atomi camen
te d i f eren ci ad os, send o esses corp os comp reen d i d os como
recipientes passivos de um a le i cultural i n exorá v el. Q uan d o
a
«
SUJEITOS DO S E X O G É N E R O D E S E J O
c u l t u r a rel evan te que con str ói
o
g é n ero é comp reen d i d a
n os termos d essa l ei ou con jun to de
leis,
tem-se a impressão
de que o g é n ero é tão d e t e r m i n a d o e tão fixo quanto na
f ormul açã o de que a biologia é o d esti n o. N esse caso, não
a
b i ol og i a, mas a c u l t u r a se t o r n a o destino.
P or
outro l ad o, S i mon e
de
B eauv oi r sug ere, em
O
segun-
do sexo
que
N i n g u é m n a s c e m u l h e r : t o r n a - se m u l h e r . ' ^
Pa r a
B e a u v o i r , o g é n ero é c o n s t r u í d o , m a s há um agente
i m p l i c a d o
em sua f o r m u l a ç ã o , um
cogito
que de a l g u m
m o d o a s s u m e
ou se
ap rop ri a d esse g é n ero, p od en d o,
em
p ri n cí p i o, assumi r al g um outro. É o g é n ero tão variável e
v ol i t i v o quan to p arece sug eri r
a
exp l i caçã o
de
B eauv oi r?
Pode, nesse caso, a n oçã o de c o n s t r u ç ã o r e d u z i r - s e a u m a
f orma d e escol ha? B eauv o i r d i z cl aramen te que al g ué m se
t o r n a
m u l h e r , mas semp re sob uma c o m p u l s ã o
c u lt u r a l
a
fazé-lo.
E tal
comp ul sã o cl aram en te
não
ve m
do
s e x o .
N ã o há n ad a em sua exp l i caçã o que g aran ta que
o
s e r
que
se torn a mul her seja n ecessari ame n te f ê mea. Se, como af i r
m a e l a ,
o
c o r p o
é
u m a s i t u a ç ã o , ' -
não há
como recorrer
a
um corp o que já não ten ha s i d o semp re i n terp retad o por
mei o de s i g n i f i cad os cul turai s ; con sequen temen te, o sexo
n ã o p od eri a qual i f i car- se como um a f acti cid ad e a n atómi ca
p ré - d i scursi v a. Sem d úv i d a, será semp re ap resen tad o, por
definição, como tendo sido género desde
o
começo. ' ' '
A controvérsia sobre o s i g n i f i cad o de
construção
pa-
rece b asear- se na p ol ari d ad e f il osóf ica con v e n ci on a l en tre
l i v re- arb í tr i o e d e t e r m i n i s m o . E m c o n s e q u ê n c i a ,
seria
r a z o á v e l s u s p e i t a r que a l g u m a s r e s t r i ç õ e s l i n g u í s t ic a s
c o m u n s ao
p e n s a m e n t o ta n t o f o r m a m c o m o l i m i t a m
os
termos do d eb ate. Nos l i mi tes d esses termos, o c o r p o
a p a r e ce c o m o
um
mei o p assi v o sob re
o
q u a l
se
i n s c r e v e m
si g n i f i cad os cul turai s , ou e n t ão c o m o o i n strumen to p el o
9
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 10/30
PROBLEM S DE G É N E R O
q u a l
u m a v o n t a d e de a p r o p r i a ç ã o ou i n terpretação d eter-
m i n a o s i g n i f i c a d o c u l t u r a l por si m e s m a . E m a m b o s os
c a s o s ,
o
c o r p o
é
r e p re s e n t a d o c o m o u m m e r o
instrumento
o u m io
c o m
o
q u a l u m c o n j u n t o
de
s i g n i f i cad o s culturai s
é a p e n a s e x t e r n a m e n t e r e l a c i o n a d o . Mas o c o r p o é em
si m e s m o uma c o n s t r u ç ã o , a s s i m c o m o o é a m i r í ad e de
c o r p o s q u e c o n s t i t u i
o
d o m í n i o d o s s ujeito s co m m a rca s
d e g én ero . Não se p o d e d i z e r que os c o r p o s t e n h a m uma
exi s tên ci a s i g n i f i cáv el an teri o r à m a r c a do seu g én ero ; e
em erg e en tão a q u e s t ã o : em que m e d i d a p o d e o c o r p o
vir
a existir
n a(s ) m arc a(s )
do
g én ero
e por
m e i o d e la s ? C o m o
c o n c e b e r n o v a m e n t e
o
c o r p o , n ã o m a i s c o m o u m m e i o
ou
i n s trum en to pas s i v o à es pera da c a p a c i d a d e v i v i fi c a d o r a
de uma v o n t a d e c a r a c t e r i st i c a m e n t e i m a t e r i a l ?
Se
o
g én ero
ou o
s exo
são
fixos
ou
l i v r e s ,
é
f u n ç ã o
de
u m
d i s c u r s o que c o m o se irá s ug eri r , bus ca es tabelecer
c e r t o s l i m i t e s
à
an ál i s e
ou
s a l v a g u a r d a r c e r t o s
dogmas
d o h u m a n i s m o c o m o um pres s upo s to de q u a l q u e r a n á l i -
se do g én ero . O
locus
de i n t r a t a b i l i d a d e , ta n t o na n o ç ã o
d e s e x o c o m o na de g é n e r o , bem c o m o no pró pri o
s i g n i f i cad o da n o ç ã o de co n s tru ção , f o rn ece i n d icaçõ es
s o bre
as
p o s s i b i l i d a d e s c u l t u r a i s
que
p o d e m
e não
p o d e m
se r
m o b i l i z a d a s p o r m e i o
de
qua i s quer an ál i s es po s ter i o res .
O s l i m i t e s da a n á l i s e d i s c u r s i v a do g én ero pres s upõ em e
definem por a n t e c i p a ç ã o as p o s s i b i l id a d e s das c o n f i g u r a -
çõ es i m ag i n áv ei s e real i záv ei s do g én ero na c u l t u r a . I s s o
n ão qu er d i zer que to d a
e
qualqu er po s s i bi l i d ad e d e g én ero
seja
f a c u l t a d a , m a s q u e as f ro n tei ras an a l í t i cas s ug erem os
l i mi t e s
de
u m a e x p e r i ê n c ia d i s c u r s iv a m e n t e c o n d i c i o n a d a .
T a i s
l i m i t e s
se
es tabelecem s em pre
nos
t e r m o s
de um
d i s -
c u r s o
c u l t u r a l
h eg em ó n i co , bas ead o em es truturas bi n ári as
q u e se a p r e s e n t a m c o m o a l i n g u a g e m da r a c i o n a l i d a d e
3
SUJEITOS DO
S E X O G Ê N E R O D E S E J O
u n i v e r s a l . A s s i m , a c o e r ç ã o é i n t r o d u z i d a n a q u i l o que a
l i n g uag em co n s ti tui co m o
o
d o m í n i o i m ag i n áv el
do
género.
E m b o r a os c i en ti s tas s o ci ai s se ref i ram ao g é n e ro c o m o um
f a t o r ou d i m e n s ã o da an ál i s e, e le tam bém é a p l i c a d o
a p e ss o a s r e a is c o m o u m a m a r c a de d if eren ça bi o ló g i ca,
l i n g uí s t i ca
e/ou
c u l t u r a l . N e s t e s ú l t im o s c a s o s ,
o
g én ero
po d e s er co m preen d i d o co m o um s i g n i f i cad o as s um i d o por
u m co rpo ( já) d i f eren ci ad o s exualm en te; co n tud o , m es m o
a s s i m es s e s i g n i f i cad o
só
exi s te
m relação a
o utro s i g n i -
f icad o o po s to . A lg um as teó ri cas f em i n i s ta s af i rm am
ser
o g é n e r o u m a r e l a ç ã o , a l i á s um c o n j u n t o de relaçõ es , e
n ã o u m a t r i b u t o i n di v i du a l . O u t r a s , na s e n d a de B e a u v o i r ,
a r g u m e n t a m que s o m en te o g én ero f em i n i n o é m a r c a d o ,
q u e a p e s s o a u n i v e r s a l e o g é ne r o m a s c u l i n o se f u n d e m e m
u m só g én ero , d ef i n i n d o co m i s s o as m ulh eres n o s term o s
d o s exo d eles
e
en altecen d o
os
h o m e n s c o m o p o r t a d o r e s
d e u m a p e s s o a l i d a d e u n i v e r s a l
que
t r a n s c e n d e
o
co rpo .
N u m m o v i m e n t o qu e c o m p l i c a a i n d a m a i s a d i s cus s ão ,
L u c e I r i g a r a y a r g u m e n t a que as m u l h e r e s c o n s t it u e m um
p a r a d o x o , se não uma c o n t r a d i ç ã o , no seio do pró pri o
d i s c u r s o da i d en ti d ad e. As m u l h e r e s sã o o s e x o q u e não
é u n o . N u m a l i n g u a g e m d i f u sa m e n t e m a s c u l i n i s t a , u m a
l i n g u a g e m f a l o c é n tr i c a ,
as
m u l h e r e s c o n s t i t u e m
o irrepre
sentável. E m
o u t r a s p a l a v r a s ,
as
m u l h e r e s r e p r e s e n t a m
o
s exo que n ão po d e s er pen s ad o , um a aus ên ci a e o p a c i d a d e
l i n g u ís t i ca s . N u m a l i n g u a g e m q u e r e p o u s a
na
significação
u n í v o c a , o s exo f em i n i n o co n s ti tu i aq ui lo que n ão s e po d e
res tr i n g i r nem d es i g n ar . Nes s e s en ti d o , as m u l h e r e s são
o s exo que não é u n o , mas m últ i plo . '* E m o p o s i ç ã o a
B e a u v o i r , p a r a q u e m as m u l h e r e s são d e s i g n a d a s c o m o
o O u t r o , I r i g a r a y a r g u m e n t a
que
t a n t o
o
s ujei to co m o
o
31
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 11/30
PROBLEM S
DE
G Ê N E R O
O u t r o s ã o os esteios de um a e c on om i a s i gn i f i c a n t e fa loc é n
t r i c a e f e c h a d a , que a t i n ge s e u ob j e t i v o t ot a l i z a n t e por via
da c om p le t a e x c lus ã o
do
f e m i n i n o . P a r a B e a u v o i r ,
as
m u
lheres são o
negativo
dos h om e n s , a falt a e m c on fr on t o c om
a q u a l a i d e n t id a d e m a s c u l i n a se di fe r e n c i a ; p a r a I r i ga r a y ,
e s s a di a lé t i c a p a r t i c ula r c on s t i t ui um s i s t e m a que e x c lui
um a e c on om i a s i gn i f i c a n t e i n t e i r a m e n t e di fe r e n t e .
Não só
a s m ulh e r e s são fa ls a m e n t e r e p r e s e n t a da s na p e r s p e c t i v a
s a r t r i a n a do s uj e i t o-s i gn i f i c a dor e do O u t r o - s i g n i f i c a d o ,
c o m o a fa ls i da de da s i gn i f i c a ç ã o s a l i e n t a a i n a de q ua ç ã o
de t oda
a
e s t r u t u r a
da
r e p r e s e n t a ç ão. As s i m ,
o sexo que
n ã o é u n o p r o p i c i a um p on t o de p a r t i d a p a r a a crítica das
r e p r e s e n t a ç õe s oc i de n t a i s h e ge m ón i c a s e da m e t a fí s i ca da
s ub s t â n c i a que e s t r u t u r a a p r óp r i a n oç ã o de sujeito.
O qu e é a metafísica da s ub s t â n c i a , e c om o e la i n for m a
o p e n s a m e n t o s o b r e as c a t e gor i a s de s e x o ? E m p r i m e i
r o luga r ,
as
c o n c e p ç õ e s h u m a n i s t a s
do
sujeito tendem
a
p r e s u m i r uma p e s s o a s u b s t a n t i v a , p o r t a d o r a de v á r i os
a t r i b ut os e s s e n c i a i s e não e s s e n c i a i s . A p os i ç ã o fe m i n i s t a
h u m a n i s t a c o m p r e e n d e r ia o gé n e r o c om o um atributo da
p e s s oa , c a r a c t e r i z a da e s s e n c i a lm e n t e c om o um a s ub s t â n ci a
o u
um n ú c l e o de gé n e r o p r e e s t a b e le c i do, de n o m i n a d o
p e s s o a , que d e n o t a uma c a p a c i d a d e u n i v e r s a l de r a z ã o,
m o r a l ,
d e l i b e r a ç ã o m o r a l
ou
l i n g u a g e m . C o m o p o n t o
de p a r t i da de uma t e or i a s oc i a l do gé n e r o, e n t r e t a n t o, a
c o n c e p ç ã o u n i v e r s a l da p e s s oa é de s loc a da p e la s p os i ç õe s
históricas
ou
a n t r op ológi c a s
que
c o m p r e e n d e m
o
género
c o m o u m a relação entre sujeitos socialm ente constituíd os,
em contextos especificáveis. Es te ponto de v i s t a r e la c i on a l
o u
c on t e x t ua l s uge r e q ue o q ue a p e s s oa é — e a r i gor , o
qu e o gé n e ro é — refere-se sempre às relações construídas
em que ela
é
de t e r m i n a da . '^ C o m o fe n óm e n o i n c on s t a n t e
e
SUJEITOS DO
S E X O / G Ê N E R O / D E S E J O
c o n t e x t u a l ,
o
gé n e r o
não
d e n o t a
um ser
s ub s t a n t i v o,
mas
u m ponto relativo de c on v e r gê n c i a e n t r e c on j un t os e s p e c í
f i c os de r e la ç õe s , c ult ur a l e h i s t or i c a m e n t e c on v e r ge n t e s .
I r i ga r a y a f i r m a r i a , no e n t a n t o, que o s e x o f e m i n i n o é
um
ponto de
ausência
linguística, a i m p os s i b i l i da de de u m a
s ub s tâ n c ia gr a m a t i c a lm e n t e de n ot a da e, consequentemente,
o ponto de vista que expõe essa substância como uma i lusão
p e r m a n e n t e
e
fun da n t e
de um
d i s cu r s o m a s c u l i n i s t a .
E s s a
ausência não é m a r c a d a c o m o t a l na e c on om i a s i gn i f i ca n t e
m a s c u l i n i s t a
— a f i r m a ç ã o q ue se c on t r a p õe ao a r g u m e n t o
de Beauvoir (e de Wittig) de que o sexo fe m i n i n o é m a r c a d o ,
ao passo que o m a s c u l in o não o é. P a r a I r i ga r a y , o
sexo
fe m i n i n o não é uma f a l t a ou um O u t r o que define o
sujeito negativa e im a n e n t e m e n t e e m s ua m a s c uli n i d a de . Ao
contrário,
o sexo
fe m i n i n o s e fur ta
às
próprias exigências
da
representação, pois ela não é ne m o O u t r o n e m a f a l t a ,
categorias que p e r m a n e c e m r e la t i va s no s uj ei t o s a r t r i a n o,
imanentes a esse esquema falocêntrico. Assim, para Irigaray,
o fe m i n i n o j a m a i s p ode r i a s e r a m rc de um
sujeito
c o m o
s uge r i r i a B e a uv oi r . Alé m di s s o, o fe m i n i n o n ã o p ode r i a ser
t e or i z a do em t e r m os de uma
relação
de t e r m i n a d a e n t r e o
m a s c u l i n o
e o f e m i n i n o em q ua lq ue r di s c ur s o d a do, p oi s
a n oç ã o de di s c ur s o n ã o c r e le va n t e a q ui . M e s m o t om a do s
em
sua
v a r i e d a d e ,
os
d i s c u r s o s c o n s t i t u e m m o d a l i d a d e s
da linguagem falocéntrica. O
sexo
f e m i n i n o é, p or t a n t o,
t a m b é m o
sujeito
que não é u n o . A r e la ç ã o e n t r e m a s c uli
no e fe m i n i n o não
pode
ser r e p r e s e n t ada n u m a e c on om i a
significante em que
o
m a s c uli n o c on s t i t ua
o
círculo fechado
do significante e do s i gn i f i c ado. P a r a dox a lm e n t e , B e a uv oi r
p r e fi gur ou e s s a i m p os s i b i l i da de em O segundo
sexo
ao
a r gum e n t a r q ue os h om e n s n ã o p odi a m r e s olve r a questão
da s m ulh e r e s p or q ue , n e s s e c a s o, e s t a r i a m a gi n do c om o
juízes
e
com o partes intere ssadas. '*
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 12/30
PROBLEM S DE G É N E R O
As di s t i n ç õe s e x i s t e n t es e n t r e a s p os i ç õe s a c i m a m e n c i o
nadas estão longe de ser n í t i da s , p ode n do c a da uma delas
s e r c om p r e e n di da c om o a p r ob le m a t i z a ç ã o da loc a l i z a ç ã o
e do s i gn i f i c a do do s u j e i t o e do g é n e r o no c on t e x t o
de uma a s s i m e t r i a de gé n e r o s oc i a lm e n t e i n s t i t u í da . As
p os s i b i l i da de s i n t e r p r e t at i v a s do c on c e i t o de género não se
e x a u r e m a b s olu t a m e n t e n a s a lt e r n a t i v a s a c i m a s u ge r i da s.
A
circularidade problemática da investigação feminista sobre o
gé n e r o é s u b li n h a da p e la p r e se n ç a , p or u m la do, de p os i ç õe s
que pressupõem ser o gé n e r o u m a c a r ac t e r í s ti c a s e c u n dá r i a
da s p e s s oa s , e p or ou t r o , de p os i ç õe s q u e a r gu m e n t a m s e r a
p r óp r i a n oç ã o de p e s s oa , p os i c i on a da na l i n g u a g e m c o m o
s u j e i t o , u m a c on s t r u ç ã o m a s c u li n i s t a e u m a p r e r r oga t i v a
que exclui efetivamente
a
p os s i b i l i da de s e m â n t i c a
e
e s t r u t u
ra l
de u m gé n e r o fe m i n i n o. E s s a s di s c or dâ n c i a s t ã o
agudas
sobre o significado do géne ro (se
género
é de fato o t e r m o a
s e r di s c u t i do, ou se a c on s t r u ç ã o di s c u r s i v a do
sexo
é m a i s
f u n d a m e n t a l , ou talvez a n o ç ã o de
mulheres
ou mulh r e/
o u
de hom ns ou
homem
estabelecem a necessidade de re
pensar radicalmente as categorias da identidade no contexto
das relações de u m a a s s i m e t r i a r a di c a l do género.
P a r a B e a u v o i r , o s u j e i t o , na a n a lí t i c a e x i s t e n c i a l da
m i s o g i n i a ,
é sempre já m a s c u li n o, fu n di do c om o u n i v e r s a l ,
diferenciando-se de um O u t r o fe m i n i n o q u e e s tá for a das
n or m a s u n i v e r s a l i z a n t e s
que
constituem
a
c on di ç ã o
de
p e s
soa, inexoravelmente part icul ar , corporificado e condenado
^ T m à h é h c i a . E m b o r a se veja frequentemente em B e a u v o i r
u m a de fe n s or a
do
di r e i t o
de as
m u l h e r e s
se
t o r n a r e m
de
fato s u j e i t os e x i s t e n c i a i s e p o r t a n t o , de serem incluídas
n os t e r m os de uma u n i v e r s a l i da de a b s t r a t a , sua p os i ç ã o
t a m b é m i m p li c a u m a c r í ti c a fu n da m e n t a l à p róp r i a de s c or -
p or i f i c a ç ã o do s u j e it o e p i s t e m ológic o m a s c u li n o a b s t r a t o.
