stonehenge - martinsfontespaulista.com.br · pode ser fumaça perto do chão, um rasgo nas nuvens...

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Formato: Formato: Formato: Formato: Formato: 16 × 23 Mancha: Mancha: Mancha: Mancha: Mancha: 12 × 18,5 + 1 Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: Stone Serif Corpo: Corpo: Corpo: Corpo: Corpo: 9,5/16 504 504 504 504 504 págs. GABARITO ABARITO ABARITO ABARITO ABARITO PARA ARA ARA ARA ARA M M M M MONT ONT ONT ONT ONTAGEM AGEM AGEM AGEM AGEM: dentro: 22 mm / fora: 15 mm dentro: 22 mm / fora: 15 mm dentro: 22 mm / fora: 15 mm dentro: 22 mm / fora: 15 mm dentro: 22 mm / fora: 15 mm STONEHENGE Bernard Cornwell O.P. K566 — Pagemaker 6.5 3ª prova — paginado Tânia 26/09/2008 GABARITO PARA MONTAGEM: dentro: 22 mm / fora: 15 mm K566-01(FicÁ„o Estrangeira).p65 26/9/2008, 15:48 3

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STONEHENGEBernard Cornwell

O.P. K566 — Pagemaker 6.5

3ª prova — paginado

Tânia

26/09/2008

GABARITO PARA MONTAGEM:

dentro: 22 mm / fora: 15 mm

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os deuses falam por sinais. Pode ser uma folha caindo no verão, o

grito de um animal agonizante ou a ondulação do vento na água calma.

Pode ser fumaça perto do chão, um rasgo nas nuvens ou o vôo de um pássaro.

Mas, naquele dia, os deuses mandaram uma tempestade. Foi uma

grande tempestade, uma tempestade que seria lembrada, mas as pessoas

não deram o nome daquela tempestade ao ano. Em vez disso, o chama-

ram de o Ano em que o Estranho Chegou.

Porque um estranho chegou a Ratharryn no dia da tempestade. Era

um dia de verão, o mesmo dia em que Saban quase foi assassinado por seu

meio-irmão.

Naquele dia os deuses não estavam falando. Estavam gritando.

Saban, como todas as crianças, ficava nu durante o verão. Era seis anos mais

novo que seu meio-irmão, Lengar, e como ainda não havia enfrentando

os ritos de passagem para a vida adulta, não tinha cicatrizes tribais nem

marcas de matança. Mas faltava apenas um ano para sua prova, e o pai

dos dois havia instruído Lengar a levar Saban à floresta para lhe ensinar

onde os cervos machos podiam ser encontrados, onde os javalis selvagens

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espreitavam e onde os lobos tinham seus covis. Lengar havia se ressentido

dessa tarefa e por isso, em vez de ensinar o irmão, arrastou Saban por matagais

de espinheiros, de modo que a pele bronzeada do garoto estava sangrando.

— Você nunca vai virar homem — zombou Lengar.

Sensatamente, Saban ficou quieto.

Lengar era homem havia cinco anos e tinha as cicatrizes azuis da

tribo no peito e as marcas de caçador e guerreiro nos braços. Carregava um

arco longo feito de teixo, com pontas de chifre e corda de tendões, polido

com banha de porco. Sua túnica era de pele de lobo e o cabelo comprido

e preto estava trançado e preso com uma tira de pele de raposa. Era alto,

tinha rosto fino e era reconhecido como um dos grandes caçadores da tri-

bo. Seu nome significava “Olhos de Lobo”, porque seu olhar tinha um tom

amarelado. No nascimento recebera outro nome, mas, como muitos da tribo,

havia tomado um nome novo ao se tornar homem.

Saban também era alto e tinha cabelos compridos. Seu nome sig-

nificava “o Favorecido”, o que muitos na tribo achavam adequado por-

que, mesmo com meros 12 verões, Saban prometia ser bonito. Era forte e

ágil, trabalhava duro e sorria com freqüência. Lengar raramente sorria.

— Ele tem uma nuvem no rosto — diziam as mulheres, mas não

para que Lengar escutasse, porque ele provavelmente seria o próximo che-

fe da tribo. Lengar e Saban eram filhos de Hengall, e Hengall era chefe do

povo de Ratharryn.

Durante todo aquele longo dia Lengar fez Saban atravessar a flo-

resta. Não encontraram nenhum cervo, nem javalis, nem lobos, nem auroques

e nem ursos. Só andaram. À tarde chegaram à borda do terreno elevado e

viram que toda a terra a oeste estava sombreada por uma massa de nuvens

pretas. Raios saltavam, empalidecendo a nuvem escura, retorciam-se em

direção à floresta distante e deixavam o céu queimado. Lengar se agachou,

uma das mãos no arco polido, e olhou a tempestade se aproximando. Deveria

ter começado a voltar para casa, mas queria preocupar Saban, por isso fin-

giu que não se incomodava com a ameaça do deus da tempestade.

