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State-of-Art sobre o Controlo da Fendilhação devido a Deformações Impostas Rodolfo Micaelo Tavares Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Civil Júri Presidente: Professor Pedro Guilherme Sampaio Viola Parreira Orientador: Professor José Manuel Matos Noronha da Camara Vogais: Professor João Sérgio Nobre Duarte Cruz Maio de 2010

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State-of-Art sobre o Controlo da Fendilhação devido a

Deformações Impostas

Rodolfo Micaelo Tavares

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em

Engenharia Civil

Júri

Presidente: Professor Pedro Guilherme Sampaio Viola Parreira

Orientador: Professor José Manuel Matos Noronha da Camara

Vogais: Professor João Sérgio Nobre Duarte Cruz

Maio de 2010

i

Resumo

A ocorrência de deformações impostas nas estruturas, tais como a variação de temperatura,

retracção do betão e assentamentos diferenciais de apoio, são responsáveis pela menor

qualidade de comportamento das mesmas, sendo que, ao existir restrição ao livre

desenvolvimento destas deformações, tal implicará o aparecimento de tensões axiais que, por

sua vez, ao atingirem os valores de tensão resistente do betão induzem o aparecimento de

fendas. Uma das formas de controlar a abertura destas fendas é por meio da adopção de

quantidades de armadura maiores ou iguais à “mínima” consoante o grau de exigência

pretendido.

A presente dissertação pretende documentar o que tem sido feito ao longo dos últimos 40

anos em relação ao tema da mesma, ou seja, sobre o controlo da fendilhação devido às

deformações impostas e com esse fim realizou-se uma razoável pesquisa bibliográfica,

baseado nos estudos efectuados no Instituto Superior Técnico. Neste documento apresenta-se

e analisa-se os resultados obtidos por diversas investigações nesta área de uma forma que

possa contribuir para o esclarecimento dos efeitos das deformações impostas nas estruturas

de betão armado, sendo que estas acções devem ser consideradas fundamentalmente na

verificação das condições de serviço da estrutura (Estados Limites de Utilização), salientando-

se que se devem considerar no dimensionamento à rotura somente no caso de eventuais

esforços de segunda ordem e na verificação da ductilidade disponível. Também se apresentam

as mais recentes disposições regulamentares para ter em consideração estes efeitos, alguns

critérios propostos para o dimensionamento estrutural e situações de actuação das

deformações impostas em estruturas.

Palavras-chave: deformação imposta, comportamento em serviço, armadura mínima, abertura

de fenda

ii

Abstract

Imposed deformation in structures such as temperature variation, concrete shrinkage and

differential settlement of supports are responsible for its lower performance. Therefore, if there

are restrictions to the free development of such deformation, tension is generated in the

concrete and when it reaches the tension resistance of concrete, it generates cracks. One way

to control these crack widths is the adoption of minimal quantities of reinforcement.

This work aims to summarize much of what has been done over the past forty years on the

topic of cracking control due to imposed deformations; for this purpose a

reasonable bibliographical research has been performed, based on the studies that took place

at I.S.T. This document presents and analyzes the results obtained by many researches in this

field intending to help to clarify the effects due to imposed deformations in the reinforced

concrete structures. These actions must be thoroughly considered in regards of the structure

service’s condition (Serviceability Limit States). Design for Ultimate Limit States must be

considered only in case of eventual second order effects and for the analysis of available

ductility verification. It also illustrates the most recent codes indications in such cases and some

proposed criteria for structural design for the situations in which structure's imposed deformation

are important.

Keywords: imposed deformation, serviceability behavior, minimal reinforcement, crack width

iii

Agradecimentos

Agradeço ao Professor José Camara pela possibilidade de desenvolver uma dissertação

sob a sua orientação e pela colaboração demonstrada, sobretudo, no desenvolvimento dos

exemplos práticos.

Agradeço a ajuda valiosa prestada pelo colega de curso, Pedro Arruda, e pelo colega de

trabalho, Pedro Sousa, na modelação do tanque.

Agradeço à Cláudia Pona pela ajuda na concepção e revisão de texto e pelo auxílio que

prestou ao longo de toda a tese.

Agradeço ao meu irmão, Ruben Tavares, que como Designer Gráfico deu o seu contributo

no tratamento de imagem e na concepção de algumas figuras apresentadas nesta dissertação.

Agradeço aos meus pais, Rui Tavares e Maria João Tavares, pelo apoio prestado em todo o

meu percurso escolar e, em particular, nesta fase, sendo exemplos em dedicação e amor dado

aos filhos.

iv

Índice

I. Enquadramento Geral .............................................................................................................. 1

1.1. Introdução........................................................................................................................... 1

1.2. Tipos de deformação imposta ............................................................................................ 2

1.2.1. Retracção .................................................................................................................... 3

1.2.2. Variação de temperatura ............................................................................................. 4

1.2.3. Assentamentos diferenciais de apoio ......................................................................... 5

1.3. Consideração das deformações impostas na verificação de segurança ........................... 6

1.4. Motivos da necessidade do controlo da fendilhação ......................................................... 7

1.5. Objectivo e estrutura do documento .................................................................................. 8

II. Efeito de acções isoladas ..................................................................................................... 10

2.1. Resposta estrutural de um tirante .................................................................................... 10

2.1.1. Deformação imposta axial ......................................................................................... 12

2.1.2. Conceito da armadura mínima para o efeito axial .................................................... 14

2.2. Comportamento à flexão .................................................................................................. 14

2.2.1. Deformação imposta com efeito de flexão ................................................................ 16

2.2.2. Conceito da armadura mínima para o efeito de flexão ............................................. 17

2.3. Distinção do tipo de deformação imposta axial: interna e externa .................................. 19

2.3.1. Deformação imposta externa .................................................................................... 21

2.3.2. Deformação imposta interna – retracção do betão ................................................... 24

2.4. Cálculo da armadura mínima de acordo com o EC2 [16] ................................................ 27

2.4.1. Controlo da abertura das fendas segundo o EC2 [16] .............................................. 29

2.5. Deformação imposta em paredes laterais – efeito axial .................................................. 34

2.5.1. Eurocódigo 2 – parte 3 [17] ....................................................................................... 37

2.5.2. Comportamento de paredes laterais ......................................................................... 40

III. Análise de sobreposição de cargas com deformações impostas .................................. 49

3.1. Considerações Iniciais ..................................................................................................... 49

v

3.2. Deformação imposta com efeito de flexão, com sobreposição de cargas verticais ........ 50

3.3. Deformação imposta axial, com sobreposição de cargas verticais ................................. 54

3.3.1. Sobreposição de efeitos – Deformação Imposta Externa ......................................... 56

3.3.2. Sobreposição de efeitos – Deformação Imposta Interna .......................................... 59

IV. Critérios de dimensionamento propostos ........................................................................ 62

4.1. Deformação imposta isolada ............................................................................................ 62

4.2. Deformação imposta em paredes laterais ....................................................................... 63

4.3. Sobreposição de cargas com deformações impostas ..................................................... 64

V. Situações de deformações impostas nas estruturas ....................................................... 70

5.1. Casos práticos de deformações impostas nas estruturas ............................................... 70

5.2. Exemplos de Aplicação .................................................................................................... 76

5.2.1. Muro sujeito à restrição das deformações impostas ................................................. 76

5.2.2. Tanque – sobreposição de cargas (acção da água) a deformação imposta axial ... 81

VI. Conclusões ........................................................................................................................... 88

Bibliografia ................................................................................................................................. 90

Anexo A ...................................................................................................................................... 93

vi

Índice de figuras

Figura I. 1 – Evolução da extensão de retracção (total, de secagem e endógena) [32] .............. 4

Figura I. 2 – Diagrama representativo do efeito da temperatura numa secção [18] ..................... 5

Figura I. 3 – Resposta estrutural a) parcela uniforme e b) parcela diferencial ............................. 5

Figura I. 4 – Percepção humana comum do fenómeno da fendilhação em função da distância, l,

do observador [23] ........................................................................................................................ 8

Figura II. 1 – Comportamento de um tirante de betão armado, solicitado por um esforço axial de

tracção crescente [19] ................................................................................................................. 10

Figura II. 2 – Comportamento global da abertura de fenda num elemento estrutural [25] ......... 11

Figura II. 3 – Comportamento do tirante de betão armado solicitado por uma deformação

imposta axial crescente [25] ........................................................................................................ 12

Figura II. 4 – Evolução dos esforços e abertura de fendas num tirante sujeito a uma

deformação imposta: a) sem armadura mínima; b) com armadura superior à mínima. [32] ...... 13

Figura II. 5 – Relação Momento-Curvatura para as várias fases da estrutura no caso de flexão

simples ........................................................................................................................................ 15

Figura II. 6 – Deformação imposta de flexão actuando isoladamente ........................................ 16

Figura II. 7 – Exemplos de deformação imposta com de flexão a) variação diferencial de

temperatura, b) assentamento de apoio ..................................................................................... 17

Figura II. 8 – Diagramas de tensões na secção imediatamente antes e após fendilhar ............ 18

Figura II. 9 – Comparação de resultados entre deformação imposta externa (a) e a retracção do

betão (b) [11] ............................................................................................................................... 19

Figura II. 10 – Distribuição de tensões numa secção sujeita ao efeito da retracção num

elemento estrutural inserido numa estrutura hiperstática [25] .................................................... 20

Figura II. 11 – Modelo base utilizado no estudo [25] .................................................................. 21

Figura II. 12 – Resposta não linear para a acção isolado de uma deformação imposta externa

[26] ............................................................................................................................................... 22

Figura II. 13 – Estado do elemento estrutural e respectivas tensões, para extensões próximas

de 0,3 e 0,5‰, para o caso 4 [11] ............................................................................................... 23

Figura II. 14 – Tensões na armadura (σs) e respectiva abertura de fenda (w) em função da

extensão média, caso 4 [26] ....................................................................................................... 24

Figura II. 15 – Resposta não linear para a acção isolado de uma deformação imposta interna

[26] ............................................................................................................................................... 24

Figura II. 16 – Estado do elemento estrutural e suas tensões, para extensões próximas de 0,3 e

0,5‰, para o caso 4 [11] ............................................................................................................. 25

vii

Figura II. 17 – Tensões na armadura (σs) e respectiva abertura de fenda (w) em função da

extensão média para o caso 4 [26] .......................................................................................... 26

Figura II. 18 – Variação de k em função da espessura, h [16] ................................................... 28

Figura II. 19 – Estimativa do parâmetro kc, em função da tensão média no elemento [25] ....... 29

Figura II. 20 – Equilíbrio de tensões ao longo do elemento, na fase de formação de fendas [25]

..................................................................................................................................................... 30

Figura II. 21 – Transmissão de tensões ao longo do comprimento l0 [25] .................................. 31

Figura II. 22 – Secções efectivas de betão traccionado [16] ...................................................... 33

Figura II. 23 – a) geometria geral da parede; b) distribuição de tensões antes de formar a

1ªfenda; c) Resultante das tensões longitudinais antes de formar a 1ª fenda [32] .................... 35

Figura II. 24 – Comparação de distribuição de tensão no centro das paredes com as dum

tirante em função da razão l/b [19] .............................................................................................. 35

Figura II. 25 – Características imediatamente antes da formação da 2ª fenda: a) Parede, b)

Distribuição de tensões, c) Resultantes de tensões, para um comportamento não linear [19] .. 36

Figura II. 26 – Características geométricas da parede utilizada nas análises de Luís [26] e

Teixeira [32] ................................................................................................................................. 37

Figura II. 27 – Valores recomendados para a abertura wk1 ........................................................ 38

Figura II. 28 – Diâmetro máximo dos varões para o controlo da fendilhação, função da tensão

nas armaduras [17] ..................................................................................................................... 39

Figura II. 29 – Espaçamento máximo dos varões para o controlo da fendilhação, função das

tensões nas armaduras [17] ........................................................................................................ 39

Figura II. 30 – Variação das resultantes de tensões ao longo da parede para o caso 1 [26] .... 41

Figura II. 31 – Evolução da tensão média e abertura de fendas ao longo da parede para o caso

1, para deformação imposta externa e interna respectivamente [26] ......................................... 43

Figura II. 32 – Variação da força ao longo da parede, para o caso 1 (armadura mínima) [32] .. 44

Figura II. 33 – Distribuição de tensão, na secção central da parede imediatamente antes da

formação da 1ª fenda, para o caso 1 [32] ................................................................................... 45

Figura II. 34 – Distribuição de tensão, na secção central da parede imediatamente antes da 3ª

fenda, no caso 1 [32] ................................................................................................................... 46

Figura II. 35 – Deformada ao longo do comprimento da parede, para a situação imediatamente

antes da formação das 4ª e 5ª fendas [32] ................................................................................. 46

Figura II. 36 – Fendilhação que ocorre num muro sem juntas ................................................... 47

Figura II. 37 – Variação da tensão (azul) e valor médio (cinzento), na secção central da parede

aquando da formação das fendas seguintes para: a) caso 1; b) caso 2; c) caso3 [32] ............. 47

viii

Figura III. 1 – Sobreposição do efeito de flexão de uma deformação imposta (por exemplo,

assentamento diferencial de apoio ou variação linear de temperatura) com a flexão simples

devido às cargas verticais ........................................................................................................... 50

Figura III. 2 – Diferentes incrementos de momento devido à mesma deformação imposta

dependente da rigidez estrutural [11] .......................................................................................... 50

Figura III. 3 – Comportamento estrutural num caso usual de sobreposição dos efeitos de

deformações impostas aos das cargas [13] ................................................................................ 51

Figura III. 4 – Relação entre as rigidezes dos Estados I e II em flexão simples para diferentes

percentagens de armadura [13] .................................................................................................. 52

Figura III. 5 – Importância entre a diferença de valores Mcr e My [13] ........................................ 53

Figura III. 6 – Sobreposição de uma deformação imposta axial com cargas verticais ............... 54

Figura III. 7 – Comportamento à flexão simples e composta com esforço axial constante [14] . 54

Figura III. 8 – Deformação imposta externa e interna, sem e com sobreposição de efeitos [11]

..................................................................................................................................................... 55

Figura III. 9 – Resultados da análise não linear em termos de N-εm para deformação imposta

externa [11] .................................................................................................................................. 56

Figura III. 10 – Distribuição das tensões nas armaduras, caso 4, para sobreposição de efeitos –

deformação imposta externa [25] ................................................................................................ 57

Figura III. 11 – Variação de tensões nas armaduras e respectivas aberturas de fendas em

função da extensão média – deformação imposta externa [11] ................................................. 58

Figura III. 12 – Resultados da análise não linear em termos de N-εm para deformação imposta

interna [11] ................................................................................................................................... 59

Figura III. 13 – Distribuição das tensões nas armaduras, caso 4, para sobreposição de efeitos –

deformação imposta interna [25] ................................................................................................. 60

Figura III. 14 – Variação de tensões nas armaduras e respectivas aberturas de fendas em

função da extensão média – deformação imposta interna [11] .................................................. 61

Figura IV. 1 – Comparação de esforços elásticos com os esforços resultantes de uma

deformação imposta .................................................................................................................... 62

Figura IV. 2 – Exemplo da resposta de uma viga bi-encastrada a uma variação linear de

temperatura para uma análise linear (a) e não linear (b) [13] ..................................................... 64

Figura V. 1 – Efeito das deformações impostas nas estruturas de edifício em pórtico e em

pontes [13] ................................................................................................................................... 70

Figura V. 2 – Fendilhação junto à abertura do elemento traccionado (NcrA e NcrB – esforço axial

de fendilhação na zona A e B, respectivamente) ........................................................................ 71

ix

Figura V. 3 – Situação de colocação de armadura mínima de tracção na consola de um edifício

[13] ............................................................................................................................................... 72

Figura V. 4 – Situação de colocação de armadura mínima de tracção numa laje suportada na

parte inferior e dimensionada para as cargas em x [13] ............................................................. 73

Figura V. 5 – Situação de colocação de armadura mínima na laje devido aos elementos rígidos

[13] ............................................................................................................................................... 73

Figura V. 6 – Situação comum na qual o piso enterrado se encontra submetido à sobreposição

do efeito das cargas verticais com deformação imposta axial [25] ............................................. 74

Figura V. 7 – Fendilhação que ocorre num muro sem juntas ..................................................... 74

Figura V. 8 – Distância máxima entre juntas de dilatação segundo EC2-parte3 [17] ................ 75

Figura V. 9 – Pormenor de uma junta Waterstop [36]................................................................. 75

Figura V. 10 – Dimensões da parede do muro ........................................................................... 76

Figura V. 11 – Dimensões do tanque .......................................................................................... 81

Figura V. 12 – Representação, em planta, da sobreposição de efeitos no tanque: a) acção da

água nas paredes; b)N, esforço normal devido às deformações impostas e à acção da água e

Mcp, momentos devido à acção da água ..................................................................................... 81

Figura V. 13 – Modelação do tanque em SAP2000® .................................................................. 82

Figura V. 14 – Distribuição do esforço axial resultante, devido à deformação imposta, na parede

de 15m de comprimento .............................................................................................................. 83

Figura V. 15 – Variação do esforço axial, devido à deformação imposta, na zona central da

parede de 15m de comprimento ................................................................................................. 83

Figura V. 16 – Zonas a analisar .................................................................................................. 84

Figura V. 17 – Pormenor da secção na zona A a dimensionar .................................................. 84

Figura V. 18 – Pormenor da secção na zona B a dimensionar .................................................. 85

Figura V. 19 – Pormenor da secção na zona A a verificar o comportamento em serviço .......... 86

Figura V. 20 – Pormenor da secção na zona B a verificar o comportamento em serviço .......... 86

x

Índice de Tabelas

Tabela I. 1 – Tabela abreviada de causas e período de aparecimento de fendas ....................... 2

Tabela II. 1 – Percentagens de armadura e tipos de materiais utilizados na análise [25].......... 21

Tabela II. 2 – Quadro 7.2N e 7.3N do EC2 [16] – limitação da tensão no aço, para efeitos de

controlo de abertura máxima de fenda, admitindo a situação de flexão (diâmetros equivalentes)

..................................................................................................................................................... 27

Tabela II. 3 – Classificação da exigência de estanquidade [17] ................................................. 37

Tabela II. 4 – Percentagens de armadura e tipos de materiais utilizados na análise não linear

de Luís [26] .................................................................................................................................. 41

Tabela II. 5 – Valores do esforço axial estabilizado (N) para os 3 casos analisados [26] .......... 42

Tabela II. 6 – Percentagens de armadura e tipos de materiais utilizados na análise linear de

Teixeira [32] para uma parede encastrada na base e com espessura de 0,30m ....................... 44

Tabela IV. 1 – Valores aproximados de 𝝃 para avaliação dos momentos devido às deformações

impostas [11] (realçam-se os valores médios para acções de curto e longo prazo) .................. 65

Tabela IV. 2 – Coeficientes de redução de esforço axial de fendilhação para uma deformação

imposta axial [11] salientam-se os valores médios de referência ............................................... 67

Tabela V. 1 – Características dos materiais a adoptar na parede do muro ............................... 77

Tabela V. 2 – Armaduras mínimas para dois tipos de espessura da parede do muro ............... 77

Tabela V. 3 – Abertura média e característica de fendas para as armaduras mínimas adoptadas

..................................................................................................................................................... 78

Tabela V. 4 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,3mm e Ncr ............................. 79

Tabela V. 5 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,3mm e 0,7Ncr ........................ 79

Tabela V. 6 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,175mm e Ncr ......................... 79

Tabela V. 7 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,175mm e 0,7Ncr .................... 80

Tabela V. 8 – Resultados do controlo directo da fendilhação ..................................................... 80

Tabela V. 9 – Abertura média e característica de fendas para as armaduras condicionantes .. 87

Tabela V. 10 – Disposição de armaduras condicionantes para obtenção de abertura de fendas

menores ....................................................................................................................................... 87

xi

Simbologia

As,min – Área de armadura mínima

Ac,ef – Área efectiva do betão

c – Recobrimento da armadura

Ec – Módulo de elasticidade do betão

Es – Módulo de elasticidade do aço

Ec,ajust – Módulo de elasticidade ajustado

εimp – Deformação imposta

εΔT – Deformação devido à variação da temperatura

εcs – Deformação devido à retracção total

εcd – Deformação devido à retracção por secagem

εca – Deformação devido à retracção endógena

εs,yk – Deformação característica de cedência do aço

fctm – Tensão de tracção média do betão

fs,yk – Tensão característica de cedência do aço

𝜏𝑏 – Tensão de aderência aço – betão

𝜏𝑏𝑚 – Tensão de aderência média aço – betão

ρef – Percentagem de armadura na área efectiva

Ndi – Esforço axial devido à deformação imposta

Ncr – Esforço axial de fendilhação

Mdi – Momento devido à deformação imposta

My – Momento de cedência

Mserv – Momento devido às cargas aplicadas em serviço

wm - Abertura média de fendas

wmax - Abertura máxima de fendas

1

I. Enquadramento Geral

1.1. Introdução

O presente trabalho constitui a dissertação de mestrado realizada no âmbito do Perfil de

Estruturas do Curso de Mestrado Integrado em Engenharia Civil e intitula-se “State-of-art sobre

o controlo da fendilhação devido a deformações impostas”.

Como o título alude, o desenvolvimento da tese terá sempre subjacente o conceito de

deformação imposta, pelo que importa referir, desde logo, em que consiste este fenómeno, o

que o provoca e quais as suas consequências. As deformações impostas às estruturas de

betão podem ser de várias origens como da própria retracção do betão, de uma variação de

temperatura ou de assentamentos diferenciais. Estas acções não podem provocar o colapso da

estrutura (a não ser que gerem eventuais efeitos de segunda ordem) mas são muitas vezes

responsáveis pelo deficiente comportamento em serviço. Ao serem restringidas pelas

condições de apoio ou de ligação a outros elementos estruturais, as deformações impostas

induzem o surgimento de tensões axiais ou de flexão e estas, por sua vez, ao atingirem os

valores de tensão resistente de tracção do betão, fctm, resultam no aparecimento de fendas.

A fendilhação é um fenómeno “quase” inevitável no betão estrutural, devido à baixa

resistência do betão à tracção, porém pode e deve ser controlada. De facto, constata-se que a

fendilhação nas estruturas de betão estrutural, com níveis de abertura de fendas claramente

inaceitáveis deve-se, em geral, aos efeitos das deformações impostas. É, portanto, de todo o

interesse compreender como se pode limitar o nível de fissuração provocada pelas

deformações impostas, como forma de mitigação dos seus potenciais efeitos, a saber, a

corrosão das armaduras e a degradação do aspecto da estrutura. A fendilhação deve ser

limitada a um nível que não afecte a funcionalidade da estrutura, nem torne o seu aspecto

inaceitável.