Esse sujeito é a b s t r a t o na m e d i d a em q u e r e p u di a s u a c o r -
4
SUJEITOS DO S E X O G É N E R O D E S E J O
p o r i f i c a ç ã o s o c i a l m e n t e m a r c a d a e em que a lé m di s s o,
p r oj e t a e s s a c or p or i f i c a ç ã o r e n e ga da e de s a c r e di t a da na
e s fe r a fe m i n i n a , r e n om e a n do e fe t i v a m e n t e o c o r p o c o m o
f e m i n i n o .
E s s a
a s s oc i a ç ã o
do
c o r p o
com o
f e m i n i n o f u n
c i o n a por r e la ç õe s m á g i c a s de r e c i p r oc i da de , m e di a n t e as
q u a i s o s e x o f e m i n i n o se t or n a r e s t r i to a seu c o r p o , e o
c o r p o m a s c u l i n o , p l e n a m e n t e r e n eg a d o , t o r n a - s e , p a r a
d o x a l m e n t e , o i n s t r u m e n t o i n c o r p ó r e o de uma l i b e r da de
o s t e n s i v a m e n t e r a d i c a l . A a n á li s e de B e a u v o i r l e v a n t a
i m p l i c i t a m e n t e a q u e s t ã o: m e d i a n t e que ato de n e ga ç ã o
e r e n e ga ç ã o p os a o m a s c u l i n o c o m o uma u n i v e r s a l i da de
de s c or p or i f i c a da e é o f e m i n i n o c o n s t ru í d o c o m o u m a c o r
p or a li da de r e n e ga da ?
A
di a lé t i c a
do
s e n h o r
e do
e s c r a v o,
a q u i p le n a m e n t e r e for m u la da nos t e r m os não r e c í p r oc os
da a s s i m e t r i a do gé n e r o, p r e fi gu r a o que I r i ga r a y de s c r e
v e r i a m a i s t a r de c om o a e c o n o m i a s i g n if i c an t e m a s c u l i n a ,
a q u a l i n cl u i t a n t o o s u j e i t o e x i s t e n c i a l c om o o s e u O u t r o.
B e a u v oi r p r op õe q u e o c o r p o f e m i n i n o deve se r a s i t u a
çã o
e o
i n s t r u m e n t o
da
l i b e r da de
da
m u l h e r ,
e não
u m a
es-
sência definidora e l i m i t a d o r a .^ A t e or i a da c or p or i f i c a ç ã o
q u e i m p r e gn a a a n á li s e de B e a u v o i r é c la r a m e n t e l i m i t a da
p e la r e p r odu ç ã o a c r í t i c a da d i s t in ç ã o c a r t e s i a n a e n t r e
l i b e r da de e c o r p o . A p e s a r de m e u s p r óp r i os e s forç os a n t e
riores
de a r g u m e n t a r o c on t r á r i o, f i c a c la r o que B e a u v oi r
m a n t é m o du a li s m o m e n t e /c or p o, m e s m o q u a n do p r op õe
uma síntese desses termos.^'
A
p r e s e r v a ç ã o de s s a di s t i n ç ã o
p ode ser l i d a c om o s i n t om á t i c a do p r óp r i o fa loc e n t r i s m o
q u e B e a u v oi r s u b e s t i m a .
Na
tradição fi losófica
que se
i ni
ci a em P la t ã o e c o n t i n u a em D e s c a r t e s , H u s s e r l e Sa r t r e ,
a di s t i n ç ã o on t ológi c a e n t r e c or p o e a lm a ( c on s c i ê n c i a ,
mente) sustenta, invariavelmente, relações de subordinação
e h i e r a r q u i a p olí t i c a s e p s í q u i c a s . A m e n t e não só subjuga
o c o r p o , mas n u t r e o c a s i o n a l m e n t e a fa n t a s i a de fugir
U
• S
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 13/30
PROBLEM S
DE
G É N E R O
c o m p l e t a m e n t e à c o r p o r if ic a ç ã o . As a sso c ia ç õ e s c u lt ur a is
entre mente e m a s c u l i n i d a d e , p o r u m l a d o , e c o r p o e f e m i
n i l id a d e ,
p o r o ut r o , sã o b e m d o c um e n t a d a s n o s c a m p o s d a
filosofia e do f e m i n i s m o . R e s u l t a q u e q u a l q u e r r ep r o d u
ção acrítica
da
d ist in ç ã o c o r p o /m e n t e
deve ser
r e p e n sa d a
e m t e r m o s da h i e r a r q u i a de g é n e r o que e ssa d ist in ç ã o t e m
c o n v e n c i o n a l m e n t e p r o d u z i d o , m a n t i d o e r a c i o n a l i z a d o .
A co n s t r u ç ã o d i s c u r s i v a d o c o r p o e sua se p a r a ç ã o do
e st a d o de l i b e r d a d e , e m B e a u v o i r , n ã o co n s e g u e m a r c a r
n o e i x o do g é n e r o a p r ó p r ia d ist in ç ã o c o r p o /m e n t e que
d e v e r ia e sc la r e c e r a p e rsist ê n cia d a a ssim e t r ia d o s g é n e r o s.
O f i c i a l m e n t e ,
B e a uv o ir a sse v e r a
que o
c o r p o f e m i n i n o
é
m a r c a d o n o in t e r io r do d i s c u r s o m a s c u l i n i s t a , pe l o q u a l o
c o r p o m a s c u l i n o , e m s u a f u s ão c o m o u n i v e r s a l , p e r m a n e
ce não m a r c a d o . I r ig a r a y sug e r e c la r a m e n t e que t a n t o o
m a r c a d o r c o m o o m a r c a d o sã o m a n t id o s n o in t e r io r d e um
m o d o m a s c u l i n i s t a
de
s ig n if ic a ç ã o ,
no
q u a l
o
c o r p o f e m i
n i n o é c o m o que s e p a r a d o do d o m í n i o do significável.
E m t e r m o s p ó s- h e g e l ia n o s,
ela
s e ri a a n u l a d a ,
mas não
p r e se r v a d a . N a le it ur a d e I r ig a r a y , a a f ir m a ç ã o d e B e a uv o ir
de que m u l h e r é se x o in v e r t e - se p a r a s ig n if ic a r que ela
n ã o é o se x o que é d e sig n a d a a se r , m a s, a n t e s, é a i n d a —
en ore (e en corps * — o se x o m a sc ul in o , a p r e se n t a d o à
m a n e i r a
da alteridade. Para Irigaray, esse mo do falocêntrico
d e s ig n if ic a r o se x o fe m in in o r e p r o d uz p e r p e t ua m e n t e as
f a n t a s i a s de seu p r ó p r i o d e s e j o a u t o e n g r a n d e c e d o r . Ao
invés de um gesto l in g uíst ic o a ut o l im it a t iv o que g a r a n t a
a a l t e r id a d e ou a diferença das m u l h e r e s , o fa lo c e n t r ism o
oferece um nome para eclipsar
o
feminino e tomar seu lugar.
•Ressalta-se o jogo de palavras, citadas em f r ancê s no original, entre e n o r t
ainda) e en
o r p s
no corpo),
h om ó f o n a s
em
f r a n c ê s
N. R T.)
C
SUJEITOS DO S E X O G É N E R O D E S E J O
T e o r i z a n d o O binário, O unitário e a lé m
B e a uv o ir e I r ig a r a y d ife r e m c la r a m e n t e so b r e as e st r ut ur a s
f u n d a m e n t a i s que r e p r o d u z e m a a s s i m e t r i a do g é n e r o ;
Beauvoir volta-se para a r e c ip r o c id a d e m a lo g r a d a de u m a
d ia lé t ic a a ssim é t r ic a , ao p a s s o que I r ig a r a y sug e r e ser a
própria dialética a ela b o r a ç ã o m o n o ló g ic a d e um a e c o n o m ia
significante
m a sc ul in ist a .
E m b o r a I r ig a r a y a m p lie cla r a m e n t e
o espectro da crítica feminista pela exposição das estruturas
ló g ic a s, o n t o ló g ic a s e e p ist e m o ló g ic a s de uma e c o n o m i a
sig n if ic a n t e m a sc ul in ist a , o p o d e r de sua análise é m i n a d o
precisamente por seu alcance globalizante. Será possível iden
tificar a e c o n o m ia m a sc ul in is t a m o n o lít ic a e t am b é m m o n o
lógica que atravessa toda a c o le ç ã o d e c o n t e x to s c ult ur a is e
históricos em que ocorre a diferença s exua l. ' Será o fr a c a sso
em
r e c o n h e c e r
as
operaçõe s cultu rais específicas da própria
opressão
do
género uma espécie
de
im p e r ia l ism o e p ist e m o
ló g ic o , im p e r ia l ism o e sse que n ã o se a t e n ua p e la e la b o r a ç ã o
p ur a e s im p le s d a s d ife r e nç a s c ult ur a is c o m o e x e m p lo s do
m e sm íssim o fa lo c e n t r ism o . ' O esforço de incluir O u t r a s
culturas como ampliações diversificadas de um falocentrismo
g lo b a l c o n st it ui um a t o de a p r o p r ia ç ã o que c o r r e o r isc o de
repetir
o
gesto a ut o e n g ra n d e c e d o r d o fa lo c e n t r ism o , c o lo n i
z a n d o so b
o
s ign o d o m e s m o d ife r e nç a s que , d e o ut r o m o d o ,
p o d e r ia m que st io n a r e sse c o n c e it o t o t a l iz a n t e .
A c r ít ic a fe m in ist a t e m d e e x p lo r a r a s a f ir m a ç õ e s t o t a l i -
z a n t e s d a e c o n o m ia s ig n if ic a n t e m a s c ul in ist a , m a s t a m b é m
deve p e r m a n e c e r a ut o c r ít ic a e m r e la ç ã o aos gestos t o t a l i -
z a n t e s do f e m i n i s m o . O e sfo r ç o de id e n t i f ic a r o i n i m i g o
c o m o s i n g u l a r e m s u a f o r m a c u m d i s c u r s o i n v e r t i d o que
m im e t iz a a c r it ic a m e n t e a estratégia d o opresso r, em vez de
oferecer um conjunto diferente de termos.
O
fato d e
a
tática
7
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 14/30
PROBLEM S
OE
G Ê N E R O
p o d e r fun c io n a r ig ua lm e n t e e m c o n t e x t o s fe m in ist a s
e
a n -
t i fe m in ist a s sug e r e que
o gesto
c o l o n i z a d o r n ã o
é
p r im á r ia
o u i r r e d u t i v el m e n t e m a s c u l i n i s t a . E l e p o d e o p e r a r p a r a le-
v a r a c a b o o ut r a s r e la ç õ e s de sub o r d in a ç ã o h e t e r o sse x ist a ,
r a c ia l
e de c l a s s e , p a r a c i t a r a p e n as a l g u m a s . C l a r o que
a r r o l a r as v a r ie d a d e s de o p re s s ã o , c o m o c o m e c e i a fazer,
s u p õ e
sua
c o e x ist ê n c ia d e sc o n t ín ua
e
s e q u e n c i a l
ao
lo n g o
d e um e ix o h o r iz o n t a l que n ã o d e sc r e v e sua s c o n v e r g ê n c ia s
n o c a m p o s o c i a l .
Um
m o d e l o v e r t i c a l s e r i a i g u a l m e n t e
in sufic ie n t e ; as o p r e ssõ e s não p o d e m ser s u m a r i a m e n t e
c l a s s i f i c a d a s , r e l a c i o n a d a s c a u s a l m e n t e , e d i s t r i b u í d a s
e n t r e p l a n o s p r e t e n s a m e n t e c o r r e s p o n d e n t e s ao que é
o r i g i n a l e ao que é d e r i v a d o . C e r t a m e n t e , o c a m p o
d e p o d e r e m p a r t e e st r ut ur a d o p e lo gesto im p e r ia l iz a n t e de
a p r o p r ia ç ã o d ia lé t ic a e x c e d e
e
a b r a n g e
o
e i x o
da
diferença
s e x u a l ,
o fe r e c e n d o
um
m a p a
de
in t e r se ç õ e s d i fe r e n c ia is
q ue
não
p o d e m
ser
s u m a r i a m e n t e h i e r a r q u i z a d a s ,
nem
n o s t e r m o s do f a l o c e n t r is m o , n e m nos de q u a l q u e r o u t r o
c a n d i d a t o à p o siç ã o de c o n d i ç ã o p r i m á r i a da o p r e s s ã o .
E m vez de tática exclusiva das economias significantes mas
c u l i n i s t a s , a a p r o p r ia ç ã o e a sup r e ssã o d ia lé t ic a s do O u t r o
sã o uma t á t ic a e n t r e m uit a s , c e n t r a lm e n t e e m p r e g a d a , c
fato,
mas não
e x c l u s i va m e n t e
a
se r v iç o
da
e x p a n s ã o
c da
r a c io n a l iz a ç ã o
do
d o m í n i o m a s c u l i n i s t a . í
O s
d e b a t e s fe m in ist a s c o n t e m p o r â n e o s so b r e
o
e s s e n
c i a l i s m o c o l o c a m de o u t r a m a n e i r a a que st ã o da u n i v e r
s a l i d a d e
da
id e n t id a d e fe m in in a
e da
o p re s s ã o m a s c u l i n a .
A s a l e g a ç õ e s u n i v e r s a l i s t a s s ão b a se a d a s em um p o n t o dc
v i s t a e p i s t e m o l ó g i c o c o m u m ou c o m p a r t i l h a d o , c o m p r e
e n d i d o c o m o c o n s c i ên c i a a r t i c u l a d a , ou c o m o e s t r u t u r a s
c o m p a r t i l h a d a s
de
o p r e s s ã o ,
ou
c o m o e s t r u t u r a s o s t e n
s i v a m e n t e t r a n s c u l t u r a i s
da
f e m i n i l i d a d e , m a t e r n i d a d e .
SUJEITOS
DO
S E X O G Ê N E R O O E S E J O
s e x u a l i d a d e e/ou da
écriture feminine
A d i s c u s s ã o que
a b r e e st e c a p ít ulo a r g um e n t a que esse gesto g lo b a l iz a n t e
g e r o u c e r t o n úm e r o de críticas da p a r t e das m u l h e r e s que
a f i r m a m
ser a
c a t e g o r ia
das
m u l h e r e s n o r m a t i v a
e ex-
c l u d e n te , i n v o c a d a e n q u a n t o
as
d i m e n s õ e s
não
m a r c a d a s
d o p r iv i lé g io
de
c la sse
e de
ra ç a p e r m a n e c e m i n t a c t a s .
Em
o u t r as p a l a v r a s ,
a
insistência so bre
a
c o e r ê n c ia
e
u n i d a d e
d a c a t e g o r ia d a s m ulh e r e s r e j e it o u efe t iv am e n t e a
m u l t i p l i
c id a d e das in t e r se ç õ e s c ult u r a is , so c ia is e p o l ít ica s e m que
é c o n st r uíd o o e sp e c t r o c o n c r e t o das m u l h e r e s .
A lg un s e sfo r ço s fo r a m r e a l iz a d o s p a r a fo r m ula r p o l ít ic a s
d e c o a l iz ã o que n ã o p r e ssup o n h a m q ua l se r ia o c o n t e úd o da
n o ç ã o de m u l h e r e s . E l e s p r o p õ e m , e m v ez d i s s o , u m c o n
junto de encontros dialógicos mediante
o
qua l m u lh e r e s d i fe
rentemente posicionadas articulem identidades separadas na
e st r ut ur a de
um a c o a l iz ã o e m e r g e n te .
E
c la r o , n ã o d e v e m o s
sub e st im a r
o
v a l o r
de uma
política
de
c o a l iz ã o ; p o r é m ,
a
f o r m a m e s m a da c o a l iz ã o , de um a m o n t a g e m e m e r g e nt e e
imprevisível de posições, não pode ser antecipada. Apesar do
im p ulso c la r a m e n t e d e m o c r a t iz a n t e que m o t i v a a c o n s t r u
ç ã o d e c o a l iz õ e s, a t e ó ric a a l ia n c ist a p o d e in a d v e r t id a m e n t e
reinserir-se
c o m o so b e r a n a d o p r o c e sso ,
ao buscât ntecip r
u m a
fo r m a id e a l p a r a
as
e st r ut ur a s
da
c o a l iz ã o , v a le d iz e r ,
a que la que gara nta efetivamente a u n i d a d e do r e sult a d o .
Esfo r ç o s c o r r e la t o s p a r a d e t e r m in a r qua l é e q u a l não é a
v e r d a d e ir a fo r m a do d iá lo g o , a q uilo que c o n st it ui a p o siç ã o
do sujeito
— e o
m a i s i m p o r t a n t e , q u a n d o
a
u n i d a d e
fo i ou não a l c a n ç a d a — p o d e m i m p e d i r a d i n â m i c a de
a ut o fo r m a ç ã o
e
a ut o l im it a ç ã o
da
c o a l iz ã o .
I ns i s t i r
a
priori
no objetivo de u n i d a d e da c o a l iz ã o
supõe que a so l id a r ie d a d e , qua lque r que se j a se u p r e ç o , é u m
pré-requisito da a ç ã o p o l ít ic a. Mas que espécie de política
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 15/30
PROBLEMAS DE GÊNERO
exige
esse t ipo
de
busca prév ia
da
u n id a d e ? T a l v e z
as
c o a
l i z õ e s d e v a m r e c o n h e c e r s u a s c o n t r a d i ç õ e s
e
a g i r d e i x a n d o
essas
c o n t r a d i ç õ e s i n t a c t a s . T a l v e z
o
entendimen to dia lóg ico
' t a m b é m en c e r re e m p a r t e
a
a cei ta çã o de div ergên c ia s , r u p t u
r a s , d i s s e n s õ e s
e
f r a g m e n t a ç õ e s , c o m o p a r c e l a
do
process o
o f r e q u e n te m e n t e t o r t u o s o
de
d e m o c r a t i z a çã o .
A
p r ó p r i a n o -
*í ç ã o d e d i á l o g o
é
cul tu ra lme nte espec í f ica
e
h i s t o r i c a m e n t e
t'
d e l i m i t a d a ,
e
mes mo q ue u ma da s pa rtes este ja certa de q ue
a c o n v e r s a ç ã o e s t á o c o r r e n d o ,
a
o u t r a
pode
esta r certa
de
q u e n ã o . E m p r i m e i r o lu g a r ,
devemos
q u e s t i o n a r
as
re la ções
-í
de
poder q u e c o n d i c i o n a m
e
fimitam
as
p o s s i b il i d a d e s d i a -
l ó g i c a s .
De
o u t r o m o d o ,
o
m o d e l o d i a l ó g i c o c o r r e
o
r i sco
?í
de
degenerar
num l ibera l i smo q ue pressupõe q ue os d iv ersos
'
agentes
do discurso ocupa m igua is pos ições de
poder
e
fa la m
apoiados
n a s m e s m a s p r e s s u p o s i ç õ e s
sobre o
q u e c o n s t i t u i
a c o r d o
e
u n i d a d e ,
que
s e r i a m c e r t a m e n t e
os
ob jet iv os
a serem perseguidos . Ser ia erra do supor
de
a n t e m ã o
a
e x i s
t ê n c i a
de
u m a c a t e g o r i a
de
m u l h e r e s
que
apenas neces
s i ta sse
ser
p r e e n c h i d a c o m
os
v á r i o s c o m p o n e n t e s
de
r a ç a ,
Ci c l a s s e , i d a d e , e t n i a
e
s e x u a l i d a d e p a r a t o r n a r - s e c o m p l e t a .