Foi enquanto olhavam a tempestade que o estranho chegou.

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Montava um pequeno cavalo pardo, branco de suor. A sela era um

cobertor de lã dobrado e as rédeas eram cordas de fibra de urtiga trançadas,

mas ele praticamente não precisava delas, pois estava ferido e parecia exausto,

deixando o pequeno animal escolher o caminho que subia a trilha pela

escarpa íngreme. A cabeça do estranho estava tombada e seus calcanhares

quase encostavam no chão. Usava uma capa de lã tingida de azul e em sua

mão direita havia um arco, enquanto do ombro esquerdo pendia uma aljava

de couro cheia de flechas com penas de gaivotas e corvos. A barba curta

era preta, e as cicatrizes tribais nas bochechas eram cinzentas.

Lengar sibilou para Saban ficar quieto, depois acompanhou o es-

tranho em direção ao leste. Lengar estava com uma flecha na corda do

arco, mas o estranho não se virou nem uma só vez para ver se estava sen-

do seguido, e Lengar ficou contente em manter a flecha pousada na corda.

Saban perguntou a si mesmo se o cavaleiro estaria vivo, pois parecia um

morto tombado inerte sobre o cavalo.

O estranho era um Forasteiro. Até Saban sabia disso, porque só o

Povo de Fora montava os pequenos cavalos peludos e tinha cicatrizes cin-

zentas no rosto. O Povo de Fora era inimigo, mas, mesmo assim, Lengar

não disparou a flecha. Apenas seguiu o cavaleiro, e Saban acompanhou

Lengar, até que finalmente o Forasteiro chegou perto das árvores onde

cresciam as samambaias. Ali, o estranho parou o cavalo e levantou a cabe-

ça para olhar a terra que subia suavemente, enquanto Lengar e Saban se

agachavam sem ser vistos, atrás dele.

O estranho viu as samambaias e, mais além — onde o solo era fino

sobre a base de calcário —, pastagens. Havia montes funerários espalhados

pelas colinas baixas das pastagens. Porcos fuçavam nas samambaias enquan-

to o gado branco comia o capim. O sol ainda brilhava onde ele estava. O

estranho ficou um bom tempo na orla da floresta, procurando inimigos, mas

não viu nenhum. Ao norte, muito longe, havia campos de trigo cercados de

espinheiros, sobre os quais as primeiras nuvens — a guarda avançada da tem-

pestade — perseguiam suas sombras, mas à frente dele tudo estava ensolarado.

Existia vida adiante, escuridão atrás, e o pequeno cavalo, sem ser contido,

subitamente saltou para as samambaias. O cavaleiro se deixou levar.

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O cavalo subiu a encosta suave até os montes funerários. Lengar e

Saban esperaram até que o estranho tivesse desaparecido no horizonte para

segui-lo e quando chegaram à crista do morro, agacharam-se na vala de uma

sepultura e viram que o cavaleiro havia parado junto ao Templo Antigo.

Um rugido de trovão soou e outro sopro de vento achatou o capim

onde o gado pastava. O estranho deslizou de cima do animal, atravessou a

vala coberta de mato do Templo Antigo e desapareceu nos arbustos de ave-

leiras que cresciam muito densos dentro do círculo sagrado. Saban achou

que o homem estaria procurando abrigo.

Mas Lengar estava atrás do Forasteiro, e Lengar não era dado à mi-

sericórdia.

O cavalo abandonado, com medo do trovão e do gado, trotou em

direção à floresta, a oeste. Lengar esperou até que o animal tivesse voltado

para as árvores, depois se levantou da vala e correu até as aveleiras, para

onde o estranho havia ido.

Saban o seguiu, indo para onde nunca havia estado em seus 12 anos.

O Templo Antigo.

Muitos anos antes, tantos que ninguém que estivesse vivo poderia se lem-

brar, o Templo Antigo fora o maior local de culto do interior. Naquele

tempo, quando homens vinham de muito longe para dançar nos círculos

do templo, o alto barranco de calcário que o rodeava era tão branco que

parecia reluzir ao luar. De um dos lados do círculo brilhante até o outro

era uma centena de passos, e nos velhos tempos aquele espaço sagrado

fora batido até ficar nu pelos pés dos dançarinos que rodeavam a casa da

morte, feita de três círculos de troncos de carvalho cortados. Os troncos

lisos e descascados eram cobertos de gordura animal e enfeitados com

ramos de azevinho e hera.