No passado, estas acções foram muitas vezes menos bem consideradas, mas a partir dos

anos 70/80 começou a ficar claro que uma parte considerável de danos, deficiências e mau

desempenho em serviço resultava não da actuação das cargas, mas do efeito das

deformações impostas. Assim, nos últimos anos, efectuaram-se diversos trabalhos de

investigação com o objectivo de clarificar o comportamento em serviço destas estruturas.

Também, no Instituto Superior Técnico, foram desenvolvidos alguns trabalhos sobre os efeitos

das deformações impostas. Assim, pretende-se com este documento resumir e analisar a

investigação efectuada e as disposições de dimensionamento associadas para o controlo dos

efeitos das deformações impostas nas estruturas de betão armado. Primeiramente, é

necessário entender os fenómenos físicos que envolvem os três tipos de deformação imposta

acima referidos, os quais são explanados nos próximos parágrafos.

2

1.2. Tipos de deformação imposta

A resposta das estruturas de betão sujeitas às deformações impostas reflecte-se sobretudo na

abertura de fendas, podendo, quando atingem um certo nível, comprometer tanto o bom

funcionamento em serviço como a durabilidade da estrutura. É, assim, importante conhecer os

mecanismos associados às deformações impostas e de que modo estas se traduzem na

resposta estrutural.

Uma forma de controlar o comportamento das estruturas de betão em serviço é, antes de

mais, pela garantia da não cedência do aço, o que corresponde nalgumas situações à

aplicação do conceito da armadura mínima, e, num nível seguinte, pela fixação de valores

máximos admissíveis para a abertura de fendas.

As deformações impostas são causadas por fenómenos que se resumem na Tabela I. 1,

onde se indicam também os períodos do seu desenvolvimento sendo que a medida a adoptar

para controlar os seus efeitos é a utilização de uma quantidade de armadura que limite a

abertura das fendas.

Causas Período de desenvolvimento

Retracção endógena ou autogénea

Alguns dias após a betonagem

Retracção de secagem Alguns meses ou anos após a

betonagem

Assentamento diferencial do apoio

Durante a utilização

Variação de temperatura Durante a utilização

Tabela I. 1 – Tabela abreviada de causas e período de aparecimento de fendas

É relevante referir, que considerando a actuação simultânea de uma retracção e uma

variação de temperatura num elemento estrutural conclui-se que a deformação é bastante

superior à correspondente ao inicio da fendilhação (para uma acção rápida):

𝜀𝑖𝑚𝑝 = 𝜀𝛥𝑇 + 𝜀𝑐𝑠 𝑚𝑎𝑥 ≈ 0,6 × 10−3 ≫ 𝜀𝑐𝑡𝑚 =𝑓𝑐𝑡𝑚

𝐸𝑐 ,𝑚≈ 0,1 × 10−3 (I.1)

Assim, o aparecimento de fissuras em resultado da acção das deformações impostas em

estruturas de betão é frequente e difícil de evitar, a menos que o elemento estrutural se possa

deformar livremente.

De seguida, descreve-se sucintamente os fenómenos que correspondem às deformações

impostas.

3

1.2.1. Retracção

A retracção do betão é uma propriedade reológica do material e que consiste numa diminuição

gradual do volume do betão ao longo do processo de endurecimento, na ausência de cargas

aplicadas. Em geral são referidos cinco tipos de retracção (plástica, química, de carbonatação,

térmica e hídrica) que ocorrem por processos físico-químicos diferentes e em distintas fases do

endurecimento do betão, sendo que os dois mais relevantes, para o trabalho em causa, são

analisados seguidamente, de acordo com [7, 13, 20, 22, 24, 32].

A retracção térmica ocorre nas horas seguintes à betonagem. As reacções químicas de

hidratação do cimento são exotérmicas e ao libertarem calor fazem aumentar a temperatura do

betão. Estas reacções exotérmicas são mais ou menos intensas em função do tipo e dosagem

de cimento. Durante o processo de endurecimento do betão, as reacções de hidratação do

cimento vão diminuindo de velocidade. Ao atingir o pico de temperatura, ao fim de 20 a 40

horas depois da betonagem, o calor perdido pela superfície livre e cofragens é superior ao

libertado pelas reacções de hidratação, originando portanto o arrefecimento do betão e a

consequente retracção do mesmo. O nível de fendilhação causado por este tipo de retracção

pode agravar-se no caso de uma descofragem prematura, a qual se traduz numa perda

precoce de isolamento térmico, isto é, sem que o betão tenha adquirido um nível de resistência

desejável.

A retracção propriamente dita, ou seja, a hídrica, é a parcela que mais contribui para a

retracção global dos elementos de betão. Este tipo de retracção ocorre devido à perda de água

do interior do betão, segundo dois processos distintos: o processo endógeno e a secagem. O

Eurocódigo 2 [16], considera a retracção total como sendo a soma destes dois processos (ver

expressão I.2).

𝜀𝑐𝑠 = 𝜀𝑐𝑑 + 𝜀𝑐𝑎 (I.2)

A retracção hídrica dá-se depois do processo de endurecimento e é claramente mais

significativo que as restantes parcelas de retracção verificadas nessa fase como a química ou

de carbonatação.

Na retracção endógena, também denominada de retracção de auto-dissecação ou de

hidratação, não há trocas de humidade com o exterior, sendo muito pouco influenciada pelas

condições ambientais, ao contrário da retracção de secagem. À medida que as reacções

químicas de hidratação ocorrem, a água presente no interior dos poros do betão é consumida,

causando perda de pressão por um mecanismo que envolve a formação de um menisco capilar

na interface líquido/vapor. Esta diminuição de pressão nos poros origina a retracção do betão.

A perda de água vai-se efectuando dos poros maiores para os menores, sendo a retracção

endógena mais importante nas primeiras idades do betão verificando-se cerca de 80% deste

processo até aos 28 dias. Nos betões com uma baixa razão água/cimento, onde os fenómenos

4

de hidratação consomem toda a água dos poros maiores, a retracção endógena é mais

significativa.

Entre os dois processos de retracção hídrica supracitados, o da retracção de secagem, ou

de dissecação, é aquele que apresenta um efeito mais expressivo sobre a totalidade da

retracção do betão, para betões correntes (C25/30 ou C30/37), como se pode constatar na

figura seguinte

Figura I. 1 – Evolução da extensão de retracção (total, de secagem e endógena) [32]

Em termos simples, este processo de secagem consiste na migração da humidade presente

no interior do betão para as faces expostas do elemento devido a um gradiente hídrico entre o

interior do betão e o ambiente exterior. A perda de água do betão origina a redução da pressão

no interior dos poros causando, assim, a retracção. Este processo é muito lento, prolongando-

se ao longo de vários anos até que o betão esteja totalmente seco. A retracção de secagem

aumenta com a relação água/cimento.

1.2.2. Variação de temperatura

A exposição ao meio ambiente provoca nas estruturas variações de temperatura que decorrem

de forma cíclica ao longo da vida útil das mesmas. As variações de temperatura devem-se

sobretudo à exposição directa das estruturas aos raios solares. Assim, as condições

climatéricas locais, a orientação da estrutura, a sua massa e o tipo de revestimento são

factores que condicionam as variações térmicas dos elementos estruturais.

A variação de temperatura numa secção de um elemento em betão pode ser dividida em

três parcelas: a componente de variação uniforme, as componentes de variação diferencial

linear e uma componente de variação não linear, a qual gera um sistema de tensões auto-

equilibradas como se pode observar na Figura I. 2.

5

Figura I. 2 – Diagrama representativo do efeito da temperatura numa secção [18]

Ao actuar numa estrutura isostática, a variação da temperatura provoca extensões axiais

associadas à parcela de variação uniforme e curvaturas associadas à parcela de variação

diferencial linear (ver Figura I. 3). Refira-se que a parcela de deformação não linear poderá

provocar alguma fendilhação local na secção nas zonas mais traccionadas. Por sua vez se as

parcelas de deformações uniformes e de curvatura estiverem restringidas, como acontece em

estruturas hiperestáticas, geram-se esforços axiais e de flexão hiperstáticos. Estes efeitos são

os mais importantes relativamente à possibilidade de gerarem fissuras nas estruturas capazes

de afectar o seu funcionamento em serviço e a sua durabilidade.

Figura I. 3 – Resposta estrutural a) parcela uniforme e b) parcela diferencial

1.2.3. Assentamentos diferenciais de apoio

Os assentamentos de apoio podem ser um dos motivos de degradação das construções, em

particular nos danos causados em elementos não estruturais. Estes assentamentos estão

relacionados com o comportamento do solo e a sua interacção com a estrutura que suporta.

Os solos, quando carregados, têm assentamentos quer instantâneos, quer ao longo do

tempo, como as deformações devidas à consolidação do solo. Também alterações no solo

6

confinante como escavações ou aterros e variações no nível freático podem causar

assentamentos das fundações da estrutura.

Caso estas deformações não se desenvolvam uniformemente em toda a estrutura ocorrem

assentamentos diferenciais entre apoios que geram tensões e/ou esforços que afectam o

comportamento em serviço da estrutura, em geral, sob a forma de flexão. Refira-se que, em

termos da segurança à rotura o importante é a ductilidade estrutural uma vez que aqueles

esforços tendem a desaparecer com a perda de rigidez.

Os assentamentos de apoio estão associados à menor capacidade de suporte do solo de

fundação, deficiente dimensionamento e/ou execução das fundações e eventuais variações

dos níveis freáticos.

1.3. Consideração das deformações impostas na verificação de segurança

As acções sobre uma estrutura de betão armado são denominadas de acções directas ou

indirectas. As acções directas são cargas verticais ou horizontais (vento) que geram reacções e

esforços, essenciais ao equilíbrio das estruturas. As acções indirectas são as deformações

impostas, as quais somente no caso de estruturas hiperestáticas geram reacções exteriores

auto-equilibradas que dependem da rigidez, da geometria, dos materiais e do seu estado de

fendilhação. Se no caso das acções directas é requerida sempre uma dada capacidade

resistente, nas acções indirectas há que exigir sobretudo uma certa capacidade de

deformação. De facto, para este tipo de acções verifica-se uma diminuição de esforços

relativamente aos valores elásticos, que dependem do estado da rigidez da estrutura.

Assim, o Eurocódigo 2 [16] refere explicitamente que as deformações impostas devem, no

essencial, ser consideradas na verificação dos estados limites de utilização, desde que haja

suficiente ductilidade, ou seja, capacidade de deformação plástica da estrutura. Só os

eventuais efeitos de segunda ordem não podem ser desprezados na segurança à rotura. Deste

modo, o que está em causa, no essencial, não é a capacidade resistente dos elementos

estruturais, ou seja, a verificação da segurança do Estado Limite Último, mas sim o seu

comportamento em serviço. Estas acções não condicionam o comportamento estrutural por

falta de capacidade resistente, sendo a ductilidade a importante característica a estar presente

na resposta para esta vertente da verificação de segurança. De facto, próximo da rotura,

verifica-se que o comportamento das estruturas com ductilidade se assemelha ao de um

mecanismo e, portanto, as deformações impostas não geram esforços internos, antes

provocam deformações e/ou rotações nalguns elementos estruturais que exigem capacidade

de deformação plástica, ou seja, ductilidade.

Segundo Camara [13], um comportamento dúctil das estruturas é conseguido por meio da

escolha de um aço com características de ductilidade adequadas, da concepção das secções

7

tal que o parâmetro x/d seja limitado na rotura, e, se se tratar da flexão composta, tal que o

nível de esforço axial reduzido não seja elevado. Finalmente, a adopção de estribos, não muito

espaçados e bem amarrados, que garantam o confinamento do betão comprimido é a forma de

melhorar a ductilidade disponível e, por conseguinte, também aumentar a capacidade de

deformação plástica das zonas da estrutura em causa.

Só faz sentido considerar os esforços provocados pelas deformações impostas na

verificação aos Estados Limites Últimos de resistência para os efeitos provocados pela

variação da geometria da estrutura, deslocando os eixos da mesma e originando, se existirem

esforços axiais, momentos de 2ª ordem – tal é uma questão de equilíbrio e não mais só de

compatibilidade.

Em resumo, a consideração das deformações impostas é fundamental na verificação das

condições de serviço da estrutura, sendo a sua consideração no dimensionamento à rotura

limitada aos eventuais esforços de segunda ordem e à verificação da ductilidade disponível. No

essencial, os efeitos das deformações impostas devem ser considerados na verificação das

condições de serviço, como uma acção de carácter permanente ou variável consoante o caso,

actuando isoladamente ou em combinação com acções directas, de forma a verificar se a

resposta assegura os níveis de qualidade exigidos.

1.4. Motivos da necessidade do controlo da fendilhação

A necessidade de efectuar o controlo da fendilhação deve-se sobretudo a três motivos ou

exigências: durabilidade, estética e funcionais.

As exigências de durabilidade da estrutura devem-se à importância da protecção das

armaduras contra a corrosão, sendo que a abertura de fenda, dependendo da sua dimensão,

expõe as armaduras aos agentes ambientais, podendo prejudicar essa protecção, como já foi

referido anteriormente. Schiessel [30] verificou, no entanto, que, apesar de existirem melhores

condições para se iniciar o processo de corrosão, no caso de aberturas de fendas inferiores a

cerca de 0,3mm a 0,4mm, tal não se verifica ao longo tempo, de tal forma que, após um certo

período, o estado de corrosão é praticamente independente da existência da fenda e da sua

abertura, se limitada aos valores referidos. O Eurocódigo 2 [16] define o valor da abertura

característica de fenda a 0,30mm para as classes de exposição ambiental mais desfavoráveis

e para a combinação de acções quase-permanente, sendo que para um ambiente sem

agressividade se limita, por razões estéticas, essa abertura a 0,4mm.

No que concerne a exigências estéticas, a quantificação da abertura de fendas para valores

aceitáveis é subjectivo, dependendo de inúmeros factores, que não estruturais, entre os quais

a sensibilidade do observador e a distância entre este e o elemento estrutural. Jaccoud [23]

8

refere uma ordem de grandeza da abertura de fenda visível em função da distância do

observador à mesma, como se pode observar na figura seguinte.

Figura I. 4 – Percepção humana comum do fenómeno da fendilhação em função da distância, l, do observador [23]

Em termos de exigências funcionais o controlo da abertura de fendas é particularmente

relevante em reservatórios e depósitos, nos quais existe a necessidade de garantia de um

certo nível de estanquidade. Nestes casos, é necessário um critério de limitação de abertura de

fendas mais restrito, em particular, para as fendas de tracção, que atravessam todo o

elemento, com o fim de garantir que não ocorrem fugas, ou, então, que estas estão limitadas.

O EC2-parte 3 [17] apresenta recomendações nesse sentido e que são apresentadas no

subcapítulo 2.5.1 deste documento.

De referir que o controlo de abertura de fendas é efectuado, geralmente, de uma forma

indirecta com base no controlo das tensões instaladas nas armaduras e na distribuição e

pormenorização das armaduras.

1.5. Objectivo e estrutura do documento

Este trabalho tem como objectivo principal dar uma contribuição para fazer um ponto de

situação sobre alguma investigação realizada e as disposições de dimensionamento para o

controlo dos efeitos das deformações impostas nas estruturas de betão estrutural. Há, de facto,

a necessidade de se sistematizar a informação relativa à forma de encarar essas acções tanto

na concepção como no dimensionamento e pormenorização das estruturas de betão.

Neste primeiro capítulo caracterizaram-se de forma genérica as deformações impostas e

foram apresentados os princípios segundo os quais se deve orientar a consideração destas

acções na verificação da segurança, sendo ainda realçadas as razões para a necessidade de

controlo da fendilhação no betão estrutural.

9

No capítulo II analisa-se o comportamento do betão estrutural quando solicitado por

deformações impostas axiais ou com efeito de flexão, distinguindo-se também as deformações

impostas externas das internas. Apresenta-se, ainda, a formulação proposta pelo EC2 [16] para

a definição da armadura mínima e uma análise da actuação das deformações impostas em

situações de condições de fronteira diferentes, como no caso de muros de suporte ou paredes

laterais de tanques.

No capítulo III estudam-se as situações de sobreposição dos efeitos de flexão gerados por

cargas aplicadas, com efeitos de flexão ou axiais provocados pelas deformações impostas.

No capítulo IV apresentam-se algumas recomendações propostas para o dimensionamento

das estruturas de betão armado às deformações impostas.

No capítulo V descrevem-se algumas situações em que as deformações impostas actuam

nas estruturas, destacando-se a sua relevância e apresentando-se dois casos de estudo:

parede de um muro de suporte sujeito à restrição das deformações impostas e um tanque, no

qual ocorre sobreposição de efeitos.

No capítulo VI apresentam-se as considerações finais deste trabalho.

10

II. Efeito de acções isoladas

Para compreender o comportamento de um elemento de betão armado é importante analisar a

resposta de um tirante, no sentido que é o elemento mais simples e que permite melhor

identificar as diferenças entre o tipo de resposta a acções de carga e deformações impostas.

Nesse sentido apresenta-se neste capítulo as características principais de comportamento para

acções actuando isoladamente.

2.1. Resposta estrutural de um tirante

O elemento estrutural mais simples é, como referido, o de um tirante. Nesse sentido começa-se

por descrever a sua resposta quando solicitado por uma força de tracção, para posteriormente

se compreender o comportamento do mesmo quando solicitado por uma deformação imposta

axial. Essa descrição foi efectuada com recurso a referências bibliográficas [12, 22, 24, 32].

Para uma acção crescente, neste caso decorrente da aplicação de uma força de tracção

pura (N), o tirante de betão armado evolui em três fases até atingir a rotura, como se pode

verificar na Figura II. 1, que são as seguintes: inicialmente verifica-se um estado não fendilhado

e posteriormente uma situação de fendilhação, que, por sua vez, se subdivide em duas etapas

– a primeira correspondendo à formação de fendas e a segunda à fendilhação estabilizada – e,

por fim, o estado de rotura que se inicia com a cedência do aço. De seguida, apresenta-se uma

breve descrição esquemática dos estados acima referidos, envolvidos no mecanismo de

fendilhação.

Figura II. 1 – Comportamento de um tirante de betão armado, solicitado por um esforço axial de tracção crescente [19]

11

No estado não fendilhado o tirante exibe um comportamento elástico-linear, Estado I, no

qual as tensões de tracção são inferiores às da resistência do betão, fctm, sendo de salientar o

peso pouco significativo do aço. Quando a solicitação no tirante ultrapassa a resistência

disponível nalguma zona verifica-se o aparecimento da primeira fenda, iniciando-se o estado

fendilhado.

No estado fendilhado, ocorre inicialmente uma fase de formação de fendas correspondendo

a uma diminuição importante da rigidez do elemento. Para ocorrer a formação de várias fendas

é necessário que a quantidade de armadura seja suficiente para evitar a plastificação, como se

verá adiante. Na formação de cada nova fenda há um aumento da deformação sob a força N

constante e a rigidez, num dado comprimento próximo desta, passa a ser a correspondente ao

aço, como esquematizado na Figura II. 2. Assim que a tensão no tirante seja superior a Nr,N

(Figura II. 1), deixa de ocorrer a formação de novas fendas, verificando-se o aumento da

abertura das fendas e, consequentemente, o elemento volta a exibir um comportamento quase

linear, a esta situação denomina-se de fendilhação estabilizada.

Figura II. 2 – Comportamento global da abertura de fenda num elemento estrutural [25]

Refira-se que em todo o estado fendilhado a estimativa da deformação média pode ser

obtida como um valor intermédio entre os estados I e II tal que:

𝜀𝑠𝑚 = 1 − 𝜁 𝜀𝑠1 + 𝜁𝜀𝑠2 (II.1)

Em que 𝜁 é um coeficiente de repartição sempre inferior a 1 e dado por uma expressão do

tipo:

𝜁 = 1 − 𝛽 𝑁𝑐𝑟

𝑁

2

(II.2)

12

Em que 𝛽 é um coeficiente que se obtêm do produto de 𝛽1 que define a influência do tipo de

varões e propriedades de aderência da armadura com 𝛽2 que define a influência da duração da

aplicação e o carácter de repetição da mesma.

Seguidamente, na sequência do carregamento a armadura atinge o valor limite de

elasticidade, ou seja, a cedência.

2.1.1. Deformação imposta axial

No caso de uma deformação imposta, observa-se que, após a formação da cada nova

fenda, ocorre uma redução brusca do esforço N sob uma deformação, ∆L, mantida constante,

como se poderá observar na Figura II. 3. Essa é a principal diferença de comportamento, pois

enquanto que no caso da força aplicada, após a abertura de uma fenda, a extensão aumenta

para o mesmo nível de força aplicada, na resposta a uma deformação imposta acontece o

oposto, ou seja, após a abertura de fenda a deformação mantém-se e a força diminui. Este

aspecto deve-se à diferença do tipo de acção em causa, pois quando se trata de uma força

aplicada é necessário que essa força seja equilibrada, logo, quando a rigidez de uma secção

diminui (com a abertura de uma nova fenda) ocorre obrigatoriamente um aumento de

deformação, quando a força no elemento é devido a uma deformação imposta, ela é tanto

maior quanto maior for a rigidez, assim, ao se abrir uma nova fenda, a perda de rigidez origina

uma diminuição da força instalada no elemento (Figura II. 3).

Figura II. 3 – Comportamento do tirante de betão armado solicitado por uma deformação imposta axial crescente [25]

No que concerne às etapas do mecanismo de fendilhação, verifica-se que são as mesmas

que se observaram no caso da acção de uma carga. Como se salientou, após a formação de

cada nova fenda ocorre um decréscimo de esforço e, à medida que a deformação imposta

13

aumenta, o processo repete-se até que ocorra a sua estabilização, para um valor de extensão

de aproximadamente 1,0 a 1,5‰. A partir dessa extensão, a deformação imposta desenvolve-

se com rigidez próxima de Estado II até que a cedência seja alcançada. Como referido no

capítulo anterior, na prática, a deformação imposta axial normalmente não ultrapassa valores

da ordem de 0,5 a 0,7‰, logo, os elementos estruturais encontram-se usualmente na fase de

formação de fendas.