Of
A
h i p ó t e s e
de
s u a i n c o m p l e t u d e e s s e n c i al p e r m i t e
à
catego
n
r ia
s e r v i r p e r m a n e n t e m e n t e c o m o e s p a ç o d i s p o n í v e l p a r a
os s ign i f ica dos contesta dos .
A
i n c o m p l e t u d e
por
def in içã o
d e s s a c a t e g o r i a p o d e r á , a s s i m ,
v ir a
s e r v i r c o m o
um
idea l
n o r m a t i v o , l i v r e de
q ua lq u er força coer c i t iv a .
3 i A
u n i d a d e
é
n e c e s s á r i a p a r a
a
a çã o pol í t ica e fet iv a ?
W i
Nã o
s e r á , p r e c i s a m e n t e ,
a
i n s i s t ê n c i a p r e m a t u r a
no
o b j e -
t i v o
de
u n i d a d e
a
c a u s a
da
f r a g m e n t a ç ã o c a d a
ve z
m a i o r
Si
e
m a i s a c i r r a d a
das
f i l e i r a s ? C e r t a s f o r m a s a c e i t a s
de
f r a g m e n t a ç ã o p o d e m f a c i l i t a r
a
a ç ã o ,
e
i s s o e x a t a m e n t e
í i ) p o r q u e
a
u n i d a d e
da
c a t e g o r i a
das
m u l h e r e s n ã o
é
n e m
p r e s s u p o s t a n e m d e s e j a d a . N ã o i m p l i c a
a
u n i d a d e u m a
4
SUJEITOS
DO SEXO GÊNERO DESEJO
n o r m a
e x c l u d e n t e
de
s o l i d a r i e d a d e n o â m b i t o
da
i d e n t i d a
d e , e x c l u i n d o
a
p o s s i b i l i d a d e
de
u m c o n j u n t o
de
a ç õ e s q u e
rompa m a s própria s f rontei ra s dos concei tos de ident ida de,
ou
que
b u s q u e m p r e c i s a m e n t e e f e t u a r e s s a r u p t u r a c o m o
u m o b j e t i v o p o l í t i c o e x p l í c i t o ?
Sem a
p r e s s u p o s i ç ã o
ou o
objet iv o
da
u n i d a d e , s e m p r e i n s t it u í d o
no
n ív el conc ei
t u a i ,
u n i d a d e s p r o v i s ó r i a s p o d e m e m e r g i r
no
c o n t e x t o
de
a ç õ e s c o n c r e t a s
que
t e n h a m o u t r a s propostas
que não a
a r t i c u l a ç ã o
da
i d e n t i d a d e . S e m
a
e x p e c t a t i v a c o m p u l s ó r i a
de
que as
a ç õ e s f e m i n i s t a s d e v a m i n s t i t u i r - s e
a
p a r t i r
de
um
a cordo está v el
e
u n i t á r i o
sobre
a
i d e n t i d a d e ,
essas
a ç õ e s
b e m p o d e r ã o
desencadear se
m a i s r a p i d a m e n t e
e
p a r e c e r
m a i s
adequadas ao grande
n ú m e r o
de
m u l h e r e s p a r a
as
q ua is
o
s ign i f ica do da ca tegoria está em perma nente
debate.
E s s a
abordagem
a n t i f u n d a c i o n is t a
da
pol í t ica
de
c o a l i
z õ e s n ã o s u p õ e q u e
a
i d e n t i d a d e s e j a u m a p r e m i s s a , n e m
qu e
a
f o r m a
ou
s ign i f ica do
da
a s s e m b l e i a c o a l i z a d a p o s s a
s er c o n h e c i d a a n t e s d e r e a l i z a r - s e n a p r á t i ca . C o n s i d e r a n d o
qu e
a
a r t i c u l a ç ã o
de
u m a i d e n t i d a d e n o s t e r m o s c u l t u r a i s
d i s p o n í v e i s i n s t a u r a u m a d e f i n i ç ã o q u e
e x c l u i
p r e v i a m e n t e
o s u r g i m e n t o
de
nov os c oncei tos
de
ident ida de
nas
a ç õ e s
p o l i t i c a m e n t e
engajadas e por
m e i o d e l a s ,
a
t át i c a f u n d a -
c i o n i s t a
n ã o
é
c a p a z
de
t o m a r c o m o o b j e t i v o n o r m a t i v o
a
t r a n s f o r m a ç ã o
ou
e x p a n s ã o
dos
c o n c e i t o s
de
i d e n t i d a d e
e x i s t e n t e s . A l é m d i s s o , q u a n d o
as
ident ida des
ou as
e s t r u
t u r a s
d i a l ó g i c a s c o n s e n s u a i s , p e l a s q u a i s
as
ident ida des
já
e s t a b e le c i d a s s ã o c o m u n i c a d a s , n ã o c o n s t i t u e m
o
t e m a
ou
o
objeto
da
pol í t ic a , i sso s ign i f ica q ue
as
id e n t i d a d e s p o d e m
g a n h a r v i d a
e se
d i s s o l v e r ,
dependendo
d a s p r á t i c a s c o n c r e
ta s
que as
c o n s t i t u a m . C e r t a s p r á t i c a s p o l í t ic a s i n s t i t u e m
i d e n t i d a d e s
em bases
c o n t i n g e n t e s ,
de modo a
a t i n g i r
os
objet iv os
em
v i s t a .
A
p o l í t i c a
de
c o a l i z õ e s n ã o
exige
u m a
4
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 16/30
PROBLEMAS DE GÊNERO
c a t e g o r i a a m p l i a d a
de
m u l h e r e s n e m u m
u
i n t e r n a m e n t e
m ú l t i p l o
a
d e s v e l a r
de
c h o f r e s u a c o m p l e x i d a d e .
O g é n e r o
é
u m a c o m p l e x i d a d e c u j a t o t a l i d a d e
é
p e r
m a n e n t e m e n t e p r o t e l a d a , j a m a i s p l e n a m e n t e e x i b i d a
em
q u a l q u e r c o n j u n t u r a c o n s i d e r a d a . U m a c o a l i z ã o a b e r t a ,
po rtanto , a f i rmar ia ident idades a l t ernat ivamente ins t i tu ídas
e a b a n d o n a d a s ,
segundo
as
propostas
e m c u r s o ; t r a t a r - s e - á
de uma assemble ia que permi ta múl t iplas co nvergências
e
d i
v e r g ê n c i a s , s e m o b e d i ê n c i a
a
u m telos n o r m a t i v o
e
de f inido r .
I d e n t i d a d e , sexo
e a
m e t a f í s i c a
da
s u b s t â n c i a
que pode e n t ã o s i g n i f i c a r i d e n t i d a d e , e o que a l i c e r
ç a
a
p r e s s u p o s i ç ã o
de que as
i d e n t i d a d e s
são
i d ê n t i c a s
a
si
m e s m a s , p e r s i s t e n t e s
ao longo do
t e m p o , u n i f i c a d a s
e
i n t e r n a m e n t e c o e r e n t e s? M a i s i m p o r t a n t e , c o m o
essas
s u p o s i ç õ e s i m p r e g n a m
o
d i s c u r s o sobre
as
i d e n t i d a d e s
de
g é n e r o ? S e r i a e r r a d o s u p o r q u e
a
d i s c u s s ã o sobre
a
i d e n
t i d a d e d e v a
ser
a n t e r i o r
à
d i s c u s s ã o sobre
a
i d e n t i d a d e
d e g é n e r o , p e l a s i m p l e s r a z ã o de que as pessoas só se
t o r n a m i n t e li g í v ei s
ao
a d q u i r i r se u g é n e r o e m c o n f o r m i d a d e
c o m p a d r õ e s r e c o n h e c í v e i s
de
i n t e l i g i b i l id a d e
do
g é n e r o .
C o n v e n c i o n a l m e n t e ,
a
d i s c u s s ã o s o c i o l ó g i c a t e m
buscado
c o m p r e e n d e r
a
n o ç ã o
de
pessoa c o m o u m a a g ê n c i a
que
r e i v i n d i c a
p r i o r i d a d e o n t o l ó g i c a a o s v á r i o s p a p é i s
e
f u n ç õ e s
pelos q u a i s a s s u m e v i a b i l i d a d e
e
s i g n i f i c a d o s o c i a i s .
No
pró pr i o d i sc urso f ilo só f ico ,
a
n o ç ã o
de
pessoa t em s ido
a n a l i t i c a m e n t e e l a b o r a d a c o m base na s u p o s i ç ã o de que,
q u a l q u e r
que
se ja
o
c o n t e x t o s o c i a l
em que
e s t á ,
a
p e s
s o a p e r m a n e c e
de
a l g u m
modo
e x t e r n a m e n t e r e l a c i o n a d a
e s t r u t u r a d e f i n i d o r a
da
c o n d i ç ã o
de
pessoa, se ja es ta
a
4
SUJEITOS
DO SEXO GÊNERO DESEJO
c o n s c i ê n c i a ,
a
c a p a c i d a d e
de
l i n g u a g e m
ou a
d e l i b e r a ç ã o
m o r a l .
E m b o r a
não
es te ja a qu i
em
e x a m e e s s a
l i t e r a t u r a ,
u m a d a s p r e m i s s a s
dessas
i n d a g a ç õ e s
é o foco
d e e x p l o r a ç ã o
e i n v e r s ã o c r í t i c a s . E n q u a n t o
a
ind ag aç ão f ilo só f ica quase
s e m p r e c e n t r a
a
q u e s t ã o
do que
c o n s t i t u i
a
i d e n t i d a d e
p e s s o a l
nas
c a r a c t e r í s t i c a s i n t e r n a s
da
pessoa, n a q u i l o
que es tabe lecer ia
su a
c o n t i n u i d a d e
ou
a u t o i d e n t i d a d e
no
d e c o r r e r
do
t e m p o ,
a
q u e s t ã o a q u i s e r i a :
em que
m e d i d a
as prátic s regul dor s
de
f o r m a ç ã o
e
d i v i s ã o
do
g é n e r o
c o n s t i t u e m
a
i d e n t i d a d e ,
a
c o e r ê n c i a i n t e r n a
do
su je i to ,
e,
a r i g o r ,
o st tus
a u t o i d ê n t i c o
da pessoa? E m que
m e d i d a
é
a
i d e n t i d a d e u m i d e a l n o r m a t i v o ,
ao
i n v é s
de
u m a c a
r a c t e r í s t i c a d e s c r i t i v a
da
e x p e r i ê n c i a ?
E
c o m o
as
p r á t i c a s
r e g u l a d o r a s q u e g o v e r n a m
o
g é n e r o t a m b é m g o v e r n a m
as
n o ç õ e s c u l t u r a l m e n t e i n t e l ig í v e i s de i d e n t id a d e ? E m o u t r a s
p a l a v r a s ,
a
c o e r ê n c i a
e a
c o n t i n u i d a d e
da pessoa
n ã o
são
c a r a c t e r í s t i c a s l ó g i c a s
ou
a n a l í t i c a s
da
c o n d i ç ã o
de pessoa, m a s ,
,ao
c o n t r á r i o , n o r m a s
de
i n t e l i g i b i l id a d e
s o c i a l m e n t e i n s t i t u í d a s
e
m a n t i d a s .
E m
sendo
a
i d e n t i
dade assegurada
por
c o n c e i t o s e s t a b i l i z a d o r e s
de
s e x o ,
g é n e r o
e
s e x u a l i d a d e ,
a
p r ó p r i a n o ç ã o
de
pessoa se ver ia
q u e s t i o n a d a p e l a e m e r g ê n c i a c u l t u r a l daqueles seres c u j o
g é n e r o
é
i n c o e r e n t e
ou
d e s c o n t í n u o ,
os
q u a i s p a r e c e m
se r
pessoas,
m a s n ã o s e c o n f o r m a m
às
n o r m a s d e g é n e r o
da
inte l ig ib i l idade
c u l t u r a l
pe las qua i s as
pessoas
são de f inidas .
G é n e r o s i n t e l i g í v e i s s ã o aqueles que , em cer to sent ido ,
i ns t i tue m e mantém re laçõ es de co erência e co nt inu idade ent re
s e x o , g é n e r o , p r á ti c a s e x u a l
e
desejo. E m o u t r a s p a l a v r a s ,
os
espect ro s de desco nt inu idade e i n c o e r ê n c i a , eles p r ó p r i o s só
co ncebíve i s em re lação
a
no rm as ex i s tentes de co nt inu idad e
e c o e r ê n c i a ,
são
c o n s t a n t e m e n t e p r o i b i d o s
e
p r o d u z i d o s
pe las pró pr ias l e i s que buscam estabelecer l inhas causa i s
ou
43
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 17/30
PROBLEMAS DE GÊNERO
express iv as de l ig ação entre o s e x o b i o l ó g i c o , o g é n e r o c u l t u
ra lmente const i tu ído e a e x p r e s s ã o ou e f e i t o de a m b o s
n a
m a n i f e s t a ç ã o d o
desejo
s e x u a l p o r m e i o d a p r á t i c a s e x u a l .
A n o ç ã o de que
pode
h a v e r u m a v e r d a d e do s e x o ,
c o m o F o u c a u l t a d e n o m i n a i r o n i c a m e n t e , é p r o d u z i d a p r e
c i samente pelas prát icas reg u ladoras q ue g eram ident idades
c o e r e n t e s p o r v i a de u m a m a t r i z de n o r m a s d e g é n e r o c o e
r e n t e s . A h e t e r o s s e x u a l i z a ç ã o do desejo r e q u e r e i n s t i t u i a
p r o d u ç ã o
de
o p o s i ç õ e s d i s c r i m i n a d a s
e
a s s i m é t r i c a s e n t r e
f e m i n i n o e
m a s c u l i n o , e m q u e
estes
s ã o c o m p r e e n d i
d o s c o m o a t r i b u t o s e x p r e s s i v o s
de
m a c h o
e de
f ê m e a .
A m a t r i z
c u l t u r a l
p o r m e i o da q u a l a i d e n t i d a d e de g é n e r o
se torna in tel ig ív el exig e q ue certos t ipos de i d e n t i d a d e
n ã o p o s s a m e x i s t i r — isto é aq ueles em q ue o gé n e r o n ã o
d e c o r r e do s e x o e a q u e l e s em que as p r á t i c a s do desejo
n ã o d e c o r r e m n e m
do
s e x o n e m
do
g é n e r o .
Nesse
c o n t e x t o , d e c o r r e r s e r i a u m a r e l a ç ã o p o l í ti c a
de
d i r e i t o
i n s t i t u í d o p e l a s l e i s c u h u r a i s
que
e s t a b e l e c e m
e
r e g u l a m
a f o r m a
e o
s i g n i f i c a d o
da
s e x u a l id a d e . O r a ,
do
p o n t o
de
v i s t a
desse
c a m p o , c e r t o s t i p o s de i d e n t i d a d e de g é n e r o
p a r e c e m ser m e r a s f a l h a s do d e s e n v o l v i m e n t o ou i m p o s
s i b i l i d a d e s l ó g i c a s , p r e c i s a m e n t e p o r n ã o se c o n f o r m a r e m
à s n o r m a s da i n t e l i g i b i l i d a d e c u l t u r a l . E n t r e t a n t o , sua
p e r s i s t ê n c i a
e
p r o l i f e r a ç ã o
c r i a m
o p o r t u n i d a d e s c r í t i c a s
de
e x p o r
os
l i m i t e s
e os
ob jet iv os reg u ladores
desse
c a m p o
de
i n t e l i g i b i l i d a d e e
c o n s e q u e n t e m e n t e ,
de
d i s s e m i n a r ,
nos
p r ó p r i o s t e r m o s d e s s a m a t r i z
de
i n t e l i g i b i l i d a d e , m a t r i z e s
r i v a i s e s u b v e r s i v a s de d e s o r d e m do g é n e r o .
C o n t u d o , a n te s d e c o n s i d e r a r
essas
p r á t i c a s p e r t u r b a d o
r a s ,
parece
c r u c i a l
compreender
a
ma tr iz de in tel ig ib i l idade .
É e la s ing u lar? De q ue se compõe? Que a l iança pecu l iar exi s
te ,
presum iv elmente, entre u m s i s tema de h eterossexu al idade
SUJEITOS
DO SEXO GÊNERO DESEJO
c o m p u l s ó r i a e as c a te g o r i a s d i s c u r s i v a s q u e e s t a b e l e c e m os
concei tos de i d e n t i d a d e do s e x o ? Se a i d e n t i d a d e é um
efeito de
p r á t i c a s d i s c u r s i v a s ,
em que
m e d i d a
a
ident idade
d e g é n e r o
—
e n t e n d id a c o m o u m a r e l a ç ã o e n t r e s e x o , g é n e
r o , p r á t i c a s e x u a l
e desejo —
s e r i a
o
efeito
de
u m a p r á t i c a
reg u ladora q ue se
pode
i d e n t i fi c a r c o m o h e t e r o s s e x u a l i d a d e
c o m p u l s ó r i a ? T a l e x p l i c a ç ã o n ã o n o s
f a r i a
r e t o r n a r
a
m a i s
u m a e s t r u t u r a t o t a l i z a n t e em que a h e t e r o s s e x u a l i d a d e
c o m p u l s ó r i a t o m a r i a m e r a m e n t e o l u g a r do f a l o c e n t r i s m o
c o m o c a u s a m o n o l í t i c a da o p r e s s ã o de g é n e r o ?
N o e s p e c t r o da t e o r i a f e m i n i s t a e p ó s - e s t r u t u r a l i s t a
f r a n c e s a , c o m p r e e n d e - s e q u e r e g i m e s m u i t o s d i f e r e n t e s de
p o d e r p r o d u z e m os c o n c e i t o s de id e n t i d a d e s e x u a l . C o n s i
d e r e m o s a d i v e r g ê n c i a q u e e x i s t e e n t r e p o s i ç õ e s c o m o a de
I r i g a r a y , que
a f i r m a
só
h a v e r
um
s e x o ,
o
m a s c u l i n o ,
que
e l a b o r a
a
s i m e s m o n a
e
a t r a v é s
da
p r o d u ç ã o
do
O u t r o ,
e
p o s i ç õ e s c o m o
a de
F o u c a u l t , p o r e x e m p l o , q u e p r e s u m e m
qu e a c a t e g o r i a do s e x o , t a n t o m a s c u l i n o c o m o f e m i n i n o ,
é p r o d u t o de u m a e c o n o m i a r e g u l a d o r a d i f u s a da s e x u a
l i d a d e . C o n s i d e r e m o s i g u a l m e n t e o a r g u m e n t o de W i t t i g
de q ue a c a t e g o r i a do s e x o é sob as c o n d i ç õ e s de h e t e r o s
s e x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a , s e m p r e f e m i n i n a ( m a n t e n d o - s e
o m a s c u l i n o n ã o m a r c a d o
e
c o n s e q u e n t em e n t e , s i n ó n i m o
d o u n i v e r s a l ) .
A i n d a
q u e p a r a d o x a l m e n t e ,
W i t t i g
c o n c o r d a
c o m F o u c a u l t
ao
a f i r m a r q u e
a
p r ó p r i a c a t e g o r i a
do
s e x o
d e s a p a r e c e r i a e a r i g o r
s
dissip ri n o
caso
d e u m a r u p t u r a
e d e s l o c a m e n t o
da
h e g e m o n i a h e t e r o s s e x u a l .