Agora o barranco estava coberto de capim e cheio de mato. Pequenas

aveleiras cresciam na vala e outras mais tinham invadido o amplo espa-

ço dentro do barranco circular, de modo que, a distância, o templo parecia

um bosque de pequenos arbustos. Pássaros faziam ninhos onde antiga-

mente os homens dançavam. Um mastro de carvalho da casa da morte

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ainda aparecia acima das aveleiras emaranhadas, mas agora ficava meio

inclinado, e a madeira, que já fora lisa, estava furada, preta e com uma

grossa camada de fungos.

O templo fora abandonado, mas os deuses não se esquecem de seus

locais de culto. Algumas vezes, em dias calmos quando havia névoa no

pasto, ou quando a lua inchada pairava imóvel sobre o círculo de calcário,

as folhas de aveleira tremiam como se um vento tivesse passado. Os dan-

çarinos haviam sumido, mas o poder permanecia.

E agora o Forasteiro havia entrado no templo.

Os deuses estavam gritando.

A sombra das nuvens engoliu o pasto, e Lengar e Saban correram para o

Templo Antigo. Saban estava com frio e com medo. Lengar também sentia

medo, mas o Povo de Fora era famoso por sua riqueza, e a cobiça de Lengar

suplantou seu temor de entrar no templo.

O estranho havia atravessado a vala com dificuldade e subido o

barranco, mas Lengar foi para a antiga entrada sul, onde um caminho es-

treito levava ao interior cheio de mato. Assim que atravessou o caminho,

Lengar ficou de quatro e engatinhou através das aveleiras. Saban o seguiu,

relutante, não querendo ficar sozinho no pasto quando a fúria do deus da

tempestade irrompesse.

Para surpresa de Lengar, o Templo Antigo não estava totalmente

coberto de mato, havia um espaço limpo onde antigamente ficava a casa

da morte. Alguém da tribo ainda devia visitar o Templo Antigo, porque o

mato havia sido retirado, o capim fora cortado com uma faca e havia uma

caveira de boi na casa da morte, onde agora o estranho estava sentado,

encostado no único poste que restava. O rosto do homem estava pálido e

ele tinha os olhos fechados, mas seu peito subia e descia com a respiração

dificultosa. Usava uma placa de pedra escura na parte interna do pulso

esquerdo, amarrada com couro. Havia sangue em sua calça de lã. O ho-

mem havia largado o pequeno arco e a aljava de flechas ao lado do crânio

de boi e agora segurava uma bolsa de couro sobre a barriga ferida. Fora

emboscado na floresta três dias antes. Não tinha visto os agressores, ape-

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nas sentira a dor súbita e quente da lança atirada, depois instigara o cava-

lo e o deixara levá-lo para longe do perigo.

— Vou chamar o pai — sussurrou Saban.

— Não vai, não — sibilou Lengar, e o homem ferido deve ter es-

cutado, porque abriu os olhos e fez uma careta enquanto se inclinava adiante

para pegar o arco. Mas o estranho estava lento por causa da dor, e Lengar

era muito mais rápido. Largou seu arco longo, saiu do esconderijo e atra-

vessou correndo a casa da morte, pegando o arco do estranho com uma

das mãos e a aljava com a outra. Em sua pressa derramou as flechas, de

modo que restou apenas uma na aljava de couro.

Um murmúrio de trovão soou no oeste. Saban estremeceu, temen-

do que o som inchasse e preenchesse o ar com a fúria do deus, mas o tro-

vão se esvaiu, deixando o céu num silêncio mortal.

— Sannas — disse o estranho, depois acrescentou algumas pala-

vras numa língua que nem Lengar nem Saban falavam.

— Sannas? — perguntou Lengar.

— Sannas — repetiu o homem, ansioso. Sannas era a grande feiti-

ceira de Cathallo, famosa em toda a região, e Saban presumiu que o estra-

nho quisesse ser curado por ela.

Lengar sorriu.

— Sannas não é do nosso povo — disse. — Sannas vive ao norte

daqui.

O estranho não entendeu.

— Erek — disse ele, e Saban, ainda observando do mato, pergun-

tou a si mesmo se aquele seria o nome do estranho, ou talvez o nome de

seu deus. — Erek — disse o ferido com mais firmeza, mas a palavra não

significava nada para Lengar, que havia tirado a única flecha da aljava do

estranho e ajustado no arco pequeno. O arco era feito de tiras de madeira

e de chifre de cervo, coladas juntas e amarradas com tendões, e o povo de

Lengar nunca havia usado uma arma assim. Preferiam o arco mais longo,

esculpido a partir da árvore de teixo, mas Lengar estava curioso com a arma

estranha. Esticou a corda, testando a força.