Mas para ocorrer o processo de formação de fendas é necessário que a quantidade de

armadura seja suficiente para evitar a plastificação, ou seja, é fundamental verificar o critério de

não plastificação da armadura. Com este critério pretende-se garantir que os esforços de

cedência da secção são superiores aos de fendilhação assegurando-se um comportamento

dúctil, para o caso da acção de uma carga e evitando-se a não formação de uma fenda isolada,

para o caso de uma deformação imposta. Na Figura II. 4 pode observar-se a diferença de

comportamento de dois tirantes, submetidos a uma deformação imposta, um com resistência

da armadura inferior à força de fendilhação do tirante e outro com resistência superior.

Figura II. 4 – Evolução dos esforços e abertura de fendas num tirante sujeito a uma deformação imposta: a) sem armadura mínima; b) com armadura superior à mínima. [32]

No primeiro, a armadura plastifica na secção onde se formou a primeira fenda e o

alongamento imposto irá se concentrar nessa abertura. De facto, depois da formação da

primeira fenda e da queda do esforço associado, na continuação da imposição da deformação

vai dar-se a plastificação da armadura junto à referida fenda e não é possível atingir mais o

nível de tensão no betão que daria origem a novas fendas. No segundo exemplo, verifica-se

que ocorre todo o processo de formação de fendas, pois após a formação da primeira fenda e

com a continuação da imposição da deformação não ocorre a plastificação da armadura

formando-se novas fendas.

14

2.1.2. Conceito da armadura mínima para o efeito axial

Como referido, para que ocorra o processo de formação de fendas é necessário evitar a

plastificação da armadura o que, para o caso de uma deformação imposta, se resume em

prever uma certa quantidade de armadura, a armadura mínima. Neste caso, depois da

formação da primeira fenda é fundamental haver condições para que se possa atingir de novo

a tensão resistente de tracção do betão, fctm, permitindo-se assim a formação de outras fendas,

como explicado anteriormente.

O critério de não plastificação da armadura (σs≤fyk), define essa quantidade mínima de

armadura. Sendo o esforço constante no tirante há que assegurar que a resistência em Estado

I é inferior à do Estado II, ou seja:

𝑁𝑟 ,𝐼 < 𝑁𝑟 ,𝐼𝐼 𝐴𝑐 × 𝑓𝑐𝑡 < 𝐴𝑠 × 𝑓𝑠𝑦 (II.3)

Ou em termos de definição de uma armadura mínima:

𝐴𝑠,𝑚𝑖𝑛 = 𝐴𝑐 ×𝑓𝑐𝑡𝑚

𝑓𝑦𝑘 𝜌 =

𝐴𝑠

𝐴𝑐≥ 𝜌𝑚𝑖𝑛 =

𝑓𝑐𝑡

𝑓𝑦 (II.4)

Para que, no caso de uma deformação imposta maior, se possa garantir a ocorrência de

todo o processo de formação das fendas, a expressão anterior deveria ser multiplicada por um

coeficiente da ordem de 1,3, que equivale ao aumento do esforço de fendilhação entre a

formação da primeira e última fenda (ver Figura II. 4).

De qualquer maneira, o facto desta armadura mínima garantir a ocorrência do processo de

formação de fendas, tal não significa que se obtém um comportamento aceitável em serviço,

pois não se assegura que a abertura de fendas acontecerá numa gama de valores admissíveis,

porque, conforme Luís [25] refere, uma armadura dimensionada para valores mínimos poderá

originar abertura de fendas da ordem de 0,4 a 0,5mm, ou seja, valores máximos, ou

característicos, consideráveis.

2.2. Comportamento à flexão

Após a análise da resposta estrutural do elemento de betão armado sujeito ao efeito axial,

examina-se de seguida o comportamento de uma viga sujeita ao efeito de flexão.

Quando um elemento de betão estrutural se encontra sujeito a um efeito de flexão simples

ocorre a rotação das secções em torno do alinhamento definido pelo eixo do centro geométrico,

com curvatura constante ao longo do elemento. A rotação, na fase elástica, é uniforme ao

longo do elemento e directamente proporcional ao valor do momento flector. Tal deixa de se

15

verificar quando se inicia o processo de formação de fendas, pois a distribuição de curvaturas

passa a ser variável.

Assim, no caso da flexão pode observar-se pela Figura II. 5 que existe uma resposta

estrutural semelhante ao verificado para o caso da tracção, mas para as variáveis

correspondentes, em que se define a curvatura média no elemento como deformação

associada ao momento.

Figura II. 5 – Relação Momento-Curvatura para as várias fases da estrutura no caso de flexão simples

Observa-se que o comportamento é elástico linear até se atingir o momento de fissuração,

Mcr, e que, na abertura de cada fenda, ocorre uma modificação de estado de tensão na zona

das fendas, com a ascensão da linha neutra para a posição correspondente ao estado

fendilhado (Estado II) e com o aumento da curvatura como se constata na figura.

Na flexão o espaçamento de fendas é menor do que o verificado em tracção pura, pois a

concentração das tracções ocorre numa zona mais localizada da secção sendo mais eficiente a

transmissão das tensões do aço ao betão, como se analisará no subcapítulo 2.4.1.

Após a fendilhação, o comportamento médio de um elemento submetido à flexão encontra-

se limitado entre os Estados I e II. A fendilhação induz uma perda de rigidez por flexão

associada a um aumento de curvatura, sendo que o comportamento do Estado I corresponde

ao seu limite inferior e o Estado II ao seu limite superior, de uma forma em tudo equivalente ao

que se verifica para o comportamento à tracção.

A curvatura média do elemento pode assim ser estimada pela expressão II.5 proposta por

Jacoud e Favre [19].

16

1

𝑟𝑚=

𝑀

𝐸𝐼𝑚=

𝜀𝑠𝑚−𝜀𝑐𝑚

𝑑≅ 1 − 𝜁

1

𝑟𝐼+ 𝜁

1

𝑟𝐼𝐼 (II.5)

Em que 𝜁 é um coeficiente de repartição sempre inferior a 1 e dado por uma expressão do

tipo:

𝜁 = 1 − 𝛽 𝑀𝑐𝑟

𝑀

2

(II.6)

Em que 𝛽 tem o mesmo significado referido para a tracção.

Verifica-se que as perdas de rigidez por fendilhação são menores no caso da flexão, por

comparação com a situação de tracção, pois esta só se verifica na zona traccionada e a

curvatura é uma média das deformações das zonas comprimidas e traccionadas.

2.2.1. Deformação imposta com efeito de flexão

No que diz respeito a uma deformação imposta de flexão num elemento de betão estrutural

pode observar-se pela Figura II. 6 que existe uma resposta estrutural semelhante ao observado

para o caso da deformação imposta axial de um tirante.

Figura II. 6 – Deformação imposta de flexão actuando isoladamente

Verifica-se que as etapas do mecanismo de fendilhação são as mesmas que se observam

na flexão simples e que, após a formação de cada nova fenda, ocorre um decréscimo do

esforço.

17

Como se pode observar nos exemplos da Figura II. 7, uma deformação imposta com efeito

de flexão pode ocorrer quando se dá uma variação diferencial de temperatura ou um

assentamento diferencial de apoio que podem provocar fendas se os esforços gerados

atingirem os de fendilhação.

Figura II. 7 – Exemplos de deformação imposta com de flexão a) variação diferencial de temperatura, b) assentamento de apoio

Um aspecto que diferencia em parte a resposta por flexão ou tracção quando submetidos a

uma deformação imposta é que, se no caso a) da figura anterior em que o diagrama de

esforços da deformação imposta é constante, como no caso usual da tracção, na situação b)

da mesma figura, bem mais corrente na prática, verifica-se que o diagrama de momentos tem

uma variação linear fazendo com que os efeitos da deformação imposta se concentrem numa

zona mais limitada (neste caso junto ao apoio). Nestes casos, o efeito da deformação imposta

mesmo actuando isoladamente pode fazer com que se chegue a atingir a fase de fendilhação

estabilizada naquela zona. Assim, nas situações de flexão, normalmente, os efeitos das acções

indirectas, concentram-se em determinadas zonas da estrutura, ao contrário da resposta

estrutural para situações de tracção, onde há claramente tendência para a uniformidade dos

efeitos das acções ao longo do elemento.

2.2.2. Conceito da armadura mínima para o efeito de flexão

Anteriormente descreveu-se o conceito da armadura mínima para a deformação imposta axial.

Para o efeito de flexão, o raciocínio é análogo, pois por meio do critério de não plastificação,

obtêm-se a armadura mínima para o caso de se tratar de uma deformação imposta de flexão:

𝐹𝑡 ≤ 𝑁𝑦𝑘 1

2𝐴𝑐𝑡 × 𝑓𝑐𝑡 ≤ 𝐴𝑠 × 𝑓𝑦𝑘 (II.7)

18

𝐴𝑠,𝑚𝑖𝑛 =1

2𝐴𝑐𝑡 ×

𝑓𝑐𝑡

𝑓𝑦 (II.8)

Onde 𝐹𝑡 , é a força de tracção no betão e 𝐴𝑐𝑡 =𝑏×𝑕

2, é a área de betão na zona traccionada.

A Figura II. 8 apresenta o diagrama de tensões numa secção de betão armado, de um

elemento sujeito à flexão, imediatamente antes e após fendilhar.

Figura II. 8 – Diagramas de tensões na secção imediatamente antes e após fendilhar

Assim, em rigor, a armadura mínima de flexão, referida à área total da secção, é obtida da

seguinte forma:

𝑀𝑐𝑟 = 𝐹𝑇 ×2

3𝑕 =

𝐴𝑐

1

2𝑓𝑐𝑡 ×

2

3𝑕 = 𝐴𝑠,𝑚𝑖𝑛 × 𝑓𝑠𝑦𝑘 × 𝑧 (II.9)

Tomando-se arbitrariamente 𝑧 = 0,9𝑑 = 0,9 × 0,9𝑕, temos que:

1

6𝐴𝑐𝑓𝑐𝑡 = 0,81𝐴𝑠,𝑚𝑖𝑛 𝑓𝑠𝑦𝑘 (II.10)

Ou em termos de definição de armadura mínima de flexão:

𝐴𝑠,𝑚𝑖𝑛 ≅1

5𝐴𝑐

𝑓𝑐𝑡𝑚

𝑓𝑦𝑘 𝜌𝑚𝑖𝑛 =

1

5

𝑓𝑐𝑡

𝑓𝑦 (II.11)

Logo, verifica-se que a percentagem de armadura mínima para o caso da flexão pura

equivale a cerca de 20% da correspondente à tracção simples, mas a colocar somente na face

mais traccionada da secção.

Um aspecto a salientar consiste no facto da resistência do betão quando solicitado à tracção

simples ser inferior ao considerado à flexão pura. Esta característica deve-se ao facto de que

na flexão, devido à curvatura da peça, as fibras mais distantes do centro de gravidade, sujeitas

a tensões superiores, são restringidas pelas fibras mais próximas do centro de gravidade. A

secção 3.1.8 do Eurocódigo2 [16] apresenta uma expressão para calcular a resistência do

19

betão à tracção no caso da flexão relacionando-a com a resistência à tracção axial que é a

seguinte:

𝑓𝑐𝑡𝑚 ,𝑓𝑙 = 𝑚á𝑥 1,6 − 𝑕/1000 𝑓𝑐𝑡𝑚 ; 𝑓𝑐𝑡𝑚 (II.12)

Em que h é a altura do elemento em milímetros. Por esta expressão verifica-se que a

resistência do betão à flexão é superior à considerada à tracção.

2.3. Distinção do tipo de deformação imposta axial: interna e externa

Uma deformação imposta externa, como é o caso da variação de temperatura, é aplicada a

toda a secção, aço e betão, ao passo que a deformação imposta interna, como é o caso da

retracção, é aplicada somente num dos materiais da peça, o betão. As características de

resposta estrutural têm algumas afinidades, mas existem diferenças mais ou menos relevantes

que interessa explicitar. Essas diferenças foram recentemente expostas por Alvarez [1], Marti

[27] e Luís [25] e são resumidas na Figura II. 9.

Figura II. 9 – Comparação de resultados entre deformação imposta externa (a) e a retracção do betão (b) [11]

Para uma situação de deformação imposta global cada nova fenda forma-se para um valor

de esforço axial próximo de Ncr, enquanto no caso da retracção do betão o esforço axial

resultante para formar cada nova fenda tem tendência a ser inferior a Ncr e menor do que o

valor da anterior fenda. Tal facto é justificado pelo efeito restritivo da acção da armadura

relativamente ao livre encurtamento do betão, gerando tensões auto-equilibradas na secção,

com tracção no betão e compressão no aço, conforme se pode observar na Figura II. 10. Estas

tensões no betão, que aumentam à medida que se processa o fenómeno da retracção, é tal

que diminui a reserva para que se atinja de novo a tensão de resistência do betão e,

20

consequentemente, o valor de esforço axial na abertura de cada nova fenda. O campo auto-

equilibrado de tensões que se vai gerando no elemento faz diminuir a máxima tensão na

armadura à medida que a situação se vai processando e formando-se as fendas.

Figura II. 10 – Distribuição de tensões numa secção sujeita ao efeito da retracção num elemento estrutural inserido numa estrutura hiperstática [25]

O desenvolvimento das tensões auto-equilibradas, com o aumento da deformação imposta

ocorre segundo uma relação proporcional à rigidez da armadura, resultando com que os picos

de tensão nas armaduras para o caso da deformação imposta interna sejam inferiores às do

caso da acção externa (ver Figura II. 9 b).

De salientar que a diminuição da tensão na armadura não corresponde necessariamente a

uma redução da abertura de fenda para a mesma deformação imposta, pois, simultaneamente,

o encurtamento do betão relativamente à armadura também contribui para o aumento da

abertura de fenda, como se discutirá mais adiante.

Luís [25], com o auxilio de um programa de cálculo de análise não linear, ATENA®,

examinou o efeito das acções indirectas, deformações impostas interna e externa, quando

actuadas isoladamente. O estudo foi baseado na situação apresentada na Figura II. 11, no qual

o elemento de betão armado apresenta uma armadura disposta de forma simétrica

relativamente ao seu eixo de desenvolvimento e que se encontra fixo em ambas as

extremidades.

21

Figura II. 11 – Modelo base utilizado no estudo [25]

Luís [25] analisou as características de comportamento estrutural desse elemento para 5

diferentes casos de disposição de armadura conforme se pode observar na Tabela II. 1. O caso

1 corresponde à armadura mínima de tracção para um critério mínimo de não plastificação da

armadura.

Casos de análise

As,adoptado

Percentagem de

Armadura (%)

C25/30:

1 8Ø10 (6,28 cm2) 0,52 Ec=30,5 GPa

2 7Ø12 (7,92 cm2) 0,66 fct= 2,5 MPa

3 9Ø12 (10,18 cm2) 0,85 A500:

4 11Ø12 (12,44 cm2) 1,04 Es=200 GPa

5 10Ø16 (20,11 cm2) 1,68 fyk=500 MPa

Tabela II. 1 – Percentagens de armadura e tipos de materiais utilizados na análise [25]

Seguidamente, apresentam-se os resultados e as conclusões das análises efectuadas para

a acção isolada da deformação imposta, quer externa, quer interna.

2.3.1. Deformação imposta externa

Apresentam-se na Figura II. 12 os resultados obtidos para a resposta a uma deformação

imposta exterior, como é o caso da variação de temperatura, actuando isoladamente para

quatro dos casos enunciados anteriormente.

22

Figura II. 12 – Resposta não linear para a acção isolado de uma deformação imposta externa [26]

As diferentes fases do processo da aplicação da deformação imposta são observadas no

gráfico anterior: a fase elástica, a de formação de fendas, fendilhação estabilizada e formação

do patamar de cedência. Em todos os casos ocorre um comportamento inicial elástico que se

prolonga até à abertura da primeira fenda; nessa fase praticamente só o betão é responsável

pela resposta do elemento.

Verifica-se que, em todas elas a quantidade de armadura é superior à necessária para

evitar a plastificação, tendo-se formado sempre várias fendas.

Depois de se formar a primeira fenda observa-se que quanto maior for a percentagem de

armadura menores são as perdas de esforço axial na formação de cada fenda. É expectável

esse tipo de comportamento, visto que uma maior percentagem de armadura equivale a uma

maior rigidez na zona fendilhada e, por conseguinte, do tirante no seu conjunto.

Também quanto maior é a quantidade de armadura mais fendas se formam para um

determinado intervalo de deformação e verifica-se que, comparativamente com percentagens

de armadura inferiores, o final do processo de formação de fendas ocorre para valores de

extensão inferiores. De facto verifica-se que a inclinação do estado II é maior para quantidades

de armaduras superiores, limitando a fase de formação de fendas a extensões menores.

Durante a fase de fendilhação estabilizada observa-se que o nível de tracção cresce

paralelamente à rigidez do estado II até a armadura atingir a cedência. Verifica-se também que

nesta fase a contribuição do betão entre fendas (distância entre a resposta estrutural e a

rigidez no estado II) é muito idêntica para os casos enunciados e que quanto maior a

percentagem de armadura maiores são os esforços axiais nesta fase.

23

Na Figura II. 13 estão representadas as tensões na armadura em todo o comprimento do

elemento, para valores de extensão próximos de 0,3 e 0,5‰, os quais correspondem a

máximos de tensão, para o caso 4 (ρ=1,04%).

Figura II. 13 – Estado do elemento estrutural e respectivas tensões, para extensões próximas de 0,3 e 0,5‰, para o caso 4 [11]

Nas secções fendilhadas os valores da tensão na armadura são muito semelhantes entre si,

sendo estaticamente equivalentes ao esforço axial global. Depois de se formar uma nova

fenda, a tensão em todos os picos sofre um igual decréscimo, equivalente às quebras de

esforço axial global, mas após a abertura da fenda e continuando a aumentar a extensão, estes

pontos atingem novamente um valor de tensão idêntica à verificada na fenda anterior. O nível

de tensões nas armaduras, entre fendas consecutivas, aumenta à medida que a distância entre

fendas diminui.

Na Figura II. 14 apresenta-se a evolução das tensões nas armaduras e das aberturas de

fendas observadas nalgumas secções. Observa-se que o aumento da tensão na armadura

antes de se formar a primeira fenda ocorre segundo a relação Esεimp e após a formação da

fenda verifica-se um salto de tensão na armadura devido ao facto de deixar de haver

participação do betão, Estado II. No entanto, devido à diminuição do esforço axial, aquando da

abertura de uma fenda, a armadura só atinge o valor máximo mesmo antes da formação da

fenda subsequente.

24

Figura II. 14 – Tensões na armadura (σs) e respectiva abertura de fenda (w) em função da extensão média, caso 4 [26]

2.3.2. Deformação imposta interna – retracção do betão

Apresentam-se na Figura II. 15 os resultados obtidos para a resposta a uma deformação

imposta interna, actuando isoladamente para quatro dos casos enunciados anteriormente. Tais

resultados foram obtidos por Luís [25], com o auxílio do programa ATENA®, simulando a acção

de uma deformação imposta somente ao nível do betão.

Figura II. 15 – Resposta não linear para a acção isolado de uma deformação imposta interna [26]

25

Da análise do gráfico verifica-se novamente um comportamento elástico na fase inicial,

embora a fendilhação ocorra para um esforço um pouco inferior. O fim da fase de formação de

fendas ocorre para valores de extensão idênticos aos verificados para a deformação imposta

externa, mas com um nível de esforço axial inferior.

Observa-se que durante o processo de fendilhação o esforço axial tende a reduzir

progressivamente, notando-se que cada nova fenda forma-se para um esforço axial inferior ao

verificado na abertura da fenda anterior.

À semelhança do ponto anterior, na Figura II. 16 apresentam-se as tensões instaladas na

armadura, ao longo de todo o comprimento do elemento, para os mesmos valores de extensão

próximos de 0,3 e 0,5‰, no caso 4 (ρ=1,04%).

Figura II. 16 – Estado do elemento estrutural e suas tensões, para extensões próximas de 0,3 e 0,5‰, para o caso 4 [11]

Com o aumento continuado da extensão interna imposta, os máximos de tensão nas

armaduras acontecem para valores inferiores aos verificados na abertura da fenda anterior.

Assim, neste tipo de acção isolada, durante o processo de formação de fendas a tensão na

armadura nunca irá atingir novamente o valor de início de fendilhação, σsr, e, analogamente, o

tirante também não atingirá mais o esforço axial de fendilhação, Ncr. Observa-se ainda que na

zona entre fendas, a armadura encontra-se comprimida e que, à medida que a extensão no

elemento cresce, a compressão nas armaduras aumenta.

Na Figura II. 17 apresenta-se a evolução das tensões nas armaduras e das aberturas de

fendas.

26

Figura II. 17 – Tensões na armadura (σs) e respectiva abertura de fenda (w) em função da extensão média para o caso 4 [26]

Constata-se que o nível de tensão nas armaduras decresce e verifica-se que isso ocorre até

a um patamar de tensão constante, garantindo que caso não se verifique a cedência das

armaduras após a formação das primeiras fendas, esta não ocorrerá nem durante, nem após o

processo de formação de fendas. Verifica-se que esta diminuição se desenvolve segundo uma

relação de aproximadamente o inverso do módulo de elasticidade do aço (1/Es), em tudo

idêntico ao que se verifica para o esforço axial global. Esse facto verifica-se igualmente com a

armadura em zona não fendilhada, que se vai comprimindo com o mesmo andamento, até se

formar uma fenda.

Pode-se verificar assim que existem aspectos de comportamento para uma deformação

imposta interna ou externa que são idênticos, como a necessidade de uma armadura mínima

para garantir o processo de formação de fendas e, especialmente, que a ordem de grandeza

das aberturas de fendas em ambos os casos é semelhante apesar do nível de tensões nas

armaduras diminuir no caso da acção de retracção do betão. Este aspecto é muito importante

porque mostra que em termos de controlo da abertura de fendas a diferença entre o facto da

deformação imposta ser externa ou interna é pouco relevante.

27

2.4. Cálculo da armadura mínima de acordo com o EC2 [16]

O Eurocódigo2 [16] apresenta uma formulação que possibilita calcular a área mínima de

armadura necessária para o controlo da fendilhação num elemento sujeito a tensões de tracção

devidas ao impedimento das deformações impostas. Essa formulação, para o cálculo da

armadura mínima, considera quer o caso de deformação imposta axial, quer o caso de

deformação imposta de flexão, de forma a garantir que a estrutura não apresente aberturas de

fendas não controladas. Nesse documento na parte 1, na secção 7.3.2, a expressão para esse

cálculo é a seguinte:

𝐴𝑠,𝑚𝑖𝑛 = 𝑘𝑐 × 𝑘 × 𝐴𝑐𝑡 ×𝑓𝑐𝑡 ,𝑒𝑓

𝜍𝑠 (II.13)

em que,

As,min é a área mínima de armaduras para o betão armado na zona traccionada;

Act é a área de betão traccionado, antes da abertura da primeira fenda;

𝜍𝑠 é o valor da tensão máxima admissível na armadura logo após a formação da fenda.