O s v á r i o s m o d e l o s e x p l i c a t i v o s o f e r e ci d o s a q u i s u g e r e m
o s c a m i n h o s m u i t o d i f e r e n t e s p e l o s q u a i s a c a t e g o r i a do
s e x o é c o m p r e e n d i d a , d e p e n d e n d o de c o m o se a r t i c u l a o
c a m p o do p o d e r . É p o s s í v e l p r e s e r v a r a c o m p l e x i d a d e d e s
s e s c a m p o s d e p o d e r e p e n s a r s u a s c a p a c i d a d e s p r o d u t i v a s
5
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 18/30
PROBLEMAS DE GÊNERO
a o m e s m o t e m p o ? P o r u m la d o ,
a
t e o r i a d a d i f e r e n ç a s e x u a l
d e I r i g a r a y
sugere que as
m u l h e r e s j a m a i s p o d e r ã o
ser
c o m p r e e n d i d a s segundo
o
m o d e l o
do
s u j e i t o
nos
s i s te
m a s r e p r e s e n t a c i o n a i s c o n v e n c i o n a i s d a c u l t u r a o c i d e n t a l ,
e x a t a m e n t e p o r q u e c o n s t i tu e m
o
fet ich e
da
r e p r e s e n t a ç ã o
e,
por
c o n s e g u i n t e ,
o
i r r e p r e s e n t á v e l c o m o t a l .
Segundo
e s s a o n t o l o g i a d a s s u b s t â n c i a s ,
as
m u l h e r e s n u n c a p o d e m
s e r , p r e c i s a m e n t e p o r q u e c o n s t i t u e m
a
r e l a ç ã o
da
d i f e
r e n ç a ,
e x c l u í d o pelo q u a l
esse
d o m í n i o
se
d i s t i n g u e .
A s
m u l h e r e s t a m b é m s ã o u m a d i f e r e n ç a
que
n ã o
pode ser
c o m p r e e n d i d a c o m o s i m p l e s n e g a ç ã o o u c o m o
o
O u t r o
d o i u j e i t o desde s e m p re m a s c u l i n o . C o m o d i s c u t i d o a n t e
r i o r m e n t e , e l a s n ã o s ã o n e m
o
su je i to nem
o
s e u O u t r o , m a s
u m a
d i f e r e n ç a d a e c o n o m i a d a o p o s i ç ã o b i n á r i a , u m
a r d i l ,
e la
m e s m a , p a r a
a
e l a b o r a ç ã o m o n o l ó g i c a
do
m a s c u l i n o .
Á n o ç ã o
de
q u e
o
sexo aparece
n a
l i n g u a ge m h e g e m ó
n i c a
c o m o
substância
o u , f a l a n d o m e t a í i s i c a m e n t e , c o m o
s e r i d ê n t i c o
a s i
m e s m o ,
é
c e n t r a l p a r a c a d a u m a
dessas
c o n c e p ç õ e s .
E s s a a p a r ê n c ia
se
r e a l i z a m e d i a n t e u m t r u q u e
p e r f o r m a t i v o
da
l ing ua g em e/ou
do
d i s c u r s o , q ue o c u l t a
o
fato
de que
s e r
u m
sexo
ou um
g é n e r o
é
f u n d a m e n t a l
m e n t e i m p o s s í v e l . P a r a I r i g a r a y ,
a
g r a m á t i c a j a m a i s p o d e r á
s e r u m í n d i c e seguro d a s r e l a ç õ e s
de
g é n e r o , p r e c i s a m e n t e
p o r q u e s u s t e n t a
o
m o d e l o s u b s t a n c i a l
do
g é n e r o c o m o
sendo uma
r e l a ç ã o b i n á r i a e n t r e d o i s t e r m o s p o s i t i v o s
e
r e p r e s e n t á v e i s .
Na
o p i n i ã o
de
I r i g a r a y ,
a
g r a m á t i c a s u b s
t a n t i v a do
g é n e r o ,
que
s u p õ e h o m e n s
e
m u l h e r e s a s s i m
c o m o seus a t r i b u t o s d e m a s c u l i n o
e
f e m i n i n o ,
é
u m e x e m p l o
d e s i s t e m a b i n á r i o
a
m a s c a r a r
de
fato
o
d i s c u r s o u n í v o c o
e h e g e m ó n i c o
do
m a s c u l i n o ,
o
fa l o c e n t r i s m o , s i l e n c i a n d o
o f e m i n i n o c o m o l u g a r
de
u m a m u l t i p l i c i d a d e s u b v e r s i v a .
P a r a F o u c a u l t ,
a
g r a m á t i c a s u b s t a n t i v a d o sexo i m p õ e u m a
fi
SUJEITOS
00 SEXO GÊNERO DESEJO
r e l a ç ã o b i n á r i a
a r t i f i c i a l
e n t r e
os
s e x o s ,
bem
c o m o
u ma
c o e r ê n c i a i n t e r n a
a r t i f i c i a l em
c a d a t e r m o
desse
s i s t e m a
b i n á r i o . A
r e g u l a ç ã o b i n á r i a
da
s e x u a l i d a d e s u p r i m e
a
m u l t i p l i c i d a d e s u b v e r s i v a
de
u m a s e x u a l i d a d e q u e r o m p e
as
h e g e m o n i a s h e t e r o s s e x u a l , r e p r o d u t i v a
e
m é d i c o - j u r í d i c a .
P a r a W i t t i g , a
r e s t r i ç ã o b i n á r i a q u e p e s a
sobre o sexo
atende
aos
o b j e t i v o s r e p r o d u t i v o s
de um
s i s t e m a
de
h e t e
r o s s e x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a ;
el a
a f i r m a , o c a s i o n a l m e n t e ,
qu e
a
d e r r u b a d a
da
h e t e r o s s e x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a
irá
i n a u g u r a r
u m
ve r d a d e ir o h u m a n i s m o
da
pessoa ,
l i v r e
d o s g r i l h õ e s
do
s e x o .
E m
o u t r o s c o n t e x t o s ,
el a
sugere
qu e
a
p r o f u s ã o
e
d i f u s ã o
de uma
e c o n o m i a e r ó t i c a
não
f a l o c é n t r i c a
irá
b a n i r
as
i l u s õ e s
do
s e x o ,
do
g é n e r o
e da
i d e n t id a d e . E m m a i s o u t r a s
passagens de
s e u t e x t o , p a r e c e
qu e
a
l é s b i c a
emerge
c o m o
u m
t e r c e i r o g é n e r o , p r o m e
t e n d o t r a n s c e n d e r
a
r e s t r i ç ã o b i n á r i a
ao
s e x o , i m p o s t a
pelo
s i s t e m a
da
h e t e r o s s e x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a . E m
sua
defesa
do
s u j e i t o c o g n i t i v o , W i t t i g p a r e c e
não
e n t r a r
e m d i s p u t a s m e t a f í s i c a s
co m os
modos h e g e m ó n i c o s
de
s i g n i f i c a ç ã o
ou
r e p r e s e n t a ç ã o ;
de
f a t o ,
o
s u j e i t o , c o m
seu
a t r i b u t o
de
a u t o d e t e r m i n a ç ã o , p a re c e s e r
a
r e a b i l i t a ç ã o
do
agente da
e s c o l h a e x i s t e n c i a l ,
s ob o
n o m e
de
l é s b i c a :
o
a d v e n t o
de
s u j e i t o s i n d i v i d u a i s e x i g e ,
em
p r i m e i r o l u g a r ,
q u e
se
d e s t r u a m
as
c a t e g o r i a s
de
sexo
[...] a
l é s b i c a
é o
ú n i c o c o n c e i t o
que
c o n h e ç o
que
e s t á a l é m
das
c a t e g o r i a s
d e s e x o . E l a n ã o
c r i t i c a o
s u j e i t o c o m o i n v a r i a v e l m e n t e
m a s c u l i n o , segundo
as
r e g r a s
de
u m S i m b ó l i c o i n e v i t a v e l
m e n t e p a t r i a r c a l , m a s p r o p õ e
em seu
l u g a r
o
e q u i v a l e n t e
d e u m s u j e i t o l é s b i c o c o m o u s u á r i o
da
l i n g u a g e m .
P a r a
B e a u v o i r
—
c o m o p a r a
W i t t i g —, a
i d e n t i f i c a ç ã o
d a s m u l h e r e s c o m
o
s e x o
é
u m a f u s ã o
da
c a t e g o r i a
das
m u l h e r e s
com as
c a r a c t e r í s t i c a s o s te n s i v a m e n t e s e x u a l i -
7
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 19/30
PROBLEMAS DE GÊNERO
z a d a s d o s seus c o r p o s e, p o r t a n t o , u m a r e c u s a a c o n c e d e r
l i b e r d a d e e a u t o n o m i a às m u l h e r e s , ta c o m o as p r e t e n
s a m e n t e d e s f r u t a d a s pelos h o m e n s .
A s s i m ,
a d e s t r u i ç ã o
d a c a t e g o r i a
do
sexo r e p r e s e n t a r i a
a
d e s t r u i ç ã o
de u m
atributo
o s e x o , o q u a l , p o r m e i o de u m gesto m i s ó g i n o de
s i n é d o q u e , t o m o u o l u g a r da
pessoa,
do cogito a u t o d e t e r -
m i n a d o r . E m o u t r a s p a l a v r a s , s ó o s h o m e n s s ã o
"pessoas"
e n ã o e x i s t e o u t r o g é n e r o s e n ã o o f e m i n i n o :
O género é o índice l inguíst ico da op osiçã o pol ít ica entre
os sexos.
E
género é usado aqui no s ingular porque sem
d ú vi d a não há d oi s géneros . H á s omente u m : o f emi ni no,
o " m a s c u l i n o " n ã o sendo u m género. Poi s o mas cu l i no
n ão é o m a s c u l i n o , m a s o geral.^*
C o n s e q u e n t e m e n t e , W i t t i g c l a m a p e i a d e s t r u i ç ã o do
" s e x o " , p a r a
que as
m u l h e r e s p o s s a m a s s u m i r
o
status d
s u j e it o u n i v e r s a l . E m b u s c a d e s s a d e s t r u i ç ã o ,
as
" m u l h e r e s "
d e v e m a s s u m i r u m p o n t o
de
v i s t a t a n t o p a r t i c u l a r q u a n t o
u n i v e r s a l . ^ ' C o m o s u j ei t o q ue pode r e a l i z a r a u n i v e r s a l id a d e
concre t a por me i o d a l i berd ad e , a lésbica de W i t t i g c o n f i r m a ,
ao i nvés de c o n t e s t a r , as p ro m e s s a s n o r m a t i v a s dos i d ea i s
h u m a n i s t a s c u j a p r e m i s s a é a m e t a f í s i c a da s u b s t â n c i a .
Nesse a s p e c t o , W i t t i g se d i f e r e n c i a de I r i g a r a y , n ã o só nos
t e r m o s d a s o p o s i ç õ e s h o j e c o n h e c i d a s e n t r e e s s e n c i a l i s m o
mat er i a l i s mo, ^ " mas naqu e l es d a ad es ão
a
u m a m e t a f í s ic a
da
s u b s t â n c i a q u e c o n f i r m a
o
m o d e lo n o r m a t i v o
do
h u m a n i s
m o c o m o o a r c a b o u ç o do f e m i n i s m o . O n d e W i t t i g parece
s u b s c r e v e r u m p r o j e t o r a d i c a l de e m a n c i p a ç ã o l é s b ic a
i m p o r u m a d i s t i n ç ã o e n t r e " l é s b i c a " e " m u l h e r " , el a o faz
por v i a da defesa de u m a "pessoa" c u j o g é n e r o é prees t abe
l e c i d o , c a r a c t e r i z a d a c o m o l i b e r d a d e . E s s e s e u m o v i m e n t o
8
SUJEITOS DO SEXO GÊNERO DESEJO
n ã o só c o n f i r m a o status p r é - s o c i a da li b e rd a d e h u m a n a ,
mas s u bs creve a m e t a f í s i c a da s u b s t â n c i a , r e s p o n s á v e l p e i a
p r o d u ç ã o e n a t u r a l i z a ç ã o da p r ó p r i a c a t e g o r i a de s exo.
A
metafísica
d
substância
é
u m a e x p r e s s ã o a s s o c i ad a a
N i e t z s c h e n a c rí t ic a c o n t e m p o r â n e a do d i s c u r s o f i l o s ó f ic o .
N u m c o m e n t á r i o
sobre
N i e t z s c h e , M i c h e l H a a r a r g u m e n t a
q u e d i v e r s a s o n t o l o g i a s f i l o s ó f i c a s c a í r a m n a a r m a d i l h a das
i l u s ões do "Ser " e da " S u b s t â n c i a " que são p r o m o v i d a s
p e l a c r e n ç a em que a f o r m u l a ç ã o g r a m a t i c a l de s u je i t o e
p r e d i c a d o r e f l e t e
u ma
r e a l i d a d e o n t o l ó g i c a a n t e r i o r ,
de
s u b s t â n c i a
e
a t r i b u t o . E s s e s c o n s t r u t o s , a r g u m e n t a H a a r ,
c o n s t i t u e m os m e i o s f i l o s ó f i c o s a r t i f i c i a i s
pelos
q u a i s a
s i m p l i c i d a d e , a o r d e m a i d e n t i d a d e são e f i c a z m e n t e
i n s t it u í d a s . E m n e n h u m s e n t i d o , t o d a v i a , eles r e v e l a m o u
r e p r e s e n t a m u m a o r d e m v e r d a d e i r a d a s c o i s a s . P a r a nossos
p r o p ó s i t o s , e s s a c r í t i c a n i e t z s c h i a n a t o r n a - s e
i n s t r u t i v a
q u a n d o a p l i c a d a às c a t e g o r i a s f i l o s ó f i c a s que g o v e r n a r a
u m a
p a r t e a p r e c i á v e l
do
p e n s a m e n t o t e ó r i c o
e
p o p u l a r
sobre
a
i d e n t i d a d e
de
g é n e r o . Segundo H a a r ,
a
c r í t i c a
à
m e t a f í s i c a da s u b s tâ n c i a i m p l i c a u ma c r í t i c a da p r ó p r i a
n o ç ã o de
pessoa
p s i c o l ó g i c a c o m o c o i s a s u b s t a n t i v a :
A
d es t ru i ção d a l óg i ca por i nt e rméd i o d e s u a genealogia
t raz
consigo
a
ru í na d as ca t egor i as ps i col óg i cas fu nd a
ment ad as nes s a l óg i ca . Tod as as ca tegor i as ps i col óg i cas
( eu ,
i n d i v í d u o , pessoa) d er i vam d a i l u s ão d a i d ent i d ad e
s u b s t a n c i a l .
Mas
e s s a i l u s ão rem ont a b as i cament e
a
u m a
s u p e r s t i ç ã o
que
e n g a n a
não só o
senso c o m u m
m a s t a m b é m
o s
f i lósofos
— a
s aber ,
a
c rença n a l i ngu a
ge m
c,
m a i s p r e c i s a m e n t e ,
na
ve rd ad e
das
ca t egor i as
g r a m a t i c a i s .
Foi a
g r a m á t i c a
(a
e s t ru t u ra
de
sujeito
pred i cad o)
que
i n s p i r o u
a
ce r t eza
de
D e s c a r t e s
de que
9
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 20/30
fdOBLEM S
DE G Ê N R O
e u
é o s u j e i t o dc p e n s o , e n q u a n t o , n a v e r d a d e , são
, os pensame ntos que vêm a m i m : n o f u n d o , a fé na gra
mát i ca s i mpl e s me nt e t rad uz a vont ad e d e s e r a c a u s a
d os pe ns ame nt os d e a l guém. O s u j e i t o , o e u , o i nd i v í d uo,
s ão ape nas conce i t os f a l s os , v i s t o que t rans formam e m
s ubs t ânc i as f i c t í c i a s un i d ad e s que i n i c i a l me nt e só têm
re a l i d ad e l i ngu í s t i ca . ^ '
W i t t i g f o r n e c e u m a c r í t i c a a l t e r n a t i v a ao m o s t r a r que
n ã o
é
p o s s í v e l s i g n i f i c a r
as
pessoas
na
l i n g u a g e m
sem a
m a r c a do g é n e r o . E l a a p r e s e n t a uma a n á l i s e p o l í t i c a da
g r a m á t i c a d o g é n e r o e m f r a n c ê s . Segundo W i t t i g , o g é n e r o
n ã o s o m e n t e d e s i g n a as pessoas, as q u a l i f i c a , p o r a s s i m
d i z e r , m a s c o n s t i t u i u m a e p i st e m e c o n c e i t u a i m e d i a n t e a
q u a l o g é n e r o b i n á r i o é u n i v e r s a li z a d o . E m b o r a a l í n g u a
f r a n c e s a a t r i b u a u m g é n e r o a t o d o s os t i p o s de s u b s t a n t i
v o s a l é m
das
pessoas,
W i t t i g
a r g u m e n t a
que sua
a n á l i s e
' t e m c o n s e q u ê n c i a s i g u a l m e n t e p a r a o i n g l ê s . No p r i n c í p i o
de he Mark of ender [ A m a r c a do g é n e r o ] e l a e s c r e v e :
^ Segundo os g r a m á t i c o s , a m a r c a do g é n e r o a r c t a os
' substantivos. É cm termos dc função que e les faiam sobre
i s s o .
Sc
que s t i onam s e u s i gn i f i cad o,
às
ve ze s br i n cam ,
c h a m a n d o
o
géne ro
dc
s e xo f i c t í c i o
[...] no
qu e c o n
ce rne
às
categorias
dc
pe s s oa , ambas
as
l íngu as [inglês
as c
francês] são igualm ente p ortadora s
do
géne ro . Ambas
í l s s f e íM í i i í : K i a b r e m c a m i n h o a um conce i t o ont ol óg i co pr i mi t i vo que
' i mpõe , na l i nguage m, um a d i v i s ão d os s e re s cm s e xos
[...]