— Erek! — gritou o estranho, alto.

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— Você é do Povo de Fora — disse Lengar. — Não tem o que fa-

zer aqui. — Em seguida esticou o arco de novo, surpreso com a tensão na

arma curta.

— Traga-me um curandeiro. Traga-me Sannas — disse o estranho

em sua língua.

— Se Sannas estivesse aqui — respondeu Lengar, reconhecendo

apenas esse nome —, eu a mataria primeiro. — E cuspiu. — É isso que eu

penso de Sannas. Ela é uma vaca velha e murcha, uma casca maligna, um

cocô de sapo transformado em carne. — Cuspiu de novo.

O estranho se inclinou para a frente, catou laboriosamente as fle-

chas que haviam se derramado da aljava e juntou-as num pequeno feixe,

que segurou como uma faca, como se quisesse se defender.

— Traga-me um curandeiro — implorou em sua língua. O trovão

rosnou a oeste, e as folhas de aveleira estremeceram quando um sopro de

vento frio chegou antes da tempestade que se aproximava. O estranho fi-

tou de novo os olhos de Lengar e não viu piedade ali. Havia apenas o deleite

que Lengar sentia com sua morte. — Não — disse. — Não, por favor, não.

Lengar soltou a flecha. Estava a apenas cinco passos do estranho,

e a pequena flecha acertou o alvo com força doentia, fazendo o homem

tombar de lado. A flecha se cravou fundo, e apenas um pedaço de haste

do tamanho da mão de um homem, com penas pretas e brancas, ficou apa-

recendo do lado esquerdo do peito do estranho. Saban achou que o Foras-

teiro devia estar morto, porque ele não se moveu por muito tempo, mas

então o feixe de flechas que ele havia feito com cuidado caiu-lhe da mão,

enquanto lentamente, muito lentamente, ele se empertigava de novo.

— Por favor — disse ele baixinho.

— Lengar! — Saban saiu atabalhoadamente do meio das aveleiras.

— Deixe-me chamar o pai!

— Quieto! — Lengar havia tirado uma de suas próprias flechas com

pena preta de sua aljava e colocara-a na corda do arco pequeno. Cami-

nhou até Saban, apontando o arco para ele e rindo ao ver o terror no ros-

to do meio-irmão.

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O estranho também olhou para Saban, vendo um garoto alto e bonito

com cabelos pretos emaranhados e olhos brilhantes e ansiosos.

— Sannas — implorou o estranho a Saban. — Leve-me a Sannas.

— Sanas não mora aqui — disse Saban, entendendo apenas o nome

da feiticeira.

— Nós moramos aqui — anunciou Lengar, agora apontando a fle-

cha para o estranho —, e você é um Forasteiro e rouba nosso gado, escra-

viza nossas mulheres e engana nossos comerciantes. — Em seguida disparou

a segunda flecha que, como a primeira, se cravou no peito do estranho,

mas desta vez nas costelas do lado direito. De novo o homem tombou de

lado, mas de novo se obrigou a ficar empertigado, como se seu espírito se

recusasse a abandonar o corpo ferido.

— Eu posso lhe dar poder — disse ele, enquanto um fio de sangue

rosado e borbulhante escorria de sua boca para a barba curta. — Poder —

sussurrou.

Mas Lengar não entendia a língua do homem. Havia disparado duas

flechas e o homem continuava se recusando a morrer, por isso Lengar pegou

seu arco longo, pôs uma flecha na corda e encarou o estranho. Retesou o

enorme arco.

O estranho balançou a cabeça, mas agora conhecia seu destino e

encarou Lengar para mostrar que não tinha medo de morrer. Xingou seu

assassino, mas duvidava que os deuses o ouvissem, porque era ladrão e

fugitivo.

Lengar soltou a corda e a flecha de penas pretas se cravou fundo

no coração do estranho. Ele devia ter morrido num instante, mas, mesmo

assim, ergueu o corpo como se quisesse se desviar da ponta de sílex e em

seguida caiu para trás, estremeceu por alguns instantes e ficou imóvel.

Lengar cuspiu na mão direita e esfregou o cuspe na parte interna

do pulso esquerdo, onde a corda do arco do estranho havia raspado a pele

fazendo-a arder; observando o meio-irmão, Saban então entendeu por que

o estranho usava a placa de pedra no antebraço. Lengar dançou alguns passos,

celebrando a matança, mas estava nervoso. Na verdade, não tinha certeza

de que o homem estivesse morto de fato, porque se aproximou do corpo

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com muita cautela e cutucou-o com uma ponta de chifre do seu arco an-

tes de saltar para trás, caso o cadáver voltasse à vida e pulasse sobre ele,

mas o estranho não se mexeu.