Poderá tomar no máximo o valor da tensão de cedência, fyk. No entanto, quando se

pretende fazer um controlo de abertura de fendas sem cálculo directo (será abordado no

subcapítulo 2.4.1), segundo a secção 7.3.3 (2), este valor tem que respeitar o disposto na

Tabela II. 2, sendo que, quando a fendilhação é provocada predominantemente por

deformações impostas somente a condição de limitação do diâmetro máximo dos varões

é válida;

Tensão no aço

[MPa]

Diâmetros máximos dos varões (mm) Espaçamentos máximos dos varões (mm)

wk=0,40 mm wk=0,30 mm wk=0,20 mm wk=0,40 mm wk=0,30 mm wk=0,20 mm

160 40 32 25 300 300 200

200 32 25 16 300 250 150

240 20 16 12 250 200 100

280 16 12 8 200 150 50

320 12 10 6 150 100 -

360 10 8 5 100 50 -

400 8 6 4 - - -

450 6 5 - - - -

Tabela II. 2 – Quadro 7.2N e 7.3N do EC2 [16] – limitação da tensão no aço, para efeitos de controlo de abertura máxima de fenda, admitindo a situação de flexão (diâmetros equivalentes)

𝑓𝑐𝑡 é o valor médio da tensão de resistência à tracção do betão, à data que se prêve que

possam formar as primeiras fendas. Normalmente assume-se 𝑓𝑐𝑡 ,𝑒𝑓 = 𝑓𝑐𝑡𝑚 ;

k considera o efeito da distribuição não uniforme das tensões auto-equilibradas, que por

gerarem tracções, implicam uma diminuição da resistência efectiva à tracção, fct,ef. Este

28

valor varia com a espessura ou altura do elemento, conforme apresentado na Figura II.

18.

Figura II. 18 – Variação de k em função da espessura, h [16]

kc considera a distribuição de tensões na secção imediatamente antes da abertura da

primeira fenda, englobando não só a tracção (para tracção simples kc=1,0), mas também

a flexão simples e composta. Para o caso de secções rectangulares no caso da flexão

simples kc=0,4, no caso da flexão composta (em particular para o caso da secção pré-

esforçada) kc é definido pela expressão II.14;

𝑘𝑐 = 0,4 × 1 −𝜍𝑐

𝑘1 𝑕

𝑕∗ 𝑓𝑐𝑡

≤ 1 (II.14)

Na qual,

𝜍𝑐 é a tensão média do betão existente na parte da secção considerada, tal que:

𝜍𝑐 =𝑁𝐸𝑑

𝑏𝑕 (II.15)

NEd é o esforço normal no estado limite de utilização, actuando na parte da secção

considerada (positivo para um esforço de compressão). NEd deve ser determinado

considerando os valores característicos do pré-esforço e dos esforços normais para a

combinação de acções apropriada.

𝑕 é a espessura ou altura da secção;

𝑕∗ para h menor que 1m corresponde a h*=h, e para h maior ou igual a 1m corresponde

a h*=1;

𝑘1 é o coeficiente que considera os efeitos dos esforços normais na distribuição de

tensões:

k1=1.5, se NEd for um esforço de compressão;

29

𝑘1 =2𝑕∗

3𝑕, se NEd for um esforço de tracção.

Na Figura II. 19 apresenta-se um gráfico que ilustra a aplicação da expressão II.14 para três

secções tipo em função da tensão média.

Figura II. 19 – Estimativa do parâmetro kc, em função da tensão média no elemento [25]

Observa-se que os valores de kc mantêm-se para diferentes tipos de geometria

exceptuando para o caso em que a altura do elemento (h) toma valores importantes. Verifica-

se que para tracções médias superiores ao esforço axial de fendilhação, o valor de kc é unitário

e que, no caso de compressões, a redução é ainda considerável.

Estas disposições regulamentares destacam a relevância que as deformações impostas

devem ter no dimensionamento e pormenorização das armaduras para garantir um adequado

controlo da abertura de fendas ficando claro que para evitar abertura de fendas não

controladas no betão armado há que garantir a não plastificação das armaduras. Fica também

claro que para o limite de abertura de fendas a valores de wk=0,3mm as exigências de

quantidades de armaduras são bem superiores à mínima, pois devem ser calculadas para

tensões da ordem de 300MPa de acordo com o quadro da Tabela II. 2. Salienta-se ainda que

este quadro foi desenvolvido para a flexão e que para a tracção a situação é mais

desfavorável.

2.4.1. Controlo da abertura das fendas segundo o EC2 [16]

Como já mencionado, as limitações para a abertura de fendas visam assegurar que a estrutura

possa cumprir adequadamente as funções para as quais foi projectada e ainda que tenha uma

durabilidade adequada.

A armadura mínima é essencial para se formarem várias fendas, mas pode não ser

suficiente para o controlo da abertura de fendas. A quantificação da abertura de fenda é

30

complicada, em vista, da complexidade em modelar o comportamento na zona das fendas. Na

Figura II. 20 apresenta-se o diagrama tipo de tensões num elemento sujeito à tracção na fase

de formação de fendas.

Figura II. 20 – Equilíbrio de tensões ao longo do elemento, na fase de formação de fendas [25]

Observa-se que a distribuição de tensões no elemento variam entre o estado I e o estado II,

sendo que, nas zonas fissuradas encontra-se em estado II e as secções que se apresentam a

uma distância maior ou igual que l0 da fenda encontram-se em estado I. No comprimento l0,

constata-se que a distribuição de tensões nos materiais varia rapidamente entre o estado I e II.

Esta transição ocorre por mobilização da ligação entre o aço e o betão, gerando-se tensões de

aderência entre os dois materiais que diminuem desde a zona da fenda até se efectuar a

transferência de tensões da armadura para o betão, ao longo desse comprimento. Assim, a

distância l0 denomina-se de comprimento de transferência de tensões.

Como a abertura de fenda é uma característica do comportamento estrutural que tem uma

grande variabilidade, só é possível, efectuar uma estimativa da abertura de fenda, sendo o seu

valor característico, segundo o Eurocódigo 2 [16], dado pela expressão:

𝑤𝑘 = 𝑆𝑟 ,𝑚𝑎𝑥 (𝜀𝑠𝑚 − 𝜀𝑐𝑚 ) (II.16)

Logo, esta estimativa da abertura de fendas consiste na multiplicação de dois parâmetros, o

espaçamento entre fendas e a extensão média relativa entre o aço e o betão entre fendas.

O espaçamento entre fendas é um parâmetro que depende da transmissão de tensão entre

o aço e o betão, logo, depende de l0. O comprimento, l0, necessário para que ocorra a

transferência de tensões de modo a se poderem formar novas fendas é dado por:

31

𝑁𝑟 = 𝜏𝑏 × 𝜋∅ × 𝑑𝑥𝑙0

0 𝐴𝑐 ,𝑒𝑓 × 𝑓𝑐𝑡 = 𝜏𝑏𝑚 × 𝜋∅ × 𝑙0 (II.17)

Nr corresponde à resultante das tensões de tracção no betão na zona envolvente ao aço,

como se pode observar na figura seguinte.

Figura II. 21 – Transmissão de tensões ao longo do comprimento l0 [25]

Logo, o comprimento médio de transferência de tensões aço/betão é obtido da seguinte

expressão:

𝑙0 =𝐴𝑐 ,𝑒𝑓

𝜋∅2

4

×𝑓𝑐𝑡

𝜏𝑏𝑚×

4=

1

4× 𝑘 ×

𝜌𝑒𝑓 (II.18)

Na qual, k, é um coeficiente que representa as características médias de aderência

(𝑘 = 𝑓𝑐𝑡/𝜏𝑏𝑚 ).

Como se constata da observação da Figura II. 20 é de prever que sempre que uma nova

fenda se forme, esta aconteça nas zonas em estado I, ou seja, para além do comprimento l0.

Logo, l0, corresponde à menor distância possível entre fendas, sendo que o EC2 [16] apresenta

uma fórmula para essa distância semelhante à de l0, que é a seguinte:

𝑆𝑚𝑖𝑛 = 0,25𝑘1𝑘2∅

𝜌𝑒𝑓 (II.19)

Mas, o mesmo regulamento, avalia a abertura característica de fendas com base numa

expressão de espaçamento máximo entre fendas:

𝑆𝑟 ,𝑚𝑎𝑥 = 1,7 × (2𝑐 + 0,25𝑘1𝑘2∅

𝜌𝑒𝑓) = 3,40𝑐 + 0,425𝑘1𝑘2

𝜌𝑒𝑓 (II.20)

32

Onde,

𝑐 representa o recobrimento das armaduras;

𝑘1 é o coeficiente que contabiliza as propriedades de aderência das armaduras, cujo valor é

0,8 para varões de alta aderência (nervurados ou rugosos) e 1,6 para varões lisos;

𝑘2 é o coeficiente que tem em consideração a forma de distribuição de extensões na

secção, e que toma o valor de 0,5 para flexão, 1,0 para tracção simples e para a flexão com

tracção, 𝜀1+𝜀2

2𝜀1, onde 𝜀1 e 𝜀2 representam a maior e menor extensão das fibras extremas da área

traccionada;

∅ é o diâmetro dos varões, sendo que, no caso de serem utilizados, na mesma secção

transversal, varões com diâmetros diferentes, deve ser utilizado na expressão um diâmetro

equivalente ∅𝑒𝑞 = 𝑛𝑖∅𝑖

2

𝑛𝑖∅𝑖, em que 𝑛𝑖 é o número de varões de diâmetro ∅𝑖

𝜌𝑒𝑓 =𝐴𝑠

𝐴𝑐 ,𝑒𝑓, na qual a área efectiva, que representa a zona de betão mobilizada por

aderência, é calculada pela seguinte expressão:

𝐴𝑐 ,𝑒𝑓 = 𝑏 × 𝑕𝑐 ,𝑒𝑓 (II.21)

Na qual,

𝑕𝑐 ,𝑒𝑓 = min 2,5 𝑕 − 𝑑 ; 𝑕 − 𝑥 3 ;𝑕 2 (II.22)

Sendo que 𝑥 é a altura da zona comprimida, para o caso da flexão e d é a distância do

centro da armadura de um lado da secção à superfície do betão do outro lado. O EC2 [16]

apresenta alguns casos típicos para obtenção de hc,ef, conforme se apresenta na figura

seguinte.

33

Figura II. 22 – Secções efectivas de betão traccionado [16]

A expressão do espaçamento máximo entre fendas (expressão II.20) é equivalente à do

espaçamento mínimo (expressão II.19) multiplicada por 1,7 e na qual 2c é um termo corrector

que leva em conta o facto da abertura de fendas na face do betão ter tendência a ser maior à

do nível da armadura (ver Figura II. 21). Também se verifica que, quanto menor o diâmetro dos

varões e maior a quantidade de armadura, na área efectiva, menor a distância entre fendas.

No que concerne à extensão média relativa entre o aço e o betão entre fendas, o mesmo

regulamento apresenta a seguinte expressão para a sua avaliação:

𝜀𝑠𝑚 − 𝜀𝑐𝑚 =𝜍𝑠

𝐸𝑠− 𝑘𝑡

𝑓𝑐𝑡 ,𝑒𝑓𝑓 (1+𝛼𝑒𝜌𝑒𝑓 )

𝐸𝑠𝜌𝑒𝑓≥ 0,6

𝜍𝑠

𝐸𝑠 (II.23)

Onde,

𝛼𝑒 = 𝐸𝑠 𝐸𝑐𝑚 , é o coeficiente de homogeneização;

𝑘𝑡 é um factor que tem em conta a duração das cargas. Tomando o valor de 0,6 para

acções de curta duração e 0,4 para acções de longa duração.

Pela expressão de cálculo da abertura de fendas, II.16, e pelas expressões de espaçamento

máximo entre fendas, II.20, e de extensão média relativa entre o aço e o betão entre fendas,

II.23, pode-se concluir que a abertura de fendas depende essencialmente da tensão na

armadura, σs, do diâmetro dos varões, Ø e da percentagem da armadura, na área efectiva, ρef.

Fisicamente, tal é expectável, pelo facto de que, após a formação da fenda, a resposta nessa

zona será afectada essencialmente pela extensão (ou tensão) na armadura, a distância entre

34

fendas dependerá do diâmetro do varão porque tal determina a superfície de contacto entre o

betão e o aço e consequentemente a transmissão de tensões entre os dois materiais e a

quantidade de armadura na zona de betão mobilizada por aderência facilita a transmissão de

tensões.

Verifica-se que uma forma simples de efectuar o controlo da abertura de fendas, sem

cálculo directo, consiste em controlar dois dos parâmetros atrás referidos (σs e Ø). Como já foi

referido, no caso das deformações impostas esse controlo é feito assegurando que os

diâmetros dos varões e as tensões nas armaduras não ultrapassem os valores da Tabela II. 2,

obtendo-se assim a quantidade de armadura condicionada por esses parâmetros. De salientar,

que os valores de diâmetro máximo apresentados na Tabela II. 2 devem ser corrigidos, com o

objectivo de respeitar as seguintes situações:

Para elementos solicitados por flexão, ou flexão composta:

∅𝑠 = ∅𝑠∗

𝑓𝑐𝑡 ,𝑒𝑓𝑓

2,9

𝑘𝑐𝑕𝑐𝑟

2 𝑕−𝑑 (II.24)

E para elementos solicitados à tracção simples:

∅𝑠 = ∅𝑠∗

𝑓𝑐𝑡 ,𝑒𝑓𝑓

2,9

𝑕𝑐𝑟

8 𝑕−𝑑 (II.25)

Nestas expressões, ∅𝑠é o diâmetro a adoptar, ∅𝑠∗ o diâmetro lido na Tabela II. 2 e hcr a

espessura da zona de tracção imediatamente antes da fendilhação, considerando os valores

característicos de pré-esforço e esforços axiais sob a combinação quase-permanente de

acções.

De facto, a verificação do estado limite de abertura de fendas deve, em geral, ser realizada

de forma directa avaliando explicitamente a abertura pela expressão II.16.

2.5. Deformação imposta em paredes laterais – efeito axial

Outros casos em que as deformações impostas geram um efeito axial são os muros de suporte

e paredes laterais de caves de edifícios. As fundações, em geral mais espessas, restringem o

livre encurtamento das paredes sob o efeito das deformações impostas, resultando no

aparecimento tracções nas paredes. Estas tensões têm uma pequena variação em altura,

tendendo para uma distribuição quase uniforme na zona central, como se pode observar na

Figura II. 23.

35

Figura II. 23 – a) geometria geral da parede; b) distribuição de tensões antes de formar a 1ªfenda; c) Resultante das tensões longitudinais antes de formar a 1ª fenda [32]

Assim, constata-se que, o comportamento elástico da parede sujeita a deformação imposta

é semelhante ao de um tirante restringido nas extremidades. Esta semelhança fica melhor

quantificada na Figura II. 24, na qual se observa que a uniformização das tensões, na zona

central da parede lateral, é tanto mais significativa quanto maior for o seu comprimento em

relação à altura.

Figura II. 24 – Comparação de distribuição de tensão no centro das paredes com as dum tirante em função da razão l/b [19]

Devido a estas características elásticas do comportamento das paredes laterais, a área de

armadura mínima necessária é usualmente avaliada pelo mesmo procedimento que é aplicado

para um tirante restringido nas extremidades. Assim, essa área de armadura mínima é dada

36

pela expressão II.13, em que 𝑘 = 𝑘(𝑕), sendo h a espessura das paredes laterais e 𝑘𝑐 = 1,0

para tracção pura.

Logo, a área de armadura mínima em paredes laterais é definida pela seguinte expressão:

𝐴𝑠,𝑚𝑖𝑛 = 𝑘𝑐 × 𝑘 × 𝐴𝑐𝑡 ×𝑓𝑐𝑡 ,𝑒𝑓

𝜍𝑠= 1,0 × 𝑘 𝑕 × 𝑕 ×

𝑓𝑐𝑡 ,𝑒𝑓

𝑓𝑦𝑘 𝑐𝑚2 𝑚 (II.26)

Segundo Luís [26], depois da formação da primeira fenda transversal e consequente perda

de rigidez longitudinal, a resultante de tensões transversais na parede aquando da formação de

uma segunda fenda deixa de apresentar um valor aproximadamente constante ao longo desse

elemento (ver Figura II. 25). O mesmo autor verificou também que, à medida que a deformação

imposta evoluía, novas fendas eram formadas e que nas secções previamente fendilhadas o

nível de esforço axial não voltava mais a tomar o valor correspondente ao de fendilhação, mas

apenas cerca de metade desse valor.

Figura II. 25 – Características imediatamente antes da formação da 2ª fenda: a) Parede, b) Distribuição de tensões, c) Resultantes de tensões, para um comportamento não linear [19]

Recentemente, Luís [26], através de uma análise não linear, e Teixeira [32], através de

análises lineares e um processo iterativo, estudaram a acção das deformações impostas em

paredes laterais. Em ambos os casos simulou-se uma parede com as seguintes características

geométricas (ver Figura II. 26): 30 metros de comprimento, 3 metros de altura e 0,3 metros de

espessura. A fundação da parede foi modelada com restrição total, pois o processo de

retracção da laje de fundo, no momento da betonagem da parede, encontra-se numa etapa

mais avançada e dá-se mais lentamente, devido à sua maior espessura e condições de

exposição ambiental mais desfavorável à evolução da retracção.

37

Figura II. 26 – Características geométricas da parede utilizada nas análises de Luís [26] e Teixeira [32]

Seguidamente, expõem-se os mais recentes critérios regulamentares do EC2 [17] para este

tipo de estrutura, para posteriormente se apresentar os resultados e as implicações das

conclusões de Luís [26] e Teixeira [32] sobre as características da resposta estrutural às

deformações impostas em paredes laterais.

2.5.1. Eurocódigo 2 – parte 3 [17]

Para o caso de reservatórios, o controlo da abertura de fendas apresentado pelo EC2 – parte 1

[16] é insuficiente para as exigências de estanquidade próprias à funcionalidade destas obras,

sendo necessário seguir as recomendações do EC2 – parte 3 [17], que cobrem aqueles

aspectos.

O EC2 – parte 3 [17] procede à classificação de reservatórios em função do grau de

exigência requerido em relação às fugas de água. Tal classificação encontra-se no quadro

7.105 do regulamento referido e apresenta-se na Tabela II. 3.

Classe de estanquidade

Requisitos em matéria de fugas

0 Aceitável um certo nível de fuga, ou fuga de líquidos sem consequências.

1 Fugas limitadas a uma pequena quantidade. São aceitáveis algumas

manchas superficiais ou manchas de humidade.

2 Fugas mínimas. Aspecto não afectado por manchas.

3 Nenhuma fuga é permitida.

Tabela II. 3 – Classificação da exigência de estanquidade [17]

38

Assim, são escolhidos valores limites adequados para a fendilhação em função da

classificação do elemento estrutural. Na falta de requisitos mais específicos, a regulamentação

[17], propõe que se sigam as seguintes indicações:

Para a Classe 0 poderão ser adoptadas as disposições de 7.3.1 do EC2 – parte 1 [16];

Para a Classe 1 deve ser limitada a wk1 a largura de quaisquer fendas que se preveja

atravessarem a espessura total da secção ou então deve ser limitada ao estipulado em

7.3.1 [16], com um valor da altura da área comprimida de pelo menos Xmin (fissuras não

transversais, sendo recomendado o valor de 50mm), calculada para a combinação

mais desfavorável e considerando a resistência de tracção do betão como nula;

Para a Classe 2 há que evitar fendas que possam vir a atravessar a espessura total da

secção, a não ser que venham a ser adoptadas medidas adequadas (por exemplo,

revestimentos ou perfis de estanquidade);

Para a Classe 3 são necessárias medidas especiais, tais como, revestimentos ou pré-

esforços, com o objectivo de garantir a estanquidade à água.

O valor de wk1 a respeitar é apresentado no anexo nacional de cada país. Os valores

recomendados para as estruturas de retenção de água são definidos como uma função da

relação entre a pressão hidrostática, hD e a espessura da parede da estrutura de contenção, h,

(ver Figura II. 27) tais que: para hD/h≤5, wk1=0,2 mm, enquanto para hD/h≥35, wk1=0,05 mm.

Para valores intermédios de hD/h, poderá efectuar-se uma interpolação linear entre 0,2 e 0,05.

A limitação da largura de fendas a estes valores deverá resultar numa auto-selagem eficaz das

fendas num período de tempo relativamente curto.

Figura II. 27 – Valores recomendados para a abertura wk1

As figuras 7.103N [17] e 7.104N [17], apresentadas nas Figura II. 28 e Figura II. 29,

respectivamente, fornecem os valores máximos dos diâmetros e dos espaçamentos dos varões

para diversas larguras de cálculo das fendas, no caso de secções totalmente traccionadas.

39

Figura II. 28 – Diâmetro máximo dos varões para o controlo da fendilhação, função da tensão nas armaduras [17]

Figura II. 29 – Espaçamento máximo dos varões para o controlo da fendilhação, função das tensões nas armaduras [17]

Os máximos diâmetros das armaduras dadas pelo gráfico da Figura II. 28 devem ser

modificados através da expressão seguinte:

∅𝑠 = ∅𝑠∗

𝑓𝑐𝑡 ,𝑒𝑓𝑓

2,9

𝑕

10 𝑕−𝑑 (II.27)

Onde,

∅𝑠 é o diâmetro máximo do aço já modificado;

∅𝑠∗ é o diâmetro máximo do aço obtido a partir da Figura II. 28;

h é a espessura total da parede;

40

d é a distância do centro de gravidade da camada exterior das armaduras à face oposta do

betão.

Desta expressão é importante salientar que, sendo em geral h-d da ordem de 4 a 5 cm, para

espessuras da ordem de 0,40m a 0,50m os valores dos diâmetros de referencia do quadro não

necessitam de adaptação mas que, para menores espessuras, as exigências são

significativamente maiores.