Como conce i t o ont ol óg i co que l ida co m a n a t u r e z a do
« 1
i;>;r;
Sgj ^ j unt ame nt e com t od a um a névoa d e out ros conce i t os
í f i t > 5 . :; í:fcL pr i mi t i vos pe r t e nce nte s à m e s m a l in h a d e pe ns ame nt o,
• • o géne ro pare ce pe r t e nce r pr i mar i am e nt e à filosofia.^^
50
SUJEITOS DO SEXO GÊNERO DESEJO
W i t t i g n o s d i z q u e p e r t e n c e r à fi losofia s ig nif ica , pa ra
o g é n e r o , p e r t e n c e r à q u e l e c o r p o de c o n c e i t o s e v i d e n t e s
s e m os qua i s
os
f il ósofos acha m que não pod e m d e s e nvol ve r
u m a
l i n h a s e q u e r de r a c i o c í n i o , e q u e s ã o ó b v i o s p a r a e l e s ,
p o i s e x i s t e m n a n a t u r e z a a n t e s de t o d o p e n s a m e n t o , d e t o d a
o r de m s o c i a l . A o p i n i ã o de W i t t i g é c o r r o b o r a d a p e l o
d i s c u r s o p o p u l a r s o b r e
a
i d e n t i d a d e d e g é n e r o , q u e e m p r e g a
a c r i t i c a m e n t e a a t r i b u i ç ã o i n f í e x i o n a l de s e r p a r a g é n e r o s
e s e x u a l i d a d e s . Q u a n d o n ã o p r o b l e m a t i z a d a s , as a f i r m a
ç õ e s s e r m u l h e r e s e r h e t e r o s s e x u a l s e r i a m s i n t o m á t i c a s
d e s s a me t a f í s i ca
das
s u b s t â n c i as
do
g é n e r o . T a n t o
no caso
d e h o m e n s c o m o no de m u l h e r e s , t a l a f i r m a ç ã o t e n de
a
s u b o r d i n a r a n o ç ã o de g é n e r o à q u e l a de i d e n t i d a d e , e a
l e v a r à c o n c l u s ã o de q u e u m a p e s s o a é u m g é n e r o e o é e m
v i r t u d e d o s e u s e x o , d e s e u s e n t i m e n t o p s í q u i c o d o e u , e d as
d i f e r e n t e s e x p r e s s õ e s desse e u p s í q u i c o , a ma i s not áve l d e l as
s e nd o
a do
desejo
s e x u a l . E m t a l c o n t e x t o p r é - f e m i n i s ta ,
o
g é n e r o , in g e n u a m e n t e ( a o i n v é s d e c r i ti c a m e n t e ) c o n f u n d i d o
c o m
o
s e x o , se r v e c o m o p r i n d p i o u n i f ic a d o r
do
e u c o r p o r i
f icad o e ma nt é m e s s a uni d ad e por s obre e c o n t r a u m s e x o
o p o s t o , c u j a e s t r u t u r a m a n t é m , p r e s u m i v e l m e n t e , uma
c o e r ê n c i a i n t e r n a p a r a l e l a m a s o p o s t a e n t r e s e x o , g é n e r o e
d e s e jo . O e n u n c i a d o e u me s i n t o u m a m u l h e r , p r o f e r i d o
p o r u m a m u l h e r , o u e u m e s in t o u m h o m e m , d i t o p o r u m
h o m e m , s u p õ e que em n e n h u m dos c a s o s e s s a a f i r m a ç ã o
é a b s u r d a m e n t e r e d u n d a n t e . E m b o r a p o s s a p a r e c e r
não
p r o b l e m á t i c o
ser
d e u m a d a d a a n a t o m i a ( a p e s a r d e t e r m o s
d e c o n s i d e r a r a d i a n t e as m u i t a s d i f i c u l d a d e s d e s s a p r o p o s
ta) ,
c o n s i d e r a - s e a e x p e r i ê n c ia de u m a d i s p o s i ç ã o p s í q u i c a
ou
i d e n t i d a d e c u l t u r a l de g é n e r o c o m o u m a r e a l i z a ç ã o ou
c o n q u i s t a .
A s s i m ,
e u m e s in t o u m a m u l h e r é v e r d a d e na
m e s m a m e d i d a e m q u e é p r e s u m i d a a e v o c a ç ã o de A r e t h a
51
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 21/30
PROBLEMAS DE GÊNERO
F r a n k l i n do
O u t r o d e f i n i d o r:
YOM
make me feel like n -
tural woman. ^* E s s a c o n q u i s t a ex i g e u m a d i f e r e n c i a ç ã o em
r e l a ç ã o ao g é n e r o o p o s t o . C o n s e q u e n t e m e n t e ,
uma
p essoa
é
o seu
g é n e r o
na
m e d i d a
em que não é o
o u t r o g é n e r o ,
f o r m u l a ç ã o que p r e s s u p õ e e i m p õ e a r e s t r i ç ã o do g é n e r o
d e n t r o
desse
par b i n á r i o .
O g é n e r o só
pode
d e n o t a r u m a unidade de e x p e r i ê n c i a ,
d e s e x o , g é n e r o
e
d e se j o , q u a n d o se e n t e n d e que
o
s e x o , em
a l g u m s e n t i d o , e x i g e
um
g é n e r o
—
s e n d o
o
g é n e r o
uma
d e s i g n a ç ã o p s í q u i c a
e/ou
c u l t u r a l do
eu
— e
um
desejo —
s e n d o o desejo h e t e r o s s e x u a l e , p o r t a n t o , d i f e r e n c i a n d o - s e
m e d i a n t e uma r e l a ç ã o de o p o s i ç ã o ao o u t r o g é n e r o que
e l e d e s e j a .
A
c o e r ê n c i a
ou a
u n i d a d e i n t e r n a s
de
q u a l
q u e r
dos
g é n e r o s , h o m e m
ou
m u l h e r , e x i g e m a s s i m uma
h e t e r o s s e x u a l i d a d e e s t á v e l
e
o p o s i c i o n a l . E s s a h e t e ro s s e
x u a l i d a d e i n s t i t u c i o n a l e x i g e
e
p r o d u z ,
a
u m
só
t e m p o ,
a
u n i v o c i d a d e
de
c a d a
um dos
te r m o s m a r c a d o s p e l o g é n e r o
q u e c o n s t i t u e m o l i m i t e das p o s s i b i l i d a d e s de g é n e r o no
i n t e r i o r do s i s t e m a de g é n e r o b i n á r i o o p o s i c i o n a l . E s s a
c o n c e p ç ã o
do
g é n e r o n ã o só p r e s s u p õ e u m a r e l a ç ã o c a u s a l
e n t r e s e x o , g é n e r o
e
d e s e j o , mas
sugere
i g u a l m e n t e
que o
desejo
reflete
ou
e x p r i m e
o
g é n e r o ,
e que o
g é n e r o r e f le t e
o u e x p r i m e
o
d e s e j o . S u p õ e - s e
que a
u n i d a d e m e t a f í s i c a
d o s t r ê s s e j a v e r d a d e i r a m e n t e c o n h e c i d a
e
e x p r e s s a num
desejo d i f e r e n c i a d o r p e l o g é n e r o oposto
—
i s t o
é,
n u m a
f o r m a de h e t e r o s s e x u a l i d a d e o p o s i c i o n a l . O v e l h o s o n h o
d a s i m e t r i a , c o m o
o
c h a m o u I r i g a r a y ,
é
a q u i p r e s s u p o s t o ,
r e i f i c a d o
e
r a c i o n a l i z a d o , s e j a c o m o p a r a d i g m a n a t u r a l i s t a
q u e e s t a b e l e c e u m a c o n t i n u i d a d e c a u s a l e n t r e s e x o , g é n e r o
e d e s e j o , s e j a c o m o u m p a r a d i g m a e x p r e s s i v o a u t ê n t i c o ,
no
q u a l
se
diz
que um eu
v e r d a d e i r o
é
s i m u l t â n e a
ou
s u c e s
s i v a m e n t e r e v e l a d o
no
s e x o ,
no
g é n e r o
e no
dese jo .
5
SUJ TOS
DO
SEXO GÊNERO DESEJO
E s s e e s b o ç o
um
t a n t o t o s c o
nos
dá
uma
i n d i c a ç ã o p a r a
c o m p r e e n d e r m o s
as
r a z õ e s p o l í t i c a s
da
v i s ã o
do
g é n e r o
c o m o s u b s t â n c i a .
A
i n s t i t u i ç ã o
de
u m a h e t e r o s se x u a l i d a d e
c o m p u l s ó r i a
e
n a t u r a l i z a d a e x i ge
e
r e g u l a
o
g é n e r o c o m o
u m a r e l a ç ã o b i n á r i a e m q u e
o
t e r m o m a s c u l i n o d i f e r e n c i a - se
d o t e r m o f e m i n i n o , r e a l i z a n d o - s e e s s a d i f e r e n c i a ç ã o
por
m eio das p r á t i c a s do desejo h e t e r o s s e x u a l . O ato de d i f e
r e n c i a r
os d oi s m o m e n t o s o p o s i c i o n a i s
da
e s t r u t u r a b i n á r i a
r e su l ta n u m a c o n s o l i d a ç ã o
de
c a d a um
de
se u s t e r m o s ,
da
c o e r ê n c i a i n t e r n a r e s p e c t i v a
do
s e x o , do g é n e r o
e
do dese jo .
O d e s l o c a m e n t o e s t r a t é g i c o d e ss a r e l a ç ã o b i n á r i a e da
m eta f í s ic a
da
s u b s t â n c i a
e m que
e la se b a s e i a p r e s s u p õ e
que
a p r o d u ç ã o
das
c a tegor ia s
de
f e m i n i n o e m a s c u l i n o , m u l h e r e
h o m e m , o c o r r a i g u a l m e n t e no i n t e r i o r da e s t r u t u r a b i n á r i a .
F o u c a u l t a b r a ç a i m p l i c i t a m e n t e e s s a e x p l i c a ç ã o . No c a p í t u l o
final de História d sexualidade J ,
e
e m s u a b r e ve m a s s i g n i
f i c a t iva in t roduç ão
a
Herculine Barbin, Being the Recently
Discovered Journals of Nineteenth-Century Hermaphro-
dite [ H e r c u l i n e B a r b i n , ou os r e c é m - d e s c o b e r t o s d i á r i o s
de um h e r m a f r o d i t a do s é c u l o
X I X ] ,
F o u c a u l t sugere
qu e
a
c a t e g o r i a
de
s e x o , a n t e r i o r
a
q u a l q u e r c a r a c t e r i z a ç ã o
d a d i f e r e n ç a s e x u a l ,
é
ela p r ó p r i a c o n s t r u í d a por v i a
de
um
m o d o de sexualidade h i s t o r i c a m e n t e e s p e c í fi c o . Ao p o s t u l a r
o s e x o c o m o c a u s a
da
e x p e r i ê n c i a s e x u a l ,
do
c o m p o r
t a m e n t o
e do
d e s e j o ,
a
p r o d u ç ã o t á t i c a
da
c a t e g o r i z a ç ã o
d e s c o n t í n u a
e
b i n á r i a
do
s e x o o c u l t a
os
ob jet ivos es t ra tégic os
d o p r ó p r i o a p a r a t o
de
p r o d u ç ã o .
A
p e s q u i s a g e n e a l ó g i c a
de
F o u c a u l t
e x p õ e e s sa c a u s a o s t e n s i va c o m o um e f e i t o ,
c o m o
a
p r o d u ç ã o
de um dado
r e g i m e
de
s e x u a l i d a d e
que
b u s c a r e g u l a r
a
e x p e r i ê n c i a s e x u a l i n s t i t u i n d o
as
c a t e g o r i a s
d i s t i n t a s
do
s e x o c o m o f u n ç õ e s fundacionais
e
c a u s a i s , em
t o d o
e
q u a l q u er t r a t a m e n t o d i s c u r s i v o
da
s e x u a l i d a d e .
5
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 22/30
PROBLEMAS DE GÊNERO
A
i n t r o d u ç ã o de F o u c a u l t aos d i á r i o s do h e r m a f r o d i t a
H e r c u l i n e B a r b i n
sugere que a c r ít i c a g e n e a l ó g i c a das ca-
t egor i as re i f i cad as do sexo é u m a c o n s e q u ê n c i a i n o p i n a d a
d e p r á t i c a s s e x u a i s que não p o d e m ser e x p l i c a d a s
pelo
d i s c u r s o m é d i c o - l e g a l
da
h e t e r o s s e x u a l i d a d e n a t u r a l i z a d a .
H e r c u l i n e n ã o
é
u m a i d e n t i d a d e , m a s
a
i m p o s s i b i l i d a d e
s e x u a l
de
u m a i d e n ti d a d e . E m b o r a e l em e n t o s a n a t ó m i c o s
m a s c u l i n o s e f e m i n i n o s se d i s t r i b u a m c o n j u n t a m e n t e por
s e u c o r p o , e d e n t r o d e l e , n ã o e s t á aí a v e r d a d e i r a o r i g e m
d o e s c â n d a l o . s c o n v e n ç õ e s l i n g u í st i c a s que p r o d u z e m
e u s c o m c a r a c t e r í s t i c a s d e g é n e r o i n t e l i g ív e i s e n c o n t r a m s e u
l i m i t e
e m
H e r c u l i n e ,
prec i s am ent e porqu e e la/ e l e oc as i o na
u m a c o n v e r g ê n c i a
e
d e s o r g a n i z a ç ã o
das
regras qu e gover-
n a m s e x o / g ê n e r o / d e s ej o . H e r c u l i n e d e s d o b r a
e
r e d i s t r i b u i
os
t e r m o s
do
s i s t e m a b i n á r i o , m a s e s sa m e s m a r e d i s t r i b u i ç ã o
o s r o m p e e os faz p r o l i f e r a r f o r a desse s i s t e m a . Segundo
F o u c a u l t , H e r c u l i n e n ã o é c a t e g o r i z á v e l no g é n e r o b i n á r i o
c o m o t a l ; a d e s c o n c e r t a n t e c o n v e r g ê n c i a de h e t e r o s s e x u a
l i d a d e e h o m o s s e x u a l i d a d e e m s u a pessoa só é o c a s i o n a d a ,
m a s n u n c a c a u s a d a , por sua d e s c o n t in u i d a d e a n a t ó m i c a .
A
a p r o p r i a ç ã o
de
H e r c u l i n e
por
F o u c a u l t
é
d u v i d o s a , ^ *
m a s
sua
a n á l i s e i m p l i c a
a
in t e r e s s a n t e c r e n ç a
em que a
heterogeneidade s e x u a l ( p a r a d o x a l m e n t e e x c l u í d a p o r u m a
h é t e r o - s e x u a l i d a d e n a t u r a l i z a d a )
i m p l i c a
u m a c r í t i c a da
m e t a f í s i c a d a s u b s t â n c i a , t a l c o m o e s t a i n f o r m a a s c a r a c t e
r í s t i cas i d ent i t á r i a s do s e x o . F o u c a u l t i m a g i n a a e x p e r i ê n c i a
d e H e r c u l i n e c o m o u m m u n d o
de
p r a z e r e s
em que h á
s o r r i s o s p a i r a n d o
à
t o a . ^ ^ S o r r i s o s , f e l i c i d a d e , p r a z e r e s
e desejos
são
a q u i r e p r e s e n t a d o s c o m o q u a l i d a d e s ,
sem a
s u b s t â n c i a p e r m a n e n t e
à
q u a l s u p o s t a m e n t e e s t ã o l i g a d o s .
C o m o a t r i b u t o s f l u t u a n t e s , eles s u gerem a p o s s i b i l i d a d e de
u m a e x p e r i ê n c i a de g é n e r o que não pode ser a p r e e n d i d a
5
SUJEITOS DO SEXO GÊNERO DESEJO
p e la g r a m á t i c a s u b s t a n c i a l i z a n t e e h i e r a r q u i z a n t e dos
s u bs t ant i vos {res extensa e a d j e t i v o s ( a t r i b u t o s , e s s e n c i a i s
e ac i d ent a i s ) . Pe l a
l e i t u r a
c u r s i v a de
H e r c u l i n e ,
F o u c a u l t
p r o p õ e u m a o n t o l o g i a d o s a t r i b u t o s a c i d e n t a i s q u e e x p õ e
a
p o s t u l a ç ã o d a i d e n t i d a d e c o m o u m p r i n c í p i o c u l t u r a l m e n t e
restrito
de
o r d e m
e
h i e r a r q u i a , u m a f ic çã o r e g u l a d o r a .
Se é p o s s í v e l f a l a r de u m h o m e m com u m a t r i b u t o
m a s c u l i n o
e
c o m p r e e n d e r esse a t r i b u t o c o m o u m t r a ç o f e l i z
m a s a c i d e n t a l desse h o m e m , t a m b é m
é
pos s í ve l f a l a r d e u m
h o m e m com u m a t r i b u t o f e m i n i n o , q u a l q u e r que s e ja ,
m a s c o n t i n u a r a p r e s e r v a r a i n t e g r i d a d e do g é n e r o . P o r é m ,
s e d i s pens armos a p r i o ri d a d e d e h o m e m e m u l h e r c o m o
s u b s t â n c i a s p e r m a n e n t e s , n ã o s e r á m a i s p o s s í v el s u b o r d i n a r
t r a ç o s d i s s o n a n t e s d o g é n e r o c o m o c a r a c t e r í s t i c a s s e c u n d á
r i as o u a c i d e n t a i s d e u m a o n t o l o g i a d o g é n e r o q u e p e r m a n e
c e f u n d a m e n t a l m e n t e i n t a t a .
Se a
n o ç ã o
de
u m a s u b s t â n c i a
p e r m a n e n t e
é
u m a con s t ru ção f ic t íc i a, pr od u z i d a pe l a
or-
d e n a ç ã o c o m p u l s ó r i a de a t r i b u t o s e m s e q u ê n c i a s d e g é n e r o
coerent es , ent ão o g é n e ro c o m o s u b s t â n c i a , a v i a b i l i d a d e
de homem e mulher c o m o s u b s t a n t i v o s, se vê q u e s t i o n a d o
pelo jogo
d i s s o n a n t e d e a tr i b u t o s q u e n ã o se c o n f o r m a m a o s
mod e l os s equ enci a i s ou c a u s a i s de i n t e l i g i b i l i d a d e .
D e s se m o d o , a a p a r ê n c i a de u m a s u b s t â n c i a p e r m a n e n t e
o u de um eu c o m t r a ç o s de g é n e r o , ao q u a l o p s i q u i a t r a
R o b e r t S t o l l e r se r e f e r e c o m o o n ú c l e o do género ,^** é
p r o d u z i d a p e l a r e g u l a ç ã o dos a t r i b u t o s segundo l i n h a s
d e c o e r ê n c i a c u l t u r a l m e n t e e s t a b e l e c id a s .
E
r e s u l t a
que
a d e n ú n c i a d e s s a p r o d u ç ã o f ic tí ci a
é
c o n d i c i o n a d a p e l a
i n t e r a ç ã o d e s r e g u l a d a
de
a t r i b u t o s q u e r e s i s t e m
à
s u a a s s i
m i l a ç ã o n u m a e s t r u t u r a p r o n t a d e s u b s t a n t i v o s p r i m á r i o s
e
a d j e t iv o s s u b o r d i n a d o s . C l a r o q u e é s e m p r e p o s s í v e l a r g u
m e n t a r q u e os a d j e ti v o s d i s s o n a n t e s agemr e t r o a t i v a m e n t e .
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 23/30
PROBLEMAS DE GÊNERO
r e d e f i n i n d o as id e n t i d a d e s s u b s t a n t i v a s que s u p o s t a m e n t e
m o d i f i c a m , e
e x p a n d i n d o c o n s e qu e n t e m e nt e
as
c a t e g o r i a s
s u b s t a n t i v a s do g é n e r o , p a r a
i n c l u i r
p o s s i b i l i d a d e s que e la s
a n t es e x c l u í a m .
M as se
essas s u b s t â n c i a s n a d a m a i s s ã o
do
q u e c o e r ê n c i a s c o n t i n g e n t e m e n t e c r i a d a s p e l a r e g u l a ç ã o de
a t r i b u t o s , a
p r ó p r i a o n t o l o g i a
das
s u b s t â n c i a s a f i g u r a - s e
n ã o
só um
efe i to
a r t i f i c i a l , mas
e s s e n c i a l m e n t e s u p é r f l u a .
Nesse
s e n t i d o ,
o género
n ã o
é
u m s u b s t a n t i v o , m a s
t a m
pouco
é um c o n j u n t o de a tr ibu tos f lutua ntes , p ois v im os
q ue seu efe ito subs ta nt iv o
é performativamente
p r o d u z i d o
e
i m p o s t o p e l a s p r á t i c a s r e g u l a d o r a s da c o e r ê n c i a do g é n e r o .