Lengar avançou de novo, pegou a bolsa na mão morta do estra-

nho e se afastou do corpo. Por um instante olhou o rosto cinzento do cadáver;

depois, confiante em que o espírito do homem havia mesmo ido embora,

cortou a tira que amarrava a boca da bolsa. Olhou dentro, ficou imóvel

um instante, depois gritou de júbilo. Havia recebido poder.

Aterrorizado com o grito do irmão, Saban se encolheu para trás,

depois avançou lentamente de novo, enquanto Lengar esvaziava o conteúdo

da bolsa no capim ao lado da caveira branca de boi. Para Saban foi como

se um jorro de luz do sol tivesse caído da bolsa de couro.

Havia dezenas de pequenos ornamentos de ouro em forma de

losango, cada um mais ou menos do tamanho da unha do polegar de um

adulto, e quatro grandes placas em forma de losango, grandes como a mão

de um homem. Os losangos, tanto os grandes quanto os pequenos, tinham

buracos minúsculos nas pontas mais estreitas, de modo que pudessem ser

presos num tendão ou costurados numa vestimenta, e todos eram feitos

de folhas de ouro muito finas marcadas com linhas retas, mas seu padrão

não significava nada para Lengar, que tomou de volta um dos pequenos

losangos que Saban ousara pegar no capim. Lengar empilhou os losangos,

tanto os grandes quanto os pequenos.

— Sabe o que é isso? — perguntou ao irmão mais novo, indican-

do o monte.

— Ouro — respondeu Saban.

— Poder — disse Lengar. E olhou para o morto. — Sabe o que se

pode fazer com ouro?

— Usar na roupa? — sugeriu Saban.

— Idiota! Podem-se comprar homens. — Lengar se balançou para

trás nos calcanhares. Agora as sombras das nuvens estavam escuras e as

aveleiras se agitavam ao vento revigorante. — Podem-se comprar lanceiros,

podem-se comprar arqueiros e guerreiros! Pode-se comprar poder!

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Saban agarrou um dos pequenos losangos, saindo do caminho quando

Lengar tentou pegá-lo de volta. O garoto recuou pelo pequeno espaço limpo

e, quando pareceu que Lengar não iria persegui-lo, agachou-se e olhou o pe-

daço de ouro. Parecia uma coisa estranha com a qual comprar poder. Saban

podia imaginar homens trabalhando em troca de comida ou potes de sílex

ou escravos, ou em troca de bronze, que podia ser martelado até virar facas,

machados, espadas e pontas de lança; mas trabalhar em troca daquele metal

brilhante? Ele não podia cortar; simplesmente existia. No entanto, mesmo

naquele dia nublado Saban podia ver o quanto o metal brilhava. Brilhava como

se um pedaço do sol estivesse preso em seu interior, e Saban estremeceu de

súbito, não porque estivesse nu, mas porque nunca havia tocado em ouro

antes; nunca havia segurado um pedaço do sol todo-poderoso.

— Devemos levá-lo ao pai — disse com reverência.

— Para que o velho idiota possa acrescentá-lo ao seu tesouro? —

perguntou Lengar com escárnio. Em seguida retornou ao cadáver e dobrou a

capa para trás, sobre as hastes das flechas, revelando que a calça do morto era

presa por um cinto cuja fivela era um grande pedaço de ouro pesado, e mais

daqueles pequenos losangos pendiam num pedaço de tendão preso ao pescoço.

Lengar olhou para o irmão mais novo, lambeu os lábios e em se-

guida pegou uma das flechas que haviam caído da mão do estranho. Ain-

da estava segurando seu arco longo, e pôs a flecha com penas pretas e brancas

na corda. Estava olhando para o mato baixo sob as aveleiras, evitando

deliberadamente o olhar do meio-irmão, mas Saban subitamente entendeu

o que se passava na cabeça de Lengar. Se Saban vivesse para contar ao pai

sobre o tesouro do Forasteiro, Lengar iria perdê-lo — ou pelo menos teria

de lutar por ele, mas se Saban fosse achado morto, com uma flecha de pe-

nas pretas e brancas do Povo de Fora cravada nas costelas, ninguém ja-

mais suspeitaria de que Lengar fizera a matança, nem que Lengar havia

tomado um grande tesouro para uso próprio. O trovão cresceu no oeste e

o vento frio achatou o topo das aveleiras. Lengar estava esticando o arco,

mas ainda não olhava para Saban.