Das Figura II. 28 e Figura II. 29 constata-se que o grau de exigência em relação à tensão

admissível nas armaduras é elevado para valores de abertura característica de fendas da

ordem de 0,05mm a 0,1mm. Refira-se, ainda, que se tem valores da mesma ordem de

grandeza para os limites de tensões na armadura, para aberturas características de 0,2mm e

0,3mm, entre os apresentados no EC2 – parte 1 [16], para o controlo indirecto da abertura de

fendas (ver Tabela II. 2) e os apresentados no EC2 – parte 3 [17] (ver Figura II. 28). No

entanto, deve-se salientar que os valores do Quadro da parte 1 do EC2 foram avaliados para

situações de flexão (k2=0,5) e têm uma expressão de correcção para a tracção (expressão

II.25) com um 8 no denominador, em vez do 10, da relação na expressão II.27.

Parece-nos que, no caso de se querer adoptar o controlo indirecto de fendilhação por

efeitos de tracção, estes últimos gráficos deviam ser preferencialmente os utilizados porque

foram directamente preparados para a tracção (k2=1,0).

2.5.2. Comportamento de paredes laterais

Os dois estudos [26, 32] efectuados sobre o comportamento de paredes laterais apontam para

conclusões no mesmo sentido no que diz respeito à variação das tensões em altura da parede

e à evolução da tensão média nas armaduras. Nos próximos parágrafos esses resultados

serão analisados e, posteriormente, apresentar-se-ão os resultados decorrentes da análise da

tensão na zona central da parede, desenvolvida por Teixeira [32].

Luís [26] estudou a resposta das paredes laterais à acção das deformações impostas

efectuando uma análise não linear, com o ATENA®. Simulou no modelo analítico três situações

de distribuição da armadura, indicadas na Tabela II. 4, sendo que o caso 1 corresponde à

armadura mínima regulamentar, definida pela expressão II.26, e as restantes situações

correspondem a quantidades inferiores (caso 2) e superiores (caso3) a essa.

41

Casos de análise

As,adoptado

Percentagem de

Armadura (%)

Betão:

Ec=30,5 GPa

fct= 2,35 MPa

1 Ø12//0,15 (2x7,54 cm2/m) 0,50 A500:

2 Ø10//0,15 (2x5,14 cm2/m) 0,35 Es=200 GPa

3 Ø16//0,15 (2x13,41 cm2/m) 0,89 fyk=500 MPa

Tabela II. 4 – Percentagens de armadura e tipos de materiais utilizados na análise não linear de Luís [26]

Na Figura II. 30 apresenta-se, para o caso 1, a variação da resultante das tensões

longitudinais ao longo da parede à medida que a deformação imposta aumenta e o processo

de fendilhação evolui, notando-se a simetria do sistema. Cada linha corresponde à distribuição

do esforço axial, sendo de referir que os casos intitulados 1ª fenda (linha roxa) e 2ª fenda (linha

verde) correspondem às situações imediatamente antes da formação de uma nova fenda.

Figura II. 30 – Variação das resultantes de tensões ao longo da parede para o caso 1 [26]

Pela observação da figura verifica-se que a formação das fendas ocorre das extremidades

para o centro da parede, devido a picos de tensões de tracção na proximidade da zona de

ligação parede/fundação. Pode notar-se que, à medida que se formam as fendas, o esforço

axial não se mantém constante ao longo da parede, o que constitui um comportamento distinto

do verificado no tirante sujeito a uma deformação imposta axial. Neste último caso o esforço

axial, por equilíbrio, é necessariamente o mesmo em todas as secções, ao passo que na

situação das paredes laterais tal não acontece, porque a distribuição das tensões tangenciais e

normais em altura, ao longo dessas paredes, devido à ligação inferior parede/fundação,

distingue-se da que ocorre no tirante.

42

Analisando a Figura II. 30 constata-se, como já foi mencionado, que, com o crescimento da

deformação imposta, na zona das fendas anteriormente formadas, o nível de esforço axial

nunca retoma o valor correspondente ao de fendilhação, Ncr, tomando antes valores máximos

da ordem de grandeza de metade Ncr, como indicado na Tabela II. 5. É de salientar que para

deformações impostas elevadas o esforço axial resultante, dependente da quantidade de

armadura, converge para um valor quase uniforme ao longo da parede, sendo que no caso 1

esse valor corresponde a 1000 kN.

Casos de Análise

ρ (%)

Deformação imposta externa

Deformação imposta interna

N (kN) N/Ncr N (kN) N/Ncr

1 0,50 1000 0,47 850 0,40

2 0,35 850 0,40 720 0,34

3 0,89 1250 0,60 1020 0,48

Tabela II. 5 – Valores do esforço axial estabilizado (N) para os 3 casos analisados [26]

Verifica-se também que, quanto menor a quantidade de armadura, maior é o abaixamento

dos esforços globais nas zonas previamente fendilhadas, o que é expectável pois há uma

maior diminuição da rigidez. Também se conclui que o valor da deformação imposta, para

formar o mesmo número de fendas, é maior para quantidades de armadura menores, e isto

porque a diminuição da tensão e da rigidez, aquando da formação de uma nova fenda, são

maiores.

É interessante notar também que o esforço axial estabilizado no caso de a acção ser uma

deformação imposta interna é inferior ao que se verifica no caso de essa ser externa; tal é

explicado pela existência das tensões auto-equilibradas, exactamente pela mesma razão

constatada no subcapítulo 2.3. Na Figura II. 31 apresenta-se os resultados obtidos por Luís [26]

em relação à evolução da tensão nas armaduras (corresponde à média das tensões ao longo

da altura da parede) e a abertura de fendas nas secções previamente fendilhadas.

43

Figura II. 31 – Evolução da tensão média e abertura de fendas ao longo da parede para o caso 1, para deformação imposta externa e interna respectivamente [26]

Os resultados apresentados revelam que antes da formação da primeira fenda ocorre uma

pequena variação de tensão na armadura, a qual se deve ao comportamento elástico da

secção. Quando se forma a primeira fenda observa-se um aumento significativo da tensão,

apesar da queda do esforço axial global, conforme também ocorre no caso do tirante. Há

também uma diminuição ligeira da tensão no aço quando se forma uma nova fenda, de uma

forma semelhante ao caso do tirante. Na Figura II. 31 também se verifica que os níveis de

abertura de fendas são da ordem de 0,20mm e que esses valores são semelhantes para

ambos os casos de deformação imposta. É de notar que os níveis de tensão nas armaduras

para os dois tipos de deformação imposta (externa e interna) são inferiores aos que se

verificam no tirante e à tensão de cedência, mesmo para a situação em que se adopta uma

quantidade de armadura inferior à mínima (caso 2), aspecto realçado por Luís [26].

Estas características de comportamento devem ter repercussões no dimensionamento das

armaduras, para assegurar a satisfação das exigências funcionais para este tipo de estrutura.

Nesse sentido, e com o fim de compreender melhor estas características de comportamento,

Teixeira [32], efectuou um estudo, para uma parede com o mesmo tipo de geometria mas

recorrendo a uma análise linear, com o SAP2000® para a variação diferencial de temperatura

entre a parede e a base, e, procedeu à modelação da perda de rigidez da zona onde as fendas

se vão formando de uma forma simplificada. Para tal, fez actuar uma diminuição de

temperatura na parede até se atingir numa dada secção uma resultante de tensões axiais

correspondentes ao inicio da fendilhação, tendo constatado que seria na secção do meio

parede. Após atingir o valor de Ncr, Teixeira [32] teve em conta indirectamente a não

linearidade do comportamento do elemento no modelo, simulando a perda de rigidez nessa

44

zona. A avaliação da perda de rigidez baseou-se num modelo simplificado da abertura de

fendas, referido por Favre [19], onde se admite que na zona da fenda, e num comprimento de

0,35l0 para cada lado, a rigidez do elemento só depende das armaduras, rigidez em Estado II.

Na Tabela II. 6 apresentam-se as quantidades de armadura consideradas para cada caso

de parede estudada, sendo que a armadura no caso 1 corresponde à mínima regulamentar.

Casos de análise

As,adoptado ρef(%)

Betão:

Ec=30,5 GPa

fctm= 2,6 MPa

1 Ø10//0,10 (2x7,85 cm2/m) 0,785 A500:

2 Ø10//0,15 (2x5,24 cm2/m) 0,524 Es=200 GPa

3 Ø12//0,10 (2x11,31 cm2/m) 1,131 fyk=500 MPa

Tabela II. 6 – Percentagens de armadura e tipos de materiais utilizados na análise linear de Teixeira [32] para uma parede encastrada na base e com espessura de 0,30m

Na Figura II. 32 apresenta-se, para o caso 1, a variação da resultante de tensões na secção

transversal ao longo da parede com uma deformação imposta equivalente a um abaixamento

de temperatura.

Figura II. 32 – Variação da força ao longo da parede, para o caso 1 (armadura mínima) [32]

Reconhece-se que os resultados obtidos da análise linear, com introdução, após a formação

de cada fenda, de uma redução de rigidez, são qualitativamente e mesmo quantitativamente

semelhantes aos da análise não linear. Um exemplo disso é o facto de se ter chegado a

valores de esforço axial máximo gerado nas secções anteriormente fendilhadas bastante

próximos. Teixeira [32] também conclui que quanto menor a quantidade de armadura, maior o

45

abaixamento dos esforços globais nas zonas previamente fendilhadas, pois há uma diminuição

mais expressiva da rigidez e, simultaneamente, o valor da deformação imposta para formar os

mesmos números de fendas é maior (a diminuição da tensão e de rigidez aquando da

formação de uma nova fenda, são maiores). Aquele autor verificou ainda, que quanto maior a

quantidade de armadura, mais fendas se formam.

Da análise das tensões médias nas armaduras Teixeira [32] atestou o mesmo que Luís [26],

ou seja, que mesmo para uma armadura inferior à mínima, a tensão média máxima, antes da

formação da fenda seguinte, é bastante inferior à tensão característica de cedência. No

entanto, o facto de se considerar, nesta avaliação, valores médios ao longo da altura da parede

implica que se está a desconsiderar a existência de tensões superiores nalgumas zonas da

parede. Para a avaliação da abertura máxima de fendas dever-se-ia, portanto, tomar,

eventualmente, valores de tensão superiores.

Teixeira [32] analisou a distribuição de tensões ao longo da altura da parede na secção

central da mesma, para o estados I e II e para o caso 1 de quantidade de armadura. Na Figura

II. 33 apresenta-se a variação de tensões no betão na zona central no Estado I (não

fendilhado) e a razão entre a tensão no topo e na base, σc, com a tensão uniforme, σ0,

imediatamente antes da formação da 1ª fenda.

Figura II. 33 – Distribuição de tensão, na secção central da parede imediatamente antes da formação da 1ª fenda, para o caso 1 [32]

Na zona de ligação entre a parede e a laje de fundo há restrição total da deformação

imposta, logo a tensão é maior nessa zona, mas a variação ao longo da altura é quase nula (da

ordem de 1,3%). O valor obtido para a razão das tensões no topo e base da parede é

concordante com o que tem sido referido por outros autores, em particular por Favre [19] (ver

Figura II. 24).

46

Na Figura II. 34 apresenta-se a distribuição de tensão nas armaduras na 1ª fenda para a

situação imediatamente antes da formação da 2ª e 3ª fenda. É de referir que nesta análise

linear por etapas a primeira fenda aparece na zona central da parede, ao contrário do que

aconteceu na análise não linear, na qual as fendas se formaram da extremidade para o centro.

Como já se aferiu, tal diferença não afecta as conclusões relativamente às características

gerais de comportamento aqui discutidas.

Figura II. 34 – Distribuição de tensão, na secção central da parede imediatamente antes da 3ª fenda, no caso 1 [32]

Como se pode constatar, ao contrário do que se verifica no modelo não fendilhado, na

secção central a distribuição de tensões nas armaduras não é uniforme, mas antes aumenta ao

longo da altura da parede. Este comportamento deve-se à restrição na base da parede, que faz

com que as aberturas tendam a ser maiores no topo (ver Figura II. 35). Assim, o modelo

utilizado por Teixeira [32], com impedimento total da deformação na base faz com que a

deformação imposta na base seja absorvida, no essencial, em tensões no betão e, na zona

superior, estando o efeito de restrição mais afastado, a deformação e tensões concentram-se

nas zonas menos rígidas e anteriormente fendilhadas. Assim, é natural que, devido às tensões

no betão, se verifiquem fendas com menos altura junto à base (ver Figura II. 36), situação que

corresponde ao encontrado na prática.

Figura II. 35 – Deformada ao longo do comprimento da parede, para a situação imediatamente antes da formação das 4ª e 5ª fendas [32]

47

Figura II. 36 – Fendilhação que ocorre num muro sem juntas

Na Figura II. 37 encontram-se os gráficos da variação da tensão na secção central da

parede, juntamente com o seu valor médio, para os 3 casos de distribuição de armadura

obtidas com o modelo de Teixeira [32].

Verifica-se em todos os casos, pelos motivos mencionados anteriormente, uma considerável

variação de tensão em altura, que diminui, no entanto, com o aumento da quantidade de

armadura.

Figura II. 37 – Variação da tensão (azul) e valor médio (cinzento), na secção central da parede aquando da formação das fendas seguintes para: a) caso 1; b) caso 2; c) caso3 [32]

Observa-se, também, que, de qualquer forma, a tensão máxima na secção central é de

cerca de 385 MPa para o caso 1 (armadura mínima) e de cerca de 445 MPa para o caso 2,

com armadura inferior à mínima. Estes valores são inferiores à tensão característica de

48

cedência mas não são aceitáveis em termos de exigência em serviço, pois os valores das

aberturas de fendas expectáveis, com tensões desta ordem de grandeza, podem tomar valores

não admissíveis em termos de durabilidade e/ou aspecto, segundo o EC2 [16]. Como se pode

constatar na Tabela II. 2, o valor limite de tensão no aço, para os diâmetros adoptados (10mm)

e abertura de fenda característica, wk, inferior a 0,40 mm, é de 360 MPa, ou seja, inferior às

tensões máximas geradas nos casos 1 e 2.

Para valores mais exigentes de abertura de fendas, com o fim de assegurar boas

características em termos de estanquidade, Teixeira [32] concluiu que eram necessárias

quantidades de armaduras superiores às do caso 3. Apesar desta constatação, o mesmo autor

admitiu que o facto de se poder ter formação de fendas com esforços axiais inferiores aos da

fórmula da armadura mínima para deformações impostas, permite assegurar, determinados

níveis de exigências, com menores quantidades de armadura.

Em ambos os estudos concluiu-se que com a formação de fendas transversais, e

consequente perda de rigidez, as tensões nas armaduras tomam valores inferiores àqueles que

teriam se de facto se tratasse de uma situação típica de tirante, na qual se baseia a expressão

base de estimativa da armadura mínima ou de avaliação do nível de tensão para o caso da

deformação imposta. Verificou-se, de facto, que o nível de tensões nas armaduras, nas

secções previamente fendilhadas é inferior à tensão de cedência do aço, mesmo para o caso

em que se adopta uma quantidade de armadura inferior à mínima definida para o caso do

tirante.

49

III. Análise de sobreposição de cargas com deformações

impostas

Neste capítulo procede-se à descrição do comportamento de um elemento de betão estrutural

sujeito à acção de deformações impostas quando sobrepostas a situações de flexão devido a

cargas verticais. Refira-se que estas são notoriamente situações correntes em que os efeitos

das deformações impostas se sobrepõem aos efeitos das acções verticais, em particular das

cargas com carácter de permanência.

3.1. Considerações Iniciais

A análise dos efeitos das acções quer sejam directas ou indirectas, não deve ser realizada de

forma separada, mas sobrepondo esses dois tipos de efeitos, pois, como se irá verificar,

também neste capítulo, o nível das tensões induzidas pelas deformações impostas dependem

da rigidez e, como os esforços introduzidos pelas acções directas provocam a fendilhação do

elemento de betão estrutural, os esforços provocados pelas deformações impostas diminuem

numa situação de sobreposição de efeitos.

Na situação de sobreposição a questão que se coloca é saber se a quantidade de armadura

necessária para verificar a segurança à rotura, considerando só as cargas, é suficiente para

garantir boas características de comportamento em serviço. Se a adopção de uma armadura

mínima tem condições para responder eficientemente, quer à pormenorização dos elementos

das secções submetidas à deformação imposta axial, quer ao dimensionamento da armadura

em elementos pouco ou nada solicitados por cargas, tal critério deixa de fazer sentido para as

situações de sobreposição de efeitos. Na regulamentação mais recente verifica-se que a

definição da armadura mínima para as deformações impostas depende exclusivamente do

nível máximo de esforço axial que se desenvolve para aquelas acções, não se discutindo

directamente a situação de sobreposição de efeitos.

As situações, que serão apresentadas nos próximos subcapítulos, são correspondentes a

situações de sobreposição de deformações impostas, com componentes essencialmente de

flexão simples e/ou composta, aos efeitos semelhantes de cargas.

50

3.2. Deformação imposta com efeito de flexão, com sobreposição de

cargas verticais

No caso em que os efeitos de flexão das deformações impostas se sobrepõem aos efeitos das

cargas (ver Figura III. 1), é indispensável saber se as armaduras calculadas para a situação

última de rotura, tendo em conta apenas as cargas, são suficientes para garantirem um

comportamento aceitável em serviço, considerando agora também as acções indirectas,

conforme apresentado no subcapítulo 1.3.

Figura III. 1 – Sobreposição do efeito de flexão de uma deformação imposta (por exemplo, assentamento diferencial de apoio ou variação linear de temperatura) com a flexão simples devido às cargas verticais

Nesta circunstância, os esforços desenvolvidos por acção da deformação imposta na

estrutura vão depender do nível de esforços a que a mesma está previamente sujeita devido às

cargas, conforme se pode observar na Figura III. 2. Essa figura ilustra o diagrama Momento-

Curvatura na secção do apoio para o caso da sobreposição do efeito de uma deformação

imposta com o de uma carga uniformemente distribuída (ver Figura III. 1).

Figura III. 2 – Diferentes incrementos de momento devido à mesma deformação imposta dependente da rigidez estrutural [11]

51

Nesta situação de sobreposição, os esforços desenvolvidos variam consoante o valor da

rigidez da estrutura seja maior ou menor e o facto de já ter sido iniciada ou não a fase

fendilhada. O efeito das deformações impostas manifesta-se por um acréscimo de curvatura e

por um possível aumento dos momentos flectores, estando estes dependentes do estado e do

nível de esforço em que o elemento se encontra. Se estiver em estado não fendilhado, o

incremento de esforços devido às acções indirectas, correspondem aos valores de cálculo

elástico, quanto muito tendo em conta o efeito da fluência, se a acção se desenvolver ao longo

do tempo. No entanto, se houver zonas em estado fendilhado, os incrementos de esforços não

poderão ser avaliados de forma elástica, pois esta não contempla a menor rigidez da peça

naquela situação, que faz com que os incrementos globais de esforços sejam inferiores. Este

aspecto diferencia a actuação das deformações impostas do efeito das cargas, pois para estas

o comportamento não linear interfere na distribuição de esforços entre secções da estrutura,

mas não numa redução global de esforços [12].

Na Figura III. 3 ilustra-se uma situação comum de sobreposição do efeito de uma

deformação imposta de flexão com o de cargas, em que se questiona a avaliação do

incremento de momento devido a uma variação de temperatura diferencial.

Figura III. 3 – Comportamento estrutural num caso usual de sobreposição dos efeitos de deformações impostas aos das cargas [13]

52

Da observação da figura ressalta que, na situação de sobreposição a rigidez, para a acção

da deformação imposta, é diferente ao longo da viga. Na zona do apoio corresponde à rigidez

fendilhada, na zona de vão à rigidez de descarga e no restante à elástica. Assim, o incremento

de esforços devido à acção da deformação imposta não é independente do valor da carga

actuante pois é afectada pelo nível de esforços e sua distribuição devidas às cargas. O valor do

incremento de esforços depende das rigidezes incrementais das diferentes zonas, da extensão

das zonas fendilhadas, das percentagens de armadura e do sentido de variação dos esforços

(ver Figura III. 3), conforme Camara [13] pôde constatar.

A questão principal que se coloca é a avaliação simplificada dos efeitos da deformação

imposta que deve ter em conta o facto da estrutura se encontrar fendilhada e, portanto, deve

ser considerada a diminuição de rigidez e dos esforços gerados relativamente aos elásticos,

conforme explanado no subcapítulo 1.3.

Apresenta-se na Figura III. 4 a relação entre as rigidezes à flexão dos Estados I e II para

diferentes quantidades de armadura de uma secção de betão armado.

Figura III. 4 – Relação entre as rigidezes dos Estados I e II em flexão simples para diferentes percentagens de armadura [13]

Observando a figura e analisando a relação de rigidezes dos Estados I e II à flexão para

diferentes percentagens de armadura, fica claro que o incremento de esforços, devido à

deformação imposta, se obtido por cálculo elástico, ou seja, em Estado I, pode ser

consideravelmente reduzido para ter em conta a existência de fendilhação em determinadas

zonas. Refira-se que para uma percentagem de armadura de 1% (valor significativo), para

acções de curto prazo a relação de rigidezes à flexão dos Estados II e I é de aproximadamente

1/3.

53

É interessante também realçar a diferença das consequências da resposta de um elemento

de betão estrutural às deformações impostas, quando dimensionado às cargas com

percentagens de armadura diferentes. Como se pode observar pela Figura III. 5, para uma

maior diferença entre o momento devido às cargas aplicadas em serviço e o momento de

cedência, maior será a capacidade do elemento para suportar eventuais acréscimos de

momento flector devido a eventuais deformações impostas, sem que este atinja a cedência.

Figura III. 5 – Importância entre a diferença de valores Mcr e My [13]

Assim, se no dimensionamento às cargas houve necessidade de adoptar uma percentagem

grande de armaduras a reserva de momento flector em serviço para além do momento das

cargas, ΔM, para se atingir a plastificação é maior, logo é maior a capacidade dessa secção

para absorver eventuais efeitos das deformações impostas, sem atingir a cedência. Portanto,

verifica-se que mesmo considerando a redução do momento elástico devido à deformação

imposta em relação ao valor elástico, o efeito negativo desta acção tem tendência a ser mais

prejudicial nas zonas em que o momento flector devido às cargas é menor, onde as

quantidades de armadura são menores e a reserva em relação à não cedência é inferior. Por

exemplo, na situação da Figura III. 1 (viga contínua), se a deformação imposta pudesse actuar

com efeitos negativos, como na figura, ou positivos, a zona onde o efeito da acção indirecta

poderia ser mais desfavorável seria a do vão, onde as armaduras, dimensionadas para o

estado limite último, seriam inferiores às do apoio (Minf << Msup na figura referida). De facto, nas

zonas dos apoios a reserva de momento entre a cedência do aço e a tensão instalada devido

às cargas verticais é, em geral, superior.