C o n s e q u e n t e m e n t e ,
o
g é n e r o m o s t r a
ser performativo no
i n t e r i o r do
d i s c u r s o h e r d a d o
da
m e t a f í s i c a
da
s u b s t â n c i a
— isto
é,
c o n s t i t u i n t e
da
i d e n t i d a d e
que
s u p o s t a m e n t e
é.
Nesse
s e n t i d o ,
o
g é n e r o
é
s e m p r e
um
f e it o , a i n d a
que não
se ja obra de um s u je i t o t i d o c o m o p r e e x i s t e n t e à o b r a . N o
desafio
de
r e p e n s a r
as
c a t e g o r i a s
do
g é n e r o f o r a
da
m e t a
f í s ica da s u b s t â n c i a , é m i s t e r c o n s i d e r a r a r e l e v â n c i a da
a f i r m a ç ã o
de
N i e t z s c h e ,
em enealogia
da
moral de que
n ã o há ' s e r ' p or t r á s do fa z er , do r e a l i z a r e do t o r n a r - s e ; o
' f a z e d o r '
é
um a me ra f icçã o a crescen ta da
à
o b r a
— a
o b r a
é
t u d o . ^ ' N u m a a p l i c a ç ã o q u e
o
p r ó p r i o N i e t z s c h e n ã o
teria
a n t e c i p a d o ou a p r o v a d o , n ó s a f i r m a r í a m o s c o m o c o r o l á r i o :
n ã o
há
i d e n t i d a d e
de
g é n e r o
por
t r á s
das
e x p r e s s õ e s
do
g é n e r o ;
essa ident ida de é performativamente c o n s t i t u í d a ,
p e l a s p r ó p r i a s e x p r e s s õ e s t i d a s c o m o
seus
r e s u l t a d o s .
Linguagem poder e estr tégi s de deslocamento
G r a n d e p a r t e
da
t e o r i a
e da
l i t e r a t u r a f e m i n i s t a s s u p õ e ,
t o d a v i a ,
a
e x i s t ê n c i a
de um
f a z e d o r
po r
t r á s
da
o b r a .
A r g u m e n t a - s e
que sem um
agente
não
pode h a v e r a ç ã o
e.
6
SUJEITOS DO SEXO/GÊNERO/DESEJO
p o r t a n t o , p o t e n c i a l p a r a
i n i c i a r
q u a l q u e r t r a n s f o r m a ç ã o
d a s r e l a ç õ e s
de
d o m i n a ç ã o
no
seio
da
s o c i e d a d e .
A
t e o r i a
f emini s ta
r a d i c a l
de W i t t ig
o c u p a u m a p o s i ç ão a m b í g u a
no
continuum das t e o r i a s
sobre
a q u e s t ã o do s u j e i t o . Por um
l a d o , W i t t i g p a r e c e c o n t e s t a r a m e t a f í s i c a da s u b s t â n c i a ,
m a s , por o u t r o , e l a m a n t é m o s u j ei t o h u m a n o , o i n d i v í d u o ,
c o m o
locus
m e t a f í s i c o
da
a ç ão . E m b o r a
o
h u m a n i s m o
de
W i t t i g
p r e s s u p o n h a c l a r a m e n t e
a
e x i s t ê n c i a
de um agente
por t rá s
da
o b r a ,
sua
t e o r i a d e l i n e i a
a
c o n s t r u ç ã o
perfor-
mativa
do
g é n e r o
nas
p r á t ic a s m a t e r i a i s
da
c u l t u r a , c o n
testa ndo
a
t e m p o r a l i d a d e das e x p l i c a ç õ e s que c o n f u n d e m
c a u s a e r e s u l t a d o . N u m a f r a se que sugere o e s p a ç o
i n t e r t e x t u a l que l i g a W i t t i g a F o u c a u l t (e r e v e l a t r a ç o s
d a i d e i a m a r x i s t a
de
r e i f i c a ç ã o
nas
t e o r i a s
de ambos os
p e n s a d o r e s ) ,
ela
escrev e:
U m a
abordagem
fem inista ma ter ia l i s ta mostra que a q ui
lo
que
toma mos
por
ca usa
ou
origem
da
opressã o
é na
verdade
a marca
imposta
pelo
opressor ;
o
m i t o
da
m u
l h e r , somado a seus
efeitos
e
ma ni festa ções m a ter ia i s
na
consciência
e nos
corpos a propria dos
das
mulheres .
A s s i m ,
essa ma rca nã o preex iste
à
opressã o
[...] o sexo é
toma do como um dado i m e d i a t o , u m dado sensív el ,
como ca ra cter í s t ica s f í s ica s pertencentes
a
uma ordem
natura l .
M a s
o
que acreditamo s ser uma perce pção física
e d i reta
é
somente um a constru çã o sof i s t ica da
e
mít ica ,
um a
forma çã o ima g iná r ia .
P o r e s s a p r o d u ç ã o
de
n a t u r e z a o p e r a r
de
a c o r d o c o m
os di ta mes
da
h e t e r o s s e x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a ,
o
s u r g i m e n
to
do
desejo h o m o s s e x u a l t r a n s c e n d e ,
na
o p i n i ã o d e l a ,
as
ca tegoria s do s e x o : se o desejo
pudesse
l i b e r t a r a si m e s m o ,
n a d a t e r i a a v e r c o m a m a r c a ç ã o p r e l i m i n a r
pelos
sex os .
U 7
M M
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 24/30
PROBLEMAS DE GÊNERO
W i t t i g
re fere-se
ao
s e x o c o m o
uma
m a r c a
que de
a l g u m modo
é
a p l i c a d a p e l a h e t e r o s s e x u a l i d a d e
i n s t i t u
c i o n a l i z a d a ,
m a r c a e s t a que pode ser apagada ou o b s c u
r e c i d a
por m e i o de p r á t i c a s que e f e t i v a m e n t e c o n t e s t e m
e s s a i n s t i t u i ç ã o . Su a o p i n i ã o ,
é
c l a r o , d i f e r e r a d i c a l m e n t e
d a q u e l a d e I r i g a r a y . E s t a ú l t i m a c o m p r e e n d e r i a
a
m a r c a
d e g é n e r o c o m o p a r t e d a e c o n o m i a s i g n i f i c a n t e h e g e m ó n i c a
d o m a s c u l i n o ,
que
o p e r a m e d i a n t e
a
a u t o e l a b o r a ç ã o
dos
m e c a n i s m o s e s p e cu l a r e s q u e v i r t u a l m e n t e d e t e r m i n a r a m
o c a m p o da o n t o l o g i a na t r a d i ç ã o f i l o s ó fi c a o c i d e n t a l .
P a r a W i t t i g , a l i n g u a g e m é um i n s t r u m e n t o ou u t e n s í l i o
q u e a b s o l u t a m e n t e não é m i s ó g i n o em s u a s e s t r u t u r a s ,
m a s s o m e n t e e m s u a s a p l i ca ç õ e s . ' '̂ P a r a I r i g a r a y ,
a
p o s s i
b i l i d a d e
de
o u t r a l i n g u a g e m
ou
e c o n o m i a s i g n i f i c a n t e
é a
ú n i c a c h a n c e
de
f u g i r
da
m a r c a
do
g é n e r o , q u e , p a r a
o
f e m i n i n o , n a d a m a i s
é do que a
o b li t e r a ç ã o m i s ó g i n a
do
sexo
f e m i n i n o . E n q u a n t o I r i g a r a y b u s c a e x p o r
a
r e l a ç ã o
o s t e n s i v a m e n t e b i n á r i a e n t r e os sexos c o m o um a r d i l
m a s c u l i n i s t a
que e x c l u i por c o m p l e t o o f e m i n i n o , W i t t i g
a r g u m e n t a q u e p o s i ç õ e s c o m o
a de
I r i g a r a y r e c o n s o l i d a m
a l ó g i c a b i n á r i a e x i s t e n t e e n t r e
o
m a s c u l i n o
e o
f e m i n i n o ,
e r e a t u a l i z a m u m a i d e i a m ít i c a
do
fe m i n i n o . I n s p i r a n d o - s c
c l a r a m e n t e
na
c r í t i c a
de
B e a u v o i r
em O
segundo sexo
W i t t i g
a f i r m a q u e n ã o
há
' e s c r i t a f e m i n i n a ' . ' ' ^
W i t t i g
a c a t a c l a r a m e n t e
a
i d e i a
de um poder da
l i n
guagem de
s u b o r d i n a r
e
e x c l u i r
as
m u l h e r e s . C o m o m a
t e r i a l i s t a ,
c o n t u d o , e l a c o n s i d e r a
a
l i n g u a g e m c o m o u m a
o u t r a o r d e m
de
m a t e r i a l i d a d e , ' ' ''
uma
i n s t i t u i ç ã o
que
pode
ser
r a d i c a l m e n t e t r a n s f o r m a d a .
l inguagem f igura
r i a e n t r e as p r á t i c a s e i n s t i t u i ç õ e s c o n c r e t a s e c o n t i n g e n t e s
m a n t i d a s p e l a s e s c o l h a s i n d i v i d u a i s , e c o n s e q u e n t e m e n t e ,
en fraquec idas p elas aç ões c o let ivas de se lec ionar ind iv íduos .
8
SUJEITOS
DO SEXO GÊNERO DESEJO
A
f i c ç ão l inguís t ic a do s e x o , a r g u m e n t a e l a , é u m a ca-
t e g o r i a p r o d u z i d a
e
d i s s e m i n a d a
pelo
s i s t e m a
da
h e t e r o s
s e x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a , n u m e s f o r ç o p a r a r e s t r i n g i r
a
p r o d u ç ã o
de
id e n t i d a d es e m c o n f o r m i d a d e c o m
o
e i x o
do
desejo h e t e r o s s e x u a l . E m a l g u n s
de
seus t r a b a l h o s , t a n t o
a h o m o s s e x u a l i d a d e m a s c u l i n a c o m o
a
f e m i n i n a , a s s i m
c o m o o u t r a s p o s i ç õ e s i n d e p e n d e n t e s
do
c o n t r a t o h e t e r o s
s e x u a l ,
f a c u l t a m t a n t o a s u b v e r s ã o c o m o a p r o l i f e r a ç ã o da
c a t e g o r i a
do
se x o . E m
The
Lesbian
ody
[ O c o r p o l é s b i c o ] ,
c o m o e m o u t r o s e s c r i t o s ,
W i t t i g
p a r e c e d i s c o r d a r c o n t u d o
d e u m a s e x u a l i d a d e g e n i t a l m e n t e o r g a n i z a d a
per
se e evoc ar
u m a e c o n o m i a a l t e r n a t i v a d o s p r a z e r e s ,
a
q u a l c o n t e s t a r i a
a
c o n s t r u ç ã o d a s u b je t i v i d a d e f e m i n i n a , m a r c a d a p e l a f u n ç ã o
rep rodut iva que sup ostam ente d i s t ingue as m ulh eres . ' '^ A q u i
a p r o l i f e r a ç ã o de p r a z e r e s f o r a da e c o n o m i a r e p r o d u t i v a
sugere uma f o r m a e s p e c i f i c a m e n t e f e m i n i n a de d i f u s ã o
e r ó t i c a , c o m p r e e n d i d a c o m o c o n t r a e s t r a t é g i a e m r e l a ç ã o
à
c o n s t r u ç ã o r e p r o d u t i v a
da
g e n i t a l i d a d e . E m c e r t o s e n t i d o ,
p a r a
W i t t i g , The
Lesbian ody
pode ser
e n t e n d i d o c o m o
u m a l e i t u r a i n v e r t i d a
dos
Três ensaios sobre
a
teoria
da
sexualidade
de
F r e u d , em que e le defende
a
s u p e r i o r i d a d e
d a s e x u a l i d a d e g e n i t a l e m t e r m o s do d e s e n v o l v i m e n t o , so-
br e a s e x u a l i d a d e i n f a n t i l , m a i s r e s t ri t a e d i f u s a . S o m e n t e o
i n v e r t i d o ,
c l a s s i f i c a ç ã o m é d i c a i n v o c a d a p o r F r e u d p a r a
o h o m o s s e x u a l , d e i x a
de
a t i n g i r
a
n o r m a g e n i t a l .
o
e m p r e e n d e r
uma
c r í t i c a p o l í t i c a
da
g e n i t a l i d a d e ,
W i t t i g
p a r e c e d e s d o b r a r
a
i n v e r s ã o c o m o p r á t i c a
de
l e i t u r a c r í
t i c a , v a l o r i z a n d o p r e ci s a m e n t e
os
aspectos
da
s e x u a l i d a d e
n ã o d e s e n v o l v i d a d e s i g n a d a p o r F r e u d ,
e
i n a u g u r a n d o efe-
t i v a m e n t e u m a p o l í t i c a p ó s - g e n i t a l . ' ' * A l i á s , a n o ç ã o de
d e s e n v o l v i m e n t o s ó pode se r l i d a c o m o u m a n o r m a l i z a ç ã o
d e n t r o
da
m a t r i z h e t e r o s s e x u a l . T o d a v i a , s e r á e ss a
a
ú n i c a
9
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 25/30
PROBLEMAS DE G Ê N R O
l e i t u r a p o s s í v e l de F r e u d ? E em que m e d i d a a p r á t i c a de
i n v e r s ã o de W i t t i g e s t a r á c o m p r o m e t i d a c o m o m o d e l o
d e n o r m a l i z a ç ã o
que ela
m e s m a b u s c a d e s m a n t e l a r ?
E m
o u t r a s p a l a v r a s , s e
o
m o d e l o d e u m a s e x u a l i d a d e a n t i g e n i t a l
e m a i s d i f u s a s e r v e c o m o a l t e r n a t i v a s i n g u l a r e d e o p o s i ç ã o
à e s t r u t u r a h e g e m ó n i c a da s e x u a l i d a d e , em que m e d i d a
n ã o e s t a r á e s s a r e l a ç ã o b i n á r i a f a d a d a
a
r e p r o d u z i r - s e i n
t e r m i n a v e l m e n t e ? Q u e p o s s i b i li d a d e s e x i s t e m de r u p t u r a
d o p r ó p r i o b i n á r i o o p o s i c i o n a l ?
A
o p o s i ç ã o de W i t t i g à p s i c a n á l i s e p r o d u z u m a c o n
s e q u ê n c i a i n e s p e r a d a . Sua t e o r i a p r e s u m e j u s t a m e n t e a
t e o r i a p s i c a n a l í t i c a
do
d e s e n v o l v i m e n t o , n e l a p l e n a m e n t e
i n v e r t i d a ,
q u e e l a b u s c a s u b v e r t e r .
A
p e r v e r s ã o p o l i m ó r -
f i c a , q u e s u p o s t a m e n t e e x i s t i r i a a n t e s
da
m a r c a
do
s e x o ,
é
v a l o r i z a d a c o m o u m
telos da
s e x u a l i d a d e h u m a n a . ' ' ^ U m a
r e s p o s t a p s i c a n a l í t i c a f e m i n i s t a p o s s ív e l às c o l o c a ç õ e s de
W i t t i g
s e r i a a r g u m e n t a r
que ela
t a n t o s u b t e o r i z a c o m o
s u b e s t i m a o s i g n i f i c a d o e a f u n ç ã o da lingu gem em que
o c o r r e a m a r c a do g é n e r o . E l a c o m p r e e n d e e s s a p r á t i c a
d e m a r c a ç ã o c o m o c o n t i n g e n t e , r a d i c a l m e n t e v a r i á v e l
e
m e s m o d i s p e n s á v e l .
O
st tus
de proibição
p r i m á r i a ,
na
t e o r i a l a c a n i a n a , o p e r a m a i s e f i c a z m e n t e
e
m e n o s c o n
t i n g e n t e m e n t e
do que a
n o ç ã o
dc prátic regul dor em
F o u c a u l t , ou e do que a d e s c r i ç ã o m a t e r i a l i s t a de um
s i s t e m a de o p r e s s ã o h e t e r o s s e x i s t a emW i t t i g .
E m L a c a n , c o m o n a r e f o r m u l a ç ã o p ó s - l a c a n i a n a d e F r e u d
p o r I r i g a r a y ,
a
d i fe r e n ç a s e x u a l n ã o é u m b i n á r i o s i m p l e s q u e
r e t é m a m e t a f í s i c a d a s u b s t â n c i a c o m o s u a f u n d a ç ã o . O s u
j e i t o m a s c u l i n o u m a c o n s t r u ç ã o f i c t í c i a , p r o d u z i d a p e l a
le i q u e p r o í b e
o
i n c e st o e i m p õ e u m d e s l o c a m e n t o
in f in i to do
desejo h e t e r o s s e x u a l i z a n t c .
O
f e m i n i n o n u n c a u m a m a r
c a do
s u j e i t o ;
o
f e m i n i n o n ã o pode
ser o
a t r i b u t o
de um
6
SUJEITOS DO SEXO GÊNERO DESEJO
g é n e r o . Ao i n v é s d i s s o , o f e m i n i n o é a s i g n i f i c a ç ã o d a f a l t a ,
s ig n i f icad a pelo S i m b ó l i c o , u m c o n j u n t o de r e g r a s l i n g u í s
t i c a s d i f e r e n c i a i s q u e e f e t i v a m e n t e c r i a a d i f e r e n ç a s e x u a l .
A
p o s i ç ã o l i n g u í s t i c a m a s c u l i n a p a s s a p e l a i n d i v i d u a ç ã o
e
h e t e r o s s e x u a l i z a ç ã o e x i g i d a s p e l a s p r o i b i ç õ e s f u n d a d o r a s
da
le i
S i m b ó l i c a ,
a
le i
do
P a i .