— Olha só! — gritou Saban de repente, levantando o pequeno

losango. — Olha!

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Lengar relaxou a pressão na corda do arco enquanto espiava, e nesse

instante o menino saltou como uma lebre que brotasse do capim. Atraves-

sou as aveleiras e correu pelo caminho largo da entrada do sol do Templo

Antigo. Ali havia mais postes apodrecidos, como os que ficavam ao redor

da casa da morte. Ele teve de saltar de um lado e do outro para evitar os

tocos e, no momento em que se desviava de um, a flecha de Lengar pas-

sou assobiando por seu ouvido.

O trovão rasgou o céu em farrapos e a chuva começou a cair. As

gotas eram enormes. Um relâmpago saltou na colina oposta. Saban correu,

virando-se para um lado e para o outro, não ousando olhar para trás e ver

se Lengar o perseguia. A chuva caía cada vez mais forte, preenchendo o ar

com seu rugido malévolo, mas formando uma tela que escondia o garoto

correndo para o norte e o leste em direção ao povoado. Ele gritava en-

quanto corria, esperando que algum boiadeiro ainda pudesse estar no pas-

to, mas não viu ninguém até passar pelos montes funerários no cimo do

morro, correndo pelo caminho enlameado entre os pequenos campos de

trigo espancados pela chuva torrencial.

Galeth, o tio de Saban, e cinco outros homens estavam retornando

ao povoado quando ouviram os gritos do garoto. Viraram-se de novo para

o morro, e Saban veio correndo pela chuva até agarrar o gibão de pele de

cervo do tio.

— O que foi, garoto? — perguntou Galeth.

Saban agarrou-se ao tio.

— Ele tentou me matar! — ofegou. — Ele tentou me matar!

— Quem? — perguntou Galeth. Era o irmão mais novo do pai de

Saban, alto, de barba densa e famoso por suas demonstrações de força. Galeth,

segundo se dizia, já havia levantado um mastro do templo, e não um dos

pequenos, mas um grande tronco aparado que se erguia alto acima dos ou-

tros. Como seus companheiros, Galeth carregava um pesado machado com

lâmina de bronze porque estava derrubando árvores quando a tempestade

chegou. — Quem tentou matar você?

— Ele! — gritou Saban, apontando morro acima, para onde Lengar

havia aparecido com o arco longo nas mãos e uma nova flecha na corda.

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Lengar parou. Não disse nada. Apenas olhou para o grupo de ho-

mens que agora abrigava seu meio-irmão. Tirou a flecha da corda.

Galeth olhou para o sobrinho mais velho.

— Você tentou matar seu próprio irmão?

Lengar riu.

— Foi um Forasteiro, não eu. — E desceu o morro lentamente. Seu

cabelo comprido e preto estava encharcado de chuva e grudado na cabeça,

dando-lhe uma aparência apavorante.

— Um Forasteiro? — perguntou Galeth, cuspindo para evitar a má

sorte. Havia muitos em Ratharryn que diziam que Galeth deveria ser o pró-

ximo chefe, e não Lengar, mas a rivalidade entre tio e sobrinho empalideceu

diante da ameaça de um ataque de Forasteiros. — Há Forasteiros no pasto?

— Só um — disse Lengar descuidadamente. Em seguida enfiou a fle-

cha do Povo de Fora em sua aljava. — Só um — repetiu. — E agora está morto.

— Então você está em segurança, garoto — disse Galeth a Saban.

— Está em segurança.

— Ele tentou me matar — insistiu Saban — por causa do ouro! —

E levantou o losango como prova.

— Ouro, é? — perguntou Galeth, pegando o pedacinho na mão

de Saban. — Foi isso que você conseguiu? Ouro? É melhor levarmos para

o seu pai.

Lengar lançou um olhar de puro ódio para Saban, mas agora era

tarde demais. Saban tinha visto o tesouro e sobrevivido, de modo que o

pai ficaria sabendo do ouro. Lengar cuspiu, depois se virou e caminhou de

novo morro acima. Desapareceu na chuva, arriscando-se à fúria da tem-

pestade para recuperar o resto do ouro.

Esse foi o dia em que o estranho chegou ao Templo Antigo no meio

da tempestade, o dia em que Lengar tentou matar Saban e o dia em que

tudo no mundo de Ratharryn mudou.

O deus da tempestade se enfureceu sobre a terra naquela noite. A chuva

achatou as plantações e transformou os caminhos do morro em riachos.

Inundou os pântanos ao norte de Ratharryn e o rio Mai transbordou,

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S t o n e h e n g e

arrastando árvores caídas do vale íngreme que serpenteava pelo terreno

elevado até chegar à grande curva onde Ratharryn estava construído. A

vala de Ratharryn se inundou e o vento golpeou a palha das cabanas e

gemeu por entre os postes de madeira dos círculos dos templos.