As indicações para ter, na fase de dimensionamento, como orientação, na análise destas

situações, são apresentadas no subcapítulo 4.3.

54

3.3. Deformação imposta axial, com sobreposição de cargas verticais

Numa estrutura de betão armado quando existe restrição à deformação livre nos pisos dos

edifícios a situação mais comum é a de ocorrer a sobreposição do efeito da flexão provocada

por cargas verticais com deformações impostas axiais, conforme a Figura III. 6 exemplifica. De

salientar, que os efeitos dessas acções indirectas são as mais desfavoráveis no que concerne

ao comportamento em serviço do betão estrutural.

Figura III. 6 – Sobreposição de uma deformação imposta axial com cargas verticais

O comportamento de um elemento de betão estrutural sujeito à flexão com sobreposição de

um esforço normal (flexão composta) apresenta diferenças em termos de comportamento

global consoante o esforço normal seja de compressão ou de tracção, como se pode observar

na Figura III. 7, que representa duas relações Momento-Curvatura com esforços axiais de

compressão e tracção moderados. Para um esforço normal de tracção crescente proveniente

das acções indirectas o momento flector de fendilhação diminui, assim como, a rigidez do

elemento e o momento de cedência, aumentando, para o mesmo momento flector, a curvatura

da peça.

Figura III. 7 – Comportamento à flexão simples e composta com esforço axial constante [14]

55

Assim, se, por um lado, o esforço axial de tracção afecta as características da relação M-

1/Rm, por outro lado, a presença de flexão, modifica alguns aspectos de comportamento N-ɛm,

em particular, para a situação que nos interessa neste contexto de acção de um efeito axial

devido a uma deformação imposta.

Na Figura III. 8 apresenta-se uma comparação entre o comportamento de um elemento de

betão armado à tracção (sem e com flexão sobreposta), solicitado por uma deformação

imposta crescente, de origem externa e interna.

Figura III. 8 – Deformação imposta externa e interna, sem e com sobreposição de efeitos [11]

Pode observar-se que, a sobreposição do efeito da deformação imposta à flexão devido às

cargas verticais, faz diminuir os esforços axiais que se desenvolvem, quer a deformação seja

interna ou externa ao betão. Esta diminuição do valor do esforço axial é mais significativa para

níveis mais baixos da deformação imposta.

Verifica-se que, numa análise de situações de sobreposição de efeitos de flexão com

deformação imposta axial, devido à não-linearidade do betão estrutural, o comportamento do

elemento solicitado é interdependente e não deve ser considerado como a soma de cada efeito

analisado individualmente.

As indicações para ter, na fase de dimensionamento, como orientação, na análise destas

situações, são apresentadas no subcapítulo 4.3.

56

Apresenta-se seguidamente a extensão do estudo da análise não linear apresentado no

subcapítulo 2.3 às situações de sobreposição de efeitos axiais de uma deformação imposta a

uma estrutura já carregada por acções verticais.

3.3.1. Sobreposição de efeitos – Deformação Imposta Externa

Luís [25] com o mesmo modelo e nos mesmos casos mencionados no subcapítulo 2.3

procedeu à análise não linear da resposta estrutural para cargas verticais em sobreposição

com acções indirectas axiais. Os níveis de carga correspondentes às combinações quase

permanentes, que supostamente actuariam na estrutura, foram avaliados a partir da armadura

ordinária adoptada, obtendo-se para o caso 4 (ρ=1,04%) uma carga vertical distribuída de

11,98 kN/m. Para analisar a resposta à deformação imposta, para um nível mais baixo de

carga, definiu um segundo nível correspondente a metade das cargas quase permanentes. De

referir que a sequência de aplicação das acções foi a seguinte:

Colocação do carregamento vertical, mobilizando o comportamento por flexão

Actuação da deformação imposta até extensões que provocassem a cedência das

armaduras.

De seguida, apresenta-se os resultados obtidos na análise não linear no caso 4 com

sobreposição de efeitos para a deformação imposta externa e, no subcapítulo seguinte, para a

deformação imposta interna.

Na Figura III. 9 apresentam-se os resultados obtidos para a sobreposição de cargas

verticais com deformação imposta externa do caso 4, em termos da relação N-εm.

Figura III. 9 – Resultados da análise não linear em termos de N-εm para deformação imposta externa [11]

57

Como se pode observar, no caso da sobreposição de efeitos, o elemento fendilha para

extensões menores do que para a situação de deformação imposta isolada e para níveis de

esforço axial global inferiores, sendo antecipada a perda de rigidez axial devido às fendas por

flexão. O elemento também fendilha para extensões tanto menores quanto maior o momento

flector devido às cargas.

De notar que, na fendilhação estabilizada, para valores, de deformação imposta, na ordem

dos 1,0 a 1,5‰ o comportamento parece convergir, ou seja, a diferença de esforço axial é

maior após a formação das primeiras fendas, mas para valores de extensão iguais ou

superiores à fase de fendilhação estabilizada essa diferença desvanece-se. É interessante

verificar que para valores usuais de deformação imposta o esforço axial máximo resultante é

menor para maiores valores de carga vertical distribuída.

Na Figura III. 10 apresenta-se a distribuição de tensões nas armaduras superiores e

inferiores para extensões impostas de 0,30‰ e 0,50‰ para o caso 4 de distribuição de

armadura e na situação de actuação da totalidade da carga quase permanente.

Figura III. 10 – Distribuição das tensões nas armaduras, caso 4, para sobreposição de efeitos – deformação imposta externa [25]

Observa-se que a fendilhação se concentra nas secções de maior momento flector, na face

traccionada por este. Nota-se que, se para uma deformação imposta isolada a tensão máxima

é a mesma para ambos os níveis de extensão imposta (ver Figura II. 13), para a situação de

sobreposição de efeitos (apresentada na Figura III. 10) a máxima tensão depende do valor da

58

deformação imposta, bem como, da distribuição do esforço de flexão devido às cargas

verticais. As tensões máximas sobre os apoios são maiores na situação de sobreposição

devido ao efeito de flexão/tracção. Ainda referente ao caso da sobreposição de efeitos, na zona

de momentos nulos não há fissuração devido ao facto do esforço axial ser inferior ao esforço

de fendilhação, Ncr, pois o momento flector é baixo e há a mesma redução do esforço de

tracção.

Conforme se constata, pela comparação da Figura III. 10 com a Figura II. 13 (capítulo II) e

como seria de esperar, o espaçamento entre fendas na situação da sobreposição de efeitos é

inferior ao verificado para a situação da deformação imposta isolada, devido à distribuição de

tensões em regiões submetidas à flexão composta.

Na Figura III. 11 apresenta-se a variação do nível de tensões e abertura de fendas, em

algumas secções fissuradas, na face inferior e superior do elemento.

Figura III. 11 – Variação de tensões nas armaduras e respectivas aberturas de fendas em função da extensão média – deformação imposta externa [11]

Observa-se que os valores de tensão e de abertura de fendas têm uma ligeira tendência

para aumentar devido à semelhante evolução da força axial. Na face superior, junto ao apoio,

devido à distribuição do momento flector verifica-se que as secções fendilham para valores de

extensão diferentes. Verifica-se que quanto mais próximas as secções estiverem do apoio,

menores serão as extensões para as quais essas fendilham, tratando-se de zonas em que o

momento é superior.

59

Luís [25] concluiu que para valores de extensão imposta na ordem de 0,3‰ a 0,5‰ os

valores de tensão e abertura de fendas registados são aceitáveis para critérios comuns de

dimensionamento em serviço.

Por comparação dos 5 casos, Luís [25] constatou que se formam um maior número de

fendas, quer no apoio, quer no vão, para quantidades de armadura maiores. No caso 1, da

armadura mínima de tracção, registou-se um comportamento estrutural menos conveniente,

tendo-se formado somente duas fendas e próximo do apoio.

3.3.2. Sobreposição de efeitos – Deformação Imposta Interna

Na Figura III. 12 apresentam-se os resultados obtidos para a sobreposição de cargas verticais

com a deformação imposta interna do caso 4, em termos de relação N-εm

Figura III. 12 – Resultados da análise não linear em termos de N-εm para deformação imposta interna [11]

No caso de sobreposição, o máximo esforço axial resultante é evidentemente inferior ao

valor de referência de Ncr, e à medida que a deformação imposta aumenta, o seu valor tende a

decrescer. É um comportamento diferente do verificado no caso da deformação imposta ser

externa, analisado na secção anterior, pois na situação da deformação imposta interna, como

já referido no subcapítulo 2.3, geram-se tensões auto-equilibradas, as quais, por sua vez,

originam tensões de tracção no betão, diminuindo a capacidade resistente do betão à tracção e

formando-se as fendas para esforços axiais menores.

Um dos aspectos em comum com a situação de deformação imposta externa é o facto de

que para extensões maiores, o comportamento, na fase final de formação de fendas, convergir,

60

ou seja, o nível de esforço axial tender para valores semelhantes apesar de diferentes níveis

de carga.

Apresenta-se na Figura III. 13 a distribuição de tensões nas armaduras superiores e

inferiores para extensões impostas de 0,30‰ e 0,50‰ no caso 4 e na situação de actuação da

totalidade de carga quase permanente.

Figura III. 13 – Distribuição das tensões nas armaduras, caso 4, para sobreposição de efeitos – deformação imposta interna [25]

Verifica-se que os picos de tensão obtidos são ligeiramente menores em comparação com

os resultados obtidos para a sobreposição com a deformação imposta externa. Tal como se

verificou para a deformação imposta externa, as zonas de momento nulo não apresentam

fendas e os espaçamentos de fendas são semelhantes em ambas situações.

Na Figura III. 14 apresentam-se a variação do nível de tensões e abertura de fendas, em

algumas secções fissuradas, na face inferior e superior do elemento.

61

Figura III. 14 – Variação de tensões nas armaduras e respectivas aberturas de fendas em função da extensão média – deformação imposta interna [11]

Verifica-se o mesmo tipo de comportamento enunciado para a acção isolada da deformação

imposta interna, sendo observável a transição de tensões de compressão para tensões de

tracção no momento da formação de fendas. Embora os níveis de tensão sejam menores do

que no caso da sobreposição com a deformação imposta externa, as aberturas de fendas são

da mesma ordem de grandeza.

62

IV. Critérios de dimensionamento propostos

Com base na bibliografia analisada, em particular nos trabalhados apresentados nos capítulos

anteriores, é possível resumir algumas orientações para critérios de dimensionamento no caso

da actuação isolada da deformação imposta e para situações de sobreposição de cargas com

deformações impostas. No presente capítulo proceder-se-á à descrição de alguns dos critérios

propostos, a considerar no dimensionamento estrutural, no âmbito da verificação do

comportamento em serviço, para as situações de actuação de deformações impostas

isoladamente ou em conjunto com acções directas.

4.1. Deformação imposta isolada

Para situações de deformação imposta axial actuando isoladamente, conforme se pôde

constatar nos subcapítulos 2.1 e 2.3, em geral, pode-se considerar que o esforço axial gerado

será sempre inferior ou igual ao esforço de fendilhação, ou seja:

𝑁𝑑𝑖 ≤ 𝑁𝑐𝑟 (IV.1)

Para uma melhor explicação sobre este aspecto, analisemos a título de exemplo a actuação

de uma extensão imposta com valor de 0,3‰. Conforme se observa na figura abaixo, se o

esforço normal provocado pela deformação fosse obtido por um cálculo elástico, Nel, resultaria

um valor bastante acima do que realmente se verifica para aquela extensão.

Figura IV. 1 – Comparação de esforços elásticos com os esforços resultantes de uma deformação imposta

63

Por isso, visto que o início da fendilhação ocorre, para valores médios das características do

betão, com uma extensão de 0,1‰ e, tendo em conta que a deformação imposta axial

normalmente não ultrapassa o valor da ordem de 0,5 a 0,7‰, os elementos estruturais

encontram-se usualmente na fase de formação de fendas, como já referido no subcapítulo

2.1.1. Assim, e como em geral a deformação imposta actuando isoladamente não atinge a

fendilhação estabilizada, o esforço máximo gerado por essa acção corresponde ao que é

necessário para a formação de uma nova fenda e é muito inferior ao que resultaria de uma

análise elástica. Esse esforço máximo é da ordem de grandeza dos esforços de fendilhação e,

consequentemente, é independente do valor da acção imposta. Logo, para valores de extensão

imposta da ordem de 0,1‰ a 1,0‰, o esforço axial devido à actuação isolada da deformação

imposta corresponde ao esforço de fendilhação, Ncr (ver expressão IV.1), que deve portanto ser

adoptado na avaliação do comportamento em serviço.

Já no caso da retracção do betão, deformação imposta interna (ver Figura II. 9), com o fim

de garantir a não plastificação da armadura poder-se-ia utilizar um valor inferior para o esforço

axial, da ordem de 0,80 a 0,90Ncr.

Conclui-se então que na situação de deformação imposta isolada, o tipo de critério de

dimensionamento a usar consiste, desde logo, na definição de uma quantidade de armadura

que garanta a não plastificação da armadura (valor mínimo) sob o efeito do esforço

correspondente ao nível a que se verifica a fendilhação. No caso de se pretender ser mais

exigente em relação à limitação da abertura de fendas, como é o caso em particular dos

depósitos, há que para aquele nível de esforço avaliar a quantidade de armadura para

assegurar uma abertura de fendas máxima que assegure as condições de funcionalidade

exigidas.

4.2. Deformação imposta em paredes laterais

Em relação às paredes de muros de suporte ou de depósitos, como se pôde observar no

subcapítulo 2.5, se o objectivo é garantir o critério da não plastificação da armadura, os

estudos realizados, e aqui referidos, indicam poder utilizar-se quantidades de armadura

inferiores às que são obtidas pela expressão regulamentar do Eurocódigo 2 (ver expressão

II.26).

Luís [26] sugeriu, caso o objectivo seja o de limitar a abertura característica de fendas a um

determinado valor, adoptar para esforço axial o valor resultante dos índices da Tabela II. 5,

sendo que, em alternativa, e conservativamente, poder-se-á utilizar 2/3fct,effAct e 1/2fct,effAct, para

deformações impostas externas e internas, respectivamente. O mesmo autor concluiu que para

a situação de deformação imposta interna deve ser usada para o cálculo da extensão relativa

média na avaliação da abertura de fendas, a seguinte expressão:

64

𝜀𝑠𝑟𝑚 = 𝜀𝑠𝑚 − 𝜀𝑐𝑚 + 𝜀𝑐𝑠 (IV.2)

Refira-se que, o facto de se considerar o termo adicional da retracção livre do betão à

deformação relativa aço/betão devido ao estado de tensão, tem sentido físico, para além de

que, apesar das menores tensões no aço, nos casos de deformação imposta interna, se obtêm

aberturas de fendas da mesma ordem de grandeza.

4.3. Sobreposição de cargas com deformações impostas

Os esforços devidos às deformações impostas em condições de serviço, no caso da

sobreposição de efeitos, devem ser obtidos por meio de uma percentagem dos esforços

elásticos, o que pode ser descrito da seguinte forma, considerando o coeficiente de

comportamento 𝜉, tal que:

𝑎) 𝑁𝑑𝑖 = 𝜉 𝑁𝑑𝑖𝑒𝑙á𝑠𝑡 𝑏) 𝑀𝑑𝑖 = 𝜉 𝑀𝑑𝑖

𝑒𝑙á𝑠𝑡 𝑐𝑜𝑚 𝜉 < 1,0 (IV.3)

Camara [13] realçou o sentido em contabilizar este aspecto na quantificação dos efeitos das

deformações impostas com efeito de flexão, dando como exemplo o caso de uma viga bi-

encastrada submetida a uma variação diferencial de temperatura instantânea sobreposta a

uma carga distribuída, conforme se representa na Figura IV. 2.

Figura IV. 2 – Exemplo da resposta de uma viga bi-encastrada a uma variação linear de temperatura para uma análise linear (a) e não linear (b) [13]

65

Como se pode observar, os esforços gerados são inferiores aos elásticos e a variação de

curvaturas no elemento é do tipo representado na Figura IV. 2 b. Nas zonas fendilhadas, nas

quais o aumento de esforços é do mesmo sinal do das cargas, os incrementos de curvatura

dão-se para uma rigidez aproximadamente igual à rigidez do Estado II; por sua vez, nas zonas

em descarga estes incrementos dão-se para a rigidez de descarga e no resto da estrutura para

a rigidez de Estado I. Caso se considere a rigidez de descarga igual à do Estado I obtém-se

uma distribuição de curvaturas com um andamento similar ao representado na Figura IV. 2 b.

Com base neste exemplo e noutros correspondentes a análises não lineares efectuadas,

Camara [11, 12, 13] expôs um método aproximado para a avaliação do momento devido a uma

deformação imposta, sendo que, no caso da flexão, este resulta da aplicação da expressão

anteriormente apresentada (expressão IV.3 b). Assim, com base em análises não lineares,

aquele autor, definiu que 𝜉, denominado de coeficiente de comportamento (que constitui um

coeficiente de redução do esforço elástico), poderia assumir os valores apresentados na

Tabela IV. 1, dependendo da situação de fendilhação do elemento, do nível de carga vertical

distribuída, da percentagem da armadura e do tempo de imposição da acção.

𝜌𝑓𝑙𝑒𝑥 ã𝑜

ξ

φ=0 φ=2,5

r r

≤ 1,0 1,5 2,0 ≤ 1,0 1,5 2,0

0,30 1,0 0,35 0,20 0,35 0,25 0,15

0,60 1,0 0,50 0,35 0,35 0,30 0,25

1,20 1,0 0,70 0,50 0,40 0,35 0,30

Tabela IV. 1 – Valores aproximados de 𝝃 para avaliação dos momentos devido às deformações impostas [11] (realçam-se os valores médios para acções de curto e longo prazo)

Na qual:

𝜌𝑓𝑙𝑒𝑥 ã𝑜 =𝐴𝑠

𝑏𝑑 (IV.4)

𝑟 =𝑀𝑔+𝜓2𝑞×𝑀𝑞+𝑀𝑑𝑖

𝑒𝑙á𝑠𝑡

𝑀𝑐𝑟 (IV.5)

Da observação da tabela anterior, conclui-se que para deformações impostas aplicadas

num período mais curto o valor do coeficiente de redução do esforço elástico, 𝜉, é

significativamente maior, para elementos pouco fendilhados. Constata-se também que para

elementos medianamente armados este coeficiente toma valores da ordem de grandeza dos

35 a 50% do valor elástico. Caso a acção indirecta seja de longo prazo o valor deste

66

coeficiente é ainda menor e menos dependente da fendilhação e quantidades de armadura,

apresentando valores em torno dos 30%.

Analisando os factores de redução conclui-se que o esforço real resultante das deformações

impostas é, desde que exista alguma fendilhação, sempre inferior a 70% do obtido por meio de

uma análise elástica linear. Com o decorrer do tempo os seus efeitos vão diminuindo até

valores da ordem dos 20 a 30% do valor elástico. Verifica-se assim que os danos causados

nas estruturas pelas deformações impostas de flexão quando sobrepostas a cargas não são

tão relevantes como uma análise elástica poderia fazer, eventualmente, supor.

Por fim, conforme apresentado por Camara [12, 13] e explicado no subcapítulo 3.2 e na

Figura III. 5, o importante é garantir que a reserva em relação à não cedência das armaduras

em situação de flexão é suficiente para acomodar o efeito da deformação imposta, ou seja, há

que cumprir, no mínimo, a seguinte condição:

∆𝑀 = 𝑀𝑦 −𝑀𝑠𝑒𝑟𝑣 < 𝑀𝑑𝑖 (IV.6)

Salienta-se, como referido anteriormente, que para uma maior diferença entre o momento

devido às cargas aplicadas em serviço e o momento de cedência (casos de necessidade de

percentagens de armaduras maior na verificação de segurança à rotura devido às cargas),

maior será a capacidade do elemento estrutural em admitir eventuais acréscimos de momento

flector devido à acção das deformações impostas, sem que se atinja a cedência ou as

aberturas de fendas sejam mais importantes.

Em relação às deformações impostas axiais sobrepostas a cargas, para efectuar o

cálculo das tensões nas armaduras e/ou abertura de fendas, a principal variável a definir para

analisar a adequabilidade do comportamento em serviço é o valor de esforço axial a combinar

com o momento flector devido às cargas permanentes ou quase permanentes. Para este efeito,

é primeiramente necessário obter os esforços resultantes nas secções. Luís [25], depois de ter

efectuado um extenso estudo sobre esta problemática, que se encontra sintetizado no

subcapítulo 3.3.1 e 3.3.2, propôs, para a obtenção do esforço axial resultante devido à

deformação imposta, as seguintes expressões:

𝑁∆𝑇 = 𝜉∆𝑇 × 𝑁𝑐𝑟 (IV.7)

𝑁𝑐𝑠 = 𝜉𝑐𝑠 × 𝑁𝑐𝑟 (IV.8)

No entanto, há que notar que o estudo desenvolvido por Luís [25] foi restrito, não tendo

considerado toda a variabilidade possível de factores que influenciam a resposta estrutural,

sendo discutível estabelecer critérios gerais de dimensionamento. Apesar disso, o referido

autor conseguiu clarificar alguns aspectos importantes do comportamento estrutural nas

situações de sobreposição e até mesmo considerou possível fornecer indicações muito

67

credíveis para a avaliação do esforço axial devido às deformações impostas naquelas

situações de sobreposição de efeitos.

Assim, Luís [11, 24] estimou os coeficientes 𝜉∆𝑇 e 𝜉𝑐𝑠 , definidos em função da percentagem

de armadura e do nível de extensão imposta. Os valores propostos para esses coeficientes são

apresentados na tabela seguinte:

𝜌 (%) Deformação imposta externa Deformação imposta interna

0,20‰ 0,30‰ 0,50‰ 0,20‰ 0,30‰ 0,50‰

0,50 0,40 0,55 0,65 0,40 0,45 0,50

0,80 0,50 0,60 0,70 0,40 0,40 0,45

1,00 0,55 0,60 0,80 0,35 0,35 0,40

Tabela IV. 2 – Coeficientes de redução de esforço axial de fendilhação para uma deformação imposta axial [11] salientam-se os valores médios de referência

Como se pode observar, o coeficiente de redução não varia muito com as diferentes

percentagens de armadura e, como tal, Luís [11] propôs que os valores a considerar

correspondessem a 𝜌=0,80%. Uma aproximação suplementar seria tomar 𝜉 igual a 0,6 ou 0,4

(deformação imposta externa e interna, respectivamente) independentemente do valor da

deformação imposta. Como já mencionado no capítulo II e apresentado pelo EC2 [16], para a

verificação ao estado limite de fendilhação para deformações impostas é necessário considerar

dois critérios de dimensionamento: a garantia de não plastificação da armadura e o critério de

controlo directo ou indirecto da abertura de fendas.