O
i n c e s t o , q u e s e p a r a
o
f i lho
da
m ã e
e,
p o r t a n t o , i n s t a l a
a
r e l a ç ã o
de
paren tes co entre e les ,
é u m a l e i d e c r e t a d a e m n o m e do P a i . S e m e l h a n t e m e n t e , a
lei q u e p r o í b e o desejo da m e n i n a t a n t o p o r s u a m ã e c o m o
por s eu pa i exige q u e e l a a s s u m a o e m b l e m a da m a t e r n i d a
de
e
p e r p e t u e
as
r e g r a s
de
p a r e n t e s c o . A m b a s
as
p o s i ç õ e s ,
m a s c u l i n a
e
f e m i n i n a , s ã o a s s i m i n s t i t u í d a s p o r m e i o d e l e i s
p r o i b i t i v a s q u e p r o d u z e m g é n e r o s c u l t u r a l m e n t e i n t e l i g í v e i s ,
m a s s o m e n t e m e d i a n t e
a
p r o d u ç ã o
de
u m a s e x u a l i d a d e i n
c o n s c i e n t e , q u e r e s s u r g e no d o m í n i o do i m a g i n á r i o . '
A
a p r o p r i a ç ã o f e m i n i s t a da d i f e r e n ç a s e x u a l , e s c r i t a e m
o p o s i ç ã o
ao
f a l o c e n t r i s m o
de
L a c a n ( I r ig a r a y )
ou
c o m o
s u a r e e l a b o r a ç ã o c r í t i c a , t e n t a t e o r i z a r o f e m i n i n o , não
c o m o uma e x p r e s s ã o da m e t a f í s i c a da s u b s t â n c i a , mas
c o m o u m a a u s ê n c i a n ã o r e p r e s e n t á v e l , p r o d u z i d a p e l a
ne-
g a ç ã o ( m a s c u l i n a )
que
estabelece
a
e c o n o m i a s i g n i f i c a n t e
p o r
via da
e x c l u s ã o . C o m o r e p u d i a d o / e x c l u í d o d e n t r o
do
s i s t e m a ,
o
f e m i n i n o c o n s t i t u i u m a p o s s i b il i d a d e
de
c r í t ica
e de r u p t u r a c o m esse e s q u e m a c o n c e i t u a i h e g e m ó n i c o . Os
t r a b a l h o s de J a c q u e l i n e R o s e ' e Jane G a l l o p ' ' ° s u b l i n h a m
d e d i f e r e n te s m a n e i r a s o st tus c o n s t r u í d o da d i f e r e n ç a
s e x u a l ,
a
i n s t a b i l id a d e i n e r e n te d e s s a c o n s t r u ç ã o ,
e a
l in h a
d e c o n s e q u ê n c i a s d u a i s
de uma
p r o i b i ç ã o
que a um só
t e m p o i n s t i t u i
a
id e n t i d a d e s e x u a l
e
p o s s i b i l i t a
a
d e n ú n c i a
d a s t é n u e s bases d e s u a c o n s t r u ç ã o . E m b o r a W i t t i g e o u t r a s
f e m i n i s t a s m a t e r i a l i s t a s
do
c o n t e x t o f r a n c ê s a r g u m e n t e m
qu e a d i fe r e n ç a s e x u a l é u m a r e p l i c a ç ã o i r r e f l e t id a dc um
6
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 26/30
PROBLEMAS DE GÊNERO
c o n j u n t o r e i f i c a d o de p o l a r i d a d e s s e x u a d a s , s u a s r e f l e x õ e s
n e g l i g e n c i a m a d i m e n s ã o c r í t i c a do i n c o n s c i e n t e , o q u a l ,
c o m o
sede
da s e x u a l i d a d e r e c a l c a d a , r e s su r g e no d i s c u r s o
d o s u je i t o como a p r ó p r i a i m p o s s i b i l i d a d e d e s u a c o e r ê n c i a .
C o m o d e s ta c a R o s e m u i t o c l a r a m e n t e , a c o n s t r u ç ã o d e u m a
i d e n t i d a d e s e x u a l c o e r e n t e , em c o n f o r m i d a d e c o m o e i x o
d i s j u n t i v o d o f e m i n i n o / m a s c u l i n o , e s tá f a d a d a
ao
fracasso;^ '
a s r u p t u r a s d e s s a c o e r ê n c i a por m e i o do r e s s u r g i m e n t o
i n o p i n a d o
do
r e c a l c a d o r e v e l a m n ã o
s ó
qu e
a
i d e n t i d a d e
é c o n s t r u í d a , m a s q u e a p r o i b i ç ã o q u e c o n s t r ó i a i d ent i d ad e
é i ne f i caz (a l e i p a t e r n a n ã o
deve
ser en t e n d i d a c o m o u m a
v o n t a d e
d i v i n a
d e t e r m i n i s t a , m a s c o m o u m
passo
em fa l s o
p e r p é t u o a p r e p a r a r o t e r re n o p a r a i n s u r r e i ç õ e s c o n t r a e l a ) .
A s d i f e renças ent re as p o s i ç õ e s m a t e r i a l i s t a e l a c a n i a n a
( e p ó s - l a c a n i a n a ) e m e r g e m na d i s p u t a n o r m a t i v a s o b r e se
h á u m a s e x u a l i d a d e r e s g a t á v e l a n t e s ou f o r a da l e i , na
m o d a l i d a d e d o i n c o n s c i e n t e , o u d e p o i s da l e i , c o m o s e x u
a l i d a d e p ó s - g e n i t a l . P a r a d o x a l m e n t e ,
o
t r o p o n o r m a t i v o d a
p e r v e r s ã o p o l i m ó r f i c a é c o m p r e e n d i d o c o m o c a r a c t e r i z a d o r
d e a m b a s
as
v i s õ e s
de
s e x u a l id a d e a l t e r n a t i v a . C o n t u d o ,
n ã o há a c o r d o s o b r e a m a n e i r a de d e l i m i t a r e s sa l e i
o u c o n j u n t o de l e i s . A c r í t i c a p s i c a n a l í t i c a dá c o n t a da
c o n s t r u ç ã o do s u j e i t o — e t a l v e z t a m b é m da i l u s ão da
s u b s t â n c i a — n a m a t r i z d a s r e l a ç õ e s n o r m a t i v a s d e g é n e r o .
E m
s e u m o d o e x i s t e n c i a l - m a t e r i a l i s t a , W i t t i g p r e s u m e q u e o
s u j e i t o , a p e s s o a , t e m u m a i n t e g r i d a d e p r é - s o c i a l e a n t e r i o r
a
s eu s t raços
de
g é n e r o . P o r o u t r o l a d o ,
a
le i p a t e r n a , c m
L a c a n , a s s i m c o m o
a
p r i m a z i a m o n o l ó g i c a d o f a l o c e n t r i s m o
e m I r i g a r a y , l e v a m a m a r c a de u m a s i n g u l a r id a d e m o n o -
t e í s t i ca t a l vez menos u ni t á r i a e c u l t u r a l m e n t e u n i v e r s a l do
q u e p r e s u m e m as su p o s i ç õ e s e s t r u t u r a l i s t a s .
A
d i s p u t a , p o r é m , t a m b é m p a r e c e g i r a r
em
t o r n o
d a
a r t i c u l a ç ã o de um t r o p o t e m p o r a l de uma s e x u a l i d a d e
6
SUJEITOS DO SEXO GÊNERO DESEJO
s u bvers i va , qu e f l ores ce ntes d a i m p o s i ç ã o d a
l e i ,
pó s s u a
d e r r u b a d a o u d u r a n t e s u a v i g ê n c i a , c o m o d e s a f io c o n s t a n t e
à s u a a u t o r i d a d e .
A q u i
p a r e c e s e n s a t o e v o c a r n o v a m e n t e
F o u c a u l t , q u e , ao a f i r m a r q u e s e x u a l i d a d e e p o d e r s ã o c o -
e x t e n s i v o s , r e f u t a i m p l i c i t a m e n t e a p o s t u l a ç ã o de u m a se-
x u a l i d a d e s u b v e r s i v a o u e m a n c i p a t ó r i a q u e p o s s a s e r
l i v r e
d a l e i . P o d e m o s
i n s i s t i r
n e s s e a r g u m e n t o , s a l i e n t a n d o
que
o a n t e s
e o
d e p o i s
da
le i s ã o m o d o s
de
t e m p o r a l i d a d e
d i s c u r s i v a e perform tiv mente i n s t i t u í d o s , i n v o c a d o s
n o s t e r m o s de u m a e s t r u t u r a n o r m a t i v a q u e a f i r m a q u e a
s u b v e r s ã o , a d e s e s t a b i l i z a ç ã o ou o d e s l o c a m e n t o e x i g e m
u m a s e x u a l i d a d e q u e d e a l g u m m o d o escape d a s p r o i b i ç õ e s
h e g e m ó n i c a s a p e s a r e m s o b r e o s e xo . P a r a F o u c a u l t , essas
p r o i b i ç õ e s
são
i n v a r i á v e l
e
i n o p i n a d a m e n t e p r o d u t i v a s ,
no s ent i d o de que o s u j e i t o que s u p o s t a m e n t e é f u n d a
d o e p r o d u z i d o n e l a s e por m e i o d e l a s não te m
acesso
a
u m a s e x u a l i d a d e que e s t e j a , em a l g u m s e n t i d o , f o r a ,
a n t e s ou d e p o i s do p r ó p r i o p o d e r . O p o d e r , ao i nvés
d a l e i , a b r a n g e t a n t o as f u n ç õ e s ou r e l a ç õ e s d i f e r e n c i a i s
j u r í d i c a s ( p r o i b i t i v a s
e
r e g u l a d o r a s ) c o m o
as
p r o d u t i v a s
( i n i n t e n c i o n a l m e n t e g e n e r a t i v a s ) . C o n s e q u e n t e m e n t e ,
a
s e x u a l i d a d e que
emerge
na m a t r i z das r e l a ç õ e s de p o d e r
n ã o é u m a s i m p l e s d u p l i c a ç ã o ou c ó p i a da l e i e l a m e s m a ,
u m a r e p e t i ç ã o u n i f o r m e de uma e c o n o m i a m a s c u l i n i s t a
d a i d e n t i d a d e . As p r o d u ç õ e s se d e s v i a m de se u s p r o p ó s i t o s
o r i g i n a i s e m o b i l i z a m i n a d v e r t i d a m e n t e p o s s i b il i d a d e s
d e s u j e i t o s
que não
a p e n a s u l t r a p a s s a m
os
l i m i t e s
da
i n t e l i g i b i h d a d e
c u l t u r a l
c o m o e f e t iv a m e n t e e x p a n d e m
as
f r o n t e i r a s do que é de f a to c u l t u r a l m e n t e i n t e l i g í v e l .
A
n o r m a f e m i n i s t a da s e x u a l i d a d e p ó s - g e n i t a l t o r n o u - s e
o b j e t o de u m a c r í t i c a s i g n i f i c a t i v a da p a r t e das t e ó r i c a s
f e m i n i s t a s da s e x u a l i d a d e , a l g u m a s das q u a i s b u s c a r a m
u m a
a p r o p r i a ç ã o e s p e c i f i c a m e n t e f e m i n i s t a e / o u l é s b i c a
de
63
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 27/30
PROBLEMAS DE GÊNERO
F o u c a u l t . C o n t u d o ,
a
n o ç ã o u t ó p i c a
de
u m a s e x u a l i d a d e
l i v r e d o s c o n s t r u t o s h e t e r o s s e x u a i s , u m a s e x u a l i d a d e a l é m
d o s e x o , n ã o c o n s e g u i u r e c o n h e c e r
as
m a n e i r a s c o m o
as
r e l a ç õ e s d e
poder
c o n t i n u a m c o n s t r u i n d o a s e x u a l i d a d e d a s
m u l h e r e s , m e s m o n o s t e r m o s de u m a h o m o s s e x u a l i d a d e o u
l e s b ia n i s m o l i b e r a d o s . A m e s m a c r í t i c a é f e it a c o n t r a a
n o ç ã o
de
u m p r a z e r s e x u a l e s p e c if i c am e n t e f e m i n i n o , r a d i
ca l me nt e d i f e renc i a d o d a s exua l i d a d e f á l i ca . Os e s forços oca
s i o n a i s
de
I r i g a r a y p a r a d e d u z i r u m a s e x u a l i d a d e f e m i n i n a
es pec í f i ca
de
u m a a n a t o m i a f e m i n i n a e s p e c íf i c a f o r a m ,
por
a l g u m t e m p o ,
o
cent r o d os a rgum ent os a nt i e s s enc i a l i s t a s . ^ ' '
O r e t o r n o à b i o l o g i a c o m o base de uma s e x u a l i d a d e ou
s i g n i f i c a ç ã o e s p e c í f i c a s f e m i n i n a s p a r e c e d e s b a n c a r a p r e
m i s s a f e m i n i s t a de que a b i o l o g ia n ã o é o d e s t in o . P o r é m ,
q u e r
a
s e x u a l i d a d e f e m i n i n a
se
a r t i c u l e a q u i n u m d i s c u r s o
d a b i o l og i a po r mot i v os pura m ent e e s t ra t ég i cos ,^^ quer s e ja
d e f a t o u m r e t o r n o f e m i n i s t a
ao
e s s e n c i a li s m o b i o l ó g i c o ,
a
c a r a c t e r i z a ç ã o d a s e x u a l i d a d e f e m i n i n a c o m o r a d i c a l m e n t e
d i s t i n t a da
o r g a n i z a ç ã o f á li c a d a s e x u a l i d a d e c o n t i n u a p r o
b l emát i ca . As mul heres que não reconhecem es s a s exua l i d a d e
c o m o s u a , ou não c o m p r e e n d e m sua s e x u a l i d a d e c o m o
p a r c i a l m e n t e c o n s t r u í d a n o s t e r m o s d a e c o n o m i a f á l i c a s ã o
p o t e n c i a l m e n t e d e s c a r t a d a s
po r
e s s a t e o r i a , a c u s a d a s
de
i d e n t i f i c a ç ã o c o m
o
m a s c u l i n o
ou de
o b s c u r a n t i s m o .
N a v e r d a d e ,
o
t e x t o
de
I r i g a r a y
é
f r e q u e n te m e n t e o b s c u r o
sobre
a
q u e s t ã o
de
saber
se a
s e x u a l i d a d e
é
c u l t u r a l m e n t e
c o n s t r u í d a ,
ou se só é
c u l t u r a l m e n t e c o n s t r u í d a n o s t e r m o s
d o f a l o . E m o u t r a s p a l a v r a s , e s t a r i a o pra zer e s pec i f i ca ment e
f e m i n i n o f o r a da c u l t u r a , c o m o sua p r é - h i s t ó r i a ou seu
f u t u r o u t ó p i c o ?
Se
a s s i m
for de que
s e rve e s s a n oçã o
nas
n e g o c i a ç õ e s
das
d is p u t a s c o n t e m p o r â n e a s
sobre a
s e x u a l i
dade
e m t e r m o s
de
s u a c o n s t r u ç ã o ?
6
SUJEITOS DO SEXO GÊNERO DESEJO
O m o v i m e n t o p r ó - s e x u a l i d a d e no â m b i t o da t e o r i a e
d a p r á t i c a f e m i n i s t a s t e m e f e t i v a m e n t e a r g u m e n t a d o q u e
a
s e x u a l i d a d e s e m p r e é c o n s t r u í d a n o s t e r m o s do d i s c u r s o e
d o
poder sendo
o poder
e m p a r t e e n t e n d i d o e m t e r m o s d a s
c o n v e n ç õ e s c u l t u r a i s h e t e r o s s e x u a is
e
f á l i ca s .
A
e m e r g ê n c i a
d e u m a s e x u a l i d a d e c o n s t r u í d a ( n ã o d e t e r m i n a d a )
nesses
t e r m o s ,
nos
c o n t e x t o s l é s b i c o , b i s s e x u a l
e
h e t e r o s s e x u a l ,
ã c o n s t i t u i , p o r t a n t o , u m
s i n a l
d e i d e n t i fi c a ç ã o m a s c u l i n a
n u m
s e n t i d o r e d u c i o n i s t a . N ã o
se
t r a t a
de
n e n h u m p r o j e t o
f r a c a s s a d o de c r i t i c a r o f a l o c e n t r i s m o ou a h e g e m o n i a
h e t e r o s s e x u a l , c o m o
se
c r í t i c a s p o l í t i c a s t i v e s s e m
o poder
d e d es fa zer e fe t i va m ent e
a
c o n s t r u ç ã o c u l t u r a l
da
s e x u a l i
dade das
c r í t i c a s f e m i n i s t a s .
Se a
s e x u a l i d a d e
é
c o n s t r u í d a
c u l t u r a l m e n t e
no
i n t e r i o r d a s r e l a ç õ e s
de poder
e x i s t e n t e s ,
e n t ã o a p o s t u l a ç ã o d e u m a s e x u a l i d a d e n o r m a t i v a q u e e s te j a
a n t e s , f o r a
ou
a l é m
do poder
c o n s t i t u i u m a i m p o s
s i b i l i d a d e
c u l t u r a l
e
u m s o n h o p o l i t i c a m e n t e i m p r a t i c á v e l ,
q u e a d i a
a
t ar e f a c o n c r e t a
e
c o n t e m p o r â n e a
de
r e p e n s a r
as
p o s s i b i l i d a d e s s u b v e r s i v a s da s e x u a l i d a d e e da i d e n t i d a d e
n o s p r ó p r i o s t e r m o s
do
poder.
C l a r o q u e e s s a t a r e f a c r í t i c a
s u p õ e
que
o p e r a r
no
i n t e r i o r
da
m a t r i z
de poder
n ã o
é o
m e s m o q u e r e p r o d u z i r a c r i t i c a m e n t e
as
r e l a ç õ e s d e d o m i n a
ç ã o . E l a
oferece a
p o s s i b i l i d a d e
de
u m a r e p e t i ç ã o
da
l e i que
n ã o r e p r e s e n t a s u a c o n s o l i d a ç ã o , m a s s e u d e s l o c a m e n t o . N o
l u g a r
de
u m a se x u a l i d a d e c o m i d e n t i d a d e m a s c u l i n a , e m
q u e o m a s c u l i n o a t u a c o m o c a u s a e s i gn i f i ca d o i r red ut í ve l
d e s s a s e x u a l i d a d e ,
nós podemos
d e s e n v o l v e r
uma
n o ç ã o
d e s e x u a l i d a d e c o n s t r u í d a
em
t e r m o s
das
re l a çõ es f á l i ca s
de
poder
as
q u a i s r e e s t r u t u r a r i a m
e
r e d i s t r i b u i r i a m
as
p o s s i b i l i d a d e s
desse
f a l i c i s m o
por
m e i o , p r e c i s a m e n t e ,
da
o p e r a ç ã o s u b v e r s i v a d a s i d e n t i f i c a ç õ e s q u e s ã o i n e v i t á v e i s
n o c a m p o d e
poder
d a s e x u a l i d a d e . S e , c o m o d i z J a c q u e l i n e
R o s e , as id e n t i f i c a ç õ e s p o d e m ser d e n u n c i a d a s c o m o
6
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 28/30
PROBLEMAS DE GÊNERO
f a n t a s i a s , e n t ã o deve
ser
p o s s í v e l r e p r e s e n t a r u m a iden t i f i
c a ç ã o q u e e x i b a s u a e s t r u t u r a f a n t á s t i c a . E m n ã o h a v e n d o
u m r e p ú d i o r a d i c a l de uma s e x u a l i d a d e c u l t u r a l m e n t e
c o n s t r u í d a , o que res t a é saber c o m o r e c o n h e c e r e f a z e r
a c o n s t r u ç ã o e m que i n v a r i a v e l m e n t e e s ta m o s . H a v e r á
f o r m a s
de
r e p e t i ç ã o
que
n ã o c o n s t i t u a m s i m p l e s i m i t a ç ã o ,
r e p r o d u ç ã o
e,
c o n s e q u e n t e m e n te , c o n s o l i d a ç ã o
da lei a
n o ç ã o a n a c r ó n i c a
de
i d e n t i f i ca ç ã o m a s c u l i n a q u e deve ser
d e s c a r t a d a do v o c a b u l á r i o f e m . in i s ta ) ? Q u e p o s s i b i l i d a d e s
e x i s t e m d e c o n f i g u r a ç õ e s
de
género ent re
as
v á r i a s m a t r i z e s
emergentes — e às vezes conv ergent es — d a i n t e l i g i b i l i d ad e
c u l t u r a l
que rege a v i d a m a r c a d a
pelo
g é n e r o ?
N o s t e r m o s da t e o r i a s e x u a l f e m i n i s t a , é c l a r o que a
p r e s e n ç a da d i n â m i c a do
poder
na s e x u a l i d a d e n ã o é, em
n e n h u m s e n t i d o ,
a
m e s m a c o i s a
que a
c o n s o l i d a ç ã o
ou o
a u m e n t o p u r o e s i m p l e s de um r e g i m e de poder het eros
s e x i s t a
ou
f a l o c ê n t r i c o .