Ninguém sabia quando as primeiras pessoas haviam chegado àquela

terra ao lado do rio, nem como haviam descoberto que Arryn era o deus

do vale. No entanto, Arryn devia ter se revelado àquelas pessoas, porque

deram seu nome ao novo lar e espalharam templos em seu vale. Eram templos

simples, nada além de clareiras na floresta nas quais um círculo de tron-

cos de árvores era erguido, e havia anos — ninguém sabia quantos — o

povo seguia os caminhos nas florestas até aqueles círculos de madeira, onde

todos imploravam aos deuses para mantê-los em segurança. Com o tempo,

o povo de Arryn derrubou a maioria das florestas, cortando carvalho, olmo,

freixo e aveleira, e plantou cevada ou trigo nos pequenos campos. Pega-

vam peixes com armadilhas no rio que era sagrado para a esposa de Arryn,

Mai, criavam gado nos pastos e porcos nos trechos de floresta que perma-

neciam entre os campos, e os rapazes da tribo caçavam javalis, cervos,

auroques, ursos e lobos nas florestas selvagens que agora haviam sido em-

purradas para além dos templos.

Os primeiros templos apodreceram e outros foram feitos, e com o

tempo os novos ficaram velhos, mas ainda eram círculos de madeira, se

bem que agora os círculos eram de postes aparados, erguidos dentro de

um barranco e uma vala que formavam um círculo mais amplo ao redor

dos anéis de madeira. Sempre um círculo, porque a vida era um círculo, e

o céu era um círculo, e a borda do mundo era um círculo, e o sol era um

círculo, e a lua crescia até virar um círculo, e por isso os templos em Cathallo

e Drewenna, em Maden e em Ratharryn, na verdade em quase todos os

povoados espalhados pela terra, eram feitos na forma de círculos.

Cathallo e Ratharryn eram as tribos gêmeas do interior. Eram liga-

das por sangue e tão ciumentas quanto duas esposas. Uma vantagem para

uma significava afronta para a outra, e naquela noite Hengall, chefe do

povo de Ratharryn, pensava no ouro do Povo de Fora. Havia esperado que

Lengar lhe trouxesse o tesouro, mas ainda que Lengar tivesse retornado a

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Ratharryn com uma bolsa de couro, não fora à cabana do pai. E quando

Hengall mandou um escravo exigir que o filho lhe trouxesse os tesouros,

Lengar havia respondido que estava cansado demais para obedecer. De modo

que agora Hengall estava consultando o sumo sacerdote da tribo.

— Ele vai desafiar você — disse Hirac.

— Os filhos devem desafiar os pais — respondeu Hengall. O chefe

era um homem alto e pesado, com o rosto cheio de cicatrizes e uma grande

barba hirsuta suja de gordura. Sua pele, como a da maioria das pessoas,

era escura de fuligem, sujeira, terra, suor e fumaça entranhados. Por baixo

da sujeira, seus braços grossos tinham inúmeras marcas azuis, que mostravam

quantos inimigos ele havia matado em batalha. Seu nome significava “Guer-

reiro”, mas Hengall, o Guerreiro, amava a paz muito mais do que a guerra.

Hirac era mais velho que Hengall. Era magro, suas juntas doíam e

a barba branca era rala. Hengall podia liderar a tribo, mas Hirac falava com

os deuses, de modo que seu conselho era crucial.

— Lengar vai lutar com você — alertou Hirac.

— Não vai.

— Ele pode lutar. É jovem e forte. — O sacerdote estava nu, mas

sua pele era coberta com uma camada seca de calcário branco e água, so-

bre a qual uma de suas esposas havia traçado padrões em redemoinho usando

os dedos abertos. Um crânio de esquilo pendia de um cordel preso ao pes-

coço, e na cintura havia uma tira com conchas e dentes de urso. O cabelo

e a barba estavam cobertos de lama vermelha, que estava secando e rachando

ao calor feroz da fogueira de Hengall.

— E eu sou velho e forte — disse Hengall. — E se ele lutar, vou

matá-lo.

— Se você o matar — sibilou Hirac —, só lhe restarão dois filhos.