Em situações de consideração simultânea dos efeitos de uma variação de temperatura e da

retracção do betão o valor de N poderia ser avaliado como um valor intermédio para 𝜉, que

seria dado por:

𝜉 = 𝑘𝜉∆𝑇 + 1 − 𝑘 𝜉𝑐𝑠 𝑐𝑜𝑚 𝑘 ∈ [0,1] (IV. 9)

Em que k é um coeficiente que leva em conta a importância relativa da variação de

temperatura e da retracção. Com 𝜉 obtido pela expressão anterior, o valor do esforço axial

seria, por sua vez, obtido pela seguinte expressão :

𝑁 = 𝜉 × 𝑁𝑐𝑟 (IV.10)

Para a avaliação directa da abertura de fendas, com sobreposição dos efeitos das cargas e

os dois tipos de deformação imposta em simultâneo, podem ser consideradas duas

alternativas, apresentadas pelo mesmo autor [11]. As alternativas são descritas pelas seguintes

equações:

𝑤𝑚 = 𝑆𝑟 × (𝜀𝑠2𝑐𝑎𝑟𝑔𝑎𝑠 +∆𝑇+𝑐𝑠

+ |𝜀𝑐𝑠 |) (IV.11)

68

𝑤𝑚 = 𝑆𝑟 × (𝜀𝑠2

𝑐𝑎𝑟𝑔𝑎𝑠 +∆𝑇𝑒𝑞) (IV.12)

Com a aplicação da expressão IV.11, o esforço axial terá de ser obtido pelas expressões

IV.10 e IV.9. Quanto à expressão IV.12, esta trata-se de uma forma equivalente mais directa de

obter a estimativa da abertura de fendas, na qual se considera ambas as extensões impostas

exteriores ao elemento, sendo o esforço axial obtido pela expressão IV.7. Assim,

∆𝑇𝑒𝑞corresponde a uma variação de temperatura equivalente, a qual contempla também o

efeito da retracção e pode ser obtida da seguinte forma:

∆𝑇𝑒𝑞 = ∆𝑇 +𝜉𝑐𝑠

𝛼 𝑐𝑜𝑚 𝛼 = 1 × 10−5 (IV.12)

Enveredando por esta segunda alternativa de cálculo e pelas análises apresentadas nos

capítulos anteriores obtém-se uma boa estimativa da abertura de fendas.

Uma vez avaliado o esforço axial combinado com os esforços das cargas verticais é então

possível analisar a situação em flexão composta.

Luís [25] sugeriu uma metodologia de dimensionamento estrutural para o caso da

sobreposição dos efeitos de cargas e de deformações impostas axiais. A metodologia sugerida

é sintetizada nos seguintes passos:

1. Dimensionamento corrente aos Estados Limites Últimos sem consideração das

deformações impostas;

2. Colocação de pelo menos uma armadura mínima de tracção nas zonas onde se possa

prever que o efeito de restrição às deformações impostas é importante;

Definida uma distribuição de armaduras, deve-se então efectuar a análise de tensões, tendo

em conta a sobreposição de efeitos. Para isso há que ter em linha de conta os seguintes

aspectos:

3. Para as cargas verticais considera-se, em princípio, a combinação quase permanente

de acções;

4. Para avaliar o nível de esforço axial gerado pela restrição ao livre encurtamento deve

aplicar-se, em primeiro lugar, as acções indirectas, isto é, retracção e/ou variação de

temperatura, no modelo estrutural, com um módulo de elasticidade ajustado à natureza

da acção. Os módulos de elasticidade a adoptar são definidos, tais que:

𝐸𝑐 ,𝑎𝑗𝑢𝑠𝑡∆𝑇 =

𝐸𝑐 ,28

1+𝜒𝜑∆𝑇, (considerando a acção como cíclica e anual, pode-se tomar

como valor médio 𝜑∆𝑇 ≈ 1,0);

𝐸𝑐 ,𝑎𝑗𝑢𝑠𝑡𝑐𝑠 =

𝐸𝑐 ,28

1+𝜒𝜑𝑐𝑠, (considerando a acção como permanente e crescente, pode-se

tomar como valor médio 𝜑𝑐𝑠 ≈ 2,50).

69

5. Selecciona-se o critério de análise para a definição do nível da redução de esforço

axial a considerar. Nas zonas da estrutura onde o esforço axial avaliado anteriormente

seja superior a Ncr, aquele deve ser avaliado aplicando o factor de redução, ξ (ver

Tabela IV. 2), ao valor de Ncr. Nas zonas onde o esforço axial avaliado em 4 seja

inferior a Ncr, então aplicar-se-á aquele coeficiente de redução a esse esforço axial;

6. Numa análise da flexão composta há que avaliar o nível das tensões nas armaduras

em secção fissurada, definindo a adequabilidade da percentagem de armadura

colocada de acordo com os limites do comportamento em serviço;

7. Atendendo ao resultado do passo anterior, poderá ser conveniente modificar as

quantidades de armadura definidas em 1, de forma a baixar a tensão na armadura e

limitar mais a abertura de fendas nalgumas zonas.

70

V. Situações de deformações impostas nas estruturas

Neste capítulo proceder-se-á à identificação e descrição de algumas situações em que a

consideração dos efeitos das deformações impostas é relevante e também de exemplos

práticos em que é necessário recorrer-se ao conceito da armadura mínima. Posteriormente,

apresentam-se dois casos de estudo, em que são aplicados alguns conceitos teóricos e de

dimensionamento descritos nos capítulos anteriores.

5.1. Casos práticos de deformações impostas nas estruturas

Existem dois tipos básicos de estruturas nas quais as deformações impostas se podem

desenvolver: as isostáticas e as hiperstáticas. É de salientar que, apesar de no primeiro caso,

as deformações impostas ocorrerem livremente, não se desenvolvendo esforços, é possível

haver fendilhação neste tipo de estruturas, nomeadamente se ocorrerem efeitos de

deformações impostas diferenciais nas secções. Este fenómeno ocorre no caso da retracção

térmica diferencial na secção, que pode provocar um estado de tensão auto-equilibrado com

resultante de esforços nula ao nível da secção.

O processo construtivo e a geometria dos elementos das estruturas também podem

ocasionar situações de impedimento das deformações livres particulares. Este é o caso de

muros de suporte ou depósitos. Mais adiante, analisa-se com mais detalhe os efeitos das

deformações impostas neste tipo de estruturas.

A grande maioria das estruturas são no seu conjunto hiperstáticas e, naturalmente, neste

tipo de estrutura existem várias restrições ao desenvolvimento de deformações livres que, por

sua vez, induzem o aparecimento de fendas. Por exemplo, no caso de um pórtico, um dos

efeitos importantes a considerar na concepção e dimensionamento estruturais é o das

deformações impostas aos pilares devido à deformação dos elementos horizontais das

estruturas, conforme representadas na Figura V. 1.

Figura V. 1 – Efeito das deformações impostas nas estruturas de edifício em pórtico e em pontes [13]

71

Neste caso, os esforços provocados pelo efeito da acção indirecta, nos elementos verticais

(pilares), dependem da rigidez do elemento e da distância do mesmo ao centro de rigidez da

estrutura. Assim, os momentos nos pilares são tanto maiores quanto mais afastados estiverem

do centro de rigidez, optando-se, por vezes, pela adopção de juntas estruturais com o objectivo

de diminuir esses efeitos.*

Uma das situações que frequentemente provoca o funcionamento deficiente de estruturas

de betão armado e pré-esforçado corresponde ao caso em que os efeitos das deformações

impostas actuam em direcções ou partes das estruturas de tal forma que não se sobrepõem

aos efeitos das cargas, ou seja, a uma situação equiparavel ao de uma deformação imposta

isolada. Durante muitos anos estas situações foram desconsideradas no dimensionamento,

resultando em que as armaduras dispostas nessa direcção eram simplesmente construtivas ou

de distribuição das principais, o que se verificou em muitos casos ser claramente insuficiente

para o controlo das aberturas de fendas. Presentemente, esses efeitos estão, no essencial,

clarificados, não havendo motivo para não serem contabilizados no dimensionamento e

pormenorização de estruturas de betão armado.

Como explicado em 4.1, a deformação imposta, actuando isoladamente, não atinge, em

geral, a fendilhação estabilizada, resultando então o esforço máximo como sendo o da

fendilhação. Contudo, podem existir excepções, por exemplo, junto a aberturas, em elementos

tracionados (ver Figura V. 2) que levam a deformação imposta a concentrar-se na zona menos

resistente, ou seja, junto à abertura, podendo ai atingir-se a estabilização da fendilhação. Neste

caso, o esforço desenvolvido dependerá do valor da deformação imposta e, assim sendo, a

armadura necessária para o controlo da fendilhação não é independente da acção indirecta,

conforme explicado por Camara [13]. Na realidade, há que considerar para o dimensionamento

da armadura junto à abertura, pelo menos o esforço axial da zona mais larga, para que as

fendas se possam também formar fora das zonas mais estreitas.

Figura V. 2 – Fendilhação junto à abertura do elemento traccionado (NcrA e NcrB – esforço axial de fendilhação na zona A e B, respectivamente)

* Gonilha [22] estudou estas situações, no contexto da análise das necessidades de juntas estruturais em estruturas de edifícios.

72

Em edifícios são várias as situações em que é necessário considerar os efeitos das

deformações impostas, sendo a colocação de, pelo menos, uma armadura mínima de tracção a

solução conveniente. Uma dessas situações é a de uma consola que possua uma extensão

considerável ao longo da fachada de um edifício (como é o caso de varandas), conforme se

pode observar na Figura V. 3. Nesta deve colocar-se a armadura mínima necessária, disposta

segundo a direcção y, para o controlo da fendilhação devida ao efeito restritivo que a estrutura

do edifício exerce sobre a deformação livre da consola provocada pelas deformações impostas

(a laje interior constitui o impedimento ao livre encurtamento da consola). Neste tipo de

situações um bom comportamento em serviço pode ser garantido sem necessidade de juntas

de dilatação, apesar da quantidade de armadura necessária poder ser consideravelmente

maior à que seria prevista como construtiva ou de distribuição da principal.

Figura V. 3 – Situação de colocação de armadura mínima de tracção na consola de um edifício [13]

Outra situação que carece da consideração do conceito da deformação imposta para efeitos

do dimensionamento em serviço é a de uma viga com uma laje suportada na parte inferior e

dimensionada para as cargas na direcção longitudinal, como representada na Figura V. 4.

Conforme constatado por Camara [13], nestes casos a armadura tradicional de distribuição a

colocar na laje na direcção y pode ser insuficiente para controlar a fendilhação nas zonas onde

a viga está submetida a momentos positivos devida à deformação imposta axial que a viga, na

sua deformação por flexão, provoca no painel da laje. Nestes casos, o controlo da fendilhação

na direcção y exige uma armadura mínima de tracção.

Este caso é especial pois trata-se de uma deformação imposta de uma parte da estrutura (a

viga) à outra (a laje) mas devido à acção de cargas verticais.

73

Figura V. 4 – Situação de colocação de armadura mínima de tracção numa laje suportada na parte inferior e dimensionada para as cargas em x [13]

Na Figura V. 5 representa-se a situação de pisos elevados de edifícios que se encontram

impedidos de se deformar livremente devido a elementos rígidos verticais (paredes estruturais

ou núcleos de elevadores e escadas) e que, como tal, ficam submetidos a um efeito axial

devido às deformações impostas da estrutura dos pisos. Esta é uma situação de sobreposição

de efeitos de deformação imposta com cargas, na qual é importante dispor, pelo menos, a

armadura mínima, com o fim de controlar a fendilhação, devendo-se, posteriormente, seguir o

processo de dimensionamento apresentado no final do capítulo anterior.

Figura V. 5 – Situação de colocação de armadura mínima na laje devido aos elementos rígidos [13]

Outra situação semelhante e corrente em edifícios de sobreposição de efeitos de tracção

devidos à deformação imposta com efeitos de flexão provocada por cargas ocorre em pisos

enterrados, conforme se representa na Figura V. 6. Este é o caso de caves de edificios e de

parques de estacionamento, onde as paredes de contenção laterais, principalmente as da

maior direcção em planta, limitam significativamente a deformação livre dos pisos estruturais

nessa direcção, provocando efeitos de tracção significativos nos elementos horizontais.

74

Figura V. 6 – Situação comum na qual o piso enterrado se encontra submetido à sobreposição do efeito das cargas verticais com deformação imposta axial [25]

Para além da já rebatida importância de se colocar uma armadura mínima nos diferentes

elementos das secções, eventualmente sujeitas a tracções, há casos, como referido neste

trabalho, em que há necessidade de adopção de mais armadura para que as fendas sejam

limitadas de acordo com as condições de funcionalidade exigidas. Haverá, evidentemente,

formas alternativas de limitar tal fendilhação, como por exemplo a previsão de juntas de

dilatação e a aplicação de pré-esforço. Contudo, há que reconhecer que, independentemente

do método que se adopte, é muito difícil assegurar à partida a não fendilhação do betão

estrutural, mesmo sendo pré-esforçado.

No caso de muros de comprimento bastante superior à altura, como os muros de suporte,

depósitos e/ou tanques, cujas paredes se encontram encastradas na fundação ou ligadas a

uma fase anterior de betonagem, a fendilhação deve-se sobretudo ao efeito das deformações

impostas. Na figura seguinte apresenta-se a fendilhação característica duma parede de um

muro sem juntas, a qual já foi referida no capítulo II.

Figura V. 7 – Fendilhação que ocorre num muro sem juntas

Nestes casos, a fundação é betonada em primeiro lugar e só depois a parede do muro. O

facto de a fundação se encontrar envolvida por terra, a qual constitui um ambiente húmido que

impede o contacto directo do betão com o ambiente seco externo, faz com que a retracção

desse betão seja retardada e mesmo inferior. Por sua vez, a parede, em geral, também sofre

maiores variações de temperatura exterior existindo a restrição ao encurtamento imposta pela

fundação e, assim, dá-se azo ao desenvolvimento da fendilhação.

75

O betão da parede do muro fica sujeito a tensões de tracção horizontais, que irão provocar

fendas verticais, conforme se analisou no subcapítulo 2.5. Estas fendas verticais ou

transversais (denominadas na Figura V. 7 por fendas principais), conforme Luís [25] explica,

além de atravessarem toda a espessura do elemento, são as que condicionam a estanquidade

do mesmo. Por outro lado, fendas, essencialmente de flexão verificam-se junto a uma das

faces e não necessitam do mesmo nível de preocupação em termos de funcionalidade. O risco

da fendilhação que ocorre nestes casos pode também ser contrariado limitando a elevação de

temperatura devida à hidratação do betão, com betonagens em etapas ou, como se analisou

nesta tese, com disposições apropriadas de armadura. Outra opção, para contrariar a

fendilhação, é a execução de juntas de dilatação colocadas a distâncias apropriadas, visando

evitar a ocorrência de fendilhação significativa entre as mesmas. O EC2-parte 3 [17], no anexo

N, propõe um espaçamento máximo de 5,0 metros ou de 1,5 vezes a altura da parede (ver

Figura V. 8).

Figura V. 8 – Distância máxima entre juntas de dilatação segundo EC2-parte3 [17]

Se a solução adoptada for o recurso a juntas e, se se tratar de uma estrutura com a

finalidade de armazenar água, como tanques, é necessário prevenir as possíveis fugas de

líquido. Com o fim de garantir a estanquidade em juntas de elementos de betão podem-se usar

perfis de Waterstop (ver Figura V. 9), que são compostos de resinas de cloreto de polivinil de

alta qualidade e plastificantes seleccionados que lhe conferem a maleabilidade necessária para

assegurar a aderência eficaz aos elementos de betão, conforme explicado por Borges [8].

Figura V. 9 – Pormenor de uma junta Waterstop [36]

76

No caso concreto dos tanques, há, em geral, situações claras de sobreposição de efeitos de

uma deformação imposta axial e da acção do impulso da água nas paredes com flexão, na

mesma direcção. Este caso, típico de uma situação de sobreposição de efeitos de acções

directas e indirectas, será analisado no próximo subcapítulo no segundo exemplo de aplicação

(subcapítulo 5.2.2).

5.2. Exemplos de Aplicação

Nos dois subcapítulos seguintes apresentam-se dois casos de estudo: análise da parede de

um muro de suporte sujeito à restrição das deformações impostas e de um tanque em que

ocorre a sobreposição dos efeitos de carga com deformações impostas axiais.

5.2.1. Muro sujeito à restrição das deformações impostas

Analisa-se um muro de suporte com 5 metros de altura e com duas espessuras, sem juntas de

dilatação (ver Figura V. 10). Dimensiona-se armadura longitudinal da parede à acção das

deformações impostas, pois nessa direcção a armadura seria construtiva ou de distribuição,

caso não se considerassem estes efeitos. A parede deve ser armada horizontalmente de tal

maneira que a abertura máxima de fendas seja inferior a um determinado limite, a definir de

acordo com o grau de exigência, em termos de funcionalidade.

Figura V. 10 – Dimensões da parede do muro

77

Na tabela seguinte apresenta-se as características dos materiais adoptados.

Betão C25/30 Aço A500

Ec = 30,5 GPa Es = 200 GPa

fctm = 2,6 MPa fyk = 500 MPa

Tabela V. 1 – Características dos materiais a adoptar na parede do muro

As armaduras mínimas definidas pela expressão II.26 para valores de espessura da parede

de 0,3m e 0,6m são as indicadas na Tabela V. 2:

h (m) k As,min (cm2/m) As,min adoptar

0,30 1,00 15,60 Ø10//0,10 (15,7 cm2/m)

0,60 0,79 24,65 Ø16//0,15 (26,7 cm2/m)

Tabela V. 2 – Armaduras mínimas para dois tipos de espessura da parede do muro

Assim, da base até meio da parede do muro, ao longo de 2,5m (ver Figura V. 10), a

armadura mínima a adoptar seria de 26,7 cm2/m e, do meio até ao topo, 15,7 cm

2/m. Pode ser

discutível a avaliação destas quantidades de armaduras para o caso desta geometria, com

duas espessuras, mas considera-se a opção aceitável, até porque não seria evidente outra

alternativa.

Para garantir a não plastificação da armadura, poder-se-ia adoptar quantidades de

armadura inferiores às obtidas, conforme mencionado em 4.2, pois o esforço axial máximo na

secção fendilhada durante o processo de formação de fendas é inferior a Ncr. No entanto,

devido à necessidade de controlar a abertura de fendas opta-se por avaliar estas com aquelas

armaduras.

Estimou-se, então, a abertura característica de fenda, que ocorre para aquelas quantidades

mínimas de armadura, pela expressão II.16, com o fim de verificar se obtêm valores aceitáveis.

Para o cálculo da distância máxima entre fendas utilizou-se a expressão II.20, na qual:

k1=0,8 (varões nervurados);

k2=1,0 (tracção simples);

c=0,035m (recobrimento):

Para o cálculo da extensão média relativa entre o aço e o betão utilizou-se a expressão

II.23, com kt=0,4 (acção lenta no tempo). No cálculo da percentagem de armadura na área

efectiva considerou-se:

78

para h=0,30m,

2,5 𝑕 − 𝑑 = 2,5 × 𝑐 + 0,01 + ∅ 2 =

= 2,5 × (0,035 + 0,01 + 0,01 2) = 2,5 × 0,05 = 0,125𝑚 (V.1)

𝐴𝑐 ,𝑒𝑓 = 2 × 1250 = 2500𝑐𝑚2 (V.2)

para h=0,60m,

2,5 𝑕 − 𝑑 = 2,5 × 𝑐 + 0,01 + ∅ 2 =

= 2,5 × (0,035 + 0,01 + 0,016 2) = 2,5 × 0,053 = 0,1325𝑚 (V.3)

𝐴𝑐 ,𝑒𝑓 = 2 × 1325 = 2650𝑐𝑚2 (V.4)

A estimativa da abertura de fenda foi efectuada para dois esforços axiais: Ncr e Ndim=0,7Ncr

(esforço axial máximo após fendilhação para uma deformação imposta interna conforme

explicado em 4.2). No cálculo do esforço axial de fendilhação, para a espessura de 0,60m, foi

considerada uma redução da resistência efectiva à tracção por meio de um factor multiplicativo

de 0,79 (ver subcapítulo 2.4 e Figura II. 18). Na Tabela V. 3 apresenta-se os resultados

obtidos.

h (m)

As,min

(cm2/m)

ρef

(%)

Sr,max

(cm) Esforço Axial

σs

(MPa) εsm-εcm

wm

(mm)

wmáx

(mm)

0,30 Ø10//0,10 0,63 66,0 Ncr=780kN/m 496,8 0,00162 0,63 1,07

Ndim=546kN/m 347,8 0,00104 0,41 0,69

0,60 Ø16//0,15 1,01 65,9 Ncr=1232,4kN/m 461,8 0,00176 0,68 1,16

Ndim=862,7kN/m 323,1 0,00107 0,41 0,70

Tabela V. 3 – Abertura média e característica de fendas para as armaduras mínimas adoptadas

Os resultados mostram que com a quantidade mínima de armadura as estimativas da

largura máxima das fendas são elevadas por comparação com diferentes exigências

regulamentares. Salienta-se as limitações regulamentares da abertura máxima a valores de 0,3

e 0,4 mm.

Assim, com o intuito de limitar as aberturas de fendas expectáveis, apresenta-se de seguida

a avaliação das quantidades de armadura, com e sem cálculo directo, para diferentes

objectivos.