A
p r e s e n ç a
das
a s s i m c h a m a d a s
c o n v e n ç õ e s h e t e r o s s e x u a i s nos c o n t e x t o s h o m o s s e x u a i s ,
b e m c o m o
a
p r o l i f e r a ç ã o
de
d i s cu rs o s e s pec i f i cament e
gays
d a d i f e re n ç a s e x u a l , c o m o n o caso de
butch
e
femme
c o m o
i d ent i d ad es h i s t ór i cas d e e s t i l o s exu a l , não pode s e r expl i cad a
c o m o
a
repres ent ação qu i m ér i ca d e id ent i d ad es or i g i na l m ent e
h e t e r o s s e x u a i s . E t a m p o u c o e l a s p o d e m s e r c o m p r e e n d i d a s
c o m o
a
i ns is t ênc i a perni c i os a d e cons t ru t os he t eros s ex is t as na
s e x u a l i d a d e e na i d ent i d ad e gays. A repet i ção de cons t ru t os
h e t e r o s s e x u a is n a s c u l t u r a s s e x u a i s
gay e
hét ero bem
pode
repres ent ar o l u gar i nev i t áve l da d e s n a t u r a l i z a ç ã o e
m o b i l i
z a ç ã o
das
ca t egor i as
de
g é n e r o .
A
r e p l i c a ç ã o
de
cons t ru t os
h e t e r o s s e x u a i s em e s t ru t u ras não het ero s s exu a i s s a l i ent a o
status c a b a l m e n t e c o n s t r u í d o do a s s i m c h a m a d o h e t e ro s s e -
•O s termos
utch
e
femme
designam os p a p é i s masculino e feminino eventual-
mente assumidos nos relacionamentos l é s b i c o s N. T.)
66
SUJEITOS
DO SEXO GÉNERO DESEJO
x u a l o r i g i n a l .
A s s i m ,
o gay é p a r a o h é t e r o n ã o o q u e u m a
c ó p i a
é
p a r a o o r i g i n a l , m a s , e m v e z d i s so , o qu e u ma cópi a
é p a r a u m a c ó p i a . A r e p e t i ç ã o
i m i t a t i v a
do o r i g i n a l ,
d i s c u
t ida nas partes f inais do c a p í t u l o 3
deste
l i v r o , reve l a qu e o
o r i g i n a l n a d a m a i s é
do
q u e u m a p a r ó d i a d a
idei do
n a t u r a l
e d o or i g i na l . ^ ' ' M e s m o qu e cons t ru t os h e t eros s ex i s t as c i r c u
le m
com o l u gares pra t i cáve i s
de
pod er/ d i s cu rs o
a
p a r t i r
dos
q u a i s se faz o género, pers i s t e a perg u nt a : qu e po s s i b i l i d ad es
ex i s t em d e rec i rcu l ação? Qu e pos s i b i l i d ad es d e f azer
o
g é n e r o
repet em e d e s l o c a m , por m e i o da h i p é r b o l e da d i s s o n â n c i a ,
d a c o n f u s ã o i n t e r n a e d a p r o l i f e r a ç ã o , o s p r ó p r i o s c o n s t r u t o s
pelos q u a i s
os
g é n e r o s s ã o m o b i l i z a d o s ?
O b s e r v e - s e n ã o só que as a m b i g u i d a d e s e i n c o e r ê n c i a s nas
p r á t i c a s h e t e r o s s e x u a l , h o m o s s e x u a l e b i s s e x u a l — e ent re
elas — s ã o s u p r i m i d a s e red es cr i t as no i nt e r i or d a e s t r u t u r a
re i f i cad a
do
b i n á r i o d i s j u n t i v o
e
a s s i m é t r i c o
do
m a s c u h n o /
femi ni no, mas qu e essas c o n f i g u r a ç õ e s c u l t u r a i s de c o n f u s ã o
d o g é n e r o o p e r a m c o m o l u g a r e s
de
i n t e r v e n ç ã o , d e n ú n c i a
e d e s l o c a m e n t o
dessas
r e i f i c a ç õ e s . E m o u t r a s p a l a v r a s , a
u n i d a d e
do
g é n e r o
é o
efeito
de
u m a p r á t i c a r e g u l a d o r a
q u e b u s c a u n i f o r m i z a r a i d e n t i d a d e do g é n e r o p or v ia d a
h e t e r o s s e x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a . A força d es s a prá t i ca é,
m e d i a n t e u m a p a r e l h o d e p r o d u ç ã o e x c l u d e n t e , r e s t ri n g i r
os
s i gni f icad os re l a t i vos d e he t ero s s exu a l i d ad e , hom os s ex u a
l i d a d e
e
b i s s e x u a l i d a d e , b e m c o m o
os
l u gares s u bvers i vos
d e s u a convergênc i a e r e s s i g n i f i c a ç ã o . O fato de os reg i mes
de
poder
do
h e t e r o s s e x i s m o
e do
f a l o c e n t r i s m o b u s c a r e m
i ncrement ar - s e pe l a repet i ção cons t ant e de sua l ó g i c a , sua
met a f í s i ca e su a s o n t o l o g ia s n a t u r a l i z a d a s n ã o i m p l i c a q u e a
p r ó p r i a r e p e t i ç ã o d e v a s e r in t e r r o m p i d a — como s e is s o
fosse
pos s í ve l . E se a repet i ção es t á f ad ad a a p e r s is t i r c o m o m e c a
n i s m o
da
r e p r o d u ç ã o c u l t u r a l
das
i d e n t i d a d e s ,
daí emerge
67
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 29/30
PROBLEMAS DE GÊNERO
a
q u e s t ã o c r u c i a l :
que
t ip o
de
r e p e t i ç ã o s u b v e r s i v a p o d e r i a
q u e s t i o n a r
a
p r ó p r i a p r á t i c a r e g u l a d o r a
da
iden t idade?
S e n ã o
pode
h a v e r r e c u r s o
a
u m a pessoa , u m s e x o
o u
u m a s e x u a l i d a d e q u e escape à m a t r i z de poder e às
r e l a ç õ e s d i s c u r s i v a s q u e e f e ti v a m e n t e p r o d u z e m
e
r e g u l a m
a i n t e l i g i b i l i d a d e desses c o n c e i t o s p a r a n ó s , o q u e c o n s t i t u i
r ia a
p o s s i b i l i d a d e d e i n v e r s ã o , s u b v e r s ã o o u d e s l o c a m e n t o
e f e t i v o s
nos
t e r m o s
de uma
i d e n t id a d e c o n s t r u í d a ?
Que
p o s s i b i l i d a d e s e x i s t e m
m
virtude d o c a r á t e r c o n s t r u í d o
do
sexo e do
g é n e r o ? E m b o r a F o u c a u l t se ja a m b í g u o
sobre o
c a r á t e r p r e c i s o d a s p r á t i c a s r e g u l a d o r a s q u e p r o d u z e m a
c a t e g o r i a
do
sexo
e W i t t ig
p a r e ç a i n v e s t i r t o d a
a
r e s p o n s a
b i l i d a d e da c o n s t r u ç ã o na r e p r o d u ç ã o s e x u a l e s eu
i n s t r u
m e n t o ,
a
h e t e r o s se x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a , o u tr o s d i s c u r s o s
c o n v e r g e m no s e n t i d o de p r o d u z i r e s s a f i c çã o c a t e g ó r i c a ,
p o r m o t i v o s n e m s e m p r e c l a r o s
ou
c o e r e n t e s e n t r e s i .
As
r e l a ç õ e s d e
poder
q u e p e r m e i a m
as
c iê n c i a s b i o l ó g i c a s n ã o
s ã o f a c i l m e n t e r e d u t í v e i s ,
e a
a l i a n ç a m é d i c o - l e g a l
que
e m e r g i u n a E u r o p a d o s é c u l o X I X g e r o u f i cç õe s c a t e g ó r i c a s
q u e n ã o p o d e r i a m s e r a n t e c i p a d a s . A p r ó p r ia c o m p l e x i d a d e
d o m a p a d i s c u r s i v o q u e c o n s t r ó i
o
g é n e r o p a r e c e s u s t e n t a r
a p r o m e s s a de u m a c o n v e r g ê nc i a i n o p i n a d a e g e n e r a t i v a
dessas e s t r u t u r a s d i s c u r s i v a s
e
r e g u l a d o r a s .
Se as
ficções
r e g u l a d o r a s do sexo e d o g é n e r o s ã o , e l a s p r ó p r i a s , l u g a r e s
d e s i g n i fi c a d o m u l t i p l a m e n t e c o n t e s t a d o , e n t ã o
a
p r ó p r i a
m u l t i p l i c i d a d e
de sua
c o n s t r u ç ã o
oferece a
p o s s i b i l i d a d e
d e u m a r u p t u r a
de
s u a p o s t u l a ç ã o u n í v o c a .
C l a r a m e n t e ,
esse
p r o j e t o n ã o p r o p õ e d e s e n h a r u m a
on-
tologia
do
g é n e r o
em
t e r m o s f il os óf ic o s t r a d i c i o n a i s , p e l a
q u a l
o
s i g n i f i c a d o
de s r
m u l h e r o u h o m e m s e j a e l u c i d a d o
e m t e r m o s f e n o m e n o l ó g i c o s .
A
p r e s u n ç ã o a q u i
é que o
s e r de u m g é n e r o é um efeito objeto d e u m a i n v e s t i g a ç ã o
g e n e a l ó g i c a
que
m a p e i a
os
p a r â m e t r o s p o l í t ic o s
de sua
8
SUJEITOS
DO SEXO GÊNERO DESEJO
c o n s t r u ç ã o
no
modo
da
o n t o l o g i a . D e c l a r a r q u e
o
g é n e r o
é c o n s t r u í d o n ã o
é
a f i r m a r s u a i l u s ã o o u a r t i f i c i a l i d a d e , e m
qu e se c o m p r e e n d e que esses t e r m o s r e s i d a m no i n t e r i o r
de
um
b i n á r i o
que
c o n t r a p õ e c o m o
opostos o
r e a l
e o
a u t ê n t i c o .
C o m o genealogia da o n t o l o g i a do g é n e r o , a
p r e s e n t e i n v e s t i g a ç ã o b u s c a c o m p r e e n d e r
a
p r o d u ç ã o d i s
c u r s i v a da
p l a u s i b i l i d a d e d e s sa r e l a ç ã o b i n á r i a ,
e
s u g e r i r
q u e c e r t a s c o n f i g u r a ç õ e s c u l t u r a i s
do
g é n e r o a s s u m e m
o
l u g a r d o r e a l
e
c o n s o l i d a m
e
i n c r e m e n t a m s u a h e g e m o n ia
p o r m e i o de u m a a u t o n a t u r a l i z a ç ã o a p t a e b e m - s u c e d i d a .
Se há algo de c e r t o na a f i r m a ç ã o de B e a u v o i r de que
n i n g u é m n a s c e
e
s i m torna-se m u l h e r d e c o r r e
que
mulher
é
um
t e r m o
em
p r o c e s s o ,
um
d e v i r ,
um
c o n s t r u i r
de que
n ã o
se
pode d i z e r c o m a c e r t o q u e t e n h a u m a o r i g e m o u u m
fim.
C o m o u m a p r á t i c a d i s c u r s i v a c o n t í n u a ,
o
t e r m o e s t á
a b e r t o a i n t e r v e n ç õ e s e r e ss i g n i f i c a ç õ e s. M e s m o q u a n d o o
g é n e r o p a r e c e c r i s t a l i z a r - s e e m s u a s f o r m a s m a i s r e i f i c a d a s ,
a p r ó p r i a c r i s t a l i z a ç ã o é u m a p r á t i c a i n s is t e nt e e i n s i d i o s a ,
s u s t e n t a d a
e
r e g u l a d a p o r v á r i o s m e i o s s o c i a i s . P a r a B e a u
v o i r , n u n c a
se pode
t o r n a r - s e m u l h e r e m d e f i n i t i v o , c o m o
se h ouvesse um telos
a
g o v e r n a r
o
processo
de
a c u l t u r a ç ã o
e c o n s t r u ç ã o .
O
g é n e r o
é a
e s t i l i z a ç ã o r e p e t i d a
do
c o r p o ,
u m c o n j u n t o de atos r e p e t i d o s n o i n t e r i o r d e u m a e s t r u t u r a
r e g u l a d o r a a l t a m e n t e r í g i d a ,
a
q u a l
se
c r i s t a l i z a
no
t e m p o
p a r a p r o d u z i r a a p a r ê n c i a de u m a s u b s t â n c i a , de u m a c l a s
s e n a t u r a l
de
ser .
A
genealogia p o l í t i c a
das
o n t o l o g i a s
do
g é n e r o ,
em sendo b e m - s u c e d i d a , d e s c o n s t r u i r i a a a p a r ê n
c i a s u b s t a n t i v a
do
g é n e r o , d e s m e m b r a n d o - a
em
seus atos
c o n s t i t u t i v o s ,
e
e x p l i c a r i a
e
l o c a l i z a r i a
esses atos
n o i n t e r i o r
d a s e s t r u t u r a s c o m p u l s ó r i a s c r i a d a s p e la s v á r i a s f o r ç a s q u e
p o l i c i a m
a
a p a r ê n c i a s o c i a l d o g é n e r o . E x p o r o s atos
c o n t i n
gentes q u e c r i a m a a p a r ê n c i a de u m a n e c e s s i d a d e n a t u r a l ,
t e n t a t i v a q u e t e m f e i t o p a r t e
da
c r í t i c a c u l t u r a l pelo m e n o s
9
7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001
http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 30/30
PROBLEM S DE GÊNERO
desde M a r x , é ta refa q ue a ss ume
agora
a r e s p o n s a b i l i d a d e
a c r e s c i d a
de
m o s t r a r c o m o
a
p r ó p r i a n o ç ã o
de
suje i to ,
só
i n t e l i g í v e l po r m e i o de sua a p a r ê n c i a de g é n e r o , a d m i t e
p o s s i b i l i d a d e s e x c l u í d a s
à
força pela s v á r ia s re i f ica çõe s
d o
g é n e r o c o n s t i t u t i v a s
de
sua s ontolog ia s cont ingen tes .
O
ca p í tulo seguinte inv est iga a lguns
aspectos da
a b o r
dagem
p s i c a n a l í t i c a e s t r u t u r a l i s t a
da
d i f e r e n ç a s e x u a l
e da
c o n s t r u ç ã o da s e x u a l i d a d e r e l a t i v a m e n t e a seu
poder
de
c o n t e s t a r
os
r e g im e s r e g u l a d o r e s a q u i e s b o ç a d o s ,
e
t a m b é m
a s e u p a p e l n a r e p r o d u ç ã o a c r í t ic a desses r e g i m e s . A u n i v o
c i d a d e
do
s e x o ,
a
c o e r ê n c i a i n t e r n a
do
g é n e r o
e a
e s t r u t u r a
b i n á r i a p a r a o
sexo
e o g é n e r o são s e m p r e c o n s i d e r a d a s
c o m o f i c ç õ e s r e g u l a d o r a s
que
c o n s o l i d a m
n a t u r a l i z a m
r e g i m e s
de
poder
c o n v e r g e n t e s
de
o p r e s s ã o m a s c u l i n a
h e t e r o s s e x i s t a .
O
c a p í t u l o
f i n a l
c o n s i d e r a
a
p r ó p r i a n o ç ã o
de
c o r p o , n ã o c o m o u m a s u p e r f í c i e p r o n t a
à
espera de s ign i
f ica çã o , ma s como um conjunto
de
f r o n t e i r a s , i n d i v i d u a i s
s o c i a i s , p o li t i c a m e n t e s ig n i f ic a d a s e m a n t i d a s . M o s t r a r e m o s
qu e o s e x o , não m a i s v i s t o c o m o u m a v e r d a d e i n t e r i o r
d a s p r e d i s p o s i ç õ e s
da
i d e n t i d a d e ,
é uma
s i g n i f i c a ç ã o
performativamente o r d e n a d a (e p o r t a n t o não é p u r a
s impl esmente) ,
um a s ign i f ica çã o q ue, Hberta da inter ior ida d e
d a s u p e r f íc i e n a t u r a l i z a d a s ,
pode
o c a s i o n a r
a
p r o l i f e r a ç ã o
p a r o d í s t i c a
e o
jogo subv ers iv o dos s ign i f ica dos
do
g é n e r o .
t e x t o c o n t i n u a r á , e n t ã o , c o m o
um
e s f o r ç o
de
ref let i r
a
p o s s i b i l i d a d e de s u b v e r t e r e d e s l o c a r as n o ç õ e s
n a t u r a l i
z a d a s
e
re i f ica da s
do
g é n e r o q u e d ã o s u p o r t e
à
h e g e m o n i a
m a s c u l i n a ao
poder
h e t e r o s s e x i s t a , p a r a c r i a r p r o b l e m a s
d e g é n e r o n ã o p o r m e i o
de
est ra tég ia s q ue representem um
a l é m u t ó p i c o , m a s da m o b i l i z a ç ã o , da c o n f u s ã o s u b v e r s i v a
da
p r o l i fe r a ç ã o p r e c i s a m e n t e d a q u e l a s c a t e g o r i a s c o n s t i
t u t i v a s
q u e b u s c a m m a n t e r
o
g é n e r o e m s e u l u g a r ,
a posar
c o m o i l u s õ e s f u n d a d o r a s da i d e n t i d a d e , v
uiami
7
CAP ÍTULO
P r o i b i ç ã o , p s i c a n á li s e
e a
p r o d u ç ã o
d a
m a t r i z
h e t e r o s s e x u al
• • .
. . • . .. q
A
mentalidade hétero continua
afirmar que
incesto
e nã o homossexualidade representa sua
maior interdição. Assim quando
pens d pel
mente hétero homossexualidade não passa de
heterossexualidade.
Monique Witt ig The Straight Mind
í í - i í
. .-s. [A mentalidade hétero]
H o u v e o c a s i õ e s e m q u e a t e o r i a f e m i n i s t a se s e n t i u a t r a í d a
pelo
p e n s a m e n t o
de
u m a o r i g e m ,
de um
t e m p o a n t e r i o r
ao que a l gu n s c h a m a r i a m de p a t r i a r c a d o , c a p a z dc
o f e r e c e r
um a
p e r s p e c t i v a i m a g i n á r i a
a
p a r t i r
da
q u a l
estabelecer a
c o n t i n g ê n c i a
d a
h i s t ó r i a
d a
o p r e s s ã o d as m u
l h e r e s . S u r g i r a m debates p a r a
saber
se e x i s t i r a m c u l t u r a s
p r é - p a t r i a r c a i s ; se
e r a m m a t r i a r c a i s
ou
m a t r i l i n e a r e s
em
s u a
e s t r u t u r a ; e se o p a t r i a r c a d o t e v e um c o m e ç o e e s t á ,
c o n s e q u e n t e m e n t e , s u j e i to
a
u m
fim.
C o m p r e e n s i v e l m e n t e ,
o í m p e t o c r í t i c o
po r
t r á s desse t i p o
de
p e s q u i s a b u s c a v a
m o s t r a r q u e o a r gu m e n t o a n t i f e m i n i s t a da i n e v i t a b i l i d a d e
d o p a t r i a r c a d o c o n s t i t u í a u m a r e i f i c a ç ã o
e
u m a
n a t u r a l i
z a ç ã o de u m f e n ó m e n o histórico e c o n t i n g e n t e .
E m b o r a se pretendesse
qu e
o
r e t o r n o
ao
estado
c u l t u r a l
p r é - p a t r i a r c a l
expusesse
a a u t o r r e i f i c a ç ã o d o p a t r i a r c a d o .