— Um filho — rosnou Hengall, fazendo uma careta feroz para o

sumo sacerdote, porque não gostava que lhe lembrassem de como havia

tido poucos filhos homens. Kital, chefe do povo de Cathallo, tinha oito

filhos homens. Ossaya, que fora chefe de Madan antes de Kital conquistá-

lo, fora pai de seis, ao passo que Melak, chefe do povo de Drewenna, ti-

nha 11, de modo que Hengall sentia vergonha por só ter tido três filhos

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homens, e mais vergonha ainda porque um desses filhos era aleijado. Ti-

nha filhas também, claro, e algumas estavam vivas, mas filhas não eram

filhos. E seu segundo filho, o garoto aleijado, o idiota gago chamado

Camaban, ele não contaria como seu. Lengar ele reconhecia, bem como

Saban, mas não o filho do meio. — E Lengar não vai me desafiar — decla-

rou Hengall. — Não vai ousar.

— Ele não é covarde — alertou o sacerdote.

Hengall sorriu.

— Não, não é covarde, mas só luta quando sabe que pode ganhar.

Por isso será um bom chefe, se viver.

O sacerdote estava agachado junto ao mastro central da cabana.

Entre seus joelhos havia uma pilha de ossos finos: as costelas de um bebê

que havia morrido no inverno anterior. Cutucou-os com um dedo com-

prido e coberto de giz, empurrando-os em padrões aleatórios que estudou

de cabeça inclinada.

— Sannas vai querer o ouro — disse, depois de algum tempo, em

seguida parou para deixar aquela declaração agourenta fazer seu serviço.

Hengall, como todos os outros seres vivos, sentia um respeito reverente

pela feiticeira de Cathallo, mas pareceu descartar o pensamento. — E Kital

tem muitos lanceiros — acrescentou Hirac, como mais um alerta.

Hengall cutucou o sacerdote, desequilibrando-o.

— Deixe que eu me preocupe com as lanças, Hirac. Diga o que o

ouro significa. Por que veio para cá? Quem o mandou? O que devo fazer

com ele?

O sacerdote olhou a grande cabana ao redor. Uma cortina de cou-

ro pendia de um dos lados, abrigando as garotas escravas que serviam à

nova esposa de Hengall. Hirac sabia que já existia um grande tesouro es-

condido na cabana, enterrado sob o piso ou escondido sob pilhas de pe-

les. Hengall sempre fora um acumulador, jamais um gastador.

— Se você ficar com o ouro — disse Hirac —, homens tentarão

tirá-lo de você. Este não é um ouro comum.

— Nem sabemos se é o ouro de Sarmennyn — disse Hengall, ain-

da que sem muita convicção.

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— É — respondeu Hirac, indicando o pequeno losango trazido por

Saban, que brilhava na terra entre os dois. Sarmennyn era um país do Povo

de Fora, muitos quilômetros a oeste, e nas últimas duas luas houvera boa-

tos de que o povo de Sarmennyn havia perdido um grande tesouro. — Saban

viu o tesouro — disse Hirac —, e é ouro do Povo de Fora, e o Povo de Fora

cultua Slaol, mas lhe dão outro nome... — Ele parou, tentando se lembrar

do nome, mas não conseguiu. Slaol era o deu do sol, um deus poderoso,

mas seu poder era rivalizado por Lahanna, a deusa da lua, e os dois, que já

haviam sido amantes, agora estavam separados. Esta era a rivalidade que

dominava Ratharryn e tornava cada decisão agonizante, porque um gesto

para um dos deuses gerava ressentimento no outro, e a tarefa de Hirac era

manter contentes todos os deuses rivais, não somente o sol e a lua, mas o

vento, o solo, o riacho, as árvores, os animais, o capim, a samambaia e a

chuva, todos os inumeráveis deuses, espíritos e poderes invisíveis. Hirac

pegou o pequeno losango. — Slaol nos mandou o ouro. E o ouro é o me-

tal de Slaol, mas o losango é o símbolo de Lahanna.

Hengall sibilou.

— Está dizendo que o ouro é de Lahanna?

Durante um tempo Hirac não disse nada. O chefe esperou. Era tra-

balho do sumo sacerdote determinar o significado dos acontecimentos

estranhos, embora Hengall fizesse o máximo para influenciar esses signifi-

cados a favor da tribo.

— Slaol podia ter mantido o ouro em Sarmennyn — disse Hirac

finalmente. — Mas não fez isso. De modo que é aquele povo que vai so-

frer sua perda. O fato de ter vindo para cá não é um mau presságio.

— Bom — grunhiu Hengall.

— Mas a forma do ouro — continuou Hirac cautelosamente — nos

diz que ele já pertenceu a Lahanna, e acho que ela tentou recuperá-lo. Saban

não disse que o estranho estava perguntando por Sannas?

— Disse.

— E Sannas reverencia Lahanna acima de todos os deuses — disse

o sacerdote. — De modo que Slaol deve tê-lo mandado a nós para impedir

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