Com o fim de limitar a abertura característica de fendas, a 0,3mm (valor regulamentar

corrente em termos de durabilidade), por controlo indirecto, pelo gráfico da Figura II. 28,

obter-se-ia, depois de aplicar o coeficiente de correcção da expressão II.27 (considerando

79

fctm=fct,ef), e admitindo, por exemplo, a tensão na armadura de 250 MPa, os seguintes valores

para os diâmetros e quantidades de armadura (no cálculo de As utilizou-se a expressão II.26 na

qual se substitui fyk por σs=250MPa):

h (m)

σs

(MPa)

As (cm

2/m)

∅s*

(mm)

∅s

(mm) As,adoptar

0,30 250,0 31,2 20 13,4 Ø16//0,20 + Ø12//0,20

0,60 250,0 49,3 20 23,9 Ø20//0,125

Tabela V. 4 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,3mm e Ncr

Estes resultados apontam para quantidades significativas de armaduras. No entanto, se se

admitir, como no cálculo anterior, que o esforço axial de fendilhação não ultrapassa 0,7Ncr os

resultados seriam os seguintes:

h (m)

σs

(MPa)

As (cm

2/m)

∅s*

(mm)

∅s

(mm) As,adoptar

0,30 250,0 21,84 20 13,4 Ø12//0,10

0,60 250,0 34,51 20 23,9 Ø20//0,30 + Ø16//0,25

Tabela V. 5 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,3mm e 0,7Ncr

Se por motivos de estanquidade, para a classe 1 (ver Tabela II. 3), pretender-se limitar a

abertura característica de fenda a wk1 (ver Figura II. 27) ter-se-ia, então:

𝑕𝐷/𝑕 = 5/0,6 = 2,5/0,3 = 8,3 𝑤𝑘1 ≅ 0,175𝑚𝑚 (V.5)

Por controlo indirecto (ver Figura II. 28) obter-se-ia, por exemplo, depois de aplicar

também o coeficiente de correcção da expressão II.27 (considerando fctm=fct,ef), os seguintes

valores para os diâmetros e quantidades de armadura (no cálculo de As utilizou-se a expressão

II.26 na qual se substitui fyk por um nível de tensão adequado):

h (m)

σs

(MPa)

As (cm

2/m)

∅s*

(mm)

∅s

(mm) As,adoptar

0,30 180,0 43,33 20 13,4 Ø16//0,20 + Ø12//0,10

0,60 220,0 56,02 16 19,2 Ø20//0,10

Tabela V. 6 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,175mm e Ncr

Mais uma vez, os resultados apontam para quantidades de armaduras que se diria não

fazerem quase sentido prático. Por outro lado, se se admitir que o esforço axial nas secções

fendilhadas não ultrapassa 0,7Ncr os resultados seriam os seguintes, bastante mais razoáveis:

80

h (m)

σs

(MPa)

As (cm

2/m)

∅s*

(mm)

∅s

(mm) As,adoptar

0,30 180,0 30,33 20 13,4 Ø16//0,20 + Ø12//0,20

0,60 220,0 39,21 16 19,2 Ø16//0,10

Tabela V. 7 – Diâmetros e quantidades de armadura para wk=0,175mm e 0,7Ncr

Se pretender limitar a abertura característica de fenda ao mesmo valor, ou seja, 0,175mm,

efectuando um cálculo directo, com diâmetros médios de 16mm para h=0,30m e h=0,60m,

obtêm-se os valores expressos na tabela seguinte.

wk

(mm)

h

(mm)

N

(kN/m) Sr,máx εsm-εcm

As

(cm2/m)

σs

(MPa)

0,175

0,30

780,0

0,119 +0,001442

𝐴𝑠 (𝑚2/𝑚)

2,522 × 10−6

𝐴𝑠 (𝑚2/𝑚)− 3,41 × 10−5

>2,34 × 10−6

𝐴𝑠 (𝑚2/𝑚)

52,6 148,3

546,0

1,352 × 10−6

𝐴𝑠 (𝑚2/𝑚)− 3,41 × 10−5

<1,64 × 10−6

𝐴𝑠 (𝑚2/𝑚)

42,7 127,8

0,60

1232,4

0,119 +0,001442

𝐴𝑠 (𝑚2/𝑚)

4,784 × 10−6

𝐴𝑠 (𝑚2/𝑚)− 3,41 × 10−5

>3,70 × 10−6

𝐴𝑠 (𝑚2/𝑚)

78,3 157,5

862,7

2,936 × 10−6

𝐴𝑠 (𝑚2/𝑚)− 3,41 × 10−5

>2,59 × 10−6

𝐴𝑠 (𝑚2/𝑚)

57,7 149,5

Tabela V. 8 – Resultados do controlo directo da fendilhação

Verifica-se que, pelo cálculo directo, as quantidades de armadura necessárias para um

dado nível de exigência são superiores às obtidas para o controlo indirecto, tendo-se

constatado, neste exemplo, uma diferença com um factor da ordem de 1,4, o que justifica que

este aspecto seja, no futuro, clarificado. De qualquer forma estes resultados vêm reforçar a

ideia de que a garantia da estanquidade por limitação da abertura de fendas a limites

apertados conduz a valores muito significativos de quantidades de armadura, mesmo tomando

para o dimensionamento um esforço axial de 0,7Ncr.

81

5.2.2. Tanque – sobreposição de cargas (acção da água) a deformação imposta

axial

Para esta análise, com sobreposição dos efeitos das cargas com deformação imposta,

considera-se um tanque com dimensões em planta de 10m por 15m, sendo a espessura da

parede constante de 0,30m e a altura de 5,0m (ver Figura V. 11). O tanque não se encontra

enterrado e no interior deverá conter água. As características dos materiais considerados são

as mesmas apresentadas para o caso anterior (ver Tabela V. 1).

Figura V. 11 – Dimensões do tanque

Nesta situação ocorre uma sobreposição de efeitos, da acção do impulso da água sobre as

paredes do tanque, que gera efeitos de flexão e tracção, com o efeito axial da deformação

imposta nas mesmas, conforme se ilustra, na direcção longitudinal, na figura seguinte.

Figura V. 12 – Representação, em planta, da sobreposição de efeitos no tanque: a) acção da água nas paredes; b)N, esforço normal devido às deformações impostas e à acção da água e Mcp, momentos devido à acção da água

82

O esforço axial associado ao início da fendilhação por efeito axial isolado tem o seguinte

valor:

𝑁𝑐𝑟 = 𝑒 × 𝑓𝑐𝑡𝑚 = 0,3 × 2,6 × 103 = 780 𝑘𝑁/𝑚 (V.6)

As características do betão variam com o tempo, logo, na análise da estrutura considerou-

se o módulo de elasticidade ajustado (Ec,ajust), como referido no subcapítulo 4.3,

correspondente a 𝐸𝑐 ,28 3 . Optou-se por esta redução do módulo de elasticidade visto se ter

considerado, como principal acção imposta, a retracção. Em rigor, o cálculo dos esforços e

efeitos das acções directas poderia ser efectuado com Ec,28 e os efeitos das deformações

impostas com Ec,ajust, mas, por uma questão de simplificação, analisa-se ambas as acções com

o Ec,ajust.

As paredes e a laje de fundo foram modeladas no SAP2000® como elementos shells, sendo

que foram consideradas apoios, só com deslocamentos impedidos, na base do tanque, como

se pode observar na figura seguinte.

Figura V. 13 – Modelação do tanque em SAP2000®

Definiu-se a deformação imposta como sendo uma variação de temperatura equivalente por

meio da aplicação da expressão IV. 12, tendo-se obtido:

∆𝑇𝑒𝑞 = 15 +0,3×10−3

1×10−5 = 45℃ (V. 7)

A distribuição do esforço axial resultante, na parede com 15m de comprimento, devido à

deformação imposta, é apresentada na figura seguinte.

83

Figura V. 14 – Distribuição do esforço axial resultante, devido à deformação imposta, na parede de 15m de comprimento

Para o Estado Limite de Utilização, aplicando a metodologia proposta por Luís [25] e

apresentada no subcapítulo 4.3, optou-se por, nas zonas da estrutura onde o esforço axial

devido à deformação imposta seja superior a Ncr, aplicar-se o factor de redução, ξ=0,6 (ver

Tabela IV. 2), ao valor de Ncr. Nas zonas onde o esforço axial seja inferior a Ncr, aplicou-se

também aquele coeficiente de redução a esse esforço axial. Na Figura V. 15 apresenta-se

graficamente os valores obtidos para a zona central da parede para o esforço axial elástico

devido à deformação imposta, obtido do programa de cálculo automático, e o de

dimensionamento (para o comportamento em serviço), ou seja, com aplicação da metodologia

anterior.

Figura V. 15 – Variação do esforço axial, devido à deformação imposta, na zona central da parede de 15m de comprimento

0,0

250,0

500,0

750,0

1000,0

1250,0

1500,0

0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5 5,0

Esfo

rço

Axi

al (

kN/m

)

distância à base (m)

N do SAP2000

Ndim

Ncr

84

Numa análise da flexão composta há que avaliar o nível das tensões nas armaduras em

secção fissurada, definindo a adequabilidade da percentagem de armadura colocada de acordo

com os limites do comportamento em serviço.

Assim, dividiu-se a parede em duas zonas iguais, a superior e a inferior, na zona central da

referida parede, sendo que os seus pontos médios se encontram a 1,25m de distância da base

(região B) e a outra a 3,75m (região A), conforme se pode observar na Figura V.16.

Figura V. 16 – Zonas a analisar

Para cada zona avaliou-se as quantidades de armadura longitudinal para os Estados

Limites Últimos, na parede com 15m de comprimento. No Anexo A apresentam-se os esforços

obtidos do programa de cálculo automático utilizados para essa avaliação. Efectuou-se o

dimensionamento à rotura, em cada zona para esforços médios conservativos, tendo-se

tomado os valores de momento e esforço axial a uma distância de 4,0m da base na zona A e a

0,5m da base na zona B. Seguidamente, apresenta-se os cálculos de dimensionamento em

ambas as zonas:

Zona A:

Figura V. 17 – Pormenor da secção na zona A a dimensionar

𝑁𝑠𝑑 = 1,5 × 41,9 = 62,9 𝑘𝑁 𝑚 ; 𝑀𝑠𝑑 = 1,5 × 33,3 = 50,0 𝑘𝑁𝑚 𝑚 (V. 8)

𝐴𝑠1: 𝐹𝑠1 =𝑀

0,9𝑑+𝑁

2=

50

0,9 × 0,265+

62,9

2= 240,9 𝑘𝑁 𝑚 (V. 9)

85

𝐴𝑠1 =𝐹𝑠1

𝑓𝑦𝑑=

240,9

435 × 103× 10−4 = 5,54 𝑐𝑚2 𝑚 (V. 10)

Adoptou-se a armadura mínima de tracção calculado no exemplo anterior (subcapítulo

5.2.1), ou seja, Ø10//0,10 (2x7,85 cm2/m).

Zona B:

Figura V. 18 – Pormenor da secção na zona B a dimensionar

𝑁𝑠𝑑 = 1,5 × 1,6 = 2,4 𝑘𝑁 𝑚 (V. 11)

Nesta zona não se considerou a influência do esforço axial devido às cargas, pois é muito

reduzido.

𝑀𝑠𝑑 = 1,5 × 27,1 = 40,7 𝑘𝑁𝑚 𝑚 (V. 12)

𝐴𝑠2: 𝐹𝑠2 =𝑀

0,9𝑑=

40,7

0,9 × 0,265= 169,5 𝑘𝑁 𝑚 (V. 13)

𝐴𝑠2 =𝐹𝑠2

𝑓𝑦𝑑=

169,5

435 × 103× 10−4 = 3,89 𝑐𝑚2 𝑚 (V. 14)

Adoptou-se a armadura mínima de tracção calculado no exemplo anterior (subcapítulo

5.2.1), mas neste caso optou-se por colocar Ø16//0,20 (As2=10,05cm2/m) como armadura

interior do tanque e Ø12//0,20 (5,65cm2/m) como armadura exterior.

Efectuou-se a análise ao comportamento em serviço tomando a combinação de esforços

mais desfavorável em serviço, ou seja, a uma distância de 2,5m do topo, na zona A e a 5,0m

do topo, na zona B. Seguidamente, apresenta-se a avaliação das tensões nas armaduras em

ambas as zonas:

86

Zona A:

Figura V. 19 – Pormenor da secção na zona A a verificar o comportamento em serviço

𝑁𝑐𝑞𝑝 = 𝑁𝑑𝑖 + 𝑁𝑐𝑝 = 451,8 + 26 = 477,8 𝑘𝑁 𝑚 ; 𝑀𝑐𝑞𝑝 = 𝑀𝑐𝑝 = 18,9 𝑘𝑁𝑚 𝑚 (V. 15)

𝐹𝑠1 =𝑀𝑐𝑞𝑝

𝑧+𝑁𝑐𝑞𝑝

2=

18,9

0,23+

477,8

2= 321,1 𝑘𝑁 𝑚 (V. 16)

𝐹𝑠2 = −𝑀𝑐𝑞𝑝

𝑧+𝑁𝑐𝑞𝑝

2= −

18,9

0,23+

477,8

2= 156,7 𝑘𝑁 𝑚 (V. 17)

𝜍𝑠1 =321,1 × 10−3

7,85 × 10−4= 409,0𝑀𝑃𝑎; 𝜍𝑠2 =

156,7 × 10−3

7,85 × 10−4= 199,6𝑀𝑃𝑎 (V. 18)

Zona B:

Figura V. 20 – Pormenor da secção na zona B a verificar o comportamento em serviço

𝑁𝑐𝑞𝑝 = 𝑁𝑑𝑖 + 𝑁𝑐𝑝 = 468 − 6,4 = 461,6 𝑘𝑁 𝑚 ; 𝑀𝑐𝑞𝑝 = 𝑀𝑐𝑝 = 45,2 𝑘𝑁𝑚 𝑚 (V. 19)

𝐹𝑠1 = −𝑀𝑐𝑞𝑝

𝑧+𝑁𝑐𝑞𝑝

2= −

45,2

0,23+

461,6

2= 34,28 𝑘𝑁 𝑚 (V. 20)

𝐹𝑠2 =𝑀𝑐𝑞𝑝

𝑧+𝑁𝑐𝑞𝑝

2=

45,2

0,23+

461,6

2= 427,3 𝑘𝑁 𝑚 (V. 21)

𝜍𝑠1 =34,28 × 10−3

5,65 × 10−4= 60,7𝑀𝑃𝑎; 𝜍𝑠2 =

427,3 × 10−3

10,05 × 10−4= 425,2𝑀𝑃𝑎 (V. 22)

87

Apresenta-se na tabela seguinte as tensões nas armaduras condicionantes e abertura de

fendas média e máxima (para o cálculo da distância máxima entre fendas, Sr,máx, utilizou-se a

expressão II.20, com um k2=0,7 (flexão composta)) .

As,adoptado

(cm2/m)

ρef

(%)

Sr,máx

(cm) Esforços

σsmáx

(MPa) εsm-εcm

wm

(mm)

wmáx

(mm)

Zona

A

7,85

(Ø10//0,10)

Armadura exterior

0,63 49,8 N=477,8kN/m

M=18,9kNm/m 409,0 0,00123 0,36 0,61

Zona

B

10,05

(Ø16//0,20)

Armadura interior

0,76 62,1 N=461,6kN/m

M=-45,2kNm/m 425,2 0,00141 0,51 0,87

Tabela V. 9 – Abertura média e característica de fendas para as armaduras condicionantes

Observa-se que as aberturas de fendas para este caso não são de forma alguma

admissíveis. Assim, é necessário, para obter um melhor comportamento ao Estado Limites de

Fendilhação, dispor de outras quantidades de armadura, de forma a assegurar características

de comportamento adequadas à sua funcionalidade. Assim, optou-se por na zona A colocar

Ø16//0,15 como armadura interior e Ø16//0,10 como armadura exterior e na zona B, optou-se

pelo inverso desta disposição. Apresenta-se na Tabela V.10 as tensões e abertura de fendas

para aquelas quantidades de armadura com o fim de obter um melhor comportamento em

serviço.

As,adoptado

(cm2/m)

ρef

(%)

Sr,máx

(cm) Esforços

σsmáx

(MPa) εsm-εcm

wm

(mm)

wmáx

(mm)

Zona

A

20,11

(Ø16//0,10)

Armadura exterior

1,52 37,0 N=477,8kN/m

M=18,9kNm/m 159,66 0,00048 0,10 0,18

Zona

B

20,11

(Ø16//0,10)

Armadura interior

1,52 37,0 N=461,6kN/m

M=-45,2kNm/m 212,49 0,00069 0,15 0,25

Tabela V. 10 – Disposição de armaduras condicionantes para obtenção de abertura de fendas menores

Verifica-se neste exemplo que, efectuando o cálculo das armaduras para os Estados Limites

Últimos, teríamos uma quantidade de armaduras insuficiente e que, para garantir exigências de

estanquidade, de acordo com a Figura II. 27, se chega à conclusão que são necessárias

quantidades de aço ainda superiores às propostas nesta última tabela.

88

VI. Conclusões

O objectivo deste trabalho consistiu no desenvolvimento de um documento que pudesse

sintetizar a informação existente sobre os efeitos das deformações impostas nas

estruturas de betão estrutural, a partir do trabalho de investigação que tem sido desenvolvido

no Instituto Superior Técnico.

Um primeiro aspecto que se salientou é que a consideração das deformações impostas é

fundamental na verificação das condições de serviço da estrutura, sendo a sua

consideração no dimensionamento à rotura limitada aos eventuais esforços de segunda ordem

e a verificação da ductilidade disponível. Como os efeitos desfavoráveis das deformações

impostas se fazem sentir fundamentalmente no comportamento em serviço, devem ser

consideradas na verificação aos Estados Limites de Utilização, essencialmente, o controlo da

fendilhação. Assim sendo, é pressuposto a estrutura encontrar-se fendilhada e, portanto, no

cálculo dos esforços faz todo o sentido considerar a diminuição de rigidez e dos esforços

gerados relativamente aos elásticos.

Para ocorrer o processo de formação de fendas é necessário, nessa fase, evitar a

plastificação, ou seja, é fundamental verificar o critério de não plastificação da armadura. Com

este critério pretende-se garantir que os esforços de cedência da secção são superiores aos de

fendilhação, assegurando-se um comportamento dúctil, para o caso da acção de uma carga e

evitando-se a não formação de uma fenda isolada, para o caso de uma deformação imposta.

Nas situações de flexão é corrente os esforços maiores concentrarem-se em determinadas

zonas da estrutura, ao passo que na resposta estrutural para situações de deformação

imposta, com esforços de tracção, há maior tendência para a uniformidade dos efeitos das

acções ao longo do elemento.

Para situações de deformações impostas axiais afectando o betão e o aço (variação de

temperatura) global cada nova fenda forma-se para um valor de esforço axial aproximado de

Ncr, enquanto no caso da retracção do betão o esforço axial resultante para formar cada nova

fenda tem tendência a ser inferior a Ncr e menor do que o valor da anterior fenda. Tal facto é

justificado pelo efeito restritivo da acção da armadura relativamente ao livre encurtamento do

betão, gerando tensões auto-equilibradas na secção, com tracção no betão e compressão no

aço. Estas tensões no betão, que aumentam à medida que se processa o fenómeno da

retracção, é tal que diminui reserva para que se atinja de novo a tensão de resistência do betão

e, consequentemente, o valor de esforço axial na abertura de cada nova fenda. O campo auto-

equilibrado de tensões que se vai gerando no elemento faz diminuir a máxima tensão na

armadura à medida que a retracção se vai dando e as fendas formando-se.

Em situações em que se sobrepõem os efeitos de flexão de deformações impostas com

os das cargas os esforços desenvolvidos variam consoante o valor da rigidez da estrutura seja

89

maior ou menor e o facto de já ter sido iniciada ou não a fase fendilhada. O efeito das

deformações impostas manifesta-se por um acréscimo de curvatura e por um possível aumento

dos momentos flectores, estando estes dependentes do estado e do nível de esforço em que o

elemento se encontra. Constatou-se que para uma maior diferença entre o momento devido às

cargas aplicadas em serviço e o momento de cedência, maior será a capacidade do elemento

estrutural em admitir eventuais acréscimos de momento flector devido à acção das

deformações impostas, sem que se atinja a cedência ou as aberturas de fendas sejam mais

importantes.

Para situações de sobreposição de efeitos de flexão com deformação imposta axial

ocorre a diminuição dos esforços axiais que se desenvolvem, quer a deformação seja interna

ou externa ao betão. Sendo que, esta diminuição é mais significativa para níveis mais baixos

da deformação imposta. Concluiu-se, também, que as acções não devem ser consideradas

como a soma de cada efeito analisado individualmente.

Foram apresentados critérios de dimensionamento que têm sido propostos, no âmbito

da verificação do comportamento em serviço, para as situações de actuação de deformações

impostas isoladamente ou em conjunto com acções directas. Tais critérios têm como base, a

aplicação de um factor de redução aos valores dos esforços elásticos, à consideração do

esforço de fendilhação ou mesmo só a uma percentagem deste, dependendo da situação em

causa.

Dos exemplos de aplicação foi interessante verificar, no primeiro exemplo do muro sujeito

à restrição das deformações impostas, que com a quantidade mínima de armadura as

estimativas da largura máxima das fendas são elevadas, por comparação às diferentes

exigências regulamentares e que a garantia da estanquidade por limitação da abertura de

fendas a limites apertados conduz a quantidades muito significativos de armadura, mesmo

adoptando para o dimensionamento o esforço axial de 0,7Ncr. Verificou-se, ainda, que pelo

cálculo directo, as quantidades de armadura necessárias para um dado nível de exigência são

superiores às obtidas para o controlo indirecto, tendo-se constatado, uma diferença com um

factor da ordem de 1,4 entre os dois tipos de controlo, o que justifica que este aspecto seja, no

futuro, clarificado.

No segundo exemplo, o tanque com sobreposição de efeitos, verificou-se que

dimensionando as armaduras longitudinais à rotura, obtém-se um mau comportamento em

serviço, tendo que se dispor de quantidades superiores às mínimas regulamentares para ter

aberturas de fendas aceitáveis.

90

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Basingstoke : Palgrave Macmillan, 1996;

[36] www.eng-tips.com

93

Anexo A

Variação do esforço axial resultante, devido ao peso próprio e impulso da água, na zona central da parede de 15m de comprimento

Variação do momento flector, devido ao impulso da água, na zona central da parede de 15m

-10,0

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

5,04,54,03,53,02,52,01,51,00,50,0

Esfo

rço

Axi

al (

kN/m

)

distância à base (m)

-50,0

-40,0

-30,0

-20,0

-10,0

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

5,04,54,03,53,02,52,01,51,00,50,0

(kN

.m/m

)

Distância à base (m)

94

Variação do momento flector, devido ao impulso da água, ao longo do comprimento da parede de 15m de comprimento, a uma distância de 4,0m da base

-120,0

-100,0

-80,0

-60,0

-40,0

-20,0

0,0

20,0

40,0

0,0 1,5 3,0 4,5 6,0 7,5 9,0 10,5 12,0 13,5 15,0

(kN

.m/m

)

(m)